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The Embodied Mind (2017, Edição Revisada)

A envolvente obra de Varela et al. (1) que aqui será resenhada é um marco no pensamento
interdisciplinar entre filosofia (principalmente fenomenologia) e as diversas ciências da
cognição. O livro The Embodied Mind, ou ‘’A Mente Corporeificada’’ foi originalmente
lançado pela ‘’MIT Press’’ em 1991, quando alcançou considerável interesse de leitores das
mais diversas áreas do conhecimento. Desde ali, a obra se tornou leitura essencial a leigos e
estudiosos da filosofia, ciências da cognição, antropologia, etc. Os autores desenvolvem, em
seu livro, uma crítica tenaz ao modelo cognitivista ‘’representacionista’’ e computacional das
ciências cognitivas, que se encontrava em voga na época e, em diversas instituições de
pesquisa, ainda hoje. O argumento principal delineado pelos autores é o de que para que haja
um modelo integrativo de ciência, é preciso considerar aspectos „em primeira pessoa”, ou
experiencias, de maneira que estes também possam ser incluídos em estudos empíricos tais
como desenvolvidos pelas ditas ciências naturais. Ou seja, cientistas, assim como biológos ou
médicos, por exemplo, não devem apenas focar nos fatores biológicos e ‘concretos’ de suas
respectivas investiagações, mas incorporar estes no ambiente em que se encontram, e na
constante intrerrelação entre sujeito, corpo (organismo), e mundo. Para tanto, Varela et al.
argumentam que a ciência cognitiva (e porquê não as restantes, também?), precisariam ser
entendidas a partir de um movimento circular entre fenômenos e processos experienciais,
aspectos biológicos (organismo como um todo) e ambiente (mundo).
Para os autores, a mente e seus processos não poderiam simplesmente serem entendidos
como estando ‘’imbuídos’’ no cérebro e em seus processos neurofisiológicos. Não, o sujeito
entende e vai de encontro com a realidade por meio de um corpo vivido também, um corpo
‘’experiencial’’. Para que tal fato possa ocorrer, é preciso que exista uma interação sistêmica
bastante complexa entre mente, corpo, e mundo: uma regulação organísmica ‘’autopoiética’’
e autônoma, que confere significação ao sujeito em imediato contato com o mundo. Ou seja,
processos cognitivos como ações, comportamentos, percepções, e outros, se dão em uma
interação significativa e e-nativa entre sujeito e mundo. Portanto, o sujeito se auto-regula de
maneira a significar o mundo e o contexto no qual se encontra. Em ‘’A mente
corporeificada’’, os autores também acrescentam aos seus argumentos a necessidade de
incluir, para que possa haver um entendimento ainda mais mais aprofundado e heurístico
sobre a ciência da cognição como inseparável de sua base humana, alguns aspectos da
filosofia oriental (budista). Os autores focam principalmente no conceito de ‘’mindfulness’’,
que resumidamente corresponde a um estado de profundo autoconhecimento da consciência,
no qual o sujeito alcança um estado de consicência ‘’pura’’ acerca de si e seus estados
mentais.
Trata-se aqui, certamente, de uma obra brilhante, que deverá continuar rendendo novos frutos
aos interessados em pesquisas interdisciplinares. É importante também ressaltar que o livro
foi escrito, assim dizem seus autores, de maneira a não ‘’encaixar-se’’ em nenhuma disciplina
do conhecimento em particular: ‘’A Mente Corporeificada’’, deverá ser tomado como uma
obra a ser lida de fato interdisciplinarmente, e o leitor deve ter em mente que é exatamente
isto que a destaca dentre tantas outras escritas na grande área das ciências cognitivas. Para os
autores, é preciso entender a ciência cognitiva através de uma perspectiva mais abrangente,
de acordo com a qual a expêriencia humana estaria constantemente relacionada a processos
cognitivos (mentais e corporais). Para tal, o conhecimento humano deve concernir todos os
sistemas cognitivos mentais intrínsecos e invariáveis que nos fazem humanos, a partir da
junção de processos sensíveis (experienciais) com processos cognitivos e comportamentais,
os quais se dão a partir da interação do corpo tanto físico, quanto "vivido" com o mundo.
