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História da Linguagem Áudio Visual

História da Linguagem Áudio Visual


Professor Francisco Redondo Periago

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História da Linguagem Áudio Visual

SUMÁRIO
1. A Imagem 3

2. A Sétima Arte 10

3. O cinema e linguagem 11

4. A linguagem narrativa clássica 13

5. A linguagem cinematográfica 17

6. O audiovisual 18

7. O plano, a unidade mínima cinematográfica 20

8. A decupagem 20

9. Raccord 22

10. A continuidade 26

11. A regra do eixo de 180º 27

12. A nomenclatura dos planos 29

13. O posicionamento da câmera 32

14. Movimento de câmera 34

15. As Objetivas 37

17. A montagem 39

18. A iluminação 41

19. Referências Bibliográficas 42

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e receptor. Assim, o diálogo que a imagem


1. A Imagem proporciona está envolvendo o discurso não
1.1. A Imagem e a realidade verbal do emissor com o discurso responsivo
do receptor, o que a caracteriza um processo
Uma das primeiras formas de propaga- de comunicação humana.
ção de conhecimento e de registro utilizada
pelo homem foram as imagens que surgiram 1.2. A Imagem e o registro
como forma de comunicação bem antes da
Desde os primórdios da história da humani-
escrita. O termo vem do latim “imago” e tem
dade que o homem se preocupou em registrar
significados como representação, cópia, re-
suas aventuras cotidianas para os seus con-
trato e sombra. Dessa forma, uma imagem
temporâneos e, provavelmente, para os seus
não é o objeto ou a pessoa e, sim, a sua
descendentes. Dessa forma, os nossos ante-
representação constituída por meio de pintu-
cedentes pré-históricos desenvolveram técni-
ra, gravuras, fotografias, vídeos ou de filmes
cas rudimentares de desenhos para o armaze-
(cinema). Uma questão importante a salien-
namento de informações que eram essenciais
tar é que a imagem possui dois fatores con-
para a sua convivência com o meio ambiente.
figurativos que se unem para a constituição
Esses registros foram moldados em paredes
de um significado. O primeiro está ligado à
de cavernas e são conhecidos como Arte Ru-
representação imagética dos elementos do
pestre. Essa forma não verbal de se expressar
nosso ambiente que são captadas pelo olho
levou o homem pré-histórico a possuir um ca-
humano e formadas no cérebro. O segundo
nal de comunicação com os demais membros
fato é a representação imagética criada den-
de seu clã e propiciou, ao mesmo tempo, um
tro da mente por meio da imaginação e que
meio para registrar suas observações sobre
se tornam representações mentais.
as suas experiências vividas. A Arte Rupestre
Não há imagens como representações foi encontrada em diversos locais do nosso
visuais que não tenham surgido de imagens planeta e se tornaram, atualmente, fontes de
na mente daqueles que as produziram, do informações para estudos antropológicos ba-
mesmo modo que não há imagens mentais seados em representações imagéticas origina-
que não tenham alguma origem no mundo das na mente humana. Nesse sentido, a Arte
concreto dos objetos visuais (SANTAELLA; Rupestre é uma reprodução de uma imagem
NÖTH, 2008, p. 15). mental originada por um processo cognitivo e
cultural apoiado na realidade vivenciada pelos
Dessa maneira, a imagem passa a ser a nossos ancestrais.
representação de alguma coisa, fato ou pes-
soa embasada por meio do ponto de vista Assim, percebe-se que o homem, desde os
de alguma pessoa que pode ser a criadora tempos mais primórdios, procurou registrar os
ou a receptora. Trata-se de uma analogia acontecimentos de sua vida e, nos dias atuais,
próxima à realidade por ter um conteúdo é um procedimento que integra a rotina de
interpretativo e significativo dentro de uma nossa sociedade de forma coletiva e particu-
determinada composição sociocultural. Ou- lar. É comum vivenciar as pessoas registran-
tro fator relevante é que a imagem é uma do acontecimentos importantes com eventos
composição dialogista, por ser um meio que e festas por meio de processos de captação
permite a interação discursiva entre emissor de imagens – fotografias e vídeos – para

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ocasionalmente reviverem posteriormente o Por volta de 5.000 a.C. o povo chinês re-
passado ou, até de forma inconsciente, como alizava apresentações de histórias por meio
nossos antepassados primitivos, deixar infor- de um processo muito similar a exibição de
mações para as futuras gerações. um filme.

Arte Rupestre Esse processo é conhecido como o Jogo


das Sombras e lidava com a exposição de
imagens sobre uma tela (que na época era
feita de linho)

As imagens eram produzidas por artistas


que utilizavam as mãos para criarem formas
de animais, de objetos e de pessoas. Os ar-
tistas ficavam por detrás da tela onde exis-
tia uma forte de luz (fogueira) que iluminava
as mãos dos artistas que se movimentavam
para a criação de alguma imagem. Os artis-
tas também narravam as histórias.

Jogo das Sombras


Fonte da imagem: http://chc.cienciahoje.
uol.com.br/arte-na-pre-historia/

1.3. A imagem e o cinema

1.3.1. A Imagem e a criação do Cinema

O cinema teve origem a partir da ansieda-


de do homem em ver um registro imagético Fonte da imagem: http://locusamoenus.
em movimento. Porém, alguns historiadores blogs.sapo.pt/60033.html

afirmam que o cinema surgiu por volta de


Em Nápoles, por volta do século XVI, o fí-
40 mil anos quando os homens pré-históri-
sico Giambattista Della Porta (Giovanni Bat-
cos desenhavam nas paredes das cavernas.
tista Della Porta) fez um furo na parede de
Dessa forma, história do cinema estaria liga-
uma sala e percebeu que a luz, que entrava
da diretamente com a história da imagem e, pelo orifício, refletia a imagem de um deter-
consequentemente, a história do registro. minado objeto na parede em frente.
Sendo assim, como o rádio e a televisão, Essa experiência deu início à câmera es-
o cinema passou por diversos estágios até cura que, mais tarde, foi produzida em uma
chegar como o conhecemos hoje em dia. É caixa com uma lente biconvexa acoplada no
um processo que foi evoluindo através de di- lugar do orifício. A nova câmera escura per-
versos experimentos realizados por diversas mitia que fosse colocada uma folha de papel
pessoas localizadas em países e épocas dife- para que uma pessoa reproduzisse a imagem
rentes. exposta no lado oposta à lente.

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A câmara escura O físico belga Joseph-Antoine Ferdinand


Plateau percebeu que uma série de imagens
fixas, quando colocadas em movimento, po-
dia enganar o cérebro humano criando com a
sensação da imagem em movimento.

Plateau fez experimentos e conseguiu cal-


cular o tempo de persistência retiniana, ou
seja, a fração de segundo em que a imagem
permanece na retina.

Com esse cálculo, o físico belga percebeu


Fonte da imagem: http://www.infoescola. que com dez imagens se alternando em um
com/fotografia/camara-escura/ espaço de tempo de um segundo, criava a ilu-
são de ótica do movimento.
A Lanterna Mágica foi um aparelho que
veio a inspirar na criação do projetor de ci- Assim, montou um aparelho conhecido
nema. Desenvolvida no século XVII pelo pa- como fenacistoscópio que era constituído por
dre jesuíta alemão Athanasius Kircher, a Lan- um disco com dez desenhos em sua borda
terna Mágica era um equipamento utilizado externa.
para projeção de imagens.
Confira abaixo como funcionava o fenacis-
O equipamento era uma caixa fechada toscópio:
com uma lente em sua extremidade. O pro-
cesso de projeção era realizado por meio de http://www.youtube.com/
uma vela que iluminava uma lâmina de vidro watch?v=hlp1IQpXfPw
desenhada. Por meio dessa ação, a imagem
desenhada era ampliada e projetada, pela Cada desenho possuía uma posição dife-
lente, para uma tela. O equipamento foi con- renciada do outro e, assim que o disco girava,
siderado o antecessor dos projetores de ima- os desenhos ganhavam o movimento.
gens.
Esse é o conceito do movimento no cinema
A Lanterna Mágica que, na atualidade, utiliza 24 imagens (foto-
gramas) por segundo para criar a ilusão do
movimento.

A fotografia também participou no proces-


so de criação do cinema por possuir um pro-
cesso de captação de imagem que viria a ser
utilizado no desenvolvimento da câmera cine-
matográfica.

Trata-se de um processo que envolve a uti-


Fonte da imagem: http://kinodinamico.
lização de elementos químicos e mecânicos
com/tag/lanterna-magica/ para a composição da imagem em uma base

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de celulose flexível composta por sais de pra- A película cinematográfica foi desenvolvi-
ta. Essa composição química é sensível à ex- da pelo assistente do inventor norte-ameri-
posição da luz e permite que a imagem seja cano Thomas Alva Edison, William Kennedy
registrada no negativo. Dickson. Dickson criou uma tira celulose com
15 mm de largura que, mais tarde, passaria
O fotógrafo inglês Eadweard Muybridge re- a ter 35 mm tornando-se padrão até os dias
alizou uma experiência nos Estados Unidos atuais. Em 1891, Thomas Edison patenteia
para provar que um cavalo tirava as quatro o Cinetógrafo que viria a ser considerado o
patas do chão quando galopava. antecessor das câmeras de filmagem.

Muybridge disponibilizou 24 câmeras foto- Cinetógrafo


gráficas enfileiradas em uma pista de corrida.
Para cada equipamento, foi atrelado um fio
esticado diretamente ao dispositivo de dispa-
ro da câmera. Assim que o animal passasse
em frente a uma determinada cada câmera,
romperia o fio que, consequentemente, dis-
pararia o obturador e a ação do cavalo, na-
quele momento, seria registrada.

O resultado da pesquisa originou no con-


ceito para a composição atual do movimento
Fonte da imagem: http://sermo-vulgaris.blogspot.com.
no cinema que tem como base, 24 quadros br/2012/12/ele-registrou-mais-de-duas-mil-patentes.html
por segundo.
O grande inventor norte-americano Tho-
Resultado da experiência do mas Edison criou o Cinetoscópio (cinescópio
fotógrafo Eadweard Muybridge ou Kinetoscope) que veio a ser o primeiro
equipamento de projeção para filmes.

Porém, esse aparelho reprodutor era cons-


tituído por um gabinete fechado com um vi-
sor em sua parte superior.

O filme era colocado dentro do gabinete


que, por meio de carretéis e engrenagem,
faziam o filme circular criando a sensação de
movimento.

Esse tipo de reprodução era diferente do


que conhecemos atualmente como cinema
porque o aparelho só podia ser utilizado por
uma pessoa. Não era uma forma coletiva de
Fonte da imagem: http://digitaljournalist.
org/issue0309/lm20.html exibição.

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O Cinetoscópio O Cinematógrafo (Cinématographe) foi


patenteado em 1895 e era uma câmera ci-
nematográfica que funcionava por meio de
uma manivela que fazia o filme negativo en-
trar em movimento numa velocidade de 24
fotogramas em um segundo. Uma curiosida-
de do Cinematógrafo era que era um apare-
lho híbrido e também servia como projetor
de imagens.

Cinématographe

Fonte da imagem: http://cineclubenatal.com/


artigos/historia-ou-memoria-do-cinema

A sétima arte começa a ganhar impulso


quando os irmãos Lumière realizam a primeira
exibição cinematográfica em 1985, na França.

