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EXPERIÊNCIA EM TORNO DA CRIAÇÃO DE BÍBLIAS DE

SÉRIES DE ANIMAÇÃO

Iara Sydenstricker
TIPOS DE HISTÓRIAS AUDIOVISUAIS SEGUNDO UNIDADES
NARRATIVAS* (Cinema, TV, Plataformas de Streaming, etc):

Programas unitários**
- Longa-metragem (no cinema, a partir de 70´)*
- Média-metragem (no cinema, entre 15´e 70´)*
- Curta-metragem (no cinema, até 15´)*

Programas serializados:
- Série
- Telenovela
- Soap opera
*Durações variáveis
** Nomeclatura adotada por Renata Pallotinni para designar tipos de pgm televisivo.
As histórias são contadas por partes, mesmo quando
contadas de uma só vez.

Podemos pensar nas cenas, nos capítulos ou nos


episódios como unidades de uma história ou de um
universo ficcional.

Cada unidade narrativa pode ter várias durações


dentro da história maior e pode se “embaralhar”
com as demais de formas distintas (início, meio ou
fim, fragmentações, reminiscências, projeções, etc).
FÔLEGO DRAMATÚRGICO

Expresso através de várias estratégias de combinação


entre a(s) história(s) que se quer contar e a sua
distribuição em duas escalas principais: a do tempo de
vida da(s) história(s) propriamente dita(s) em suas fases
evolutivas (começo, meio e fim ao longo das cenas ou
dos capítulos ou dos episódios ou das temporadas) e a
de suas unidades narrativas.
Dominar a estrutura da história que se quer contar
de forma audiovisual é essencial.
É fundamental conhecer/dominar seu universo
ficcional e saber como ele deve ser narrado no
audiovisual.

No formato unitário (curta, média ou longa)?


Em capítulos? Quantos?
Em episódios? De qual duração? Em quantas
temporadas? De quantos capítulos ou episódios?
ESTRUTURA E UNIDADES NARRATIVAS EM PROGRAMAS
SERIADOS:

TELENOVELAS – Programas capitulares


A estrutura da história de uma telenovela é pensada para um arco que cubra de 100 até 200
capítulos diários, em média, o que significa que a história não pode chegar ao seu ápice no
primeiro, nem no segundo, nem no terceiro mês de exibição. Aliás, vários pontos de clímax de
diversas hierarquias e proporções costumam ser planejados para uma telenovela: além de seu
arco maior, a história deve ter arcos menores que prendam o interesse do telespectador em
curtos e médios intervalos de tempo. A telenovela é arquitetada com base em surpresas,
“desvios de rota”, expectativas, encontros, desencontros, mistérios, revelações, segredos e
estratégias afins - próprias do melodrama -, dosadas ao longo dos seis meses de vida desse
programa diário que retrata, comenta e faz do cotidiano, glamour.

Ainda que se trate de obra muito extensa, é distribuída num intervalo de tempo relativamente
curto, bem menor do que o de soap-operas e séries.
SOAP OPERAS - Capisódios
Na década de 30, o rádio passa a ser o grande veículo emissor de histórias seriadas nos Estados Unidos e surgem as
soap-operas, patrocinadas por grandes empresas de produtos de limpeza que buscavam, em plena recessão
econômica, sensibilizar donas-de-casa a consumirem produtos de limpeza. Era a mulher, portanto, o principal alvo
dos patrocinadores. A soap caracteriza-se basicamente por:
- não tem um final previsto, podendo desenvolver-se indefinidamente;
- não há uma única trama principal como fio condutor, mas sim uma comunidade de personagens e, por
consequência, uma multiplicidade de plots;
- desde seu início, foi projetada para ter baixo custo, boa audiência e incrementar a venda produtos de limpeza e, por
isso, seus patrocinadores são também os produtores do programa.

A primeira soap-opera radiofônica, Painted Dreams, foi ao ar em 1930, nos EUA. A primeira soap-opera norte-
americana a ser exibida na televisão foi The First Hundred Years (1950-1951), pela CBS. A mais longa soap-opera da
televisão norte-americana é Guiding Life, que estreou no rádio em 1937, passou a ser exibida na televisão, canal
CBS, em 1952, e foi concluída em 2009. No Brasil, o modelo soap-opera mais conhecido (senão o único) é
Malhação, no ar na TV Globo desde 1995.
SÉRIES (maxi, midi e minisséries). Podem ser dramáticas
ou cômicas (sitcoms). São estruturadas em:

- capítulos
- episódios
-mistos (capisódios)

Capisódio: unidade com duas ou mais camadas da narrativa: uma(s)


para deleite do telespectador que desconhece o programa, porém
familiarizado com o ritmo e as estratégias dramatúrgicas das séries e
outra(s) para o telespectador fiel ao programa, guardião de sua
memória.
Um dos “segredos” da longevidade das séries está
na perspectiva de sua transformação, proporcionada
pela longa duração e pelo amadurecimento (e
envelhecimento) de três de seus “agentes”: o
telespectador, o ator e o personagem (Starling
Carlos, 2006).