Assim sendo, esta resenha será dividida em duas partes: (1) primeiro, esboçarei brevemente,
em sequência, alguns dos temas e argumentos apresentado pelos autores nesta obra. (2) por
fim, abordarei alguns aspectos do novo prefácio que foi escrito especialmente para esta nova
edição, expondo desta maneira alguns aspectos críticos com os quais os autores já não
concordam mais, nos quais é possível perceber o quão substancialmente o próprio
entendimento que dois dos autores (Evan Thompson e Eleanor Rosch) têm de que sua obra se
modificou com o passar dos anos, e qual seria o impacto presente- e futuro desta para os
pesquisadores e pensadores da ciência cognitiva e interdisciplinar. Após estas considerações,
também apresentarei uma pequena observação questionadora de cunho pessoal, sobre a
importância dos estudos interdisciplinares entre as ciências da cognição e a saúde mental,
especificamente a psiquiatria e psicologia.
No primeiro capítulo da obra, Varela et al. apresentam o arcabouço teórico conceitual a partir
do qual eles desenvolverão a crítica a modelos de ciência cognitiva baseadas em modelos
computacionais e ‘’representacionistas’’. O principal autor da tradição fenomenológica com o
qual os autores dialogam é Maurice Merleau Ponty (2), que, em grande parte de suas obras
desenvolve uma fenomenologia da corporeidade e da percepção ancorada na ideia de que
mente e corpo se encontram intrinsecamente relacionados, de maneira direta. Ou seja, o
sujeito percebe e se engaja com a realidade por meio de uma intencionalidade direta que
acontece tanto por meio de processos mentais, quanto também corporais. Para que esta
dialética relacional e intencional possa ocorrer, certo processos corporais, como a ação,
ocorrem de maneira situacional: por exemplo, o sujeito tem consciência de um copo de água
e movimenta seu braço para pegá-lo e, por fim, tomar a água. Torna-se então possível dizer
que o braço estendido faz parte de um campo significativo: a percepção do copo de água, em
conjunto com a sede (desejo fisiológico), e ação, fizeram com que o sujeito percebesse e
agisse no mundo de maneira significativa. A percepção ''corporal'' que o sujeito teve com o
mundo então não ocorreu somente por meio de um ato visual perceptivo, mas o próprio corpo
também se engajou, ao mesmo tempo e naquele instante, em um processo significatório, que
levou então o sujeito a uma ação. Portanto, a cognição humana não se encontra fundamentada
em uma ontologia cartesiana que separa pensamento de corpo, mas em um sistema circular
enativo: mente, organismo, e corpo se encontram intrinsecamente inter-relacionados.
Portanto, pode-se dizer que nesta obra, mundo (realidade) e sujeito são constituídos e se
constituem por meio de uma constante atividade experiencial vivida: a cognição como um
sistema se dá por meio de uma relação direta que o sujeito tem com o ambiente. Para tanto,
processos mentais ocorrem, de fato, em ação conjunta com o corpo e o organismo ( sistema
neurológico, por exemplo). Assim sendo, os processos cognitivos não devem ser entendidos
como sendo puramente fisiológicos ou fundamentados na ideia de que processos mentais
podem ser co-relacionados a processamentos computacionais, nos qual a informação
perceptual, por exemplo, é recebido como ''input'', processada pelo cérebro, e então
representada para o sujeito. Não, os processos são, de fato, enativos; ou seja, eles ocorre
sempre tanto internamente (constituição do self autônomo), quanto externamente, por meio
de ações emergentes que então ''regulam'' e situam significado sobre objetos, outras pessoas,
etc.