O público era seleto e ocupou a sala Éden Fonte da imagem: http://ronaldofotografia.blogspot.


com.br/2011/01/cinematografo-lumiere.html
na cidade de Ciolat para assistir a novidade
criada por Auguste e Louis Lumière. Na mesma época, os Lumière produzem
uma nova exibição de filmes no salão do Gran
Auguste e Louis Lumière
Café Paris. Na mostra, foram exibidos os fil-
mes L’ Arrivée d’un Train à La Ciotat e Sortie
dês ouvriers de L’ usine Lumière que faziam
parte das primeiras séries de curtas-metra-
gens produzidos pelos irmãos.

Confira o vídeo: http://www.youtube.com/


watch?v=4nj0vEO4Q6s

Com o sucesso das exibições, os Lumière


resolvem divulgar o Cinematógrafo para di-
versos países e contratam diversos fotógra-
fos para essa incumbência. Esses profissio-
Fonte da imagem: http://minhasinsignificantesobservacoes.
nais ficaram conhecidos como Les Chasseur
blogspot.com.br/2012/08/walt-disney-parte-2.html d’Images – Caçadores de Imagens. Outro ob-

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jetivo dos caçadores de imagens era a reali- dupla exposição de filmes como trucagens
zação de filmagens nos locais que visitariam para a composição de suas narrativas. Méliès
e, em 1896, um desses caçadores de ima- também proporcionou a intertextualidade de
gens realizou o que foi considerada a primei- elementos cênicos e dialógicos do teatro para
ra reportagem cinematográfica: A coroação o cinema.
do Czar Nicolau II em Moscou. Veja: http://
www.youtube.com/watch?v=2b-Cfe7fPok Verdadeiramente, o cinema foi uma arte
desde o princípio. Isto é evidente na obra de
A invenção dos irmãos Lumière cai no in- Méliès, para quem o cinema foi o meio, de re-
teresse de futuros diretores que começam a cursos prodigiosamente ilimitados, de pros-
desenvolver uma linguagem para o cinema. seguir suas experiências de ilusionismo e de
prestidigitação no teatro de Robert-Houdin:
Esses visionários iniciam experiências e come-
existe a arte desde que exista a criação ori-
çam a implantar narrativas e vínculos discursi-
ginal (mesmo instintiva) a partir de elemen-
vos oriundos de outras áreas. No cinema dos
tos primários não específicos, e Méliès, como
Lumière e Thomas Edison, a linguagem cine- inventor do espetáculo cinematográfico, tem
matográfica era parecida com a do teatro por direito ao título de criador da Sétima Arte
não possuírem diversidades de enquadramen- (MARTIN, 2005, p. 21).
tos e movimentos de câmeras. A câmera era
estática e o único movimento que existia era Marie-Georges-Jean-Méliès
os dos personagens. Nesse sentido, a imagem
captada só proporcionava uma visão única so-
bre a ação que ocorria na tela.

Um salto qualitativo é dado quando o ci-


nema deixa de relatar cenas que se suce-
dem e consegue dizer “enquanto isso”. Por
exemplo, uma perseguição: vêem-se alter-
nadamente o perseguidor e o perseguido;
sabemos que, enquanto vemos o persegui-
do, o perseguidor que não vemos continua
a correr e vice-versa (BERNARDET, 2006, p.
33).

A evolução do discurso cinematográfico


começou quando alguns diretores come-
çaram a usar o corte de cena para cena e, Fonte da imagem: http://allboutfilm.blogspot.com.
consequentemente, o corte dentro da cena br/2012/08/what-were-georges-melies-contributions.html
(ação que ocorre num determinado espaço
e tempo). Por outro lado, o norte-americano D. W.
Griffith2, que foi o primeiro a considerar o ci-
O francês Georges Méliès começou a tra- nema como um entretenimento voltado para
1

balhar com a implementação de cortes e a as grandes massas; começou a utilizar novos


1 
O ilusionista Marie-Georges-Jean-Méliès nasceu em Paris, 08
de dezembro de 1861. Realizou mais de 500 filmes. Foi diretor, 2
  David Llewelyn Wark Griffith – Diretor de cinema. É considerado
produtor, roteirirsta, cenógrafo e ator. Filme de maior repercursão o pai da linguagem cinematográfica. Produziu e dirigiu o polêmico
foi Le voyage dans la Lune de 1902. longa-metragem “O Nascimento de uma Nação”.

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recursos que revolucionaram a linguagem ci- mais curtos para aumentar a dramaticidade.
nematográfica. O suspense é forte, e o resgate, catártico.

D. W. Griffith A intercalação das cenas também solu-


ciona o problema do tempo, pois não é ne-
cessário apresentar ações completas para
alcançar o realismo.

O procedimento permite que as cenas


possam ser fragmentadas e que apenas
parte delas precisem realmente ser mostra-
das. O tempo dramático passa a substituir o
tempo real como critério para a montagem
(DANCYNGER, 2002, p 7).

Griffith instituiu o flashback3 na linguagem


cinematográfica para interromper a sequên-
cia temporal de uma narrativa fílmica para
mostrar alguma ação ou situação do passa-
Fonte da imagem: http://mubi.com/cast_members/13935 do, relacionada com o tempo presente da
narrativa.
Griffith passa a movimentar a câmera para
obter um determinado posicionamento em
relação ao que se pretendia filmar. Suas nar-
rativas se tornam mais dinâmicas por causa
da organização de elementos que discursa-
vam de cena para cena. As cenas começam
a ser fragmentadas por uma variedade de
planos que iam desde o geral ao close-up;
isso permitia uma montagem da cena ritma-
da pelo tempo da ação dramática. Assim,
com esse dinamismo entre os planos, o cine-
asta desenvolve a montagem paralela para
intercalar duas ações de forma simultânea.
Apesar de Griffith ser considerado o pai da
Trata-se de uma composição em que duas ou
linguagem cinematográfica, o seu desenvol-
mais cenas dialogam com ações e referên-
vimento também ocorreu devido à inquieta-
cias espaciais diferentes para a construção
ção de diversos cineastas que trilharam ca-
do suspense na narrativa.
minhos diferentes em busca de novas formas
Em 1909, Griffith desenvolve a ideia da
de expressão dentro da arte que viria a con-
montagem paralela em The Lonely Villa,
quistar diversas culturas ao redor do mundo.
a história de um resgate. Griffith intercala
cenas de ladrões invadindo a casa de uma
Muitos movimentos relacionados ao cine-
família indefesa com cenas do marido cor- ma surgiram e criaram novas técnicas e iden-
rendo para salvá-la. Nesse filme, Griffith 3 
Flashback – Mudança de plano temporal em uma narrativa
constrói as cenas usando planos cada vez fílmica.

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tidades estéticas e ideológicas para a evolu- Outra característica da flexibilidade da pe-


ção da narrativa fílmica. lícula em celulose está na sua composição
física que possui perfurações4 que permitem
Na sua procura pela excelência, o cinema que o filme transite pelas engrenagens den-
sempre buscou novos caminhos e formas de tro da filmadora ou do projetor. O processo
se expressas. Muitas vezes esses caminhos, permite a sincronia entre a abertura do ob-
chamados de movimentos, se deram por
turador e a emulsão da imagem na película
outros fatores além da qualidade de expres-
em uma velocidade de 24 fotogramas5 por
são, devendo-se, por exemplo, a aspectos
segundo. Também existem espaços para o
econômicos, artísticos, de contestação ao
registro do áudio na película, esses espaços
sistema de produção, distribuição e direção
são conhecidos como pistas de som e se lo-
vigente (RODRIGUES, 2007, p 17).
calizam ao lado das perfurações.
2. A Sétima Arte A película cinematográfica recebe, em sua
superfície, uma camada de haletos de pratas
2.1. O cinema e a imagem em movimento
que provocam uma reação química ao rece-
ber a imagem captada pela lente. Esses ha-
A película é um material fabricado de nitra-
letos de prata são fotossensíveis e, quando
to de celulose que é um plástico, de origem
sobreposto à luz, reagem e registram a ima-
vegetal, descoberto em 1838 pelo químico
gem na emulsão da película.
francês Théophile Pelouze.
A reprodução de um filme é na realida-
Esse produto suporta a força das engre-
de uma ilusão de ótica que engana a nos-
nagens e dos rolamentos das filmadoras e
sa percepção criando a ilusão do movimen-
também resiste ao calor produzido pelos pro-
to dentro do nosso cérebro. Os fotogramas
jetores durante a exibição. Outra caracterís- possuem registros de imagens estáticas que
tica está ligada a forma de armazenamento; são reproduzidas em uma velocidade de 24
por se tratar de um plástico flexível, a pelí- quadros por segundo, o que dá a sensação
cula pode ser devidamente enrolada em um do movimento. Dessa forma, o processo do
carretel e protegida dentro de um recipiente movimento está ligado à sequência contínua
conhecido como “lata”. dos fotogramas com a fisiologia da visão hu-
mana que transmite a informação para o cór-
Película, carretel e lata tex visual do nosso cérebro que decodifica a
imagem como movimento.

Dessa forma surge o cinema, que em pouco


tempo se torna a base do que conhecemos,
hoje em dia, como linguagem audiovisual. A
expressividade do cinema o transforma em
um meio de entretenimento, de arte e de
informação, o que o tornou em um grande
meio comunicação de massa.
4 
Film perforations ou perfs.
Fonte da imagem: http://2.bp.blogspot.com/-pv_dkb3C9tM/ 5
  Fotograma: Espaço no qual a imagem é fixada na película
Uc5gyfJhUOI/AAAAAAAAAew/hybEmy1WxyU/s642/cinema.jpg cinematográfica

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História da Linguagem Áudio Visual

Com o passar dos anos, o homem come- e o único movimento que existia era o pró-
çou a desenvolver novas técnicas para repro- -fílmico6 captado por uma câmera fixa.
duzir imagens que representavam o seu coti-
diano e também como forma de arte. Nos primeiros filmes de Auguste e Louis
Lumière e Thomas Edison, a câmera filmava
As pinturas nas paredes das cavernas co- um acontecimento, uma ação ou um inci-
meçaram a ter a interpretação pessoal do dente. Muitos desses filmes pioneiros eram
apenas um plano (DANCYGER, 2007, p. 3).
homem, o que a tornou em um elemento
artístico. Apoiado nessa evolução, o filósofo
Era assim que os irmãos Lumière faziam
e matemático grego Platão criou a mimese
suas experiências com o cinema, na realida-
para teorizar as obras artísticas criadas pelo
de, esses experimentos não eram ficção e sim
homem. O filósofo considerava o mundo em
filmes que mostravam o cotidiano das pes-
que vivemos como cópia inferior ao mundo
soas. Para a época, esses filmes aguçavam
das ideias, que para ele, eram perfeitas. A
a curiosidade e as emoções dos expectado-
reprodução por meio da arte era considerada
res que, em algumas exibições, chegaram a
como um movimento inferior. Platão enten- se levantar das cadeiras durante a exibição
dia a arte como uma imitação mal feita do do filme “Chegada de um Comboio à Esta-
real capaz de enganar por ser uma desseme- ção da Ciotat” (L’Arrivée d’un train en gare
lhança e um distanciamento da verdade. de la Ciotat) com medo de serem atropeladas
pelo trem. Veja o vídeo: www.youtube.com/
Por outro lado, o filósofo grego Aristóteles
watch?v=RP7OMTA4gOE
tinha um posicionamento diferente de Platão.
Para Aristóteles, a mimese era o resultado da
interpretação e da transformação através da
3. O cinema e linguagem
arte. Para ele, o artista, ao contrário de co- 3.1. O primeiro cinema
piar, é capaz de interpretar, criar e transfor-
mar através de sua obra.