Podemos somar a esses “agentes”, o próprio autor.


Um quádruplo envelhecimento, portanto.
Tipos de unidades narrativas em séries:

Lost, The Colony, Strager Things, Sense8, 8 em Stambul e Biohackers são


séries em capítulos porque suas unidades estão absolutamente
encadeadas (seria impossível compreender o que se passa no último
capítulo de uma temporada sem ter assistido aos anteriores)

West Wing, House e Bom dia, Verônica são séries em capisódios, já que
mesclam em suas unidades narrativas o encadeamento de ações que não
se concluem com uma oferta de eventos isolados fechados e
compreensíveis.

Family Guy (e a grande maioria de séries de animação), Black Mirror, Law


and Order e Friends são séries em episódios fechados que podem ser
vistos em qualquer ordem.
UNIVERSOS FICCIONAIS DE SÉRIES DE ANIMAÇÃO

IRMÃO DO JOREL: Juliano Enrico. Produção Cartoon e


Copa Studio. Estréia em 2014. Episódios de 11
minutos de duração.
“O cotidiano de uma família excêntrica e extravagante. Jorel é o filho do meio, com o cabelo sedoso e bem
liso e uma maneira doce e atraente para ganhar meninas, que faz dele o cara mais popular da
cidade. No entanto, o show não gira em torno dele, mas em torno de seu irmão mais novo, um
garoto tímido (e sem ter seu nome citado) que sempre é chamado de "Irmão do Jorel". Sendo
quase sempre ofuscado pela fama e popularidade de seu irmão mais velho, Irmão do Jorel tenta
ganhar sua própria identidade e ser alguém importante da família. Cada situação sempre acontece
numa confusão, algumas bem sérias e outras nem tanto, todas bem típicas de um ambiente
familiar brasileiro da década de 1980, em meio a aventuras surreais e sem-sentido, sempre a
partir da perspectiva do Irmão do Jorel.” (Wikipedia)
APRENDIZ DE HERÓI:
Três crianças amigas, Samir, Marvin e Luci, querem se tornar super-heróis. Vivem numa
ilha isolada e pacífica. Por desejarem ser heróis, são ridicularizados na escola. Mas a vida dessas
crianças muda completamente quando elas se encontram com suas versões
adultas que voltaram no tempo, são eles Sinapse (Samir), Magnânimo (Marvin)
e Lunaris (Luci). Esses super-heróis atrapalhados vieram de um futuro caótico onde vivem
uma luta constante para manter a ordem. Diante de problemas cada vez
maiores, eles decidem voltar no tempo para treinar suas versões crianças e se
tornarem assim mais poderosos, só que não esperavam que as crianças também tivessem muito
o que ensinar, principalmente através da amizade e do trabalho em equipe.
HORA DA AVENTURA: Pendleton Ward. Cartoon.
Estréia em 2010. Episódios de 11 minutos de
duração. Baseada num curta, inspirada num RPG.
As aventuras de Finn, um garoto aventureiro, e o seu melhor amigo e irmão
adotivo Jake, um cão com poderes para mudar sua forma e seu tamanho. Finn e
Jake habitam a pós-apocalíptica Terra de Ooo, envolvendo-se em aventuras
fantásticas, salvando princesas e ajudando a todos que precisam. Interagem com
os outros personagens principais da série: Princesa Jujuba, o Rei Gelado e
Marceline, a Rainha dos Vampiros.
PROJETOS DE SÉRIES DE ANIMAÇÃO
Informações básicas (base: edital de 2019 SECULT/BA)
- PERFIS DAS PERSONAGENS - Detalhamento do perfil físico, psicológico e biográfico dos personagens da
minissérie de animação, incluindo possíveis referências a outras obras audiovisuais ou artísticas, se for o
caso.

- PROPOSTA DA OBRA AUDIOVISUAL- Apresentação do programa, incluindo tema, visão original, resumo,
tom, relevância e conceito unificador do projeto, se houver).

- ESTRUTURA E GÊNERO DRAMÁTICO- Detalhamento da estrutura da obra, e sua relação com os gêneros e
subgêneros dramáticos sedimentados – tragédia, comédia, suspense etc. , incluindo possíveis referências a
outras obras audiovisuais ou artísticas, se for o caso).

