Você está na página 1de 78

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS

CHARELLYS RIANNE DA SILVA SOUZA

O IMAGINÁRIO POPULAR EM A PEDRA DO REINO: DO


LITERÁRIO AO CINEMATOGRÁFICO

Feira de Santana
2015
CHARELLYS RIANNE DA SILVA SOUZA

O IMAGINÁRIO POPULAR EM A PEDRA DO REINO: DO


LITERÁRIO AO CINEMATOGRÁFICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Estudos Literários, da Universidade Estadual de Feira de Santana
como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Estudos Literários.

Orientadora: Prof. Dr. Claudio Cledson Novaes

Feira de Santana
2015
CHARELLYS RIANNE DA SILVA SOUZA

O IMAGINÁRIO POPULAR EM A PEDRA DO REINO: DO


LITERÁRIO AO CINEMATOGRÁFICO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação


em Estudos Literários – PROGEL da Universidade
Estadual de Feira de Santana – UEFS, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Literatura.

Aprovada em 21 de julho de 2015.

_____________________________________________________
Prof. Dr.Claudio Cledson Novaes
Orientador – UEFS

_______________________________________________
Prof.ª Doutora Flávia Aninger de Barros Rocha
UEFS

_____________________________________________
Prof. Doutor João Evangelista do Nascimento Neto
UNEB
A ARIANO SUASSUNA

Cleivane da Silva Souza

Adaury de Jesus Souza

Glória Maria Campos Cerqueira


AGRADECIMENTOS

Ao chegar à de mais uma etapa em minha formação, sinto a necessidade de agradecer a


todos que ajudaram a concretizar esse sonho a tanto tempo acalentado, aos que
contribuíram direta e indiretamente para que eu pudesse vencer essa etapa tão importante.

Quero agradecer inicialmente a Deus, pois Ele é a minha bússola, meu alimento espiritual,
minha pedra angular e foi quem me guiou em todos os momentos e jamais desistiu de mim.

À minha família; pai, mãe, avós e demais familiares, tias, tios e primos que sempre
acreditaram no meu potencial e me incentivaram a seguir na vida acadêmica.

Aos meus filhos queridos, Iori Gabriel e Adam Emanuel que acompanharam dias e noites
de leituras e estudos, que suportaram a ausência materna por causa das diversas
comunicações apresentadas por mim ao longo do mestrado.

Asthar Chaves, meu querido e amado companheiro, que tanto se preocupou com minhas
leituras e com minha escrita, procurando livros buscando materiais e cuidando de lembrar-
me do tempo para o estudo.

Às minhas amigas-irmãs de longas datas Ana Paula, Luciana, Glauce e Ana Kelly que
estiveram comigo em momentos de preocupação e de grandes felicidades.

Aos meus colegas de mestrado que se tornaram amigos Evanilson, Railma, Rúbia, Telma,
Lenis, Juliana Silveira, Juliana Cordeiro e outros que estiveram comigo nessa caminhada.

Aos funcionários do PpgLDC, especialmente à Dona Branca, que tanto me acolheu e me


deliciou com seu cafezinho, e à Priscila que sempre me recebia com um sorriso largo cada
vez que eu pedia-lhe uma informação.

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários pela oportunidade oferecida e, em


especial, aos professores do PROGEL por toda dedicação empenhada em meu processo de
aprendizado e desenvolvimento acadêmico.

Ao professor e orientador Claudio Cledson Novaes, pela orientação e a confiança


depositada.

À CAPES pela concessão da Bolsa na modalidade Demanda Social, sem a qual eu não
teria concluído esta pesquisa
O imaginário é o caminho de toda minha literatura.
(Ariano Suassuna, em Cadernos de Filmagens de A Pedra do
Reino, 2007, s/p).
RESUMO

Esta dissertação tem por finalidade estudar a obra literária do autor paraibano Ariano
Suassuna e da obra cinematográfica de Luiz Fernando Carvalho por meio da análise da
obra A Pedra do Reino. A dissertação apresenta claramente três etapas: a primeira envolve
um estudo panorâmico acerca das produções de Ariano Suassuna e sua arte situada no
contexto da cultura popular. A segunda etapa consiste em compreender de que maneira
Suassuna e Carvalho se apropriam da ideia de imaginário popular, para a elaboração das
obras literária e cinematográfica. Nesta etapa, fazemos um estudo sobre as memórias e os
mitos que povoam o imaginário popular do povo nordestino, buscando compreender de
que maneira a criação de uma região baseada na tradição se estabelece em meio à
modernidade. A terceira etapa aborda uma análise sobre a obra cinematográfica, discutindo
conceitos de adaptação e transposição fílmica, desconstruindo a ideia de fidelidade, a partir
da discussão sobre. Conclui-se neste estudo que fazendo uso dos elementos do imaginário
popular nordestino, Carvalho estabeleceu um diálogo entre as obras, no intuito de transpor
o que estava escrito na obra de Suassuna para o cinema.

Palavras-chave: A Pedra do Reino. Literatura. Cinema. Imaginário Popular.


ABSTRACT

This thesis aims to study the literary work of Paraiba author Ariano Suassuna and
cinematographic work of Luiz Fernando Carvalho by analyzing the work The Stone of the
Kingdom. The thesis clearly shows three stages: the first involves a panoramic study about
the production of Ariano Suassuna and his art within the context of popular culture. The
second step is to understand how Suassuna and Carvalho appropriate the popular
imagination the idea, to the development of literary and cinematic works. At this stage, we
do a study on the memories and myths that populate the popular imagination of the
northeastern people, trying to understand how to create a zone based on the tradition
established in the midst of modernity. The third step covers an analysis of the
cinematographic work, discussing concepts of adaptation and filmic transposition,
deconstructing the idea of fidelity, from the discussion. It is concluded in this study that
making use of elements of the popular northeastern imaginary, Oak established a dialogue
between the works in order to implement what was written in the work of Suassuna to the
cinema.

Keywords: A Pedra do Reino. Literature. Cinema. Popular Imaginary.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: IMAGEM DA OBRA A PEDRA DO REINO ................................................15

FIGURA 2: IMAGEM DA PEDRA BONITA E DE CARLOS MAGNO E OS DOZES


PARES DA FRANÇA ......................................................................................................... 16

FIGURA 3: IMAGENS DOS ATORES QUE ENCENARAM AS PERSONAGENS


QUADERNA, CLEMENTE E SAMUEL...........................................................................35

FIGURA 4: IMAGENS DOS ASSASSINATOS OCORRIDOS NA PEDRA BONITA NO


ROCESSO DE ENCANTAMENTO...................................................................................41

FIGURA 5: IMAGEM DA ENTRADA DA CIDADE DE TAPEROÁ ............................. 44

FIGURA 6: IMAGEM DA CONSTRUÇÃO DA CIDADE CENOGRÁFICA DENTRO


DA CIDADE REAL............................................................................................................46

FIGURA 7: IMAGEM DA ONÇA-MOÇA CAETANA CONFRONTANDO


QUADERNA........................................................................................................................48

FIGURA 8: IMAGEM DA ONÇA COMO REPRESENTAÇÃO DA MORTE.................49

FIGURA 9:IMAGEM DE QUADERNA DANDO SEU RELATO À MARGARIDA E AO


JUIZ CORREGEDOR.........................................................................................................59

FIGURA 10:IMAGEM DAS FACES DE VIDA DE QUADERNA, TRABALHADOS DO


FILME A PARTIR DA MEMÓRIA................................................................................... 60

FIGURA 11: IMAGEM DE QUADERNA, O REI DO QUINTO IMPÉRIO E DO


QUINTO NAIPE ................................................................................................................. 61

FIGURA 12: IMAGEM DE QUADERNA PALHAÇO APRESENTADO SUA PRÓPRIA


HISTÓRIA .......................................................................................................................... 62

FIGURA 13: IMAGEM QUADERNA SENDO COROADO E ACLAMADO REI ....... 63

FIGURA 14: IMAGEM DE ARÉSIO, SILVESTRE E SINÉSIO ..................................... 63

FIGURA 15: IMAGEM DE DOM PEDRO SEBASTIÃO E SEU SOBRINHO-


AFILHADO QUADERNA ...............................................................................................64

FIGURA 16: IMAGEM DA MANDALA DE ABERTURA D'A PEDRA DO REINO.....65


SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS.........................................................................................11

1 UMA LIÇÃO DE LITERATURA................................................................................13

1.1 ARIANO SUASSUNA: “ O DECIFRADOR DO SERTÃO” ...........................................14

1.2 A CULTURA POPULAR CABOCLO-SERTANEJA E O MOVIMENTO


ARMORIAL........................................................................................................................ 21