Um aspecto interessante que os autores sobre o qual os autores também discorrem é a questão
relativa a ''Análise Experimentativa e Experiencial'' (<em>Experimentation and Experiential
Analysis</em>). Para Varela et al., o ‘experimentar’ é frequentemente relacionado à uma
ciência paradigmática que se baseia em fundamentos e asserções empíricas clássicas. O
budismo, por outro lado, pode ser entendido como uma ciência que investiga fenômenos
(especialmente aqueles relativos a estudos em primeira pessoa), por meio de
''<em>mindfulness</em>'', ou um acesso experiencial à consciência e ao mundo subjetivo.
Portanto, para os autores, os diversos processos cognitivos sempre se dão em conjunto com o
mundo e a subjetividade:
''particularmente impressionante para nós é a convergência que nós descobrimos em meio a
temas centrais da doutrina budista, fenomenologia e ciência da cognição-temas relacionados
ao self e à relação entre sujeito e objeto''(3).
Os autores continuam analisando e criticando, nos subsequentes capítulos, o viés filosófico-
científico cognitivista clássico. A ciência cognitiva dita clássica se iniciou com pesquisas
feitas, principalmente, nas áreas da robótica e cibernética. Consequentemente, um dos
argumentos fundamentais do cognitivismo clássico é que a inteligência, entre outros
fundamentais processos cognitivos, poderia ser basicamente entendida como ocorrendo por
meio de computações de representações.
Brooks (7), por exemplo, desenvolveu um primeiro importante passo utilizando sistemas
cognitivos ‘’simples’’: ele desenvolveu robôs com sistemas funcionais capazes de
‘’entenderem’’, por meio de processos computacionais, certos aspectos relacionados ao
mundo.Portanto, poderia-se dizer que os primeiros sistemas complexos auto-organizadores
foram pensados a partir de estruturas que funcionavam, de fato, como um computador. Os
robôs eram capazes de elaborarem comportamentos simples que condiziam com estímulos
ambientas que eles recebiam. Estes simplesmente processavam informações que recebiam de
seu ambiente, por meio de processamentos computacionais; desta maneira, eles já interagiam
com o mundo, por meio de comportamentos simples de contato e comunicação,
‘’reconhecendo’’ portanto que tipo de comportamento simples produzir.
Os robôs de Brooks foram um primeiro importante passo rumo a uma ciência da cognição
que incorporava processos ‘’mentais’’ e informacionais ao ambiente, que fornecia aos robôs a
possibilidade de agir, por exemplo. A partir daí, alguns aurores começariam a explorar a ideia
de que a cognição (humana) se dá à partir de um contato direto com o ambiente. Em vista
disso, foram desenvolvidas novas perspectivas que tentariam ir além de componentes
computacionais que pudessem dar ao sujeito as capacidades de entender e agir em seu
ambiente.
Esta hipótese tradicional é obviamente incompleta, por motivos bastante claros: de que
maneira estes inputs computacionais podem explicar aspectos referentes à subjetividade,
consciência, e fenômenos relacionados? Ou seja, de que maneira um modelo computacional
poderia instanciar, por assim dizer, aspectos fenomenais? Para uma grande variedade de
pesquisadores em ciência da cognição clássica (4), é preciso que o sujeito represente o
mundo, de certa maneira, em sua ‘’mente’’ (no cérebro), por meios de processos ligados à
funcionamentos neurofisológicos, para que seja então possível significá-lo. Assim sendo, o
sujeito encontra-se assim ‘’conectado’’ com a sua realidade por meio de processos
mecanicistas, fundamentado em uma ontologia ainda cartesiana e materialista: mente, corpo e
mundo não interagem, realmente, entre si. A representação da realidade é dada ao sujeito por
meio de intermediações processuais computacionais: o sujeito tem certas sensações físicas,
por exemplo, que são processadas pelo cérebro, que então constrói uma representação interna
relacionada à sensação, percepção, ou qualquer outro processo, seja este mental ou corporal,
por assim dizer.
