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Direito do Trabalho
2ª Aula: 12/08/2021
Princípios Peculiares do Direito do Trabalho

Sendo de fundamental importância à compreensão do Direito, os princípios são objeto de estudos


pelos diferentes doutrinadores, ressaltando Maurício Godinho Delgado que a palavra princípio “[...] carrega
consigo a força do significado de proposição fundamental. E é nessa acepção que ela foi incorporada por
distintas formas de produção cultural dos seres humanos, inclusive o Direito.”1
Luciano Martinez refere que princípios e regras são espécies do gênero “norma jurídica”, bem como
que desde que positivados (explícita ou implicitamente) têm força normativa, ensinando:
Os princípios prescrevem diretrizes, produzindo verdadeiros mandados de
otimização que, em última análise, visam à potencialização da própria justiça. Por
serem dotados de estrutura valorativa, os princípios reclamam uma conduta racional
e criativa do intérprete para sua aplicação. [...] As regras, por sua vez, descrevem em
sua estrutura lógica uma hipótese fática e uma consequência jurídica, seguindo um
modelo do “tudo ou nada” [...] vale dizer, ou se aplicam ou não se aplicam a um
caso concreto.2
Esclarece Carmen Camino que:
Princípio traduz idéia de diretriz de comportamento, arraigado em cada um de nós,
de acordo com os valores que vamos assimilando no curso de nossas vidas. É comum
ouvirem-se expressões tais como “foi coerente com seus princípios”, ou “não posso
agir assim, é contra os meus princípios”, ou em tom de censura, “esse sujeito não tem
princípios”. Quando pronunciadas, traduzem a síntese da formação do indivíduo,
fruto da complexa gama de fatores históricos, culturais, familiares, éticos, étnicos,
religiosos e cívicos; de conceitos e preconceitos; de costumes; tudo a traduzir a visão
particular de comportamento social e pessoal. Em síntese, o princípio traduz uma
ideologia pautada por valores. [...] O princípio é regra não-escrita, diretriz
intuitivamente introjetada no grupo social e, explícita ou implicitamente, no
ordenamento jurídico.3

Na definição de Américo Plá Rodriguez, citado por Camino, princípios são “Linhas diretrizes que
informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções pelo que, podem servir
para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os
casos não previstos”.
Para Ives Gandra da Silva Martins Filho, os princípios de Direito do Trabalho “constituem as linhas
diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas trabalhistas e configuram a regulamentação das
relações de trabalho, conforme critérios distintos dos albergados por outros ramos do Direito.”4
Os princípios cumprem tríplice função:
a) Informadora: inspirando o legislador, servindo de fundamento para o ordenamento jurídico;
b) Normativa: atua como fonte supletiva, no caso de ausência ou lacuna da lei;
c) Interpretadora (ou interpretativa) atua como critério orientador ao juiz ou ao intérprete.
Quanto ao particular, melhor esclarecendo, aduz Martins Filho que:
Os princípios de Direito, em qualquer ramo da Ciência Jurídica, desempenham três
funções básicas:
1
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho, 4ª ed., São Paulo, LTr, 2005, p. 184.
2
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 4ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 101.
3
CAMINO, Carmen. Direito individual do trabalho, 4ª ed., Porto Alegre: Síntese, 2044, p. 88-9.
4
MARTINS Filho, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho, 19ª ed., São Paulo: Saraiva,
2010, p. 58.
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a) função informadora – de orientar o legislador na confecção das leis e de
fundamentar as normas jurídicas estatuídas (os princípios mais gerais integram a base
do Direito Natural, que irá nortear a elaboração do Direito Positivo);
b) função normativa – nos casos de lacuna e omissão da lei, atuam como fonte
supletiva de direito (LICC, art. 4º; CLT, art. 8º; CPC, art. 126);
c) função interpretativa – critério orientador de interpretação e compreensão das
normas jurídicas positivadas (permite que, havendo incidência de diferentes regras de
direito sobre uma questão jurídica a ser solvida, o aplicador da lei disponha de uma
orientação quanto a qual regra merece prevalecer em relação a outra).5

Segundo leciona Vólia Bomfim Cassar, os princípios de direito:


