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Seção 1.1

O produto audiovisual

Diálogo aberto

Como primeiro passo para seguir os caminhos do audiovisual, essa seção traz alguns
pontos elementares sobre a narrativa, característica fundamental de todo o produto
audiovisual, e aspecto que os aproxima e os diferencia entre si. Falando de narrativas
é que entramos na discussão da diferenciação básica entre formatos audiovisuais e
gêneros narrativos, redimensionando a percepção do produto audiovisual.

Por que tratar inicialmente desses tópicos? Porque através da narrativa você
reconhece elementos comuns e distintivos de estrutura, que definem aspectos formais
e modos de realização das obras audiovisuais. Assim, você diferencia os formatos
audiovisuais dos gêneros narrativos, aspectos que como espectadores facilmente
confundimos, organizamos e categorizamos. Além disso, trazendo conceitos de
janelas de exibição e suas articulações com formatos e gêneros, você percebe a
relevância do público para a obra audiovisual sob o ponto de vista do realizador do
audiovisual moderno.

Para que ao final da unidade você, caro aluno, se descubra apto a assumir um papel
com esse olhar mais aguçado, compondo cenários para uma grade de programação,
cabe um problema para reflexão: suponha que você tenha sido contratado por uma
emissora de televisão fechada, que trabalha com produtos de ficção, para cumprir a
função de assistente. O coordenador de programação indicou que a emissora levará
dois programas brasileiros ao ar, a fim de cumprir com a obrigatoriedade de exibição
de produtos nacionais semanalmente. Você tem 1h30min a ser preenchida. Que tipo
de produto você escolheria? A emissora trabalhar com produtos de ficção, muda
alguma coisa para você? Os produtos seriam de janela primária ou secundária? Você
indicaria produtos de um formato e gênero específicos? Para quais horários da grade
e por quê?

Bons estudos!

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Não pode faltar

O que é o produto audiovisual: esclarecendo as questões dos gêneros e dos


formatos

Nossa mais primária abordagem dos produtos audiovisuais é como espectadores.


E nesse sentido, algum saber sobre o audiovisual já temos, pois a linguagem faz parte
de nosso arcabouço cultural e social. Há algum reconhecimento e compreensão de
conteúdo e linguagem audiovisuais em todos nós, considerando que temos contato
com eles desde muito novos. Chomsky teorizou a habilidade humana de ler e
compreender linguagens. Habilidade aparentemente inata e que nos permite absorver
esses conteúdos, estruturá-los e formalizar uma gramática complexa somente pelo
contato com uma linguagem (CHOMSKY; FOUCAULT, 2006)1. O fato é que a maioria
de nós é espectador de filmes, séries, seriados e telenovelas desde sempre. Isso implica
dizer que você também é espectador e é nesse ponto que começamos.

A questão que se coloca é que essa gramática do audiovisual torna você apto
a compreender filmes e acompanhar narrativas, no entanto, a fim de que venha a
se aprofundar na prática audiovisual ou nos estudos da área, esse ponto de vista do
espectador deve ser acrescido do ponto de vista daqueles que realizam filmes ou
séries ou esquetes de comédia. Para além de ver os produtos audiovisuais e entender
suas narrativas, você já pensou em como contar as histórias nas telas?

O audiovisual conta histórias e isso é feito através de uma linguagem formal que
articula imagens em movimento e sons dentro da narrativa. “São elementos estilísticos
que se organizam de acordo com as demandas da disposição narrativa da trama,
construídos pelo classicismo” (RAMOS, 2005, p. 20).

Tanto em ficção, como em não ficção, os produtos audiovisuais


narram histórias, contam acontecimentos, reproduzem fatos,
passam informação e comunicam. Para fazê-lo lançam mão de
estruturas narrativas, estratégias que organizam informações
selecionadas e organizadas numa ordem específica, que
entretém o interlocutor e despertam emoção. Já em sua
Poética, Aristóteles codificou as partes das histórias: o início, o
enredo, o desfecho, episódios e peripécias e o reconhecimento.
(ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO, 2005, p. 38-39)

1
Conceito extraído de uma fala transcrita de Noam Chomsky abordando aspectos da natureza
humana e os relacionando à sua teoria da linguagem. O diálogo entre Chomsky e Foucault foi realizado
na Holanda, em 1971, falado em inglês e francês. A recente transcrição em língua inglesa foi publicada
em 2006.

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A compreensão e aplicação da estrutura é fundamental. Mesmo no jornalismo, que


tendemos a distanciar da ficção, o que se faz é contar eventos de modo organizado e
respondendo a inquietações sobre o tema.

O audiovisual narra eventos e, modernamente, os organiza numa estrutura


que Robert McKee (2006) descreve como: a) história, onde todos os eventos são
percebidos, composta por uma série de atos; b) ato, uma série de sequências
que compõe mudanças em um grau maior; c) sequência, uma série de cenas
que juntas propõe alguma mudança em grau moderado; d) cena, que traz ação
através de conflitos e mudanças em grau menor e composta por beats; e) beat, o
elemento menor da estrutura onde as mudanças ocorrem por ação e reação em
lógica causal.