Se houver então consciência, ainda assim, esta seria instanciada pelo cérebro, por meio de
processos puramente neurofisiológicos, e a experiência seria apenas um epifenômeno. Para os
cognitivistas tradicionais, para que tanto processos mentais como corporais possam
acontecer, é necessário que o cérebro do sujeito tenha alguma ‘’capacidade’’ de conceber o
mundo por meio de processos neuronal-representacionistas que o levem a inter-agir com o
ambiente. De que maneira seria então possível correlacionar estados intencionais
(experienciais) com processos neurofisiológicos que poderiam levar a alguma ação ou
percepção?
Porém, Varela et al., durante todo o percurso de ‘’A Mente Corporeificada’’, nos lembram
que é de suma importância concebermos que a cognição se faz por meio de uma relação
intencional, tanto experiencial quanto organísmica, que o sujeito entretém com o mundo. O
próprio organismo intra-celular mantém uma variedade de processos, uma regulação contínua
que leva o sujeito a agir, sentir, pensar, etc. Portanto, tanto processos mentais quanto
corporais ocorrem, intrinsecamente, por meio da tríade entre sujeito-corpo/organismo-mundo.
Sendo assim, para os autores, a cognição se dá em contato direto com o mundo por nós
experiencialmente e corporalmente articulado.
Entre outros autores importantes que destacam o papel da relação primordial entre a
percepção visual e a articulação com processos regulatórios sensos motores são O'Regan e
Noë (6), por exemplo. Para os autores, a articulação intencional e consciente entre sujeito e
mundo não ocorre somente por meio da percepção visual, mas também por meio de certos
posicionamentos e ações corporais pelos quais este percorre e ''explora'' seu ambiente.
Consequentemente, o corpo (tanto físico quanto vivido) é, de fato, componente intrínseco
desta autorregulação organísmica que dá ao sujeito alguma experiência sobre si- mesmo,
significando também o mundo através do dispositivo ''sense-making'' (trad. livre: processo
significativo), como diz Thompson (5). O processo de <em>Sense-making</em> se refere a
capacidade que o sistema autorregulatório tem de, por meio dos mais variados processos
cognitivos e mentais, significar o mundo para o sujeito. O sujeito dá sentido ao seu mundo
por meio de ações e percepções incorporadas; que se tornam implícitas a partir do momento
no qual o sistema enativo se relaciona com o mundo e o contexto em que este se encontra. Ou
seja, o sujeito encontra-se sempre situado cognitivo-corporalmente em um certo contexto
vivido, que pode então ser significado experiencialmente.
O self, para os autores, deve aqui ser entendido como uma estrutura móvel e
experiencialmente acessível ao sujeito; não por meio de ''introspecção'', como diriam autores
que, novamente, reduziriam alguma capacidade de uma possível sensação sobre ''si mesmo'' a
estados puramente mentais e internos. O self se dá, ele ''acontece'' durante a interação que o
sujeito tem com o seu mundo, tanto por intermédio de processos mentais como percepções, o
imaginário, etc., tanto como processos corporais e fisiológicos como ações, movimentos
corporais, entre outros. Varela et al. (3) fazem, neste ponto do livro, uma interessante relação
com algumas tradições budistas que tomam o self como estrutura que não é permeada por
experiencial alguma ‘’sobre si’’. O termo para este estado, em inglês, é chamado de
selflessness. Ou seja, a mente estaria esvaziada de qualquer conteúdo experiencial, estado
afetivo, etc. Portanto, o self deverá, penso, ser entendido de fato como um ''algo'' maleável e
em constante transformação, e não como estrutura fixamente localizável no cérebro, por
exemplo.
Aqui, os autores de ''A mente corporeificada'' continuam desenvolvendo um framework
holístico em relação a uma ciência cognitiva que leva em conta os diversos fatores
experienciais que também engendram a visão enativista que é proposta na obra. Sendo assim,
o self é também composto por uma variedade de fatores ''disposicionais'' que constituem a
maneira pela qual o sujeito entende seu mundo: a cognição, por exemplo, ocorre aqui em um
processo auto-regulatório e ''significador'', é necessário que o self também seja entendido
como uma unidade intimamente pertencente ao organismo, sendo constituída por afeto,
percepção, corporeidade, impulso, etc. Ou seja, o self não é uma estrutura mental, por assim
dizer, mas um processo relacional com o mundo e outros que também inclui, em diferentes
níveis de funcionamento, disposições e atividades cognitivas, mentais, biológicas, etc.
