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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

CAROLINE DEL VECCHIO DE LIMA

MEMÓRIA COLETIVA E ARQUITETURA: INFLUÊNCIA NA CENOGRAFIA DE


NARRATIVAS AUDIOVISUAIS DE FANTASIA CONTEMPORÂNEAS

Projeto de pesquisa de dissertação para o curso de


Mestrado em História.
Linha de pesquisa: Arte, Memória e Narrativa.

CURITIBA
2020
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RESUMO

Este projeto de pesquisa de dissertação de Mestrado em História, na linha “Arte, Memória e Narrativa”,
tem como tema os elementos presentes na arquitetura cenográfica de narrativas audiovisuais ficcionais de fantasia
contemporâneas, com o objetivo de analisar, por meio do método iconográfico de Panofsky, como estes elementos
se relacionam com a memória coletiva e a história cultural, de modo a permitir o compartilhamento de ideias e
experiências imagéticas com audiências variadas, incorporando novos significados à narrativa que conseguem ser
facilmente assimilados pelos mais diversos públicos. Ao sustentar-se teoricamente no pensamento da Escola de
Warburg, de que determinadas imagens, ou um conjunto delas, podem suscitar memórias ou até mesmo traduzir o
“espírito de uma época”, tem-se como hipótese, ou pressuposto teórico, que uma cena de filme de fantasia — do
ponto de vista da arquitetura cênica — pode remeter de forma universal às ideias propostas pela narrativa por meio
dos elementos arquitetônicos que escolhe “anacronizar”, uma vez que, mesmo a narrativa não tendo vínculo
espaço-temporal com a realidade, os símbolos utilizados para evocar a memória coletiva das audiências
estabeleceriam estes vínculos. Para relacionar as reflexões teóricas com a dimensão empírica, propõe-se a análise
da arquitetura cênica de duas obras audiovisuais: a série de filmes Harry Potter e a série de televisão Game of
Thrones.

Palavras-chave: História cultural; Memória coletiva; Ficção audiovisual de fantasia; Cenografia; Iconografia e
iconologia.
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INTRODUÇÃO

APRESENTAÇÃO DO TEMA, DO PROBLEMA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO

