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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS

DEPARTAMENTO DE ARTES E ESTUDOS CULTURAIS

GRADUAÇÃO EM PRODUÇÃO CULTURAL

LUIZ GABRIEL SOARES DE JESUS

ALÉM DO PRODUTO CULTURAL E A IMAGEM DISTÓPICA DO


FUTURO: uma narrativa lúdica, contemporânea e pós-apocalíptica na
série Hora de Aventura

Rio das Ostras

2022
1

LUIZ GABRIEL SOARES DE JESUS

ALÉM DO PRODUTO CULTURAL E A IMAGEM DISTÓPICA DO


FUTURO: uma narrativa lúdica, contemporânea e pós-apocalíptica na
série Hora de Aventura

Monografia apresentada ao Departamento de Artes e


Estudos Culturais - RAE da Universidade Federal
Fluminense como pré-requisito para obtenção do título
de Bacharel em Produção Cultural, sob a orientação do
Prof. Dr. Gilmar Rocha.

Rio das Ostras


2022
Ficha catalográfica automática - SDC/BRO
Gerada com informações fornecidas pelo autor

J58a Jesus, Luiz Gabriel Soares de


Além do Produto Cultural e a Imagem Distópica do Futuro :
uma narrativa lúdica, contemporânea e pós-apocalíptica na
série Hora de Aventura / Luiz Gabriel Soares de Jesus. - 2022.
76 f.

Orientador: Gilmar Rocha.


Trabalho de Conclusão de Curso (graduação)-Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Humanidades e Saúde, Rio das
Ostras, 2022.

1. Distopia. 2. Ficção-científica. 3. Hora de Aventura.


4. Imaginário. 5. Produção intelectual. I. Rocha, Gilmar,
orientador. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de
Humanidades e Saúde. III. Título.

CDD - XXX

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368


2

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


CAMPUS RIO DAS OSTRAS

INSTITUTO DE HUMANIDADES E SAÚDE


DEPARTAMENTO DE ARTES E ESTUDOS CULTURAIS
COORDENAÇÃO DO CURSO DE PRODUÇÃO CULTURAL

ATA DA SESSÃO DE ARGUIÇÃO E DEFESA DE TRABALHO MONOGRÁFICO DE


CONCLUSÃO DE CURSO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM
PRODUÇÃO CULTURAL.

Aos vinte e cinco dias do mês de novembro do ano de dois mil e vinte e dois, às 15
horas, realizou-se de forma remota pela plataforma digital Google Meet (link:
meet.google.com/meet.google.com/zhf-eacj-oxq), a sessão pública de arguição e defesa
do Trabalho Final II intitulado Além do Produto Cultural e a Imagem Distópica do
Futuro – uma narrativa lúdica, contemporânea e pós-apocalíptica na série Hora de
Aventura, apresentado por Luiz Gabriel Soares de Jesus, Mat. 217062054, sob
orientação do Professor Dr. Gilmar Rocha.
A comissão Examinadora foi constituída pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Gilmar Rocha / RAE - UFF


Professor Orientador

Prof. Dr. Rodrigo Cazes Costa / RAE -UFF


1° Examinador

Prof. Dr. Daniel Pecego Vieira Caetano / RAE - UFF


2° Examinador

Após a apresentação do candidato, a Comissão Examinadora passou à arguição pública.


O aluno foi considerado aprovado, com nota 9,5 (nove e meio). E para constar do
processo respectivo, a Comissão Examinadora elaborou a presente ata, que vai assinada
por todos os membros.

Prof. Orientador

1° Examinador 2° Examinador
3

Em construção: uma trajetória de


persistência e resiliência. Aos sonhos: se
continuar e acreditar, se tornará realidade.
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, uma força misericordiosa e inexplicável, que me permitiu atravessar


os mais diversos desafios até concluir essa árdua jornada. A minha mãe, Jerusa, minha avó,
Maria Madalena (in memorian) e minha estimada e inesquecível amiga, Cláudia Braga (in
memorian). A simplicidade e a preciosidade do afeto. Ao valor do momento presente, do riso
ou choro, da alegria ao pesar da despedida. Agradeço a cada incentivo concedido a mim e em
minha caminhada, culminando nesta realização. Ao suporte nos dias nublados, chuvosos ou
ensolarados. Ao meu pai, Laercio Luiz, qual reconheço seus esforços. Agradeço por
acreditarem no meu potencial e por ser abençoado nessa vida, onde fui capaz de cativar corações
e receber crédito em meus ideais.

Em memória, registro uma lembrança da minha infância que me inspirou ao longo


desses anos: no primário, estudei em uma escola em São João de Meriti (RJ) e minha mãe
trabalhava como auxiliar de limpeza. Em uma pausa no seu trabalho, vejo ela segurando uma
vassoura com semblante cansado, desanimado e o peso da vida nos ombros (tão denso que uma
criança pôde traduzir). Mas, em um entusiasmo repentino e uma troca de sorrisos, ela me diz:
“e lá vamos nós” (citando uma frase do desenho animado Pica-Pau, 1955). Assim, esse trabalho
é resultado de continuar, acreditar e se aventurar, mesmo não sabendo o que se esperar e dizer
com entusiasmo: e lá vamos nós!
5

“Time is an illusion, that helps things makes sense.”

(Rebecca Sugar)
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RESUMO

Os produtos culturais se exibem como um reflexo de diálogo contemporâneo e anacrônico. O


presente trabalho tem como objetivo argumentar sobre a relação do homem com a imagem e o
desenvolvimento da cultura visual. Se apoiando em autores, pensadores e estudos das áreas de
ciências sociais e humanas, comunicação e artes. A “realidade” se apresenta como invenção de
um processo de fabulação e constructo ficcional a partir da imaginação e narrativa humana. O
resultado, é a complementação concisa da realidade e da ficção. Assim, através da análise da
série animada "Hora de Aventura" (Adventure Time, 2010) de Pendleton Ward, qual desenvolve
sua trama sobre um futuro distópico pós-apocalíptico na terra. É possível observar uma
plausibilidade do discurso narrativo da ficção-científica a respeito da sociedade humana.

Palavras-chave: apocalipse; cultura visual; distopia; ficção-científica; hora de aventura;


imaginário.
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ABSTRACT

Cultural products are displayed as a reflection of contemporary and anachronistic dialogue. At


first, the present work aims to argue about the relationship between man and the image and the
development of visual culture. Relying on authors, thinkers and studies in the areas of social
and human sciences, communication and the arts. The “reality” presents itself as the invention
of a process of fabulation and fictional construct from human imagination and narrative. The
result is the concise complementation of reality and fiction. Thus, through the analysis of the
animated series "Adventure Time" (2010) by Pendleton Ward, which develops its plot about a
dystopian post-apocalyptic future of the earth. It is possible to observe a plausibility of the
narrative discourse of science-fiction about human society.

Keywords: adventure time; apocalypse; dystopia; imaginary; science-fiction; visual culture.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Frame inicial da abertura da série Hora de Aventura_________________________37


Figura 2: Cenas de “Hora de Negócios”__________________________________________38
Figura 3: Cenas de “Oceanos de Medo”__________________________________________38
Figura 4: Cenas de “Susana Forte”______________________________________________39
Figura 5: Cenas de “Folia Mortal”______________________________________________40
Figura 6: Cenas de “Memória de uma memória”___________________________________41
Figura 7: Cenas de “Segredos de Natal”__________________________________________42
Figura 8: Cena de “Cinco Historinhas”___________________________________________43
Figura 9: Cenas de "Me Lembro de Você"________________________________________44
Figura 10: Simon na guerra dos cogumelos em “Finn, o humano”______________________45
Figura 11: Cenas de “Simon & Marcy”___________________________________________46
Figura 12: Cenas de “James”__________________________________________________46
Figura 13: Cena de “Roxo Escuro”______________________________________________47
Figura 14: Cenas de “O cometa”________________________________________________48
Figura 15: Cenas de “Tudo Permanece”__________________________________________49
Figura 16: Marceline e humanos em “Tudo Permanece”_____________________________50
Figura 17: Hyoomans de “Susana Forte”_________________________________________50
Figura 18: Cenas de “The More you Moe, The Moe you Know”________________________51
Figura 19: Cenas de "Pré-início"________________________________________________52
Figura 20: Cenas de “Ilha Misteriosa”___________________________________________53
Figura 21: Cenas de “Recursos Imaginários”______________________________________55
Figura 22: Lembranças de Kara em “Esconde-esconde”_____________________________56
Figura 23: História de Minerva Campbell em "Min and Marty"________________________57
Figura 24: Tentativa de upload cerebral coletivo de todas as ilhas______________________59
Figura 25: Embarcações humanas no final de "Venha Comigo"________________________59
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO___________________________________________________________10

CAPÍTULO 1 – IMAGEM, IMAGINÁRIO E CULTURA VISUAL: DAS


REPRESENTAÇÕES AO ESPETÁCULO DA REALIDADE INVENTADA_________13
1.1 O homem e a imagem: imaginação, comunicação e a realidade inventada_______13
1.2 A realidade inventada: a narrativa, entretenimento e a realidade do espetáculo___18

CAPÍTULO 2 – FICÇÃO-CIENTÍFICA E CONTEMPORANEIDADE: UMA


DESCRIÇÃO E CRÍTICA DO FUTURO ATRAVÉS DA CIÊNCIA________________24
2.1 Atravessando narrativas e possibilidades: utopias e distopias_________________24
2.1.1 Os dois lados da lua: utopia e distopia______________________________27
2.2 O cinema sci-fi e o universo lúdico: as distopias no audiovisual e a tecnologia como
um meio para um fim_______________________________________________29

CAPÍTULO 3 – HORA DE AVENTURA: ENTRE AS RUÍNAS PÓS-APOCALIPTICAS


NA TERRA DE OOO_______________________________________________________36
3.1 Uma distopia lúdica: desvelando a ilustração do destino da humanidade________36
3.1.1 Das representações ao conteúdo: processos textuais e a aventura_________60
3.2 Em busca da identidade humana e a realidade virtual: reflexões sobre deslocamento
cultural e tecnologia___________________________________________________62

CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________________67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_________________________________________69
REFERÊNCIAS AUDIOVISUAIS____________________________________________73
10

INTRODUÇÃO

Inicialmente, esse trabalho é fruto de uma crença particular na transdisciplinaridade e


no entendimento dos atravessamentos e complexidades da cultura. Logo, se exige flexibilidade,
disposição, habilidosas competências e conhecimentos de outras áreas para se aplicar em um
estudo cultural. Tendo em vista, fatores e elementos históricos, sociais, políticos, econômicos,
artísticos, filosóficos etc. Portanto, o pesquisador cultural assume a postura de se ater no diálogo
com potenciais conhecimentos que irão lhe auxiliar e estimular suas argumentações.

A escolha da série de animação “Adventure Time (2010)” como objeto de estudo, parte
de sentido particular. Pois, a obra possui notória capacidade de construir reflexões e diálogos
contemporâneos para questões a respeito da sociedade humana. A série é uma criação do
animador, Pendleton Ward. A princípio, teve um episódio piloto (2007) produzido para
“Random! Cartoons”, um programa “laboratório” para séries animadas da “NickToons”
(Nickelodeon) e Frederator Studios, com o objetivo de torná-la uma nova série do canal, mas,
a ideia foi recusada. No entanto, o projeto passou para a Cartoon Network (2010-2018).
Certamente, a série se consolidou com dez temporadas, curtas e especiais. Desde então, a obra
fez notável sucesso em premiações, pela crítica e na construção de um grande público. A série
também teve desdobramento e continuidade em forma de história em quadrinhos (HQs).
Recentemente, a obra recebeu quatro especiais (spin-offs) pelo serviço de streaming da HBO
Max com o título “Hora de Aventura: Terras Distantes (Adventure Time: Distant Lands)” de
2020 até 2021. Aparentemente, existe interesse em outras produções derivadas da série para o
futuro.

Desta maneira, a análise se desenvolve a partir das áreas de estudo das artes e suas
linguagens, filosofia, comunicação, cultura, sociologia e antropologia. E tem como objetivo de
refinar uma perspectiva da realidade com proximidade a narrativa ficcional. Por meio de uma
análise metodológica de conteúdo da série “Hora de Aventura” (Adventure Time, 2010). Ao se
direcionar para o olhar lúdico da obra e seus apontamentos contemporâneos, como, a construção
do imaginário distópico do futuro humano e a relação do homem com os avanços tecnológicos.
11

A argumentativa do tema é alinhar a imaginação como fonte geradora da capacidade


narrativa, em sentido de “contar uma história”. Observando, que entre a realidade e a ficção, o
tecido que supostamente os separa, é invisível. Apontando a história e a sociedade humana,
como uma imagem construída ao longo do tempo e o “real”, se compreende um espetáculo.
Assim, ao se apoiar na ficção-científica que se utiliza de argumentos verossímeis a realidade,
se apresentam as utopias e distopias. Sendo essas, as possibilidades de imaginar um futuro para
a humanidade a partir da ciência e tecnologia, mas, com característica crítica as relações
humanas e a sociedade atual. Igualmente, o trabalho fomenta o estudo e análise de animações
na área acadêmica brasileira. Certamente, em diversas obras do gênero, é possível evidenciar
notáveis e complexas estruturas narrativas simbólicas, de códigos e abordagens pertinentes as
relações humanas e a sociedade. Entretanto, essa essência, geralmente passa despercebida por
estar contida em obras de entretenimento, comumente, associadas ao público infanto-juvenil,
sem maiores investigações.

Consequentemente, é fecunda a ponderação sobre a imagem como recurso de


comunicação e ferramenta narrativa, evidentemente, a “imagética” (expressão através da
imagem), que é capaz de se relacionar diretamente com o homem e a sua imaginação. Isto é, a
imagem é capaz de desmontar as limitações físicas e permitir acesso a infinitude do campo
imaginário. Sendo assim, a imagem está presente em numerosos processos, formas e
possibilidades, desde a imaginação, produção até a comunicação. Tendo em vista, um extenso
acervo de itens imagéticos que se multiplica, se desdobra, se reinventa e se acrescenta. Por
exemplo, as pinturas rupestres, hieroglifos ou as diversas simbologias colecionadas ao longo da
história humana, culminam e fazem parte desse acervo. Em síntese, a imagem acessa o
imaginário, que por sua vez, se torna arte; entretenimento e construção narrativa do simbólico:
espetáculo humano. Logo, o espetáculo é proveniente do desenvolvimento da “cultura visual”
e do processo de comunicação mediatizado por imagens.

A princípio, no primeiro capítulo se evidencia a relação do homem com a imagem, como


e além da representação das “coisas” e de seu imaginário. Igualmente, no desenvolvimento de
uma cultura visual. Percebendo fatores e componentes do processo de imaginação, produção e
comunicação através da imagem. Paralelamente, observando o direcionamento e elaboração do
entretenimento como parte de um exercício de fabulação e indústria de sonhos.
12

Tendo em vista, uma compreensão da construção do “espetáculo da realidade”,


proveniente da capacidade de comunicação, intermediação das imagens e da constituição de
uma cultura visual. Desta maneira, a realidade se revela uma construção narrativa do homem
através das imagens e culmina em um espetáculo.

Em seguida, no segundo capítulo, se faz uma abordagem sobre o desenvolvimento da


ficção-científica e sua relação com os avanços da sociedade. Então, observa-se de modo
histórico, a sua potência de proporcionar um diálogo crítico e contemporâneo com a realidade.
Igualmente, se destaca o fomento das produções do gênero, na literatura e no cinema.
Demonstra-se que a ficção-científica atua no campo do imaginário e do real, unindo a previsão
e descrição das possibilidades através do seu posicionamento científico. Certamente, de modo
vital, argumenta sobre as relações futuras da sociedade humana com a ciência e a tecnologia,
assim, gerando as narrativas utópicas e distópicas, que são contundentes perspectivas e
possibilidades para uma observação da sociedade humana a longo prazo.