Na realidade, o cinema era apenas uma


novidade quando foi criado e praticamente
não possuía uma linguagem definida e pró-
pria. Era um experimento que sofreria, com
o passar do tempo, a intervenção de futu-
ros cineastas que entendiam o cinema como
uma forma de arte e de transmissão de in-
formação.

Nos primórdios do cinema, o tempo de du-


ração de uma exibição era muito pequeno e
sua linguagem estava muito próxima com a Fonte da imagem: http://3.bp.blogspot.com/-
qEUvNtBiN9c/Tlow2Km4JZI/AAAAAAAABEw/
do teatro. Na época não existia a montagem OrpFO8-ZCMo/s1600/eisenstein.jpg
e a filmagem era contínua em um único en-
quadramento. Não existia uma variedade de 6
  Movimento pró-fílmico: Movimento das personagens em fren-
posicionamento e de movimento da câmera te à câmera.

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História da Linguagem Áudio Visual

A evolução da linguagem cinematográfica a se movimentar de acordo com a necessi-


está ligada diretamente à iniciativa de pes- dade de cada cena. Assim, especulava-se o
soas que visualizaram o cinema como uma envolvimento do espectador com a impressão
nova concepção de expressividade de ideias de que ele participava da ação. Essa experiên-
e estética. No início, o cinema só possuía uma cia ficou conhecida como travelling e é muito
cena que era constituída por uma única ação usada em cenas de perseguições.
dentro de um plano geral. A câmera era fixa e
não reagia aos movimentos pró-fílmicos, pois Dois grandes colaboradores da Escola de
só fornecia um ponto de vista frontal para o Brighton foram os diretores William Paul e
espectador, como acontece com o teatro. Na G. A. Smith que produziram diversos curtas-
maioria das vezes, o enquadramento era con- -metragens com experimentos de efeitos e
fuso por possuir uma grande quantidade de filmagens ao ar livre. Também realizaram as
elementos que confundiam a leitura da cena. primeiras montagens de filmes e as alternân-
cias entre planos dentro de uma cena.
Novos cineastas passaram a testar ele-
mentos de outras artes para a construção Nos Estados Unidos, o cineasta Edwin S.
de narrativas ficcionais e também as que re- Porter começava a trabalhar na organização
presentavam realidades. Na ficção, o francês dos planos cinematográficos para melhorar o
Georges Méliès levou o ilusionismo para o ci- dinamismo da estrutura fílmica. Porter admira
nema e produziu o primeiro filme de ficção as produções realizadas por Méliès e perce-
científica conhecido como Le Voyage dans la beu que o plano era um elemento essencial
lune. Veja o vídeo: http://www.youtube.com/ para o desenvolvimento da narrativa fílmica.
watch?v=Joq9rbp_i6k. Sua técnica partia do princípio de que o pla-
no isolado não completava o sentido de uma
Já o norte-americano David Griffith (http:// determinada ação e que, na sua teoria, era
www.youtube.com/watch?v=ugszmAJ9h4s) somente uma unidade pela qual um filme de-
inseriu movimentos e posicionamentos de veria ser construído. A partir desse princípio,
câmera que inovaram a linguagem cinemato- Porter estabelece diretrizes de montagem
gráfica. Na linha da representação da realida- que, por meio da organização dos planos,
de, surgiram cineastas documentaristas como permitiu uma continuidade narrativa utilizada
Robert Flaherty – diretor de Nanook of the até os dias atuais.
North – e Dziga Vertov – diretor de Man with
a movie camera. O cinema soviético também colaborou para
o desenvolvimento da linguagem cinemato-
Na Escola de Brighton, na Inglaterra, novas gráfica e cineastas como Lev Kuleshov, Dziga
bases para a linguagem cinematográfica co- Vertov, Vsevolod Pudovkin e Sergei Eisenstein
meçaram a ser desenvolvidas. Nesse espaço desenvolveram experiências na composição
acadêmico e de peculiaridade documentaris- narrativa por meio da montagem. Para os so-
ta, jovens cinegrafistas experimentavam no- viéticos, a montagem era o que dava senti-
vas formas de utilização da câmera cinemato- do à fragmentação das cenas. Ainda convém
gráfica como, por exemplo, a movimentação mencionar que o cinema soviético valoriza-
do equipamento em relação ao que estava va o movimento, a plasticidade da imagem,
sendo filmado. Dessa forma, a câmera deixa como também a estética no enquadramento
de ter um equipamento fixo e passa também e a câmera rápida.

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História da Linguagem Áudio Visual

Com a sua evolução, o cinema expandiu enquanto o cinema mostra. Durante a leitu-
a composição de suas narrativas como tam- ra de um romance, a pessoa imagina como
bém desenvolveu a própria mise em scène7, as personagens e os cenários são compostos
essa linha evolutiva ajudou na transformação e também a interação entre ambos. No caso
da linguagem cinematográfica. do cinema, acontece que esses elementos são
mostrados dentro de uma percepção previa-
4. A linguagem narrativa clássica mente dispostas pelo trabalho da equipe de
produção e pelo ponto de vista do diretor. Isto
4.1. A narrativa clássica
é, a dinâmica cinematográfica exige que ato-
res se adaptem as características sociais e psi-
cológicas de uma determinada personagem.
Aquele ator não é a personagem que foi cria-
da para um determinado romance literário, é
uma pessoa que vai representar as caracte-
rísticas da personagem e o mesmo acontece
com o cenário. Outro fator é que na adapta-
ção fílmica muitos elementos da narrativa li-
terária podem ser omitidos devido à dinâmica
da linguagem cinematográfica. Porém, o que
O norte-americano G.W. Griffith foi um dos
se deve entender é que o filme adaptado não
grandes contribuintes para desenvolvimento
é o romance, mas uma forma diferenciada de
da linguagem cinematográfica. Seus experi-
se mostrar uma determina história literária.
mentos se baseavam na literatura e, principal-
mente, nas obras do romancista inglês Charles
Diante desse cenário, Griffith se baseava
Dickens. Tratava-se de um remanejamento da
nas referências espaciais, temporais e nas ca-
literatura para o cinema na qual o cineasta
racterísticas da personagem para realizar uma
procurou manter a fidelidade e o ponto de
adaptação. Isso ajudava o cineasta a adaptar
vista do escritor. A linguagem literária apon-
o texto literário em cenas e a experimentar
tou para Griffith as referências que serviam
um processo de captação e de montagem di-
para estruturar as narrativas de suas histórias
no cinema. Dessa forma, as referências espa- ferenciados aos de sua época em cima dos
ciais, temporais e sociais das narrativas literá- caminhos trilhados por Porter.
rias de Dickens inspiravam a estruturação das
Griffith passou a dividir as cenas em planos
narrativas cinematográficas propiciando ação
e vida às personagens dos filmes de Griffith. e teve que desenvolver um modo de reprodu-
zir as ações das personagens nessas condi-
O processo de adaptação não era tão sim- ções para facilitar o entendimento do espec-
ples, o texto literário possui formato e elemen- tador. Dessa forma, passou a aplicar regras
tos diferentes ao texto de um roteiro fílmico. que envolviam posicionamento e movimento
A grande diferença é que um determinado da câmera em relação à ação das persona-
romance conta uma determinada história gens dentro de um determinado set de filma-
gem. Essas regras geravam uma reprodução
7
  Termo de origem da língua francesa e se refere ao
posicionamento e movimento das personagens no set de filma-
daquilo que as pessoas estavam acostumadas
gem. a enxergar no mundo a sua volta.

13
História da Linguagem Áudio Visual

Em sua trajetória como diretor de cinema, Dixon e se tornou um sucesso de bilheteria


Griffith desenvolve a tradicional narrativa na época. O drama relata a guerra civil norte-
clássica que era, para a época, um processo -americana e a história de duas famílias que
de captação e montagem inovadores para a viviam durante esse período guerra. Apesar
linguagem cinematográfica. O processo ser- das técnicas utilizadas e dos elogios do cine-
ve como base até os dias de hoje e está pre- asta russo Sergei Eisenstein e do sucesso de
sente em grande parte dos filmes em todo bilheteria, o filme foi duramente criticado por
mundo. aclamar a desigualdade racial naquele país.

Como o próprio cinema, a criação da lin-


guagem cinematográfica não foi resultado de
uma única experiência. O processo de cons-
trução da linguagem ocorreu em diversos lo-
cais do planeta simultaneamente.

Atualmente, Griffith não é considerado


como grande inventor da linguagem cinema-
tográfica e sim o cineasta que soube apro-
veitar tudo o que já existia, em questão de
linguagem, para desenvolver e aprimorar
Sua carreira durou cerca de 40 anos como novas formas de construção de narrativas
diretor, e sua contribuição filmográfica é apoiadas na montagem com variações de
composta por diversos curtas e longas-me- planos e de ritmos. Esse processo utilizava a
tragens. Entre os filmes mais aclamados de fragmentação dos planos que variavam entre
Griffith está “O nascimento de uma nação” planos gerais e closes entre outros, isso in-
(Título original: The Birth of a Nation) pro- duzia o público a participar, de certa forma,
duzido em 1915. O longa-metragem relata mais emotivamente das cenas. Na realidade,
a guerra da Sucessão ocorrida nos Estados Griffith foi um pioneiro na organização da
Unidos, entre os anos de 1861 a 1865. O fil- composição narrativa na linguagem cinema-
me foi baseado em um romance de Thomas tográfica.

14
História da Linguagem Áudio Visual

4.2. O cinema dos cineastas construti- Esse movimento construtivista associou vá-
vistas russos rios conceitos à linguagem cinematográfica e
colaborou para o entendimento dos fatores
psicológicos que o conteúdo da montagem
trazia ao espectador. Várias formas de cons-
trução da montagem foram concebidas du-
rante o movimento construtivista.

Outro fator de relevância foi a criação do


movimento chamado “Cine-olho” que pos-
sibilitou novas concepções de planos ainda
não explorados. Outro ponto explorado pelos
cinegrafistas é que o posicionamento de câ-
mera não deveria ser livre do ponto de vista
do cineasta e o posicionamento da câmera só
deveria apresentar parâmetros estéticos e in-
formativos.

Outro cineasta e um dos fundadores da


Escola de Cinema de Moscou que despon-
tou no cinema da época foi Lev Vladimirovich
Kuleshov. Pesquisador da linguagem cinema-
Na antiga União Soviética, cineastas de tográfica, Kuleshov explorou o processo de
vanguarda começaram a desenvolver novos montagens de filmes e desenvolveu o conhe-
conceitos sobre a montagem cinematográfi- cido “Efeito Kuleshov”. Sua pesquisa estava
ca. Apoiados em um movimento estético-po- relacionada para a individualidade dos planos
lítico conhecido como Construtivismo8, cine- e dessa montagem juntamente com outros
astas russos contribuíram para a dilatação de planos. Em uma de suas experiências, o cine-
uma arte que estivesse ao alcance de todos asta convidou o ator russo Ivan Mozzhukhin
os cidadãos soviéticos e do mundo. O diretor para interpretar em uma determinada cena.
Sergei Mikhailovitch Eisenstein estudou diver- Assista a cena em: https://www.youtube.
sos filmes de Griffith e os processos de mon- com/watch?v=DwHzKS5NCRc.
tagens que existiam na época e percebeu a
possibilidade de manipulação do tempo e do A experiência era captar a imagem do ator
espaço dentro do cinema. Sua teoria sobre ci- em um plano fixo. Posteriormente, foram gra-
nema é que ele é constituído por fragmentos vadas diversas imagens que mostravam ob-
e montagem. Dessa forma, descartou o pro- jetos e pessoas diferentes como um prato de
cesso de montagem de continuidade e partiu sopa, uma mulher, uma criança em um cai-
para uma teoria de que a montagem poderia xão. No processo de montagem, Kuleshov in-
ser um elemento de choque de imagens e de tercalou as o plano do autor com os demais.
ideias e, ao mesmo tempo, proporcionar no- Dessa maneira, o cineasta estabeleceu a se-
vos significados. guinte ordem de planos: plano de um prato
8 
O Construtivismo: Movimento de importante em 1917 na com sopa, o plano do ator e logo depois plano
Rússia. O movimento defendia a arte funcional que deveria
atender às necessidades do povo.
do caixão e assim por diante. Após a monta-

15
História da Linguagem Áudio Visual

gem, um grupo de pessoas foi convidado para assistir a experiência e, no final, cada indiví-
duo deveria dar um parecer sobre o que assimilou durante a exibição. A maioria dos convidados
comentou e elogio o desempenho interpretativo do autor que mudava a sua expressão de acordo
com o significado de imagem. Assim, o púbico via o olhar de tristeza do ator quando apareceu a
criança no caixão e de alegria quando o prato de sopa era mostrado. Porém, o interessante é que
o autor não reagiu em momento algum a essas situações. Na verdade, não havia expressividade,
pois Kuleshov havia pedido, durante a filmagem do plano, para que o autor ficasse parado e com
expressão neutra; o autor também não tinha o conhecimento sobre os outros planos.

