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SUMÁRIO
1. ROTEIRO – UMA HISTÓRIA CONTADA POR IMAGENS E SONS ............. 5
2. CINEMA: LINGUAGEM UNIVERSAL............................................................ 8
3. PROCESSOS DE CRIAÇÃO DO ROTEIRO; 1º PASSO: OBSERVAÇÃO . 10
3.1. Exercício de criação ............................................................................ 11
4. FILMES SEM ROTEIRO; EXISTEM? .......................................................... 13
5. O TERROR DOCUMENTAL NO CINEMA E NO RÁDIO ............................ 17
6. ROTEIROS DO TEATRO PARA O RÁDIO, PARA O CINEMA, PARA A
TELEVISÃO ..................................................................................................... 19
7. CINEMA - A SÉTIMA ARTE ........................................................................ 22
7.1. Exercício de criação ............................................................................ 25
8. CINEMA - FOTOGRAFIA EM MOVIMENTO ............................................... 26
8.1. Exercícios para fixação de conteúdo ................................................. 29
9. O CINEMA É SEQUENCIAL E A TV FRAGMENTÁRIA ............................. 31
10. O CINEMA PRIMITIVO. GRIFFITH E A ESCOLA SOVIÉTICA DE
EISENSTEIN .................................................................................................... 34
10.1. Exercícios para fixação de conteúdo ............................................... 35
11. PLANOS DE ENQUADRAMENTO ............................................................ 37
11.1. Enquadramento .................................................................................. 37
11.2. Os principais Planos e enquadramentos são .................................. 39
12. TIPOS DE MOVIMENTO DE CÂMERA ..................................................... 41
12.1. Movimentos de câmera habituais ..................................................... 42
12.2. Movimentos Internos de Câmera ...................................................... 43
12.3. Exercícios ........................................................................................... 43
13. CINEMA NO BRASIL ................................................................................ 45
13.1. Dois exemplos magníficos de roteiros brasileiros ......................... 45
14. O ENREDO O ARGUMENTO E O ROTEIRO: TUDO É CINEMA ............. 55
14.1. O argumento ....................................................................................... 55
15. O ESQUELETO DE ROTEIRO; PRIMEIRO SEGUNDO E TERCEIRO
TRATAMENTOS DE UM ROTEIRO ................................................................ 59
16. OS PERSONAGENS ................................................................................. 64
16. 1. Passo a passo para criação de personagens ................................. 66
17. CONCLUSÃO ............................................................................................ 72
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 74

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA .................................................................. 74

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Objetivos da disciplina:

Fornecer aos participantes os conceitos e fundamentos da estrutura da


narrativa audiovisual, com a finalidade de capacitar os alunos nas técnicas de
estruturação, desenvolvimento e redação do roteiro para cinema, e também
para a televisão. Apresentar exercícios de estruturação de roteiros para
treinamento e aprofundamento das informações oferecidas.

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1. ROTEIRO – UMA HISTÓRIA CONTADA POR IMAGENS E SONS

Existem muitas perguntas que um aluno aspirante à roteirista deveria se


fazer numa oficina de criação. Três delas são fundamentais, as outras todas
que ocorrerem - já que escrever para cinema é um eterno aprendizado - virão
aos poucos, quando este já for capaz de desenvolver seus próprios trabalhos
de criação. A primeira delas é aparentemente óbvia, mas nada simples em
termos de criação: O que é um roteiro? A segunda pergunta: - O que vem a ser
um roteirista? E a terceira delas: O roteiro de fato é necessário para que um
filme aconteça?

Numa definição muito particular eu diria que roteiro é uma espécie de


arquitetura linguística estruturada para a imagem. Concebido para funcionar
entre o texto e a imagem, o roteiro é uma forma singular de literatura, onde a
estrutura é fundamental. Roteiro é de fato uma forma curiosa, única e
“arquitetônica” de literatura, pois não deixa de ser uma narrativa. Ocorre que
nesse tipo de narrativa, a divisão em cenas, que por sua vez se dividirão em
texto, diálogo e imagem, é constante. E, ainda, a preocupação com tempo e o
espaço uma necessidade. Assim como a preocupação com o áudio, dividido
em sons e silêncios; trilhas e ruídos ambientais.

Tudo isso faz do roteiro uma espécie de novo idioma e do roteirista um


escritor de índole diferente, pois escreve textos pensando em imagens.
Respondendo a segunda questão sobre o que é de fato um roteirista, diria que
semelhante ao dramaturgo que desenvolve histórias para teatro, este
desenvolve histórias para o filme: uma trama verbal sonora e visual. O roteirista
é um tipo singular de escritor, pois ele pensa e escreve com palavras, mas, na
verdade esta enxergando imagens. Para ele o universo verbal é tão importante
quanto o não verbal. Todo escritor pode se tornar um roteirista, mas para isso
ele deve aprender a “pensar imageticamente”. Isto é: saber estruturar o mundo
da narrativa verbal de forma que ela se transforme em representações
plásticas em movimento. Sem forma, não existe roteiro. E pouco importa se a
narrativa a se desenvolver for clássica ou experimental, a necessidade de
saber formatar um roteiro será a mesma para ambos os casos. O escritor que
se aventurar nessa arte terá que conhecer certas regras básicas para

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conseguir desenvolver seu roteiro de maneira que seja aceito em qualquer
padrão europeu, americano ou asiático. Nessa questão da compreensão
universal de um roteiro, pode-se responder a terceira pergunta: - O roteiro de
fato é necessário para que um filme aconteça?

Sim, não só necessário como fundamental. Lembrando o que sempre afirmou


o grande cineasta japonês dos anos 1960, Akira Kurosawa, nas diversas
entrevistas que deu ao longo de sua brilhante carreira; “com um bom roteiro,
um grande diretor pode fazer excelentes filmes, um diretor medíocre pode fazer
um filme razoável. Mas com um mau roteiro, mesmo um grande diretor não
consegue fazer nada” (COUSINS, 2013: 47). Esta colocação de Kurosawa
ilustra exemplarmente a importância do roteiro para a qualidade de um filme, e
quanto um diretor depende de bons roteiristas para desenvolver sua arte.
Ilustra ainda a enorme ligação que esses dois profissionais devem ter para que
a obra ocorra. E quando isso não acontece muitas vezes o próprio diretor
escreve seus filmes, pois a base de todo o funcionamento da sétima arte é a
soma de roteiro e direção; o casamento perfeito entre diretor e roteirista e uma
verdade que poucos sabem: Todo filme começa no papel (Fig. 01).

Fig. 01: Cena do filme “Trono Manchado de Sangue” de Akira Kurosawa (1957). Fonte
da imagem: http://www.planocritico.com/critica-trono-manchado-de-sangue/ (acesso:
20/09/2017).

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O filme “Trono Manchado de Sangue” é um dos grandes filmes do mestre
japonês Akira Kurosawa. Trata-se de uma adaptação primorosa da peça
“Macbeth” do dramaturgo inglês William Shakespeare para o universo japonês
medieval, do Período Sengoku. Neste filme, por exemplo, o próprio Kurosawa
participou do roteiro ao lado de outros três roteiristas. A saber, Hideo Oguni,
Shinobu Hashimoto e Ryuzo Kikushima.

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2. CINEMA: LINGUAGEM UNIVERSAL

O filme é uma linguagem universal, e o roteiro que o precede – que de fato


é sua forma escrita – deve ser também, consequentemente uma linguagem
universal. A falta de uniformidade no roteiro impedirá que o roteirista participe
de qualquer diálogo inicial com o expectador. Tanto faz se no Japão, China,
Mongólia, Estados Unidos ou nos países europeus, a atenção dada à
formatação de um roteiro é total, padronizada; ao contrário do que ocorre no
Brasil, em que muitas vezes a falta de conhecimentos técnicos faz com que
cada autor escreva seus roteiros como que quiser e o diretor tem que penar
para compreender. Apesar de ainda hoje acontecer assim, isto em geral não
funciona; pelo contrário, atrapalha o desenvolvimento da própria trama da
história que será filmada.

A arte cinematográfica é uma arte industrial e madura, feita por uma


equipe de profissionais. A saber: O pesquisador, o diretor e o argumentista; o
diretor de fotografia, o maquinista e o técnico de áudio e luz; o produtor; o
cenógrafo, o diretor de arte, os atores e o figurinista; o maquiador, o
contrarregra; o músico “trilheiro”, o montador e o finalizador, além de todos os
assistentes. Isto num filme simples e de baixo orçamento. Imaginem vocês o
que são as superproduções hollywoodianas, enquanto equipe: Num filme de
2003, “Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei”, por exemplo, é possível que
tenha envolvido mais de 100 profissionais em sua realização. Por isso, o
escritor que se aventurar nessa profissão deve saber que jamais atuará
sozinho, e que deve constar no roteiro a indicação das tarefas de cada um dos
profissionais envolvidos num projeto cinematográfico, por menor que seja o
filme.

Um roteiro contém todas as indicações de planos e luz para o diretor de


imagem; as deixas de produção para os produtores; as falas e características
dos personagens para os atores; o cenário a se construir para o cenógrafo e o
diretor de fotografia; e assim para todos os técnicos e envolvidos numa
produção audiovisual; portanto um roteiro não pode ter erros e deve ser claro o
suficiente no seu passo a passo para que cada profissional possa interagir com
ele. Isto não é fácil, pois trata de muitas responsabilidades, já que tanto a alma

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quanto o funcionamento de uma obra cinematográfica esta justamente no
roteiro e na direção. E é no roteiro inclusive que se embute o orçamento e a
indicação projetiva de público. De tal forma, que para se chegar nessa
excelência de construção verbal e imagética o roteirista terá que aprender esse
“novo idioma”, complexo, icônico e absolutamente necessário para o
desenvolvimento de sua narrativa. Sem o desenvolvimento correto dessa
prática, o roteirista se distanciará de sua própria função, que é a de contar uma
história através dos diálogos e das cenas bem construídas de um filme, para
que este se sustente na tela e diante de seu público (Fig. 02).

Fig. 02: Cena final do filme “Casablanca”, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman,
direção de Michael Curtiz; roteiro de Julius J. & G. Philip Epstein e Howard Koch,
considerado o melhor roteiro de cinema de todos os tempos. Fonte da imagem: https://s-
media-cache-ak0.pinimg.com/originals/35/8d/4b/358d4b692ada1ff1db1041824a089357.jpg
(acesso: 2/10/2017). Leia a história do filme em: https://jeocaz.wordpress.com/2009/07/14/
(acesso: 2/10/2017).

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3. PROCESSOS DE CRIAÇÃO DO ROTEIRO; 1º PASSO: OBSERVAÇÃO

Ter um bom texto e gostar de literatura e cinema faz parte da formação


de um roteirista. Mas sem aprender algumas regras básicas de roteiro ele não
irá longe. E sem dedicação para desenvolvê-lo no papel também não. Escrever
um roteiro é contar uma história para alguém. Essa história surgirá de boas
ideias que infelizmente podem ser desperdiçadas. Por isso ao surgir uma boa
ideia ela deve ser anotada pelo roteirista, que deve ainda estar sempre atento
ao mundo em redor, pois as pessoas e ambientes cotidianos podem ser muito
úteis ao seu processo de criação. Quando temos uma ideia ela pode surgir por
pura inspiração ou pode ter sido intencionalmente trabalhada para se integrar
aos objetivos do diretor. Nesse último caso, o roteirista deve procurar
primeiramente se identificar com o projeto em questão, para conseguir criar.
Quase todos os roteiros são encomendas e, nesses casos, o roteirista está a
serviço do ato de criar e pensar em direção a determinado tema solicitado.

Isso ocorre quando o roteirista é contratado, por exemplo, para


desenvolver uma adaptação, uma peça publicitária ou um filme quer seja
publicitário ou de entretenimento ou ainda de arte, para um grande diretor.
Nessa hora não vale dizer que se está sem inspiração, pois o roteiro deverá
sair de qualquer jeito. Por isso, o exercício de estar sempre com papel em
mãos, e anotar tudo de interessante que surgir ao redor, quer sejam cenas nas
ruas ou em cenas de família pode ser uma boa medida de inspiração até para
as horas de escassez criativa. O fundamental é não deixar que aquele
importante momento de inspiração se perca, pois ele poderá significar o início
de um enredo de uma bela história para cinema ou para televisão.

Não podemos esquecer que o roteirista difere do dramaturgo justamente


por uma questão de autonomia. Todo roteirista esta integrado numa equipe de
criação e depende do diretor para criar, do casamento perfeito entre roteiro e
direção. Já o escritor de teatro pode desenvolver peças e publica-las em livro,
para um dia serem encenadas ou não, mas com certeza poderão ser apenas
lidas pelo público leitor. Um dramaturgo muitas vezes escreve peças para todo
mundo e para ninguém. Um roteirista, com exceção dos casos em que é ele o
próprio diretor e financiador de seu filme, não tem essa liberdade. Ninguém faz

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roteiro para ficar na gaveta esperando um diretor. Roteiros são pedidos de
encomenda (Fig. 03).

Fig. 03: Roteiros geralmente são pedidos sob encomenda. Podem vir de um diretor de
cinema ou TV, de um documentarista ou de uma agência de propaganda. Fonte da
imagem: https://marceloribeirouk.wordpress.com/2012/05/16/o-que-e-um-roteiro-de-
cinema/ (acesso: 02/10/2017).

E se o pedido de roteiro vier por contrato num momento sem inspiração, vá


para o computador e comece a escrever tudo o que vier na cabeça. Mesmo
que seja apenas para ensaiar, pois uma hora a boa ideia surgirá. Essa técnica
tem salvado muitos roteiristas desesperados. Experimente.

3.1. Exercício de criação

Faça este exercício de laboratório de criação e veja que resultados


interessantes ele pode trazer:

a) Em frente de uma máquina comece a escrever aleatoriamente e sem pensar


palavras soltas que venham à cabeça.

b) Depois de uns 5 minutos dessa escrita automática, leia o que escreveu e


escolha cinco palavras que te inspirem.

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c) A partir delas desenvolva uma história utilizando todas às cinco palavras.
Pronto, a partir desse exercício simples será desencadeado todo um processo
de criação.

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4. FILMES SEM ROTEIRO; EXISTEM?