Servem não só de parâmetro para a formação de novas normas jurídicas, mas
também de orientação para a interpretação e aplicação das normas já existentes.
Designam a estruturação de um sistema jurídico através de uma idéia mestre que
ilumina e irradia as demais normas e pensamentos acerca da matéria.6
Assim, entende-se os princípios como o fundamento, o alicerce do ordenamento jurídico trabalhista,
estando acima do direito positivo. Seu estudo e sua compreensão são fundamentais, porque tendem a
sintetizar a própria finalidade do direito. Muitas vezes precedem a própria norma legal, quando eles a
informam.
Fazendo referência aos princípios de Direito do Trabalho, Cassar afirma que:
A diretriz básica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, uma vez que o
empregado não tem a mesma igualdade jurídica que o empregador, como acontece
com os contratantes no Direito Civil. A finalidade do Direito do Trabalho é a de
alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes e, para tanto,
necessário é proteger a parte mais frágil desta relação: o empregado.
Em face deste desequilibro existente na relação travada entre empregado e
empregador, por ser o trabalhador hipossuficiente (economicamente mais fraco) em
relação ao empregador, consagrou-se o princípio da proteção ao trabalhador, para
equilibrar esta relação desigual. Assim, o Direito do Trabalho tende a proteger os
menos abastados, para evitar a sonegação dos direitos trabalhistas destes. Para
compensar esta desproporcionalidade econômica desfavorável ao empregado, o
Direito do Trabalho lhe destinou maior proteção jurídica. Assim, o procedimento
lógico para corrigir as desigualdades é o de criar outras desigualdades.
[...]
O fundamento deste princípio está relacionado com a própria razão de ser do Direito
do Trabalho: o equilíbrio entre os interesses do empregado e do patrão. Como afirma
Plá Rodriguez “[...] historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como
conseqüência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e
capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração.
Inclusive as mais abusivas e iníquas.”
[...].7
Quanto ao particular, Américo Plá Rodrigues,8 citado por Cassar, esclarece que o princípio da
Proteção ao Trabalhador, é o fundamento e a base do Direito do Trabalho, bem como que se divide em

5
Ibidem, p. 58.
6
CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho, 2ª ed., Niterói: Ímpetos, 2008, p. 165-6.
7
Ibidem. p. 182-3.
8
Ibidem, p. 183.
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três importantes, regras ou ideias, ou, também, como alguns autores preferem, em três princípios ou
subprincípios, mas na verdade há convergência que se consubstanciam em: - In dubio pro operario
(misero); - Aplicação da Norma mais Favorável; Preservação da Condição Mais benéfica.
Salienta a autora, ainda, que:
Não há consenso na doutrina se este princípio é gênero de todos os outros princípios
de Direito do Trabalho ou apenas dos três princípios acima destacados. A doutrina
majoritária, seguindo a orientação de Américo Plá Rodriguez, defende que o
princípio da proteção é gênero que comporta as três espécies acima.
Assim afirma Plá Rodriguez:
[...] além do princípio protetor, no qual se inserem as regras in dubio pro
operario, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, o Direito do
Trabalho consagra os princípios da irrenunciabilidade, da continuidade da
relação de emprego, da primazia da realidade, da razoabilidade e da boa-fé.
O princípio da proteção ao trabalhador tem fundamento na desigualdade, diferente do
Direito Civil, em que teoricamente as partes contratantes possuem igualdade
patrimonial. No direito do Trabalho há uma desigualdade natural, pois o capital
possui toda a força do poder econômico. Desta forma, a igualdade preconizada pelo
Direito do Trabalho é tratar os desiguais de forma desigual.9

Feitas tais considerações, segue o estudo dos princípios de Direito do Trabalho enumerados por
Américo Plá Rodriguez:
1. Princípio da proteção (protetor, protetivo, tutelar): Ressalta Martins Filho que: “Enquanto no
Direito Civil assegura-se a igualdade jurídica dos contratantes, no Direito do Trabalho a preocupação é
proteger a parte economicamente mais fraca, visando alcançar uma igualdade substancial”10 que pode se
concretizar em três ideias (megaprincípio), pois deste decorrem todos os demais:

a) In dubio pro operario: aplicável à interpretação da norma. Para fins de interpretação do direito
material e não para interpretação ou aplicação da prova. Quando uma mesma norma comporta
interpretações diversas deverá optar o intérprete pela que resultar em situação mais vantajosa ao empregado.
Sinala Martins Filho que para sua aplicação pressupõe-se a existência de dúvida, não se podendo ir
contra a vontade expressa do legislador, bem como que na observância desta regra deve-se “[...] escolher,
entre vários sentidos da norma, aquele que seja mais favorável ao trabalhador.”11
Por fim, não se pode olvidar que os princípios estudados são de Direito Material do Trabalho,
havendo diversos autores, todavia, que defendem a aplicação desta regra para avaliação da prova o que, sem
dúvida, tem relação com o Direito Processual do Trabalho.

b) Aplicação da norma mais favorável: aplicável à interpretação concomitante de várias normas.