Por último, no terceiro capítulo, se apresenta a narrativa distópica e pós-apocalíptica em


Hora de Aventura. Tendo em vista, a trama ao longo das dez temporadas e os elementos que
evocam a narrativa da catástrofe ocorrida na sociedade humana. Em seguida, se faz uma análise
contemporânea de conteúdo e interpretação crítica da animação, sobre a condução de um
diálogo para questões sobre o tempo presente. Assim, observando entre a realidade e a ficção,
as relações humanas, científicas, tecnológicas e futuras. Ao apontar na série, a capacidade
lúdica em narrar e descrever a realidade como potência a ser decodificada.
13

CAPÍTULO 1 – IMAGEM, IMAGINÁRIO E CULTURA VISUAL: DAS


REPRESENTAÇÕES AO ESPETÁCULO DA REALIDADE INVENTADA

1.1 O homem e a imagem: imaginação, comunicação e a realidade inventada.

Inicialmente, o homem desde muito tempo estabelece uma forte proximidade com a
imaginação e a produção de imagem. Seja como registro, expressão, arte ou comunicação.
Igualmente, a imagem produz e possui sua própria memória, se desvelando entre seus
atravessamentos e evocando para si, um olhar sobre o tempo. Deste modo, Nascimento observa,
“[...] a imagem aparece no centro da vida histórica por se constituir como um objeto dialético,
produtor de uma historicidade anacrônica.” (NASCIMENTO, 2005, p. 51). Logo, o homem
desenvolveu uma relação cultural em torno da imagem, um recurso que veio a receber diversas
camadas e simbologias na sociedade humana. Consequentemente, expandindo as possibilidades
narrativas da realidade, fantasia, do tempo, dos temores e desejos do ser humano. Então, em
primeiro momento, vê-se a materialidade da imagem quanto uma representação de algo:

“Uma imagem sempre será uma representação de qualquer outra coisa. Ou


seja, não podemos abrir a janela, olhar a paisagem e dizer <<que bela
imagem>>. Porque o que temos a nossa frente é a própria coisa. Uma
imagem será, sempre, um processo de mediação: uma representação
(imagem) de um referente (coisa).” (AREAL, 2012, p. 60).

Sendo assim, pode-se compreender de forma razoável que independente do suporte


tecnológico da produção da imagem, ela se alocará em um lugar de representação de uma
“coisa”. Na compreensão, que “A imagem não é a imitação das coisas, mas um intervalo
tornado de forma visível, a linha de fratura entre as coisas” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 126).
Sem dúvida, “A imagem representa, pois, o espaço onde se encontram o agora e o não mais
agora, ela é sempre carregada de tensões [...]” (NASCIMENTO, 2005, p.51).

Por certo, tanto na representação do mundo sensível (natureza física), quanto na


ilustração do mundo inteligível (natureza não-física). Assim, o filósofo Platão (428 a.C. – 348
a.C.) refletia sobre a imperfeição da realidade e como ela é somente uma cópia (representação)
inacabada do mundo inteligível. Apesar de, o mundo sensível se direcionar a tentativa de recriar
o que existe no mundo das ideias, ele constantemente falha, ao tentar alcançar a “perfeição”.
14

Por outro lado, também é valido pensar sobre a imagem como um sintoma. Huberman
diz que, “uma imagem que produz seus objetos, não como "substâncias", mas como "os
sintomas lábeis e dependentes da atividade humana.”, faz parte do "processo complexo e lábil
do sujeito-objeto" e não o resultado objetivado de uma representação”. (DIDI-HUBERMAN,
2015, p.222). Ou seja, a imagem não se limita a representação ou supostamente é “original” de
um conceito (ideia). Todavia, também, necessita e se apoia da retroalimentação (intertexto) das
realizações, atividades e produções antecedentes, para ser concebida. Logo, se tornando um
sintoma de uma causa.

Além disso, existem variadas formas em como a imagem pode se apresentar, desde a
autoimagem, ótica, literária, sonora, mental e dentre outras. Apesar de, a imagem estar
correlacionada ao campo visual, a imagem subjetiva ou interna se demonstra parte de um campo
mais amplo e sensorial. Sodré observa que “Embora diferindo essencialmente da sensação, a
imagem subjetiva a esta se assemelha em alguns aspectos, como o das mesmas reações diante
de um objeto ou do prolongamento imagético da sensação. Assim, as imagens internas podem
ser visuais, auditivas, gustativas, olfativas e táteis” (SODRÉ, p. 81). Por exemplo, pode-se
imaginar um filme ou novela passando em uma televisão, enquanto uma pessoa está ouvindo a
narrativa e ocupada em outros afazeres. Apesar da ausência visual, a imagem sonora e mental
possibilita a ilustração do que está ocorrendo para o indivíduo. Então, demonstra a capacidade
intrínseca da imagem, no imaginário humano.

Em vista disso, pode-se perceber a amplitude e complexidade da imagem como (ou


mais) que a representação, sintoma ou ilustração de uma cultura visual humana. Sendo, o
entendimento de cultura visual: as relações humanas mediatizadas através das imagens.
Igualmente, se evidencia a capacidade comunicativa e simbólica proveniente da imagética, que
conduz a formulação do imaginário coletivo. Por exemplo, não se tem comprovações cientificas
da existência de vampiros, lobisomens, fadas, anjos, demônios ou outras criaturas míticas.
Entretanto, através de construções imagéticas ao longo dos séculos, se apresentaram
referenciais lúdicos dessas figuras-imagens e seus conceitos, propagados de modo universal.
Assim, como para outras inúmeras ilustrações de senso comum e compartilhadas entre as
culturas (mitos, folclores, contos etc.).
15

Portanto, a imagem atua também, na elaboração e difusão das ideais e símbolos culturais
na sociedade. Assim, construindo o imaginário coletivo e compartilhado de modo social e
universal (direto ou indireto). Por exemplo, os ditados populares, criaturas míticas ou as lendas
urbanas. Maffesoli põe em perspectiva que “Não é a imagem que produz o imaginário, mas o
contrário. A existência de um imaginário determina a existência de um conjunto de imagens. A
imagem não é o suporte, mas o resultado” (MAFFESOLI, 2008, p. 76).

Consequentemente, a junção da imagem, imaginação e a arte, possibilitou e se


desdobrou em entretenimento, que por sua vez, se amplificou em uma diversidade de
manifestações, projeções, relações sociais, dramatizações e atuações do homem com a
criatividade. Por certo, esse processo recebeu outra gama de atravessamentos e fatores sociais,
culturais, religiosos, políticos, filosóficos, ecológicos etc. Corroborando, para que a expressão
criativa, podendo ser, entre a diversidade de linguagens de expressão ou meios de reproduzi-
las ou outros modos. Se tornasse um conglomerado cultural, comunicador e transmissor de
ideias, sintoma e representação simbólica.

Em vista disso, hoje, a arte pode se passar por fruição/apreciação ou entretenimento.


Embora, o teor de seu conteúdo possa ser oriundo do banal, ordinário ou até a mais autêntica
genialidade, essas características se tornam particulares para cada indivíduo receptor da “coisa”,
obra ou objeto. Logo, ao percorrer esse pensamento, existe a possibilidade de afirmar o
surgimento do conceito de espetáculo (pensando em comunicação, expressão, arte, seus
atravessamentos e entretenimento). Pois, o espetáculo é processual e não natural, uma
concepção e realização do homem, originado de sua capacidade racional.

Visto que, diferindo dos outros animais na natureza, onde os eventos ocorrem de modo
natural. Para o homem, existe a percepção racional de ensaio, elaboração e roteirização de suas
narrativas. Simmel pondera sobre as diferenças dos animais e do ser humano, ele diz que: “Só
ao homem é dado, diante da natureza, associar e dissociar [...]” (1996, p. 10). Logo, surge o
“espetáculo do homem”, uma perspectiva de atuar, contracenar e figurar a existência. Além
disso, esses conceitos são possíveis através da inventividade do ser humano, conduzidos pela
racionalidade e a imaginação. Segundo Rocha:
16

“O imaginário é da mesma natureza da razão, posto que reside no plano da


cognição, reconhece Durand (1998); contudo, sofreu grande desvalorização
ao longo da história tendo sido associado à ilusão, à fantasia, ao simbólico, à
imaginação. Mas, sem a imaginação não há ciência, artes, cultura [...].”
(ROCHA, 2016, p. 170)

Em vista disso, o campo do imaginário se apresenta com extensas possibilidades de


abordagem e complexas questões. J.M. Silva aponta que, “O imaginário é uma rede etérea e
movediça de valores e sensações partilhadas concreta ou virtualmente.” (J.M. SILVA, 2006, p.
9). Assim como, para Legros, “o imaginário circula através da história, das culturas e dos grupos
sociais. É um fenômeno coletivo, social e histórico” (LEGROS et al., p. 10). E Rocha afirma,
“Portanto, para além da representação como reprodução, o imaginário também é fonte de
criação e de ação simbólica.” (ROCHA, 2016, p. 176). Por isso, o ser humano na qualidade
racional, cognitiva e realizador do ato de imaginar, acessa um “entre-lugar” do sensível e
inteligível, da razão e imaginação, que o permite produzir e moldar as suas relações, assim
como, sua existência e o mundo a sua volta.

Inclusive, pode-se pensar em duas situações: uma partindo do individual para o coletivo,
mas também outra, das ideias existentes no coletivo, “moldarem” e afetarem o individual. No
caso do individual para o coletivo: um homem persuasivo, eloquente, criativo e malicioso, é
capaz de atuar com perspicácia em um espetáculo da existência humana. Sendo ele o condutor
de uma narrativa sórdida, suplantando e instigando ideias que no “outro” já era de algum modo
inconsciente ou consciente presente. Então, esse homem encontra recursos criativos para evocar
e manipular outros indivíduos em prol de seu benefício ou sua perspectiva e idealização
particular de uma narrativa. Então, surge um ditador histórico.

No sentido coletivo para o individual, poderia ser ilustrado de diversas, rotineiras e


simplórias formas. Por exemplo, os dizeres “menina veste rosa e menino veste azul” ou
“meninos não choram”. São falas reproduzidas de forma defeituosa, que por muito tempo
permeiam a sociedade e atribuem de forma preconcebida um “ideal” de comportamento, para
ser desempenhado pelo ser humano, perante a vida ou ao “ideal” narrativo de um roteiro
corrompido do espetáculo do homem.
17

Dessa maneira, percebe-se que a ideia de espetáculo se embebe da influência artística e


de elementos teatrais (atuação, narrativa etc.), que estabelece um roteiro, cenários e
personagens. Ocorrendo a ligeira mistura e quase indissociável interpretação da realidade como
ela é (ou deveria ser) e como ela é inventada, projetada, concebida e manipulada pelo homem.
E neste caso, é possível ponderar sobre a mímesis de Aristóteles, através de Lemos:

“Aristóteles vê a imitação (mímesis) de modo positivo. Para ele, trata-se de


um processo que é compartilhado tanto pela natureza, como pela arte; é
dessa forma que interpretamos a famosa afirmação de que “a arte imita a
natureza”. Assim, em lugar de associar a imitação ao falso e enganoso, a
imitação da natureza por parte da arte não é um retratar, realizar uma simples
cópia do real, mas um fazer como, produzir à maneira de (imitar um
processo). Imitação como produção. A distinção estaria no caso de que a
natureza teria um princípio interno, enquanto a arte um princípio externo e
acidental.” (LEMOS, 2009, p. 84).

Portanto, se percebe a imitação não em questão do homem, mas da natureza e sua


genuinidade. Enquanto a arte produzida pelo homem, se esforça para se aproximar e reproduzir
o mesmo feito, todavia, se torna acidental e se difere de uma essência autêntica. Sem dúvida,
inspirando a adaptação literária “a arte imita a vida”. Porém, para o dramaturgo e escritor, Oscar
Wilde (1854-1900) em oposição a ideia aristotélica, propõe que “a vida imita a arte muito mais
do que a arte imita a vida”. Sendo assim, a perspectiva de Wilde se dirige a complexa e a
infinitude de recursos imaginários. Sendo esses recursos de tamanha vastidão e potencialidade,
superiores a própria realidade. Logo, a arte se localiza em um lugar de quase precognição
criativa, com a capacidade de ilustrar os eventos que estariam por vir na realidade. Em vista
disso, a arte seria uma descrição e leitura prévia da possibilidade e existência das coisas.

Mediante o exposto, é possível interpretar que toda imagem vai além de uma produção
ingênua, culminando em sua essência, se entrelaçar, sempre, entre a realidade e o imaginário.
Então, compreende-se que a imaginação e o imaginário é a condução principal do “significar”
dos seus constructos (imagens, símbolos etc.). Certamente, Legros afirma, “O imaginário não
é uma forma social escondida, secreta, inconsciente que vive sob as fibras do tecido social. Ele
não é o reflexo, o espelho deformado, o mundo revirado ou a sombra da realidade, uma
sociedade subterrânea que cruzará profundamente os esgotos da vida cotidiana, mas ele
estrutura, no fundo, o entendimento humano.” (LEGROS et al., p. 111). Desta maneira, a
imagem e a realidade se demonstram uma construção proveniente da imaginação/imaginário.
A consequência é tornar-se parte de outros processos culturais e simbólicos.
18

Paralelamente, surge o espetáculo, a partir da construção e intermédio da produção e


relação do homem com as imagens. Segundo Guy Debord (1931-1994), “o espetáculo não é um
conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens” (p.14).
Logo, refletindo na composição de uma cultura da visualidade humana.

1.2 A realidade inventada: a narrativa, entretenimento e a realidade do espetáculo.

Desta maneira, o espetáculo é composto por diversos elementos, já mencionados: arte,


imagem, imaginário, comunicação, cultura e outros. Sendo assim, o homem é capaz de construir
narrativas. Em perspectiva, de criar e conduzir a história de sua existência. Logo, alguns
processos são: a arte se mescla com a vida (vice-versa); a vida se torna entretenimento (de bom
ou mau gosto) e o todo, se torna um grande espetáculo (direto ou indireto).

Sem dúvida, não se torna uma difícil tarefa perceber a realidade como uma invenção
cultural do homem. As edificações, convenções sociais, culturas, política e a própria sociedade.
Porém, também, existem outros elementos que compõem o cenário “espetacular” da realidade,
concebida pelo ser humano. Por exemplo, se pensar na produção de uma imagem e agora,
fotografia e direção artística; surge a seguinte possibilidade de refletir sobre a “realidade
inventada”: existe a produção de uma imagem, porém, os gestos, vestimentas, narrativas e
ângulos, não são acidentais. Mas, de modo organizado e planejado. Logo, pode-se pensar que
a realidade e a sociedade humana, passou e passa, por processos semelhantes aos de uma
produção artística. Desta maneira, se apresenta uma concepção da “realidade inventada”, uma
elaboração narrativa a ser transmitida. Tendo em vista, o conceito de “invenção” em perspectiva
cultural, Hobsbawm aborda sobre a invenção das tradições:

"O termo "tradição inventada" é utilizado num sentido amplo, mas nunca
indefinido. Inclui tanto as "tradições" realmente inventadas, construídas e
formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais
difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes
coisa de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez. [...]
Por "tradição inventada" entende-se um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza
ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento
através da repetição, o que implica automaticamente; uma continuidade em
relação ao passado." (HOBSBAWN, 1997, p. 9).
19

Igualmente, Roy Wagner (2010) propõe que, "Se a invenção é mesmo o aspecto mais
crucial de nosso entendimento de outras culturas, isso deve ter uma importância central no
modo como todas as culturas operam. [...] Invenção, portanto, é cultura, e pode ser útil conceber
todos os seres humanos" (p. 75). Compreendendo, a invenção de origem da criatividade, assim,
apontando para o imaginário e a imaginação como promotora da convenção do “inventar” a
cultura e a realidade.

Também, pode-se evidenciar que na interpretação da realidade ser um espetáculo,


construído e elaborado de modo criativo pelo homem, através das relações simbólicas com a
imagem. Igualmente, nota-se a preocupação estética, ainda segundo Debord, ele diz que o
espetáculo existe neste lugar de grandiosidade, positivismo, o que está nele não se discute e se
faz de difícil acesso, vendendo a ideia “<<o que aparece é bom, o que é bom aparece>>” (p.17).
Sendo assim, as imagens nunca são descompromissadas, existe segundas intenções em suas
promoções, transmissões e a finalidade de corroborar para uma sociedade envolta da
visualidade e aparência. Dessa forma, uma corrosiva característica a se destacar no espetáculo
e no entretenimento, de sua produção direcionada ao homem e a imagem, é fundamentalmente
a construção dos sonhos e “utopias”. A promoção e a venda de ideias aos espectadores, por
muita das vezes irreais da realidade. Por exemplo, os padrões de beleza, estilo de vida, lugares,
moradia, condições econômicas e dentre outras óticas, que não contemplem a totalidade cinza
das desigualdades que permeiam a sociedade real. Mas, certamente narrativas palatáveis e
polidas dessa “realidade” que é inventada. Debord afirma:

“O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o


resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um
complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da
irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de
informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do
entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente
dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e
no seu corolário - o consumo. A forma e o conteúdo do espetáculo são a
justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo
é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação
principal do tempo vivido fora da produção moderna.” (DEBORD, 2003, p.
15).
20

Portanto, sugerindo uma interpretação através dos pensamentos de Debord, devido a


essência de teor racional e estrutural, observa-se a produção do espetáculo não como uma mera
decoração ou fenômeno superficial. O espetáculo se revela com propósitos, significados,
direcionamentos e planejamentos, para alcançar o objetivo que se deseja promover.
Geralmente, é a promoção da perspectiva e ideais da classe dominante na sociedade. Não
somente, mas também, se destaca outras características paralelas ao espetáculo, sendo a
produção de entretenimento e a construção das narrativas que o homem gostaria de vivenciar.