Sim, já existiram filmes “aparentemente” feitos sem um roteiro pré-


determinado. E isto ocorreu tanto em filmes de arte quanto de entretenimento.
Ainda hoje existe a possibilidade de um filme ser feito dessa maneira. Mas são
filmes, na verdade, em que o roteiro, longe de não existir, está todo na cabeça
do diretor. Diria, para ser precisa, que o roteiro não esta desenvolvido no papel
e não foram distribuídas cópias para a equipe técnica, atores, assistentes.
Funciona como um jogo de acaso onde as partes vão se formando e fazendo
sentido segundo a orquestração do diretor. De outra forma, não funcionaria.
Ainda que pouco usual é um fenômeno próprio de filmes experimentais e não
do cinema clássico, alguns filmes funcionam dessa maneira. E o que não se
resolver no sete de gravação, o que ficar truncado ou obscuro, o diretor
acabará tendo que resolver na ilha de edição ou na montagem (Fig. 04).

Fig. 04: O excelente cartaz promocional do filme “A Bruxa de Balir” (1999), onde se
anuncia o desaparecimento misterioso de 3 estudantes em uma floresta. Fonte da

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imagem: http://br.web.img2.acsta.net/medias/nmedia/18/93/98/96/20293294.jpg (acesso:
02/10/2017). Um filme feito sem roteiro.

Um bom exemplo desse tipo de procedimento pouco usual no cinema


ocorreu no processo de criação e direção da primeira versão de “A Bruxa de
Blair”, lançado em 15 de setembro 1999 e sucesso instantâneo assim que
chegou aos cinemas. Com um orçamento enxuto e pequeno de US$ 60 mil,
esse filme rendeu aos seus produtores US$ 248 milhões. Foi de fato uma
experiência interessante para um filme de entretenimento. .A história se passa
no coração de uma das florestas da região de Milwaukee, onde um grupo de
estudantes resolve acampar e acaba sendo perseguido por perigos invisíveis e
aterradores, que nunca são completamente desvendados. Um dos segredos do
filme está justamente nessa indefinição do perigo, que consegue prender o
espectador justamente por que este sabe que o mal é mais terrível quando é
impossível de prever do que se trata. Está presente no rosto congestionado
das vítimas, registrado numa das câmeras e no vazio inexplicável da desolada
paisagem ao redor. Mas nunca se revela. Até o final! Nunca se revela!

“A Bruxa de Blair” tinha argumento, tinha script; e o roteiro foi apenas


indiciado no papel e não foi distribuído para os envolvidos, pois a direção
funcionava como uma espécie de jogo de RPG proposto aos atores;
orquestrado pelo diretor e filmado com duas câmeras, uma digital e outra em
película, num misto de documentário e ficção. Esse filme de terror singelo –
mas assustador – conseguiu provar com seu pequeno experimento, que nessa
área do audiovisual ainda há muito que ousar. Mostrou que um filme realizado
com inteligência não precisa de aplicações astronômicas de dinheiro para dar
certo. E que uma obra funcional, se bem divulgada de forma singular, usando
os recursos de seu tempo, como as redes sociais e um pequeno truque
jornalístico, uma brincadeira entre verdades e mentiras, pode sim atrair seu
público de forma surpreendente. Nestes tempos de internet e de cinema
celular esse filme é um exemplo.

Foi ousado desde a forma como se divulgou, fingindo que o


desaparecimento dos personagens principais, pura ficção, tratava-se de um
fato real, conseguindo com isso se tornar viral na Internet com um pedido de
socorro. Quando se descobriu que essa história não passava de uma farsa

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para divulgar o filme, o público alvo já havia sido capturado e lotava os cinemas
para ver o desfecho da trama.

“A Bruxa de Blair” provou que apesar do público de hoje estar mergulhado


no mundo das imagens e da informação, o censo comum ainda é permeável à
mítica das verdades ditadas pelos meios de comunicação. Tanto faz se no
rádio ou no audiovisual; dependendo do tom da notícia o público acaba
acreditando como verídico mesmo o impossível (Fig. 05).

Fig. 05: Uma cena marcante do filme “A Bruxa De Blair” de 1999. Posteriormente, a
história foi refilmada em 2016, mas sem o mesmo impacto do filme inicial. Fonte da
imagem: http://ift.tt/2d5fwtz (acesso: 03/10/2017).

Neste filme de terror psicológico e suspense, lançado em outubro de 1999


no Brasil, com sucesso absoluto como em outras partes do mundo, três jovens
cineastas desaparecem ao entrar em uma floresta de Maryland para gravar um
documentário sobre uma lenda local conhecida como A Bruxa de Blair. Todos
desaparecem. Anos depois, a câmera que usavam é encontrada, mas o filme

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encontrado dentro dela revela apenas rostos assombrados de pânico e não o
que ocorreu.

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5. O TERROR DOCUMENTAL NO CINEMA E NO RÁDIO

Falo neste capítulo sobre o rádio, por que um fenômeno semelhante ao


dos efeitos públicos obtidos pelo diretor com seu filme “Bruxa de Blair” na
divulgação - onde uma multidão preocupada de espectadores acompanhava
apreensivo o que podia ter ocorrido com os jovens perdidos numa floresta
assombrada - já havia tido um correlato em 1938, com o roteiro radiofônico
desenvolvido pelo jovem aspirante a cineasta, Orson Welles: só que daquela
vez, o futuro cineasta anunciava alarmado um ataque de Marcianos perigosos
que invadiam o Planeta Terra. Foi assim que tudo ocorreu:

No dia 30 de outubro daquele ano, a programação normal da rede CBS de


rádio americana Columbia Broadcasting System foi interrompida para anunciar
em primeira mão uma invasão extraterrestre que estava prestes a ocorrer.
Tratava-se apenas de uma adaptação, muito convincente, de um livro inglês de
ficção, chamado “A Guerra dos Mundos”, “de Herbert George Wells, que
imaginara em sua obra fantástica uma terrível invasão marciana em Londres,
na Inglaterra. Welles transformou a chegada apavorante de naves
extraterrestres, que se espalhariam pelo mundo num fato: Afirmava febril que
a cidade de Grover's Mill, no estado de Nova Jersey, nos Estados Unidos, já
estava dominada.

O pânico desencadeado com a polêmica notícia se estendeu por toda a


costa leste do Estado Unidos, e veio ressoar em Nova Iorque. Orson Welles,
responsável pela dramatização genial e convincente do espetáculo, na época
era apenas um ator e diretor absolutamente desconhecido, mas precisou de
apenas uma hora de programa, para marcar definitivamente a história do rádio,
bater a audiência da emissora concorrente NBC e se tornar um mito.

Mais de seis milhões de espectadores assombrados passavam a sintonizar


o rádio, na medida em que a notícia corria, parecendo não entender o que
havia sido dito no inicio do programa, que aquilo era mais um rádio teatro
semanal. Welles escolheu com muito humor fazer sua transmissão às
vésperas do Halloween, famoso dia das bruxas americano. O roteiro foi todo
reescrito por ele próprio, que na peça fazia papel de um professor universitário

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da Universidade de Princeton, que tentava liderar uma resistência contra os
extraterrestres. Realizou seu intento usando o estilo dos rádio jornalismo da
época, que funcionava em forma de relatos onde testemunhas do
acontecimento, autoridades, peritos e efeitos especiais de sonoplastia
concorriam para que tudo parecesse verdadeiro. Não faltaram para tanto os
gritos e suspiros comovidos de testemunhas do acontecimento, ao lado de
repórteres que o cobriam. Esse já era seu 17º programa de uma série semanal
de adaptações radiofônicas que vinha realizando no Rádio Teatro Mercury.

Pelo menos um milhão de espectadores acreditaram que tudo fosse


verdade, transformando essa obra num marco da história do rádio do século
XX e fonte de estudos de como os meios de comunicação podem influir no ser
humano de forma total. E para nós dentro deste estudo interessa
principalmente constatar que toda essa extravagância e sucesso foram
conquistados apenas por ter existido um roteiro bem construído (Fig. 06).

Fig. 06: Imagem do jovem Orson Welles quando irradiava “Guerra dos Mundos” –
sucesso e pânico da história do rádio em 1938. Fonte da imagem:
http://br.web.img3.acsta.net/rx_640_256/b_1_d6d6d6/newsv7/17/09/19/22/36/0640346
.jpg (acesso: 20/09/2017).

SAIBA MAIS
Assista ao filme sobre o programa de rádio de Welles em 1938. Vale a pena. Endereço: You
Tube: Orson Welles - Guerra dos Mundos:
https://www.youtube.com/watch?v=lt8pWcrtzM0 (acesso: 02/10/2017).

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6. ROTEIROS DO TEATRO PARA O RÁDIO, PARA O CINEMA, PARA A
TELEVISÃO

Nos primórdios do cinema os roteiristas se inspiravam inúmeras vezes na


estrutura dramática das peças de teatro; mas com o tempo foram descobrindo
um formato próprio de criação verbal. Os roteiros beberam do teatro,
emigraram para o rádio, ganharam total independência no cinema e mais
adiante se adequaram à Televisão (Fig. 07).

Fig. 07: O roteiro para teatro deve considerar que esse tipo de espetáculo mantém
uma conexão mais profunda entre o público e os atores, porque o público está vendo a
história do personagem acontecer bem à sua frente, como se estivesse espreitando a
vida real de um estranho. O cinema é limitado a uma tela bidimensional, mas tem
recursos muito mais amplos de performance e exibição das imagens e dos
personagens, através de diferentes ângulos de câmera, efeitos especiais ou
mudanças de cenário. Fonte da imagem: http://www.americantheatre.org/wp-
content/uploads/hamilton-1280x770.jpg (acesso: 03/10/2017).

. Fato é que todo cinema clássico precisa de roteiro e dos roteiristas para
existir. Isto por que roteiro, como o próprio termo indicia, é a formatação escrita
do que ocorrerá nas filmagens: O registro orquestrado das gravações,

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estipulando no papel o que se espera de cada um dos envolvidos numa trama
cinematográfica. A maneira como uma história é desenvolvida no argumento
percorrerá as filmagens. Por isso, desmentindo certa mística corrente no Brasil,
ele não é uma camisa de força que existe para restringir a criatividade do
escritor, e sim para ajudar na criação de um texto feito para cinema. Assim
como o pintor deve dominar tintas e pincéis para pintar, o Gourmet suas
receitas e seus apetrechos de cozinha para uma boa comida; um músico deve
dominar um instrumento musical e partituras para compor; um roteirista, além
de dominar regras gramaticais básicas de seu idioma para escrever, terá que
dominar certas regras básicas de formatação de um roteiro para desenvolver
sua história.

No roteiro, a importância da integração entre texto e imagem é


fundamental. E o texto está a serviço da imagem a tal ponto, que os franceses
– de fato os inventores do cinema – chegam a chamar o roteiro de “Scenario”
(em português, cenário), para que isto fique muito claro. Para eles, a narrativa
cinematográfica é principalmente o suporte da imagem. Pois não está
trabalhando a favor da linguagem verbal, como a poesia, o conto, os romances,
mas para as cenas de um filme, para que os filmes se façam com imagens.
Mas é lógico que devemos desconfiar dessa visão francesa tão radical, de que
um roteiro seja apenas uma moldura para os filmes; na medida em que mesmo
nele, a literatura continua a existir nos diálogos, por exemplo, que devem ser
brilhantes. Diria que ao lado do argumento, o roteiro é o início de tudo; uma
etapa fundamental para que uma história de cinema possa existir.

Um roteiro é um documento que descreve todos os elementos auditivos,


visuais, comportamentais e linguísticos necessários para contar uma história.
Por que "descreve"? Porque o filme é um meio altamente colaborativo; o
diretor, o elenco, o diretor de filmagem e a equipe de produção, com base no
"esboço" do roteirista, interpretarão a história contida nele quando forem
produzir a filmagem. Eles podem consultar o roteirista, ou eles não podem.
Outros escritores podem ser trazidos ou o roteirista pode ser solicitado a
reescrever todo o assunto. Essa é a vida, no mundo dos roteiros. Mas, uma vez
que tantas pessoas estão envolvidas na fabricação de um filme, um roteiro
deve estar em conformidade com os padrões que todas as partes envolvidas

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entendem e, portanto, tem um formato ou layout específico, margens, notação
e outras convenções. Este documento (roteiro) destina-se a visualizar os
elementos típicos utilizados na escrita de toda narrativa.

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7. CINEMA - A SÉTIMA ARTE

Os roteiros podem ser considerados, em função de sua estrutura imagética,


sonora e verbal, parte das chamadas linguagens intersemióticas (que usam
mais de um signo na organização de uma mensagem). Isto é, transitam no
verbal, mas estão entrelaçados e comprometidos com o não verbal. São
formatados através de textos, que mesmo apoiados no universo verbal,
transitam o não verbal. Como no teatro, a literatura de um roteiro esta nos
diálogos e a poesia nas imagens propostas, que logo se tornarão fatos nas
telas de cinema.

Essa instância Intersemiótica do cinema, que o faz uma arte síntese de


outras artes, como a pintura, a arquitetura, o teatro, a música etc., possibilitou
que fosse visto como a Sétima Arte. Essa denominação e classificação
surgiram pela primeira vez no “Manifesto das Sete Artes” idealizado pelo crítico
e teórico de cinema do início do século XX, o futurista italiano Recito Canudo.
O ensaísta desenvolveu seu Manifesto em 1911, mas só conseguiu torna-lo
público 12 anos depois, em 1923 (COUSINS, 2014). Canuto, igual ao cineasta
russo Serguei Eisenstein, percebeu que o cinema era o que chamou de arte-
síntese, que, apesar de servir as massas, tinha a singularidade de aglutinar em
sua estrutura muitas outras categorias de expressão artística. Portanto, deveria
estar dentro dessa categoria, ser parte integrante das chamadas Belas Artes.
Isto é, somando-se à música, a pintura, a arquitetura, a escultura, a dança e a
poesia.

Se formos nos guiar pela escola soviética de cinema, além de


considerarmos essa categoria de expressão artística como algo intrínseco e
essencial ao cinema, também devemos considerar a roteirização como
fundamental. Um dos grandes pensadores de cinema, o cineasta russo do
início do século XX, Vsevolod Pudovkin, ensinou em seu ensaio “Argumento e
Realização”, que foi reeditado em 1981 pela editora Arcádia (PUDOVKIN,
1981), e que pode ser encontrado na Estante Virtual, que um filme começa no
argumento e termina na montagem: e se ao longo do caminho a montagem
diferir do argumento inicial, razão primeira do filme, este fracassou.

