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DIREITO DO

TRABALHO I

Eduardo Zaffari
Princípios e fontes do
Direito do Trabalho
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar os princípios regedores do Direito do Trabalho.


 Analisar as fontes do Direito do Trabalho e sua hierarquia.
 Reconhecer a importância do estudo dos princípios e das fontes do
Direito do Trabalho diante de decisões judiciais.

Introdução
O Direito, surgido a partir do âmbito social, em que os fatos e valores
vigentes estão em constante relação, deve representar os anseios sociais
para manter a sua eficácia. Nesse sentido, os princípios são importantes
vetores para a realização dos valores sociais, permitindo a leitura atual e
constante dos textos normativos. Além dos princípios constitucionais, cada
ramo do Direito apresenta princípios específicos, como se constata no
Direito do Trabalho, em que a proteção do trabalhador é o principal valor.
Como você vai ver neste capítulo, os princípios do Direito do Trabalho de-
terminam a consideração cuidadosa da hierarquia das fontes. Nesse sentido,
deve-se sempre levar em conta a proteção do trabalhador como fim último.
Ao longo do capítulo, você vai estudar os princípios do Direito do Trabalho, as
suas fontes e a sua hierarquia. Além disso, você vai verificar a importância do
reconhecimento e do estudo das fontes no contexto das decisões judiciais.

1 Princípios do Direito do Trabalho


Primeiramente, você deve considerar o sentido do termo “princípio”. Isso é
fundamental para a posterior utilização desse termo e para o reconhecimento
da sua importância. A palavra “princípio” remete a “início”, “elemento funda-
mental”, “causa primeira”. Essa definição vem ao encontro do significado do
2 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

termo. Como você já deve ter estudado, os primeiros filósofos (pré-socráticos)


buscavam explicar o fundamento de tudo o que compõe o universo. Mais
tarde, Aristóteles, especialmente na Metafísica, abordou a busca pela causa
primeira, o principii a partir do qual todas as coisas surgiriam.
Delgado (2017) afirma que os princípios têm sido abandonados pelas ciên-
cias porque seriam condicionantes da livre pesquisa e porque não se poderia dar
limites à ciência, já que ela tem seu ponto de partida nos fenômenos empíricos
(experimentais). Porém, ele também afirma que a ciência do Direito é distinta
das demais ciências por estudar o “dever ser”. Por essa razão, o abandono dos
princípios não se aplica ao Direito.
Entretanto, a análise de Delgado (2017) se debruça somente sobre uma visão
empirista da ciência, ignorando as ciências racionalistas, como a própria Filosofia.
Ao prescrever que “todos os homens tendem ao saber” na abertura de sua obra
Metafísica, Aristóteles apresenta a noção de tendência, de propensão, não de
condição. Não obstante, a classificação dos princípios do Direito do Trabalho
proposta por Delgado (2017) talvez seja uma das mais completas do ramo.

A teoria tridimensional do Direito, proposta pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale,


incorpora a dinâmica entre fato, valor e norma, demonstrando a relação existente entre
Sociologia, Filosofia e Direito para a construção do direito positivo.

O primeiro princípio específico do Direito do Trabalho é o princípio da


proteção, também denominado “princípio tutelar” ou “protetivo”, ou ainda
“tutelar-protetivo”. Segundo esse princípio, o Direito do Trabalho está estrutu-
rado, por meio de suas regras, institutos, princípios e presunções, para proteger
a parte hipossuficiente da relação empregatícia, equiparando, no plano jurídico,
a distinção que há entre empregado e empregador no plano fático (DELGADO,
2017). Esse princípio serve como vetor de todo o Direito Juslaboral, influindo
em toda a sua estrutura de relações individuais e coletivas. Ele também re-
percute na imperatividade das normas trabalhistas, na indisponibilidade dos
direitos pelo trabalhador, na inalterabilidade lesiva dos contratos, entre outras
formas de proteção. Desse princípio decorrerem ainda outros três princípios
básicos: in dubio pro operario, prevalência da norma favorável ao trabalhador
e prevalência da condição mais benéfica ao trabalhador.
Princípios e fontes do Direito do Trabalho 3