2 REPRESENTAÇÕES DO IMAGINÁRIO...................................................................31

2.1 O IMAGINÁRIO COLETIVO NA CONSTRUÇÃO DA OBRA LITERÁRIA.......... 36

2.2 O PALÁCIO DA MEMÓRIA COLETIVA NA OBRA A PEDRA DO REINO 40

2.3 UM SERTÃO MÍTICO: O MITO E OIMAGINÁRIO................................................. 46

3 A LITERATURA NO CINEMA..................................................................................53

3.1 A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E O CASO DA FIDELIDADE..............54

3.2 A TRANSPOSIÇÃO FÍLMICA: O DIÁLOGO ENTRE AS OBRAS LITERÁRIA E

CINEMATOGRÁFICA.......................................................................................................57

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 73

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 75
11

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A relação entre Literatura e Cinema há tempos desperta muitas pesquisas e


estudos, principalmente acerca da aproximação da adaptação em relação à sua matriz
criadora. Essa dissertação tem como tema a análise da obra literária e da obra fílmica A
Pedra Do Reino. O objetivo maior dessa dissertação é compreender de que maneira os
elementos do imaginário popular foram utilizados na construção das obras e como o
diretor cinematográfico se apropriou de tais elementos, no intuito de atingir uma
fidelidade à obra literária.
Esta dissertação foi dividida em três capítulos. No primeiro, fazemos um estudo
sobre vida e obra de Suassuna, além de analisarmos o conceito de cultura popular, já
que são apresentadas muitas características da mesma, na Arte Armorial do escritor
paraibano. Ao criar a Arte Armorial, Suassuna tinha a pretensão de criar uma arte
erudita nacional a partir da cultura popular.
Ariano Suassuna escreve seu Romance Armorial da Pedra do Reino e o Sangue
do Príncipe do vai-e-volta em 1971, que segundo Farias (2006), é onde a representação
feudal do sertão deixa de ser um mero elemento recorrente subsidiário à composição do
texto para, imbricado à própria temática central, o sebastianismo, assumir o plano
principal da obra, interagindo em todos os seus níveis estruturais. Além do
sebastianismo, o romance é envolvido num universo da novela de cavalaria.
Conforme Farias (2006), a assimilação medieval em Suassuna constitui o
fundamento básico pelo qual se processa na cultura brasileira a mitologização do espaço
rural, responsável pela transposição da matéria vivida em “matéria imaginária”.
Constituindo parte do imaginário do sertão, o romance de Suassuna é construído pelas
leituras dos folhetos de cordel e do mundo idealizado da cavalaria.
Suassuna faz a transfiguração do real em sonho, convertendo o que há de triste e
sem vida num sertão de fome e seca, no mundo nobre das novelas de cavalaria. A
representação medieval do sertão é, em verdade, uma idealização da realidade regional.
Suassuna e Luiz Fernando Carvalho perceberam a importância do imaginário
mítico popular na elaboração de suas obras. Em ambas, Quaderna, narrador-
personagem, transita entre o papel de narrador que relata um crime enigmático e, como
12

afirma Farias (2006), o intérprete que visa explicar para os demais personagens e para o
leitor as formas de expressões ligadas ao processo artístico.
Para a análise deste primeiro subcapítulo, utilizamos como aporte teórico autores
como: Tavares (2007), Santiago (2007) e Newton Júnior (2008). No segundo
subcapítulo, em que discutiremos a ideia de cultura popular, utilizaremos Canclini
(1997), Hall (1997), Chauí (2006) e outros.
O segundo capítulo tratará do estudo do imaginário popular nordestino baseado
na memória coletiva e nos mitos que povoam esse imaginário. Para esta análise
utilizamos teóricos como: Le Goff (1996), Mircea Eliade (1991), Calvino (1977) e
Teixeira (2003). O imaginário foi importante no processo criativo da obra, já que mitos
indígenas, africanos e portugueses compuseram as obras, como o mito sebastianista,
mencionado anteriormente, o mito da Onça Malhada e outros tantos que estão na obra.
O terceiro capítulo analisa o processo de transposição fílmica, em que o diretor
cinematográfico Luiz Fernando Carvalho, recusa o processo de adaptação, pois tem a
pretensão de criar algo muito próximo ao texto literário, procurava ser o mais fiel
possível às entrelinhas do texto, preocupa-se com a resposta criativa.
Neste capítulo, estabelecemos uma relação entre literatura e cinema, explicando
sobre as características e especificidades de cada uma dessas artes. É discutida, nesta
oportunidade, a ideia de adaptação fiel e de diálogo entre as obras literária e
cinematográfica. Esta análise é fundamentada a partir dos teóricos Xavier (2003),
Randal Johnson (2003) e Avellar (2007).
Apesar de o lócus do objeto de estudo ser o Sertão, não caberá à presente
dissertação analisar ou conceituar tal vocábulo, pois, além de não ser esta a proposta do
estudo, também existe a dificuldade de uma conceituação fechada para ela. O que
buscamos analisar é a representação do imaginário popular nordestino na criação da
obra literária e fílmica A Pedra do Reino.
Os recursos metodológicos utilizados para a execução do estudo são: pesquisa
bibliográfica, levantamento de fontes e análise das obras literária e cinematográfica A
Pedra do Reino. O estudo desenvolvido é pertinente pois transita entre duas linguagens,
a literária e a cinematográfica. Este estudo procura contribuir para novas pesquisas
acerca da obra A Pedra do Reino, estudos sobre o imaginário popular e diversos outros
aspectos apresentados ao longo da dissertação.
13

1 UMA LIÇÃO DE LITERATURA

Muitos estudiosos e pesquisadores dedicaram-se a pesquisas acerca das obras de


Ariano Suassuna. Monografias, dissertações, livros discutem suas diversas obras
publicadas. Assim como todos esses estudos e pesquisas acerca do autor e suas obras,
esta dissertação propõe um estudo sobre a obra Romance d’A Pedra do Reino (1971) e
para isso, faz-se necessário discorrer ao longo do capítulo aspectos da vida do autor, de
forma contextualizada, sua maneira de escrever e elementos culturais que influenciam
sua escrita, dando ênfase ao estudo da cultura popular, já que o escritor paraibano
afirma fazer uso da mesma, para a produção de suas obras.
Ariano Suassuna, escritor nordestino, apropria-se de elementos da cultura
popular para a elaboração das suas diversas obras de arte. As histórias advindas do
imaginário popular têm espaço marcante na sua Literatura, imaginário este, ligado às
influências europeia, indígena e africana. Portanto, suas obras apresentam características
de autos e principalmente do cordel.
Segundo Farias (2006), Suassuna, em sua representação do espaço regional,
também pressupõe as reformulações sobre a arte e a cultura populares e a sua integração
à arte e a literatura erudita, vinculadas à noção de cultura brasileira e à questão do
nacionalismo. Para isso, Suassuna apoia-se no pressuposto romântico de que a cultura
popular é fonte pura às raízes definidoras de uma autêntica cultura nacional.
A partir dessa compreensão, o capítulo traz uma abordagem sucinta sobre o
Movimento Armorial que, conforme Farias (2006), é um movimento em que Suassuna
propõe a criação de uma arte e de uma literatura erudita nacionais, a partir do manancial
popular da cultura nordestina, sendo esta um ponto de confluência de elementos
europeus, negros e indígenas.
Desta forma, o estudo panorâmico acerca da criação do Nordeste, e de que
maneira a região foi consolidada sobre a ideia de tradição e de que maneira essa
tradição é reinventada e utilizada na modernidade, torna-se relevante, pois Ariano
Suassuna inventa suas próprias tradições. A proposta deste capítulo não é categorizar ou
classificar o autor paraibano em anti-moderno ou moderno, mas entender de que
maneira a tradição utilizada por ele é ressignificada ou reinventada dentro deste período
moderno.
14

Conforme Farias (2006), Suassuna defende a tradição cultural do Nordeste e a


valorização das manifestações populares como fonte a ser recriada e incorporada à
literatura erudita, vinculando os valores regionais à noção de unidade nacional.

1.1 ARIANO SUASSUNA: “O DECIFRADOR” DO SERTÃO

No ano de 2008, em homenagem ao aniversário dos 80 anos de vida do escritor


paraibano Ariano Suassuna, o diretor cinematográfico Luiz Fernando Carvalho dirigiu a
série A Pedra do Reino, exibida pela Rede Globo de Televisão. Mesmo com baixos
índices de audiência, pois não agradou ao grande público, a série trouxe uma projeção
para a obra de Suassuna. O escritor já era conhecido pela peça Auto da Compadecida,
que também fora adaptada ao cinema e tivera grande êxito nacional desde suas
primeiras encenações.
Suassuna escreveu sua primeira peça em 1947, Uma mulher vestida de sol, que
obteve o primeiro lugar do Prêmio Nicolau Carlos Magno. Nesse período, suas obras
foram marcadas pela preocupação em conciliar a influência dos clássicos ibéricos com
as formas e os temas hauridos do romanceiro popular nordestino. Em 1948, o autor
produziu a peça Cantam as Harpas de Sião, dedicando-se a uma intensa atividade
literária nos anos seguintes, quando escreveu as peças: Os Homens de Barro e o Auto de
João da Cruz, além de ter publicado numerosos poemas em jornais e revistas.
Desde o início de seu trabalho, Suassuna demonstrou clara inspiração popular
combinada à convicção cristã, o que o levou a recuperar o auto religioso medieval em
peças como o Auto de João da Cruz (1950) e O arco desolado (1952). Tornou-se
conhecido do público, no entanto, com os trabalhos da segunda fase, em que a
influência do dramaturgo português Gil Vicente e a herança da tradição folclórica luso-
brasileira convergem harmonicamente – às vezes, numa abordagem mais eclética dessas
referências.
Em 1957, o autor conquistou a medalha de ouro da Associação Brasileira dos
Críticos Teatrais (1957). Antes disso, em 1955, o Auto da Compadecida já havia
marcado o crescimento de sua carreira no gênero cômico, seguido de O casamento
suspeitoso (1957), O santo e a porca (1957), A pena e a lei (1959), A Farsa da Boa
Preguiça, entre outras obras teatrais. Nelas, foram utilizados elementos próprios do
teatro de marionetes, tais como máscaras e a mecanização dos movimentos.
15