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Pudovkin considera em seus estudos, que toda atenção do espectador
se encontra na montagem do filme, ou seja, o objetivo do diretor deve ser o de
orquestrar a atenção do público através da narrativa, e em função da
montagem pela somatória de planos até seu desfecho total, onde o espectador
participaria em partes dos elementos relevantes da ação. Assim, o que é um
argumento? O que é montagem? Passaremos imediatamente a esses capítulos
do processo de criação de um roteiro. Antes disso, vamos sedimentar na mente
e no coração que o roteirista é um escritor que se aventura no mundo das
imagens. Para tanto não basta que ele adore e conheça profundamente a
literatura, como todo grande escritor, mas que também, e antes de tudo, seja
um cinéfilo; só assim poderá exercer com mestria sua profissão.

Quem não gostar; não puder amar e compreender uma bela fotografia em
movimento, base do cinema, jamais será um bom roteirista. Da mesma forma,
se não gostar de ler e escrever, que não se aventure nessa arte e profissão,
pois seus parâmetros de construção narrativa e de montagem são todos
baseados na arte literária. O cinema clássico, enquanto narrativa, se deixou
influenciar pelo romance francês e inglês do século XIX. E enquanto estrutura
foi beber inclusive das figuras de linguagem literárias. Os aspectos de
aproximação entre cinema e literatura são tantos, que acabaram por encantar
alguns dos grandes escritores do século XX, como os argentinos Jorge Luís
Borges e Júlio Cortázar e nosso grande poeta maior, João Cabral de Melo
Neto, além do poeta e compositor popular Vinícius de Morais, amigo de Orson
Welles, na época em que foi cônsul do Brasil nos Estados Unidos. Todos eles
adoradores do chamado Cinema Silencioso ou Mudo.

Alguns desses escritores, inclusive, não só foram amigos pessoais


de cineastas, como se arriscaram a desenvolver roteiros para cinema, ou ver
suas obras adaptadas, algumas delas obtendo muito sucesso. É o caso de
Jorge Luís Borges, que escreveu muitos roteiros a duas mãos com seu
parceiro de literatura Bioy Casares. Borges ainda teve a felicidade de assistir a
adaptação e filmagem de um de seus contos: “Tema Del Traidor y Del Herói”,
pelas mãos certeiras do diretor italiano Bernardo Bertolucci, com o nome de “La
Estratégia Del Ragno” – em português, ”A Estratégia da Aranha”.

23
Nosso poeta e escritor Vinícius de Moraes teve a felicidade de ver sua
peça teatral “Orfeu Negro da Conceição” se transformar num filme ítalo –
francês – brasileiro: “Orphée Noir”; na Itália: “Orfeo Negro”, de 1959, dirigido
por Marcel Camus e com roteiro adaptado por Camus e Jacques Viot. O filme
foi sucesso de crítica e público, e ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro
em 1960. Apenas como curiosidade, esta foi à primeira produção de língua
portuguesa a levar a estatueta cobiçada. Outra curiosidade é que a trilha
sonora é de Tom Jobim e Luís Bonfá, além de músicas do próprio Vinícius de
Moraes e do compositor, Antônio Maria (Fig. 08).

Fig. 08: Cena com Marpessa Dawn e Breno Mello no filme “Orfeo Negro”, peça teatral de
Vinícius de Moraes adaptada para o cinema em 1959, dirigido por Marcel Camus. Fonte da
imagem: http://ultimosegundo.ig.com.br/visitaobama/obama-descobriu-brasil-em-1983-
com-orfeu-negro/n1238177528724.html (acesso: 03/10/2017).

Os escritores, mesmo quando reconhecem a aproximação entre cinema e


pintura, sabem que este também é uma arte próxima do sonho e da literatura.
Lembrando que para muitos deles, como Jorge Luís Borges e seu parceiro de
criação Bioy Casares, sonho e literatura são quase o mesmo. Como afirma
BORGES em seu livro “Cinco Visões Pessoais” (1985: pág.5): “Um livro é feito
de sonhos e memória, a literatura é parte essencial da realidade e não é menos
real do que os sonhos dos homens, a escritura dos sonhos”.

24
Para o escritor, o importante é sonhar e ser sincero com o sonho quando se
escreve. Uma lição que deveria ser compreendida pelos roteiristas, pois
nenhuma outra arte, além da literatura, soube unir com tanta perfeição sonho e
realidade quanto o cinema. Na medida em que o roteirista escreve um texto
pensando nas imagens, bem poderíamos defini-lo como um narrador que trama
fatos para a sala escura; para virar realidade virtual dos sonhadores das salas
de projeções. Desta forma, não seria estranho afirmar que o roteirista em
processo de criação é um tipo de escritor que sonha acordado.

7.1. Exercício de criação

a) Como sugestão para uma primeira iniciação sobre a forma como a literatura
vira cinema, vale a pena ler o conto de Jorge Luís Borges – “Tema Del Traidor
y Del Herói” e depois assistir sua adaptação para cinema - “La Estratégia Del
Rango” realizada pelo grande cineasta italiano Bernardo Bertolucci, em 1971.
Esse filme esta disponível na internet (somente em italiano) no endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=UgZ9KZ_cpvU (acesso: 03/10/2017).

b) Como sugestão de segundo exercício leia a belíssima peça de teatro: “Orfeu


Negro da Conceição” escrita pelo poeta e compositor Vinícius de Moraes e
suas duas adaptações para cinema. A primorosa montagem cinematográfica
ítalo –francesa- brasileira, “Orphée Noir”; na Itália, “Orfeo Negro” de 1959,
dirigido por Marcel Camus e com roteiro adaptado por Camus e Jacques Viot,
música de Tom Jobim. E depois uma adaptação mais comercial realizada pelo
cineasta Caca Diegues, nos anos 1999, com atores globais e o cantor Tony
Garrido no papel principal de Orfeu Negro. Música de Caetano Veloso.
Compare a estrutura de montagem e a adaptação desses dois trabalhos e tire
suas conclusões sobre tais roteiros. Um resumo do texto está disponível em:
http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/teatro/pecas/orfeu-da-conceicao
(acesso: 03/10/2013).

c) Para quem for fã de terror vale a pena assistir “A Bruxa de Blair”, versão
original de 1999 e procurar na Internet alguns estudos sobre essa montagem e
sua forma de divulgação.

25
8. CINEMA - FOTOGRAFIA EM MOVIMENTO

Para melhor compreendermos o roteiro e seu processo de criação, vamos


primeiro lembrar o que é cinema, uma arte que surge nos meados do século
XIX em consequência e desenvolvimento da fotografia. Nenhuma linguagem
criada pelo homem provocou mais assombro e encantamento do que a
fotografia. Ver-se retratado numa foto é tão surpreendente e revelador, que até
hoje, qualquer pessoa que se olhe pela primeira vez num retrato está sujeita a
sentir algum tipo de estranhamento. Por mais que o ser humano deste quase
um quarto de século XXI tenha se familiarizado com a fotografia, ainda assim
tem muitas defesas ao olhar para sua própria imagem.

As reações são surpreendentes, e muitas vezes a se ver retratado o ser


humano tende, como defesa natural, a enxergar seus defeitos bem mais do
que as qualidades da foto em questão. Muitos se acham magros demais nas
fotografias, outros se acham tristes, outros ainda se incomodam com a gordura
ou a revelação da própria “feiura”. Isto por que a fotografia – com sua
capacidade única de capturar o instante – parece revelar algo que muitas
vezes não percebemos estar ali, no contexto apreendido. Fotos de miséria, por
exemplo, quanto desconforto, horror e revolta são capazes de despertar.
Algumas delas, por isso mesmo, tornam-se emblemáticas ou, como ensina a
semiótica, icônicas.

A fotografia modificou a noção de tempo e espaço, quebrou a aura na


arte; mudou conceitos da pintura – que forçosamente deixava de ser figurativa
e realista, tornando-se abstrata – e criou um tipo de narrativa inédita, pois
compreensível para as massas. Era o início de uma invenção que geraria outra
mais fenomenal ainda: o Cinema. Criado em 1985 pelos irmãos Lumière, o
Cinema não é mais do que a fotografia em movimento. O cinema, criação dos
idos de 1895, na França, tanto pela mão dos irmãos Lumière, quando se trata
de documental e, no mesmo período, ela mão de George Meliès, quando se
trata de fantásticos efeitos especiais e de ficção, de lá para cá não parou de se
reinventar. Uma das maiores descobertas do século XIX tornou-se logo uma
das artes mais marcantes do século XX e adentra o século XXI sem perder o
status.

26
Hoje, século XXI, o cinema está novamente se reinventando. Isso por
causa da internet, dos novos meios de comunicação e das mudanças que se
impuseram com o advento da televisão. Pergunta-se muito que será do cinema
depois das TVs digitais com telões e também das experiências em 3D. Por
enquanto as mudanças não foram suficientes para banir de vez a utilização da
película ou mesmo as salas escuras de projeção. De qualquer forma cinema
hoje se integra as outras artes das imagens em movimento, que vão da
tradicional telinha das TVs caseiras a sua transformação em suporte de vídeo,
e deste para as instalações da vídeo-arte, e dos projetos multimídias, todos
perfeitamente integrados num denominador comum que os define; o chamado
universo audiovisual.

Nesse amplo mercado que se anunciava a partir da sua criação, o cinema


passou a ser mais um meio dentre os múltiplos meios que se desenvolvem no
âmbito audiovisual. O vídeo, principalmente com o desenvolvimento das
filmadoras em celular, esta se tornando uma espécie de caneta mais ou menos
sofisticada de gravação. Com todas essas transformações de um mundo que
tem pressa e onde se expande a pobreza, a película, por ser um meio muito
caro de realização, pode se tornar arqueologia. Facilmente está sendo
substituída pelos meios HD de captação, que se resolvem na montagem com
softwares simples ou sofisticados de efeitos especiais que imitam a película,
até a simples utilização de filtros e de computação, para realizar algo entre
cinema e TV. Vivemos o grande momento das séries dos canais
independentes, e a profecia, que ainda não se concretizou, de que a televisão
está com seus dias contados, pois vem sendo substituída intensamente pelo
computador e pela Internet.

Os novos meios de captação, como o HD e o celular, por estarem


barateando os custos de realização de um filme também tem provocado à
impressão de que poderão fazer com que a película suma de vez, ou mesmo
que, se não sumir, será ao mesmo tempo supervalorizada, por se tornar rara
no mercado das artes audiovisuais. Mas tudo isso ainda são especulações,
num espaço onde todo dia se tem uma novidade tecnológica para baratear os
filmes e modificar o que se entendeu por cinema até aqui. Essas
transformações tem oportunizado o surgimento de um novíssimo diretor

27
independente, que faz seus filmes caseiros e lança na Internet muitas vezes
com certo sucesso. Mas todas essas transformações só reforçam a
constatação da falta absoluta de grandes roteiros, ou de roteiristas que se
adaptem de forma proficiente a essas novas e velozes linguagens e meios
audiovisuais.

Essa verdade, no entanto pode ser positiva e agradar muitos futuros


roteiristas, e por isso mesmo até justificar a existência deste curso; pois o fato é
que o barateamento de novos equipamentos audiovisuais, ao lado da facilidade
de divulgação das produções caseiras e até amadoras pela Internet trouxeram
uma surpreendente realidade para o audiovisual: O surgimento cada vez maior
de realizadores. E se ainda não saíram grandes obras desses novos meios é
fruto do resultado de toda essa transformação, ocorre justamente por que ainda
não surgiu na mesma proporção, um número de roteiristas capaz de
acompanhar esse quadro veloz de acontecimentos (Fig 09).

Fig. 09: A emergência da internet, das mídias sociais e dos novos meios de
autoprodução digital e compartilhamento, propiciou a emergência de um novo tipo de
Hollywood: o YouTube. Milhares de aspirantes a diretor estão tentando se tornar
Youtubers e desenvolver uma carreira lucrativa, ganhar notoriedade e recompensa
financeira. Fonte da imagem: http://www.michaeloliveira.com.br/equipamentos-para-
gravar-videos-para-o-youtube/ (acesso: 04/10/2017).

Isso faz lembrar uma colocação do diretor de teatro Antunes Filho para a
Revista SESC de Cultura de 2016, sobre a decadência do teatro atual. Para

28
ele, parte dessa decadência ocorre por falta de grandes textos teatrais, e
consequentemente de grandes autores de teatro e de literatura; que ele aponta
como um fenômeno brasileiro e mundial. Diz Antunes Filho que sem o grande
texto não há o surgimento do grande ator e sem o grande ator não se pode
conceber grandes textos. Bem, essas questões complexas da produção teatral
bem se aplicam a produção audiovisual. Hollywood está em crise de roteiros e
isso se reflete no excesso de adaptações de quadrinhos e seus heróis para
cinema, e também, ao lado destes, as adaptações de contos de fadas para
adultos. Mesmo no gênero terror, normalmente muito criativo, as produções de
Hollywood não fogem das adaptações de Sthephan King.

O roteiro de cinema sempre bebeu do teatro e da literatura, e se de fato


essas linguagens narrativas estão em crise, deve-se considerar que nesse
aspecto não só o cinema, mas toda essa área de audiovisual também esta em
crise. Inclusive as produções da Internet; e se ainda hoje tudo que se cria para
a Internet é muito amador, com certeza esse quadro vai mudar, e quando
menos se espera em função de tantas realizações o suprassumo de
excelências aparecerá. O certo é que a fotografia foi o início de tudo e que
muita coisa ainda esta por vir. Todo século tem sua arte principal. O século XIX
foi da pintura e da literatura; o século XX foi da Música, do Design, do cinema,
da TV, do Vídeo e das Instalações. Já podemos afirmar que em função do
desgaste de outras artes, inclusive a música pop, o que se prenuncia neste
novo século é o audiovisual. No século XXI o audiovisual é o nosso tempo.

8.1. Exercícios para fixação de conteúdo

a) Como sugestão para uma compreensão do que foi o cinema primitivo,


procurem uma animação de George Melèis na Internet e assistam com
atenção. Vocês vão gostar e vai ser muito útil para compreender o que era
esse cinema de mágica e de trucagem. Comparem com algum dos filmes de
animação do Anima Mundie e vejam quanta influencia o cinema ainda sofre de
Meliès.