O princípio do in dubio pro operario significa que, na interpretação de uma


norma jurídica que possa suscitar dúvida quanto ao seu real significado e alcance,
deve-se optar pela interpretação mais favorável ao trabalhador (NASCIMENTO;
NASCIMENTO, 2015). Delgado (2017) afirma, entretanto, que esse princípio,
adaptado do in dubio pro reo, apresenta o problema de já estar abarcado pelo
princípio da interpretação da norma mais favorável ao trabalhador. Além disso,
para o autor, tal princípio afrontaria o princípio do juiz natural.
O segundo princípio que decorre do princípio protetivo é o da prevalência da
norma favorável ao trabalhador. Isto é: deve-se escolher a norma mais favorá-
vel ao trabalhador quando dois ou mais dispositivos legais tratarem da mesma
situação (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2015). Delgado (2017) afirma que
esse princípio atua na fase pré-jurídica (política) de confecção da norma e na
fase jurídica, quando se dá a hierarquização das normas pelo intérprete.
O terceiro princípio decorrente da proteção do trabalhador é o princípio
da condição mais benéfica ao trabalhador. Nesse caso, uma norma que
revogue outra mais favorável ao trabalhador não se aplica; permanece válida
a norma mais favorável, mesmo que revogada. Em suma, a condição mais
favorável permanece válida para o trabalhador, já que passou a integrar o
seu patrimônio jurídico (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2015). Embora
Nascimento e Nascimento (2015) trate os três princípios que você acabou de
ver como subprincípios (por decorrerem do princípio protetivo), boa parte da
doutrina os considera princípios autônomos.
O princípio da imperatividade das normas trabalhistas prescreve que
as normas trabalhistas são impositivas, de modo que os contratantes não
podem dispor das regras trabalhistas, afastando-as da relação contratual.
Diferentemente do que ocorre no Direito Civil, em que a autonomia privada
é valorizada e em que se permite que as partes disponham sobre regras dispo-
sitivas, no Direito do Trabalho as normas geram uma restrição à autonomia.
Nesse sentido, as normas constantes na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) têm caráter de ordem pública.
Outro princípio de extrema relevância para o Direito do Trabalho é o
princípio da inalterabilidade contratual lesiva, que advém do princípio do
Direito Civil expresso no brocardo pacta sunt servanda. Mas no Direito do
Trabalho esse princípio é adequado e atenuado em favor do trabalhador. Nesse
ramo, tal princípio determina que qualquer alteração contratual da relação
empregatícia não terá validade se for lesiva ao empregado. Por outro lado,
qualquer alteração contratual que seja benéfica ao empregado é possível e vai
integrar o patrimônio jurídico do trabalhador.
4 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

A CLT prescreve expressamente a impossibilidade de alterar o contrato de trabalho de


modo a prejudicar o trabalhador, sejam os prejuízos diretos ou indiretos, como consta
no Art. 468: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente
desta garantia.” (BRASIL, 1943, documento on-line).

O princípio da intangibilidade salarial determina que o salário do empre-


gado seja garantido e preservado — em relação ao seu valor, ao seu montante
e à sua disponibilidade para o trabalhador. O salário supre as necessidades
básicas da pessoa humana, atendendo ao princípio da dignidade da pessoa
humana prescrito na Constituição Federal de 1988. Afirma-se que o salário
tem caráter alimentar e, nesse sentido, deve ser protegido. Assim, apenas se
admite a inobservância desse princípio excepcionalmente.
Muito usado na relação processual do trabalho, o princípio da primazia
da realidade sobre a forma amplia a visão que se deve ter da relação material
(contrato de trabalho) entre empregado e empregador. Tal princípio permite que
se valorize a substancialidade, a realidade do que de fato ocorre na relação entre
empregado e empregador, em detrimento da forma. Esse princípio tem muita
importância nas situações em que se tenta mascarar a realidade da relação de
emprego por meio de contratos simulados. Delgado (2017, p. 223) afirma que
“No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta
efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade
eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica [...]”.
O último princípio específico da relação contratual empregatícia a ser
destacado é o princípio da continuidade da relação de emprego. Ele deter-
mina que se deve preservar o vínculo empregatício, valorizando-o para que
o empregado seja integrado na estrutura e na dinâmica empresarial. Uma
relação contratual contínua e duradoura permite que o empregado se aprimore
e que a empregadora obtenha melhores resultados da força de trabalho do
funcionário, que se especializará e auxiliará no desenvolvimento da empresa
e da sociedade como um todo.
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2 Fontes do Direito do Trabalho e sua hierarquia