Interrompendo o trabalho para o palco, Suassuna aplica-se, desde então, a


escrever o Romance d’A Pedra do Reino (1971) e a História de Amor de Fernando e
Isaura (1994), entre outras obras romanescas. Como um artista multifacetado, Ariano
Suassuna preocupou-se em representar um Nordeste distinto, baseado nas manifestações
culturais, criando para isso um Reino mítico no Sertão. No Romance D’A Pedra do
Reino e o Príncipe do sangue vai-volta, faz-se presente a imbricação de histórias, mitos,
lendas e manifestações eruditas e populares para a criação do Quinto Império, um
universo sociocultural criado no Sertão do texto, cujo lócus é precisamente a cidade de
Taperoá, na Paraíba. O narrador é Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna, que cria um
Memorial e o dirige à Nação Brasileira, servindo de defesa ou apelo no processo em que
estava envolvido, a saber: a prisão pelo assassinato de seu padrinho. O Memorial ou
Compêndio Narrativo do Peregrino no Sertão, como Quaderna o nomeia, narra a
estranha desaventura ocorrida na Vila da Ribeira de Taperoá com o Rei Dom Pedro IV,
cognominado “O Decifrador”, Rei do Quinto Império e do Quinto Naipe, profeta da
Igreja Católico-Sertaneja e pretendente ao trono Império do Brasil.

Figura 1- Imagem da obra Romance D’A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do


vai-e- volta.

Fonte: Livro Romance D’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta


(1976)
16

Quaderna diz-se descendente em linha masculina e direta do Rei Dom João


Ferreira Quaderna, mais conhecido como Dom João II, O Execrável, homem sertanejo
que há um século fora Rei da Pedra Bonita, no Sertão do Pajeú, fronteira da Paraíba
com Pernambuco. A memória e o imaginário popular estão ligados à cultura popular
descendente dos legítimos e verdadeiros Reis brasileiros, os Reis castanhos e cabras
Pedra do Reino do Sertão.
A Pedra do Reino é uma história dedicada ao pai do autor e a mais doze
cavaleiros, entre eles Euclides da Cunha, Antônio Conselheiro e José Lins do Rego. Sua
escrita fora inspirada num episódio ocorrido no século XIX, no município de São José
do Belmonte, onde uma seita, em 1836, tentou fazer ressurgir o rei Dom Sebastião. Na
obra, Sinésio Garcia-Barreto é a representação da imagem de Dom Sebastião.

Figura 2: Imagem da Pedra Bonita e de Carlos Magno e os 12 pares da França.

Fonte: Livro Romance D’A Pedra do Reino e o príncipe do Sangue do vai-e-


volta (1976).
17

Sinésio era adorado pelo povo sertanejo que depositava nele as últimas
esperanças de um enigmático Reino. Segundo comentários, ele fora sequestrado e
assassinado, mas o povo continuava esperando sua volta e seu Reino miraculoso.
O sentimento sebastianista até hoje é lembrado em Pernambuco durante a
Cavalgada da Pedra do Reino. A obra surge como tradução dos mitos de Dom Sebastião
e de diversos outros, de imagens transmitidas pelos artistas e cantores populares do
Sertão brasileiro e da cultura ibérica medieval. Com o memorial, o narrador-
personagem Quaderna considera estar criando um documento oficial da Literatura
Brasileira, na busca de justiça, posicionando o sertão como o espaço do sobre o qual a
nação foi erguida.
Até aqui, foi mencionado que a escrita do romancista paraibano se baseia nas
manifestações eruditas e populares, ligadas ao Romanceiro Popular. Dessa forma,
explanar o conceito de Romanceiro Popular é indispensável aos que leram ou
pretendem ler A Pedra do Reino.
Segundo Tavares (2005), o Romanceiro Popular do Nordeste é uma literatura
oral que foi transplantada para o mundo da literatura escrita. A cultura oral e a cultura
escrita não são o contrário uma da outra, nem são adversárias: são parceiras, que se
ajudam e se complementam. Segundo ele, qualquer livro de língua e literatura
portuguesa e brasileira enumera os romanceiros mais antigos, que preservam os
romances em verso dos portugueses.
Muitos desses poemas foram trazidos para o Brasil durante o período da
Colonização e, também, após a Independência e o Império. Faziam parte da cultura
geral da época, momento no qual todos se interessavam por essas histórias metrificadas
e rimadas. Alguns deles, conhecidos em Portugal muito antes dos portugueses
chegarem ao Brasil, foram transformados em folhetos de cordel. Alguns continuaram
preservados na literatura oral como poemas recitados. E há ainda, aqueles que
perderam a forma versificada e viraram histórias, misturando-se com narrativas
tradicionais e contos de fadas, aquilo que, no Nordeste, recebe o nome de “história de
Trancoso”.
Gonçalo Fernandes Trancoso compilou uma antologia de contos populares em
Portugal no século XVI. No Brasil, já no início do século XX, Figueiredo Pimentel
publicou coletâneas de narrativas tradicionais cujos títulos também passaram a ser
18

denominações comuns desses contos: “histórias do arco da velha”, “histórias da


baratinha” e “Contos da Carochinha”.
O Romanceiro Popular do Nordeste tendo origem ibérica, esta possuindo
também uma série de influências, atraiu para si outras tradições. O Nordeste Brasileiro
não apenas passou adiante os romances em versos trazidos de Portugal, como lhes deu
formato próprio, novos temas, novos personagens, ciclos inteiros de assuntos. Foram
inventadas também novas formas de estrofe, novas maneiras de organizar as rimas,
dando ao Romanceiro Nordestino um perfil distinto do Romanceiro Ibérico.
O Romanceiro Popular do Nordeste, a literatura e os espetáculos populares
culturais são imensos. A cultura brasileira tem grande influência dos povos que
formaram o país e, por isso, herdamos um patrimônio que nos foi passado com a língua
e costume dos portugueses. Por outro lado, herdamos características da cultura negra,
cujos descendentes híbridos recriaram e reinterpretaram alguns elementos ibéricos dos
Conquistadores. O Romanceiro tem um estilo e modo próprios. Um estilo que imbrica
mitos, histórias populares, romances brasileiros ou não, tragédias clássicas, comédias e
novelas; e tudo isso é tomado pelo Romanceiro.
Silviano Santiago (2007) afirma que toda a literatura tem um começo oral
mítico, rapsódico, carregado de símbolos, signos e sentidos ocultos. Para explicar que
importância tem o Romanceiro Popular Nordestino na cultura do Nordeste, ele
menciona o Brasil em um período de grande contraste, em que São Paulo passava por
um processo de desenvolvimento, enquanto o sertão nordestino vivia resquícios feudais.
Enquanto a região Sul se destacava no país por conta dessa modernização e
autoafirmava sua identidade, construía também a identidade do que viria a ser o
Nordeste. E esse Nordeste era signo de seca, cangaço e messianismo.
O Modernismo no Nordeste foi representado por dois grandes pensadores e
escritores: José Lins do Rego e Gilberto Freyre. Durante o período do Romantismo, os
escritores representantes dessa época eram envolvidos por um sentimento saudosista e
escreviam o sertão a partir de elementos folclóricos da tradição. Para Candido (1999), o
regionalismo que entra em cena no Romantismo brasileiro apresenta duas faces, a
primeira escrita na prática das descrições dos lugares remotos do interior do país, com
costumes contrapostos aos das áreas urbana, enquanto que, numa outra perspectiva,
existiu a vantagem de se relevar extensivamente o país.
19