Para Varela et al., o sujeito e sua realidade se modificam muito singularmente; estas
mudanças são influenciadas por fatores sociais, biológicos, organísmicos, etc. Porém, os
autores deixam claro que este processo ontológico ocorre em um ''caminho do meio'' (3). Este
não se funda nas perspectivas e pontos de vista da ciência objetiva, ou por demais
subjetivista, mas entre duas visões de homem. Isto é, o homem pós-modernista se encontra
em meio a ''flutuações ontológicas'', que o despem de qualquer estrutura mais ''enraizada'' no
existir; o colocando em contato, por exemplo, com a ideia de que a mente seja separada do
corpo. Este último estaria, portanto, separado da expêriencia em si”. Varela et al. argumentam
que a circularidade entre sujeito, organismo e mundo precisa, de alguma maneira, se instaurar
em um caminho que possa conceber, de fato, um ''groundlesness'', um fundo ontológico
imóvel, no qual as ciências possam novamente reintegrar o objetivo e o subjetivo. É nesta
polaridade que se encontra a ciência cognitiva como incorporeificada e enativa. Ciência esta
que se dá na ética dialógica, com o mundo e com o outro, construindo desta maneira
significados que se encontram em constante mudança, mas nunca se esquecendo de que é
preciso considerar, sempre, a tríade: sujeito-organismo-mundo.
Evan Thompson e Eleanor Rosh, em seu novo prefácio escrito especialmente para esta edição
revisada, fazem uma série de críticas conceituais com as quais eles dizem não estarem mais
satisfeitos, anos após a publicação da primeira edição (1). Isto se dá, também, a meu ver, com
os avanços técnico-empiricos das ciências médicas. A psiquiatria contemporânea, por
exemplo, conta com instrumentos diagnósticos que têm o poder de localizar mudanças
neurofisiológicas mínimas, recorrentes em alguma localização bastante específica do cérebro.
Portanto, a neuroimagem certamente se tornou ''parceira'' indispensável para pesquisadores na
área de neuropsiquiatria. Ainda assim, imagino que Varela et al. nos mantêm constantemente
em alerta sobre a importância da pesquisa ''naturalista-biológica'' ser feita em conjunto com as
ciências humanas. Por conseguinte, enquanto a medicina avança com importantes achadas
neurobiológicos, a subjetividade e o significado da existência humana precisarão também ter
o seu espaço em uma interação de fatores que muitas vezes é mais complexa do que aquela
que uma visão puramente naturalista nos dá.
Esta nova edição da obra de Varela et al. (3) proporciona ao leitor uma perspectiva ampla e
bastante inovadora em sua proposta de esmiuçar uma ciência cognitiva que integra uma
grande diversidade de outras concepções e visões de mundo tanto científicas (de cunho
empírico e teórico) quanto práticas. Por exemplo, se inserido (o que já têm sido feito por
alguns) no contexto das ciências da saúde, mais especificamente mental, que vantagens a
proposta enativista poderia vir a trazer à psicopatologia, às diversas abordagens
psicoterápicas, etc.? Quais seriam as vantagens que esta proposta poderia vir a trazer nas
atuais e relevantes discussões interdisciplinares entre as ciências humanas, médicas e
biológicas? A leitura desta obra, assim espero, abrirá horizontes de expansão intelectual para
seus leitores, que certamente se enriquecerão com uma proposta tão atual e heurística acerca
de tudo que nos faz humanos. Vejo como absolutamente necessário que os pesquisadores,
estejam estes desenvolvendo os seus trabalhos nas mais diversas áreas do conhecimento,
partam do princípio de que é sim necessário pensar e praticar ‘’além’’ da própria disciplina,
indo assim ao encontro do que é feito e pensado em outras áreas. É claro que não será nunca
possível dedicar-se unicamente ao estudo de uma grande diversidade de autores, áreas do
conhecimento, etc. Mas as colaborações interdisciplinares se fazem importantes, já que é
desta maneira que pesquisadores poderão construir ''pontes de conhecimento''. Varela et al.
certamente se empenharam neste quesito, mostrando o quão frutífera a pesquisa
multidisciplinar pode ser.