A palavra “fonte” remete à noção de “origem”. Como define França (2011,
p. 941), “[...] fonte é o lugar de onde provém alguma coisa. Fonte de Direito
seria, analogamente, o lugar de onde são oriundos os preceitos jurídicos [...]”.
A doutrina brasileira é prolífica ao tratar das diversas fontes do Direito nos
diferentes ramos dessa ciência. Entretanto, é no estudo de França (2011),
doutrinador que atuou do início até meados do século XX, que se encontra a
melhor explicação sobre as fontes do Direito. Segundo o jurisconsulto, haveria
uma impropriedade ao se denominar as formas de expressão do Direito de
“fontes”, já que esse termo é mais apropriado para designar a origem em
termos de Direito.
O argumento sustentado é que a lei, o costume, etc., usualmente reconhe-
cidos como fontes do Direito, não geram o Direito, tampouco criam o Direito,
mas são o próprio Direito. Então, não se poderia chamar de “fonte” o que é o
próprio Direito. Seriam fontes do Direito, conforme afirma França (2011), o
arbítrio humano e o direito natural. Já as formas do Direito seriam: a lei, os
costumes, a jurisprudência, etc. Delgado (2017, p. 146) reconhece que “[...]
fontes do direito consubstancia a expressão metafórica para designar a origem
das normas jurídicas [...]”, o que remeteria à crítica de França (2011). Todavia,
Delgado (2017) divide a expressão em fontes materiais e fontes formais, a
depender da concepção. A seguir, você vai conhecer cada uma delas.
As fontes materiais se constituem nos fatores políticos, econômicos, socio-
lógicos ou filosóficos que, atuando conjuntamente, induzem a elaboração ou
a modificação do fenômeno do Direito. Elas são o substrato que possibilita o
desenvolvimento de normas jurídicas para determinada sociedade. As fontes
materiais seriam, para França (2011), a fonte do Direito em sua genuína acepção.
Já as fontes formais representam a “[...] exteriorização final das normas jurí-
dicas, os mecanismos e modalidades mediante os quais o Direito transparece
e se manifesta [...]” (DELGADO, 2017, p. 148). Essas fontes constituiriam,
na visão de França (2011), as formas de expressão do Direito. A distinção
entre fontes materiais e formais para designar a origem do Direito e a sua
forma de exteriorização, respectivamente, é mais disseminada na doutrina
e na jurisprudência.
6 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

As fontes formais são consideradas heterônomas quando têm origem estatal, sem a
participação dos destinatários. É o caso da Constituição, das leis, das medidas provi-
sórias, dos decretos e de outros diplomas normativos exarados pelo Estado. As fontes
formais autônomas, por sua vez, são aquelas produzidas com a participação dos
próprios destinatários das normas, tais como acordos coletivos, contratos coletivos e
convenções coletivas.