Experiência de Kuleshov

Fonte da imagem: http://www.travessacinematografica.com.br/2012_10_01_archive.html

Com essa experiência, Kuleshov percebe que a expressividade do ator russo era uma cria-
ção das mentes das pessoas que assistiram ao filme. Cada unidade de plano era exatamente
aquilo que representava: um ator, um prato de sopa, um caixão etc. A montagem criava
uma interpretação, até certo ponto, bem aberta e criativa; a força dos planos unidos é que
gerava uma mensagem que não estava contida nos planos isolados. Contudo, os planos iso-
lados possuíam um enunciado objetivo e direto, porém, quando unidos com outros planos,
constituíam uma subjetividade implícita dentro da obra.

Ao contrário do estilo de montagem de Griffith, Kuleshov compreendia que a montagem


deveria ser realizada sem a preocupação com as relações e continuidade espaço/tempo
porque não estava preocupada em imitar a realidade e sim em gerar uma analogia própria
que apresenta signos e códigos pertinentes à narrativa.

Por outro lado, Griffith dissolve as ações por agentes dramáticos que permitia uma va-
riação na abertura do quadro que se modificaria de acordo com as necessidades da narra-
tiva em relação ao desenvolvimento da cena com as ações das personagens. Por exemplo,
primeiro temos um plano médio mostrando um grupo de pessoas e depois vamos para um

16
História da Linguagem Áudio Visual

plano próximo mostrando a reação emotiva do seu significado. Outro exemplo é o código
de uma personagem; depois voltamos para o Morse que é um sistema que representa le-
plano médio onde as pessoas observam a re- tras, números e sinais gráficos que são emiti-
ação daquela personagem. No cinema russo dos por meio de sons originados por um apa-
daquela época, por meio da ideia de monta- relho chamado de telégrafo. Assim, para que
gem construtiva, o que se privilegiava era o os códigos se transformem em mensagem é
peso de cada plano individualmente. Assim, necessário que emissor e receptor conheçam
no cinema russo existia um afastamento das as regras nas quais foram desenvolvidos por
relações sensoriais e motoras vividas pelo meio da experiência e do aprendizado.
espectador em seu cotidiano.

Na atualidade, a teoria do construtivismo


aparece em produções que possuem um tra-
tamento estético mais elaborado e sofistica-
do, o que confirma a relevância dos experi-
mentos dos cineastas russos para o cinema.
O movimento construtivista influenciou no
desenvolvimento da linguagem cinematográ-
fica e colaborou para que o cinema atingisse
o status de arte.
Ocorre que no cinema esta codificação
5. A linguagem cinematográfica pode ser estabelecida entre o cineasta e o
espectador que é na verdade o intérprete que
5.1. A Linguagem universal emprestará o significado ao filme, de modo
quase imediato. Portanto, o cinema possui
Um código é uma composição de sinais que, um código que, diferentemente dos outros,
organizados por determinadas normas, gera deve ser apreendido pelo espectador de ime-
uma deliberada mensagem. Dessa forma, cada diato, no momento mesmo de sua transmis-
elemento deve carregar um significado que irá são. Isto é possível porque o cinema se apoia
se somar aos demais para a composição do em signos que nos provocam reações sen-
conteúdo da mensagem que se pretende for- soriais semelhantes as que encontramos na
mar. Um código é a língua falada em um deter- realidade a nossa volta. Estes signos estão
minado país reproduzida por meio da oralida- inseridos nos sons e imagens de cada pla-
de ou da escrita. Os portadores de deficiência no fílmico. Então temos que os signos estão
auditiva se comunicam, no Brasil, por meio de inseridos nos planos e estes são ligados en-
um código conhecido com Libras9. Esse códi- tre si por códigos que foram criados pelos ci-
go possui sinais que são representados pela neastas, com a intenção de fazer do cinema
combinação dos movimentos das mãos e por uma linguagem de entendimento universal e
expressões faciais para a transmissão de men- imediato, utilizando-se de elementos que es-
sagens que são captadas por meio da visão. timulam sensações da mesma maneira que
Porém, para que qualquer tipo de código seja a natureza o faz. Não podemos afirmar que
recebido como mensagem é necessário que Griffith tenha pensado em todas essas ques-
emissor e receptor tenham o conhecimento tões antes de desenvolver seu trabalho, no
  Língua brasileira de sinais.
9
entanto, mesmo que involuntariamente, ele

17
História da Linguagem Áudio Visual

acabou por criar os códigos que até hoje são elementos imagéticos embutidos dentro da
respeitados como o conceito de uma lingua- composição de um determinado plano e fun-
gem narrativa clássica. cionam como elemento estético ou como for-
ma de apresentar alguma subjetividade. Tam-
A composição da linguagem cinematográ- bém podemos relacionar elementos como a
fica é constituída, atualmente, com códigos iluminação, posicionamento e movimento da
imagéticos e sonoros que fundamentam a câmera como códigos emissores de mensa-
transmissão de enunciados que formam o di- gens.
álogo entre emissor e receptor.
6. O audiovisual
6.1. A linguagem do cinema para outras
mídias

A linguagem audiovisual é originária da lin-


guagem do cinema e recebeu essa nomencla-
tura por causa do surgimento de nova mídia
que estava submetida ao uso da imagem e do
som para a transmissão de uma determinada
mensagem.

É um processo que atinge e estimula, si-


multaneamente, dois sentidos do espectador,
Os códigos sonoros são, hoje em dia, ele- a audição e a visão.
mentos essenciais para a composição cine-
matográfica. Implantado no cinema em 1927, O que podemos realmente considerar como
no clássico “O cantor de Jazz”, o som cria, por obra audiovisual?
meio dos seus códigos, o clima no diálogo e
também nas cenas e sua empregabilidade É importante salientar que existe uma dife-
ocorre de acordo com a composição da cena. rença entre o que vem a ser um filme e uma
A expressão oral é constituída pela formação obra cinematográfica. Até hoje costumamos
de códigos gerados pela fala das personagens, dizer que um determinado filme não é cine-
isto é, a palavra, que é alicerçada pela entona- ma, ou então, este filme tem mais de teatro
ção e modulação da voz. Outro elemento é a do que cinema, ou ainda, este filme é puro
música que possui diversos atributos dentro da cinema.
composição fílmica. Pode ser utilizada de diver-
sas maneiras para caracterizar uma ação, uma Até hoje costumamos dizer que um deter-
personagem ou um determinado ambiente. minado filme não é cinema, ou então, este
Também existem os efeitos especiais que po- filme tem mais de teatro do que de cinema;
der ser qualquer tipo de som que contextualize ou ainda: este filme é puro cinema. Vemos
com a cena. aí que existe uma proporcionalidade inferida
pelos analistas aos filmes. Ela é fruto exata-
Os códigos visuais estão relacionados com o mente da codificação da linguagem. Portanto,
processo de captação da imagem. Tratam de existem filmes que são mais cinematográficos

18
História da Linguagem Áudio Visual

que outros, na proporção direta do uso da lin-


guagem cinematográfica. Veja este trecho de
Christian Metz em Linguagem e Cinema:

Permanece o fato de que certos filmes,


mais que outros, dão ao espectador uma forte
impressão de cinematograficidade: não seria
possível colocar no mesmo plano os filmes de
Eisenstein e de Murnau10 ou de uma determi-
nada fita onde foi gravada uma representação
teatral num único plano fixo com duração de
três horas (METZ, 1980, p.63.)

Vemos que a adoção da linguagem cinema-


tográfica, na abrangência total da obra, não é
condição essencial para a realização de um fil-
me, mas também ficou claro que nenhum filme
está completamente isento do emprego desta
linguagem. É claro que haverá sempre uma proporciona-
lidade, como vimos acima, de cinematografia,
para mais ou para menos. Os códigos que se-
rão aqui apresentados deverão ser usados com
liberdade na realização de filmes de ficção, de
documentários, de institucionais, de peças pu-
blicitárias, de filmes de treinamento, filmes edu-
cativos, reportagens especiais etc sejam eles
em película, em vídeo, digitais, ou em qual-
quer outro suporte que seja escolhido para
sua produção.
Mesmo que deixássemos uma câmera rodan-
do diante de uma parede branca, ainda assim, Contudo, no que diz respeito à televisão
teríamos um tanto de cinematografia inserida, - mais especificamente quando houver o
nem que fosse apenas pela imagem mecânica uso de múltiplas câmeras e mesa de corte -
que, como vimos, faz parte dos códigos da lin- sempre haverá necessidade de adaptações e
guagem. um aprendizado técnico mais específico; no
entanto, no caso de gravações externas de
Não há, portanto, maneira de se realizar uma novelas, o processo é bem semelhante ao do
obra audiovisual – nos segmentos de cinema e cinema, excetuando-se, grosso modo, o tem-
televisão – sem que se tenha uma mínima no- po de duração dos planos e suas dimensões.
ção das ferramentas e códigos desta linguagem. Não estamos considerando aqui questões
  Friedrich Wilhelm Murnau, cineasta do cinema Expressionista
10

Alemão. Realizador de Nosferatu, um ícone do movimento cine- óbvias como: temática, modo de represen-
matográfico alemão, pós-primeira guerra mundial. O expressio- tação dos atores, a abordagem da direção e
nismo procurava, assim como o construtivismo, uma alternativa
à narrativa clássica, afastando-se das relações sensório- motoras vários outros fatores que fazem das novelas
encontradas na realidade. um sistema à parte na dramaturgia.