Muitas reflexões são feitas acerca da capacidade humana de criar memórias. São as
memórias que nos permitem criar laços, construir civilizações e manter tradições. A memória
permite a comunicação e nos caracteriza como seres humanos. Segundo Umberto Eco (1994),
ninguém vive no presente imediato e é a função adesiva da memória coletiva e pessoal que nos
permite ligar coisas e fatos. “Esse emaranhado de memória individual e memória coletiva
prolonga nossa vida, fazendo-a recuar no tempo, e nos parece uma promessa de imortalidade.”
(ECO, 1994) A memória, como ferramenta de criação, tornou-se uma das maneiras que o ser
humano encontrou de se tornar imortal, ao apropriar-se da memória para realizar a construção
narrativa.
O produto audiovisual para cinema ou seriado de televisão trata fundamentalmente de
representar uma história para diferentes audiências. A obra audiovisual tem sua origem,
comumente, em uma narrativa escrita ou oral — um livro, um mito, um roteiro original — que
funciona como norteadora para criar recursos técnicos e cênicos, que, por sua vez, estabelecem
a simplicidade ou sofisticação da narrativa e imprimem a ela perspectiva sociocultural.
Além da direção e da direção de fotografia, a produção cinematográfica possui como
terceiro elemento, responsável pela concepção plástica que resultará na estética final do projeto,
o departamento de arte. O presente trabalho não visa se aprofundar nas múltiplas nuances que
uma obra audiovisual apresenta e sim recortar a pesquisa em apenas um dos diversos aspectos
que o departamento de arte de um filme abrange: a cenografia, mais especificamente, a
arquitetura na cenografia.
O cenário de um filme é o local em que se desenrola a narrativa, e é essencial que
transmita a ideia espaço-temporal pertinente à história a ser contada. A arquitetura cênica deve
contribuir para a construção da narrativa proposta, estabelecendo ligações com aspectos
emocionais do público a que se destina a produção, remetendo-o a diferentes experiências que
se concentram em sua memória e imaginário: “É facil entender por que a ficção nos fascina
tanto. Ela nos proporciona a oportunidade de utilizar infinitamente nossas faculdades para
perceber o mundo e reconstituir o passado. (...) E é por meio da ficção que nós, adultos,
exercitamos nossa capacidade de estruturar nossa experiência passada e presente.” (ECO, 1994,
p.137)
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Todo este processo, que exige construção cênica coerente com o conteúdo das
narrativas, demanda pesquisa histórica em termos de costumes, linguagem, vestuário,
acontecimentos, elementos arquitetônicos etc. Entretanto, por vezes, essas narrativas não
possuem vínculo espaço-temporal com dada realidade histórica específica, como referência
para o que se deve projetar em termos cênicos. Exemplo disso são as produções baseadas em
obras de ficção ligadas aos universos da fantasia.
Universos ficcionais fantásticos são criações da imaginação que contam determinada
história livres das amarras de tempo e espaço. Derivam de uma narrativa ficcional, o que para
André Gaudreault e François Jost (2009) pode ser definida como algo que se opõe à nossa noção
de “mundo real”. Mas a definição de mundo real é restrita e o gênero fantástico precisa ir muito
além disso. De acordo com Luiz Nogueira (2010) é no filme fantástico que a causalidade da
narrativa mais se distancia das premissas realistas e das leis comuns do cotidiano: “Aqui, as
relações de causa-efeito como as conhecemos são constantemente desafiadas” (NOGUEIRA
2010). Portanto, as adaptações desse gênero para o cinema/televisão podem ser desafiadoras do
ponto de vista cenográfico e, por consequência, arquitetônico.
A arquitetura cênica desenvolvida em um set de filmagem conta com inúmeros aspectos
de um projeto realizado no mundo real, mas com diferenças importantes: ele não precisa ser
utilitário, funcional ou se preocupar com questões de durabilidade e resistência. Isso torna a
arquitetura cenográfica essencialmente simbólica. Ela é repleta de símbolos e ícones em seus
elementos, que não necessariamente têm qualquer funcionalidade, mas fazem com que o
telespectador facilmente entenda do que aquilo trata e o remeta ao que a narrativa quer dizer,
mesmo sem ter qualquer contextualização espaço-temporal. Como exemplo disso, pode ser
analisada a ideia de ‘castelo’, muito utilizada em narrativas fantásticas, como por exemplo o
castelo da Bela Adormecida e o castelo de Hogwarts, do filme/livro Harry Potter.
No universo arquitetônico são, constantemente, realizados estudos dos elementos que
definem uma edificação como castelo. A análise do uso, da planta, da estrutura, da forma de
cada coluna, arco, abóbada etc que o compõem é de extrema importância para o entendimento
da obra. Seria esse um castelo normando por causa de suas janelas? Gótico? Teria sido
construído na alta Idade Média? Sofreu que tipo de influências durante sua concepção? A
análise de cada um desses elementos arquitetônicos, a interpretação sobre seus significados e o
questionamento sobre o que eles revelam sobre o espírito de cultura da época (Zeitgeist) — este
último ponto sendo uma das quatro questões cruciais que o polêmico historiador austríaco
Sedlmayer (1896-1984) elencou como necessários para abordar uma obra arquitetônica —
configuram os princípios básicos de história da arquitetura sob o prisma do método
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iconográfico-iconológico (RIBEIRO, 2008). Tal análise vai fornecer diversos dados sobre a
trajetória de uma edificação como obra de arte e seu impacto social.
Mas o castelo como ideia, pura e simples, vai muito além de detalhes técnicos. Ele é um
símbolo tão forte no imaginário popular que, caso nos seja pedido para que imaginemos um,
não é necessário que nos forneçam datas, localização ou qualquer fato histórico para logo criar
uma imagem em nossas mentes, e a leitura dos seus “ícones”, por assim dizer, a forma
específica dos arcos e abóbadas, mesmo que a época de origem de seus estilos não coincidam
entre si, não faz diferença no final. Sabemos como é um castelo, o que é, e para que serve. Ele
é um símbolo cultural (RIBEIRO, 2009).
Logo, não seria o objetivo do designer de produção, ao criar um set de filmagem, o de
traduzir conceitos universais por intermédio da cenografia? E inclusive até mesmo, por meio
de diferentes formas, não seria também o objetivo do roteirista, cinegrafista, diretor? O objetivo
não seria o de, por meio do uso de múltiplos elementos derivados de conceitos universais,
construir uma obra final complexa, porém capaz de ser compreendida por públicos amplos?
Tais questões iniciais conduzem à problemática central deste projeto de pesquisa:
Questiona-se, como problema norteador: Como, à luz da teoria, cenários, paisagens e
construções de produções cinematográficas baseadas em universos de fantasia, compostos por
elementos arquitetônicos tirados do mundo real, e com frequência de diferentes épocas e
localidades, mas sem qualquer atrelamento cronológico ou estilístico, podem juntos,
compartilhar experiências e contar histórias complexas?
Diante disso, contextualiza-se o objeto a ser investigado: as produções ficcionais
audiovisuais de fantasia, mais especificamente: a série de filmes sobre o personagem Harry
Potter, produzidos durante um período de 10 anos, de 2001 a 2011, baseados na série homônima
de livros de autoria de J.K Rowling; e a série de televisão da HBO, Game of Thrones, que foi
ao ar no período de 2011 a 2019, baseada na série de livros homônima, de autoria de George
R.R. Martin.
Mas, antes apresenta-se aqui um quadro teórico e um breve debate historiográfico.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-HISTORIOGRÁFICA

