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PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL

Otavia Alves Cé
Cinema e audiovisual
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Definir cinema.
 Explicar o conceito de audiovisual.
 Aplicar cinema e audiovisual à comunicação.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar conceitos e teorias sobre cinema e au-
diovisual. Em um primeiro momento, você vai conhecer teorias que
definem o cinema, da concepção de cinema como tela — passiva, a ser
vista — até cinema como espelho — um reflexo da sociedade e de seus
interlocutores. A seguir, vai ver a conceituação de produções audiovisuais
enquanto peças diversas nas quais sons e imagens se complementam
para produzir significação. Por fim, você vai ver como aplicar esses co-
nhecimentos à comunicação e como analisá-los de forma teórica.

Cinema: imagens em movimento


Filmes de cinema, materialmente falando, consistem em uma série de imagens
estáticas que são reconhecidas como quadros projetados em uma tela a uma
taxa de 24 quadros por segundo. Cada quadro é exibido de maneira estática
na tela, sendo constantemente apagado e substituído por um novo quadro sub-
sequente. Essa dinâmica possibilita a experiência do filme como uma imagem
contínua, com movimento real. Dois fenômenos perceptivos contribuem para
isso: a persistência da visão e o movimento aparente.
A persistência da visão refere-se à percepção contínua da luz — resultando
em uma “impressão” — após a luz do estímulo ter sido desligada. Durante a
projeção de um filme, a luz é obscurecida pelo fechamento de um obturador
quando o filme se move de um quadro para outro. Isso cria uma alternância
entre a luz (projeção aberta do obturador) e a escuridão (obturador fechado)
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24 vezes por segundo. O fenômeno da persistência da visão “preenche” o


intervalo escuro. Assim, o movimento que você percebe nos filmes é aparente
porque é baseado em informações geradas por imagens visuais estáticas, não
por movimento real.

Acesse o link a seguir para conferir um vídeo que explica e exemplifica os motivos da
utilização dos 24 quadros por segundo no cinema.

https://qrgo.page.link/nhEQj

No cinema, o espectador percebe cenas e eventos como contínuos, mesmo


que sejam apresentados em vários pontos de vista que mudam instantaneamente
nas edições. Essa ilusão é promovida pela continuidade. A continuidade é
alcançada por meio da edição, que deve funcionar como um análogo para
um turno de atenção. Ou seja, o espectador precisa ser capaz de antecipar a
mudança de ponto de vista para atualizar a sua representação mental da cena
descrita.
De forma mais subjetiva, o cinema pode ser conceituado como um veículo
para ser assistido e que mantém o espectador fisicamente distante de sua
projeção. Todavia, o cinema busca atrair o espectador emocionalmente, por
meio de uma “janela” que enquadra e apresenta metáforas conceituais sobre
uma realidade “separada”. Mas se alguém conceitua a experiência do cinema
como a entrada em outro mundo, então diminui a distância que estava na base
da ideia do cinema como janela a ser meramente observada.
Por muito tempo, o cinema foi explicado por meio das metáforas da janela
e do quadro, ou seja, como algo a ser visto, apreciado. Porém, com a teoria
moderna do cinema, ele passou a ser reconhecido como algo mais, recebendo a
analogia do espelho, conforme explica Andrew (1984, p. 134, tradução nossa):

Na teoria do cinema clássico, duas metáforas da tela disputavam a supremacia.


André Bazin e os realistas defenderam a noção de que a tela era uma "jane-
la" do mundo, implicando espaço abundante e inumeráveis objetos fora da
sua fronteira. Mas para Eisenstein, Arnheim e os formalistas, a tela era um
quadro cujas fronteiras moldavam as imagens que apareciam nele. O quadro
construiu significado e efeitos; a janela exibiu eles. […] Jean Mitry afirma que
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a vantagem e o apelo do cinema reside em manter as implicações de ambas


as metáforas. O cinema é de uma só vez uma janela e um quadro. A teoria
clássica do cinema não poderia ir além. Somente mudando o discurso para
outro plano e invocando outro sistema poderia a teoria moderna se desen-
volver. Uma nova metáfora foi avançada: a tela foi denominada um espelho.