19
História da Linguagem Áudio Visual

O aprendizado da linguagem audiovisual a narrativa e para que não fuja do contexto


requer atenção e paciência. Seus códigos são previsto para a cena.
bem específicos e seu aprendizado é neces-
sário nem que seja para depois serem des- Temos então, que durante a captação das
respeitados; mas, ao desrespeitá-los, é ne- imagens, o plano é toda a imagem e som
cessário saber quando e por que. Ninguém captados entre o momento que o diretor dá
posiciona uma câmera, um refletor, um objeto a ordem de ação até o momento que ele dá
em quadro, ou ainda, um ator impunemente. a ordem de corta. Já durante a montagem,
A partir do momento em que a câmera co- o plano é a parte do plano filmado que inte-
meçar a rodar, tudo será gravado e se é você ressa ao editor e ao diretor; aquilo que será
quem dirige, sua marca estará ali. É claro que inserido no filme. Este plano estará ligado a
um plano anterior e a um plano posterior a
sempre se poderá descartar o resultado, no
ele. Esta ligação entre os planos é chamada
entanto, o preço poderá ser alto para aquele
de raccord. Para conceber os raccord entre
que não souber o que está fazendo.
os planos é preciso que já durante sua cap-
tação o diretor tenha um plano de filmagem
7. O plano, a unidade mínima e de montagem. Antes de sair em campo, ele
cinematográfica precisará desenvolver um trabalho de plane-
jamento que é chamado de decupagem.
7.1. Plano
Na próxima aula trataremos da questão da
decupagem.

8. A decupagem
8.1. Um trabalho fundamental

O trabalho de decupagem é uma das princi-


pais funções do diretor. Consiste em transfor-
mar o roteiro literário em texto cinematográ-
fico através da concepção de planos, ou seja,
O plano é considerado a unidade mínima ele criará um roteiro técnico que representará
de uma cena e possui sua composição enun- a concepção imagética e sonora de seu filme.
ciadora dentro de um âmbito dimensional e
estético. Na sua criação, deve-se levar em Previamente, um texto literário - romances,
conta a leitura do momento da ação e para poesias, crônicas e afins - ou uma ideia livre
que a sua formatação seja condizente com de qualquer texto pré-concebido, já deverá

20
História da Linguagem Áudio Visual

ter sido transformada por um roteirista num falando aqui de um cinema mais autoral, em
roteiro literário que será trabalhado pelo dire- que a decisão do corte final (montagem) está
tor. Caberá a ele decidir a melhor maneira de também a cargo do diretor, temos que ter em
utilizar os planos obedecendo a uma codifica- mente que muitas vezes, ao chegarmos à lo-
ção que será criada por ele. cação, contingências externas e até mesmo
de fórum íntimo podem levar o diretor a mu-
Ele pode, por exemplo, decidir que a nar- dar sua ideia.
rativa será linear, que será um grande flash-
back, ou ainda, que será cheia de elipses, ou 8.2. O plano sequência
que tenha sua linearidade temporal totalmen-
te desconstruída, como Tarantino fez em Pulp O plano-sequência é uma câmera que está
Fiction. Não importa, a decisão é dele. em movimento constante dentro de uma
determinada cena. O filme A Bruxa de Blair
No entanto, ao conceber e dirigir cada pla- (1999) possui diversos planos-sequências
no ou ao posicionar a câmera e os componen- durante as perseguições nas personagens.
tes que estarão presentes, o diretor deverá
ter plena consciência do que estará planejan- Este recurso da linguagem cinematográ-
do para obter o resultado pretendido, não só fica assegura, de algum modo, uma per-
ali durante a captação, mas também, e isto é cepção dos acontecimentos e uma leitura
fundamental, na edição. Lembrem-se: o mes- mais livre do seu significado por parte do
mo plano é primeiramente captado para de- espectador, uma vez que, não deixando a
pois ser editado. Quando editado ele quase sua atenção de ser condicionada pela(s)
nunca será igual ao plano captado: terá seu escolha(s) do realizador, ocorre de uma for-
tempo reduzido por um corte, ou ampliado ma menos determinista do que através do
por um slow-motion; poderá ser entrecortado recurso à mudança deliberada e calculada
por outros planos, ou até mesmo ser retirado de planos própria da montagem (NOGUEI-
RA, 2010, p 47).
do filme por uma decisão de montagem. O
filme do roteiro literário é diferente do que sai
Esse tipo de plano pode representar o olhar
da decupagem técnica, e este, por sua vez
da personagem ou do espectador que se tor-
é diferente do que foi captado e acaba por
nar cúmplice ou testemunha sobre uma de-
tornar-se outro depois de montado; um filme
terminada ação dentro de uma cena.
é um processo vivo em constante transforma-
ção.
O que ocorre durante a realização do pla-
no-sequência é a movimentação constante da
Quando o diretor faz a sua decupagem téc-
câmera, dos personagens e dos objetos. São
nica, ele divide as sequências do roteiro lite-
planos difíceis de serem realizados, exigem
rário em planos. Um filme pode ter 100 sequ-
muita elaboração, paciência e, acima de tudo,
ências e 400 planos, ou 100 sequências e 200
muito ensaio.
planos; vai depender do modo como o dire-
tor quer apresentá-lo. Este número é sempre
Um plano-sequência não prescinde da
uma previsão, quase nunca essa estimativa
montagem, esta é feita diretamente durante
é mantida, quanto mais ao se tratar de fil-
a captação, ou seja, o diretor está montan-
mes da indústria, quando o diretor quase não
do – sem cortes - o filme enquanto capta a
participa da montagem. Mas, como estamos
imagem. Quando a câmera se movimenta em

21
História da Linguagem Áudio Visual

meio à ação, ela vai criando pequenos “planos” dentro do plano maior. Não há cortes, mas
há montagem. Temos exemplos de diretores e planos-sequências antológicos, como o da
abertura de Marca da Maldade de Orson Welles, ou ainda os incríveis planos que Ruy Guerra
criou para Os Deuses e os mortos e para Os Fuzis. No primeiro, existem planos-sequências
de seis minutos, o chassi da câmera teve que ser adaptado. O cinegrafista era Dib Lutif, um
mago com a câmera na mão e um ícone da história do cinema. Veja a clássica cena de A
Marca da Maldade: http://www.youtube.com/watch?v=kmklPD32rk8

A fantástica abertura do filme de Orson Welles. Repare como existe uma “montagem”
inserida no plano. Lembram-se dos mil olhos do cine-olho russo? Pois é. A câmera de Welles
se posiciona em lugares inatingíveis por um observador comum.

9. Raccord
9.1. O raccord é a transposição

O raccord é a troca de um plano pelo seu subsequente, é na verdade o momento do corte


realizado na edição. É um momento fundamental, pois através dos cortes é que o espec-
tador entenderá as relações espaço temporais inseridas na trama. Como vimos dentro dos
planos estão inseridos vários elementos que deverão estar ligados a outros, pertencentes
a outros planos, seguindo uma série de regras estabelecidas já no início da linguagem nar-
rativa clássica e seus desdobramentos na linguagem cinematográfica. Existem os cortes de
relação temporal e os de relação espacial.

Vamos identificar primeiramente os cortes de tempo. O corte de continuidade temporal é


o mais simples; temos o plano X na qual a personagem a personagem A dialoga com a per-
sonagem B que está fora de quadro e cortamos para o plano Y onde a personagem B está
enquadrada deixando a personagem A fora de quadro, porém, a voz da À voz permanece
em off sobre a imagem de B que a escuta. Teremos então a personagem A no campo fílmico
(fora de quadro) e a personagem B em quadro.

Plano X- personagens A e B em quadro.

22
História da Linguagem Áudio Visual

Plano Y– voz de A permanece em OFF

Outro tipo de corte é conhecido é a elipse que é definida quando fazemos a ligação en-
tre planos diferentes dentro de uma cena. A personagem aparece na cena dentro de um
box de chuveiro. O plano mostra o box do lado de fora com a cortina fechada aparecendo
uma silhueta da personagem. No próximo plano a personagem aparece se banhando. Na
sequência, é mostrado um detalhe do chuveiro ligado e, para finalizar, volta-se a cena da
personagem ao banho.

Psicose de Alfred Hitchcock

Fonte da imagem: http://zip.net/bqlRXr

O efeito esperado é como se existissem duas câmeras filmando ao mesmo tempo. Porém,
para que a cena tenha um sentido é necessário que os planos tenham um tempo de dura-
ção conciso e de forma dinâmica com a ação. Pode-se observar que o processo de captação

23
História da Linguagem Áudio Visual

das imagens ocorreu em três momentos distintos e com a utilização de uma única câmera.
Geralmente, os planos não são gravados na mesma sequência em que foram filmados. O
processo de organização da cena é realizado no processo de montagem. Na realidade não
existe uma ação contínua da personagem que não aparece entrando no box e nem ligando
o chuveiro. O que acontece é salto no corte de um plano para outro interrompendo a ação
contínua da personagem. Nesse caso, a elipse não interfere na compreensão do espectador
em relação à cena devido à falta dos movimentos da personagem.

No entanto, as cenas podem ser montadas de uma forma contínua em relação à ação.
Temos uma personagem fazendo uma refeição; na primeira tomada encontramos a persona-
gem sentada em uma mesa com um prato de sopa em sua frente. A mesma tomada mostra
a pessoa pegando uma colher e colocando no prato e movimentando-a em direção à boca.
Ao iniciar o movimento, pode-se fazer um corte para uma tomada, com um plano mais de-
talhado, que mostra a colher colocando a colher na boca para ingerir o alimento.

A elipse pode estar também ligada ao tempo nas narrativas cinematográficas, no clássico
“2001 – uma odisseia no espaço” filme do diretor Stanley Kubrick, produzido em 1968, que
possui uma mudança temporal quando o homem primitivo lança um osso na direção ao céu
e, logo sem seguida, aparece uma nave trafegando no espaço. Dessa forma, o cineasta deu
um salto de milhões de anos de uma era primitiva para o futuro.

2001 – uma odisseia no espaço

Fonte das imagens: http://zip.net/bllQ11

A elipse pode alterar a referência temporal em períodos curtos e longos (dia, semanas,
meses e anos) e também realizar um recuo no tempo. Essa última forma de elipse temporal
é conhecida com flashback.

Porém, poderemos estar unindo dois planos que estejam em continuidade espacial, mas
que não estejam exatamente em continuidade temporal. Posso ter no plano A uma perso-
nagem enquadrada em plano médio e decido que a quero enquadrar em close no plano B.
O plano A poderá ser ligado ao plano B através do que é chamado de raccord de eixo que
nos oferece uma perfeita continuidade espacial; veja que não mudaríamos a direção de
câmera entre a realização dos dois planos, de modo que não mostraríamos uma mudança
significativa no fundo do plano A para o fundo do plano B. Este tipo de corte ocorre quando
o plano A se aproxima ou se afasta da personagem através do plano B, ou seja, no plano A
estamos em um plano médio e no plano B estamos num close - aproximação. Ao contrário

24
História da Linguagem Áudio Visual

teríamos plano A em close e o plano B em plano médio. O que importa é que o deslocamento
da câmera mantenha a mesma direção da linha imaginária que liga a câmera à personagem,
tanto no plano A quanto no plano B (raccord de eixo); não há um deslocamento lateral da
câmera, só há um “deslocamento” para frente ou para trás. Este “deslocamento” não precisa
ser feito através do avanço ou do recuo físico da câmera, podemos realizá-lo com a troca
de lentes; por exemplo, de uma 50 mm (normal), para uma 85 mm (tele), ou então através
da utilização de uma lente zoom. Porém, podemos também considerar como continuidade
espacial, quando parte do cenário encontrado no plano A aparece no plano B. Por exemplo,
em A estamos num plano geral, que mostra um carro começando a fazer uma curva, no
plano B o pegamos num outro ponto da curva. Vários elementos, inclusive a própria curva,
estão presentes em ambos os planos fazendo a continuidade espacial.