- LINGUAGEM E PROCEDIMENTOS NARRATIVOS - Detalhamento da linguagem audiovisual e dos


procedimentos narrativos utilizados - voz sobre imagem, flashback, efeitos etc. - adequados ao público-alvo
definido na proposta, incluindo possíveis referências a outras obras audiovisuais ou artísticas, se for o
caso).
- RESUMO

- DESCRIÇÃO

- JUSTIFICATIVA

– OBJETIVOS

- PÚBLICO-ALVO DO PROJETO

- PROPOSTA DA DIREÇÃO - estrutura e gênero dramático, perfil dos personagens, cenários e locações; referências
acerca da inovação de linguagem,

- METAS - o que será realizado, incluindo contrapartidas sociais

- ETAPAS - contratação equipe, consultoria de roteiro, criação da bíblia e dos roteiros, projeto executivo, diagramação,
etc

- FICHA TÉCNICA

- ORÇAMENTO

- CRONOGRAMA
BÍBLIAS DE SÉRIES DE ANIMAÇÃO
Informações básicas
- LOGLINE – É um convite, uma forma de chamar a atenção do seu leitor ou interlocutor para conhecer a série. É uma
breve declaração proativa que resume o tom e o universo da sua série. O Logline deve ter menos de 30 palavras e
descrever claramente o Protagonista, sua Falha, seu Objetivo e o Antagonista. De acordo com Gustavo Erick, a logline
se resumo na seguinte equação: protagonistas + objetivo +obstáculos + o(s) valor(es) humano(s).

- TEMA - É o assunto que cria os elos de toda a história. Informa o que entra e deixa claro o que não entra na história.
Aqui são reveladas as personagens e os eventos dramáticos primordiais. É também considerado um detalhamento da
logline acrescida de informações sobre a estrutura.

- PREMISSA DRAMÁTICA - O princípio organizador do arco dramático principal - é o coração pulsante da história. deve
ser vista como um princípio organizador do arco dramático principal da sua obra serializada. Apresenta as
personagens envolvidas em eventos dramáticos que nos indiquem o tema, o conflito central, o gênero ficcional e o
potencial de
serialização da história.
- CONCEITO DA SÉRIE - estrutura e fôlego dramatúrgico (tipo de unidade narrativa, número de episódios por
temporada, número de temporadas, gênero, técnica de animação, referências audiovisuais, resumo dos perfis dos
protagonistas e a premissa propriamente dita, ou seja, como serão desenvolvidos os princípios estabelecidos através
das personagens (como por exemplo: a solidariedade e a coragem)

- ARCO DRAMÁTICO DA PRIMEIRA TEMPORADA - evolução da narrativa ao longo da primeira temporada, de


preferência através dos resumos encadeados de cada capítulo ou dos resumos de cada episódio

- ARCOS PARA OUTRAS TEMPORADAS – resumo da grande narrativa nas duas ou três temporadas seguintes

- PERFIS DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS – Protagonistas e Antagonista (se houver)

- PERFIS DAS PERSONAGENS SECUNDÁRIAS – em toda a narrativa da primeira temporada ou personagens que entram
num ou mais episódios

- DESCRIÇÃO DO UNIVERSO FICIONAL – temporalidade, contexto, lugar(es) e sua história, cenários/locações

- VISÃO DE COMUNICABILIDADE - público alvo e faixa etária indicada, outros eventuais públicos interessados,
subprodutos, ações transmidiáticas
- FORMATO - número e duração dos capítulos ou episódios, principais pontos de virada da história (ou “beats”)

- SINOPSES DE CADA CAPÍTULO OU EPISÓDIO DA TEMPORADA (5 a 6 linhas para cada sinopse)

- ROTEIROS – os roteiros de todos os capítulos ou episódios da temporada

- CONCEPÇÃO DA DIREÇÃO E DA LINGUAGEM AUDIOVISUAL

- ESTUDOS DE CONCEPT VISUAL

- STORY BOARDS

- EQUIPE

- PROJETO EXECUTIVO

- PRESTAÇÃO DE CONTAS (no caso de editais) OU ORÇAMENTO


EXEMPLOS
PROJETO DE SÉRIE BÍBLIA DE SÉRIE
A SÍNDROME DE SHERAZADE
“(...) - Por Deus, minha irmã, é maravilhosa a tua história – disse Dinarzade.

- A continuação é mais surpreendente ainda – respondeu Cheherazade -, e tu concordarias, se o sultão me deixasse


viver ainda hoje e me permitisse contá-la na próxima noite.