A Constituição Federal está no topo hierárquico da ordem normativa, por


servir de fundamento de validade para todas as demais normas do ordenamento
jurídico. A Constituição expressa o pacto social que constitui os órgãos de
Estado e outorga poderes para que tais órgãos editem leis na medida de suas
respectivas competências formais e materiais. As leis têm validade e funda-
mento em relação à Constituição por abstração negativa. Ou seja: a legislação
terá validade e eficácia apenas se não contrariar os preceitos constitucionais,
sejam regras ou princípios (DELGADO, 2017).
A segunda fonte heterônoma do Direito do Trabalho é a lei, compreendida como
“toda norma de direito que seja geral, abstrata, impessoal, obrigatória, oriunda de
uma autoridade competente e expressa numa fórmula escrita”. As leis, nesse caso,
compreendem qualquer lei emanada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo chefe
do Poder Executivo, assim como medidas provisórias, decretos e leis delegadas.
Todas deverão observar o seu sentido material e formal. O sentido material consiste
na observância do conteúdo possível para cada tipo de norma. Já o sentido formal
consiste na observância da aprovação conforme o rito específico determinado na
Constituição Federal (forma e qualidades essenciais) (DELGADO, 2017).
No Brasil, a lei básica e central de toda a legislação trabalhista, em torno da
qual gravitam vários instrumentos normativos, é o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943 (CLT). A legislação trabalhista consolida normas de Direito
Individual do Trabalho, Direito Coletivo, Direito Processual do Trabalho e
Direito Administrativo. Trata-se da norma básica do Direito do Trabalho,
que vem sendo reiteradamente alterada e reformada desde 1943. Além disso,
diversas outras leis têm tratado sobre a matéria trabalhista. Por exemplo: Lei do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990),
Lei do Descanso Semanal Remunerado (Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949),
Lei do Contrato de Trabalho do Empregado Doméstico (Lei Complementar
nº 150, de 1º de junho de 2015), entre diversos outros instrumentos legais.
Princípios e fontes do Direito do Trabalho 7

A CLT passou por uma profunda reforma por meio da Lei nº 13.467, de 13 de julho
de 2017. Essa lei alterou dispositivos legais da legislação consolidada e importantes
paradigmas, como a valorização do negociado sobre o legislado.

No plano internacional, há diversas fontes normativas que podem gerar


efeitos em território nacional. São elas: tratados, convenções, declarações e
recomendações internacionais. Os tratados são os documentos firmados por
duas ou mais partes (Estados) ou entes internacionais (organizações, entidades
multilaterais, etc.), estabelecendo obrigações, deveres e programas a serem
observados pelos signatários. As convenções, por sua vez, são documentos
obrigacionais, com características semelhantes às dos tratados, mas aprovados
em entidades internacionais ou entre Estados, e os demais Estados podem
aderir a dada convenção se concordarem com seus termos. As convenções
são, em geral, fruto de assembleias ou conferências (e mesmo quem não
participou pode aderir posteriormente). As declarações e recomendações
são instrumentos internacionais de caráter programático: as declarações são
oriundas de eventos e congressos em que Estados soberanos expedem suas
conclusões; as recomendações são enunciados de entidades internacionais
para aperfeiçoamento normativo das demais entidades ou Estados soberanos.
Os regulamentos normativos (decretos) são normas que objetivam opera-
cionalizar e especificar o sentido constante em leis sobre determinada matéria.
Usualmente, por decreto expedido pelo Poder Executivo, os regulamentos
normativos tornam efetiva a lei em razão de explicitar seus conceitos, definir
seus limites e apresentar elementos para sua concretização. Entre os regula-
mentos, também figuram portarias, avisos, instruções e circulares, atos que
obrigam os funcionários públicos, não se aplicando aos particulares. Não
obstante, esses instrumentos direcionados aos funcionários públicos permitem
a operacionalização de leis, nos limites de suas respectivas atribuições.
As sentenças normativas decorrem da atribuição, conferida pela Constituição
ao Poder Judiciário, da competência de fixar regras jurídicas trabalhistas nos
processos de dissídio coletivo. Como destaca Delgado (2017, p. 169–170), a “[...]
sentença normativa estrutura um espectro de normas gerais, abstratas, impes-
soais, obrigatórias, como resultado de um único e específico processo posto a
exame do tribunal trabalhista para aquele preciso e especificado fim, no exercício
de função típica e tradicional do Poder Legislativo (e não do Judiciário) [...]”.
8 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

As fontes autônomas do Direito do Trabalho incluem a convenção coletiva


e o acordo coletivo de trabalho, que têm como pressuposto uma organização
coletiva, usualmente viabilizada por meio de sindicatos. A CLT define as
duas figuras. A convenção coletiva é “[...] o acordo de caráter normativo,
pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas
e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das
respectivas representações, às relações individuais de trabalho [...]” (BRASIL,
1943, Art. 611, documento on-line). Já os “Acordos Coletivos [são celebrados]
com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica [...]”,
estipulando “[...] condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou
das acordantes respectivas relações de trabalho [...]” (BRASIL, 1943, Art.
611, § 1º, documento on-line).