Muitos dos escritores nordestinos, dentre eles Ariano Suassuana, fazem uso do
Romanceiro Popular Nordestino para escrever suas obras, utilizando-se de uma
literatura erudita paralela às características populares.
Silviano Santiago, em Seleta em prosa e verso (2007), afirma que compreender e
situar a contribuição de Ariano Suassuna para a literatura brasileira atual nos leva
obrigatoriamente a repensar o sentimento de nativismo e, ao mesmo tempo, o papel das
fontes populares na elaboração do projeto literário. Continua a dizer que as peças de
Suassuna, em particular, propõem pensar o brasileiro dentro do ibérico-sertanejo. O
texto folclórico e a literatura de cordel, que as alimentam, trazem a influência da
colonização ibérica na região equatorial. Unem-se, assim, no produto literário, o desejo
de inscrevê-lo em determinado ponto do Nordeste do Brasil e a necessidade simultânea
de apresentar esse ponto como um microcosmo da sua realidade cultural luso-brasileira.
Conforme Silviano Santiago (2007), a grande diferença entre os demais autores
romancistas do Nordeste e Ariano Suassuna é que não existe, por parte deste último, a
intenção de fazer um levantamento artístico-sociológico da região nordestina. Ele busca
a recriação poética do Nordeste, utilizando, para isso, os textos do Romanceiro Popular,
a partir dos folhetos da literatura de cordel.
A literatura de cordel, que o romancista paraibano conheceu ainda na infância,
viria a ser uma das fontes de inspiração não só da sua obra literária, mas do Movimento
Armorial, sua grande intervenção na cultura brasileira. Segundo Tavares (2007), para
Ariano Suassuna, o cordel é uma forma de expressão que envolve a Literatura, por meio
da história contada em versos; a Música, pela toada (a solfa utilizada no Sertão para
cantar os versos); e as Artes Plásticas, pelas xilogravuras que ilustram as capas dos
folhetos.
Foi em torno das três expressões citadas acima que ele escreveu o Romance D’A
Pedra do Reino. No cordel, o teatro está presente na arte histriônica do cordelista ou
folheteiro, que, recitando ou cantando seus versos diante do público, muda de voz e de
postura, atuando como narrador ou como personagens que interpreta no diálogo, com
alternância da voz e de atitude, como no teatro de mamulengos, em que o artista dá voz
e movimento a todos os bonecos.
Em vez de se nomear Ariano Suassuna como um escritor, deve-se ampliar a
ideia para um artista, uma vez ele que passeou por diversas áreas da arte, começando
pela poesia, depois o teatro, seguindo-se do romance, ensaio, do trabalho com desenho,
20

pintura e tapeçaria. Ainda não achando suficiente, o paraibano criou seu próprio gênero
artístico, chamado de iluminogravura – trabalho que integra poesia e pintura.
Além da iluminogravura, Ariano Suassuna também criou a estética armorial, que
foi anunciada formalmente na noite de 18 de outubro de 1970, a partir do lançamento do
Movimento Armorial. O evento foi o resultado do trabalho de Ariano Suassuna como
diretor do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco.
Desde a aceitação de tal convite, dedicou-se a convocar artistas de diversas áreas, que
trabalhavam distantes uns dos outros, para tentar harmonizá-los em torno de um
conceito estético definido como Arte Armorial:

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a
ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do Romanceiro Popular do
Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que
acompanha seus “cantares”, e com a Xilogravura que ilustras suas capas,
assim como o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse
mesmo Romanceiro relacionados (SUASSUNA, 1977, p.39).

O Movimento Armorial prega a ideia da integração das artes, priorizando


justamente as relações que os diversos gêneros de arte mantêm entre si. Ariano
Suassuna escolheu o folheto como pedra angular de uma nova maneira de fazer arte, de
enxergar o Nordeste e o mundo e de recriar suas formas. De acordo com Tavares
(2007), o Movimento nasceu de uma inspiração estética e afetiva, e não a partir de um
conjunto de teorias prévias. Suassuna foi o principal animador do Armorial, voltado
para o descobrimento e interpretação das raízes históricas do Nordeste Brasileiro:

Na verdade, a literatura, a pintura, a escultura, a arquitetura e a música


brasileira, apesar de ser isso um fato pouco notado e salientado pelos que
escrevem a esse respeito, tem um lastro tradicional e nacional respeitável. É o
lastro formado pelo barroco ibérico, que desde o século XVI, começou a ser
recriado, reinterpretado e reinventado aqui, num sentido brasileiro e original,
com uma grosseria artesanal e mestiça que já se encaminhava para a criação
de um outro lastro: aquele que hoje é constituído por toda uma poesia, todo
um teatro, toda uma escultura, uma pintura e uma música populares de
primeira qualidade (SUASSUNA, 2000, p.100).

Idelette Muzart Fonseca dos Santos, em Memória das vozes: cantoria,


romanceiro e cordel (1999), explica sobre a vocação de Pernambuco para os
movimentos culturais. Como exemplos, cita o Movimento Regionalista e
21

Tradicionalista de 1926, que teve Gilberto Freyre como seu grande divulgador; o
Movimento de Cultura Popular criado por Miguel Arraes, em 1960; e assim por diante.
Desta maneira, compreende-se que o Movimento Armorial incluiu professores e
estudantes universitários tentando estabelecer uma ponte entre o que era erudito e a
cultura popular. É com base nisso que foi feita a análise a seguir.

1.2 A CULTURA POPULAR CABOCLO-SERTANEJA E O MOVIMENTO


ARMORIAL

É sabido que muitos estudiosos e autores, sobretudo da Antropologia Social,


renderam e rendem esforços para conceituar cultura popular, entretanto existe uma
grande dificuldade para sua conceituação, por sua extensa gama de sentidos. O
vocábulo em si sofreu diversas alterações, sendo elas semânticas, do ponto de vista
diacrônico da linguagem, tendo passado por ressignificação diversas vezes. Na
tentativa por uma clareza em sua significação, traçarei a princípio os caminhos
historiográficos do vocábulo Cultura.
Na busca por uma possibilidade de definição do termo, Marilena Chauí, em
Convite à Filosofia (2006), faz esse percurso historiográfico do significado de cultura e
explica que o vocábulo vem do verbo latino colere, que significa cultivar, criar, cuidar.
Agricultura significa o cuidado do homem com a Natureza. A palavra Culto, por sua
vez, é definida como o cuidado dos homens com os deuses. Puericultura refere-se ao
cuidado com a alma e o corpo das crianças para tornarem-se membros excelentes e
virtuosos da sociedade pelo aperfeiçoamento e refinamento de suas qualidades naturais.
A Cultura era a moral (sistema de mores ou de costumes de uma sociedade), a ética (a
forma correta da conduta de alguém, graças à modelagem de seu ethos natural pela
educação) e a política (conjunto de instituições humanas relativas ao poder e à
arbitragem de conflitos pela lei).
No século XVIII, a palavra cultura ganha novo sentido, passando a ser tida
como resultado de uma formação ou educação dos seres humanos, considerando seu
trabalho e sua sociabilidade: artes, ciências, filosofia, religião e o Estado. A cultura,
vista como o advento do estado social e da vida política, torna-se sinônimo de
civilização, como expressão dos costumes e das instituições enquanto efeitos da
formação e da educação dos indivíduos, do trabalho e da sociabilidade.
22

Conforme Marilena Chauí (2006), Cultura e Natureza não se opõem neste


primeiro conceito. É como se cultura fosse uma segunda natureza que a educação e os
costumes acrescentam à primeira natureza. Somente a partir do século XVIII, tem
início a separação e a oposição entre Natureza e Cultura. A Natureza é o reino da
necessidade, e a Cultura o reino da vontade, da finalidade e da liberdade.
Cultura passou a significar obras humanas que se exprimem em uma
civilização. Também significava as relações que os humanos, socialmente organizados,
estabelecem com o tempo e o espaço, com os outros humanos e com a natureza,
relações que se transformam e variam em condições temporais e sociais determinadas,
tomando Cultura um sinônimo de História. Cultura como civilização significa
aprimoramento da humanidade, e, como História, traz a ideia de progresso.
Levando-se em consideração o conceito de Cultura como sinônimo de História,
nota-se que Hegel e Marx se posicionaram para argumentar a sua concepção sobre esse
assunto (CHAUÍ, 2006). Hegel afirmava que o tempo é o modo como o Espírito
Absoluto ou a razão se manifestam e se desenvolvem através do trabalho, da religião, da
ciência e da filosofia. A cada período de sua temporalidade, o Espírito ou a razão
engendram uma cultura determinada, que exprime o estágio de desenvolvimento
espiritual ou racional da humanidade em uma sequência de civilizações que se iniciam
no Oriente e terminam no Ocidente.
Para Marx, a História-Cultura narra lutas reais dos seres humanos que
produzem e reproduzem materialmente (pelo trabalho, pela organização econômica) as
relações sociais pelas quais se diferenciam um dos outros em classes sociais
antagônicas. Marx acreditava que a oposição entre Natureza e Cultura tende a se
desfazer a partir do modo de produção capitalista, em que natureza e homens são
reduzidos à condição de mercadoria.
Segundo Marilena Chauí (2006), a Antropologia afirma que a Cultura surge na
diferença Homem-Natureza, quando os homens passam a executar a lei de proibição do
incesto e a lei que separa o cru e o cozido, desconhecidas dos animais. Essa regra opera
como lei universal, não é simples proibição para certas coisas e obrigação para outras,
mas é a afirmação de que os humanos são capazes de viver uma ordem de existência
que não é simplesmente natural. Essa ordem é simbólica.
Em sentido antropológico, não falamos em Cultura, mas em Culturas, pois a lei,
os valores, as crenças, as práticas e instituições variam de formação social. Cultura é,
23

pois, a maneira pela qual os humanos se humanizam e, pelo trabalho, desnaturalizam a