Sobretudo, o entretenimento dialoga igualmente com a indústria cultural, podendo ser


encarado de modo dual e ambíguo, ele pode ser comprometido com determinados valores e/ou
se ausentar de desempenhar grandes atuações ou funções, sendo somente um produto e
mercadoria. Tendo em vista, o fetichismo da mercadoria, proposto por Marx. Pois, “[...] tão
logo os homens trabalham uns para os outros de algum modo, seu trabalho também assume
uma forma social.” (2015, p. 122).

Logo, é na forma social de mercadoria e na atribuição de seu valor, a origem do


fetichismo. “Portanto, o enigma do fetiche do dinheiro não é mais do que o enigma do fetiche
da mercadoria, que agora se torna visível e ofusca a visão.” (2015, p. 134). Ao mesmo tempo,
se apresenta como uma necessidade de controle do imaginário, imbuída de atividade recreativa
e exercício de fabulação. Todavia, deve se ter em mente que “o entretenimento não seria a mera
antítese da arte, mas o extremo que a toca.” (Adorno e Horkheimer, 1947, p. 67). O
entretenimento seria a elevação proposital do exagero da arte, no intuito de afetar o espectador,
assim como promover a venda dos “sonhos” e produzir consumidores para esse mercado.
Navarro diz:

“A arte não voltada para o lucro, não fazendo parte desta rede de comércio
das artes de massa, torna-se para a indústria cultural e seus consumidores,
algo risível. Estes consumidores querem obras facilmente palatáveis, algo
que se possa escutar no rádio do carro enquanto não se chegou ao seu
trabalho, que é tão repetitivo e livre de inovações quanto as músicas que o
mesmo consome. O que se espera do produto a ser consumido é a pura
distração.” (NAVARRO, 2018, p. 20).
21

Sendo assim, observando a relação do entretenimento e da indústria cultural, também é


possível pensar “a fusão actual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como
depravação da cultura, mas igualmente como espiritualização forçada da diversão.” (Adorno e
Horkheimer, 1947, p. 67). Ou seja, o entretenimento habita nesse “lugar” de imposição
positivista da realização e do gozo, ocorrendo uma provável e inevitável frustração do indivíduo
caso não esteja inserido nele. Ainda percorrendo a abordagem de Navarro:

“O entretenimento consiste em promessas, em dar a ilusão na qual se


acredita que aquilo que está sendo oferecido um dia será daquele que está
sendo entretido. Mas é só promessa; de fato, essas nunca se concretizam,
gerando um ciclo, uma permanência dessas promessas que ficcionalmente
são cumpridas.” (NAVARRO, 2018, p. 25).

Desta maneira, evidencia-se que o espetáculo e o entretenimento desempenham


propósitos e funções similares ao afetar o indivíduo (espectador). Logo, eles não se desintegram
ou se apartam da realidade, mas são uma extensão a parte e de cunho ficcional a ela.
Consequentemente, culmina em uma produção espetacular e de fabulação, das “narrativas que
o homem gostaria de vivenciar”.

Certamente, um exemplo didático é a criação dos super-heróis, homens e mulheres,


deuses, criaturas e figuras inspiradoras, empoderados e poderosos. Trajados de forma exótica e
que exalam qualidades. Todavia, essas criações não se desvencilham de fragilidades e dentre
outras características associadas aos mortais seres humanos. Consequentemente, existindo no
íntimo dos heróis, as dualidades, desejos, tentações, temores, fragilidades e certamente os
disfarces, camadas do “ser ou não ser” (SHAKESPEARE, 1976). Navarro também aponta que:

“Os personagens dos filmes, excluindo o vilão, são fantasiosamente iguais


perante eles, fazendo com que o acaso e uma dose fictícia de esforço faça
do personagem, que era comum, um herói, dando a falsa impressão de que
qualquer um que esteja assistindo ao filme possa também, com toda a sua
mediocridade e um pouco de esforço e um empurrão do acaso, se tornar (em
sua imaginação) um herói.” (NAVARRO, 2018, p. 25).
22

Desta maneira, independente da “origem” da fabulação dessa “imagem” do herói,


advindo de outro planeta, semideus ou mutante geneticamente modificado.
Inquestionavelmente, é a ideia fundadora do homem em busca de grandes realizações,
odisseias, paixões arrebatadoras e até poderes que poderiam reescrever a própria realidade.

Rocha põe em vista que “A imagem é da mesma natureza das representações e, pode-se
dizer, funciona como porta de entrada do imaginário.” (ROCHA, 2016, p. 177). Portanto, a
imagem-imaginação é a forma de acessar universos desconhecidos. Assim como constituir a
existência, a história e outras narrativas para a trajetória humana. Isto é, através das imagens, é
possível o desmonte das limitações da materialidade, permitindo a entrada no campo
imaginário, gerando os sonhos, devaneios e projeções para além da realidade, sem se
desvincular dela. Rocha realiza a seguinte colocação:

“A eficácia simbólica do imaginário reside em tornar real, vivido, sentido, algo


nascido da imaginação. Portanto, a instituição imaginária da realidade é o
resultado de um exercício incessante de poder na medida em que qualquer
sociedade precisa imaginar e creditar a legitimidade que atribui a si mesma.
O que faz da “ficção” não uma falsidade, mas uma realidade, uma
representação verdadeira atingindo em cheio o campo dos sentidos, portanto,
com implicações de ordem afetiva, emocional. O problema é que muitas
vezes a realidade é tomada como sinônimo de concreto, restando às
imagens, às emoções, um lugar secundário.” (ROCHA, 2016, p. 173).

Uma vez que, ao olhar para as produções literárias, audiovisuais do cinema ou televisão.
É possível experimentar produções embebidas da jornada ficcional, em busca de algo além da
“simplicidade” oriunda da realidade. Em uma abordagem de Schutz (1979, apud ROCHA,
2016) afirma que, a “realidade significa simplesmente relação com a nossa vida emocional e
ativa; o que quer que seja que excite e estimule nosso interesse é real”. Rocha complementa:
“portanto, nem sempre a realidade é o que vemos e tocamos, mas simplesmente o que a
sentimos e percebemos.” (ROCHA, 2016, p. 174).

Além disso, os elementos das tramas ficcionais são metodicamente posicionados para
alcançar novas e instigantes narrativas, para o indivíduo-receptor e para a figura antropomórfica
humana, ou ao que se assemelha a fisionomia humanoide. No estabelecimento de uma relação
de espelhamento por semelhança e/ou identificação no espectador.
23

Sendo que, os atores ou personagens, apenas são ferramentas narrativas ou locutores das
escrituras elaboradas por mãos invisíveis (humanas). Spinelli propõe que, “Os olhos do
espectador estão na câmera e tornam-se idênticos aos olhares dos personagens, fazendo com
que vejam com os olhos dos personagens. É nisso que consiste o ato psicológico da
identificação do espectador [...]”. (SPINELLI, 2006). Assim como:

“Munsterberg, não via o cinema como um “fenômeno mental”, e sim como um


instrumento para a produção de uma nova compreensão do mundo real. Para
ele, o espectador vê tudo como se estivesse do interior do filme, rodeado
pelos personagens. Esses não precisam contar o que sentem, uma vez que
os planos mostram o que e a forma como vêem.” (SPINELLI, 2006, p. 3)

Sendo assim, uma construção de uma perspectiva e narrativa, de conduzir o imaginário


do espectador/individuo a uma instancia e campo de imersão sensorial, excitação, entusiasta da
descoberta do “novo”. Spinelli diz, “O espectador, ao ver um filme, afasta-se de todos os seus
outros compromissos, inserindo-se no chamado estado de ‘atenção extasiada’ pelo qual, isolado
do seu mundo real, percebe o filme em si mesmo.” (SPINELLI, 2006, p. 2). Logo, corroborando
para as argumentativas anteriores de Rocha (2016) e Schutz (1979), sobre uma perspectiva do
imaginário se manifestar no “sentir” verdadeiro. Isto é, se o indivíduo é aficionado e afetado
(tocado) a partir da elocubração do imaginário, se torna essa, uma manifestação do real.
24

CAPÍTULO 2 – FICÇÃO-CIENTÍFICA E CONTEMPORANEIDADE: UMA


DESCRIÇÃO E CRÍTICA DO FUTURO ATRAVÉS DA CIÊNCIA

2.1 Atravessando narrativas e possibilidades: utopias e distopias.

A princípio, o gênero de ficção-científica surgiu na literatura, apontada como a primeira


obra a desenvolver um enredo centralizando a relação do homem e a ciência, está o romance
“Frankenstein” de Mary Shelley (1797-1851), publicado em 1818. Em seguida, Edgar Allan
Poe (1809-1849) explora a temática em “The Unparalleled Adventure of One Hans Pfaall”
(1835) e “Mellonta Tauta” (1849). Igualmente, o escritor francês Louis Geoffroy (1803–1858)
com a obra ““Napoléon et la Conquête du monde” (1836). Posteriormente, Júlio Verne (1828-
1905) se destaca com os títulos “Viagem ao Centro da Terra” (1864) e “Vinte Mil Léguas
Submarinas” (1870). Verne, brilhantemente põe em perspectiva o surgimento de novos avanços
tecnológicos através da ciência: máquinas voadoras, viagem à lua e submarinos, previamente
de serem possíveis. Mas, o termo de ficção-cientifica apenas foi delineado a partir do século
XX.

No entanto, as abordagens ficcionais precedem no tempo e se influenciaram com as


mudanças no mundo. Por exemplo, o conceito de proto-ficção científica é utilizado para
caracterizar produções que antecedem o estabelecimento da ciência. Aproximadamente, entre
160 e 180 a.C. Luciano de Samósata produziu a obra “A História Verdadeira”, uma ancestral
narrativa sobre a viagem espacial, a vida extraterrestre e o conflito interplanetário. Sendo assim,
1400 anos se passa após a primeira proto-ficção e se aproxima do despontar de questionamentos
cosmológicos. Por certo, a elevação racional para interpretar a vastidão do universo e suas
inúmeras possibilidades, levaram ao amadurecimento do tema no século XVI. Ao mesmo
tempo, Giordano Bruno (1548-1600) se sobressai a frente de seu tempo, prenunciando o
progresso científico com suas teorias e fortalecendo o movimento da revolução científica.

Além disso, outras contribuições filosóficas e teóricas para o campo da ciência


ocorreram no século XVIII, durante o iluminismo ou conhecido como “século das luzes”. A
busca da elevação da ciência, da lógica e do racional neste período, provocou entusiasmo entre
os filósofos, pensadores e escritores da época.
25

Assim, impactando em produções literárias com narrativas em torno da ciência e de


perspectivas futuristas, em romances do começo do século XIX. Por exemplo, o cientista Isaac
Newton (1643-1727) foi inspiração para poetas, assim como o evidente interesse da produção
literária da época pelo tema de “fim dos tempos”. Um exemplo é Jean-Baptiste Cousin de
Grainville com “Le Dernier Homme” (1805), sendo a primeira obra de ficção especulativa
moderna a ilustrar o fim do mundo. Segundo Parrinder:

“A ficção científica veio a ser reconhecida como um gênero literário distinto,


em grande parte por tão insistentemente ter se ‘imposto’ como um fenômeno
social. Sociólogos, psicólogos, historiadores de idéias e cientistas políticos
começaram a se voltar para ela assumindo que se tratava de um importante
aspecto do ‘sinal dos tempos’. Não foram seus escritores que previram a
bomba atômica, o pouso na Lua, e a crescente influência da pesquisa e do
desenvolvimento sobre as flutuações da política mundial? Não foi a ficção
científica uma inescapável projeção de anseios e receios a respeito da
direção para a qual a sociedade está se movendo?”. (PARRINDER, 1980, p.
xiv).

Em suma, a ficção-científica acompanha e ultrapassa os limites criativos conhecidos


pelo homem. Certamente, os movimentos ao redor do mundo provocaram ainda mais a
expansão das teorias em relação a existência, o homem, ao universo e sobre os avanços da
ciência. Isto é, a revolução industrial na segunda metade do século XVIII, qual preocupava a
substituição do homem pelas máquinas e até mesmo a segunda guerra mundial (1939-1945)
com a descoberta e uso do poder destrutivo das bombas atômicas, idealização de Robert
Oppenheimer (1904-1967). Assim, inspirando o gênero em se direcionar para uma visão a longo
prazo desses elementos e fatores. Jameson aponta a contemporaneidade da ficção-científica:

“a ficção científica é entendida geralmente como a tentativa de imaginar


futuros inimagináveis. Mas seu assunto mais profundo pode ser de fato nosso
próprio presente histórico”. (JAMESON, 2005, p. 345).

Em vista disso, a ciência ocupando espaço e estreitando sua relação com o homem,
recebe cotidiana relevância e se destaca em função de explicar os fenômenos do mundo. Assim,
reivindicando para si a busca pela verdade, a lógica e suas comprovações.
26

Do mesmo modo, se evidencia a ficção-científica como expressão artística qual deriva


de seus valores. Sendo essa, a exaltação poética para elucubrar questões em torno dos avanços
científicos. Logo, alcançando potencial capacidade retórica e de ressonância social, tal qual a
ciência. Consequentemente, o gênero não se limitou a literatura e com a possibilidade de novos
recursos, ocupou seu espaço no cinema. Sendo, Georges Méliès (1861-1938) o cineasta
responsável por produzir o compreendido primeiro filme de ficção-científica do cinema, a obra
“Viagem à Lua” em 1902, uma adaptação do romance “Da Terra à Lua – Viagem Direta em 97
horas e 20 minutos” (1865) de Júlio Verne.

Mediante o exposto, a capacidade de fabulação acerca da temática se potencializou com


os recursos visuais e audiovisuais. Além disso, um aspecto a ser fundamentalmente pensado
através da fala da escritora Ursula K. Le Guin (1929-2018) em relação a ficção-científica, é de
que o gênero ilustra algo pré-existente no imaginário humano. Na introdução de sua obra “A
mão Esquerda da Escuridão” (1969), Le Guin diz “a ficção científica não prevê; descreve”. Por
isso, o gênero atua na instância de se utilizar dos conhecimentos científicos vigentes e
contemporâneos, aliando as respectivas preocupações sociais daquele momento. Assim, se
utilizando de artifícios científicos, futurísticos e narrativos para evocar a descrição de um
hipotético cenário a longo prazo. Nauman e Shaw apontam:

“O gênero pode fornecer para as crianças e igualmente para os adultos uma


janela para o futuro, um meio de prever como a vida poderia ser em alguma
data no futuro. O estudo da história conta-nos como eventos no passado
afetaram o presente; a ficção científica nos dá uma ideia de como as decisões
que fazemos agora, podem afetar nossas vidas no futuro”. (NAUMAN, SHAW,
1994, p.18).

Então, surge a perspectiva de meditação sobre “causa e consequência” no


desenvolvimento narrativo a partir do gênero. Certamente, ilustrando o pensamento crítico e
questões sociais pertinentes ao tempo da produção da obra, mas visando uma perspectiva futura
dos acontecimentos, agravantes e possibilidade das coisas. Por certo, os avanços tecnológicos
permitem o homem a alcançar determinadas capacidades em sua relação ao mundo. Isto é, na
adaptação e sobrevivência na natureza ou na influência de eventos históricos e que interferem
no direcionamento mundial. Assim, o avanço da ciência e da tecnologia, se demonstrou crucial
para as nações se destacarem nas relações políticas e econômicas globais.
27

Por isso, o cerne do imaginário em torno do tema se debruça sobre as ambições


particulares e coletivas sobre a busca do “progresso”.