Quando uma mesma situação fática comportar a incidência de várias normas simultaneamente, deve o
intérprete optar pela que for mais favorável ao empregado.
Nesse sentido, assevera Cassar que, “[...] caso haja mais de uma norma aplicável a um mesmo
trabalhador, deve-se optar por aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a
hierarquia das normas.”12

9
Ibidem. p. 183.
10
MARTINS Filho, Ives Gandra da Silva. [op. cit.], p. 59.
11
Ibidem, p. 59.
12
CASSAR, Vólia Bonfim. [op. cit.], p. 192.
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Entretanto, a autora alerta que: “Mesmo que a norma seja mais favorável ao empregado, se violar
dispositivo expresso em lei ou for inconstitucional, não poderá ser aplicada. É o que ocorre quando uma
norma coletiva concede aumento coletivo que contrarie lei de política salarial – art. 623 da CLT.”13

b1) Inversão da hierarquia das fontes: As normas se colocam hierarquicamente, todavia, se a


utilização de norma inferior for mais favorável ao empregado tal princípio poderá ser observado. Exclui-se
sempre da inversão a Constituição da República.

c) Preservação da condição mais benéfica: é característica do contrato de emprego ser de trato


sucessivo, pois tende a projetar-se no tempo, não se extinguindo com a prática de um único ato.
Na evolução do contrato de emprego incidem várias normas que se sucedem. O empregado não
perde, incorpora ao seu patrimônio jurídico as vantagens concedidas ou adquiridas. Se forem suprimidas,
devem ser restituídas. Assim, no período em que se desenvolve o contrato, preservam-se as condições mais
benéficas, por direito adquirido.
Na relação jurídica de execução continuada, como é o contrato de emprego, sucedendo-se várias
normas, as disposições que contemplem situações mais benéficas são preservadas não se admitindo o
reformatio in pejus, não prevalecendo a norma nova, caso regulamente os fatos de forma desfavorável.
Sobrevindo, porém, nova lei com regulamentação mais benéfica, sua incidência é imediata, sobrepondo-se à
regulamentação anterior.
Preserva-se o direito adquirido do empregado à condição mais benéfica. Não há direito adquirido do
empregador à condição mais benéfica.
Para Martins Filho, “a aplicação de norma nova não pode implicar a diminuição das conquistas
alcançadas pelo trabalhador (incorporadas ao seu patrimônio jurídico).14
Já cassar, complementa, aduzindo que a regra estudada:
Determina que toda circunstância mais vantajosa que o empregado se encontrar
habitualmente prevalecerá sobre a situação anterior, seja oriunda da lei, do contrato,
regimento interno ou norma coletiva. Todo tratamento favorável ao trabalhador,
concedido tacitamente, de modo habitual prevalece, não podendo ser suprimido,
porque incorporado ao patrimônio do trabalhador como cláusula contratual
tacitamente ajustada – art. 468 da CLT. Se concedido expressamente, o requisito da
habitualidade é desnecessário, pois a benesse é cláusula contratual ajustada pelas
partes, não podendo o empregador descumprir o pacto.15

2. Princípio da irrenunciabilidade

Impossibilidade jurídica de renúncia pelo empregado de seus direitos, sob o fundamento da coação
presumida. As normas trabalhistas são de ordem pública, cogentes e irrenunciáveis. Se infringidas, é nulo o
ato respectivo, conforme art. 9o da CLT.
Esclarece Martins Filho, que renúncia consubstancia “negócio jurídico unilateral que determina o
abandono irrevogável de um direito.”16