Dessa perspectiva, o espectador encontra-se entre dois pólos: projeção e


identificação. Por um lado, a projeção permite ao espectador mergulhar no
filme para dissolver temporariamente parte de seus limites corporais e aban-
donar seu status de sujeito individual em favor de uma experiência comunal.
Por outro lado, a identificação significa que o espectador pode absorver o
filme, torná-lo seu, isto é, incorporar o mundo ficcional e, assim, constituir-se
como um sujeito “imaginário”.
O antropólogo e sociólogo Edgar Morin (2005) desenvolveu estudos so-
bre a oscilação polimorfa entre essas duas posições. Neles, enfatizou que as
personagens fictícias assumem na tela a função de um doppelgänger (uma
espécie de duplicata) para o espectador. Isso, por um lado, confere aos inter-
locutores uma interface de projeção através da qual se pode “entrar no filme”;
por outro, dá às personagens uma qualidade incomum, como se elas fossem
personificações simultaneamente daquilo que é muito familiar e ainda assim
totalmente autossensível. O resultado é certa pertinência e a proeminência
do “estranho” em certas teorias cinematográficas (por exemplo, o renovado
interesse teórico nos filmes de terror a partir dos anos 2000).
Nos anos 1970 e 1980, a teoria do cinema viu o surgimento de várias posi-
ções que foram fortemente influenciadas pelo pós-estruturalismo de Jacques
Lacan e por seus estudos relacionados à psicanálise freudiana. Além disso,
houve a influência da teoria de Michel Foucault a respeito do panóptico, uma
arquitetura de prisão de autovigilância desenvolvida por Jeremy Bentham.
Tal arquitetura foi encarada por Foucault como um modelo de controle social
e subjetividade. Nessa perspectiva, o olhar é o ponto privilegiado de conver-
gência de várias estruturas de visibilidade, o que no cinema encontra a sua
articulação por meio da filmagem, do enquadramento e da montagem.
A teoria do cinema feminista, em particular, identificou padrões especí-
ficos de controle e captação (no espaço, entre câmera e personagens ou entre
espectadores e filmes) inerentes ao olhar. Semelhante às abordagens discutidas
sobre o espelho, tal pensamento pressupõe que certa distância, apropriada
para “ver” como um ato puro de percepção ocular, é mantida por toda parte.
Ao contrário da metáfora do quadro ou da janela, no entanto, essa distância
não facilita ou regula o acesso ao mundo diegético (próprio à narrativa), mas
destaca o potencial de poder desse arranjo e a sua interpretação.
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Além das percepções relativas ao olhar, o cinema também é palco de uma


linguagem em que discursos e representações se materializam por meio de
visualidades e sonoridades cruzadas, construindo um caminho de sentidos.
Aumont (1995, p. 106) disserta sobre a questão da liguagem cinematográfica
afirmando o seguinte:

A narrativa fílmica é um enunciado que se apresenta como discurso, pois


implica, ao mesmo tempo, um enunciado (ou pelo menos um foco de enun-
ciação) e um leitor-espectador. Seus elementos estão, portanto, organizados
e colocados em ordem de acordo com muitas exigências: em primeiro lugar,
a simples legibilidade do filme exige uma “gramática” (trata-se aí de uma
metáfora), a fim de que o espectador possa compreender, simultaneamente,
a ordem da narrativa e a ordem da história.

O discurso visual é concebido para ser assistido. Os seus elementos plásticos,


tais como cores, texturas e matizes, o caracterizam como conjunto dotado de
significações. Sozinhas, as imagens não funcionam; elas precisam de certa
coerência discursiva e narrativa para que possam ser lidas e compreendidas
por seus espectadores. Quando a isso, Dubois (2004, p. 260) atesta que:

[...] o texto não está no filme, nem mesmo na imagem, é o próprio filme.
É um cinema liberto de toda sua (falsa) profundidade de representação do
mundo, um cinema que olhamos do mesmo modo como percorremos um
livro, viramos uma página, ouvimos um discurso. Antes de ver é preciso
primeiro ler o texto-filme.

Da teoria da janela, na qual o espectador era mero observador, até a do


espelho, em que o interlocutor reconhece tanto a si como a sociedade na
obra cinematográfica, o cinema percorre uma infinidade de trajetórias de
significação e linguagens. Essa multiplicidade de linguagens contribui para
o desenvolvimento das teorias sobre a constituição da própria natureza do
cinema, bem como sobre a comunicação audiovisual em sua totalidade.
Tomando esse viés, em especial enfocando o campo da enunciação, uma
vez que a materialidade do texto cinematográfico apresenta resquícios das
diferentes linguagens que a compõem, McLuhan (1979, p. 320) explica que:

[...] sendo uma forma de expressão não verbal, como a fotografia, [o cinema]
é uma forma de expressão sem sintaxe. No entanto, como a impressão e a
fotografia, o cinema pressupõe um alto índice de cultura escrita em seus
apreciadores, ao mesmo tempo em que intriga os analfabetos ou não letrados.
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O cinema, enfim, trabalha a sua linguagem de maneira a levar seu público


a consumir um produto carregado de sentidos, discursos e valores simbólicos.
Estes, por vezes, perdem o seu atributo inicial de arte ou de crítica em prol da
transformação em bens de consumo pelo capitalismo e pela indústria cultural.