Além disso, é valido salientar que o gênero de ficção-científica se ramifica em


subgêneros. Esses, por sua vez se utilizam de perspectivas, narrativas e características próprias
para desenvolver o enredo de suas histórias. Sendo alguns como: cyberpunk, distopia, fantasia,
inteligência artificial, invasão alienígena, pós-apocalipse, realidade paralela, satírica, space
opera, steampunk, utopia, universo paralelo, viagem no tempo e outros.

2.1.1 Os dois lados da lua: utopia e distopia.

Desta maneira, aqui se destaca dois marcantes subgêneros, as narrativas utópicas e as


distópicas. Em síntese, o termo “utopia” surge com Thomas More ou também conhecido como
Thomas Morus (1478-1535), para intitular um romance em 1516. More, realizou a composição
unindo palavras gregas: "ου" (adverbio de negação) e "topos” (lugar). Logo, caso se interprete
segundo a etimologia da palavra, utopia simboliza “não lugar” ou “lugar nenhum”. Sendo
assim, a utopia se tornou a expressão e visão otimista de uma sociedade ideal não existente, um
lugar imaginário distante, sem desigualdades e de bem-estar coletivo. Nas palavras de Chauí,
“a utopia nasce como um gênero literário — é a narrativa sobre uma sociedade perfeita e feliz
— e um discurso político — é a exposição sobre a cidade justa”. (CHAUÍ, 2008, p. 7). Além
disso, a essência política se demonstra igualmente presente na utopia como na distopia. Sendo
um compartilhamento semelhante e de contraste, a utopia é imbuída em um halo despótico,
enquanto a distopia se revela entre a neblina. O filósofo Isaiah Berlin, aborda a utopia da
seguinte maneira:

“De um modo geral, as utopias ocidentais tendem a conter os mesmos


elementos: uma sociedade vive em estado de pura harmonia, no qual todos
os membros vivem em paz, amam um aos outros, encontram-se livres de
perigo físico, de carências de qualquer tipo, de frustração, desconhecem a
violência ou a injustiça, vivem sob uma luz perpétua e uniforme.” (BERLIN,
1991, p. 29).

Apesar de, o conceito utópico já se demonstrar antigo, em exemplo no título “A


República” de Platão. Ainda que, sem definição.
28

Certamente, a utopia se situa no idealismo, em “outro lugar”, em uma realidade melhor


do qual a descreve. Sem dúvida, para que se levante as percepções da corruptibilidade do então
momento presente. Assim, conduzindo a ilustração de contraste entre a realidade real e a
realidade ideal. Consequentemente, fomentando e evidenciando o constante imaginário das
preocupações e questões futuras acerca da sociedade e humanidade. Contudo, a distopia não é
a vilã ou antítese da felicidade e/ou realização contida na utopia. São os dois lados da mesma
moeda, a face brilhante que avistamos da lua, enquanto a outra está oculta e distante. É a leitura
contemporânea que observa os aspectos problemáticos da sociedade e que pode se agravar em
um cenário futuro hipotético. Hilário realiza uma fecunda abordagem sobre a distopia:

“As distopias problematizam os danos prováveis caso determinadas


tendências do presente vençam. É por isso que elas enfatizam os processos
de indiferenciação subjetiva, massificação cultural, vigilância total dos
indivíduos, controle da subjetividade a partir de dispositivos de saber etc. A
narrativa distópica é antiautoritária, insubmissa e radicalmente crítica. [...].
Elas contêm um pessimismo ativo, muito próximo dos frankfurtianos da
primeira geração, cujo objetivo é impedir, por todos os meios possíveis, o
advento do pior [...]. Ao pôr o futuro no registro do piorável, e não do
melhorável como na utopia, as distopias facilmente podem ser confundidas
como apologias da decadência. Mas não é disso que se trata. [...] As distopias
são a denúncia dos efeitos de poder ligados às formas discursivas.”
(HILÁRIO, 2013, p. 206).

Mediante ao exposto, a distopia é pessimista e visa o pior cenário possível para as


consequências das ações do passado (presente). Visto que, em outro olhar etimológico, a
palavra tem por “dis” seu significado como: “anormal”, “patológico” ou “o que não funciona
bem” e “topia” referente a “lugar”. Assim, a palavra pode ser interpretada como: “lugar
anormal”, “lugar patológico” ou “lugar que não funciona bem”. Ainda que, também haja as
interpretações “uma forma distorcida de lugar” e “uma organização social problemática”.
Igualmente, assim como a utopia nos apresenta seus elementos recorrentes, a distopia contrasta
e nos apresenta: crítica taxativa, a presença do antiautoritarismo, a inconformidade com uma
realidade e fundamentalmente, uma postura problematizadora para questões a qual se dirige.
29

Além disso, o igualitarismo da utopia de Morus se tornou alvo, tema e inspiração para
as produções distópicas desde Jerome K. Jerome (The New Utopia, 1891) para a intensa
produção literária do gênero no século XX. Assim, com Zamiatin (Nós, 1924), Aldous Huxley
(Admirável Mundo Novo, 1932), Karin Boye (Kolocaina, 1940), George Orwell (Nineteen
Eighty-Four, 1949). Visto que, o capitalismo entrava em um momento feroz, conflitos armados,
militarismo e o imperialismo, ocasionaram em experiências marcantes para o mundo. A partir
daí, mediante as influências e questões contemporâneas, surgia notórios escritores que
auxiliaram no desenvolvimento do tema, Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, Philip K. Dick, Ray
Bradbury e outros.

Portanto, a distopia se adentra e expande em si mesma. Assim, indagando, acentuando


e projetando, potenciais riscos das convenções sociopolíticas no futuro. Não somente, mas
também, descrevendo e antecipando de modo lúdico as inquietações do momento presente.
Assim, Piassi e Pietrocola afirmam, “A ficção científica, mais do que se fixar no aspecto das
leis naturais envolvidas na bomba atômica ou de qualquer outro tema, suscita um debate sobre
as implicações sociais das possíveis descobertas, invenções e fenômenos concebíveis.”
(PIASSI, PIETROCOLA, 2007, p.11).

2.2 O cinema sci-fi e o universo lúdico: as distopias no audiovisual e a tecnologia como um


meio para um fim.

Sobretudo, se fará uma divisão simplista entre dois acontecimentos na ficção-científica,


a primeira será centralizar as narrativas lógicas, tecnológicas e de argumentos verossímeis a
realidade. E em segundo plano, as narrativas fantásticas que se relacionam com a magia,
espiritualidade ou outros fenômenos inexplicáveis e distintos da razão e da ciência.

Sendo assim, após um instigante desenvolvimento da ficção-científica na literatura.


Também, se potencializou no cinema e audiovisual, possibilitando acessar um novo olhar para
as narrativas sci-fi (science fiction). No entanto, até os dias atuais, a literatura e o audiovisual
se aproximam. Pois, variados títulos literários e obras (contos, cartas, registros, histórias em
quadrinhos, mangás etc.) recebem adaptações para o cinema, televisão e outras plataformas.
Certamente, produções motivadas pelo público nativo das obras e produtos “originais”.
30

Tendo em vista, a facilidade narrativa de histórias já conhecidas e assimiladas no


imaginário de determinado público. Ainda, algo a se pensar sobre a retroalimentação dessas
produções com a influência do capitalismo, é que existe a alta intenção de exploração dos
“sucessos”. Assim, levando a algumas consequências de produção: prequel (uma história
anterior a principal), sequel (sequência), reboot (reinício de uma história já contada), remake
(refaz ou uma releitura de uma história já contada) e spin-off (um derivado do mesmo universo,
mas outra história). Logo, por muita das vezes, as produções audiovisuais buscam estratégias
de baixo risco através do seu marketing, visando lucro advindo de um público já conhecido e
consequentemente até mesmo a formação de um novo.

Então, também é valido ressaltar que ao falar de gênero no cinema, se refere as fórmulas
convencionais que as obras são promovidas e vendidas ao público. Assim, uma obra pode ter
como condutor principal, em exemplo, o gênero de ficção-científica, mas poderá assimilar
elementos de outros gêneros e subgêneros ao desenvolver sua narrativa, se apropriando do
romance, suspense, thriller, distopia e outros.

Em vista disso, o sci-fi atua no imaginário futurista, tecnológico, da preocupação


sociopolítica vindoura e da meditação sobre a organização e as possibilidades desse lugar
(futuro), ainda não habitado pelo homem. Por certo, um elemento constante, é a representação
das instituições governamentais, qual desempenham um papel importante na sociedade real e
no ficcional. Sendo assim, ou elas são imaginadas ausentes ou vigorosamente opressoras, um
exemplo é a obra literária e sua adaptação para cinema (1984), “Nineteen Eighty-Four” (1949).
A ilustração de um governo totalitário e onipresente remanescente após uma guerra mundial,
por muita das vezes se faz uma analogia da obra com um característico reality show.

Também, nos é apresentada a narrativa da supremacia tecnológica, em “Admirável


Mundo Novo” (1932), é possível perceber os riscos dos avanços tecnológicos e as más
intenções governamentais. Neste caso, o governo produz cidadãos através de instalações
industriais de inseminação artificial. Não somente, mas também, os indivíduos são fabricados
com predefinições de seus “destinos” e submetidos a alegria incessante da droga “soma”. Em
“Androides Sonham com Ovelhas Elétricas” (1968), o cenário é de uma São Francisco pós-
apocalíptica após uma guerra nuclear global em 1992.
31

A obra apresenta a alta tecnologia e perigosos androides indistinguíveis dos seres


humanos. Assim, inspirando o filme “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott. Igualmente, outra
percepção drástica da sociedade distópica, se observa em “Fahrenheit 451” (1953) de Ray
Bradbury e adaptado para cinema em 1966, sob direção de François Truffaut. A história
acompanha um bombeiro que desempenha a função de queimar livros. Abordando a censura e
a restrição do acesso ao conhecimento. Assim, nos permite observar a gravidade da
conformidade, perda do pensamento crítico e da liberdade de expressão.

Ao mesmo tempo, é possível observar em algumas obras de ficção científica, a potente


capacidade de descrever e até mesmo antecipar fatos. Por exemplo, o título “2001 – Uma
Odisseia no Espaço” (1968) de Arthur C. Clarke e adaptado para cinema, foi capaz de retratar
algumas das tecnologias contemporâneas e até mesmo a viagem espacial. Em “Neuromancer”
(1984) de William Gibson, ilustrou os “hackers” e a inteligência artificial, inspiração da
franquia “Matrix” (1999) das irmãs Wachowski. Igualmente, em “Contágio” (2011) de Steven
Soderbergh, veio a elucidar através da ficção algo que viria a ocorrer nove anos depois na
realidade com a pandemia da COVID-19.

Sem dúvida, a ficção científica é capaz de evidenciar a frágil manutenção da sociedade


humana a longo prazo. Igualmente, capaz de dialogar entre conceitos fenomenológicos,
tecnológicos, históricos e sócio-políticos. Assim, através de suas narrativas e das novas
tecnologias, reflete de modo crítico, sobre a instabilidade e aspectos antropológicos da relação
humana com a ciência na sociedade e no mundo.

Por exemplo, na distopia “Metrópolis” (1927), a classe dominante na sociedade subjuga


e escraviza os mais pobres no subsolo, para que trabalhem em prol de manter a cidade
funcionando. Assim, como na obra “A Décima Vítima” (1965) uma sociedade distópica que
busca minimizar o comportamento destrutivo e agressivo em um jogo de caçada humana com
direito a condecoração e prêmio ao sobrevivente de dez caçadas. Ou até mesmo, o indivíduo
bandido versus a lei na sociedade, uma trama sobre o desequilíbrio das consequências de “ação
e reação” em “Laranja Mecânica” (1971). Uma perspectiva e contraste entre oprimido e
opressor, também presente em “White Bear” (2013) da série Black Mirror. Uma criminosa é
mantida em um parque de exibições em um “tribunal público”.
32

A jovem mulher é submetida a ter sua memória apagada e a vivenciar um labirinto


(looping) de angústia e incerteza, enquanto os visitantes do parque, observam sua degradação
como um alerta social de “não seja um criminoso”.

Por certo, uma notável pontuação da ficção distópica, é agravar os cenários das
desigualdades e barbáries na sociedade humana. Evidenciada com engenhosidade, desde a
lavagem cerebral, tortura mental ou psicológica, alienação, submissão tecnológica etc. Assim,
sempre atrelando a tecnologia como uma ferramenta e possibilidade de “controle”, o homem é
posicionado como condutor. As suas intenções moldam o uso das ferramentas e recursos
tecnológicos, e geram o sistema de ação e reação no mundo (sociedade). Em exceção, as
narrativas onde o homem perde o posto desse comando.

Além do mais, é possível também observar outras narrativas de cunho introspectivo e


voltado para o íntimo do ser humano, através da tecnologia. Em “O Show de Truman” (1998)
nos apresenta uma referência lúdica da parábola platônica, sobre a busca da verdade
(conhecimento) e a facilidade da “realidade” ser inventada (relembrando a abordagem do
primeiro capitulo do presente trabalho).

Em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), a possibilidade de apagar


específicas memórias emergem como um alívio para a dificuldade de superar eventos
traumáticos. Mas, com a consequência (irônica) de criar uma “lacuna” (nome do setor científico
que realiza o procedimento) em sua personalidade devido à ausência das coisas. Um
comportamento e sintoma pós procedimento experimental, visto na personagem Clementine
(Kate Winslet). Ou, se considerar um “controle” que pode pausar, retroceder, avançar e
funcionalizar a vida em bem próprio, em “Click” (2006) além do humor se percebe uma
filosofia por trás do “homem no controle” e suas escolhas. Igualmente, a abordagem sobre a
solidão e do distanciamento das relações humanas em “Her” (2011). Uma retratação filosófica
e simbólica da afetividade sintética (relacionamento virtual). Entre o homem e máquina
(inteligência artificial).
33

Portanto, fundamentalmente, as obras do gênero suscitam uma motivação, essência e


narrativa, sempre atrelada ao ser humano e suas escolhas perante os outros e com o mundo.
Assim, escalonando fatores individuais ou plurais, em questões intrínsecas, sociopolíticas,
econômicas, existenciais etc. Não somente, mas também, a afirmação dessas hipóteses deve ser
de lógica verossímil a realidade, Nogueira diz:

“toda a ficção criada neste género deve tomar como inalienáveis as


premissas do conhecimento científico vigente ou expectável acerca de um
determinado facto ou fenómeno, projectando, sempre a partir delas, as suas
consequências ou desenvolvimentos num momento futuro. Assim, podemos
considerar ficção científica todo o relato que efabula ou especula sobre
mundos e acontecimentos possíveis a partir de hipóteses logicamente
verosímeis.” (NOGUEIRA, 2010, p.34-35).

Certamente, e paralelamente a ficção é constituída de realidade e a realidade de ficção,


retornando a uma interpretação filosófica do espetáculo por Debord “A realidade surge no
espetáculo, e o espetáculo no real” (p.16).

Logo, percebendo que o espetáculo, entretenimento, arte e imaginação por si só,


produzem um universo a parte da realidade contemporânea, porém não se esvaziam dela.
Assim, enunciando questões no processo de distanciamento da obra (produção) ficcional com
o mundo, mas de tal potente e capacidade, essência realista. No qual Debord afirma, “É a vida
concreta de todos que se degradou em um universo especulativo” (p.20). Igualmente, uma
notória observação e proximidade contemporânea das produções sci-fi com o cotidiano. Sem
dúvida, atualmente se vivencia a experiência de um mundo especulado a anos, entre a
globalização através da internet, era do streaming, gadgets, biometria, drones, inteligências
artificiais, realidade virtual, viagens espaciais, drogas sintéticas e entre outros. Portanto, é
lógico nos aproximarmos cada vez mais dessas histórias especulativas.

Ainda assim, se evidencia uma extensa exploração criativa do gênero e a constante


construção de um público voltado para o tema, desde a franquia “Exterminador do Futuro”
(1984) até seu título mais recente “Destino Sombrio” (2019), ou até mesmo a série de livros
adaptados para o cinema “Jogos Vorazes” (2012).
34

Paralelamente, o gênero sci-fi se demonstra com grandeza em produções de animação,


como a série de público adulto “Love, Death & Robots” (2019 – Atual) da Netflix. Por exemplo,
no segundo episódio da primeira temporada da série. Em “Three Robots”, apresenta três robôs
viajantes em uma cidade pós apocalíptica e com certo humor, refletindo e ironizando a extinção
humana. O trio retorna no primeiro episódio da terceira temporada (2022), dando continuidade
as viagens para investigar como a humanidade de diferentes classes sociais tentaram sobreviver
ao apocalipse, sem sucesso.