Quando vimos a questão da continuidade temporal, através da análise de um diálogo en-


tre uma personagem A e uma personagem B, observamos que ambas estavam na mesma
sala, no mesmo ambiente. Muito embora assim o fosse, ao realizar a união entre o plano A
que mostra o personagem A, e o plano B, que mostra o personagem B, estaremos unindo
dois planos que mostram espaços diferentes; são distintos, embora estejam no mesmo am-
biente, eles nos mostram um cenário diferenciado ao fundo; móveis ou geografia igualmente
diferentes, até mesmo a luz que chega, poderá ter um desenho diferenciado, portanto, dife-
rentemente da continuidade espacial. Neste caso a câmera foi deslocada, resultando numa
mudança de fundo.

É importante ressaltar que isto só ocorre nos casos em que haja uma modificação sig-
nificativa de elementos de compõe ambos os planos. Se ao cruzarmos do plano A, onde
aparecia a personagem A, para o plano B enquadrando a personagem B, mas mantivermos
A ainda em quadro ao lado de B, não estaremos realizando uma descontinuidade temporal,
mas sim uma continuidade.

A terceira é a descontinuidade espacial total: se na descontinuidade espacial que vimos,


os elementos que compunham dois planos subsequentes variavam, mas nos era passada
uma ideia de proximidade espacial entre ambos, no último caso que será analisado, isto não
existe. Seria o caso, por exemplo, de uma perseguição. No plano A, temos a personagem
A correndo atrás de B. Eles estão descendo uma rua de paralelepípedos; no plano B eles já
aparecem correndo na beira da praia. Podemos perceber que dois planos foram ligados em
completa descontinuidade espacial. No entanto, é interessante ressaltar que em nenhum

25
História da Linguagem Áudio Visual

momento deixamos de entender que se trata Como primeiro exemplo, podemos citar
de uma perseguição e de que A persegue B. os casos em que uma personagem aparece
num plano A segurando um copo cheio de
refrigerante, para depois aparecer no plano
B segurando o copo vazio. Cansamos de ver
estes erros em alguns programas de TV que
se ocupam em mostrá-los. São chamados de
erros de continuidade, no entanto, eles não
se restringem a simplicidade do caso do copo.
A continuidade é um elemento extremamente
complexo e merece uma análise detalhada.

Existem três tipos básicos de continuidade


(raccord) entre os planos: de direção, de olhar
10. A continuidade e de posição.

10.2. Os tipos de continuidade


10.1. A continuidade e as relações es-
paço temporais
A Continuidade de direção está inserida
no exemplo da perseguição entre os perso-
No título passado vimos a questão das re-
nagens. O que nos permite perceber que A
lações temporais e espaciais entre os planos.
persegue B é o fato de os dois entram em
Agora chegou o momento de estudarmos a quadro pela direita e saem pela esquerda;
continuidade, peça fundamental para a cons- isso poderia ser invertido: entram pela es-
trução e o entendimento por parte dos espec- querda e saem pela direita, não importa. O
tadores, destas relações assinaladas. Como fundamental é que seja estabelecida esta re-
vimos, no teatro o espectador acompanha a lação em que ambos atravessarão o quadro
narrativa levado pelas ações dos atores - lem- sempre no mesmo sentido; se houver uma
bram-se do exemplo do detetive e o broche inversão, por exemplo, B passar a inverter o
de mulher? Vimos também que no cinema sentido da direção de sua corrida, parecerá
isto teria de ser modificado, as ações e suas que ele passou a ir de encontro (na mesma
pontuações deveriam ser mostradas e realça- direção) ao seu perseguidor. Se ambos a in-
das pelos movimentos e enquadramentos de verterem parecerá que B passou a perseguir
câmera. A. Da mesma forma, se temos num plano
A uma personagem que, sendo enquadrada
Este fato nos levou à segmentação de toda entrando em sua casa sai de quadro pela es-
a ação em planos que são ligados entre si querda, é aconselhável que no plano B, onde
através do corte (raccord) e suas relações de é enquadrado um corredor vazio, a perso-
espaço e tempo, entretanto, isto não bastava. nagem seja mostrada entrando pela direita.
Era necessário estabelecer uma codificação Mas atenção, isto só deverá ocorrer quando
nestas relações. A esta codificação se dá o o corredor estiver à esquerda do quadro no
nome de continuidade. Quando ela é desres- plano A. Ou seja, a lógica da continuidade de
direção deverá seguir a lógica espacial do ce-
peitada, pode ocorrer um erro de compreen-
nário. Se no plano A, ao invés de seguir para
são da narrativa por parte do espectador.

26
História da Linguagem Áudio Visual

o corredor ele tivesse decidido subir uma es- outro plano mais à frente. Neste caso ano-
cada que sobe no sentido contrário ao que taremos as novas direções de olhar ao final
ele vinha, é claro que A ao sair pela esquer- deste plano e as respeitaremos ao rodar o
da no plano A, deverá entrar a esquerda no plano seguinte, contudo, como não filmamos
plano B. os planos na ordem em que serão monta-
dos, é necessário um trabalho minucioso de
anotações concernentes ao posicionamento,
a movimentação e a direção dos olhares das
personagens em cada plano. Podemos per-
ceber por aí a importância do trabalho da/o
continuista.

Outro exemplo é a Continuidade de posi-


ção. Se estamos no plano A com o perso-
nagem A de pé ao lado de uma poltrona, e
no plano B já o vemos sentado, teremos um
salto, uma pequena elipse. Alguns diretores
Continuidade de olhar: tem-se num plano a usam, em casos especiais, como fez Go-
A duas personagens conversando sentadas dard em Acossado para realçar o estado de
em duas poltronas separadas, teremos cada tensão e desordem que vivia o protagonista
uma olhando para uma direção do enquadra- do filme, entretanto, quando não intencional
mento do plano. A personagem A, que está e inserida na narrativa clássica esta prática
à direita do quadro, olha para a esquerda do constitui-se num erro de continuidade. Ou-
mesmo, para falar com B, que está à esquer- tro exemplo de erro também seria sairmos
da do quadro. De modo inverso, B olhará de um plano que mostra um plano médio da
para a direita de quadro para falar com A. personagem com a cabeça inclinada para di-
Se no plano B, enquadrarmos apenas A, te- reita e o ligarmos ao plano seguinte que a
remos que ter o cuidado de que ele continue mostra com a cabeça inclinada para o outro
a olhar para a esquerda em direção a B, do lado.
mesmo modo faremos que B, num plano C,
olhe para a direita do quadro em direção a A.
11. A regra do eixo de 180º
A continuidade de olhar talvez seja a mais
11.1. O eixo imaginário
difícil de ser administrada em relação à con-
tinuidade. Quando temos um plano em que A regra do eixo de 180º é o método de se
apenas duas pessoas conversam é mais sim- produzir, de forma correta, o plano e contra
ples, no entanto, quando há um desloca- plano.
mento das personagens, ou quando outros
entram na mesma sequência de planos, a A regra dos 180º é uma das convenções
continuidade de olhar torna-se mais difícil. mais importantes da linguagem cinemato-
O segredo é estarmos atentos e respeitan- gráfica. Tem como referência o eixo da ação
do a direção dos olhares presentes no pri- e constitui a premissa fulcral da realização
meiro plano da sequência. Só o mudaremos cinematográfica no que respeita ao posicio-
se algum personagem se deslocar em algum namento da câmara e à encenação da ação.

27
História da Linguagem Áudio Visual

De modo muito breve, podemos dizer que o eixo da ação é uma linha imaginária que atravessa o
espaço à frente da câmara, unindo as personagens, por exemplo, a linha que se pode depreender
num diálogo entre duas personagens ou numa perseguição (NOGUEIRA, 2010, p. 144).

Posicionamento correto para o eixo 180º

Fonte da imagem: http://super8video-manual.blogspot.com.br/

Essa regra estabelece, nas cenas em que possuem um diálogo, um eixo que obedece
a linha do olhar de uma personagem para o olhar de outra personagem. Desse modo,
assegura-se que a montagem da cena não corra o risco de possuir uma desordem espacial.

Quando num roteiro literário nos deparamos com uma sequência, teremos, como já vi-
mos, que decupá-lo em planos.

Esta decupagem acontecerá de acordo com a vontade do diretor, contudo, existem duas
formas de abordagem que ele deverá escolher. Na primeira hipótese ele parte da sequência
como um todo. Então ele posiciona a câmera na quarta parede, e filma toda a sequência
numa ação integrada, única. Isto só é possível quando a ação se desenrola num espaço limi-
tado pela capacidade de apreensão da imagem pela câmera. Os americanos chamam a este

28
História da Linguagem Áudio Visual

tipo de plano de master shot, nós o chama- Lembremos que o plano constitui uma
mos de plano guia. Não confundamos com o unidade técnica de tomada de vista e de
plano-sequência, que, como já vimos, a câ- montagem, enquanto que no momento da
mera se movimenta compondo uma “monta- rodagem o plano inclui as imagens e os sons
captados entre o princípio e o fim da ação e
gem” sem corte.
do seu registro, no filme visto pelo espectador
Após filmar o seu plano guia, o diretor irá corresponde àquilo que foi conservado na
montagem e a diferença de comprimento
desconstruí-lo em quantos planos achar ne-
entre um e outro pode ser considerável
cessário.
(GARDIES, 2006, p. 17).

Para isto irá filmar planos que vamos cha-


12.2. Plano geral
mar de inserções e que durante a montagem
irão cobrir pedaços do plano guia. A formação desse plano permite que o es-
pectador tenha uma noção das referências
É importante ressaltar que os planos de
espacial e temporal.
inserção poderiam ser gravados em qualquer
ordem, isto é óbvio, mas muitas pessoas co- Sua função é revelar um determinado ce-
metem o erro de gravar as inserções na or- nário, na sua dimensão. Nele raramente se
dem em que irá montá-las o que é no míni- percebe uma determinada ação da perso-
mo uma enorme perda de tempo. nagem, que num determinado modo, acaba
sendo uma composição do plano.
12. A nomenclatura dos planos
Plano Geral
12.1. Do geral ao detalhe

O plano na estrutura de um filme possui


propriedades eficazes na constituição da
cena.

Sua característica abrange arranjos esté-


ticos e discursivos na estrutura narrativa do
filme. Na elaboração de um determinado pla-
no, o cineasta deve ponderar sobre o rela-
cionamento da ação da personagem com as Fonte da imagem: http://pixabay.com/pt/p%C3%B4r-
referências temporal e espacial. do-sol-bela-paisagem-cen%C3%A1rio-198875/

Também é importante salientar que a Por outro ponto de vista, esse plano pode
angulação e o tamanho estão vinculados à trazer novas referências quando este plano
percepção do cineasta em relação à ação for usado com um sentido subjetivo. Essa
no momento da concepção do plano. Outro subjetividade pode determinar a superiori-
ponto a ser considerado é que cada plano se dade de um ambiente hostil como no caso
conecta ao outro e a escolha correta de sua do filme documentário Nanook Of the North.
composição é de fundamental importância O plano geral ajudava a identificar a luta de
para a narrativa fílmica. Nanook com o ambiente em que vivia.

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História da Linguagem Áudio Visual

Nanook of the north 12.4. Plano americano

Os franceses começaram a chamá-lo desta


forma devido aos filmes de westerns.

É o plano que corta a personagem na al-


tura logo abaixo do revolver, estando a per-
sonagem em pé para um duelo, ou sentado
para um jogo de pôquer, ou seja, ele corta na
altura da coxa ou da canela.