29
b) Como sugestão para ter uma ideia do que foi o cinema primitivo de
vanguarda assistam algum filme dos anos 1920. Vou sugerir “Entre Acto” de
Allan Resnair, com a participação espetacular dos artistas plásticos da
vanguarda modernista Marcel Duchamp e Picabia. Vale a pena. Tem na
Internet. (https://www.youtube.com/watch?v=mpr8mXcX80Q – acesso:
04/10/2017).

c) Para quem quiser se aventurar um pouco mais no cinema primitivo, eu


recomendo assistir algum dos filmes dos irmãos Lumière e depois assistir
“L’ Age D´or” – https://www.youtube.com/watch?v=RDbav8hcl5U e “Un Chien
Andalou” - https://www.youtube.com/watch?v=w5rnhZLiqrI (acesso em
04/10/2017); ambos de realizados ainda nos anos 1920, por Luis Buñuel.

30
9. O CINEMA É SEQUENCIAL E A TV FRAGMENTÁRIA

Cinema é sistema ótico, como a fotografia que o gerou - fotografia em


movimento - e significa “Movimento da Luz”; vem da expressão “KINEMA”, do
grego, onde KINE = Luz e Mena = Movimento. Portanto está mais para a
fotografia e para a pintura do que para a música, ou seja, cinema é a arte das
imagens em movimento. Pode-se concluir que a TV está para a música, o
teatro, o rádio e a arte-digital assim como o cinema esta para a fotografia e a
pintura. Isto em termos técnicos faz toda a diferença.

Na TV, por exemplo, os programas, filmes, novelas, minisséries etc. são


editados. O profissional que cuida dessa área se chama Editor. Já no cinema
um filme sofre um processo de montagem. Realizado pelo Montador.
Compreender os mecanismos de construção de uma obra audiovisual a partir
da montagem ou da edição é compreender muito das diferenças desses dois
veículos, e suas respectivas estruturas de roteiro, já na formatação.

O cinema, ao contrário da TV, é feito por uma sequencia de fotogramas.


Nele as imagens são filmadas em rolo para depois serem montadas para
produção do filme finalizado. Utiliza-se para isso de mesa de montagem e o
profissional que cuida desse trabalho se chama montador. Aliás, a montagem é
uma das partes fundamentais do cinema, o que dá a estrutura do filme; realiza
o que foi programado no argumento (Fig. 10).

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Fig. 10. Mesa de montagem de uma película cinematográfica (também conhecida como
moviola). As animações feitas através de desenhos diretamente na película também
usavam este equipamento. Fonte da imagem: http://www.animamundi.com.br/pt/blog/nem-
papel-nem-computador-pelicula/ (acesso: 04/10/2017).

A montagem de filmes é uma parte técnica do processo de pós-produção


do cinema. O termo é derivado do processo tradicional de trabalhar com o filme
em película, mas envolve cada vez mais o uso da tecnologia digital. Um filme
não sai pronto da câmara de filmagem. Ele precisa ser editado, isto é, cenas
excedentes são cortadas e o filme vai sendo “emendado” dentro de uma
seleção extremamente rigorosa. O montador de filme trabalha com as imagens
em bruto, selecionando as tiras e as combina em sequências que criam uma
imagem em movimento finalizada.

A montagem de filme é descrita como uma arte ou habilidade, a única arte


que é exclusiva do cinema, separando o cinema de outras formas de arte que o
precederam, embora existam paralelos estreitos com o processo de edição em
outras formas de arte como a poesia e a narrativa de novelas. A edição de
filme é muitas vezes referida como a "arte invisível"; porque, quando é bem

32
praticada, o espectador vai se envolver totalmente nas cenas projetadas e na
sequência lógica da narrativa, e nunca estará ciente do trabalho do montador.

Na TV a grade horária determinará a duração de um programa. No


cinema não existem grades horárias de programação a serem respeitadas. Por
isso, a liberdade de criação do roteirista no cinema é maior. Um longa
metragem, por exemplo, pode ter de 63” a 190” de duração, que não haverá
muito problema, pois depende só do diretor e patrocinadores. Naturalmente
que hoje, com o surgimento da TV digital e dos telões e o chamado 3D, o
cinema e a televisão estão atravessando uma fase de profundas
transformações; fala-se em Cinema digital substituindo a película, faz-se
cinema digital, vídeo arte e arte do vídeo.

A montagem do cinema esta sendo substituída pela edição em HAVID. Isto


é edição em computador. Os famosos efeitos especiais do cinema não são
mais trucagens, e sim elaborados em mesa de edição. O fato é que todas
essas transformações estão criando novas linguagens, que podem até ampliar,
criar novas mídias e substituir as já existentes, mas nunca realizarão a mesma
coisa que uma película realiza. Cinema não é TV, ainda que muitos vejam
dessa forma. Mas isso é um erro que tem provocado outros erros, como a ideia
de fazer um filme de TV para cinema, e vice versa. Um filme de TV jamais será
igual a um filme feito para cinema, não existe aí uma zona hibrida de criação
ficcional que se sustente com qualidade.

Na esfera de criação audiovisual a única zona hibrida que sempre existiu


entre o Cinema e a Televisão sempre foram os documentários. Em parte por
causa de sua estrutura fragmentária, que coincide tanto com a fragmentação
da TV quanto com alguns aspectos de fragmentação do cinema; além de se
realizar com câmeras leves (como na TV) e depoimentos, valendo-se também
de atores específicos e material iconográfico, como no jornalismo de tela; e de
um tempo de duração menor do que o de um longa metragem. O cinema é
sequencial e a TV fragmentária e isto, como nos ensina a semiótica, faz toda a
diferença.

33
10. O CINEMA PRIMITIVO. GRIFFITH E A ESCOLA SOVIÉTICA DE
EISENSTEIN

O Chamado cinema primitivo realizado por Lumière e seus seguidores nos


primórdios da sétima arte, no final do século XIX e começo do século XX, não
passava de captações exóticas de paisagens tropicais, cenas de viagens pelos
mundos desconhecidos do oriente, documentação cinematográfica de
costumes do Marrocos, dos tipos humanos hindus, chineses, tailandeses, trens
em movimento, jardineiros em ação com seus esguichos de água ligados e
mirando para o público, cenas de famílias como casamentos e nascimentos.
Enfim, um conjunto de imagens dispersas, fragmentadas e sem nenhuma
continuidade. Foi preciso o surgimento de um gênio do cinema; o grande
diretor americano D.W. Griffith e suas descobertas dos chamados “Planos e
Enquadramentos de Câmera”, “Travelling” (movimentos de câmara) e de
pequenas sequencias cênicas ou imagens paralelas de ações simultâneas,
para que tudo mudasse. Influenciado pela narrativa do teatro e da literatura
e munido de todos esses novos conhecimentos técnicos do cinematógrafo,
Griffith criava a ficção no cinema. Logo se tornaria o pai do chamado cinema
clássico e de entretenimento.

O próximo passo significativo seria dado por outro gênio da sétima arte –
o russo Serguei Eisenstein - que, a partir dos avanços griffithianos, acabou por
descobrir o cinema de arte: um cinema de atrações que, influenciado pela
estrutura da escrita ideogramática chinesa, criou a montagem ideológica. Trata-
se da somatória de uma imagem com outra para despertar no espectador um
terceiro conteúdo, como nos ideogramas. Na china, por exemplo, o ideograma
da palavra “verdade”, se forma com a somatória ou justaposição dos
ideogramas “palavra” e “homem”, pois para os chineses a palavra do homem
deve ser verdadeira. No cinema de Eisenstein, ao unir, por exemplo, a imagem
de uma boca gritando com a imagem de um carrinho de bebê despencando
escada abaixo, resulta na cabeça do expectador a ideia de desespero materno.
Essa cena esta no clássico “O Encouraçado Potemkin”, de 1927. Esta e outras
cenas antológicas de montagem ideológica estão à disposição no You Tube
para quem se interessar em analisá-las.

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Os recursos narrativos do cinema vieram de uma única fonte literária: os
romances franceses e italianos do século XIX. Foi neles que Griffith buscou
suas histórias intrincadas, com enredos envolventes e com personagens
intensos. Griffith influenciou todo o cinema americano, inclusive os musicais e
acabou influenciando a própria escola soviética. Serguei Eisenstein, o principal
nome dessa escola russa sempre reconheceu que foi a partir de Griffith que
pode dar um grande passo em direção ao que se convencionaria chamar de
Cinema de Arte. Bebeu das descobertas de planos e travelings do diretor
americano e desenvolveu seu próprio cinema.

A partir de Griffith e suas descobertas surgem as grandes histórias do


cinema de ficção: os filmes com longas e sofisticadas narrativas, histórias cada
vez mais complexas, enredos intrincados, em que a imitação da vida é parte
intrínseca de sua estrutura. A narrativa foi para além do sonho, foi também a
partir de Griffith e de Eisenstein que o cinema passou a se permitir filmes cada
vez mais realistas numa busca incessante, mas nem sempre consequente, da
vida como ela é. Surgiram os filmes históricos, psicológicos, políticos, de crítica
social, românticos e surrealistas. Apareceram os grandes diretores e roteiristas
e, com eles, os todos os gêneros de aventura, drama, melodrama, mistério,
ação, western, bíblico e outros. Inclusive os musicais.

10.1. Exercícios para fixação de conteúdo

a) Como sugestão para uma compreensão do que são esses dois cineastas –
Griffith e Eisenstein – vou sugerir que vocês assistam “Intolerância”, primeiro
longa metragem de Griffith e em seguida “A Greve” de Eisenstein. Depois
anotem no papel o que viram de diferente na estrutura de montagem
desses dois filmes. Os dois filmes são facilmente encontrados no You Tube.

b) Pesquisem a seguir o que foi a montagem ideológica e o que foi a


montagem clássica e voltem a assistir esses dois filmes anotando novamente
seus procedimentos de roteiro e de montagem. Vejam se conseguem perceber

35
a enorme diferença de procedimentos estéticos desses dois gênios da
cinematografia mundial.

36
11. PLANOS DE ENQUADRAMENTO

A câmera de filme, ou cine-câmera, é um tipo de câmera fotográfica que


grava uma sequência rápida de fotografias em um sensor de imagem ou em
um filme (película). Em contraste com uma câmera estática, que captura um
instantâneo único por vez, a câmera de filme tira uma série de imagens
ocupando diferentes lugares no espaço durante um movimento; cada imagem
constitui um "quadro". A gravação é realizada através de um mecanismo
intermitente. Os quadros são mais tarde reproduzidos em um projetor de filme
a uma velocidade específica, denominada taxa de quadros (número de quadros
por segundo). Quando a película é projetada a uma taxa de quadros específica,
os olhos de uma pessoa e o seu cérebro mesclam as imagens separadas para
criar a ilusão de movimento. Desde os anos 2010, as câmeras de filmes
baseadas em filmes de película vêm sendo amplamente substituídas por
câmeras de sensor digital. Cada vez mais, esses recursos permitem obter
melhores resultados com os movimentos da câmara e os enquadramentos.

Vamos compreender melhor o que foram as descobertas técnicas de


Griffith que resultaram nos constantes aperfeiçoamentos técnicos do cinema
atual. Lembro a vocês que um roteirista não precisa saber movimentos de
câmera ou enquadramentos para desenvolver um roteiro. Mas algumas noções
sobre esses aspectos fundamentais da estrutura cinematográfica ajudam a
compreender melhor essa linguagem, auxiliando no desenvolvimento do
roteiro.

11.1. Enquadramento

• A cena de um filme é um conjunto de ações.


• Um filme é composto por inúmeras cenas. Para filmar uma cena, pode-
se trabalhar com a câmera em apenas uma ou em várias posições.
Esses posicionamentos chamam-se ângulos de câmera. Uma cena é
composta por Planos.
• Toda cena pode ser feita com apenas um ou com vários planos.

37
• Os planos representam o enquadramento da câmera em determinada
cena ou situação
• O enquadramento é o recorte do assunto a partir do olho da câmera
(Fig. 11).

Fig. 11. Exemplo de um corte ou enquadramento feito pela câmara. Este tipo de
enquadramento é chamado de “Plano de Detalhe”, quando a câmara enquadra uma
parte específica do assunto. Fonte da imagem: http://www.primeirofilme.com.br/site/o-
livro/enquadramentos-planos-e-angulos/ (acesso em 04/10/2017).

Plano é o que está entre um corte e outro de uma cena. Existem duas
maneiras de definir o enquadramento de um plano, são o movimento de lente
descrito abaixo e o movimento de câmera, que veremos a seguir (Fig. 12).

38
Fig. 12. Tipos de Planos – ilustração da autora.

11.2. Os principais Planos e enquadramentos são

GPG – Abreviatura para Grande Plano Geral. É o Plano que abarca uma
área de ação enorme e de longa distância. É o Plano que enquadra os grandes
mares, os oceanos, os desertos e o Sertão. Por exemplo, uma imagem de
Montanhas ao longe com uma casinha perdida no meio dela. Um navio
minúsculo no mar longínquo, um Árabe perdido no meio do deserto sem fim.

PG – Abreviatura de Plano Geral. Mostra uma grande área de ação, filmada


à distância, mas com enquadramento menor do que o grande plano geral
Abrange uma área específica onde se desenvolve a ação do filme. Quando a
ação acontece, por exemplo, dentro de uma sala, o PG consegue cobrir
entradas e saídas dos personagens e toda a amplitude de ações que
ocorrerem ali. Exemplo: o recorte de uma montanha com uma casa no sopé;
um navio dentro do oceano etc.

PM – Abreviatura para Plano Médio. Deve enquadrar os personagens de


corpo inteiro (dos pés à cabeça) dentro do plano, ou qualquer imagem que se
encaixe nessa proporção.

PA – Abreviatura de Plano Americano. Enquadra os personagens do joelho


para cima. Chama-se Plano Americano por ser muito usado nos filmes de
Caubói para mostrar a arma do mocinho e do bandido no coldre.

PP – Abreviatura para Primeiro Plano. Enquadra os personagens da cintura


para cima. Muito usado em enquadramentos de dois personagens dialogando.