Audiovisual: conceitos e premissas


O termo “audiovisual” começou a ser usado nos Estados Unidos nos anos 1930,
após o surgimento de filmes sonoros. No entanto, foi na França, durante a década
de 1950, que essa palavra começou a ser usada para designar técnicas de difusão
simultânea. A partir de então, o conceito foi estendido. No campo da mídia de
massa, fala-se de “linguagem audiovisual” e “comunicação audiovisual”.
O audiovisual implica a integração e a inter-relação completa entre o
auditivo e o visual para produzir uma nova realidade ou linguagem. A per-
cepção é simultânea. Novas realidades sensoriais são assim criadas por meio
de certos mecanismos:

 a harmonia na qual cada som corresponde a uma imagem;


 a complementaridade entre o que é ouvido e o que é visto;
 o reforço de significados sonoros e visuais que insistem no mesmo
propósito;
 o contraste entre ambos, determinando significados.

Em síntese, a indústria do audiovisual se dedica a produzir sistemas audiovisuais que


funcionem eficientemente para melhorar as comunicações em toda a organização
ou local. Ela envolve tecnologias, produtos e sistemas para:
 exibição visual;
 reprodução de áudio;
 gravação de vídeo e áudio, produção e pós-produção;
 controle, distribuição e transmissão de sinais audiovisuais;
 iluminação;
 sistemas de controle;
 conferência colaborativa (videoconferência, áudio, dados e conferência na web);
 streaming de mídia.
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A realidade audiovisual é percebida pela delimitação da imagem e do som.


A principal característica da linguagem audiovisual é a multiplicidade de seus
códigos. Alguns são específicos, como aqueles derivados da montagem, mas
outros vêm de formas anteriores de comunicação, como linguagem verbal e
escrita, gestos corporais ou música. Você deve ter em mente que o cinema não é
a realidade, mas o produto de certas convenções baseadas no condicionamento
do sistema perceptivo e da cultura. Ele é uma janela representativa, ou um
espelho onde se identifica a sociedade, como você já viu.
De fato, a origem do audiovisual está no cinema. Mas até mesmo as his-
tórias em quadrinhos também podem ser consideradas um precedente para a
comunicação audiovisual, pois integram texto e imagem. Nesse sentido, vale
considerar como precursoras do audiovisual as inovações em design gráfico
associadas aos movimentos de vanguarda que buscavam uma integração
“cinematográfica” do texto e da imagem.
Para Chion (1993), o acoplamento audiovisual, o fato de a audição e a
visão serem vistas de forma complementar, tem origem anterior à técnica.
Desde muito cedo (cerca de três meses de idade), um bebê procura por mais
tempo uma imagem associada a uma melodia do que uma imagem silenciosa.
Nesse sentido, Chion (1993, p. 276, tradução nossa) investiu no conceito de
áudio-visão, que ele define da seguinte maneira:

Como áudio-visão, designamos o tipo de percepção própria do cinema e da


televisão, mas que também experimentamos in situ com frequência, e na qual
a imagem é o núcleo consciente da atenção, mas na qual o som contribui para
tudo. No momento, uma série de efeitos, sensações e significados que, através
de um fenômeno de projeção, são atribuídos à imagem e parecem derivar dela.

A associação de som e imagem gera uma percepção completamente dife-


rente da que cada um desses elementos produz separadamente. A interpretação
do que é visto varia de acordo com a presença ou não de som, da mesma
forma que a interpretação de elementos sonoros é influenciada quando há
uma imagem associada. Chion (1993) introduz também o conceito de valor
agregado, que é o valor expressivo com o qual um som enriquece uma imagem.
Por exemplo, a música, em audiovisuais, é capaz de expressar a emoção de
uma cena, transformando-a em uma cena triste ou feliz.
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Um dos aspectos mais importantes desse valor agregado é a percepção do