Chahriar, que ouvira Cheherazade com prazer, pensou consigo mesmo:

- Esperarei até amanhã, e ela morrerá, mal eu tenha ouvido o resto da história. (...)

O sultão, segundo o hábito, passou o dia administrando os negócios do país. Quando a noite caiu, deitou-se
novamente com Cheherazade. No dia seguinte, antes do despontar do dia, Dinazarde não deixou de se dirigir à irmã
e dizer-lhe:

- Minha querida irmã, se estiveres dormindo, suplico-te, enquanto aguardamos o dia, que não demora, continues a
histórias de ontem.

Chahriar não esperou que Cheherazade lhe pedisse permissão.

- Termina – disse-lhe ele – a história do gênio e do mercador. Estou curioso por saber qual é o fim.
Cheherazade, então, continuou (...)
Desejamos o fim, mas também desejamos seu adiamento. Todorov,
sobre As Mil e uma noites:

“A narrativa é igual à vida; a ausência de narrativa, à morte. Se Sherazade não


encontrar mais contos a narrar, será executada. É o que acontece ao médico
Dubane quando ele é ameaçado de morte. Ele pede ao rei a permissão de contar a
história do crocodilo; a permissão lhe é recusada e ele morre. Mas Dubane se
vinga pelo mesmo meio e a imagem dessa vingança é uma das mais belas das Mil e
Uma Noites: oferece ao rei impiedoso um livro que este deve ler enquanto cortam
a cabeça de Dubane.” (p.128).

*
Ao abrir o livro, o rei tenta passar as
páginas, mas estão coladas umas às outras.
Assim, ele coloca o dedo na boca e, com sua
saliva, umedece-as, conseguindo virá-las
pouco a pouco até se dar conta de que
história não havia. As páginas estavam em
branco. Foi o tempo necessário para que o
veneno impregnado naquele livro o matasse.
Todorov, então, conclui:

“A página branca é envenenada. O livro que não


conta nenhuma narrativa mata. A ausência de
narrativa significa a morte.”
REFERÊNCIAS:
Livros:

CARLOS, Cássio Starling. Em tempo real: Lost, 24 Horas, Sex and the City e o Impacto das Novas Séries de TV. São Paulo: Alameda Editorial, 2006.

CARNEIRO, Gabriel; SILVA, Paulo Henrique (orgs). Animação brasileira. 100 filmes essenciais. Belo Horizonte: ABRACCINE: abca; Letramento, 2018

GALLAND, Antoine (Versão). As mil e uma noites. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

JÚNIOR, Alberto Lucena. Arte da animação. Técnica e estética através da história. São Paulo: Editora Senac, 2005.

MARCHETI, Ana Flávia. Trajetória do cinema de animação no Brasil. São Paulo: Ed. Do Autor, 2017.

MARX, Christy. Writing for animation, Comics anda Games. USA: Elsevier & Focal Press., 2007 (sugiro buscar edição mais atualizada)

PALLOTINNI, Renata. Dramaturgia de Televisão. São Paulo: Ed. Moderna, 1998.

SCOTT, Jeffrey. How to write for animation. Woodstock & NY: The overlook press, 2003 (sugiro buscar edição mais atualizada)

TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2003.

WELLINS, Mike. Stopytelling through animation. Massachusetts: Charles River Media, InC., 2005 (sugiro buscar edição mais atualizada)

WEBBER, Marylyn. Gardner´s guide to animation scripting. The writer´s road map. Virginia: GGC Inc Publishing, 2000. (sugiro buscar edição mais atualizada)

____. Gardner´s guide to feature animation writing. The writer´s road map. Washington: GGC Inc Publishing, 2002. (sugiro buscar edição mais atualizada)
Sites:

Para leitura de roteiros diversos: www.roteirosonline.com.br

Boa referência para conhecer soap-operas norte-americanas em exibição ou já exibidas: http://www.soaps.com/

Questões sobre a escrita audiovisual: Tertúlia narrativa em https://www.tertulianarrativa.com/

Tese:

CAMPOS, Bartira Bejarano. Sala de Roteiristas: a Writers' Room brasileira e seu processo de escrita colaborativa de
séries televisivas. São Paulo: ECA/USP, 2018. IN http://www3.eca.usp.br/node/24767
AGRADECIMENTOS:
Amadeu Alban
Cecília Soares
Centro de Cultura e Tecnologias Aplicadas (CECULT)
Cíntia Maria
Estandarte Produções
Fundo de Cultura do Estado da Bahia
Gustavo Erick
Jamile Coelho
NUBAS (Núcleo Baiano de Animação e Stop Motion)
Secretaria de Cultura da Bahia
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

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