Plano Close-Up. É um plano de aproximação. Um dos recursos mais enfáticos


no cinema, pois a câmera fecha no ombro, no rosto e na cabeça dos
personagens. Neste Plano, o cenário onde se desenvolve a ação é
praticamente eliminado, pois o que interessa são as expressões de rosto do
ator, que se tornam mais nítidas para o espectador.

Plano Super Close-Up (ou Big Close-Up). É uma variação mais radical do
Close-Up. Neste enquadramento somente a cabeça do ator domina a tela.

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Plano Detalhe. Enquadra somente os detalhes a serem valorizados na cena.
Por exemplo, os olhos do personagem, um anel no dedo, uma boca etc.

40
12. TIPOS DE MOVIMENTO DE CÂMERA

Câmera Subjetiva - quando a câmera está na posição de um dos personagens


da ação do filme. É um ponto de vista dessa personagem, seu olhar para os
demais assuntos. Um exemplo clássico são aqueles de um carro em alta
velocidade onde o que se vê é a estrada a partir da direção do veículo. Isto por
que é o ponto de vista do motorista que esta sendo demonstrado na tela. Outro
exemplo clássico é do personagem fugindo de alguém e o que vemos é o
perseguidor. Pois o que estamos assistindo é o olhar do personagem diante do
perigo (Fig. 13).

Fig. 13. Exemplo de câmara subjetiva. O assunto é filmado como se fosse o olho do
observador. Fonte da imagem: https://historiandovrj.files.wordpress.com/2016/05/sbj.jpg?w=825
(acesso: 04/10/2017).

Câmera Objetiva - quando a câmera está na posição do espectador do filme,


por isso permite que as cenas sejam vistas pela ótica de um público imaginário.
Pode-se considerar que a partir dessa câmera o olhar que se tem é
onipresente, pois se vê a totalidade da ação, e não só e apenas parte dela,
como na câmera subjetiva (Fig. 14).

41
Fig. 14. Câmara objetiva. O assunto é filmado do ponto de vista do observador. Fonte
da imagem: http://programacinemafalado.blogspot.com.br/2013/05/ (acesso:
04/10/2017).

12.1. Movimentos de câmera habituais

Toda câmera se movimenta para possibilitar a captação das imagens. Seus


movimentos habituais são:

Corte - mudar de uma imagem para a outra.

Pan - é a famosa panorâmica, que gira sobre o próprio eixo. Temos quatro
movimentos vindos desse tipo de captação da imagem:

Pan Horizontal: A câmera pode girar para a direita e para a esquerda, para
cima e para baixo.

Pan Vertical: Quando a câmera gira para cima e para baixo.

Travelling - quando a câmera se desloca do eixo e parece viajar por entre


árvores ou paisagens. O travelling pode ser feito com carrinho próprio ou
também com uma câmera fixa dentro de um trem, um carro, um navio etc.

Recursos de lente: Temos vários recursos de lente. Entre os mais utilizados,


ou seja, aqueles que são básicos. Temos: (1) Zoom in - aproximação de uma

42
imagem; (2) Zoom out - distanciamento de uma imagem; (3). Grande angular -
Imagem em 360 graus.

12.2. Movimentos Internos de Câmera

Temos dois movimentos internos de câmera fundamentais: (1) Ploungèe -


câmera posicionada de cima para baixo. Esse movimento pode ser feito com
uma “Grua” ou ainda de cima de um lugar alto, como um prédio, uma escada
etc.; (2) Contra Ploungèe - Câmera posicionada de baixo para cima. Temos
ainda:

Câmera Aérea - Tomada aérea de uma cena, realizada com helicópteros.

Tomada de cena: Cena é um conjunto de ações. Tomada de cena ou “take”


(em inglês) é a gravação da cena. Uma cena nunca tem uma única tomada,
pois é medida de segurança do diretor de fotografia fazer várias tomadas ou
takes de uma mesma cena, para evitar erro ou mesmo para dar opção de
escolha ao diretor, que vendo todas as tomadas escolherá a melhor.

As cenas são marcadas de acordo com as repetições. Exemplo:

Cena 1: Tomada 1 - Cena 1: Tomada 2 - Cena 1: Tomada 3 etc.

Bem, agora o roteirista pode entender o que ocorre na cabeça e


observação cênica do diretor na filmagem ou gravação de um filme. Na
verdade o diretor é também, além de todas as muitas funções que exerce uma
espécie de regente das tomadas cênicas ao lado do diretor de fotografia ou
Câmera e fotografo de um filme.

12.3. Exercícios

a) Assista ao filme: “A Bruxa de Blair” e veja de que forma aparecem as


câmeras objetivas e subjetivas, muito bem utilizadas para criar o clima de
terror.

43
b) Escolha uma parte do filme “Vertigo” de Alfred Hitchcock e tente decuplar os
movimentos de câmera e enquadramentos utilizados nele.

c) Assista o filme “A Paixão de Joana D’Arc”, um clássico de Carl Drayer, e


verifique de que forma ele se utilizou de Plongèe e de Contra Plangèe.
Tente entender por que esse diretor genial escolheu se utilizar exemplarmente
desses dois recursos internos de câmera em seu filme.

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13. CINEMA NO BRASIL

A primeira sala de exibição brasileira surge em 1897 no Rio de janeiro o


chamado Salão e Novidades de Paris, onde seu dono, o italiano Paschoal
Secreto queria passar os filmes feitos por seu irmão, o cinegrafista Affonso
Secreto, que entre 1897 e 1898 rodara uma captação interessante da vista da
baia da Guanabara. Mas ao que se sabe esses filmes nunca chegaram a ser
exibidos. Em função disso os pesquisadores de cinema brasileiro consideram
outros trabalhos como os principais filmes primitivos nacionais. A saber:
“Ancoradouro de Pescadores na Baía de Guanabara”; “Chegada do trem em
Petrópolis”, “Bailado de Crianças no Colégio, no Andaraí” e “Uma artista
trabalhando no trapézio do Politizam”.

Isso são curiosidades, mas de fato nosso primeiro filme mais importante
se realizou em 1931 e se chama “Limites”, de Mário Peixoto, uma das maiores
realizações do ainda chamado Cinema Silencioso; considerado pela crítica
especializada o mais importante filme do Brasil de todos os tempos.
Vamos ao exemplo de alguns roteiros, antes de entrarmos na forma ou formula
de sua composição.

Começaremos com um trecho raro de “Limites”, onde vocês podem


observar que a própria narrativa cinematográfica ainda era algo a se construir e
podem compara-lo a outro grande roteiro do Cinema nacional – “‘Deus e o
Diabo na Terra do Sol”, do genial Glauber Rocha, realizado em 1964, outro
marco de nosso cinema, quando essa arte já estava muito bem sedimentada
no mundo todo, inclusive no Brasil, e Glauber Rocha criava com o importante
Movimento do Cinema Novo uma teoria para roteiros do Terceiro Mundo, como
ele gostava de definir.

13.1. Dois exemplos magníficos de roteiros brasileiros

Observem a estrutura de roteiros desses dois grandes filmes nacionais: O


roteiro de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha; marco do
Movimento de Cinema Novo, nos anos 1960 e o raríssimo roteiro do filme

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“Limite”, de 1931, realizado por Mário Peixoto, lenda viva do nosso cinema
mudo. Peixoto com seu filme “Limite” teve a façanha de realizar uma das
maiores obras cinematográfica nacionais de todos os tempos, quer seja pela
perfeição técnica, pela direção de ator, como pelos enquadramentos propostos.
Apreciem este roteiro de preferência assistindo o filme e comparando a escrita
cinematográfica e seu resultado na tela.

1) ROTEIRO DO FILME: “LIMITE”

ROTEIRO E DIREÇÃO DE MÁRIO PEIXOTO

PRODUÇÃO: MÁRIO PEIXOTO

EDIÇÃO: MÁRIO PEIXOTO

SINOPSE: “LIMITE” – Lançamento: 17 de maio de 1931 – Duração: dois 2h00.

Drama feito todo ele em feed. back aonde duas mulheres e um homem vão
rememorando o passado. Todos estão num barco às derivas, prestes a desistir
da vida e do remo. Uma das mulheres é fugitiva da prisão local; outra é uma
sofredora e não se sabe por que; e o homem foge de uma paixão perdida.

ROTEIRO:

Uma barca e três tripulantes – destino? – eles mesmos não sabem –


proveniência? – presume-se de um naufrágio, mas nada disso tem importância
na história.

Mulher da proa = 1
Outra = 2
(1) Close- up - O chão - terra
(2) Close-up - Máquina desliza terra - Terra – mais terra – máquina levanta
(3) Long shot (plano geral) – terra - máquina abaixa
(4) Close up - terra
(5) Fusão - Rosto da mulher – braços de homem algemados na frente
– expressão de olhar –

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(6) Fusão - sai rosto fica algema
(7) Fusão - Sai algema voltam só os olhos - insiste nos olhos
(8) Fusão - Sai olhos aos poucos e nota-se coisa brilhante movendo-se
- mais nítido – movimento – movimento – olhos somente
- por completo mar é nítido – Tempo
(9) Fusão - olhos só
(10) –Fusão - Rosto inteiro de mulher
(11) Following to shot (seguir assunto com a câmara):
- barca – mulher na proa sentada – rasgada- suja - fatigada
- ( mulher dos olhos) - agitada
(12) Following to shot - mulher da proa
(13) Shot (Tomada) - Homem fundo do barco caído de bruços remo numa mão
(14) Shot - Ponta do remo n´água movendo-se
(15) Shot - Outra mulher - descabelada-rasgada, que parece dormir
- no meio de latas de conserva – biscoitos etc.
(16) Following to long shot (câmara acompanhando a tomada) - barca
(17) Fusão - céu – tempo ruim à espreita
(18) Fusão long shot - mais ou menos de cima da barca
(19) Shot - mulher 1 espreita o horizonte – olha o céu
(20) Close-up - cabelo mulher 1 - emaranhado e os dedos ela passa por eles
(21) Following to close-up – pernas da mulher e pés que num movimento de
ansiedade esbarram no homem
22) Shot - homem agora – olham-se – ansiedade
(23) Shot - rosto homem
(24) Shot - rosto mulher 1
(25) Shot de cima - homem come e mulher abre latas – mulher corta dedo
- mergulha na água do mar e continua a ajudar
(26) Shot - Homem e mulher olhando-se e comendo – de vez em quando olha
para mulher 2

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(27) Shot – mulher 1 de costas para homem olha o dedo cortado

(28) Close-up – boca da mulher se distende ligeiramente – vira o rosto


- olha homem que acabou de comer e está curvado - abatido
(29) Fusão - cabelo da mulher
(30) Fusão – máquina um pouco do alto – água e uma beiradinha do barco
– mesmo plano que cena anterior
(31) Fusão – grades de uma prisão e rosto – mulher 1 atrás

QUEM FOI MÁRIO PEIXOTO

O Cineasta e escritor brasileiro Mário Rodrigues Breves Peixoto,


conhecido no meio artístico como Mário Peixoto enquanto cineasta, com um
único filme realizado aos 23 anos de idade, tornou-se um mito. Nasceu no dia
25 de março de 1908 em Bruxelas, na Bélgica, onde seu pai, o brasileiro João
Comélio havia ido para estudar. Vinha de uma família abastada, tanto da parte
da mãe quanto do pai. Seu avô materno, o comendador Joaquim José de
Souza Breves - o maior traficante de escravos do século XIX - foi o maior
plantador de café do império. Seu pai, por sua vez, pertencia à linhagem de
usineiros de açúcar.

Mário Peixoto foi estudante no Colégio Santo Antônio Maria Zaccaria de


1917 até 1926, quando então viajou para a Inglaterra onde permaneceu por um
ano e se decide a ser ator. De volta ao Brasil, em 1927 participa do
experimental grupo do Teatro de Brinquedo, de Eugenia e Álvaro Moya, única
manifestação em teatro do nosso modernismo de primeira geração. Em 1928,
ajuda a fundar o Chaplin Club, espaço onde ao lado de amigos promove
debates relacionados a cinema. Nesse período conheceu o produtor Adhemar
Gonzaga, pioneiro do cinema brasileiro, e o nosso grande fotografo de cinema:
Edgar Brasil, que mais tarde faria a fotografia espetacular de seu filme.

Uma pequena obra prima que realizaria em 1931 a revelia de seu pai, que
provavelmente não gostava da ideia de ter um filho cineasta. “Limite”, segundo
o próprio Mário Peixoto foi concebido enquanto ideia em Paris, na França, em

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1929. Seu filme, considerado um marco brasileiro do chamado “Cinema
Silencioso”, foi concebido sem narrativa, mas como uma lista de “shorts” -
versos visuais; num verdadeiro trabalho que pode ser definido como cine-
poema. O único do gênero no país e entre os maiores do cinema internacional.
Depois de “Limite”, Peixoto jamais conseguiria realizar outro filme. Todas as
suas outras tentativas de cinema são projetos inacabados. Mário Peixoto
faleceu no Rio de janeiro no dia 2 de fevereiro de 1992 .

2) ROTEIRO DO FILME: “DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL”

ROTEIRO DE GLAUBER ROCHA E PAULO GIL SOARES

DIREÇÃO DE GLAUBER ROCHA

FOTOGRAFIA: WALTER LIMA

Exemplo de outro roteiro exemplar. Glauber Rocha, com seu filme “Deus e
o Diabo na Terra do Sol”, de 1964, de narrativa ágil, moderna, modificaria a
história do cinema brasileiro – Cineasta superlativo, sua obra foi uma dos mais
premiados de nossa cinematografia. A saber: Prêmio da Crítica Mexicana -
Festival Internacional de Acapulco, México, 1964; Grande Prêmio Festival de
Cinema Livre, Itália, 1964; Náiade de Ouro - Festival Internacional de Porreta
Terem, Itália, 1964; Troféu Saci/ Melhor Ator Coadjuvante: Maurício do Valle,
1965; Grande Prêmio Latino Americano - I Festival Internacional de Mar del
Plata, Argentina, 1966.