tempo na imagem, que pode se tornar mais vaga ou mais precisa com o som,
ou então impor uma ideia de sucessão. O som também é capaz de unificar o
fluxo de imagens e apagar os cortes da montagem. Por outro lado, se o som
faz com que a imagem apareça de maneira diferente, o visual também faz
com que o sonoro seja ouvido de modo distinto. O mesmo som, dependendo
do contexto, pode dizer coisas muito diferentes. Por essa razão, Chion (1993)
afirma que a banda sonora existe tecnicamente, mas não é válida como uma
unidade de análise, uma vez que os sons se formam com a imagem por meio
de “relações verticais simultâneas” (CHION, 1993, p. 278, tradução nossa).
Para Rodríguez (1998), no entanto, dizer que o som enriquece a imagem
supõe continuar dando primazia ao sentido da visão. O som não enriquece
a imagem, mas modifica a percepção geral do receptor. O áudio não age de
acordo com a imagem e em dependência dela, mas age e funciona com o visual
ao mesmo tempo. O ouvido não depende da visão para processar informações;
ambos os sentidos atuam em sincronia e coerência. O maior custo econômico
da produção de imagens e a sua complexidade tecnológica geralmente forçam
os cineastas a começar a trabalhar por elas. Os estudos de comunicação tam-
bém apoiaram de maneira muito generalizada a tendência a colocar o visual
antes do som. Agora, dentro da pesquisa e da cultura audiovisual produtiva,
deve-se colocar o som em um lugar muito mais ajustado ao papel que ele
realmente desempenha.
Ainda de acordo com Rodríguez (1998), o áudio atua seguindo três linhas
expressivas bem definidas. A primeira é a que transmite com grande precisão
as sensações espaciais, já que o ouvido humano tem a enorme capacidade de
medir distâncias e identificar volumes espaciais. A segunda linha expressiva
consiste em conduzir a interpretação do conjunto audiovisual. Por meio da
simbiose imagem-som, o espectador é guiado para a interpretação correta de
uma cena. Finalmente, o áudio organiza narrativamente o fluxo do discurso
audiovisual. O mesmo grupo de planos visuais pode ser entendido como uma
única sequência ou como várias sequências separadas dependendo da aplicação
do som. Anúncios e videoclipes são exemplos paradigmáticos de conjuntos
de materiais visuais que, sem som, tendem a se transformar em cascatas de
imagens desordenadas que têm apenas conexões visuais confusas e vagas
entre si, por exemplo.
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Teorias contemporâneas: cinema


e audiovisual aplicados à comunicação
Em 1980, emergiu a teoria cognitiva da imagem em movimento (NANNI-
CELLI; TABERHAM, 2014), baseada em teorias de percepção, raciocínio e
processamento de informações. Essas teorias se concentram em três aspec-
tos: processos neurofisiológicos, processos cognitivos e processos culturais
universais. Vale ressaltar que a teoria cognitiva não é unificada, mas consiste
em uma constelação de teorias com o mesmo objetivo: estudar a imagem
em movimento a partir do ponto de vista científico, progredindo por meio
da pesquisa empírica e do debate racional, com uma atitude de neutralidade
objetiva e apolítica, longe dos ditames das agendas.
Tal teoria está interessada em como os espectadores respondem à arte das
imagens e do movimento e por que assim o fazem. Os autores sustentam que,
apesar das diferenças culturais e sociais, os humanos compartilham a mesma
arquitetura cognitiva, então é possível supor que há algum tipo de regulari-
dade intersubjetiva na atividade mental dos espectadores. Eles apostam em
esquemas de dados visuais e na fisiologia da resposta. Três campos compõem
fundamentalmente o estudo: o processamento de obras audiovisuais no cérebro,
a cognição corporificada e a tradução das emoções.
Para Anderson (1996), as peças audiovisuais são como um complexo
software no qual os cineastas produzem uma série de instruções usando ima-
gens, gestos e sons para que o espectador enxergue a realidade de determinada
maneira. O cinema evoluiu para tirar proveito das características do cérebro
humano. Afinal, ele é composto pela ilusão de imagens em movimento, as
quais são uma sucessão de imagens estáticas que o cérebro humano intepreta
“equivocadamente”, conferindo-lhes o aspecto dinâmico.
Outra questão abordada pelos teóricos cognitivistas é a cognição corporifi-
cada ou incorporação. Hoje em dia, considera-se que a cognição é determinada
pela organização biológica em que elementos anatômicos, bioquímicos e
neurofisiológicos do ser humano convergem. Tudo o que você experimenta,
compreende, comunica, imagina, avalia ou faz depende da sua natureza corpó-
rea; daí o uso do termo “corporificação”. Um exemplo do fato de que o acesso
à realidade é filtrado pela natureza corpórea são as projeções metafóricas
utilizadas para entender conceitos abstratos presentes em várias linguagens.
Por exemplo, o esquema de verticalidade constitui um padrão projetado me-
taforicamente quando se diz que uma pessoa “subiu na vida”.
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Segundo Grodal (2009), o corpo sempre apareceu, de alguma forma, na te-