Igualmente, a animação “WALL-E” (2008) da Disney e Pixar, explorou com sutileza


uma distopia entre o público infantojuvenil. Narrando sobre um cenário de pós apocalipse na
terra. Uma trama sobre a degradação ambiental, viagem espacial, conformidade social e a
inteligência artificial, de modo sensível e lúdico. Logo, ao utilizar a animação como suporte
visual e narrativo, nos evidencia sua habilidosa capacidade de fabulação, imagética e
comunicação lúdica. A animação se apresenta com sua característica liberdade. Nogueira
aborda em definição:

“A estabilidade e familiaridade de categorias como espaço e tempo, causa e


efeito, realidade e imaginação são, frequentemente, colocadas em questão
no cinema de animação – e é aí mesmo, nessa liberdade extrema que apenas
na criatividade parece encontrar o seu limite, que poderemos localizar um dos
factores essenciais da sua valia artística. [...] Compreende-se, por isso, que
sejamos tentados a remeter a animação para o âmbito do animismo, da
alquimia e da magia. O animador seria um demiurgo que encontra apenas na
imaginação e no engenho as fronteiras das suas possibilidades criativas. Na
animação tudo pode ganhar vida e personalidade: objectos, marionetas,
fantoches ou desenhos, por exemplo, revelam-se capazes de exprimir
sentimentos, de manifestar vontades, de agir e de reagir. O inorgânico torna-
se orgânico, o material torna-se espiritual.” (NOGUEIRA, 2010, p. 60).

Certamente, também assumindo outras qualidades, de ser subversiva, simbólica,


codificada e crítica. Nogueira, do mesmo modo, põe em perspectiva que a animação é a
equivalência do conceito de “ficção total, isto é, da capacidade de dar vida a seres e mundos
puramente imaginários” (p. 60).
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Todavia, o ser humano surge com teor simbólico nesse universo. Mas, também se torna
uma “[...] óptima forma de conhecimento do humano. Pela sua extrema liberdade criativa,
podemos verificar que a animação permite, em muitos aspectos, uma grande proximidade e
compreensão da lógica do funcionamento mental do ser humano [...]”. (p. 60-61). Igualmente,
não apenas do mental, mas, das estruturas componentes do ser humano e da humanidade. Sendo
assim, seguindo um termo de emprego particular, a animação é um suporte narrativo que é
capaz de potencializar e destacar um enredo sob ótica particular e lúdica. Por exemplo, em
“Inside Out” (Divertida Mente, 2015) ou “Osmose Jones” (2001), somos capazes de se
aventurar de modo fantástico dentro do corpo e mente humana.
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CAPÍTULO 3 – HORA DE AVENTURA: ENTRE AS RUÍNAS PÓS APOCALIPITICAS


NA TERRA DE OOO

3.1 Uma distopia lúdica: desvelando a ilustração do destino da humanidade.

Inquestionavelmente, a série animada “Hora de Aventura” (2010) de Pendleton Ward,


promovida no Cartoon Network, fez um grande sucesso em público e de modo comercial.
Provavelmente, por sua formulação assertiva. Inicialmente, em sua aparência esteticamente
agradável, lúdica e colorida. Igualmente, contando uma narrativa expansiva e cativante, atos
musicais sensíveis, cenários e personagens únicos e carismáticos. Certamente, uma complexa
receita de um produto artístico, composto por referências clássicas, contemporâneas,
simbólicas, fenomenológicas e uma construção cosmológica singular.

Sendo assim, em primeiro momento, se vê uma ingênua jornada de dois amigos em um


mundo fantástico. Entretanto, ao se aproximar da obra com uma ótica flexível e apurada para
absorver sua narrativa, nota-se, ao decorrer da trama e das aventuras, situações que culminam
em uma revelação da perspectiva distópica sobre a humanidade e sua “extinção”. Logo, no que
se refere terra ou reino de “OOO” na série, a mil anos atrás, era o planeta terra como o
conhecemos. Portanto, se faz necessário esquadrinhar o enredo da obra de Ward, com o objetivo
de evidenciar e sintetizar uma interpretação da trama da obra. Em busca de destacar sua
composição contemporânea, reflexões e elementos, de grosso modo, a respeito do homem,
sociedade, ciência e cultura.

A história dos protagonistas Finn (o humano) e Jake (o cachorro). Se passa mil anos
após a grande “guerra dos cogumelos”, nomeada assim de modo “sútil” ao seu público. Mas,
fazendo alusão a forma da fumaça oriunda de uma explosão de bomba atômica. Na trama, os
aventureiros viajam por “Ooo” em busca de realizar incríveis proezas e serem reconhecidos
como grandes heróis. Porém, ocasionalmente se encontram em situações enigmáticas e
desafiadoras. Finn, é considerado o último humano. Então, a história (da primeira a décima
temporada) acompanha a trajetória desse jovem, de quase doze anos até seus dezessete.
Inicialmente, Finn é apresentado com um olhar ingênuo, otimista e imaturo de um pré-
adolescente, até o seu amadurecimento como um jovem mais realista e racional no final da
série.
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Consequentemente, em determinado momento na trama, a origem do personagem se


torna mais latente e uma importante questão. Pois, não se tem informações conclusivas, em
primeiro momento. Todavia, viria a ser revelada com o tempo. A princípio, nos primeiros
frames (quadros de vídeo) da abertura da série, na Figura 1. Se percebe nas entrelinhas os
indícios de uma antiga catástrofe, a presença de alguns itens e de capsulas de bombas nucleares
(que não explodiram). Demonstrando de modo sútil, um cenário pós-guerra.

Figura 1 – Frame inicial da abertura da série Hora de Aventura

Fonte: abertura da série animada Adventure Time (2010-2018).

Indubitavelmente, esse e outros detalhes recebem futuramente as devidas interpretações


e esclarecimentos. No episódio “Hora de Negócios" (Ep. 8, 1° Temporada, 2010), se dá o
despontar de uma narrativa sobre o paradeiro da humanidade na série. Em resumo, a história
segue os dois aventureiros em um hobbie (passatempo) no litoral. Finn e Jake descongelam
artefatos com seus lança-chamas, ao momento que um grande bloco de gelo provoca a atenção
da dupla. Então, ocorre que Jake descongela alguns homens (executivos) que estavam
hibernando no bloco de gelo (iceberg), Figura 2.

Sendo, a primeira aparição de outras figuras antropomórficas de humanos, depois do


protagonista. Porém, não são reconhecidos como humanos. Pois, o tempo em congelamento
afetou as características físicas e mentais. Os tornando em uma paródia de zumbi workaholic
(trabalhador compulsivo). Assim, rememorando o aspecto capitalista e o excesso de trabalho
corporativo na sociedade atual. Logo, deixando uma particular percepção interpretativa: os
executivos de hoje, serão os homens das cavernas de amanhã.
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Figura 2 – Cenas de “Hora de Negócios”

Fonte: episódio 8, 1° temporada, hora de aventura (2010).

Pouco depois, em “Oceanos de Medo” (Ep. 16, 1° Temporada, 2010), Figura 3. Ao lado
de seu melhor amigo, Finn, enfrenta seu medo de oceano. Consequentemente, a aventura os
leva ao fundo do mar. Surpreendentemente, através dessa jornada é possível reconhecer alguns
rastros relacionados a humanidade: um tanque de guerra, navio militar destruído, destroços
submersos da civilização humana e esqueletos humanos diante de uma televisão nas ruinas de
um apartamento.

Figura 3 – Cenas de “Oceanos de Medo”

Fonte: episódio 16, 1° temporada, hora de aventura (2010).

Assim, suscitando as ruínas de um passado distante e que estava por desvelar seus
vestígios. Posteriormente, no início do episódio “Susana Forte” (Ep. 18, 2° Temporada, 2011).
Inicia-se a primeira abordagem da série sobre Finn ser o único humano remanescente (até o
momento). Assim, em um delicado diálogo, a Princesa Jujuba aborda o assunto sobre o jovem
não conhecer seus parentes humanos.
39

Tendo em vista o tópico sensível, a princesa se propõe a desconversar sobre o assunto.


Assim, solicitando que Finn e Jake façam uma limpeza no campo para retirar tocos de árvores
caramelo. Deste modo, Jake esbarra em um “toco” de metal com uma escotilha. Em seguida, a
dupla se propõe a aventurar-se na descida do túnel descoberto. O cenário que se apresenta não
proporciona para a dupla nenhuma conexão ou significado. Entretanto, para o espectador,
complementa o imaginário dos resquícios que rememoram a sociedade humana. Sendo possível
observar: ruinas de construções, pontes, carros etc. Sem dúvida, uma composição de um cenário
simbólico do pós apocalipse, soterrado pelo tempo. Paralelamente, também se destaca a estética
explorada na série para a narrativa, no contraste de luz e sombra. Isto é, na superfície da trama,
existe os reinos fantásticos e brilhantes, em contraposição, quando a abordagem é sobre o
passado humano. Pois se exibe cenários e ambientações escuras, palheta de cores opacas e de
tom narrativo mais sério. Situando o passado nas profundezas e nas sombras, como pode ser
visto na Figura 4.

Figura 4 – Cenas de “Susana Forte”

Fonte: episódio 18, 2° temporada, hora de aventura (2011).

Por conseguinte, os aventureiros conhecem Susana e o povo que lhe acompanha. Os


“hyoomanos” (Hyoomans), que possuem características humanas e utilizam vestimentas que os
assemelhem aos animais, principalmente, um capuz cobrindo parte de sua cabeça e deixando o
rosto a mostra (explicado mais adiante na série). Então, após um pequeno conflito no reino
doce, se faz a revelação de que o povo do subterrâneo era na verdade uma mutação humanoide,
com aspectos de seres marinhos, explicando a razão por viverem tanto tempo debaixo da terra
em ambientes alagados por água.
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Sem dúvida, uma consideração a noção biológica sobre a adaptação dos seres vivos ao
ambiente e somada a mutação por outros fatores. A única personagem a não ter sua identidade
confirmada, é Susana. Porém, a resposta é realizada no desenvolvimento da série.

Posteriormente, no episódio “Folia Mortal” (Ep. 24, 2° Temporada, 2011) se tem uma
narrativa apocalíptica na trama. A criatura “Lich” (figura mitológica) é apresentada, o vilão é
arauto e a representação da essência da aniquilação de toda existência, Figura 5. O Lich seria o
"inevitável", a destruição da vida. A sua existência precede o início do “existir”. Por certo,
muitas metáforas podem ser feitas sobre esse personagem e suas simbologias. Então, o vilão
escapa de seu confinamento e a dupla de heróis têm de evitar que o Lich recupere seus poderes.
Sendo que, a recuperação do Lich, seria proveniente a partir da composição química nuclear
das bombas atômicas da guerra dos cogumelos. Assim, levando os heróis para um cenário com
o composto fundamental que erradicou e transformou a vida na terra.

Figura 5 – Cenas de “Folia Mortal”

Fonte: episódio 24, 2° temporada, hora de aventura (2011).

Igualmente, existe a interpretação e teoria de que o Lich teve alguma influência


(indireta) na criação do composto químico nuclear e que sua última aparição (antes do
confinamento) tenha sido justamente no ápice da guerra. Possivelmente, uma leitura simbólica
sobre a inevitável natureza fatalista e destrutiva da raça humana, que precede a própria extinção.
Assim, o Lich seria apenas uma ilustração personificada dessa essência da aniquilação da
existência.
41

Em "Memória de uma memória" (Ep. 3, 3° Temporada, 2011). A rainha dos vampiros,


Marceline, está sob um feitiço do sono e cabe os dois heróis resgatá-la. Finn e Jake, se
aventuram na mente e nas lembranças da vampira. Os aventureiros se deparam com uma
lembrança da infância de Marceline. A personagem possui mais de mil anos e é possível ver
sua recordação diante dos rastros da catástrofe causada pela guerra nuclear, Figura 6.

Figura 6 – Cenas de “Memória de uma memória”

Fonte: episódio 3, 3° temporada, hora de aventura (2011).

Algum tempo depois, a misteriosa Susana reaparece em “Bonitopia” (Ep. 14, 3°


Temporada, 2011). Ela se dirige até Finn e Jake solicitando ajuda para restabelecer a moradia
do povo do subterrâneo que está sob perigo. O lugar se trata dos destroços submersos de um
shopping e centro comercial. Pouco depois, em um especial de duas partes “Segredos de Natal”
(Ep. 19 e 20, 3° Temporada, 2011) novas revelações se apresentam na trama.
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Em síntese, a história culmina em Finn e Jake encontrarem uma mala de fitas vhs do Rei
Gelado e iniciarem uma sessão de filmes para descobrir seus segredos. Entretanto, não sabiam
o que estavam procurando até a última fita. Logo, a dupla encontra registros do Rei Gelado e
sua verdadeira identidade, Simon Petrikov, Figura 7. Um estudioso homem que vivia antes da
guerra nuclear e que desejava ser um antiquário de artefatos antigos. Porém, Simon comprou
um item sobrenatural (a coroa) no norte da Escandinávia, mesmo com suas dúvidas e crédito
na razão, Simon usou o artefato uma única vez e começou a ouvir vozes, ter visões relacionadas
ao apocalipse e ter sua sanidade comprometida.

Ao longo do tempo, os sintomas como usuário da coroa foram se agravando e


deteriorando sua psique. A revelação se demonstrou parte do desenvolvimento e origem do
personagem. Evidenciando, Rei Gelado (Simon Petrikov) como um humano. Além de
sensibilizar e desmistificar fatos importantes do comportamento do personagem. Também,
apontando seu trauma e perda de sua esposa (Betty), que desapareceu misteriosamente.
Inclusive, um ponto a ser cogitado sobre Simon como Ice King, é sua participação na pós-
catástrofe. Pois, se supõe que devido às revelações sobrenaturais e a magia do gelo, foi possível
trazer uma era glacial ao planeta, auxiliando na diminuição da toxicidade química deixada pela
guerra. Por isso, se observa a presença diversificada de zonas alagadas, submersas e desníveis
de água durante a série.

Figura 7 – Cenas de “Segredos de Natal”

Fonte: episódio 20, 3° temporada, hora de aventura (2011).


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Apesar dos fenômenos e elementos místicos que se apresentam na série, sempre, existe
uma abordagem de contraste e complementação em sua relação com a ciência. Evidenciando,
a constante dicotomia do inexplicável com a lógica, fé e a razão, crença e ciência etc. Então, na
medida que a narrativa avança, se acrescenta os elementos distópicos que compõem a narrativa
e imaginário pós apocalíptico desse universo.

Em “Cinco Historinhas" (Ep. 2, 4° Temporada, 2012), um personagem alienígena do


futuro (mais a diante), se utiliza de histórias dos habitantes da terra de “Ooo” para ensinar lições.
Um fato importante é que pela primeira vez na série, se exibe o globo terrestre deformado e
com uma enorme cratera, Figura 8.

Figura 8 – Cena de “Cinco Historinhas”

Fonte: Episódio 2, 4° Temporada, Hora de Aventura (2012).

Pouco depois, em continuidade ao desenvolvimento dos personagens e da narrativa


sobre o passado, Em “Me Lembro de Você” (Ep. 25, 4° Temporada, 2012), evidencia que
Marceline foi amparada por Rei Gelado (Simon Petrikov) momentos depois da catástrofe na
terra. Os dois personagens até o momento não tinham interações diretas na série. Assim,
retornando as lembranças do cenário caótico da destruição, Figura 9.
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Figura 9 – Cenas de “Me Lembro de Você”

Fonte: episódio 25, 4° temporada, hora de aventura (2012).

Sem dúvida, a quarta temporada encerra com uma narrativa instigante no episódio final
“O Lich” (2012). O vilão que busca a aniquilação de todos os seres vivos vai em busca de
acessar a sala do tempo e chegar ao guardião multiversal, Prismo, que concede um único desejo
para quem lhe visitar. Em uma sucessão de acontecimentos, o Lich alcança seu objetivo de
chegar à sala do tempo, porém, é seguido por Finn e Jake. Os dois heróis não são afetados pelo
pedido do vilão. Pois, estão em uma zona (sala do tempo) que não se altera com as
circunstâncias do pedido.