Precursor no estudo da história da arte, Sedlmayer, membro da Escola de Viena, foi


apontado por Ribeiro (2009) como o primeiro estudioso a introduzir a ideia de que a
arquitetura, como forma de arte, poderia conter significados sócio-culturais. Já a Escola de
Warburg numa aproximação natural aos pensamentos da Escola de Viena, devido a sua
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abordagem comum do tema sob a ótica da “história cultural”, iniciaria a aplicação dos estudos
dos significados da imagem à arquitetura, introduzindo o método iconológico de Panofsky à
história da arquitetura. (RIBEIRO, 2008).
O fundador desta Escola de Warburg, o historiador de arte alemão conhecido como o
pai da iconografia moderna, Aby Warburg, na obra que mais marcou seus estudos, o Atlas
Mnemosyne (1924-1929) — uma série de painéis repletos de imagens em preto em branco sem
que, à primeira vista, tivessem qualquer semelhança de temporalidade ou espacialidade entre si
— buscava por meio dessa obra propor um diálogo entre imagens, criando de forma visual um
método de análise acerca da história cultural e evocando a memória como agente de reflexão.
Por trás dessa obra, reside a ideia, chamada por ele de “fórmula de Pathos”, ou “Pathosformel”,
de que determinadas imagens, ou um conjunto delas, podem suscitar emoções em pessoas de
diferentes contextos ou até mesmo traduzir o “espírito de uma época”. São imagens universais
e seus significados facilmente compreendidos por qualquer um (SAMAIN, 2012).
Com a popularização dos cinemas, o pensamento de Warburg se torna mais pertinente
do que nunca, pois a mídia audiovisual ganha cada vez mais importância e o grande alcance do
cinema à diferentes públicos e espaços amplia o impacto social da imagem e sua compreensão.
O cinema é a primeira forma de arte criada com a intenção de ser reproduzida o maior número
de vezes para atingir as massas. Para Walter Benjamin (1935), diferentemente da pintura, mas
de forma similar à arquitetura, o filme é um objeto de arte de recepção coletiva. Ele pertence à
massa e por ela deve ser apreciado e compreendido em coletividade. (BENJAMIN, 1987). Mas
para tal, ele necessita de um elemento fundamental, a peça que segundo Eco (1994) nos permite
conectar coisas aos fatos, a memória.
José Geraldo Oliveira (2016), em seu artigo “Arqueologia de Interface: Warburg,
memória e imagem”, ao invocar o termo “repertório figurativo”, referindo-se à articulação das
imagens em nossa memória, cita que para Warburg, imagens são memórias sociais. Portanto
um filme quando é divulgado, visando ser amplamente compreensível, precisa resgatar aquela
memória inerente a todos que não necessariamente nos é própria, mas sim de vários grupos
sociais: a memória coletiva.
O conceito de memória coletiva foi cunhado por Maurice Halbwachs (CASADEI, 2010)
e foi inovador ao trazer para a discussão da memória humana o fator social, sendo a partir de
então amplamente discutido por inúmeros autores. Para Halbswachs, a memória coletiva viria
antes mesmo da individual (sendo esta última, formada pela soma de memórias coletivas de
grupos distintos); porém, tal memória só sobrevive enquanto o grupo que a detém existe. Uma
vez interrompido aquele fluxo de memória, se dá lugar à história, instância incumbida de
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analisar com distanciamento os fatos ocorridos de uma época já inexistente. (HARTOG, 2019).
Porém com o advento da “nova história” (LE GOFF; NORA, 1978), a relação do historiador
com a memória é revisada: “A memória coletiva pode também fazer parte do “território” do
historiador, ou, melhor ainda, tornar-se instrumento de escalada da história contemporânea.”
(HARTOG, 2019, p.160).
Os pontos em que a memória individual e a coletiva se cruzam com a memória histórica
também são amplamente discutidos. Para Kessel (2004, p. 5), “memória individual e coletiva
se alimentam e têm pontos de contato com a memória histórica e, tal como ela, são socialmente
negociadas. Guardam informações relevantes para os sujeitos e têm, por função primordial
garantir a coesão do grupo e o sentimento de pertinência entre seus membros.” (KESSEL, 2004,
p.5).
O fato é que, segundo Nogueira (2010), a memória é o que forma nosso repertório
figurativo e desde o princípio da evolução humana é uma ferramenta indispensável para a
sobrevivência em grupo. Em tempos de globalização, mundialização cultural e intensa
midiatização, quando nosso cotidiano é marcado por um fluxo incessante e acelerado de
informações textuais e imagéticas, a memória passa a ser no entender de Nora (1984; 2002),
citado por Hartog (2019), um instrumento do presente, pois não retém mais o passado, fazendo
com que o presente seja presente para si mesmo. “Só se fala tanto de memória porque ela não
existe mais” (HARTOG, 2019, p.162).
A mídia audiovisual, como o cinema ou um seriado televisivo, por exemplo, tem, nesse
contexto, o papel de usufruir e perpetuar esse fluxo incessante de memórias do qual deriva todo
um repertório figurativo. Ao usar este repertório com a intenção de se fazer compreendida pelas
massas, a mídia o multiplica, tornando-o parte das memórias coletivas do presente. O próprio
meio midiático fornece ao público o conhecimento acerca dos símbolos que utiliza, retirados
de sua origem espaço-temporal, para então poder incorporá-los em suas produções.