As sentenças normativas têm sido cada vez menos comuns, e ganham relevância
as convenções e acordos coletivos. A greve, prevista na Lei nº 7.783, de 28 de
junho de 1989, é um importante meio de pressão da categoria profissional para
a negociação coletiva.

Não se pode esquecer do contrato individual de trabalho. Firmado entre


partes determinadas (empregado e empregador), ele pode ser fonte do Direito
por expressar a pactuação de direitos não previstos em qualquer outra fonte. Um
exemplo é a pactuação, entre empregado e empregador, relativa ao pagamento
pelo segundo ao primeiro de despesas de uma pós-graduação.
Por fim, os usos e costumes são especificados no art. 8º da CLT como
uma fonte do Direito do Trabalho. Afinal, a prática de tais usos e costumes
incorpora aos contratos de trabalho direitos eventualmente não dispostos em
lei, conforme o princípio da primazia da realidade. Delgado (2017) diferencia
uso de costume explicando que o primeiro é uma prática em determinada
relação contratual, enquanto o segundo se dá num espectro mais amplo, de
uma empresa, região ou categoria profissional ou econômica.
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3 O estudo das fontes e dos princípios


do Direito do Trabalho
Na seção anterior, você conheceu as fontes formais do Direito do Trabalho,
que exteriorizam o Direito aplicável às relações de trabalho, seja no âmbito
individual ou coletivo. Observe que a descrição das fontes heterônomas e
autônomas seguiu uma hierarquia majoritariamente sugerida pela doutrina,
da fonte de maior importância (Constituição) para a de menor importância
(acordo individual). Essa classificação hierárquica decorre da doutrina
concebida pelo jurista austríaco Hans Kelsen (2009) em seu livro Teoria
Pura do Direito. Ele defende uma “pirâmide normativa” cujo vértice é
ocupado pela constituição estatal e em que as demais normas do sistema
jurídico buscam fundamento de validade na norma imediatamente supe-
rior, culminando na constituição (fundamento último). O conhecimento
das fontes formais e a sua hierarquia doutrinariamente aceita não são o
suficiente para garantir a escolha da norma correta a ser aplicada a cada
relação jurídica e situação concreta.
França (2011, p. 942) afirma que “[...] as razões de um advogado, o parecer
de um jurisconsulto, o libelo de um promotor, a sentença de um juiz, a preleção
de um catedrático, a investigação de um cientista do Direito, jamais [devem]
prescindir do diuturno, constante e impostergável recurso aos elementos
fornecidos pelas fontes das relações jurídicas [...]”. Nascimento e Nascimento
(2015, p. 93), por sua vez, explica a importância das fontes para o Direito: elas
“[...] partem das normas jurídicas do ordenamento e dos diferentes aspectos
que apresentam, como a dimensão maior ou menor do espaço ocupado pela
lei e pelos contratos coletivos, a predominância de um ramo do direito do
trabalho e a maior ou menor liberdade sindical [...]”. O ponto distintivo no
Direito do Trabalho quanto ao estudo das fontes juslaborais é apontado por
Delgado (2017, p. 193):

Desse modo, a necessidade de se adequar o critério de hierarquia jurídica


à composição normativa diversificada do Direito do Trabalho e ao caráter
essencialmente teleológico (finalístico) de que se reveste esse ramo jurídico
especializado, com a hegemonia inconteste em seu interior do princípio da
norma mais favorável, tudo conduz ao afastamento justrabalhista do estrito
critério hierárquico rígido e formalista prevalecente no Direito Comum.
10 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