oria do cinema e do audiovisual. Münsterberg, Pudovkin, Eisenstein, Arnheim
e Mitry descreveram componentes incorporados no processo audiovisual nas
primeiras décadas do século XX. No entanto, essas ideias foram esquecidas e
substituídas por teorias semióticas, psicanalíticas ou marxistas, que transfor-
maram a recepção de filmes na apoteose do visual. Pelo contrário, para a teoria
do cinema incorporado, o espectador não recebe passivamente a imagem,
mas a processa criativamente a partir de sensações corporais (Figura 1).

Figura 1. A percepção corporificada.


Fonte: Selvam (2019, documento on-line).

Uma descoberta fundamental que suporta o conceito de incorporação é a


dos “neurônios-espelho”. Esses neurônios são ativados quando uma pessoa
executa uma ação e quando observa a ação realizada por outros. Esse sistema
permite entender outras pessoas não por raciocínio abstrato, mas por simulação.
No cérebro, uma cópia virtual do que cada um observa é gerada, e isso permite
às pessoas sentir o que os outros sentem. Baseada no sistema de neurônios-
-espelho, a teoria da simulação de incorporação (GALLESE, 2005; GALLESE;
SINIGAGLIA, 2011) propõe que o mecanismo do cérebro humano é baseado na
projeção de ações, emoções e sensações alheias sobre o observador.
Gallese e Guerra (2012) consideram que a simulação incorporada desem-
penha um papel fundamental tanto na recepção quanto na criação cinemato-
gráfica. Ela também atuaria em demais utilizações das mídias audiovisuais,
como vídeos comerciais, propagandas e até mesmo peças instrucionais e
institucionais. Os neurônios-espelho explicariam a reação emocional das
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pessoas quando veem um filme da seguinte maneira: antes de um filme de


terror, elas sentem medo não pelo que veem, mas porque o cérebro copia as
sensações que elas percebem nos personagens. É uma cópia virtual e a uma
distância segura, o que os autores chamam de “simulação incorporada livre”.
Aplicado à publicidade, esse tipo de simulação é utilizado em questões de
convencimento, por exemplo. Não é à toa que as personagens costumam estar
felizes em comerciais de refrigerante.
Os cognitivistas também lidam com a forma como a imagem em movi-
mento gera emoções em seu espectador. A teoria sobre emoção de filmes
que Smith (2003) propõe diz que, em uma peça audiovisual, os diferentes
elementos postos em cena são usados para fornecer um conjunto redundante
que aumenta a possibilidade de espectadores com diferentes sensibilidades
atingirem o estado emocional desejado.
Entra em cena, então, a teoria da apreciação da mídia, que considera que
alcançar um estado emocional agradável é o objetivo central da experiência de
consumo de um produto. Embora o conceito de prazer seja equacionado com
a obtenção de experiências emocionais positivas, o entretenimento de mídia
também pode ser produzido com conteúdo projetado para estimular estados
emocionais negativos, como ocorre em um filme de terror. Nessas horas, o uso
exacerbado do sensacionalismo em telejornais se explica, por exemplo: não se
trata de uma apreciação do ser humano pela tragédia, e sim a construção de
um parâmetro negativo para subsequentes avaliações positivas.
Existem cinco requisitos para o prazer da mídia. Em primeiro lugar, a
suspensão da descrença. O espectador tem de deixar de lado seu senso crítico
para entrar no mundo da ficção; ele deve ser capaz de crer na narrativa apresen-
tada. Em segundo lugar, deve haver empatia com as personagens. Não existe
nenhuma possibilidade de entretenimento se o espectador não reage com es-
perança ou medo ante à fortuna ou à infelicidade das personagens. Em terceiro
lugar, o espectador deve querer interagir com a personagem, mentalmente ou
na realidade. Esse tipo de relacionamento é chamado parassocial e acontece
quando o vínculo afetivo ocorre independentemente de uma exposição real.
A interação parassocial incentiva o consumo de mídia porque os espectadores
querem estar em contato com as personagens de que eles gostam. É, portanto,
a interação social e a relação pessoal o que produz prazer. Em quarto lugar,
o espectador deve ter o sentimento de estar lá, deve ser transportado para
o local de ação e ser um participante privilegiado. Por último, o espectador
deve ter interesse (real ou instigado) no assunto, problema ou área abordada.
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Quanto às razões pelas quais as pessoas buscam o desfrute da mídia audio-