A trama se prolonga em “Finn, o humano” (Ep. 1, 5° Temporada, 2012) abordando


conceitos das realidades multiversais. O conceito do multiverso é a existência paralela de
inúmeras realidades semelhantes, porém dissonantes. Assim, Finn pede que o Lich nunca tenha
existido. Porém, existe a consequência do herói ser redirecionado a uma realidade alternativa,
que se assemelha a realidade vista em “Mad Max” (1979). O desfecho se dá em “Jake, o cão”
(Ep. 2, 5° Temporada, 2012). O companheiro de Finn ainda se encontra na sala do tempo com
Prismo, observando o jovem na realidade variante por uma tela. Jake demonstra certa alienação
(de tom cômico e a fazer suspense no espectador) com o Finn da “outra realidade”. Então, o
gentil guardião preocupado com os agravantes daquele cenário, faz uma persuasão positiva,
para que o cachorro amarelo consiga realizar um pedido muito específico, resolvendo toda a
situação.
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Apesar da presença do conceito multiversal e pedidos que alteram a realidade, se


constata uma perspectiva fixa do “inevitável” (fatalismo) na narrativa. Isto é, apesar de Finn
desejar que o Lich não tivesse existido, a essência desse “ser” transcende o tempo-espaço e se
exibe inexorável. De todo modo, ocorre dessa essência ser materializada novamente, por ser
basicamente um conceito “anti-vida” e esse conceito é o propósito de aniquilar toda a vida
existente, qual alega que a vida (existir) perturba a ordem no universo e que somente o vazio e
o nada poderiam retornar a harmonia dos primórdios antes do “existir”. Vide que o Lich não é
a “Morte”, pois, essa tem um propósito específico na série ao lado da “Vida”. No fato que, na
“outra realidade” do episódio “Finn, o humano”, se confirma que a guerra nuclear ocorre,
igualmente, sem a influência de um Lich personificado (materializado). Sendo assim, se
demonstra que a humanidade caminhou inevitavelmente rumo a guerra e a catástrofe, Figura
10.
Posteriormente, a partir do composto químico deixado pela guerra (da realidade
alternativa de Finn), se tornou uma via que um Lich fosse constituído naquela realidade. Por
isso, é possível interpretar de modo simbólico a cerca de um fatídico “ser” espectral que
acompanha o homem até sua inevitável aniquilação.

Figura 10 – Simon na guerra dos cogumelos em “Finn, o humano”

Fonte: episódio 1, 5° temporada, hora de aventura (2012).

Em seguida, a trama retorna a explorar com ênfase o passado em “Simon & Marcy” (Ep.
14, 5° Temporada, 2013), Figura 11. Uma continuidade da narrativa estabelecida entre
Marceline e Rei Gelado (Simon Petrikov) em “Me Lembro de Você” (Ep. 25, 4° Temporada,
2012). O episódio se inicia com uma partida amigável de basquete entre Finn, Jake, Marceline
e Rei Gelado. Então, os protagonistas perguntam sobre a presença do mago entre eles,
prontamente, Marceline responde que ele é um querido amigo. Neste momento, a vampira narra
a sua história com Simon, ocorrida a 996 anos atrás, logo após os acontecimentos da guerra
nuclear que devastou a terra. Simon ficou responsável por Marcy e batalhava duplamente, em
protegê-la e manter sua lucidez. A narrativa segue o acontecimento de Marceline ter ficado
febril e culminando em uma aventura em busca de uma sopa para ajudar em sua recuperação.
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Todavia, a jornada levou a encontrar radioativos mutantes humanoides afetados por


compostos químicos, das bombas nucleares. Então, a dupla é perseguida enquanto atravessam
uma cidade em ruínas.

Figura 11 – Cenas de “Simon & Marcy”

Fonte: episódio 14, 5° temporada, hora de aventura (2013).

Desta maneira, se demonstra que uma parcela da humanidade sofreu mutações


radioativas advindas das explosões nucleares e outra foi aniquilada. Em “James” (Ep. 42, 5°
Temporada, 2013). Princesa Jujuba, Finn, Jake e James vão ao deserto para fazer
reconhecimento de uma área para futuro povoamento. A aventura leva a equipe a detectar
radiação e se dirigem ao local para coletar amostras para estudo, em consequência, encontram
uma grande quantidade de criaturas tóxicas, as mesmas afetadas pelas bombas nucleares da
guerra dos cogumelos. Evidenciando a existência delas após tanto tempo, Figura 12.

Figura 12 – Cenas de “James”

Fonte: episódio 42, 5° temporada, hora de aventura (2013).

Não somente, mas também, em “Roxo Escuro” (Ep. 29, 6° Temporada, 2015). Se aborda
novamente sobre as mutações. O enredo segue uma marca de refrigerante de sucesso de antes
da guerra dos cogumelos. Jake, Finn e Marceline aguardam por um carregamento automático
advindo de um drone para reabastecer a máquina de bebidas. Então, surge a ideia de seguir o
drone para entender como a marca opera, mesmo após a guerra. Porém, os protagonistas (em
tom cômico) deixam a aventura de lado.
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Por outro lado, o povo peixe (hyoomanos) no subsolo, também aguardam o


carregamento. Todavia, Susana reaparece para condenar a maléfica marca de refrigerante
“super porp” e a mascote Cheryl. Coincidentemente, culmina dos drones sequestrarem um bebê
hyoomano. Prontamente, Susana e duas jovens se encarregam do resgate seguindo até a sede
da marca. No local, se descobre que o funcionamento se dá por funcionários mutantes, Figura
13. Sendo, de propósito coletivo, continuar a produção da marca. Cheryl também é um deles.
Então, Susana resgata a criança e destrói a fábrica, encerrando a produção do refrigerante após
tanto tempo.

Figura 13 – Cena de “Roxo Escuro”

Fonte: episódio 29, 6° temporada, hora de aventura (2015).

Certamente, é possível interpretar uma crítica social-econômica sobre as más condições


de trabalho análogo a escravidão e o custo literal da vida da classe trabalhadora, em prol de
uma estrutura capitalista e das grandes indústrias e corporações abusivas. Pois, mesmo na
ausência monetária, se tornou intrínseco e estrutural desses indivíduos o trabalho sem
remuneração em condições insalubres. Isto é, “trabalhar para viver, viver para trabalhar”. Uma
questão e perspectiva contemporânea sobre a exploração no trabalho e da mão de obra, de modo
lúdico.

Então, a história retorna para pontuar outras informações, em “Betty” (Ep. 48, 5°
Temporada, 2014). A trama narra sobre uma criatura, Bella Noche, um ser antimagia que anula
toda magia em “Ooo”. Logo, a coroa de Simon deixou de funcionar. Assim, o estudioso
recobrou sua sanidade por tempo limitado, conseguiu criar uma máquina do tempo com ajuda
de Finn, Jake e Marceline e foi capaz de conversar com Betty, no passado.
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Consequentemente, algo que não se sabia em relação ao desaparecimento de Betty, se


esclarece. Pois, ela pula no portal de Simon e vai para o futuro, “desaparecendo” no passado.
Então, a moça restabelece a magia para que Simon possa viver (sem a magia o corpo de Simon
estava se deteriorando) e após a aventura, ela se torna uma figura misteriosa que vaga por “Ooo”
em busca de uma cura definitivamente para seu amado.

Logo depois, em “Bucket List Billy” (Ep. 52, 5° Temporada, 2014). Finn realiza desejos
de “antes de morrer” de uma lista do herói Billy (falecido em uma luta contra o Lich). O último
desejo da lista, é apenas flutuar no oceano (lembrando que Finn tem medo do mar). Então, o
jovem acaba por bater em sua cabeça e parar no fundo do oceano. Igualmente, sendo possível
observar mais destroços da guerra no fundo do mar, mas, no final da aventura, Billy surge entre
as estrelas e revela que o pai biológico de Finn está vivo. Martin (Pai do Finn) era um criminoso
intergaláctico e ficou preso em uma cidadela cósmica (Fuga da Cidadela, Ep. 02, 6° Temporada,
2014), se explica adiante na série a complexa figura ambígua que Martin se tornou e se
apresentou aos espectadores. Além disso, é apresentado ao público o sistema solar e o planeta
“terra” em sua formação atual em “O Cometa” (Ep. 43, 6° Temporada, 2015), Figura 14.

Figura 14 – Cenas de “O Cometa”

Fonte: episódio 43, 6° temporada, hora de aventura (2015).


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Em seguida, a série desenvolve um especial centralizando a personagem Marceline


intitulado “Stakes” (Estacas). Em “Tudo Permanece” (Ep. 07, 7° Temporada, 2015). A história
acompanha a juventude de Marceline, seu crescimento e sobrevivência no mundo pós
apocalíptico. Em algum momento, Simon se separou dela. Pois, apresentava insanidade e
insegurança para a menina. Marcy se tornou uma caçadora de vampiros, que representavam um
dos perigos para os poucos humanos sobreviventes, assim como, outras criaturas. Logo, a jovem
viajou entre cenários arruinados pela catástrofe, Figura 15.

Figura 15 – Cenas de “Tudo Permanece”

Fonte: episódio 7, 7° temporada, hora de aventura (2015).

Não somente, mas também, se tem a primeira aparição de humanos sobreviventes na


narrativa de lembranças. Portanto, aparentemente alguns sobreviveram utilizando adereços de
animais para se disfarçarem na natureza (“tradição” mantida entre os hyoomans). Explicando,
que os humanos se retiraram das grandes cidades e se dirigiam para as florestas e lugares
distantes. Marceline simpatizou com um pequeno grupo, eles planejavam concluir a
manutenção de um navio para se deslocar através do mar. A jovem comovida e com certa
frustração, por ter que ficar sozinha novamente, Marcy acaba por entender que os animais já
não eram os maiores perigos para os humanos. Mas, somando os “gosmentos” (mutantes
tóxicos), vampiros e outras criaturas. Certamente, mesmo com a sua ajuda no combate a eles,
não era o suficiente.
50

O personagem “Tom dois Pães” (figura de liderança do grupo) afirma que as leituras
atmosféricas estavam apresentando grande instabilidade e sendo prenúncio de um outro
possível evento catastrófico (um cataclisma) que iria modificar tudo, Figura 16. Afirmando,
que a melhor alternativa para os humanos, seria se retirar do continente para uma tentativa de
sobrevivência.

Figura 16 – Marceline e humanos em “Tudo Permanece”

Fonte: episódio 7, 7° temporada, hora de aventura (2015).

Mediante ao exposto, o que se sabe da humanidade e da ilustração distópica de seu


destino na série é que: uma parcela pereceu devido a guerra nuclear; outra parte sofreu com
mutações genéticas e se transformaram em mutantes e se supõe, que um pequeno número
conseguiu sobreviver se deslocando pelo oceano, se afastando do continente. Paralelamente,
confirma que a tradição do uso dos adereços de animais da tribo dos hyoomanos, são de
descendentes de algum grupo de humanos que se escondiam de baixo da terra e que ao passar
do tempo sofreram mutações, Figura 17.

Figura 17 – Hyoomans de “Susana Forte”

Fonte: episódio 18, 2° temporada, hora de aventura (2011).


51

Sendo assim, o especial complementa informações sobre o passado da terra,


especificamente, no período pós-guerra nuclear e pistas sobre o paradeiro dos humanos.
Evidenciando, que após a guerra nuclear causada pelos humanos, outros eventos ambientais,
geológicos e atmosféricas se sucederam sobre o planeta. Visto que, decorrente a esses
acontecimentos, foi possível a formação de novas formas de vida e de fenômenos na terra (já
não tão esférica).

Apesar de, a série abordar a ciência através da frequente e notória personagem, Princesa
Jujuba. Ainda não se tinha dado foco a ciência humana. Assim, em “The More you Moe, The
Moe you Know” (Ep. 14 e 15, 7° Temporada, 2015) parte um e dois, acompanha o personagem
BMO (console e inteligência artificial) em uma aventura particular de autodescoberta e
desenvolvimento. Entretanto, em dado momento se narra sobre o seu criador. Se exibe a ciência
como crucial para a humanidade e sua sobrevivência na trama. Moseph Mastro Giovanni (Moe)
foi um cientista sobrevivente da guerra dos cogumelos, inventor e criador de uma série de
computadores e outras tecnologias, uma referência equivalente ao Steve Jobs (1955-2011).
Moe, é o segundo (ex) humano a viver por mais de mil anos, o primeiro é o Rei Gelado (Simon
Petrikov). O cientista realizou modificações em seu corpo e órgãos, se tornando um ciborgue,
também, criou um refúgio de inteligências artificiais em um deserto. A sua última modificação
foi fazer um backup de suas memórias para um dispositivo de armazenamento e que gostaria
de que fosse lançado ao espaço por um de seus filhos (uma de suas criações), Figura 18.

Figura 18 - Cenas de “The More you Moe, The Moe you Know”

Fonte: episódios 14 e 15, 7° temporada, hora de aventura (2015).


52

Adiante, a trama continua em desenvolver a relação do “homem máquina”. Em “Pré-


início” (Ep. 38, 7° Temporada, 2016), a aventura se passa no subsolo com Finn, Jake e Susana.
Pois, a maré baixa revelou “tesouros”, que na verdade são ruínas da humanidade,
especificamente, um fliperama (salão de jogos). Então, ocorre um tremor e uma máquina
escavadora surge do fundo da terra. A responsável pela engenharia é a Doutora Gross,
realizadora de antiéticos procedimentos científicos em animais para agilizar a evolução através
de modificações com a tecnologia e hibridismo. Gross, também mostra que realizou tais
procedimentos em si mesma com a finalidade de buscar uma “melhor” adaptação evolutiva
como “ser”. Evidentemente, em algum momento ela foi humana. Não somente, mas também
revela que existe uma ilha e outros humanos, onde era constantemente julgada por suas ações
em relação a suas pesquisas e práticas científicas.

Figura 19 – Cenas de “Pré-início”

Fonte: episódio 38, 7° temporada, hora de aventura (2016).

Em “Reinício” (Ep. 39, 7° Temporada, 2016), uma continuação do episódio anterior.


Após a aventura no subsolo os heróis têm de capturar uma enguia elétrica voadora que escapou
do laboratório da Doutora Gross. Susana ataca frontalmente e acaba por levar um choque. O
ocorrido faz com que um dispositivo “secreto” acoplado em sua cabeça, qual ficava coberta por
um capuz, retorne à atividade. Igualmente, a afirmativa de sua humanidade sem o adereço.
Assim, o aparelho entra em transmissão com uma instalação em algum lugar. Finn interage com
o aparelho de Susana e se torna alvo de captura, o ocorrido, vem a ser explicado com mais
detalhes no especial “Islands” (Ilhas). Finalmente, centralizando a narrativa sobre os humanos
e as ilhas onde habitam. Posteriormente, o primeiro episódio do especial é “O Convite” (Ep.
20, 8° Temporada, 2017). A tal transmissão do dispositivo de Susana convocou um transporte
que chega no litoral de Ooo em sua busca através de seu nome codificado “XJ-7-7”. Finn,
também é reconhecido pela máquina e nomeado como “PG-8-7”.
53

Então, o transporte subaquático traz informações sobre a “Ilha dos Fundadores” e


finalmente confirma na obra, que houve um desenvolvimento pós-guerra, científico e
tecnológico humano. Em seguida, o ocorrido suscita em encontrar mais informações sobre a
ilha e seus respectivos fundadores. Finn, Jake, BMO e Susana, iniciam uma jornada pelo mar
para encontrar respostas.

No final do episódio “Whipple, O Dragão Feliz” (Ep. 21, 8° Temporada, 2017), o


quarteto se separa, pois, uma criatura titânica destrói a embarcação do grupo. Finn, reaparece e
descobre a “Ilha Misteriosa” (Ep. 22, 8° Temporada, 2017), Figura 20. A ilha é fragmentada
por ecossistemas instáveis, ora faz neve, chove, outra faz sol e logo muda para uma grande
tempestade. Finn encontra uma senhora (Alva) misteriosa e que não verbaliza. Então, durante
a forte tempestade, ela adentra uma instalação rústica e cientifica, fortificada por metal com
disfarce de árvore e é seguida por Finn. No local, entulhos e pilhas de arquivos, registros e um
deles estão sendo projetado, é a gravação dos humanos que residiam na ilha. Em resumo, eram
indivíduos de etnias e nacionalidades diferentes que desejavam construir uma tentativa de
“utopia” igualitária na ilha, através de instâncias e biomas adaptativos. Assim, utilizaram de
ferramentas tecnológicas para fracionar e controlar o clima, também, para auxiliar na produção
de alimentos. Porém, as experiências começaram a falhar, as tecnologias colapsarem e surgir
grandes animais ferozes atacando os humanos.