natureza por meio de práticas que criam existência social, econômica, política,
religiosa, intelectual e artística.
Peter Burke (1989) sustenta que, até o século XX, o vocábulo cultura era
utilizado para designar o que é conhecido popularmente por “alta” cultura. Segundo o
historiador, o termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e música, mas que hoje,
contudo, seguindo o exemplo dos antropólogos, os historiadores e outros usam-no
muito mais amplamente para referir-se a quase tudo que pode ser apreendido em uma
dada sociedade, como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante.
É adentrando a discussão sobre cultura popular que começo a inserir um dos
meus objetivos de pesquisa: analisar como Ariano Suassuna se apropriou de elementos
da cultura popular para a criação do Movimento Armorial. A partir de tal concepção
artística, foi escrito o Romance Armorial d’A Pedra do Reino. Por isso, é pertinente
assinalar fundamentos teóricos com o intuito de refletir acerca do conceito de cultura
popular.
A produção artística de Ariano Suassuna está ligada diretamente à cultura
popular, fazendo-se necessário compreendê-la. Para isso, foi importante ter feito uma
incursão prévia, ainda que mínima, sobre o conceito da palavra cultura. Alguns
relacionam a cultura popular ao folclore, entendendo-a como conjunto das tradições
culturais de um povo. Outros acreditam que a cultura popular desapareceu com o
aparecimento da cultura de massa e com o advento tecnológico; não é mais possível
reconhecer o que é originalmente do povo.
Além desses conceitos, ainda existem aqueles que apontam, na cultura popular,
a alteridade, as diferenças e ao estranhamento em relação a outras práticas culturais
dentro de uma mesma comunidade. Todas essas significações mostram apenas que o
termo cultura popular não compõe um conceito fechado e dotado de definições e
permanências. Segundo Xidieh (1976), conceituar precisamente e definitivamente o
que venha a ser cultura popular é difícil, mas revela que ela é criada pelo povo, palavra
de difícil e vasto conceito, e está apoiada numa concepção de mundo específica.
No contexto brasileiro, as manifestações da cultura popular são vastas, uma vez
que passamos por um processo de hibridização e de mestiçagem. Em um momento
inicial, a presença dos indígenas. Posteriormente, a do colonizador, o homem
português. Com o processo de colonização e escravidão, vieram os africanos. Mais
24

tarde, habitantes de diversos lugares da Europa e da Ásia também passaram a residir no


país. A partir de toda essa influência diversa, percebe-se a heterogeneidade étnica, que,
por conseguinte, gera uma grande quantidade de material da cultural popular.
Segundo Chartier, em seu artigo intitulado Estudos historiográficos (1995), a
cultura popular, dentre tantos conceitos, pode ser simplificada apenas em dois, sendo
um deles o que concebe a cultura popular como sistema simbólico, coerente e
autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutível à da
cultura letrada. O outro conceito concebe a cultura popular em suas relações de
carências e dependências em relação à cultura dos dominantes.
Chartier (1995) faz uma análise historiográfica para conceituar a cultura popular
e conclui que o destino historiográfico de tal cultura é ser abafada, recalcada, arrasada e,
ao mesmo tempo, renascer das cinzas, o que indica que o problema é considerar para
cada época como se elaboram as relações complexas entre formas impostas e
identidades afirmadas. Além disso, ele faz um alerta para a ideia de que cultura popular
é de uma categoria erudita, que tenta delimitar, caracterizar e nomear práticas que nunca
são designadas por seus autores como pertencentes à cultura popular.
Enquanto alguns estudiosos falam em cultura popular, Canclini (1983) sugere o
termo culturas populares, afirmando que estas se constituem por um processo de
apropriação desigual dos bens econômicos e culturais de uma nação ou etnia por parte
dos seus subalternos, e pela compreensão, reprodução e transformação, real e
simbólica, das condições gerais e específicas do trabalho e da vida. Esse conceito de
cultura popular de Canclini considera o fato de os setores subalternos da sociedade
manterem uma relação específica com o patrimônio cultural.
Nestor Canclini diz, em A Encenação do Popular em Culturas Híbridas (1997),
que as culturas populares conseguem ser, atualmente, prósperas e híbridas ao mesmo
tempo, e o desenvolvimento moderno não teria suprimido as culturas populares.
Buscando compreender como as culturas populares estão convivendo com a
modernidade, o teórico argentino defende que elas não se reduzem a conservar e
resgatar tradições supostamente inalteradas, mas que a questão é perguntar como as
tradições se transformam na modernidade.
Pensando dessa maneira, pode-se perceber que as culturas populares passam por
transformações, consoante às transformações sociais, mas jamais são extintas, e sim
ressignificadas dentro do contexto social, mostrando, por fim, seu caráter dinâmico. O
25

que mantém as culturas populares vivas é justamente a sua capacidade de ser renovada
e reelaborada, buscando tradições e crenças, ressignificando-as no contexto
sociocultural vigente.
Para discutir de forma sucinta o fenômeno da modernidade, bem como seus
entrelaces com as tradições, utilizaremos, além de outros estudos, os de Anthony
Giddens (1991), que propõem uma descrição densa sobre o assunto e suas
consequências. Segundo Giddens, essa chamada modernidade “refere-se a estilo,
costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século
XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência”.
Assim, entender a modernidade é como entender as características de um determinado
tempo, suas dinâmicas, os fatores mais marcantes, as interações e as peculiaridades
relativas àquele tempo.
Giddens trata das descontinuidades surgidas a partir da vida moderna, podendo
ser observadas nos aspectos como tempo e espaço e na aceleração do ritmo da mudança
de instituições modernas. Em As consequências da modernidade (1991), ele observa
que tempo e espaço só se separaram após a invenção do relógio mecânico, durante o
século XVIII, e foi dessa maneira que ambos ajudaram na própria construção histórica
da modernidade, na medida em que criavam mecanismos para a organização
racionalizada.
Vivemos uma época marcada pela desorientação e pela sensação de que não
compreendemos inteiramente os eventos sociais. A modernidade alterou as relações
sociais e também a percepção dos indivíduos e coletividades sobre a segurança e a
confiança, bem como sobre os perigos e riscos do viver. E é no auge do século XX que
o capitalismo e o progresso – na acepção positivista – fazem com que a identidade do
homem moderno se fragmente.
É possível notar o ritmo dinâmico da mudança da modernidade, principalmente
após o surgimento de novas tecnologias, ou seja, com o advento da globalização e as
novas formas de comunicação, fazendo a ressalva de que, talvez por isso, Giddens
defina a globalização como “ação à distância”, mostrando como essa globalização
representa mudanças na vida social e política. Um dos resultados da globalização é a
ordem social pós-tradicional, momento em que a tradição perde seu lugar de
importância e o sujeito passa a escolher seu próprio destino, sem seguir necessariamente
valores e modelos tradicionais.
26

No período de ordem tradicional, ou nas culturas pré-modernas, o tempo e o


espaço constituíam a base da vida cotidiana e estavam imbricados. Contudo, em A
transformação da intimidade (1994), Giddens explica que isso não significa que a
tradição tenha desaparecido, ela simplesmente passa a ser aberta aos questionamentos.
A tradição deixa apenas de ter seu valor inquestionável e começa a ser uma
interrogação.
Embora tenha sido um homem moderno, vivenciando de toda a efervescência de
sua época, Suassuna preferiu fugir da ordem moderna e inserir em suas obras um
projeto literário que vai de encontro à modernidade, ao passo que nela se apoia. Nessa
perspectiva, a modernidade tem, para ele, seu lado positivo e negativo. O autor cria um
Nordeste encantado, dos sonhos, dos contos, do mito, dos emblemas e dos signos, e isso
é o que faz com que o lugar esteja ligado à tradição.
Em uma entrevista para o site do Centro de Documentação e Memória Fundação
Maurício Grabois, na Revista Princípios (2008), Suassuna fala sobre sua concepção
acerca dos significados de tradição e modernidade:

Princípios – Talvez em parte como decorrência de uma “herança maldita” do


movimento modernista de 1922, forjou-se em nosso país uma concepção de
modernidade como algo que se constrói necessariamente em oposição, em
ruptura com a tradição. De que forma o senhor conceberia a relação entre o
tradicional e o moderno na cultura?
Ariano Suassuna – Eu vejo a questão por outro lado. Houve um tempo em
que os teóricos da arte, principalmente os da gravura e da música,
sustentavam a seguinte ideia: o Brasil é um país subdesenvolvido e, em
conseqüência disso, sua cultura é também subdesenvolvida. E a única forma
que nós temos para fazer com que a cultura brasileira saia desse
subdesenvolvimento é aproximá-la dos padrões da cultura europeia. Então
havia na música um cidadão chamado Koellreuter (1), que era contra toda
forma de música brasileira. Ele achava que a nossa música, para ser moderna,
tinha de ser feita na linha da chamada “música de vanguarda” europeia. Ao
mesmo tempo, um austríaco chamado Friedlander (2) sustentava ideia
semelhante – a de que os gravadores brasileiros tinham que se aproximar da
gravura em metal que se fazia na Europa ou nos Estados Unidos para que,
então, a gente saísse do subdesenvolvimento cultural. Veja bem: durante
algum tempo o moderno foi considerado aqui aquilo que – a meu ver, do
modo mais subserviente possível – se aproximava das artes europeias e
americanas. E então eu lutava contra isso. Pensava que na música, por
exemplo, os caminhos não eram os de Koellreuter, eram os de Villa-Lobos.
Villa-Lobos o que fez? Estudou as raízes populares da nossa cultura e criou
uma música de vanguarda brasileira. E na gravura os caminhos eram os do
grande Gilvan Samico (3). Ou, antes dele, os de Goeldi (4), que fazia uma
gravura procurando expressar o nosso país e o nosso povo. Era por esse
caminho que eu queria enveredar, e enveredei (entrevista realizada por Fábio
Palácio de Azevedo, para a Revista Princípios, em 29 de outubro de 2008).
27