Fonte da imagem: http://www.fanpix.net/0824955/014129769/ A marcação foi incorporada à linguagem.


nanook-of-the-north-large-picture.html

Plano americano
12.3. O plano conjunto

O plano conjunto enquadra um conjunto


de pessoas ou de objetos que têm um peso
significativo na trama ou na narrativa. Por
exemplo, uma personagem ao lado de sua
casa, ou de um companheiro; também pode
apresentar um grupo destacado de pessoas,
mas é importante ressaltar que existe um for-
te relacionamento entre o cenário e a ação
das personagens. Cenário e personagens in-
teragem dentro de um contexto composicio-
nal do qual ocorre um processo de enuncia-
ção para a composição do enunciado. Fonte da imagem: http://uploads.meiobit.
com/plano-americano1.jpg
Plano Conjunto
12.5. Plano médio

O plano médio corta uma personagem na


altura de seu peito. É um plano que estabe-
lece mais proximamente uma personagem.

Já são destacados detalhes de suas fei-


ções e características físicas.

Nesse plano, o cenário começa a perder a


Fonte da imagem: http://blog.loscoloresolvidados. importância para destacar a fonte de infor-
com/2013/05/22/realidad-y-ficcion/comicos03/
mação.

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História da Linguagem Áudio Visual

Plano médio

Fonte da imagem: http://zip.net/bslRRC

12.6. Close up

Este é o plano já perde a referência espacial e temporal e o seu forte é a fonte de infor-
mação que, no caso de uma pessoa, pode fornecer informações faciais, emocionais e até
psicológicas.

Close

Fonte da imagem: http://zip.net/bblRQH

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História da Linguagem Áudio Visual

12.7. Big close up

O Big close up é o plano que detalha objetos e partes específicas do corpo de uma
personagem. É o plano do detalhamento.

Big close up

Fonte da imagem: http://www.nickomargolies.com/big/2011/02/eye-close-up/

13. O posicionamento da câmera


13.1. Plongée

O Plongée é um processo de captação de imagens na qual a câmera fica posicionada de


cima para baixo, isto é, a câmera está posicionada em um nível mais alto da posição na qual se
encontra o objeto que será gravado. Este plano pode trazer um ar de inferioridade, submissão,
vassalagem para uma determinada personagem.

Plongée

32
História da Linguagem Áudio Visual

13.2. Contra plongée

A câmera está quase no nível do chão, pegando a pessoa de baixo para cima. Se fosse
possível estabelecer uma significação para este tipo de plano, poderíamos dizer que se
trata de um posicionamento que confere uma ideia de poder à personagem, ou ao objeto
captado. Dentro desta perspectiva, poderíamos atribuir a sensação inversa ao plongée, que
pode ter como leitura um ar de superioridade, grandeza, arrogância para a personagem que
está sendo filmada.

Contra plongée

13.3. Zenital

A câmera está posicionada no zênite, ou seja, no alto, virada para baixo, num anglo
de 90º. Esta imagem mostra as pessoas “achatadas” sobre o piso. Pode ser interessante
quando acompanhamos, com uma aérea, um carro na estrada. Porém, é necessário que ele
esteja a 90º, do contrário passa a ser um plongée.

Zenital

Fonte da imagem: http://zip.net/bllRn1

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História da Linguagem Áudio Visual

14. Movimento de câmera 14.2. Panorâmica

As relações de movimentos compõem, as- É o movimento em que a câmera gira em


sim como as outras já vistas, os códigos da seu próprio eixo fixo perpendicular ao chão.
linguagem. Podemos ter um plano fixo, mas Pode ser da esquerda para direita ou vice-ver-
ele estará inserido no contexto rítmico do mo- sa. É utilizado num plano geral para mostrar
vimento dos outros planos. Se, como vimos, um ambiente ou uma paisagem. Pode ser uti-
cinema é imagem em movimento mecânico, lizado também para mostrar o movimento de
o filme é um conjunto de movimentos a ser- uma personagem ou de um objeto.
viço da narrativa. Os planos compostos pelos
Panorâmica ou Pan
elementos neles contidos também são com-
ponentes dos planos. Da mesma forma que a
variação da dimensão espacial e temporal dos
planos dita um ritmo, os seus movimentos in-
ternos também o farão. Assim como o raccord
de um plano geral para um plano médio pro-
voca um contraste de forte impacto, o corte
em meio a uma panorâmica para um plano
fixo também. A este tipo de corte abrupto
que tem como característica cortar no meio
os movimentos deixando-os descontinuados, Fonte da imagem: http://www.fazendovideo.com.br/vtsup.asp
e muda as posições da personagem pulando
espaços, dá-se o nome de jump-cut e não dei- 14.3. Tilt up e o tilt down
xa de ser uma pequena elipse.
O tilt tem as mesmas características da
14.1. Câmera fixa panorâmica só que no sentido vertical. É uti-
lizado, por exemplo, para mostrar a fachada
Evidentemente não se trata de um mo- de um prédio, da portaria à cobertura. Quan-
vimento, mas como a câmera fixa deve ser do combinada com a panorâmica, produz um
mencionada na decupagem. movimento em diagonal. No tilt up o movi-
mento é de baixo para cima e no tilt down é
Câmera fixa o contrário.

Tilt

Fonte da imagem: http://zip.net/bnlRDM Fonte da imagem: http://zip.net/bclRG4

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História da Linguagem Áudio Visual

14.4. Travelling

Como o nome já diz, é o movimento em que a câmera viaja, passeia. Seja num carrinho
sobre trilhos, na mão, num carro, num barco, num trem, num avião, helicóptero, balão etc.,
ou seja, em qualquer veículo, ou ainda com a utilização de um steadicam.

Sua diferença para a panorâmica é que, neste caso, a câmera desloca-se no seu eixo
perpendicular ao chão. O travelling também pode estar ligado a um movimento de grua so-
bre trilhos numa combinação que fará que além de andar para frente ou para trás, ele suba
e desça.

Existem travellings em grua antológicos, como aquele que está presente no plano-sequ-
ência que abre o filme “Marca da Maldade de Orson Welles”.

Hoje em dia o uso combinado do steadicam, do carrinho e da grua e de um helicóptero


produz planos-sequências muito interessantes.

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História da Linguagem Áudio Visual

14.5. Zoom ritmo do cinema hollywoodiano. Pode pare-


cer absurdo, mas não é. Se comparamos o
É um movimento, mas não exatamente tempo de duração de um plano num filme
um movimento de câmera. O zoom é uma de Ozu11 - cineasta japonês - com o tempo
lente que tem em si diferentes distâncias fo- dos planos de um filme de Griffith, encon-
cais. Ela pode ser uma variação, por exem- traremos um forte contraste entre a propos-
plo, de 50 mm a 200 mm. Ao fechá-la você ta contemplativa e sensorial do primeiro e a
sai de um quadro mais aberto para um mais proposta de síntese das ações e reações en-
próximo, mais fechado. Podemos também in- contradas no segundo. Podemos dizer sem
verter o movimento. É hesitar que o cinema dos Estados Unidos foi
concebido como um negócio e isto não se
importante perceber que todos estes mo-
deu, evidentemente, nesta dimensão em to-
vimentos podem ser combinados dentro de
dos os centros. Não que o objetivo destes
um mesmo plano. Vimos também que o mo-
não fosse o de agradar e vender. Ocorreram
mento do corte em meio a um movimento
inclusive lutas acirradas pelo mercado.
deve ser bem estudado. Esse movimento que
a lente da câmera proporciona possui duas
etapas. A primeira é o zoom in que parte, por
exemplo, de um plano geral até um close up.
O outro é o zoom out que faz o movimento
no sentido contrário.

A indústria cinematográfica norte-ameri-


cana logo se tornou responsável por estabe-
lecer um padrão estético que se diferencia
dos de outros centros de produção.

Diferenças culturais, econômicas e sociais


influenciavam diretamente o modo como
cada um produzia e percebia seu cinema.
Não vamos aqui fazer um aprofundamento Se você está fazendo um filme de autor
destas questões, mas é importante pesqui- com ampla autonomia sobre as decisões de
sar, ou pelo menos tê-las em mente. direcionamento de sua obra, seja ela um
simples curta, um vídeo de treinamento, um
Mais adiante no curso teremos o módulo documentário, enfim qualquer peça que te-
de História do Cinema que se aprofundará nha como função emitir informação, cultura
nestas questões. e arte... lembre-se de que o compromisso
estético está atrelado as coisas à sua volta e
O fato é que o cinema dos Estados Unidos
não somente ao tipo de cinema que foi exi-
se transformou numa força de exportação de
bido para a maioria de nós através do anos.
seus valores culturais e este poder influen- 11  Yasujiro Ozu, cineasta japonês que filmou entre 1927 e 1962.
ciou todas as culturas e seu modo de vida, Seus filmes que influenciaram cineastas como Akira Kurosawa,
portanto, quando sentimos que o filme está tinham um forte cunho social e são notórios por apresentarem
uma estética diferenciada com planos fixos de grande duração
lento e se arrasta, o fazemos por costume ao que forçam o espectador a uma reflexão que o leva além da
realidade apresentada pela imagem.

36
História da Linguagem Áudio Visual

Veja que esta posição não é propriamente dos componentes de uma objetiva. No caso
uma negação aos valores encontrados nos fil- de uma objetiva de 50 mm, o número de len-
mes de Hollywood, mas apenas um momento tes varia entre cinco e seis.
de reflexão e de consciência da existência de
outros cinemas, com outra abordagem, outro O cinema sempre se utilizou de lentes
ritmo, enfim, com estéticas diferenciadas. (objetivas) com diferentes distâncias focais,
mas em determinado momento surgiram as
Vale muito a pena sair um pouco deste uni- lentes zoom, que contêm um sistema que
verso voltado apenas para um tipo de cine- abrange distâncias focais diferentes, por isto
ma e nos aventurarmos por outras culturas. mesmo elas têm mais elementos ópticos, ou
É cada vez mais difícil, às vezes parece que seja, mais lentes que as objetivas comuns, o
todo o cinema mundial se transformou num que as torna mais escuras. Além do que, elas
só cinema, numa mesma maneira de contar produzem uma imagem menos limpa, menos
histórias, mas não é bem assim. Existem no- definida.
vos centros de produção, como o Afeganistão,
o Iran (apesar da censura), o Egito, a Palesti- A televisão adotou as zooms por serem
na e o sudeste asiático que apresentam filmes mais práticas. Com elas não é necessário a
bem diferenciados da mesmice mundial. troca de objetivas entre os planos, prática
mais corriqueira no cinema. Por exemplo, re-
Há também a enxurrada de produções na alizo um Plano Conjunto com uma objetiva
internet e tornou-se imprescindível o trabalho normal de 50 mm e depois troco no plano
de garimpo para pesquisá-los. Há muita gente seguinte para uma objetiva 85 mm para rea-
nova experimentando novos rumos, no entan- lizar um close.
to, veja que a intenção por trás da obra deve-
rá ser seu parâmetro; ninguém melhor do que
você para determinar o que deseja transmitir
e qual o seu público.

De qualquer forma estas palavras acima


servem para dar a dimensão de importância
do tempo de seus planos em seu trabalho, ci-
nema é imagem em movimento e é ritmo. A
dedicação a esta etapa nunca será demais.