Figura 20 – Cenas de “Ilha Misteriosa”

Fonte: episódio 22, 8° temporada, hora de aventura (2017).


54

Portanto, Alva era a última e solitária humana daquela ilha. Finn se comove com a
história e quase perde a esperança, acreditando que realmente ela era a última humana. Porém,
próximo ao desfecho do episódio, Finn reencontra Jake próximo do mar e Alva pega uma folha
de papel ilustrando outras três ilhas. Alegando que se tratava de um arquipélago. Assim, a
jornada do rapaz poderia continuar. A última cena desse episódio é de tom cômico e enigmático,
BMO se encontra sentado em uma cadeira de praia, desfrutando seu lazer, na lua e admirando
a terra.

O episódio “Recursos Imaginários” (Ep. 23, 8° Temporada, 2017), particularmente é


um dos mais ricos episódios para uma interpretação sobre a cultura, tecnologia e sociedade
contemporânea, essa, será evidenciada com outros detalhes adiante no presente trabalho. Finn
e Jake pegam uma carona em um papagaio gigante e se dirigem a uma segunda ilha, um lugar
futurista, de grandes prédios, instalações cientificas em cores brancas e neutras. Porém, de ruas
completamente vazias. Finn e Jake passam em frente a uma vitrine de óculos de realidade virtual
que anuncia: “Better Reality” (realidade melhor), com os dizeres “where reality does’nt stink”
(onde a realidade não fede) e “Get ur dream!” (pegue seu sonho!). Supondo, que em algum
momento aquela sociedade se frustrou (de algum modo) com a realidade que estavam
vivenciando.

Também, explicando como BMO estava na lua, pois através da realidade virtual se
dirigiu até aquele cenário do final do episódio anterior. Finn e Jake, experimentam os óculos se
dirigindo a uma cidade virtual com muitos usuários. BMO afirma que irá permanecer no lugar,
mas Jake ao ouvir isso, se retira do cyberespaço e tenta remover os óculos de BMO. Mas, é
impedido por um sistema de segurança embutido no aparelho. Enquanto isso, Finn e BMO
conversam (aos 6min) sobre a permanência do console (ironia) no mundo virtual, ele alega que
se completa naquele lugar (o que faz sentido, já que ele é uma inteligência artificial). Todavia,
Finn argumenta que tudo aquilo é falso, BMO de imediato põe em perspectiva “o que seria
realidade?” e de modo abreviado, ele argumenta que a realidade é o que nós queremos ver como
real.
55

Paralelamente, Jake, intrigado sobre os responsáveis pelo funcionamento e manutenção


do lugar, se depara com pequenas criaturas tecnológicas que realizam a gestão do lugar e
proporciona o bem-estar coletivo em cuidados monitorados aos humanos. Pois, Jake investiga
a cidade “real” e encontra capsulas com humanos subnutridos e imersos na realidade virtual.
Porém, Jake se propõe a destruir o equipamento do servidor que mantém o cyberespaço ativo.
Inicialmente, parece uma boa ideia, mas, ao desconectar a cidade, BMO fica inconsolável e
logo depois, uma multidão de humanos perambulam como zumbis pelas ruas esbravejando e
revoltados com o ocorrido e reivindicando a “realidade” deles, Figura 21. No fim, o
cyberespaço é restabelecido e os humanos daquela ilha retornam para seus confinamentos e
atividades no cyberespaço. Mas, para Finn, acaba de conhecer uma realidade decadente da
humanidade que se perdeu em sua própria criação. O episódio encerra com o trio se reunindo e
viajando através de uma cápsula por um tubo que se interliga com outra ilha.

Figura 21 – Cenas de “Recursos Imaginários”

Fonte: episódio 23, 8° temporada, hora de aventura (2017).

O episódio seguinte, “Esconde-esconde” (Ep. 24, 8° Temporada, 2017), é centralizado


em “Susana” ou como ela se apresenta no final, o seu nome verdadeiro é “Kara”. O trio, Finn,
Jake e BMO, consequentemente encontram ela vagando em transe, em uma das ilhas. O fato é,
Kara é uma humana parte ciborgue, ela tem um dispositivo cerebral que aprimora suas
habilidades físicas. E justamente esse aparelho, acoplado em sua cabeça (que retornou a
funcionar), faz com que recobre as suas memórias. Kara (Susana), anda pela ilha, que era um
centro de treinamento de “Helpers” (Ajudantes), treinados pela Doutora Gross. Indivíduos que
serviam para proteger e assegurar a permanência dos humanos nas ilhas (mesmo contra a
vontade deles). E esses ajudantes eram aprimorados para que se tornassem figuras biônicas
(fortes, rápidos, inteligentes etc.).
56

Também, é revelado nesse episódio, a criação de um titã/guardião tecnológico para


proteger o arquipélago de ilhas. Assim, protegendo dos intrusos ou impedindo os “fugitivos”
(os ajudantes também tinham essa função como “caçadores”). Esse é o mesmo guardião
mencionado anteriormente no final do episódio 21 da 8° Temporada. Não somente, mas
também, aponta que Kara era uma aprendiz exemplar e idealista, seguidora dos ensinamentos
das fundadoras daquela ilha. Entretanto, Frieda (melhor amiga), sonha em conhecer outros
lugares além da ilha e planeja se aventurar pelo mar. Em dado momento, Frieda se executa seu
plano, porém é interceptada por Kara. Elas conversam, Kara aponta sobre a segurança da ilha,
Frieda contra-argumenta, apontando a falta de liberdade (o autoritarismo presente na utopia).
A situação se agrava, pois, Doutora Gross as encontra. Então, Gross utiliza do controle
tecnológico (cerebral) para que Kara capture Frieda e destrua o veículo de fuga da jovem.
Assim, Kara relembra de sua história e de uma ruptura afetiva de seu passado, Figura 22.

Figura 22 – Lembranças de Kara em “Esconde-esconde”

Fonte: episódio 24, 8° temporada, hora de aventura (2017).

No primeiro minuto de “Min and Marty” (Ep. 25, 8° Temporada, 2017). Kara demonstra
uma nova postura, certamente, por estar sobre posse do seu esclarecimento e de sua identidade.
Então, como figura de liderança (surpreendendo Finn), afirma que eles irão para a “Ilha dos
Fundadores” para encontrar com a mãe do rapaz, Minerva. A partir desse momento, o
aventureiro se abala com tantas informações e se põe a meditar. Em uma mudança de quadro,
se coloca a narrativa do passado de Minerva Campbell (mãe biológica de Finn) na ilha dos
fundadores.
57

Em síntese, Minerva era/é uma ajudadora em posição de destaque, excepcionalmente


altruísta e inteligente. Em contraposição, Martin Mertens (pai biológico de Finn), era um
vigarista, “bad boy”. Uma figura do homem fora da lei e que se aproveitava das situações. Por
acaso, Martin se acidentou em uma de suas negociações de fuga da ilha (que fica pendente por
intervenção dos caçadores). Assim, ele é levado para o hospital para ficar sob os cuidados de
Minerva. Algum tempo depois, mesmo com as notáveis atitudes controvérsias do homem, eles
iniciaram um romance e consequentemente, o nascimento de Finn. Martin até apresentou
melhora em seu comportamento, uma maturidade advinda do seu relacionamento e da
paternidade. Entretanto, em uma fatídica noite, os indivíduos da negociação frustrada (no
passado) encontra ele em sua casa para uma cobrança.

Então, Mertens foge com seu filho recém-nascido e improvisa uma jangada que “dá
certo”. Pois, se comparada com as outras tentativas mais elaboradas, essa é a que realmente
conseguiu sair da ilha (fato confirmado em um diálogo). Igualmente, revela ao espectador que
Martin e Finn foram interceptados pelo guardião. Enquanto a criança é deixada a própria sorte
no suporte flutuante, Mertens tenta atacar o guardião para conseguir algum tempo para fugir.
Todavia, pai e filho são separados, Martin é golpeado e lançado ao mar. Conclusão, Minerva
fica inconsolável com o ocorrido traumático e sem respostas. Martin e Finn se perdem no mar,
seguindo cada um para trajetória diferente.

Figura 23 – História de Minerva Campbell em “Min and Marty”

Fonte: episódio 25, 8° temporada, hora de aventura (2017).


58

Ocorrida a reunião do grupo, a aventura prossegue em direção a ilha dos fundadores em


“Helpers” (Ep. 26, 8° Temporada, 2017). Após uma longa trajetória na trama, finalmente, o
espectador deslumbra uma sociedade futurista humana, do universo de Ward. Logo, em resumo,
Kara, Jake, BMO e Finn, chegam à cidade em busca de Minerva. O grupo se separa, Jake chama
a atenção de algumas crianças para brincar, até o momento em que se revela um mutante (sua
capacidade de esticar) e a multidão se assusta.

Em vista disso, uma equipe de “Minerva-bots” contém Jake e Finn devido a confusão.
Os dois são levados a uma ala de contenção. Três Minerva-bots surgem para recolher os
“presos”, realizando um exame de sangue nos dois aventureiros, então, é reconhecido o
sequenciamento genético de Finn e todos os bots entram em um estado de surpresa síncrona.
Deste modo, os dois são liberados e guiados até uma central. Finn e Jake se encontram com
uma tela, sendo possível observar que Minerva se tornou uma inteligência artificial e relata:
após o desaparecimento de seu filho e Martin, ela ficou desestabilizada e se afastou
parcialmente do seu trabalho, Doutora Gross enviou Kara para encontrá-los. Mas,
eventualmente também sofreu algum acidente, ficando com os hyoomanos. No meio tempo,
Gross continuou com seus experimentos antiéticos, suscitando a liberação de um terrível vírus.
Sendo o acontecimento mais catastrófico em 300 anos. Pensando que, se a guerra foi a mil anos,
se supõe que houve outras crises dentro das sociedades humanas, em outras épocas após a
grande guerra. Campbell, conta que realizaram uma quarentena na ilha dos fundadores e a taxa
de óbito da população cresceu em 62%, mas que a taxa dos ajudantes que combatia a doença
de perto era de 100%. Deste modo, ela diz que sem condições de ajudar os outros (com indícios
do vírus), tomou uma decisão drástica e fez um mapa mental de si mesma para a rede, se
tornando milhares de ajudantes e uma consciência viva digital, que administra, cuida e protege
a ilha.

“The Light Cloud” (Ep. 27, 8° Temporada, 2017), é último episódio do especial “ilhas”
e sobre a narrativa humana pós-apocalipse. O enredo leva rapidamente para uma crítica sobre
a utopia, que realiza sua manutenção em cima da anulação da liberdade. Finn se posiciona
criticamente em relação ao conformismo. Por certo, o rapaz discursa em público para que os
humanos almejem conhecer o “novo mundo”, que apesar dos perigos, existe mais a ser visto
além daquela ilha. Dessa maneira, após seu filho negar a permanência na ilha, Minerva tenta
realizar um uploud cerebral coletivo forçado na população de cada ilha, visto na Figura 24.
59

Figura 24 – Tentativa de upload cerebral coletivo de todas as ilhas

Fonte: episódio 27, 8° temporada, hora de aventura (2017).

Todavia, Finn argumenta com sua mãe e aponta que isso era privar os outros de suas
escolhas. Ela encerra tal ato, culminando no apoio de Minerva para desativar o guardião e de
que Finn poderia retornar a Ooo. Portanto, o jovem acompanhado de seus amigos, Jake e BMO,
retornam para casa. Enquanto Kara, que reencontrou Frieda, partem juntas para novas
aventuras. Posteriormente, o enredo da história encerra com grandes embarcações de humanos
se dirigindo para o continente de Ooo, no “grande” e final episódio da série “Venha Comigo”
(Ep. 13, 14, 15 e 16, 10° Temporada, 2018).

Figura 25 – Embarcações humanas no final de “Venha Comigo”

Fonte: episódio 16, 10° temporada, hora de aventura (2018).


60

3.1.1 Das representações ao conteúdo: processos textuais e a aventura.

Mediante ao exposto, os episódios elencados e apresentados, foram selecionados por


constituir, fundamentalmente, uma teia narrativa e construção da realidade pós-apocalíptica em
Hora de Aventura. Pois, os recursos visuais, textuais, imagéticos etc. Se tornam a composição
da argumentativa sobre a ciência, tecnologia, catástrofe, cultura e sociedade. Partilhando, seu
teor verossímil a realidade.

Indubitavelmente, a obra de Ward (2010) possui uma característica de um palimpsesto,


isto é, traços de outras obras anteriores, de caráter intertextual. Desta maneira, Mendonça
aborda sobre a estrutura rizomática e hipertextual na série:

“O termo rizoma, advindo da Botânica e incorporado por Deleuze e Guattari


à Literatura, diz respeito a uma narrativa que aborta a raiz principal como
ponto de partida – mas que é dissolvida no corpo da trama – e se ramifica,
enxertando na narrativa uma multiplicidade imediata (DELLEUZE; GATTARI,
1995). [...] Em relação à outra estratégia narrativa, o hipertexto, se pode
afirmar que há muitas formas de se elaborar um texto e que todos os
caminhos escolhidos levam à hipertextualidade. Essa afirmação contundente
parte do princípio que todo texto (escrito, visual, tátil, sonoro, audiovisual) é
resultado de vários outros textos já lidos, ouvidos e/ou assistidos, podendo a
hipertextualidade ser explícita em diferentes graus, configurando-se numa
transcendência textual na qual, grosso modo, pode-se definir como “tudo que
o coloca em relação, manifesta ou secreta, com outros textos” (GENETTE,
2010, p. 13).” (MENDONÇA, 2019, p. 216-218).

Logo, compreende-se que a série se desenvolve como uma raiz, possui o seu princípio,
mas, se ramifica em novas direções e gera a multiplicidade em sua estrutura narrativa. Assim,
concebendo novos núcleos narrativos de significados e estruturantes para conceitos “chave”,
que vem a promover as argumentativas da obra através de seus elementos. Por exemplo; tempo,
humano/não humano, máquina e mutação, sexualidade, magia/razão, catástrofe etc. Portanto,
cada item, por si só, é capaz de produzir uma reflexão a respeito do conteúdo e composição da
animação serializada Adventure Time. Desta maneira, Rose destaca a complexidade a respeito
sobre a observação de produtos audiovisuais:
61

“[...], os meios audiovisuais são um amálgama complexo de sentidos,


imagens, técnicas, composição de cenas, seqüência de cenas e muito mais.
É, portanto, indispensável levar essa complexidade em consideração,
quando se empreende uma análise de seu conteúdo e estrutura. Todo passo,
no processo de análise de materiais audiovisuais, envolve transladar. E cada
translado implica em decisões e escolhas. Existirão sempre alternativas
viáveis às escolhas concretas feitas, e o que é deixado fora é tão importante
quanto o que está presente.” (ROSE, 2000, p. 343).

Portanto, a motivação e escolha sobre a observação da série, objeto de estudo desse


trabalho, é lançar um olhar para sua capacidade lúdica revestida em tom ingênuo (estética), qual
abriga argumentos e elementos contemporâneos, sobre a guerra nuclear, expectativas a respeito
do futuro, sociedade, política, identidade, ciência etc. Além de fomentar a reflexão sobre a
relação da realidade e ficção. Não raro, que a série tenha sido abordada em outros estudos, por
Mendonça (2019), Matangrano (2020) e outros. Rose afirma que, “Nunca haverá uma análise
que capte uma verdade única do texto.” (p. 344). Especialmente, em produções complexas,
como os audiovisuais, por razões apontadas anteriormente, assim, "[...] não é que exista um
caminho para captar todas essas nuanças a fim de produzir uma representação mais fiel." (p.
345). Consequentemente, se dá origem aos questionamentos de teor distinto, de uma mesma
obra, por óticas singulares, suas escolhas de análise e fatores de motivação.