As fontes do Direito do Trabalho, inobstante a pirâmide normativa proposta


por Kelsen e reconhecida pela doutrina, devem ser adequadas à realidade
finalística desse ramo especializado, isto é, à proteção ao trabalhador. Nesse
sentido, a interpretação das situações surgidas no Direito do Trabalho não
pode prescindir dos princípios justrabalhistas e de uma necessária adequação
interpretativa da pirâmide normativa. A prática trabalhista tem determinado,
historicamente, a prevalência de normas que favoreçam a parte hipossuficiente
da relação trabalhista, o empregado.
Os princípios da imperatividade da norma trabalhista, da intangibilidade
salarial, da inalterabilidade contratual lesiva, da primazia da realidade e da con-
tinuidade da relação de emprego prescrevem a impossibilidade da reversão das
conquistas sociais dos trabalhadores e do chamado retrocesso social. O paradigma
adotado pelo Direito do Trabalho prescreve a equiparação judicial entre empregado
e empregador para compensar a natural desigualdade na relação empregatícia.
Qualquer renúncia ou pactuação desfavorável ao trabalhador não seria considerada
pelo Poder Judiciário, dados os princípios informadores juslaborais.

Um exemplo da equiparação protetiva no processo de trabalho é a ausência de rigorismo


técnico na inicial trabalhista. Considera-se suficiente a ação inicial que permita a compre-
ensão do que o trabalhador pretende reclamar. Se for possível inferir o que o trabalhador
reclama, não se deve considerar a sua ação sem condições de ser processada e julgada.

Em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017, que alterou


profundamente uma centena de dispositivos legais da CLT, incorporando um
novo paradigma na relação entre empregado e empregador. Convencionou-
-se chamar de “reforma trabalhista” a alteração na legislação, considerando
o seu enorme impacto nas relações de trabalho e os seus reflexos na Justiça
do Trabalho. Fala-se em retrocesso social ou evolução reacionária, e há um
grande número de ações nos tribunais superiores discutindo a legalidade e a
constitucionalidade das mudanças propostas. Mudanças significativas — como
a prescrição intercorrente, o não pagamento das horas de deslocamento do
empregado, o contrato intermitente e o acordo para a cessação do contrato de
emprego, entre outras alterações legais — têm sido questionadas pela doutrina,
pelos sindicatos e pelas associações.
Princípios e fontes do Direito do Trabalho 11

Um dos pontos mais controversos da reforma trabalhista é a possibilidade de os


empregados negociarem diretamente com seus empregadores regras trabalhistas
que antes eram consideradas inegociáveis. O Art. 611 da CLT ganhou os acréscimos
A e B, ou seja, os Arts. 611–A e 611–B. Veja a redação do caput desses artigos:
“A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei
quando, entre outros, dispuserem sobre [...]” (BRASIL, 1943, Art. 611–A, docu-
mento on-line) e “Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo
coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos
[...]” (BRASIL, 1943, Art. 611–B, documento on-line). Os dois dispositivos legais
alteraram a perspectiva até então considerada no Direito brasileiro, permitindo a
relativização de muitos dos princípios, o que tem gerado enorme discussão.
A Segunda Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, realizada
entre os dias 2 e 5 de maio de 2018 pela Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra), desenvolveu estudos sobre a reforma trabalhista e
elencou 22 enunciados orientando os magistrados brasileiros quanto à prevalência
do negociado sobre o legislado. Grande parte dos enunciados propostos consideram
lícita a negociação coletiva que reduza direitos, desde que não sejam direitos de
ordem pública nem envolvam negociações que afrontem regras de higiene, segu-
rança e saúde dos trabalhadores. Isso limita a possibilidade de negociação coletiva
significativamente, dado que a maior parte dos dispositivos legais juslaborais é
de ordem pública e versa sobre a saúde, a segurança ou a higiene do trabalho.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 29 de junho de 2018, na Ação Direta


de Inconstitucionalidade nº 5.794, pela constitucionalidade do fim das contribuições
sindicais obrigatórias, conforme previsto na reforma trabalhista. Essa decisão demonstra
a tendência da corte suprema de validar os pontos da lei reformista, o que poderá
ocorrer com a prevalência do negociado sobre o legislado.