Como é possível perceber, o próprio Suassuna considera sua obra moderna, já


que nesse período se buscava uma literatura brasileira. O autor promove uma construção
simbólica dos sertões, fazendo uma ligação entre mitos antropomórficos e sebastianistas
de forma que os interliga à cultura indígena e africana. Isso não seria, então, uma das
características do Modernismo?
O Movimento Antropofágico, criado por Oswald de Andrade, pregava a
deglutição da cultura do europeu, do norte-americano e a dos ameríndios,
afrodescendentes, eurodescendentes e descendentes dos orientais. E, apesar de outros
propósitos, o que mais sobressaía era o da volta às raízes brasileiras. Além disso, os
modernistas estiveram preocupados com a questão da tradição, mas percebendo-a de
forma diversa, como uma tradição ainda por ser sistematizada, uma tradição primitivista
a ser reelaborada com o dado moderno, e não apenas preservada como dado
museológico e folclórico.
A produção de Suassuna também se aproxima da chamada modernidade quando
faz uso do pastiche para Romance D’A Pedra do Reino. O pastiche está na ideia
modernista de colagem e reaproveitamento de moldes, libertando-se do estigma de um
processo tido como inferior. Já na alta modernidade – ou pós-modernidade, como
preferem alguns autores –, o pastiche é a busca do significado e da identidade pela
apropriação deliberada, com a percepção da cultura como um manancial de fragmentos
permanentemente reutilizáveis. O Romance D’A pedra do Reino é considerado uma
obra Armorial, por isso, a partir da análise feita anteriormente sobre o movimento,
verifica-se que ela é, também, um romance modernista.
Considerar a relação entre tradição e modernidade já é em si um fator moderno,
uma vez que o processo de ruptura foi inaugurado pela própria modernidade, tendo
como pressuposto que esta rompe os laços com todos os ideais da tradição. Entretanto, o
fato de a modernidade definir a si própria como um ideal de ruptura, torna-a ambígua,
pois só pode existir a ideia de ruptura se, porventura, permanecer o modelo de algo que
se pretende romper. Se os ideais da tradição deixassem de existir ou fossem substituídos
pelos da modernidade, esta deixaria de ter sentido, já que não teria com o que romper.
Em Notas sobre a desconstrução do ‘popular’ (2003), Stuart Hall afirma que
não existe cultura popular íntegra, situada fora do campo de força das relações de poder
e de dominações culturais. Para o teórico jamaicano, que analisa como as relações de
domínio e subordinação estão interligadas, o termo “popular” corresponde à influência
28

das manifestações culturais. Dessa maneira, o que realmente tem relevância são as
relações de forças na luta cultural.
Ao investigar a luta cultural e assumir a diversidade de formas pela qual essa
luta se apresenta, Hall (2003) levanta um questionamento em relação ao conceito de
tradição, que é tido como vital para a cultura popular, mas que se relaciona de modo
mínimo com a persistência de elementos arcaicos. Ele afirma que a tradição pode se
articular de diferentes maneiras e adquirir um novo significado.
Ainda de acordo com o teórico em questão, o papel do popular na cultura
popular é o de fixar autenticidade das comunidades populares, enraizando-se nas
experiências. A ideia é pensar no povo e sua relação com bloco de poder, sendo a
cultura popular uma “arena” do consentimento e da resistência, visto que é a cultura
popular o local onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada. Então,
entende-se que as práticas populares só podem ser analisadas dentro de um contexto de
relações de grupos dominantes, e que a cultura popular não pode ser vista de forma
isolada, pois a sua existência se situa somente dentro das relações sociais (HALL,
2004).
Para Canclini (1983), as culturas populares são compreendidas através da
conexão com os conflitos de classe e com as condições de exploração sob as quais esses
setores produzem e consomem. Deve-se compreender a relação entre culturas populares
e a cultura hegemônica como um processo híbrido, em que um nutre e o outro se
apropria de elementos culturais. Portanto, o popular é algo construído, não preexistente.
Compreendendo que o popular é algo inventado, composto e não algo original,
passamos a examinar como o escritor paraibano Ariano Suassuna se apropriou dos
elementos ditos eruditos e populares para a constituição do Movimento Armorial.
Suassuna projetava em sua obra um Sertão distinto da face sulista, que era
marcada pelo desenvolvimento econômico e social, e seria o local guardião das
verdadeiras tradições. O Movimento Armorial surge como um desdobramento das
ideias nacionalistas daquela vertente do modernismo, mas também profundamente
inspirado pela ideia de brasilidade nordestina tributária da obra de Freyre. Propõe-se
construir uma arte erudita brasileira a partir das raízes populares. O sertão nordestino
seria o lócus privilegiado da – assim por eles denominada – genuína cultura popular, em
que o artista nacional deveria buscar os elementos para a elaboração de sua obra. Lá
repousaria a matéria-prima capaz de revelar uma das faces do Brasil.
29

Essa tentativa de fazer do conceito de “Armorial” a união de diferentes registros


históricos e culturais está presente, mais do que em qualquer outra parte de tratamento
dispensado pelo escritor Suassuna, na língua portuguesa falada no Brasil. O escritor
paraibano fez a utilização de suas leituras, crenças e experiências para criar sua própria
tradição.
De acordo com Tavares (2007), a natureza básica do Movimento Armorial é a
escolha estética e afetiva feita por Ariano Suassuna e abraçada por outros artistas, a
partir dos elementos com os quais eles se identificavam. Esse Movimento marcou sua
presença, de início, pela criação da Orquestra Armorial, no Conservatório
Pernambucano de Música em 1970. Em 1975, uma nova orquestra foi criada e chamada
de Orquestra Romançal Brasileira. O Quinteto Armorial, criado em 1972, foi um dos
produtos que mais tiveram êxito no Movimento. Muito também foi produzido nas artes
plásticas, como a xilogravura, além da expressão armorial na literatura.
Em análise das peças de Suassuna, é notória a presença do Armorial no
momento em que o autor busca se articular no ponto onde se afirma a tradição místico-
popular, a qual é comum às diversas culturas neolatinas e cristãs. O teatro de Suassuna é
moralizante por excelência, sempre baseado em textos bíblicos, propondo uma leitura
religiosa de diversos problemas sociais e individuais dos homens. São textos populares
influenciados pelo credo cristão. Conduzindo o espectador à moralidade, o teatro de
Ariano Suassuna assemelha-se ao teatro medieval, bem como aos autos escritos pelos
jesuítas no Brasil com a finalidade de catequizar os índios.
O caráter moralizante atravessa séculos da história ocidental, principalmente no
século XVI, quando se acentuou a tendência didática nas peças teatrais, devido à disputa
entre a Reforma e a Contra-Reforma. Esse caráter teológico-moralizante é do teatro da
Reforma, e o didatismo prevalece nas moralidades constituídas de longos debates entre
caracteres alegóricos que representam virtudes e vícios. Essas abstrações personificadas
costumam acompanhar um ente humano na sua caminhada.
A essa fase pertence o teatro de Gil Vicente. Uma boa parcela de suas peças é
moralizante, e parte de sua obra tem cunho épico, particularmente o “auto narrativo”,
que é a transposição teatral de um romance ou de um conto. Mas, além do cunho
narrativo, existe também a parábola popular. A parábola, em si, é épica, pois faz
referência a algo exterior à peça, fato que lhe retira a atualidade dramática absoluta e a
30

relativiza pela referência a algo precedente. É o narrador que ilustra um provérbio


contando um caso.
Na linha vicentina, encontra-se uma peça moderna como o Auto da
Compadecida, na qual Suassuna une a temática universal e o elemento regional,
oriundos de fontes folclóricas nordestinas. O paraibano propõe um teatro alegórico,
fantástico, primitivo no sentido de sua obra mítica, contrapondo-se, assim, a toda uma
tendência brasileira do teatro “moderno”, desempenhando um resgate das origens greco-
latinas do teatro:

A presença do coro e dos narradores, o verso, a música, as roupagens


suntuosas ou miseráveis, mas sempre insólitas, as máscaras, a presença de
tipos humanos, às vezes convencionais, às vezes transfigurados, a tal ponto
que se tornam míticos, as danças, os acontecimentos extraordinários-
sangrentos ou risíveis, mas sempre desmedido... (SUASSUNA, 2000, p. 102-
103).