HIPÓTESE

Ao levar em consideração, diante do já citado entendimento de Warburg, de que


determinadas imagens, ou um conjunto delas, podem suscitar memórias ou até mesmo traduzir
o “espírito de uma época”, tem-se como hipótese, ou pressuposto teórico, que uma cena de
filme de fantasia — do ponto de vista da arquitetura cênica — pode remeter de forma universal
às ideias propostas pela narrativa por meio dos elementos arquitetônicos que escolhe
“anacronizar”, uma vez que, mesmo a narrativa não tendo vínculo espaço-temporal com a
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realidade, os símbolos utilizados, para evocar a memória coletiva das audiências,


estabeleceriam estes vínculos.

OBJETIVOS

Diante do exposto e a partir da ideia formada pela junção destes três elementos —
cinema, arquitetura e memória — devidamente aprofundado por meio de revisão bibliográfica
específica e das fontes necessárias, o presente trabalho visa analisar, iconologicamente e
iconograficamente, a arquitetura de sets de filmagem selecionados como obras de arte que
remetem ao imaginário coletivo por meio de seus símbolos; e usar essa análise como base para
a aplicação de estudos e reflexões feitos acerca do tema por diversos autores, entre eles
Panofsky, historiador de arte, que desenvolveu o método iconográfico/iconológico com base
nos conceitos da Escola de Warburg.
Para tanto, propõe-se os seguintes objetivos geral e específicos:

Objetivo geral
Compreender como a cenografia em narrativas ficcionais audiovisuais de fantasia se
relaciona com os conceitos de memória e história cultural, permitindo compartilhamento de
histórias e experiências imagéticas, de forma a traçar uma relação entre a arquitetura, a memória
coletiva e os meios que utiliza para fazer com que as audiências contemporâneas assimilem as
imagens e símbolos às quais são expostas.

Objetivos específicos
1) Revisar criticamente a construção histórico-conceitual sobre a arquitetura como
detentora de um conjunto de significados socioculturais que remetem à memória
coletiva e à história cultural.
2) Selecionar e descrever os cenários-chave de duas produções audiovisuais e
analisá-los por meio de métodos iconográficos e iconológicos.
3) Entender como se dá a apropriação de símbolos pela arquitetura cênica para
elaborar construções cênicas em produções cinematográficas de fantasia,
projetando-as como um elemento passível de apropriação coletiva em termos de
sentido estético e narrativo, com a pretensão de produzir imagens universais.