Nos enunciados da Anamatra, fica claro que a orientação a ser seguida


pelos juízes trabalhistas tende à preservação dos princípios protetivos dos
trabalhadores, não obstante a possibilidade prevista em lei. A reforma tra-
balhista alterou o paradigma para a valorização da negociação entre em-
pregado e empregador, com a consequente prevalência do negociado sobre
o legislado. Por sua vez, o enfraquecimento das entidades sindicais pela
12 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

desobrigatoriedade das contribuições retira dessas representações a força


necessária para a negociação coletiva equitativa. Os tribunais têm utilizado
os princípios como forma de proteção do empregado, como se constata na
seguinte decisão, em que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
considerou a intangibilidade salarial:

PENHORA DE PERCENTUAL DOS SALÁRIOS/PROVENTOS DE APO-


SENTADORIA. A despeito da flexibilização da regra da impenhorabilidade
de salários com o advento do Código de Processo Civil de 2015, só se admite
a constrição de parte dos rendimentos auferidos pelo executado quando não
importe prejuízo a sua subsistência e de sua família, o que não é o caso dos
autos (BRASIL, 2018, documento on-line).

Veja outro exemplo na decisão seguinte, em que o tribunal dá preferên-


cia ao domicílio do ex-empregado para processar e julgar uma reclamatória
trabalhista, pois o princípio da proteção do trabalhador intensifica o acesso à
Justiça e equipara, processualmente, empregado e empregador:

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR. A competên-


cia em razão do lugar é regida pelo artigo 651 da CLT, regramento que visa
a facilitar o acesso do trabalhador à Justiça. Em atenção aos princípios da
proteção do trabalhador e do acesso à justiça, entende-se que é competente o
foro do domicílio do empregado, quando não lhe for mais favorável a regra
do art. 651 da CLT, relativizando, assim, a regra de competência prevista no
caput deste artigo (BRASIL, 2019).

Assim, o retorno ao estudo das fontes (ou modos de expressão) do Direito


ganha força à medida que surge a necessidade de uma nova sistemática inter-
pretativa no Direito do Trabalho. Tal sistemática deve permitir a acomodação
do texto legal aos princípios específicos do Direito do Trabalho e à realidade
negocial de empregados e empregadores. As decisões judiciais, como reflexo
da discordância entre as partes da relação empregatícia, deverão fazer a com-
patibilização entre as fontes na análise do caso concreto. Afinal, mesmo com
a orientação proposta nos enunciados da Anamatra, houve uma alteração de
paradigma que se consolidará ao longo do tempo.
Princípios e fontes do Direito do Trabalho 13

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 maio 2020.
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Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.
htm. Acesso em: 13 maio 2020.
BRASIL. Lei complementar nº 150, de 1º de junho de 2015. Dispõe sobre o contrato de
trabalho doméstico; altera as Leis no 8.212, de 24 de julho de 1991, no 8.213, de 24 de
julho de 1991, e no 11.196, de 21 de novembro de 2005; revoga o inciso I do art. 3o da
Lei no 8.009, de 29 de março de 1990, o art. 36 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991,
a Lei no 5.859, de 11 de dezembro de 1972, e o inciso VII do art. 12 da Lei no 9.250, de
26 de dezembro 1995; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm. Acesso em: 12 maio 2020.
BRASIL. Lei nº 605, de 5 de janeiro de 1949. Repouso semanal remunerado e o pagamento
de salário nos dias feriados civis e religiosos. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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BRASIL. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve,
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comunidade, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l7783.HTM. Acesso em: 13 maio 2020.
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de Serviço, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
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BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho
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fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 13 maio 2020.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (3. Turma). Agravo de Petição
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vel em: https://trt-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/650211331/agravo-de-peticao-
-ap-639009620085040241/inteiro-teor-650211521?ref=amp. Acesso em: 13 maio 2020.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região (3. Turma). RORSUM nº 0021099-
97.2018.5.04.0021. Relator: Des. Clovis Fernando Schuch Santos, 19 ago. 2019.
14 Princípios e fontes do Direito do Trabalho

DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.
FRANÇA, R. L. Das formas de expressão do direito: teoria geral do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011. (Coleção Doutrinas Essenciais: Direito Civil: Parte Geral, v. 1).
KELSEN, H. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
NASCIMENTO, A. M.; NASCIMENTO, S. M. Iniciação ao direito do trabalho. 40. ed. São
Paulo: LTr, 2015.

Leituras recomendadas
LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SUSSEKIND, A. Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
TEIXEIRA FILHO, M. A. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações intro-
duzidas no processo do trabalho pela Lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2018.

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