visual, a teoria da apreciação midiática propõe três parâmetros. Em primeiro
lugar, as produções audiovisuais e o cinema fornecem uma fuga temporária da
vida diária. Uma segunda razão pode ser que isso ajuda a regular as próprias
emoções, melhorando-as ou perpetuando-as. Por exemplo, indivíduos que se
consideram pessoas entediadas tendem a preferir comédias ou filmes de ação.
Ao mesmo tempo, os espectadores buscam (mesmo que inconscientemente)
comparar as suas realizações com as de outras pessoas cujas experiências
são menos privilegiadas do que as eles — daí o sucesso de certos programas
de televisão que exploram a miséria ou até mesmo a humilhação humana.
A terceira razão é o desejo de ser desafiado e competir com os outros.
Para finalizar, considere os resultados e as consequências do entretenimento
listados pela teoria da apreciação midiática: transferência emocional, catarse e
aprendizagem. A transferência emocional é quando o espectador sente alívio,
por exemplo, se o personagem é salvo da catástrofe. Muitos telespectadores
estão dispostos a experimentar emoções negativas para aproveitar o alívio
subsequente ocasionado por um final feliz. Por sua vez, o conceito de catarse,
que foi formulado primeiramente por Aristóteles, está relacionado a um efeito
purgador e purificador. Por exemplo, cenas de violência parecem ter um efeito
catártico em relação à frustração. Mas talvez o efeito mais importante seja a
relação entre entretenimento, compreensão e aprendizagem. Daí derivam
conceitos como entretenimento informativo (aquele que apresenta conheci-
mento sobre determinado assunto) e entretenimento educacional (utilizado
com o intuito de ensinar ou instruir sobre algo ou alguma atividade).

Exemplos de mídias audiovisuais


aplicadas à comunicação
É tarefa praticamente impossível listar todas as possibilidades de aplicação dos
meios audiovisuais na comunicação social. Isso se deve à constante evolução
tecnológica, a qual permite a criação de novos formatos a cada novo passo evo-
lutivo. Além disso, o audiovisual permite inumeráveis possibilidades. Todavia,
alguns modelos básicos se aplicam e se repetem, tais como os listados a seguir.

 Vídeos publicitários: são vídeos comerciais ou promocionais, geral-


mente voltados para a venda, seja de um produto, um serviço ou até
mesmo de uma ideia.
 Vídeos institucionais: são focados na manutenção, consolidação ou
mudança da imagem de determinada marca, empresa ou instituição.
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 Reportagens: constituem um formato telejornalístico em que se re-


produz a mídia audiovisual. As reportagens têm suas bases no vídeo
documental, porém possuem a sua própria linguagem.
 Vlogs/videocasts: formato produzido para a internet e popularizado
pela ascensão dessa plataforma. Abrange os mais variados tipos de
formatação e linguagem, porém tem se mostrado uma aliado cada vez
mais forte na divulgação de ideias e produtos.
 Vídeos documentais: vertente mais cinematográfica da produção audio-
visual não ficcional. Tem como objetivo retratar um viés da realidade.
Por muito tempo, os vídeos documentais foram associados a longas
metragens de cinema; porém, com a evolução tecnológica, passaram a
ganhar novos formatos e linguagens.
 Vídeos educacionais: não são voltados somente para o ensino e a
aprendizagem escolares, mas também são utilizados em empresas, ou
para os mais variados fins. São os famosos vídeos-tutoriais.

ANDERSON, J. D. The reality of illusion: an ecological approach to cognitive film theory.


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ANDREW, D. Concepts in film theory. Oxford: Oxford University Press, 1984.
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NANNICELLI, T.; TABERHAM, P. (ed.). Cognitive media theory. New York: Routledge, 2014.
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Leituras recomendadas
GRABOWSKI, M. (ed.). Neuroscience and media: new understandings and representations.
New York: Routledge, 2014.
GRODAL, T. Moving pictures: a new theory of film genres, feelings, and cognition. Oxford:
Oxford University Press, 1997.
POR que o cinema usa 24 fps? [S. l.: s. n.], 2017. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal
Brainstorm Tutoriais - Edição de Vídeo. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=J19x1Wdv7cE. Acesso em: 11 jul. 2019.

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