Percebemos, com tais palavras, que o teatro de Suassuna está diretamente


ligado ao circo, às imagens carnavalescas e aos elementos da cultura popular, além de
demonstrar sua convicção católica-cristã. Segundo Suassuna (apud NEWTON
JÚNIOR, 2008, p.154), no Brasil, ao lado de escritores e artistas mais ligados às
experiências europeias e americanas, existe, hoje, outro grupo que procura uma Arte e
uma Literatura recriadas a partir dessa arte e dessa literatura populares brasileiras.
Suassuna diz ter preferência pelos escritores e artistas que procuram relacionar seu
trabalho criador à raiz popular. Mas, de fato, as duas correntes se interpenetram e se
influenciam desde o século XVI.
Suassuna concebeu o Movimento Armorial como uma arte sertaneja,
nordestina, popular e brasileira, em que ele pode criar um sertão mágico, um Reino
enigmático, povoado de fantasia e sonho. Luiz Fernando Carvalho, diretor
cinematográfico, na tentativa de transpor A Pedra do Reino para uma linguagem
cinematográfica e ser fidelíssimo à obra, debruça-se sobre a cultura popular nordestina,
indo, para isso, diretamente à fonte, fazendo escolhas de atores da terra e utilizando o
próprio locus do romance para as filmagens.
Assim, no capítulo seguinte, entrarei no problema deste trabalho: a análise de
como o imaginário popular nordestino contribuiu para que a transposição fílmica
estivesse o mais próximo possível da obra literária.
31

2 REPRESENTAÇÕES DO IMAGINÁRIO

Segundo Ivan Teixeira (2003), em português, o sufixo ário produz, entre outras,
a ideia de coleção, conjunto ou de lugar onde se guardam coisas, tal como se verifica em
“vocabulário”, “apiário”, “relicário” e “armário”. Logo, a palavra “imaginário” é um
conjunto de imagens, visto que o termo decorre de imagem.
Para essa afirmação, o autor diz se basear na acepção de imaginário registrada
por Gilbert Durand, que conceitua tal vocábulo, associando-o à de museu no sentido de
repositório de imagens, não só as já produzidas pelo homem, mas as que ainda serão.
Portanto, o sentido dessa palavra, além de significar acumulação, significa também
produção, reprodução e recepção da imagem.
Gilbert Durand (apud TEIXEIRA, 2003, p.43-44) afirmava que a imagem é a
matéria de todo processo de simbolização, fundamento da consciência na percepção do
mundo. Imaginário, dessa forma, é a capacidade individual e coletiva de dar sentido ao
mundo. É o conjunto relacional de imagens que atribui significado a tudo que existe.
De acordo com Teixeira (2003), no dicionário etimológico de José Pedro
Machado, o termo imagem, derivado do latim imagine, desencadeia uma longa sucessão
semântica, em que se destacam os vocábulos: “representação”, “imitação”, “retrato”,
“imagem”, “fantasma”, “visão”, “sonho” etc. Liga-se ainda à noção de comparação e
parábola, trazendo, além disso, a ideia de imitação por oposição à realidade. Assim,
imagem é sinônimo de símbolo, porque se trata de uma coisa que é tomada em lugar de
outra.
Teixeira (2003) ainda explica a etimologia do verbo “imaginar”, que em língua
latina significa o ato de produzir imagens ou de representá-las. Afirma que, ao longo do
tempo, o termo imaginação passou por mudança semântica e que há as variantes
semânticas atuais, ilusório ou fantástico. O vocábulo imaginário, ao assumir a condição
de substantivo, apresenta-se como resultado da fusão entre imagem e imaginação, pois a
criação de imagens pressupõe o uso da imaginação. Então, a ideia de imaginário
pertence à esfera semântica do mito, da utopia e da criação artística, em cujo âmbito se
coloca a literatura, sendo que o imaginário se integra ao universo das construções
simbólicas.
Compreendendo o imaginário como pertencente ao universo de construções
simbólicas, faz-se necessário conceituar símbolo. François Laplantine e Liana Trindade,
32

em sua obra intitulada O que é imaginário (2003), apresentam duas formas para o
estudo do símbolo, uma baseada nos conceitos presentes nas metodologias ou
hermenêuticas fenomenológicas e cognitivas, e a outra, baseada na abordagem da escola
antropológica e filosófica substancialista.
Conceituando a partir do primeiro grupo de metodologias, no qual imagem e
símbolo se diferem, o símbolo sendo convencional e a imagem não o sendo, devido a
sua identidade com o objeto, os autores utilizam o conceito sugerido por Charles S.
Peirce, no Dictionaire encyclopedique des sciences du languageque. O símbolo é
definido como um signo determinado pelo seu objeto dinâmico somente no contexto em
que ele é interpretado. Os autores afirmam que o caráter convencional coloca o símbolo
no interior do funcionamento social com todas as suas ambiguidades, seu caráter
sincrético, polissemântico, caracterizando o movimento unitário e afetivo de todos os
indivíduos de uma cultura sobre uma mesma figura sintética.
Laplantine e Trindade (2003) explicam que o símbolo ultrapassa seu referente e
contém, através de seus estímulos afetivos, meios para agir, mobilizar os homens e atuar
conforme suas próprias regras normativas. Desse modo, o símbolo constitui
representação, não sendo apenas substituições exatas dos objetos apresentados na
percepção, mas apresentação do objeto percebido de outra forma, atribuindo-lhe
significados diferentes, porém limitados pelo próprio objeto que é dado a perceber.
Como apresentado anteriormente, existe também a abordagem da escola
antropológica e filosófica substancialista. Segundo Laplantine e Trindade (2003), as
teorias substancialistas constituem a continuidade da tradição neoplatônica, em que as
imagens e o imaginário são sinônimos do símbolo, já que as imagens são formas que
contêm sentido afetivo universal ou arquetípico, cujas explicações remetem às
estruturas do inconsciente, ou mesmo às estruturas biopsíquicas e sociais da espécie
humana.
Laplantine e Trindade (2003) citam Freud, cuja psicanálise está fundamentada
na noção de inconsciente, contudo, considera os símbolos e o imaginário a partir dos
significados contidos na história individual e coletiva. Na concepção freudiana, os
indivíduos produzem sonhos coletivos (mitos) e sonhos pessoais, utilizando imagens
que são registros transfigurados e sublimados de suas experiências individuais.
Quanto ao imaginário a partir de significados contidos na história individual,
pode-se perceber a presença do imaginário individual de Ariano Vilar Suassuna em sua
33

obra A Pedra do Reino, tanto na construção das personagens como no desenrolar do


próprio enredo. Começando pelo detalhe de o autor ter nascido em 16 de junho de 1927
e o protagonista, Quaderna, em 16 de junho de 1897 – é visível que coincidem o dia e o
mês – trazendo à tona, a identificação do autor com a própria personagem, uma
representação de si próprio e de sua vida, contando suas desventuras e tapando as
lacunas da sua história a partir do mundo ficcional, utilizando para isso, a fantasia e o
onírico.
Suassuna nasceu na cidade de Nossa Senhora das Neves, então capital da
Paraíba. Seus primeiros anos foram vividos na fazenda Acauhan, propriedade de seu pai
João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna, no atual município de Sousa (PB). No
século XIX, essa fazenda era um ponto de pousada para bandos de tropeiros que
percorriam a rota comercial entre o Ceará e Pernambuco, conduzindo boiadas ou tropas
de burros com mercadorias. Ali dormiu Frei Caneca, após ser preso no Ceará durante a
Confederação do Equador. Passando pela mão de sucessivos proprietários, a fazenda foi
adquirida, em 1919, por João Suassuna em sociedade com seu amigo, o engenheiro José
Ferreira.
Ariano Suassuna viveu poucos anos na fazenda Acauhan, mas foi um período de
grande importância. Ele tinha apenas três anos de idade quando seu pai, que governara o
estado paraibano no período de 1924 a 1928, foi assassinado no Rio de Janeiro, por
decorrência da luta política na Paraíba às vésperas da Revolução de 30. Portanto, todas
as lembranças sobre seu pai vêm dessa época. Segundo Tavares (2007), em seu livro
ABC de Ariano Suassuna, grande parte da obra literária de Suassuna é uma tentativa de
recompor simbolicamente a harmonia dessa primeira fase da infância e de restaurar a
figura paterna.
Em 1933, Dona Rita Suassuna, a mãe, mudou-se com os filhos para Taperoá a
fim de ficar próxima de seus irmãos, principalmente Manuel Dantas Villar, dono da
fazenda Carnaúba. Em Taperoá, Ariano Suassuna viveu dos seis aos quinze anos, fez
seu estudo primário e se familiarizou com diversos temas e diversas expressões
artísticas acerca do sertão, que viriam a constituir a maior parte do seu universo
ficcional. É, por sinal, o lugar onde a história A Pedra do Reino se passa.
Além disso, as histórias e os casos narrados e cantados em prosa e verso durante
esses anos seriam depois aproveitados como suporte na construção das peças, dos
poemas e romances. Foi somente no final de 1942 que a família se mudou
34

definitivamente para Recife, com o jovem Suassuna continuando seus estudos no


Ginásio Pernambucano, onde realizou o Curso Clássico (latim, filosofia, inglês, francês
etc).
Em Cadernos de filmagem (CARVALHO, 2007), Ariano Suassuna conta que,
quando começou a escrever A Pedra do Reino, sua irmã Germana chamou-lhe a atenção
para o ponto de a data da morte de Dom Pedro Sebastião, tio e padrinho de Quaderna,
ser a mesma da morte de João Dantas, o homem que assassinara o presidente João
Pessoa em 1930. Dantas, que era primo de Dona Rita Suassuna, foi preso no segundo
andar da Casa de Cultura do Recife e apareceu morto com a garganta cortada. A versão
oficial é de que ele cometera suicídio, mas toda a família acreditava que ele havia sido
assassinado. O mesmo é dito sobre a morte do tio- padrinho de Quaderna.

