Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ROTEIRO LITERÁRIO
Aquele cigarro guardado no bolso significava pra Thiago a garantia de uma
tragada noturna; um momento em paz consigo mesmo, exercitando a reflexão dos
próprios pensamentos. Apesar disso, cedeu o cigarro a Manoel, foi fraco! Deixou que
uma noite de sentimentos confusos, regados a bebida, pesassem sobre a sua decisão.
Já não conseguia aproveitar o momento. As risadas se tornaram forçadas, a
cerveja já não mais refrescava; começava a dar ânsia, mas bebia assim mesmo; bebia,
pois queria pensar, e quanto mais pensava, mais bebia. Os pensamentos beiravam a
imoralidade, o deixavam com a alma pesada; bebia para se abster da culpa, afinal, se
tornaria uma pessoa desprezível, se chegasse ao ponto de testar a lealdade de Manoel.
Contudo, queria se assegurar de que suas suspeitas não eram infundadas, já
não era o dinheiro que importava, e sim a reciprocidade; a consideração; a amizade
demonstrada por meio da generosidade.
Com o cigarro de Thiago em mãos, Manoel consegue o que queria, não precisa
mais fazer o jogo da sedução; jogo, este, percebido por alguns integrantes da mesa,
em especial Bruno, um bom amigo que, notando a manipulação, pediu um a varejo
para tentar curar a pobre alma lesada que se tornara Thiago.
Manoel sai do bar, deixando um rastro de indiferença para trás, além de um
pseudo carrasco - Thiago perdera o carinho, levantara as torres de vigia do seu coração
e se preparava para o Teste.
Não se orgulhava de usar isso com seus companheiros, habilidade tão
manipulativa que o igualava a um sociopata em potencial, mas foi necessário;
Na semana seguinte, Thiago deu início ao show de marionetes. Pagou a rodada
inicial, teceu pequenos comentários sobre o dia emocionalmente estressante que
tivera no consultório, esperando causar gatilhos que gritassem por uma forma de
relaxamento (estímulo ao tabagismo coletivo) e observou as reações de Manoel. Como
imaginou, haviam sinais de ansiedade, como boca seca, perna inquieta, tez levemente
suada, como um viciado em abstinência; mas um viciado falido. Raramente Manoel
tinha dinheiro no bolso, nem moral o suficiente para ter uma conta no bar - vivia nas
costas dos outros, mas eles também estavam cansados do venha a nós, e Thiago sabia.
Por ventura, Manoel encontrou 1 real perdido no chão do bar; não
coincidentemente, o mesmo que Thiago deixou cair. Levantou e se dirigiu ao balcão,
pedindo um cigarro. Quando voltou, se sentou e acendeu em silêncio, mas ele não
precisava dizer nada; todos leram a linguagem não verbal e repudiaram o egoísmo,
incluindo Bruno, que não só analisou a situação e reconheceu o individualista, como
humilhou o Manoel em público, a ponto de ele sair do bar.
Já em casa, Thiago se deitou sobre o colchão, abriu a gaveta do criado-mudo e
tirou o maço de Dunhill lá de dentro. Acendeu um cigarro, deu duas tragadas e caiu na
gargalhada, se sentindo realizado:
- É igual a andar de bicicleta, a gente nunca esquece, disse ele.