Seu filme causou impacto internacional e faz parte da trilogia composta


por outros dois grandes trabalhos seus. “Terra em Transe”, de 1967 e “O
dragão da maldade Contra o Santo Guerreiro” de 1969 – Todos eles
influenciados pela “Nouvelle Vague” francesa e pelo Neo-Realismo Italiano, no
entanto, esses filmes são os responsáveis por lançar o Movimento de Cinema
Novo no país. Todos os filmes de Glauber Rocha caracterizam-se por serem
filmes políticos, e falam do momento histórico e convulsivo em que foram
feitos, durante o Golpe Militar de 1964 e a instauração da Ditadura no Brasil.

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SINOPSE: “Deus e o Diabo na Terra do Sol” - Lançamento: 10 de julho de
1964 - Duração: 2h05 m.

Drama sobre o vaqueiro Manuel, que depois de se desentender com o


Coronel Moraes, latifundiário da região e seu patrão, acaba por assassina-lo.
Perseguido pela lei, ele e sua mulher Rosa acabam tendo que se refugiar na
comunidade religiosa do beato Sebastião; mas quando ela é atacada, une-se
ao cangaceiro Corisco, único sobrevivente do grupo de Lampião, morto e
degolado em Angico. Por fim, abandona tudo e corre para o litoral (Fig. 15).

Fig. 15: Cena de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Fonte da imagem:


http://www.imdb.com/title/tt0058006/mediaviewer/rm3007130112 (acess0: 5/10/2017).

ROTEIRO:

Cena 1: O sertão seco, o gado morto. O vaqueiro Manuel observa o gado


morto, monta em seu cavalo e afasta-se do local.

CANTANDOR (OFF):

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Manuel e Rosa viviam no sertão / trabalhando a terra com as próprias mãos /
até que um dia, pelo sim, pelo não / entrou na vida deles o santo Sebastião /
Trazia bondade nos olhos / Jesus Cristo no coração.

Cena 2: Manuel encontra o Santo Sebastião com um grupo de beatos,


andando pelo agreste e cantando. Manuel e Sebastião olham-se nos olhos,
longamente.

BEATOS (cantam): As ovelhas desgarradas/ que andam em pastos perdidos/


procurando o seu rebanho/ e o Senhor da Boa Morte / quero deixar este
mundo/ com a minha triste sina / Procurando seu rebanho/ e o Senhor da Boa
Morte.”

Cena 3: Manuel chega à sua casa, salta do cavalo e dirige-se à sua mulher
Rosa , que esta batendo pilão, no terreiro.

MANUEL – Rosa, eu vi o Santo Sebastião! Ele disse que évem um milagre


salvar o mundo. Tinha uma porção de gente atrás dele e os fiéis tudo cantando
e rezando.

ROSA – não interrompe o trabalho, continua pilando milho, não responde.


Manuel dirige-se à sua mãe, que esta sentada à sombra, junto à porta da casa.
Manuel retorna para perto de Rosa.

MANUEL – Mãe também num acredita. Mas eu vi. Ele me olhou aqui dentro. É
o milagre, Rosa, é o milagre!

Cena 4: Casa de farinha. Manuel corta e rala mandioca. Rosa movimenta a


roda que faz girar o ralador.

Cena 5: Feira na cidade. Manuel vende a farinha que produziu com Rosa. Anda
pela feira. Escuta um violeiro

VIOLEIRO (Canta):

“Sebastião nasceu do fogo / mês de fevereiro / anunciando que a desgraça / ia


acabar com o mundo inteiro / mas que ele podia salvar quem estivesse ao
lado dele, que era santo, que era santo/ era santo milagreiro.”

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Cena 6: Manuel anda pelas ruas da pequena cidade olhando as casas
comerciais, cruza a zona de compra e venda de animais, examina um cavalo.
Chega a um curral onde esta o coronel Morais.

MANUEL – Bom dia Coronel Morais

MORAIS – Bom dia.

MANUEL: Já trouxe as vacas, mas morreram quatro.

MORAIS – Beberam no açude do norte?

MANUEL – Sim sinhô. Era onde tinha água. Foi mordida de cobra. Trouxe doze
vacas. Queria fazer a partilha para ajustar as conta.

MORAIS – Num tem conta pra acertar. As vacas que morreram eram todas
suas.

MANUEL – Mas Seu Morais; as vacas tinha o ferro do sinhô. Num pode ser
logo as minha, que sou um home pobre. Foi azar, mas é a verdade! As cobra
mordeu as rês do sinhô.

MORAIS – Já disse; tá dito. A lei tá comigo.

MANUEL – Dá licença outra vez, Seu Morais. Mas que lei é essa?

MORAIS – Quer discutir?

MANUEL – Não sinhô, só tou querendo saber que lei é essa que num protege
o que é meu.

MORAIS – Já disse, tá dito. Cê num tem direito a vaca nenhuma.

MANUEL – Mas, Seu Morais. O sinhô num pode tirar o que é meu.

MORAIS – Tá me chamando de ladrão?

MANUEL: Quem tá falando é o sinhô.

O Coronel Morais chicoteia Manuel.

MORAIS – Pra você aprender, ordinário.

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Manuel puxa o facão e mata o coronel Morais.

Cena 7: Perseguido por dois Jagunços, Manuel chega a galope em sua


casa. Tiroteio no terreiro da casa. Um dos Jagunços mata a mãe de Manuel.
Manuel mata os dois jagunços e abraça Rosa.

Manuel baixa as pálpebras da mãe morta.

CANTADOR (OFF)

“Meu filho, tua mãe morreu / Não foi de morte de Deus / foi um tiro que jagunço
deu.”

GLAUBER ROCHA

O ator, escritor e um dos mais importantes cineastas brasileiros Glauber


de Andrade Rocha nasceu no dia 14 de março de 1939 na cidade de Vitória da
Conquista, Bahia. Chegou a cursar por três anos a Faculdade de Direito da
Universidade federal da Bahia (1959 a 1961), mas não terminou, dedicando-se
ao jornalismo e logo depois, em tempo integral, ao cinema. Foi um dos
idealizadores do Cinema Novo, que concebia filmes de baixo orçamento e
muito conteúdo. Em 1957, Glauber realizou seu primeiro curta-metragem,
"Pátio". Em 1960 produz seu primeiro longa-metragem, "Barravento". Mas seria
em 1963, que ele realizaria um de seus filmes mais aclamados: "Deus e o
Diabo na Terra do Sol", que concorreu à Palma de Ouro em Cannes. Em
janeiro de 1965, lança seu manifesto - "A Estética da Fome", base teórica do
Cinema Novo: um movimento de cinema político que desde o início alardeava
criticamente as desigualdades sociais brasileiras, principalmente nordestinas.

Em 1966, Glauber filma um documentário sobre a posse de José Sarney


como governador do Maranhão: “Maranhão 66”. Em 1967, lançou um de seus
trabalhos mais polêmicos, "Terra em Transe", uma leitura dramática e
desiludida da história política brasileira e da posição desolada da esquerda
intelectual do país frente ao golpe militar de 1964. Seu filme é proibido em todo
o território nacional e o cineasta acusado de subversivo pelo governo. Em
1969, Glauber Rocha ganha o prêmio de melhor diretor em Cannes ao lançar

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seu filme "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro". Nesse ano Glauber
Rocha tem seu nome inscrito na lista negra do SNI.

Ameaçado de morte e com ficha no DOPS o cineasta se exila na Europa,


onde mantém contato com o cineasta Jean Luc Godard e com o ex-presidente
exilado João Goulart. O cineasta fica no exílio até 1976 e causa polêmica ao
apoiar a política de abertura do presidente militar Geisel em 1977. Seu último
filme foi “Idade da Terra”, lançado em Veneza no fim dos anos 1970. No início
de 1980 Glauber Rocha adoeceu em Portugal, mas faleceu no Brasil, no Rio de
janeiro, em 22 de agosto de 1981, depois de uma forte pneumonia. Faleceu
aos 42 anos de idade, como desde pequeno previra que iria morrer.

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14. O ENREDO O ARGUMENTO E O ROTEIRO: TUDO É CINEMA

Bem, agora que você já viu dois exemplos de roteiro, vamos ao que
interessa: sua construção. Um filme começa no Argumento e termina na
Montagem. O roteiro não é mais do que um argumento desenvolvido em cenas,
falas e ações. Todo argumento para existir tem que ter um enredo. Então,
antes mesmo de ver o que é argumento, vamos compreender o que é um
enredo.

O ENREDO:

Agora que se sabe o que é uma ação em cinema, fica mais fácil
compreender o que é um enredo, pois se trata da sucessão de acontecimentos
de uma história; as intrigas de um romance, uma novela, um conto, um roteiro
de cinema ou de TV. Todo bom enredo se desenvolve segundo uma sequência
de ações. O enredo faz parte do argumento de um filme. Está em todo roteiro.
Diria que o enredo é a alma de uma narrativa quer seja para cinema ou para a
literatura.

EXERCÍCIO:

Tente criar três enredos de estilos diferentes; um de terror, um de drama e um


de comédia e veja como todos terão elementos semelhantes.

14.1. O argumento

Argumento é uma história desenvolvida para cinema. Contém em seu


desenvolvimento o enredo, o tema, os conflitos, o clímax, e seus personagens
principais, que são os antagonistas e protagonistas da narrativa com seus
envolvimentos emocionais. Pode ainda conter alguns diálogos, que depois
serão mais bem desenvolvidos no roteiro. O argumento é uma forma de conto
desenvolvido para o meio audiovisual. Portanto, ao invés de trabalhar para a
linguagem verbal e para o suporte livro, como num conto literário, ele se
desenvolve para ser transportado para um filme.
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Por isso não se detém nas complexidades da escrita e nem nas ações que
não poderão constar na tela. Sua escrita é enxuta, objetiva, direta. Seus
personagens são descritivos, demonstram seu universo psicológico sempre a
partir de ações, que devem ser claras e não podem ter passado que não seja
convertido em imagens. Isto porque um filme não tem passado e nem futuro,
mas sempre o presente, ou melhor, o que pode ser presentificado na imagem.
Um argumento não pode desenvolver histórias paralelas que jamais serão
mencionadas no decorrer do filme, por isso cuidado com a imaginação.

Um argumento deve evitar por isso mesmo subjetivismos e adjetivações


desnecessárias, ou mesmo descrições longas de objetos e paisagens que
aparecerão na tela. O argumento é um conto que se desenvolve como espécie
de quadros cênicos que logo se transformarão em cenas e diálogos que se
entrelaçam tecendo o que vai ser assistido na sala escura. Ainda que objetivo e
muitas vezes de linguajar seco, o argumento deve conter uma narrativa com
começo meio e fim, Deve mostrar todo o conteúdo do filme a ser desenvolvido
em roteiro, inclusive seu estilo, seu gênero, se é de terror, drama, romance ou
comédia etc., e a mensagem a ser passada.

O argumento é a ideia geradora de um filme, o assunto que levará ao


desenvolvimento de um roteiro, em forma de ficção. É sempre uma espécie de
conto com características muito próprias em função de sua utilidade última, que
é virar cinema. Um roteirista pode fazer a vez de argumentista, mas nem todo
argumentista é o próprio roteirista, pois esta é uma profissão autônoma,
realizada por profissionais especialistas nela. Em Hollywood, por exemplo,
existem muitos profissionais que ganham a vida como argumentistas, ou seja,
criando argumentos para filmes de entretenimento que serão realizados em
série e distribuídos pelo mundo a fora sem nenhuma preocupação com arte,
mas sim com diversão e entretenimento. Existem ainda muitos escritores que
sonham com que seus livros virem argumentos hollywoodianos, para que
obtenham sucesso comercial.

Stephen King é um dos exemplos bem sucedidos de escritor cujas obras


literárias foram transformadas em argumentos e desenvolvidas em roteiros de
grande sucesso comercial da sétima arte. No Brasil tivemos dois escritores que

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se tornaram argumentistas de cinema, com relativo sucesso; a escritora
cearense Raquel de Queiroz e o poeta paulista Guilherme de Almeida. Raquel
de Queiroz inclusive ajudou no argumento e no próprio roteiro do filme “O
Cangaceiro”, dirigido por Lima Barreto em 1953, com sucesso estrondoso no
Brasil e no Exterior, e que lançaria o gênero de filmes de Cangaço no país. “O
Cangaceiro” foi vencedor do Festival Internacional de Cannes, na década de
1950, como melhor filme de aventura e melhor trilha sonora, e representou um
divisor de águas do cinema nacional. A partir daí muitos filmes e séries foram
criadas dentro do gênero Cangaço, inclusive a obra prima que tem parte do
roteiro nesta apostila, realizada em 1964, “Deus e O Diabo na Terra do Sol”, de
Glauber Rocha.

14.2. O roteiro

Escrever um roteiro é basicamente desenvolver um argumento para


cinema ou TV, considerando seus aspectos imagéticos e narrativos. Isto é: a
imagem e o áudio. Sendo que se entende por imagem as ações do enredo e do
argumento transformadas em cenas; e se entende por áudio, não só a trilha e
os ruídos, como também a narrativa, quando tiver, e os diálogos todos da
história. Vamos lembrar que o roteiro, depois de pronto, será filmado, editado,
finalizado e distribuído nas salas de cinema do país e quiçá do mundo, quando
houver essa chance. Portanto, ao invés de se ocupar apenas com o texto e
desenvolvimento dos diálogos, o roteirista deverá considerar as imagens, os
sons, os cortes, os diálogos e a forma como as personagens ficarão na pele de
um ator. Por isso mesmo eu volto a repetir que o roteirista, assim como o
dramaturgo, é um escritor de índole diferente, pois escreve pensando em
imagens. Não dá para conceber roteiros fora disso.

Todo roteiro, quer seja para documentário ou ficção, tem uma estrutura
básica: Introdução (o início da história); Desenvolvimento (os acontecimentos
ordinários e as sequências e consequências da ação de uma história); o
Clímax (suspense necessário à dinâmica da história) e a conclusão
(Encerramento da história quer seja com um final conclusivo ou não). Um
roteiro pode ter quanto clímax for necessário à dinâmica da história, mas tem

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que ter dentre eles o que chamamos de Plôt, ou Clímax Principal, que é a
grande virada de um enredo. Isto é: Quando descobrimos a “verdade” da
trama.