Feita a apresentação dos planos, começa-


remos a falar dos movimentos de câmera que A vantagem de se usar uma objetiva fixa
comporão os planos. que não seja zoom é sem dúvida a qualidade
da imagem oferecida, por isto mesmo, com o
15. As Objetivas desenvolvimento das imagens HD, as câme-
ras digitais profissionais passaram a oferecer
Lentes e objetivas são nomes usados para o sistema de objetivas fixas.
dizer a mesma coisa, contudo, é forçoso lem-
brar que verdadeiramente a lente é um ele- As lentes fixas – não zooms – são chama-
mento de vidro, acrílico ou cristal que é um das também de Primes. A distância focal de

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História da Linguagem Áudio Visual

uma objetiva é a distância medida em milí- 15.3. Teleobjetivas:


metros do ponto de convergência da entrada
de luz até o ponto onde ela é focalizada. Este Tele em grego significa distância. As te-
fenômeno ótico criado pelas lentes que fazem leobjetivas aproximam a imagem, são mais
a refração da luz que incide na objetiva acaba escuras e tem menor profundidade de foco.
gerando aberturas diferentes nos cones for- Os movimentos, ao contrário das grande-an-
mados pela incidência desta luz. gulares, são atenuados e por aproximar as
imagens do fundo, ela acaba por achatá-las,
agrupando-as, diminuindo bastante a noção
da perspectiva.

16. Quadro e Campo Fílmico

Quanto menor distância focal tiver uma


objetiva, maior será a abertura do ângulo de
incidência deste cone. Quanto mais aberto
o cone, maior será a amplitude da imagem
apreendida e menor será sua capacidade de
Quando estamos diante de uma tela na
aproximação dos objetos.
qual é projetado um filme, vemos um quadro
E ainda, quanto mais aberto o cone de en- em que estão as imagens que contam uma
trada de luz, maior será a quantidade de luz a história de ficção, mostram um documentá-
atingir o negativo ou o sistema digital, portan- rio, um clipe, um comercial, enfim, qualquer
to, as objetivas de menor distância focal são obra de caráter audiovisual. O quadro apre-
mais claras. senta o resultado da captação e da monta-
gem de imagens e de sons que nos mostram
15.1. Grande Angular uma narrativa. Como vimos anteriormente, a
imagem de um filme é o resultado da união
São objetivas mais claras, apresentam uma de planos. O quadro não exibe apenas um
profundidade de foco maior; a perspectiva, os plano, mas vários, portanto, não confunda-
movimentos dos objetos e personagens do mos quadro com plano. Tampouco confun-
fundo para frente, ou vice-versa, se acentu- damos quadro com fotograma, que já vimos,
am. O ângulo de abrangência na captação da é uma “foto” na película física do filme en-
imagem é maior. quanto objeto de projeção. Recordando: diz-
-se que um filme é captado e projetado a 24
15.2. Normais quadros por segundo, mas na verdade seria
mas correto dizer que ele é captado e rodado
Visão parecida com a do olho humano. a 24 fotogramas por segundo..

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História da Linguagem Áudio Visual

17. A montagem Posso fazer tudo isto graças à montagem


física linear dos planos filmados. Porém, esta
Quando criamos uma estória geralmente a linearidade física da montagem da película
imaginamos de forma cronologicamente line- não implica numa linearidade de tempo e es-
ar. No entanto, ao contá-la, podemos usar o paço da narrativa. Homero, em sua epopeia
tempo e o espaço nos quais ela se desenrola intitulada Odisseia, nos fala do momento em
da maneira que desejarmos. que Ulisses que havia retornado, disfarçado,
a seu palácio em Ítaca após a guerra de Troia
é reconhecido por sua velha escrava através
de uma cicatriz em sua coxa, fruto de um fe-
rimento adquirido ainda na juventude numa
caçada a javalis. Neste momento da histó-
ria, Homero interrompe a linearidade de sua
narrativa para realizar um extenso flashback
no qual ele contará todo o acidente ocorrido
com o herói. Só depois retornará ao instan-
te em que a escrava acabara de observar a
cicatriz. Portanto, as manipulações do tempo
e do espaço narrativo não são invenção do
Deste modo, nosso filme pode começar no cinema, no entanto, nesse caso, estas narra-
momento da morte de uma personagem, para tivas terão que ser feitas através da imagem,
imediatamente saltarmos em flashback (retor- ou seja, através de uma linguagem especial
no da narrativa) ao momento do seu nascimen- que se utilizará inicialmente apenas da ima-
to e depois saltarmos novamente para poucos gem, e mais tarde também do som como for-
instantes antes de sua morte, em elipse (avan- mas de expressão.
ço da narrativa).
17.1. Considerações sobre a
Posso também mostrar um diálogo impor- montagem
tante em que nossa personagem entra em
conflito através de um telefonema com sua na- Montar um filme é construí-lo a partir da
morada. matéria que foi filmada. Trata-se de organi-
zar plano por plano, cena por cena, seguin-
Estarei abordando uma ação que não apre- do algumas condições de ordem e duração.
senta uma concordância espacial, mas que Ordem que respeita as relações espaciais e
tem concordância temporal, ou seja, ela se de- temporais criadas pelo diretor e pelo monta-
senrola em espaços diferentes, mas ao mesmo dor, respeitando o espaço e tempo diegéticos
tempo. estabelecidos durante a decupagem.

Posso também fazer nossa personagem en- A qualidade de um filme depende e muito
trar por uma porta no corredor e sem corte da qualidade de sua montagem.
de câmera, imediatamente depois, fazê-lo sair
pela mesma porta, bem mais velho. Neste caso A significação de um plano depende da-
eu estaria me utilizando do mesmo espaço, quilo que ele representa, que unida a repre-
mas em tempos diferentes. sentação de outro plano resultará numa sig-

39
História da Linguagem Áudio Visual

nificação diferente das significações de cada Muito usado em filmes de ação, o para-
um dos planos unidos pela montagem. lelismo mostra duas cenas que ocorrem ao
mesmo tempo. Temos uma personagem fu-
A montagem dá o senso de pontuação e gindo de um malfeitor dentro de uma casa.
concisão que são resultantes da união de Ao mesmo tempo, temos o mocinho da histó-
planos. ria e aproximando da casa rapidamente para
salvar a personagem em perigo. Dessa for-
A justificativa psicológica da montagem cor- ma, num determinado momento, é mostrada
responde às exigências da visão de um espec- a cena da personagem em perigo que, logo
tador perfeito. Lembre-se de que no cinema em seguida, é substituída pela imagem do
construtivista russo, o movimento chamado de mocinho correndo para salvá-la. Essa troca
cine-olho nos ensinou que a câmera pode ser de cena é repetida algumas vezes para criar
posicionada numa infinitude de lugares. Suas certa tensão sobre as ações das personagens
imagens representam a visão de um especta- que ocorrem de forma simultânea.
dor ideal que estaria posicionado pelo diretor
num ponto ideal de observação de ação. 17.2.3. Simbolismo

17.2. Métodos de montagem relacional O simbolismo é quando um plano se asso-


cia a outro, introduz-se um conceito abstrato
17.2.1. Montagem por Contraste na consciência do espectador. Por exemplo,
a imagem de uma pomba branca voando que
Este tipo de montagem leva o espectador a dará a ideia de paz. Veja que o plano de uma
concluir o conteúdo narrativo através de sua pomba voando não representa em si coisa
própria interpretação. alguma além de uma pomba voando. No en-
tanto, se colocamos este plano ao lado de
Exemplo: Temos um plano A que mostra planos que mostrem canhões atirando, tere-
uma mesa farta, onde homens e mulheres co- mos uma conotação completamente diferen-
mem com exagerado prazer generosos peda- te e que pode nos remeter à ideia de paz.
ços de comida, e logo depois um plano B em
que vemos uma criança morrendo de fome. 17.2.4. A montagem intelectual de Ei-
Veja que são dois planos que mostram fatos senstein
isolados. Não temos aí um plano que mos-
tre a criança faminta ao lado da mesa farta, Eisenstein abre um tópico à parte na ques-
mas sim um plano dos glutões e um plano da tão da montagem. Para ele a montagem tem
grande peso intelectual, através da associa-
criança. A ideia de injustiça, má distribuição
de renda etc chega ao espectador através do ção de ideias realizada pelo espectador. Isto
contraste gera conclusões que são obtidas através da
abstração por parte do público. Cada corte
17.2.2. Paralelismo deveria provocar um choque, não havia por
parte dele uma preocupação relevante em
Ações alternadas, divididas em planos al- relação às continuidades. Para o cineasta, o
ternados. Não há necessidade de continuida- importante era levar as pessoas a pensar o
de espacial, nem de continuidade temporal. que o choque entre os planos queria dizer.

40
História da Linguagem Áudio Visual

18. A iluminação sua intensidade, pois ela varia no decorrer do


dia. Portanto, aprender a iluminar é aprender
18.1. A luz a controlar a luz do sol e também criar uma
iluminação artificial própria que corresponda
às intenções do seu projeto.

Quando chegamos a uma locação, a um


set, o ideal é que já tenhamos visitado o local
antes do dia da filmagem. Será a oportuni-
dade para observar as variáveis de luz que
nós encontramos e o que poderá ser apro-
veitado. Por exemplo, pode ser a luz do sol
que entra por uma janela, a de um abajur,
uma parede branca que rebate a luz que en-
tra pela janela...

No entanto, para analisarmos estas condi-


ções com precisão é preciso que tenhamos
em mente que uma iluminação básica é feita
Não pretendemos fazer aqui um aprofun- por três pontos de luz.
damento sobre a teoria da luz, mas é impor-
tante para quem vai filmar ou gravar ter em 18.2. A iluminação de três pontos
mente que a luz varia em direção, intensi-
Temos três direções a estudar: o ataque,
dade e natureza. Tratando-se da direção ele
sua compensação, e a contraluz. Estes pon-
poderá vir da esquerda, da direita, de cima
tos serão sempre considerados em relação à
ou de baixo, pela frente ou por trás.
câmera.
Quanto à intensidade ela poderá ser forte,
Iluminação em três pontos
ou fraca, ou exata. Já no caso da natureza
teremos: a luz direta, a luz rebatida, a luz fil-
trada, a luz dura e a difusa. O domínio deste
conceito é essencial para o cineasta.

Ideal seria que pudéssemos utilizar ape-


nas a luz do sol, seria mais barato e menos
complicado. No entanto, a luz do sol quando
não filtrada por uma nuvem, ou pela névoa,
é uma luz dura e provoca sombras intensas,
então não teríamos o controle sobre sua na-
tureza.

A outra questão é que ficaríamos à mercê


da posição do sol, assim, não teríamos con- Fonte da imagem: http://www.
trole sobre a direção da luz, tampouco de videoccasions-nw.com/volitbas.html

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História da Linguagem Áudio Visual

18.3. A luz de ataque ou luz chave (KEY 18.5. Contraluz (Back Light):
LIGHT)
Esta é a luz que toca o objeto ou a perso-
Poderemos adotar, a princípio, o sol como nagem, vindo por trás, ela ilumina sua parte
ataque. Ele será a luz que incidirá diretamente posterior. A contraluz tocará os cabelos da
sobre o objeto, ou a personagem. Sua função personagem e criará um afastamento desta
é valorizar a dimensão e forma do objeto. em reação ao fundo do quadro, acentuando o
contorno de suas formas. Consideramos con-
Key light traluz toda aquela que venha de um ponto
que esteja além do eixo de 180º em relação
à câmera relembrando uma luz do lado de lá
do eixo - até o ponto em que ela esteja di-
retamente atrás da personagem, numa linha
direta a câmera, produzindo uma silhueta.

Contraluz Back Light

Fonte da imagem: http://zip.net/bplSsW

18.4. A luz de compensação FILL LIGHT

É a luz de preenchimento que completa a


iluminação da luz chave.
Fonte da imagem: http://joanaribeirocef2.webnode.pt/contraluz/
Fill light

19. Referências Bibliográficas


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Paulo: Brasiliense, 2006.

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lo: Perspectiva, 1992.

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Fonte da imagem: http://www.prophotonut.com/2009/01/24/ cinema e vídeo: História, teoria e práti-
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