Por fim, ainda vale expor um breve parágrafo sobre as introduções reescritas por Evan
Thompson e Eleanor Rosch ainda se faz necessário. Os autores retomam alguns aspectos do
momento em que a obra foi originalmente publicada, acessando criticamente alguns dos
pontos temáticos que, com o passar dos anos, se modificaram com relação aos pontos de vista
e argumentos da maneira pela qual estes foram inicialmente apresentados. Infelizmente não
será possível aqui analisar todos os pontos apresentados pelos autores, mas vale a pensa
considerar, por exemplo, a importância que todo o <em>framework</em> enativo desfruta,
hoje em dia. A filosofia ''incorporeificada'' se tornou aliada importante das ciências naturais,
configurando assim novas bases empírico-teóricas para a apreciação dos mais diversos
fenômenos subjetivos, cognitivos e inter-relacionais humanos. Já existem, além da
perspectiva enativista, outras versões dos chamados ''e-approaches'' à mente, que cada vez
mais se estabelecem como contraponto às divisões demasiado dualistas das ciências, em
geral.

Porém, é óbvio que entre estas perspectivas também há divergências teóricas bastante
significativas: algumas ainda se apoiam em uma ontologia dualista, outros propõem modelos
internalistas ou externalistas no que diz respeito a eventos e conteúdos mentais e perceptuais,
etc. De qualquer maneira, a fenomenologia atual também se encontra muito mais avançada
em sua investigação rigorosa das estruturas experienciais, desta maneira se destacando como
importante aliada, principalmente, do movimento enativista. Para Rosch, e eu apoio
completamente esta linha de argumentação crítica, a grande pergunta, de agora em diante,
seria*, dentre muitas outras: o que mais temos a aprender, no que diz respeito as ciências
naturais e ao método investigativo da primeira pessoa, ou subjetivo?
O enativismo, como proposta filosófico-empírica de investigação das estruturas processuais
cognitivas e experienciais deverá, a meu ver, tentar adequar-se a entendimentos científicos
materialistas e/ou reducionistas, para que seja possível encontrar assim caminhos
investigativos que possam ser feitos em parceria. Certamente será muito importante que os
pesquisadores se mantenham atentos a estes questionamentos, para que não haja exageros de
ambos os lados: a ciência natural precisa cuidar para que ela não se aprisione em
enquadramentos demasiado reducionistas, e o enativismo, com a sua investigação de sistemas
autônomos experienciais e cognitivos complexos, deve manter-se aberto para a eventual e
cuidadosa integração de aspectos que vão além de seu escopo investigativo.
Literatura:
1.Varela, F. J., Thompson, E. ;Rosch, E. (1991). The embodied mind: Cognitive science and
human experience (6th ed.). Cambridge, MA.
2. Merleau-Ponty, M. (1962). The phenomenology of perception. London, UK: Routledge &
Kegan Paul.
3. Varela, F. J., Thompson, E.; Rosch, E. (2017). The embodied mind: Cognitive science and
human experience (E-book). Cambridge, MA.
4.Thagard, P., "Cognitive Science", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2014
Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL .
5. Thompson, E. (2007). Mind in life: Biology, Phenomenology and the sciences of mind (1st
ed.). Cambridge, MA: Harvard University Press. MIT Press.
6. O’Regan, J. K., & Noë, A. (2001a). A sensorimotor account of visual
consciousness. Behavioral and Brain Sciences, 24, 939 –973. doi:
10.1017/S0140525X010007. 7.Brooks, R. (2002). Flesh and Machine: How Robots Will
Change Us, New York: Pantheon.

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