Por exemplo, quando descobrimos que o personagem bom é na realidade


o mais cruel de todos; ou desvendamos que o serial killer está entre nós, ou
percebemos que fomos traídos e descobrimos o objeto da traição. Enfim,
quando se desnuda o elemento revelador de uma história. E não existe história
sem um climax, por isso muita atenção para o desenvolvimento de um roteiro.
Para conseguir escrever uma história que será montada ou editada, os
diferentes aspectos técnicos que fazem parte desse tipo de dramaturgia não
podem ser esquecidos. São eles:

 Cabeçalho (composto por cenas externas e Internas) que compõem o


espaço físico – tempo de uma ação. Divisão em cenas da história.

 Escaleta.

 Cenas divididas em texto e imagens, isto é: descrição cênica e diálogos.

14.3. Escaleta

A “Escaleta” é um instrumental usado por muitos roteiristas para definir o que


vai entrar em cada cena a se desenvolver. Tem o mesmo tamanho de um
roteiro, pois ela é o resumo em cenas de cada ação de uma história, que
depois será desenvolvida.

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15. O ESQUELETO DE ROTEIRO; PRIMEIRO SEGUNDO E TERCEIRO
TRATAMENTOS DE UM ROTEIRO

Para resumir todo conhecimento sobre roteiro visto até aqui, podemos
considerar que o segredo da qualidade de um filme está no desenvolvimento
da ação, que deverá ter quatro etapas fundamentais de criação:

 Introdução;
 Desenvolvimento;
 Clímax;
 Conclusão.

Além disso, deverá ter no cabeçalho a determinação de tempo e espaço


muito definidas em:

 Cenas externas e internas;


 Indicação de espaço;
 Indicação de tempo.

Os roteiros de cinema são desenvolvidos em três tratamentos distintos,


corrigidos, ajustados e modificados até chegar ao texto definitivo. São eles:

1) Primeiro Tratamento: o roteirista coloca toda a história no papel, dividido


apenas em cenas, sem grande preocupação de ajuste e coerência da trama,
personagens e divisão precisa de texto e Imagem.

2) Segundo tratamento: A história já se coloca no papel com as divisões


corretas das cenas, separação em texto e imagem e personagens bem
desenvolvidos. Entram apenas aqueles que realmente participarão da trama,
com seus diálogos prontos. Nesse segundo tratamento são possíveis muitas
versões de roteiro, até que de fato o roteirista o considere aquela que é a
melhor. Nessa etapa podem entrar ou sair personagens, se determinar melhor
sua psicologia e seu perfil; desenvolver os diálogos e os personagens
secundários, a sonoplastia e os ruídos, mudar cenas ou ainda as locações. E
mesmo modificar toda a história, incluindo troca de cenas e final.

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Essa é a etapa mais demorada de um roteiro, por isso mesmo pode levar
de três meses a muitos anos para ficar pronta. O roteirista só passará desse
tratamento para o próximo quando considerar resolvidas todas as soluções da
história.

3) Terceiro tratamento: É a conclusão do roteiro, com todos os ajustes


realizados. O terceiro tratamento de um roteiro é o definitivo. Depois dele nada
pode ser mudado e alterado, pois entrará na etapa técnica de filmagem ou
gravação; e de montagem ou edição. Nesse tratamento que entram os
cabeçalhos descritos anteriormente, como parte do roteiro. Escritos em
maiúscula eles existem como guia da câmera e para determinar as seguintes
informações de um filme no seu tempo e espaço de ação: (1) Onde; (2)
Precisamente onde; (3) Quando.

Essas informações são separadas por um espaço, um traço ou uma


barra. Podem ser INTER. (interior) ou EXT.(exterior) ou ainda INTER/EXTER.
Isto é: (cenas) Internas / (cenas) externas e vice-versa.

(1) Onde é uma indicação curta do lugar (serve de cabeçalho); (2)


Precisamente a definição detalhada do lugar; e (3) Quando reflete o tempo,
que pode ser Dia ou Noite.

Exemplo 1:

INT. SALA DE ESTAR - NOITE.

Exemplo 2:

EXT. – QUINTAL – DIA – MANHÃ; ou

EXT. – CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA – FINAL DA TARDE.

Obs.: Um novo cabeçalho é necessário cada vez que muda o lugar ou o tempo
de uma ação. Toda cena tem seu cabeçalho. Todo roteiro deve ser escrito na
fonte Courier News 12 ou 14. Vejam abaixo como fica a estrutura de um roteiro
técnico de um filme

“O GRANDE MOMENTO”

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UM FILME DE ROBERTO SANTOS

Argumento original de Roberto Santos.

Roteiro técnico: Roberto Santos e Norberto Nathi

1 – Roteiro Técnico

INTRODUÇÃO:

Cena de um convite de casamento se abre na tela e nele se lê toda a equipe


técnica do filme, como se fossem convidados do casamento:

Cena um

 A produtora;
 Os atores;
 A equipe técnica.

E os principais realizadores. Vejam abaixo:


O grande momento
tem a honra de convidar V.S. e Exma. família
para assistirem ao enlace matrimonial de

JOSÉ E ANGELA

A realizar-se às ....... horas, do dia ....... de ....... de .........

Na Igreja Nossa Senhora Aparecida

Após a cerimônia religiosa haverá recepção na residência da noiva.

Rua .......................... nº......... Rua .......................... nº.........”

Esse convite é a primeira imagem do filme. Abaixo, o roteiro decupado.


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Fusão lenta

Exterior – Rua: Casa Zeca – manhã. Áudio

1 – P.G. câmera normal

Manhã de sábado ensolarado.


Ruído de automóveis.
A cidade cujos prédios se vêm ao fundo é a direção para
onde os automóveis correm, no trecho asfaltado da Gritos de crianças.
avenida.
Pregões dos vendedores.
Na parte da avenida, ainda em terra, e separada do
asfalto, por uma ilha mal plantada de árvores, crianças
jogam futebol.
Conseguindo atravessar a verdadeira procissão de
automóveis que passa à toda velocidade, surge um
Estafeta – com telegrama na mão.
Procura caminho entre o futebol da garotada (Até ser bem
centralizado pela câmera que o acompanha em PAN E) e
sempre olhando a bola que corre entre os pés ágeis dos
moleques, aproxima-se da calçada onde as mulheres
lavam a frente das casas, e vendedores ambulantes gritam
seus pregões.
Para diante de uma das casas.

Exterior – frente casa Zeca – manhã.

2 – P. F. I. Câmera normal
Estafeta (3/4 COSTAS – C.Q,) volta-se (PERF. E.), verifica
o número da casa com o do telegrama que está no maço,
Ruídos de automóveis.
apanha-o e aproxima-se do portão (TR. FR.), fazendo
menção de tocar a campainha. Gritos.
Interior – casa Zeca – sala – manhã.
Pregões.
3 – P. A. câmera normal
Zeca (3/4 FR. – C.Q.) fecha rapidamente a gaveta de uma
cômoda e olha preocupado (CORR. E. SINCR.) em direção
a porta (E), reflete indeciso em atender ou não à
campainha, e decidindo volta o rosto (CORR. D. SINCR.),
chamando (3/4 COSTAS – E. Q.), na direção da cozinha,
Som da campainha.
que se entreve pelo corredor que a une a sala.

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Cecília (COSTAS – D. Q.), lavando louça na pia da cozinha ZECA: Mãi! Qué atendê?
volta-se.
Calma! Não é da responsabilidade do roteirista fazer todas essas
marcações técnicas de plano e enquadramento e sim ao diretor de fotografia
junto com o diretor do filme. O roteirista não saberá tudo o que eles sabem,
mas precisa pelo menos ter uma noção do que isso significa saber fazer um
cabeçalho (Interna/ externa - espaço - tempo), dividir seu roteiro em texto e
imagem e entregar o terceiro tratamento de roteiro enxuto para a colocação
técnica dos enquadramentos e movimentos de câmera pelo diretor.

A criação técnica de um roteiro não é fácil, mas ainda assim é uma das
fases mais simples de uma produção cinematográfica, pois depois do roteiro
definido, essa parte é mecânica e cabe a outros profissionais. O que cabe ao
roteirista de fato é bem mais difícil, que é o desenvolvimento do conteúdo de
um filme, ou seja, realizar um filme que tenha razão de ser, que possa contar
uma história interessante, que acrescente algo à vida do público que vai assisti-
lo. Um filme que, mesmo sendo apenas de entretenimento, provoque alguma
reação ou emoção no público pagante.

Quantos argumentos excelentes se tornam nada quando transformados


em roteiro? Quantas histórias desperdiçadas chegam ao cinema? Isso é mais
comum de acontecer do que se imagina. Portanto, não basta uma ideia na
cabeça para que a narrativa, em seu desenvolvimento, saia pelo menos
proficiente, se não puder ser profissional. Para que isso ocorra, além de tudo o
que já vimos outro aspecto do roteiro não pode ser ignorado, pois todo filme
gira em torno dele, são os personagens.

Um filme existe em função dos personagens e se eles funcionarem o filme


já esta com mais de 70% da possibilidade de ser um sucesso.

Os personagens são de fato um dos aspectos da criação que deve ser


muito bem cuidado, pois tanto o enredo quanto o argumento giram em torno
deles. Concentra-se nos personagens toda a história de uma ficção. São eles a
razão de existir de uma boa narrativa e está basicamente neles o bom
resultado de toda a cinematografia, tanto faz se experimental ou clássica, se de
montagem linear, de entretenimento ou ideológica.

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16. OS PERSONAGENS

A composição de personagens é talvez um dos aspectos mais importantes


para o desenvolvimento de uma boa história de literatura ou de cinema. Essa é
a razão pela qual, nesta oficina de criação, a atenção ao desenvolvimento e à
criação deles será especialmente importante. Os personagens são o principal
tema quando se trata de desenvolvimento do roteiro. Vamos lembrar que, sem
personagens, não se cria um filme, uma novela ou uma minissérie. São eles,
suas vidas, a forma como se realizam no tempo e no espaço, seus atos e a
consequência deles que fazem a grandeza de um filme. (Fig. 16).

Fig. 16: Personagens em ação na Franquia “Cavalo de Guerra” de Steven Spielberg.


Fonte da Imagem: http://vertentesdocinema.com/2012/01/13/cavalo-de-guerra/
(acesso: 05/10/2017).

Assim também é na literatura. Imagine, por exemplo, dois personagens


exemplares criados pelo escritor Machado de Assis; Capitu e Bentinho, de Dom
Casmurro; ou ainda a criação exemplar de Dom Quixote de La Mancha e seu

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fiel escudeiro Sancho Pança, do escritor renascentista Miguel de Cervantes; ou
mesmo os românticos e emblemáticos casais de Shakespeare cuja história se
passa na Idade Média, como Romeu e Julieta; ou os monstros famosos da
literatura do século XIX que reinam até hoje no cinema moderno, como
Frankenstein e Drácula, ou mesmo as personagens trágicas gregas vindas lá
da Antiguidade, como Édipo, Antígona e Hércules. Ou personagens de
quadrinhos que ganharam vida no cinema, como Batman, criado por Bob Kane,
Super-Homem, da dupla de autores Joe Suster e Jerry Siegel, ou ainda os que
foram do cinema para os quadrinhos, como Mickey Mouse, a mais famosa
criação de Walt Disney. Trata-se de criações tão fortes que ultrapassaram seu
tempo histórico, mantendo o mesmo vigor de quando foram criados. Tornaram-
se mais importantes, ou pelo menos mais conhecidos e imediatamente
reconhecidos por seu público do que seus criadores.

Coube a eles todos dar vida e se tornar a razão de ser de seus enredos.
Sustentam-se sozinhos, pois são o ponto alto da criação de suas narrativas.
Não é fácil criar personagens emblemáticas como nesses exemplos, mas,
mesmo que o roteirista não consiga criar seres tão especiais, o que houver de
personagens em uma história deverá ser um dos principais pontos de criação
dessa obra. Para o bem e para o mal, elas são os pontos luminosos de
qualquer história, tanto faz se para a escrita, a literatura, o teatro, o cinema ou
a TV.

O grande dramaturgo Luigi Pirandello, brincando com esse aspecto tão


importante da criação de uma história, fez uma peça que se chama “Seis
personagens à procura de um autor”, o que mostra a importância deles. A
brincadeira está em que, se não existe história sem personagens, é possível,
no entanto, existir personagens sem enredo. E isso já aconteceu: é o caso
exemplar do poeta Fernando Pessoa, que criou um grupo de personagens –
heterônimos – sem enredos para sustentá-los e que, no entanto, existem
completamente na vida literária universal: Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Álvaro
de Campos e Bernardo Soares. Quem conhece literatura sabe bem quem são
eles.

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E no Brasil, como estamos? Temos os personagens emblemáticos de
machado de Assis; temos outros grandes personagens literários como
Diadorim e Riobaldo, de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa.
Temos as personagens emblemáticas de José de Alencar, como Iracema, a
índia dos lábios de mel, ou a portuguesa Ceci e o nobre índio Peri. Temos as
adoráveis personagens infantis de Monteiro Lobato: Pedrinho, Narizinho, Emília
e Visconde de Sabugosa; as de Érico Veríssimo, como o capitão Rodrigo e Ana
Terra, da saga “O tempo e o vento”; as famosas personagens de Jorge Amado,
como Gabriela, Tieta do Agreste, Dona Flor etc. Apesar disso, quando se trata
de roteiros, nossas produções de personagens têm sido muito falhas. Tirando
algumas poucas novelas de TV e as importantes peças de teatro de Nelson
Rodrigues e de Plínio Marcos, muitas vezes adaptadas para o cinema, com
suas personagens sofridas e marcantes, esse é um dos pontos negligenciados
da filmografia nacional.

Erramos muito. Nossas personagens de cinema, em quase todos os


argumentos e enredos, têm sido mal construídas, soando falsas, inexpressivas,
incompletas e extravagantes. E, como depende delas o sucesso ou o fracasso
de uma obra, muitas produções brasileiras com bons argumentos acabam
tendo comprometida a qualidade dos roteiros por causa da má construção de
personagens. Por isso guardem bem essa lição, que pode parecer exagero,
mas é a pura verdade: escrever roteiro é saber criar grandes enredos movidos
por grandes personagens. Como diz o ensaísta Antônio Candido, em seu
excelente texto “A personagem no romance” (CANDIDO, 2003, p. 53), “O
enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo”.
Para tanto algumas regras não podem determinar a qualidade do personagem,
pois isso caberá principalmente à imaginação do escritor, mas podem ajudar
nessa concepção. A seguir, um passo a passo para criação dos personagens.