JUSTIFICATIVA ACADÊMICA
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Academicamente, este projeto de pesquisa de mestrado se insere na linha Arte, Memória


e Narrativa ao buscar melhor compreender o conceito de memória, tendo como objeto de estudo
uma expressão da arte contemporânea: a mídia audiovisual; e como esta se relaciona com a
memória e a história por intermédio de outro elemento técnico-artístico, a arquitetura.
Desde o que foi proclamado, por Mitchell e Boehm no começo dos anos 1990 —
segundo Alloa (2019), de forma independente um do outro — que a humanindade estaria
presenciando uma “virada pictórica” ou “icônica”, observa-se um aumento da presença de
artefatos visuais e sua importância na vida contemporânea. A linguagem visual domina o
presente e as ciências humanas, entre elas a História, devem procurar se debruçar sobre essa
linguagem, que sempre existiu, mas agora ganha espaço no campo científico por meio das novas
mídias, para ser confrontada junto a outros conceitos. (ALLOA, 2019)
Diante disso, não é de se estranhar que a Escola de Warburg tenha redespertado interesse
nos últimos anos. Aby Warburg sempre defendeu uma leitura dialética da imagem, e sua visão
multidisciplinar do assunto, a ideia de uma “universalidade” da imagem, assim como a presença
de um “espírito da época” em seu conteúdo, somados à influência de seu pensamento sobre
seus seguidores, é um dos principais motivos da presença deste autor neste trabalho. Da mesma
forma, Panofsky se faz presente por apresentar uma sistematização científica derivada desse
pensamento, e um método para que seus estudos possam ser aplicados à prática.
É interessante observar como os estudos da memória podem se relacionar com a história
a partir dos objetos visuais contemporâneos. A cola que faz a ligação entre esses diferentes
conceitos, provenientes de múltiplas épocas, é a visão multidisciplinar da Escola de Warburg,
e o presente estudo pretende contribuir, na medida do possível, para o enfrentamento de um dos
problemas mais ambiciosos propostos por Warburg, “a função da criação figurativa na vida da
civilização” (LISSOVSKY, p.307, 2014).

JUSTIFICATIVA PESSOAL

Como estudante de arquitetura, sempre gostei de estudar este campo do conhecimento


do ponto de vista social; refletir se ela é resultado ou influência do meio em que está, e todo o
impacto que sua prática causa na vida cotidiana. A história da arte e da arquitetura sempre foram
um atrativo para mim, sendo um dos principais motivos que me levaram a escolher a cidade de
Roma, capital da Itália, para a realização de intercâmbio realizado por meio do Programa da
Capes, “Ciência Sem Fronteiras”, durante um ano, entre 2015-2016.
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Em 2018, meu trabalho de conclusão para o curso de Arquitetura e Urbanismo – sob


influência do ano de estudos no exterior onde tive a oportunidade de estudar Museografia e
Cenografia – abordou os temas museu e memória, por meio do projeto intitulado “Museu da
Imigração do Paraná: o espaço como forma de preservação da memória”. Com esse tema tive
a oportunidade de entrar em contato, mesmo que de forma ainda breve, com os conceitos de
lugar, identidade e memória coletiva, já que o foco do trabalho era o projeto arquitetônico em
si. Porém, concluída a graduação, ficou o desejo de continuar pesquisando o tema, não
necessariamente no objeto museu, mas no âmbito da reflexão sobre os limites da arquitetura e
da memória e seu impacto social.
Ao me deparar com algumas comparações de Walter Benjamin (1987) sobre filmes e
arquitetura, em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", comecei a me interessar
pelas semelhanças entre as duas formas de arte e seu papel social. Ambos precisam suscitar
sensações e ideias por meio dos sentidos, sendo a visão, o sentido comum entre eles. Filmes e
arquitetura podem construir universos através dos mínimos detalhes e se apropriar de outras
formas de arte para tal. Seu impacto coletivo é direto, pois na forma de imagens, não podem ser
evitados. Com isso, decidi levar adiante a pesquisa sobre o assunto, unindo vários áreas de
interesse , de forma a estabelecer um diálogo entre arquitetura, história e cinema.