Por conseguinte, a princípio, é possível ponderar sobre o conceito de “aventura” na série,


para em seguida, posteriores observações na obra de Ward (2010). A aventura não se limita ao
título, mas, na proposta narrativa dos personagens principais, Finn e Jake, assim como no
convidativo bordão da dupla: “What time is it? Adventure time!”. Mediante ao exposto, Simmel
constrói uma formal percepção de que a aventura “extrapola o contexto da vida" (SIMMEL,
1998; p. 171), qual questiona o sentido da aventura para refletir a estrutura que se dispõe a
ultrapassar o contexto da vida. Simmel diz:

“[...] a aventura, segundo sua essência e encanto específicos, é uma forma


da experiência. O conteúdo do acontecer não constitui ainda a aventura. Esta
se caracterizará somente por meio de uma certa tensão do sentimento de
vida, com a qual aqueles conteúdos se realizam; somente quando uma
corrente, indo e vindo entre a parte mais exterior da vida e a sua fonte central
de energia, abarca aquela em si, e quando aquela coloração, temperatura e
ritmo especiais do processo de vida constituem o que é verdadeiramente
62

decisivo, o que de certa maneira acentua o conteúdo de um tal processo de


vida, o acontecimento deixará de ser uma simples experiência e se tornará
uma aventura.” (SIMMEL, 1998, p. 182).

Sendo assim, ao observar a aventura como uma forma de aprendizado através da


experiência, constitui um elemento notável e fundamental na jornada do personagem Finn, o
humano. Além disso, Simmel situa a aventura como uma característica relacionada a juventude
e a uma tendência romântica da vida, expressando o “fatalismo do aventureiro”, Simmel diz:
"Na aventura, [...] apostamos tudo justamente na chance flutuante, no destino e no que é
impreciso, derrubamos a ponte atrás de nós, adentramos o nevoeiro, como se o caminho devesse
nos conduzir sob quaisquer circunstâncias" (1998, p. 178). Certamente, é evidente a validação
desse argumento no gradual desenvolvimento do protagonista da série. Observando, desde a
imaturidade inicial do jovem herói na primeira temporada (2010), em contraste, ao
comportamento sóbrio e ajuizado na décima e última temporada (2018).

3.2 Em busca da identidade humana e a realidade virtual: reflexões sobre deslocamento cultural
e tecnologia.

Certamente, a produção da obra se propôs gradualmente a desenvolver e mergulhar em


sua narrativa pós-apocalíptica. Assim, culminando em revelações, reflexões e críticas
contundentes sobre as organizações e estruturas humanas. Logo, efetuada delineação da
narrativa, agora, será destacado alguns aspectos em evidência na obra, sob a ótica de observação
cultural.

A princípio, é fecundo destacar a abordagem de Matangrano (2020) sobre o pós-


humanismo na obra. Apontando que “Na prática, não há mais humanos da forma como os
entendemos, salvo Finn e Martin; há, porém, uma múltipla e diversa sociedade antropomórfica
que herdou nossa cultura, mas não a herança genética e biológica da espécie, [...]”.
(MATANGRANO, 2020, p. 101). Isto é, na obra se observa hábitos e tradições culturais
humanas, em figuras antropomórficas não humanas. Apesar de, mesmo após a suposta extinção
da humanidade. Lógica anteriormente apontada na página 22, do presente trabalho, sobre a
figura humanoide ser um interlocutor de um diálogo, ao mesmo tempo uma possibilidade da
ilustração simbólica do humano “renovado”, entre, igual e diferente em uma narrativa.
63

Também, ele aponta: “[...] do ponto de vista antropológico, moral, ético e filosófico, em
Ooo todos (ou quase) podem ser descritos como humanos ou, ao menos, como pessoas, como
de fato acontece na série. Mas não podemos esquecer que apenas Finn é chamado de «o
humano».” (2020: 97). Apesar de, Finn ser bem inserido socialmente no reino de Ooo, nota-se,
que não existe nada que o faça ter uma ligação (a princípio) com a humanidade. Somente a
nomenclatura “o humano”, constantemente utilizada como lembrete. Corroborando, para uma
distinção dos demais, para com ele, mas não de modo pejorativo. Portanto, ocasionando no
personagem um deslocamento cultural de sua origem.

Pois, sem elementos que possam estruturar uma consolidação de sua “identidade
humana”, existe uma lacuna a ser preenchida, no sentindo, “o que lhe torna um humano e como
isso poderia diferenciar ele dos outros?”. O jornalista Luís Mauro Sá Martino, aborda a
construção dessa identidade no meio social, da seguinte forma:

“A identidade de alguém, de um grupo ou mesmo de um povo passam por


relações de comunicação estabelecidas interna e externamente, a partir das
quais são criados e disseminados as narrativas e os discursos que permitem
às pessoas se reconhecerem como parte de alguma coisa, como “iguais” a
determinado grupo e diferente de outros.” (MARTINO, 2010, p.29).

Igualmente, sendo profícuo acrescentar a concepção de Hall (2006), sobre a identidade


do sujeito sociológico. Ele aponta que o núcleo interno desse sujeito, se interpretava não
autônomo e nem autossuficiente “[...], mas era formado na relação com “outras pessoas
importantes para ele", que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura
– dos mundos que ele/ela habitava.” (2006: 11). Consequentemente, as primeiras referências de
Finn foram os habitantes de Ooo, através da perspectiva que, “[...] a identidade é formada na
"interação" entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é
o "eu real", mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais
"exteriores" e as identidades que esses mundos oferecem.” (2006: 11). Sem dúvida, pode-se
afirmar que a identidade social do personagem Finn “o humano”, não é construída sob a ótica
social e simbólica humana. Mas, nas convenções socioculturais, costumes, tradições,
conhecimentos e questões, dos habitantes do reino de Ooo.
64

Posteriormente, essa lógica recebe outras proporções. Pois, existe a ocorrência de Finn
se encontrar com outros humanos. Todavia, o encontro é acompanhado de uma expressiva
decepção, advinda de um não-reconhecimento sociocultural com eles. Assim, na análise de
Matangrano:

“[...] frustração por descobrir que os demais humanos não são, não pensam
e não vivem exatamente como ele, pois, tendo crescido junto aos animais
falantes e pessoas doces, Finn adquiriu outros valores e outras formas de
agir e pensar; por outro lado, tal descoberta provoca uma consequente
valorização de seus amigos de espécies diversas, mesmo tendo ficado feliz
com a descoberta de sua origem e com o reencontro de seus iguais. [...] Logo,
a busca por um igual revela a Finn onde reside exatamente sua humanidade
e, aparentemente, a resposta da animação para essa pergunta é mostrar tal
conceito não como um aspecto biológico, mas sim, moral.” (MATANGRANO,
2020, p. 100).

Em síntese, essa seria a interpretação da construção da identidade social e cultural de


Finn, a partir de um deslocamento cultural e um não-pertencimento, para com a humanidade
que se apresenta a ele. Mas, que a sua humanidade reside em seu núcleo interno, que possui de
modo intrínseco em elementos morais e éticos que o moldam como “ser” humano. Um exemplo
para esse argumento, é a personagem Minerva (mãe de Finn), reconhecer em uma afirmativa,
que o filho se tornou um ajudante mesmo no mundo “caótico” em que cresceu, dizendo aos
7min 11seg do episódio “The Light Cloud”: “Finn, você cresceu e se tornou um ajudante. Se
seu mundo te ensinou a agir assim, talvez não seja tão ruim.”. Portanto, demonstra-se que a
própria obra produz notáveis considerações e atribuições a respeito de seu próprio universo.

Igualmente, a ciência e a tecnologia são notoriamente abordadas, seja em seus conceitos


contemporâneos, condução narrativa ou contraposição da magia, mas, sempre presente e
desenvolvida ao longo da trama. Entretanto, “Recursos Imaginários” eleva e se estende com
precisão em um diálogo atual. Evidenciando, o momento presente diante ao “metaverso”. Pois,
aborda as extensas possibilidades das relações humanas, a partir da realidade virtual, realidade
aumentada e da internet. Atualmente, as criptomoedas, NFT (Non-Fungible Token), bancos
digitais, eventos no ciberespaço, plataformas de streaming, a criação de espaços coletivos e
virtualmente compartilhados etc. Aglutinam cotidianamente a sociedade contemporânea no
mundo e universo virtual.
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Por exemplo, uma abreviatura de narrativa distópica da realidade, é a recente pandemia


do COVID-19, no qual levou a massiva população mundial ao movimento do isolamento social,
decorrente dos lockdowns e quarentenas, ao redor do mundo. Entretanto, através dos novos
recursos tecnológicos em um mundo moderno e globalizado, as fronteiras visíveis e invisíveis,
foram rompidas com facilidade.

Assim, Hall apresenta algumas considerações sobre a globalização, uma delas é a


perspectiva que a globalização não é algo recente, mas que acompanha o seu próprio tempo.
Afirmando com uma menção a Giddens (1990, p. 63), “A modernidade é inerentemente
globalizante” (apud HALL, 2006, p. 68). Em seguida, ele aponta que as reformulações do tempo
e espaço na sociedade “[...] resultam na compressão de distâncias e de escalas temporais, [...].”
(2006: 68). Justamente, destacando que a medida do tempo, a tendência é a compressão,
redução e proximidade das fronteiras espaciais (físicas e geográficas) e temporais (ex: fuso
horário). Por exemplo, a capacidade de se comunicar instantaneamente com o outro lado do
globo ou saber notícias em tempo real de um acontecimento.

Deste modo, o episódio (Ep. 23, 8° Temporada, 2017) da obra de Ward, aponta
fundamentalmente a fuga da realidade. Paralelamente, a obra do diretor Steven Spielberg,
“Jogador N°1” (2018), segue uma narrativa semelhante à de Ward. Certamente, o campo
explorado dessas obras, são as possibilidades infinitas do imaginário e da imaginação humana,
aliada a tecnologia. Todavia, também enfatizam a facilidade de se perder no caminho e se
deslumbrar com esse “lugar”. Então, surge a narrativa da decadência humana, a carência por
vibrantes estímulos narrativos, a perda do entusiasmo com a realidade, dependência
tecnológica, vicio e até deterioração física ou mental. Sem dúvida, essa perspectiva
potencialmente alarmante, pode ser vista em contexto atual e exemplo, na observação e
preocupação de Blinka e Smahel em relação aos MMORPGs (jogo multijogador em massa de
representação de papéis online):

“É praticamente certo, contudo, que a dependência de jogos online tem


aumentado nos últimos anos. Acreditamos que a realidade virtual como uma
forma de escape do mundo real será cada vez mais comum – e os MMORPGs
não serão exceção. Se a fronteira entre a realidade concreta e a realidade
virtual continuar se tornando cada vez mais indistinta, seja pela melhora
gráfica dos jogos, qualidade dos monitores, seja pelo desenvolvimento de
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novas ferramentas tecnológicas como monitores em óculos, luvas com


sensores, e assim por diante, podemos esperar que esse fenômeno se torne
ainda mais significativo e profundo. Será cada vez mais difícil para o jogador
distinguir o mundo real do virtual, e sua imersão no jogo será ainda maior.
(BLINKA; SMAHEL, 2011, p. 115).”

Deste modo, não apenas existe a narrativa de caminharmos para a ilustração opressora
da governança política ou da degradação ambiental ou algum outro fatídico acontecimento, mas
também, do distanciamento e desinteresse no plano físico-real, configurando aos poucos, um
futuro e uma realidade distante da matéria sob conexão virtual. Sem dúvida, “recursos
imaginários” eleva a obra de Ward para adentrar a fascinante narrativa da realidade frágil e da
escassez de espírito humano, em um futuro carente. Logo, antecipando, descrevendo e pensando
de modo atual, uma possível realidade: se a identidade humana é construída das relações com
o mundo e com os outros, poderia ser que as relações intermediadas no plano do ciberespaço,
em algum momento, irão reverberar em uma população de indivíduos distantes
emocionalmente? Alimentando uma desumanização das relações humanas? Sem dúvida, uma
perspectiva futura, distópica e contemporânea de uma sociedade que não se dará conta de
quando o mundo se deteriorou. Pois, estava se refugiando em uma projeção “Better Reality” no
espaço e mundo virtual.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante ao exposto, o presente trabalho situa a imagem como representação e porta de


acesso a imaginação que adentra o campo do imaginário. Desta maneira, as extensões dessa
relação se tornam arte, entretenimento ou espetáculo que se dirige a vida e a realidade, com
propósito e não se esvazia de racionalidade. Visto que, a realidade é constructo e perspectiva,
assim, algo se torna real, na medida em que se acreditar que é. O papel da narrativa-ficção é
complementar a realidade. Isto é, as produções ficcionais dizem a respeito do homem e das
estruturas físicas e não físicas que o cerca, das possibilidades refletidas como um espelho, se
distanciando em resplendor e fragilidade, como um vitral.

Igualmente, o futuro é alvo de fascínio e de especulações ao longo da trajetória humana.


Pois, se observa o presente e os potenciais “gatilhos” que possam desencadear acontecimentos
preponderantes para o futuro e até consequências irreversíveis. Logo, ao meditar nas obras e
produções que ponderam sobre o tema, se torna possível lançar um olhar para questões
importantes da atualidade, até mesmo a profundidade e noção de fim do mundo ou dito
“apocalipse”, esse, que para Mafessoli (2010), ganha significado em tom bíblico sobre suscitar
a revelação. Assim, se compreende a atenção humana para narrativas sobre o futuro, visto que,
ou se aguarda as grandes realizações vindouras ou a inevitável destruição.

Então, pode-se observar que as narrativas ficcionais conseguem atravessar com primor
a costura invisível da ficção e ressaltar com mérito, o tear e a concretude da realidade. Por
exemplo, em um cenário pandêmico, especificamente no Brasil, onde, infelizmente um
desgoverno subestimou o vírus, difundiu notícias infundadas, protelou a compra de vacinas,
incentivou a automedicação sem comprovação cientifica e consequentemente, ocasionou uma
expressiva taxa de óbitos da população. A comédia e sátira política “Don’t Look Up” (2001) de
Adam Mckay, cirurgicamente ilustrava uma realidade insana e factual. Abrigando elementos
da ficção-científica, a trama ilustra um governo norte-americano negacionista, anti-ciência e
que opta pela alienação da população, não ironicamente, realidade vista em solo sul-americano
nos anos de 2020 a 2021 com alarmante efervescência. Coincidentemente, a arte veio em
momento pontual. Sem dúvida, uma evidência, além das ilustrações ou descrições futuras, mas,
a atualidade crítica das produções e suas narrativas, em momento oportuno a ser destacado.
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A obra de Ward se potencializa no oculto do produto: um conteúdo de entretenimento


que supostamente é destinado ao público infantojuvenil, mas, abriga em essência, uma densa
abordagem sobre o ser humano, de modo lúdico, aborda sobre política, economia, sociedade,
cultura, ciência, tecnologia, sexualidade, gênero etc. Em capacidade imagética e lúdica de
adornar o real, presente e o futuro. O reino ou terra de Ooo, é uma possibilidade, uma realidade
construída a partir de uma guerra nuclear. Outra vez, não distante da realidade, em exemplo, a
situação contemporânea do conflito entre Rússia e Ucrânia. Evidenciando, um futuro próximo
e que será para poucos, um lugar de resistência e sobrevivência, um mundo científico e
tecnológico por fundamental manutenção da humanidade e sua adaptação. Todavia, a
racionalidade técnica, o controle da natureza e o desenvolvimento científico, que supostamente
deveriam solucionar os problemas da humanidade, geram a sua ambiguidade. Candido diz,
“Portanto, podemos dizer que os mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a
degradação da maioria.” (CANDIDO: 2012, p. 17).

Logo, apesar das inovações, não se tem garantia do apagamento das desigualdades
sociais ou econômicas, até mesmo, de outras catástrofes. Ainda segundo Candido, “[...] com a
energia atômica podemos ao mesmo tempo gerar força criadora e destruir a vida pela guerra;
com o incrível progresso industrial aumentamos o conforto até alcançar níveis nunca sonhados,
mas excluímos dele as grandes massas que condenamos à miséria.” (2012, p. 17). Desta
maneira, habita na narrativa distópica, igual teor utópico, segundo Bloch “quer enxergar bem
longe, mas no fundo apenas para atravessar a escuridão bem próxima do instante que acabou
de ser vivido, em que todo o devir está à deriva e oculto de si mesmo” (2005, vol. 1: 146).
Portanto, a utopia e a distopia é uma ansiosa projeção humana de uma sociedade no futuro.
Desta maneira, estamos cotidianamente diante do fim, porém, ao romper de um novo dia, se
recomeça para um novo apocalipse ou uma nova revelação.
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