3. Princípio da primazia da realidade

13
Ibidem, p. 194.
14
MARTINS Filho, Ives Gandra da Silva. [op. cit.], p. 60.
15
CASSAR, Vólia Bonfim. [op. cit.], p. 184.
16
MARTINS Filho, Ives Gandra da Silva. [op. cit.], p. 60.
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Constitui-se no desprezo à forma quando contra ela se sobrepõem os fatos reais.
Em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos,
deve-se dar preferência ao que se sucede no terreno dos fatos, desde que devidamente provados.
Segundo magistério de Martins Filho, o princípio em destaque: “Consiste em das preferência à
realidade fática verificada na prática da prestação de serviços em vez do que possa emergir dos documentos
que corporificam o contrato de trabalho, quando houver discordância entre ambos [...].”17
Argumenta Cassar que:
O princípio da primazia da realidade destina-se a proteger o trabalhador, já
que seu empregador poderia, com relativa facilidade, obriga-lo a assinar
documentos contrários aos fatos e aos seus interesses. Ante o estado de sujeição
permanente que o empregado se encontra durante o contrato de trabalho,
algumas vezes submete-se às ordens do empregador, mesmo que contra sua
vontade.18
Evidenciando a aplicação de tal princípio, a Súmula 12 do Colendo TST estabelece que "As
anotações apostas na carteira do empregado pelo empregador não geram presunção ‘juris et de jure’, mas
apenas ‘juris tantum’”.

4. Princípio da continuidade

O rompimento do contrato constitui anomalia no contexto de relação jurídica onde há expectativa


recíproca de prestações e dependências, o empregado necessita do salário e o empregador do trabalho.
Ensina Martins Filho que tal princípio: “Atribui à relação de emprego a mais ampla duração.
Continuidade: no emprego – impede as despedidas (estabilidade); na função – impede o rebaixamento
(alteração); no lugar impede as transferências (alteração).”19
Prossegue o autor, afirmando que há preferência pelos contratos por prazo indeterminado, sendo que
os contratos por prazo determinado constituem exceção à regra das contratações trabalhistas.
Deste princípio decorrem duas ideias importantes:
a) as alterações relativas à pessoa jurídica do empregador não atingem o contrato de trabalho (arts. 10
e 448 da CLT).
b) o contrato de trabalho se extingue com a dissolução do empregador.
O princípio da continuidade é ainda informador dos institutos da estabilidade no emprego e da
sucessão de empregadores.

5. Princípio da razoabilidade (ou racionalidade)

Pressupõe que o ser humano, em suas relações trabalhistas, proceda conforme a razão.
Baseia-se no pressuposto de que o homem comum atua normalmente de acordo com a razão e
adaptado a certos padrões de conduta, que são os que corretamente se preferem e se seguem, por serem os
mais lógicos.
Frisa Martins Filho que: “A conduta das partes deve fundar-se em motivos racionais e não arbitrários
ou carentes de uma justificação razoável. [...] Critério geral e intuitivo, com certa subjetividade, que supõe o
senso comum compartilhado pela comunidade.”20

17
Ibidem, p. 66.
18
CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho, 2ª ed., Niterói: Ímpetos, 2008, p. 201.
19
Ibidem, p. 58.
20
MARTINS Filho, Ives Gandra da Silva. [op. cit.], p. 67-8.
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Serve como critério distintivo ou como meio de aplicar os critérios distintivos, em situações limites
nas quais se deva distinguir a realidade da simulação. Critério adicional, complementar, suficiente quando
não há outros elementos de convicção.
Segundo Américo Plá Rodriguez, a falta de antecedentes pode tornar particularmente controvertida a
aplicação de tal princípio.

6. Princípio da boa-fé (lealdade)

Refere-se à conduta da pessoa que considera cumprir realmente seu dever. Pressupõe uma posição de
honestidade e honradez no relacionamento jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não
enganar, não prejudicar, nem causar danos. Implica a convicção de que as transações são cumpridas,
normalmente, sem trapaças nem desvirtuamentos.
O princípio da boa fé não é exclusivo do Direito do Trabalho, nem distintivo deste
ramo da Ciência Jurídica, mas norteia todas as relações contratuais, dentre as quais as
trabalhistas. Constitui uma das chaves-mestras do novo Código Civil, sinalizando
para o modo como devem ser interpretados os negócios jurídicos (CC, art. 113).
A boa fé é a intenção moralmente reta no agir, que se supõe na conduta normal da
pessoa. É o equivalente no Direito Civil, ao princípio da inocência até prova em
contrário, do Direito Penal (CF, art. 5º, LVII).
Assim, a conduta, quer processual, quer negocial, das partes no Direito e no Processo
do Trabalho deve ser interpretada como um agir de boa-fé, até que se demonstre, por
provas ou indícios concretos, que se agir de má-fé.21

Portanto, resulta evidente que em Juízo, a boa fé se presume, a má fé deve ser provada.

21
Ibidem, p. 71.

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