No entanto, qual é a relação de tudo isso com o produto audiovisual, seus


gêneros ou formatos? Ora, profunda! Essa estrutura é o que permite afetividade
e credibilidade, ou seja, os dois fatores que mais nos envolvem numa história ou
acontecimento. E, no fim das contas, é a narrativa que nos conta alguma coisa, de
uma maneira específica, através do enredo ou da trama, e que em sua multiplicidade
se desenvolvem os gêneros e os formatos (NOGUEIRA, 2010).

Aristóteles propôs, ainda, elementos como a verossimilhança e a mimese, a


fim de descrever esse nosso envolvimento com as narrativas. No entanto, o
efeito mais relevante descrito pelo filósofo grego foi o de catarse que, segundo
ele, é próprio das tragédias. O efeito de catarse, que também está nas narrativas
modernas, é o expurgo de nossas emoções ao acompanharmos uma história. Vem
com a compreensão das discussões e questões por ela levantadas (ARISTÓTELES;
HORÁCIO; LONGINO, 2005). Esse não é um sentimento qualquer, mas o ponto
motriz para as narrativas por capturar o espectador de maneira mais profunda. Daí
a afetividade.

O antropólogo estadunidense, Joseph Campbell, por sua vez, apontou para


outro elemento fundamental: a personagem. Em seus estudos de mitologia e
narratologia, desenvolveu o conceito de “monomito” ou da “jornada do herói"
(CAMPBELL, 1997). O autor descreve uma estrutura de jornada da personagem
principal, o protagonista, que cumpre um arco de transformação e envolve o
espectador. A jornada, composta por rituais de passagem de separação, iniciação
e retorno descreve o protagonista como um “herói vindo do mundo cotidiano que
se aventura numa região de prodígios; ali encontra forças e obtém uma vitória
decisiva; e retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios a
seus semelhantes” (CAMPBELL, 1997).

Pois bem, capturar a atenção e a aceitação do público espectador é a base


para qualquer narrativa. Isso se apresenta na literatura e no teatro, mas também
no cinema, na televisão ou em jogos eletrônicos e na publicidade. Contudo,

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para emocionar o espectador, é necessário ter credibilidade. Aos elementos de


estrutura, mimese, verossimilhança, jornada e catarse é somado o acordo narrativo
silencioso entre os realizadores e os espectadores, o chamado princípio de
“suspensão da descrença” (ECO, 2009, p. 81). Trabalhado por Umberto Eco, esse
princípio supõe que mesmo em histórias imaginárias, os espectadores assumem
que os autores dizem a verdade sobre as situações narradas. Isso equivale dizer
que uma narrativa convence o espectador apenas se conseguir trazê-lo para a
história a ponto de ele não quebrar sua ilusão com aquilo que é contado. Ora,
numa matéria de telejornal esse acordo é facilmente firmado, pois de maneira
geral, nós aceitamos os fatos narrados como verdades, ainda que isso implique
uma miríade de distorções discursivas e outros problemas. Com um conteúdo
imaginativo, no entanto, esse acordo de fingimentos propositais entre realizadores
da obra audiovisual e seus espectadores é mais delicado. Ainda assim, firmamos
esse acordo logo que nos postamos em frente a alguma tela para ver um filme ou
um vídeo. Considerando esses elementos, portanto, é fundamental notar que os
produtos audiovisuais apenas divertem o público espectador quando trazem um
modelo de verdade fortalecido por um significado afetivo. Sobre essas questões,
Robert McKee (2006, p. 25) diz o seguinte:

Abrigar-se atrás da noção de que o público simplesmente


quer se livrar de seus problemas ao entrar e fugir da realidade
é abandonar covardemente a responsabilidade artística. A
história não é uma fuga da realidade, mas um veículo que nos
carrega em nossa busca pela realidade.

Pesquise mais
- Para compreender o mecanismo de catarse aristotélica e o arrebatamento
emocional do público:

MENEZES E SILVA, C. M. D. Acerca da emoção. In: _______. Catarse:


emoção e prazer na Poética de Aristóteles. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
2009. p. 194. Tese (Doutorado). Departamento de Filosofia do Centro de
Teologia e Ciências Humanas. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp115659.pdf>.
Acesso em: 25 ago. 2016.

- Para uma explicação mais detalhada da suspensão da descrença:


Animais falantes e magia: por que acreditamos? (O que é suspensão
da descrença?). Direção: Lully de Verdade. Curitiba: Lully de Verdade –
cinema e cultura. 2016. 2'54''. son. color. vídeo digital. Disponível em:
<https://youtu.be/xPoFX4ZtNEI>. Acesso em: 25 ago. 2016.

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