16. 1. Passo a passo para criação de personagens

1º Passo:

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 Lembre-se de que uma personagem começa pela concepção física, que
deve ser coerente com a sua concepção psicológica. Essas duas
características juntas são determinantes para a construção de diálogos.

 Falar da importância das personagens não quer dizer que os fatos


ocorridos num roteiro não sejam também fundamentais. A vida e as
ações mostradas numa história são realmente muito importantes. Mas é
praticamente impossível separar esses aspectos da criação de um
roteiro de suas personagens. Isso porque as ações, o tempo e o espaço
que uma história determina estão intrinsecamente ligados a elas. As
ações existem em torno e por causa das personagens. Estes muitas
vezes gravitam em torno de suas ações, outras vezes as impulsionam.

 Por isso, quem sabe criar bons personagens saberá com certeza
desenvolver bons enredos, excelentes argumentos e notáveis roteiros.

Está aí toda a literatura brasileira e universal para ajudar, inspirar e tornar-


se recurso de criação. Lembre-se sempre: não existe escritor que não seja um
bom leitor, e não existe roteirista que seja apenas um cinéfilo. Em geral, os
maiores roteiristas do audiovisual, além de adorar cinema e teatro, são vorazes
consumidores de literatura.

2º Passo:

Para entender sobre criação de um personagem, isto é, entender sua


gênese, é fundamental que ela sempre se desdobre no que a literatura chama
de “Personagens Planas” e “Personagens Esféricas”, ou o hibridismo entre
essas duas criações de personagem. Vamos analisa-las:

1. PERSONAGENS PLANAS: São caricaturais, desprovidas de profundidade


psicológica e representam certos tipos humanos: O bom, o mal, o feio, o
ignorante, o belo etc. No cinema temos vários exemplos de personagens
planas; o lutador Bruce Lee, os tipos femininos belos e ingênuos recriados por
Marylin Monroe, e os engraçados amigos Gordo e Magro.

As séries de TV são repletas de personagens planas; os atrapalhados


irmãos de “Os Três Patetas”, ou ainda as hilárias donas de casa jovens e

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sedutoras de duas séries de sucesso da década de 1950: “Gení”, a doce e
atrapalhada gênio da lâmpada da série “Geni é um Gênio” e a bela bruxinha
cheia de expedientes “Samantha” da série “A Feiticeira”.

Nas novelas não precisamos de exemplos, pois a maioria dos


personagens é plana, mesmo quando parecem esféricas.

2. PERSONAGENS ESFÉRICAS: São as personagens complexas, cheias de


psicologismos e profundidade de alma. No cinema alguns grandes diretores
clássicos só trabalhavam com roteiros que contivessem personagens esféricas.
São eles John Huston, John Ford ou Elia Kazan. O icônico ator James Dean na
sua meteórica vida encarnou grandes papéis de personagens esféricas, como
o jovem rebelde de “Juventude Transviada”; ou o filho desprezado de “Assim
Caminha a Humanidade”, adaptado do livro, ”A Leste do Éden” do grande
escritor americano John Steinbeck. Marlon Brando foi grande ator de
personagens densos e esféricos como o grosseiro mecânico de “Um Bonde
Chamado Desejo” de Tennessee William, nos anos 1960, ou ainda como o
General louco e desertor de “Apocalipse Now”, dos anos 1970 e dirigido por
Francis Ford Coppola. Mais recentemente Brando brilhou na Franquia “O
Poderoso Chefão”. Os personagens também podem ser esféricos e virar
planos, ou ainda ser planos e virar esféricos, mas isso é pouco comum dentro
do cinema.

3º Passo:

Todo filme tem seus personagens principais. São eles basicamente o


“Protagonista”, o “Antagonista” e o que chamamos de “Mentor”.

 O PROTAGONISTA: É o personagem principal, aquele em torno da qual


toda a história vai girar. Ele é o herói ou o anti-herói de uma narrativa e
sempre tem uma jornada de ações a cumprir ao longo do filme, que só
se encerra no final.

 O ANTAGONISTA: A rigor seria o inimigo do herói. Seu oposto, aquele


que vem para se opor ao protagonista ou personagem principal. Ele vem

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para trabalhar contra o protagonista, seria o vilão. Mas vale lembrar que
esse antagonista não tem nada a ver com qualidades imorais ou morais,
pois ele pode em alguns casos ser o bom da história, e o protagonista
ser o mau. O importante é que ele seja sempre aquele que vai contra o
personagem principal, e por isso mesmo o elemento que fará o filme
girar, pois a saga do herói depende de uma tarefa a cumprir e tanto
melhor fica o filme se essa tarefa for prejudicada em sua conclusão por
alguém.

 O MENTOR: O mentor seria um aliado, conselheiro ou fiel companheiro


do herói ou protagonista ou personagem principal do filme. O mentor é o
companheiro de estrada do Protagonista, aquele que muitas vezes
completa o herói, dá bons conselhos, evita que este se perca, mesmo
que a custa de infernizá-lo e aparentemente se opondo a ele, mas
sempre para ajudar. Um bom exemplo de companheiro de estrada seria
o Grilo Falante do Pinóquio; Sancho Pança de Dom Quixote; O Magro
do Gordo; etc. Sua importância não se restringe a ser de simples aliado,
mas muitas vezes aquele que traz algo especial para o personagem
principal, acrescenta poder a este, empresta seu poder para auxiliar na
capacidade de luta do protagonista.

No roteiro os elementos dramáticos que o compõem são jogos na mão do


personagem principal, e são utilizados para pontuar a narrativa, dar graça a
história. É o que dá vida à saga do personagem principal, para sua difícil
jornada a ser enfrentada de qualquer maneira. E fazem parte desses
elementos dramáticos justamente o antagonista e o mentor. A personagem de
um roteiro quer seja protagonista ou antagonista pode ser muito complexa, por
isso o herói pode ser um anti-herói repleto de erros, vícios e vida deturpada, e
o antagonista justamente o que tem escrúpulos, o que de fato tem caráter de
herói. Mas isso não importa, pois independente das características físicas ou
psicológicas do herói, a história, ou enredo, sempre vão girar em torno dele e
de sua saga. Os outros elementos são complementares, coadjuvantes do
principal.

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Num roteiro, por ordem de entrada, antes da história desenvolvida, o
escritor tem que colocar, já na primeira página, logo depois do título da obra,
seu grupo de personagens principais e secundários. Os personagens principais
devem ser colocados por ordem de importância e ter agregado a eles uma
descrição de suas características físicas e psicológicas. Já os personagens
secundários podem ser indicados apenas segundo suas ocupações; por
exemplo, o soldado; o vizinho; o faxineiro, o entregador de pizza etc. Ainda
sobre personagens, um roteirista precisa estar ciente da enorme importância
que eles ocupam no imaginário das massas; por isso mesmo saber de sua
responsabilidade ao criá-los. Um bom exemplo de “herói maluco” está no
Batman, um homem que se veste de morcego e fica pelos telhados e ruelas
dando soco nos bandidos. Ele é tão biruta quanto seu antagonista e arqui-
inimigo Coringa. Os dois funcionam como se fossem a cara e a coroa de uma
única moeda, e por isso tanto encantam o espectador.

3. ARQUÉTIPOS: O cinema também pode se valer de arquétipos para a


criação dos personagens. O uso de arquétipos para mostrar diferentes lados da
personalidade em literatura foi enunciado por Carl Jung no início do século XX.
Na psicologia moderna, os arquétipos também são considerados como tendo
aspectos de luz e sombras. O lado leve de um arquétipo representa as
melhores qualidades. O lado da sombra é o arquétipo em seu pior extremo ou
obsessivo, o lado negativo do arquétipo (MARTINEZ, 2008).

Um arquétipo é um modelo original de algo que é padronizado ou serve de


modelo. Este termo é frequentemente usado na literatura, arquitetura e artes
para se referir a algo que se remonta aos fundamentos da arte. O psicólogo
Carl Jung descreveu vários arquétipos que se baseiam na observação de
padrões de pensamento e ação diferentes, mas são repetidos, e reaparecem
repetidas vezes. Jung acreditava que os arquétipos são modelos de pessoas,
comportamentos ou personalidades. Ele sugeriu que a psique era composta de
três componentes: o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. Os
arquétipos, segundo Jung, existem no inconsciente coletivo e são inatos,
universais e hereditários.

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Em teoria, os arquétipos junguianos referem-se a formas subjacentes
pouco claras ou aos arquétipos, como tal, que surgem de imagens e motivos
como a grande mãe, a criança, o malandro, o sábio e a morte, entre outros. A
história, a cultura e o contexto pessoal moldam essas representações
manifestas, dando-lhes assim seu conteúdo específico. Essas imagens e
motivos são mais precisamente chamados imagens arquetípicas. No entanto, é
comum que o termo arquétipo seja usado de forma intercambiável para se
referir a imagens de arquétipos. O cinema frequentemente se vale de
arquétipos para construção de personagens (Fig.17)

Fig. 17: John Wayne (à direita) é um excelente exemplo da utilização de arquétipo


pelo cinema. O eterno cowboy sempre representou a imagem de um homem áspero,
solitário, duro e corajoso que enfrenta grandes dificuldades para proteger as crianças
e as mulheres. Uma personalidade forte no imaginário das camadas populares, tanto
nos EUA, quanto na maioria dos outros países do mundo ocidental. Ele sempre sabia
o que deveria fazer e agia de forma rápida e decisiva para fazê-lo. Fonte da imagem:
http://www.stcatharinesstandard.ca/2017/06/12/film-house-the-western-dusts-it-up-at-
the-pac (acesso: 09/10/2017).

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17. CONCLUSÃO

Com todos os elementos de um roteiro vistos até aqui, vocês já podem


perceber as dificuldades de criação de uma obra cinematográfica.
Ninguém vira roteirista apenas com uma ideia na cabeça. É necessária a
prática de colocá-la no papel a partir de regras fundamentais, sem com isso
perder a criatividade e o colorido da história. Um roteiro como vocês já devem
ter constatado, nunca é apenas uma simples e boa história, mas um projeto
audiovisual onde as linguagens verbais são tão importantes quanto as não
verbais, pois são narrativas contadas a partir do desenvolvimento de cenas,
sequencias sons, diálogos bem feitos e imagens.

As imagens são uma parte importante do processo de criação de um


roteirista, pois tudo que seria descrição num conto, no roteiro deve virar
imagem. Sobre os diálogos a dificuldade também é grande, pois serão eles o
invólucro e as características psicológicas dos personagens. Fazem parte
intrínseca de uma ficção bem construída de cinema. Considerando todas essas
peculiaridades da construção de um filme, ninguém estranhe se uma boa
narrativa surgir a partir de uma pequena observação cotidiana, de um sonho ou
mesmo de um pesadelo, pois serão esses os desencadeadores de uma história
para cinema. O resto é prática, por a mão na massa e trabalhar. Sabendo
inclusive que um roteirista por mais que tenha experiência de anos de profissão
nunca está pronto, pois cada roteiro é um novo desafio. O roteiro também é um
desafio de criação.

Para o leigo criar é visto como um dom que faz parte de um processo
quase místico de inspiração. Isto é: trata-se de uma espécie de centelha divina
que só alguns iluminados são capazes de receber. Mas, para o artista as
coisas não funcionam bem assim. Nos meios de criação quer seja do teatro,
cinema, literatura, arquitetura e outros, tem-se como regra que criar se trata de
90% de esforço e apenas 10% de inspiração. Claro que na prática todo artista
sabe que de nada adiantaria essa quota gigantesca de esforço se ao lado dela
não existisse o que chamamos de “talento”. Sim, talento é a palavra mágica
que pode substituir de forma mais racional e democrática a ideia de “dom”.

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O talento pode vir do berço ou da forma como algumas crianças são
educadas, pode preexistir numa personalidade singular ou não, com a
vantagem de que também pode ser conquistado, descoberto pelo próprio
indivíduo ao se exercitar em determinada área. Isto é, talento pode ser
desenvolvido. Entretanto, talento desperdiçado não é nada; mas esforço
direcionado pode vir a se transformar em criação. A medida que o roteirista vai
treinando e aplicando seu conhecimento de roteiro, também vai aprimorando
seu talento.

Uma pessoa pode nascer, por exemplo, com uma bela voz e muita
afinação, mas nem por isso se transformará numa cantora. No entanto uma
pessoa sem grande voz, mas com muita vontade de cantar, garra e estudo
pode alcançar patamares tão altos de desenvolvimento artístico que de fato se
tornará uma grande profissional da área. Talvez haja algum exagero de minha
parte nessa colocação sobre esforço e talento se pensarmos em todas as
categorias de arte existente, pois de fato algumas delas mais do que outras
dependem sim de certo “dom” preexistente. Por exemplo, afinação para o
canto, facilidade para o desenho, flexibilidade para a dança etc. Mas quando
falamos em cinema, e principalmente em roteiro isso não se aplica, já que um
escritor pode aprender a ser roteirista e é disso que trata nossa oficina. Dar
instrumentais necessários para que os interessados possam compreender o
necessário para se profissionalizar nesta arte e ofício.

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BIBLIOGRAFIA

BORGES, Jorge Luis. Cinco Visões Pessoais. São Paulo, Unb, 1985.

CANDIDO, Antônio e CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura


brasileira. Das origens ao realismo. São Paulo, Bertand Brasil, 2003.

COUSINS, Mark. História do Cinema. Dos Clássicos Mudos até o Cinema


Moderno. São Paulo, Martins Fontes, 2013.

PUDOVKIN, Vsevolod. Argumento e Realização. São Paulo, Arcádia, 1981.

MARTINEZ, Monica. Jornada do herói - Estrutura narrativa mítica na


construção de histórias de vida em jornalismo. São Paulo: Annablume/Fapesp,
2008.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

PARAIZO, Lucas. Palavra do Roteirista. São Paulo, SENAC, 2015.

CARRIÈRE, Jean-Claude. A Linguagem Secreta do Cinema. São Paulo, Nova


Fronteira, 2015.

GODARD, Jean Luc. Escrever com a Câmara. São Paulo, Crisalida, 2010
(Clássico).

CAMPOS, Flávio de. Roteiro de Cinema e Televisão. A Arte e A Técnica de


Imaginar, Perceber e Narrar Uma Estória. São Paulo, Zahar, 2010 (clássico).

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