OBJETO DE PESQUISA

O objeto dessa pesquisa, que serve de contextualização e apoio para a compreensão dos
pensamentos pertinentes à evolução do estudo da imagem e seus símbolos pela abordagem da
história da arquitetura e da história cultural, é a cenografia de produções audiovisuais, filmes
ou séries, cujo tema gira em torno de narrativas baseadas em universos fantásticos com foco
no alcance de um grande público. Portanto, os filmes escolhidos aqui como estudo de caso
constituem tanto objeto de pesquisa quanto fontes primárias.
Para tal, serão selecionados, a princípio, dois estudos de caso, com possibilidade de
adição de outros exemplos complementares (ou, concentrando-se apenas em um deles). As
obras foram escolhidas por serem populares no mundo todo e contarem com um universo
absolutamente fantasioso. Elas possuem um imaginário constituído por elementos cenográficos
que rementem, do ponto de vista histórico, a diversas culturas de diferentes temporalidades e
espacialidades, apesar de suas narrativas não ocorrerem em uma época existente em nossa
realidade ou ocorrerem em um período que não influencia na construção da história.
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Estudo de caso 01:


Série de filmes Harry Potter. Conta com oito filmes (2001-2011) que giram em torno
da obra homônima de sete livros escritos por J.K. Rowling. Apesar do grande volume de
material todos os filmes giram em torno de um mesmo universo e de cenários-chave de maior
relevância. Nesta obra é interessante observar como foi traduzida a imensa carga cultural de
diversos locais e épocas e aplicada em alguns cenários-chave.

Estudo de caso 02:


Série para televisão Game of Thrones. Série de oito temporadas de sucesso da HBO,
também baseada em obra homônima de George R.R. Martin. Diferentemente do caso número
1, que toca em diversos momentos o “mundo real”, mas se desenvolve à parte da nossa
realidade, a narrativa de Game of Thrones se passa em um universo completamente fictício sem
qualquer aceno a períodos ou fatos históricos que nos sejam familiares. Por outro lado, são
familiares as intrigas e narrativas ao estilo épico medieval, popularizadas contemporaneamente
por meio de obras como O Senhor dos Anéis (J.R.R. Tolken). Além disso, apesar do universo
da história ser completamente fictício, seus diversos reinos possuem características físicas,
geográficas, sociais e culturais claramente baseadas em diversas culturas do mundo real.

TIPOLOGIA DE FONTES

As fontes primárias deste trabalho são os objetos audiovisuais estudados. Porém, pode
se considerar que a tipologia seja a da imagem, já que o interesse da pesquisa gira em torno da
arquitetura cênica presente nessas fontes, e não nos demais elementos não visuais que a
compõem, como é o caso do áudio.
Para melhor interpretação e aplicação do método ao objeto de estudo, várias fontes
secundárias serão utilizadas, conforme a necessidade do estudo. Assim, fontes escritas,
imagens, objetos e cultura material, além da bibliografia específica podem ser utilizados para
melhor aplicação da metodologia de trabalho proposta.

METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos propostos e testar a hipótese na prática, uma das metodologias
desse trabalho será o uso de estudos de caso em cima dos objetos já discutidos. A escolha de
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usar estudos de caso se dá pelo fato de ser um método de estudo muito utilizado na história da
arte e da arquitetura.
Para análise desses estudos, o método escolhido conforme justificado pela escolha de
autores é o método iconológico de Panosfky, por sistematizar de forma pragmática a coleta de
informações da imagem e se manter fiel a linha de pensamento da escola de Warburg. A
vantagem do trabalho de Panosfky é a possibilidade que ele oferece de movimento entre
diferentes períodos históricos, como ele mesmo demonstrou ao colocar seu método em prática
em ensaios públicados no livro “Significado nas Artes Visuais” (PANOSFKY, 2009)
O método iconológico será aplicado nas imagens selecionadas do estudo de caso de cada
objeto proposto, e seu desenvolvimento será concluído por meio das fontes bibliográficas que
se demonstrarem necessárias para a interpretação dos dados.
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CRONOGRAMA

Atividades
Estudo e
discussão Organiza
Modifica Análise Redação Redação
da ção
Cronograma ções no do prelimin Revisão definitiv
bibliogra metodol
projeto objeto ar a
fia e das ógica
fontes


trimestre


trimestre
1º ano

trimestre


trimestre


trimestre


trimestre
2º ano

trimestre


trimestre
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REFERÊNCIAS

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