Dentro da torre, completamente sozinho, Dom Pedro Sebastião atravessa uma


pesada porta que fecha e tranca atrás de si. Faz o mesmo com a segunda
porta. A torre tinha quatro seteiras, uma em cada parede, bem altas, e muito
estreitas. Não dava nem para passar uma criança, que dirá um homem feito.
Não se sabe quem matou o Rei degolado. (CARVALHO, 2007, s.p.).

O tio de Quaderna foi assassinado, degolado misteriosamente. Em um lugar


completamente inacessível. Esse foi um grande mistério. Voltamos a reflexão feita
anteriormente, em que Suassuna utiliza similaridades de sua biografia e coloca na sua
obra.
O escritor paraibano (apud CARVALHO, 2007, s.p.) ainda afirma que tinha
escrito seu romance armorial em um momento ruim politicamente, quando não estava
de acordo com a direita – que estava prendendo, matando, torturando –, nem com os
radicais de esquerda – os marxistas e stalinistas que não davam margem a aliança. Por
isso, ele explica ter criado um stalinista caricaturado no personagem Clemente e a
extrema direita caricaturada no personagem Samuel. Quaderna, por sua vez, tinha
influência dos dois.
É possível perceber que a trama do Romance D’ Pedra do Reino está
diretamente ligada a história biográfica do autor e toda a influência política que ele
recebeu de seus familiares, além do contato com o circo, com o teatro, com o cordel, as
histórias orais e suas leituras. Todos esses elementos foram utilizados para a produção
do seu Romance Armorial.
35

Figura 3 – Imagens dos atores que encenaram as personagens Quaderna, Clemente e Samuel

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

As vivências e histórias de Suassuna, sejam elas da vida pessoal ou social,


marcaram sua obra. O contato do autor com o circo e o teatro, com a literatura popular e
universal, além de sua experiência de vida, contribuíram para o imaginário pessoal e,
consequentemente, para a escrita.
Portanto, em resumo, existem diferentes teorias para o estudo do imaginário. De
um lado, as teorias estruturalistas, fenomenológicas e cognitivas, que enfatizam o nível
do consciente sobre o inconsciente, além de diferirem imagem, imaginário e símbolo,
sendo o símbolo um esquema de ações intencionais produzidas nas interações entre os
homens de uma dada situação social. De outro lado, as teorias da escola antropológica e
filosófica substancialista, em que imaginário e símbolo são sinônimos que vêm do
inconsciente universal, doador de significados e irredutível aos significados históricos e
culturais que os homens atribuem a esses símbolos.
36

2.1 O IMAGINÁRIO NA CONSTRUÇÃO DA OBRA LITERÁRIA E FÍLMICA A


PEDRA DO REINO

Segundo Dênis de Moraes em seu artigo intitulado Notas sobre o imaginário


social e hegemonia cultural (1997), o imaginário social é composto por um conjunto de
relações imagéticas que atuam como memória afetivo-social de uma cultura, um
substrato ideológico mantido pela comunidade. Trata-se de uma construção coletiva, já
que é o depositário da memória que os grupos recolhem de seus contatos com o
cotidiano. Nessa dimensão, o autor identifica as diferentes percepções dos atores em
relação a si mesmos e de uns em relação aos outros, ou seja, como eles se visualizam
como partes de uma coletividade.
Moraes (1997), citando Bronislaw Baczko, afirma que é por meio do imaginário
que se podem atingir as aspirações, os medos e as esperanças de um povo, além de ser
no imaginário que as sociedades esboçam suas identidades e objetivos. Conforme o
autor, o imaginário social se expressa por ideologias e utopias, e também por símbolos,
alegorias, rituais e mitos. Esses símbolos revelam o que está por trás da organização da
sociedade e da própria compreensão da história humana.
Imaginário não é apenas cópia do real pois, enquanto construção simbólica,
agencia os sentidos em imagens expressivas. De acordo com Teixeira (2003), se o
imaginário pertence ao universo das construções simbólicas, seu conceito pode partilhar
da teoria de mimesis, que concebe a arte como imitação, representação ou cópia do real.
Para conceituar mimesis, faremos uma breve análise do que seria a arte como
imitação. Teixeira (2003) explica que a origem desse conceito vem, a princípio, de
Platão, que condena a imitação artística, porque julga que esta, mantendo identidade
aparente entre a cópia e o objeto copiado, ostenta um falso conhecimento da realidade.
A arte, enfim, é a cópia da cópia.
Por outro lado, Aristóteles julga que a imitação artística propicia espécie
legítima de conhecimento. Não devemos pensar a mimesis como transposição da vida
para a arte, pois a arte não imita propriamente a vida, mas sim conceitos de realidade, os
quais, convertidos em código do imaginário, produzem a impressão de verdade. Dessa
forma, os objetos da mimesis artística jamais serão reais, mas sim imagens de coisas
reais.
37

Analisando o estudo sobre imaginário do professor da Universidade do Texas,


Paul Woodruff, Teixeira (2003) explica que o artista inventa as coisas que pretende
imitar e, depois, imita a própria invenção, dando arremate ao processo mimético.
Portanto, na produção de arte, não é a realidade que se impõe ao artista, mas certa ideia
de arte e realidade que integra a dinâmica cultural da época, sendo esta dinâmica
chamada de poética cultural.
O autor afirma ainda que o artista demonstrará maior ou menor grau de
consciência da poética de sua cultura, mas é ela que lhe apresenta os assuntos, os modos
de organização e de exposição da matéria artística de sua obra. Qualquer que seja o
caso, a teoria indica que o artista não trabalha com os fatos, e sim com a poética dos
fatos. Sendo esses fatos incorporados ao discurso, convertem-se em tópico artístico,
deixam de ser realidade exterior para se transformar em signos de cultura ou imagens
artísticas da realidade.
Conforme Teixeira (2003), a expressão poética cultural aparece nos estudos
literários pós-estruturalistas, como um aspecto de revalorização da história. Essa ideia
foi associada ao conceito de epistem, adotado por Michael Foucalt para designar a base
interdiscursiva responsável pela criação dos saberes, dos valores e das convicções de
uma comunidade. Em ambos os casos, a história é concebida como criação de sua
cultura. Analisando por essa perspectiva, compreende-se então que o imaginário é
formado a partir do real, mas que o estímulo perceptual é transfigurado e deslocado,
criando novas relações inexistentes no real.
Entendendo que a representação imaginária está carregada de afetividade e de
emoções criadoras e poéticas, analisamos de que forma o escritor paraibano Ariano
Suassuna e o diretor cinematográfico se apropriaram da ideia de imaginário coletivo
para a elaboração da obra literária e fílmica A Pedra do Reino. Para isso, fizemos uma
sucinta abordagem sobre a invenção do Nordeste, utilizando como fundamentação
teórica o livro A invenção do Nordeste (2011), de Albuquerque Júnior.
A região Nordeste, que surge na “paisagem imaginária”, como afirma
Albuquerque Jr. (2011), no final da primeira década do século XX, substitui a antiga
divisão regional do país entre Norte e Sul. O Nordeste é uma especialidade fundada
historicamente, originada por uma tradição de pensamento, uma imagística e textos que
lhe deram realidade e presença. É uma nova região assentada no discurso da tradição e
numa posição nostálgica em relação ao passado – Tradição e Saudade, respectivamente
38

–, nascida da construção de uma totalidade político cultural como reação à sensação de


perda de espaços econômicos e políticos por parte dos produtores tradicionais de açúcar
e algodão, dos comerciantes e intelectuais ligados a eles.
No que diz respeito à presente pesquisa, é preciso localizar esses elementos
garantidores da identidade, da semelhança, da homogeneidade, do espaço e da fixação
deste olhar e deste “falar” nordestino e sobre o Nordeste. A princípio, diz Albuquerque
Jr. (2011), o termo “Nordeste” é usado inicialmente para designar a área de atuação da
Inspetoria Federal de Obras Contras as Secas, criada em 1919. O Nordeste, segundo ele,
é em grande medida filho das secas; produto imagético-discursivo de toda uma série de
imagens e textos a respeito desse fenômeno, desde a grande seca de 1877.
Em 1920, a separação Norte e Nordeste ainda está se processando; só então
começa a surgir nos discursos a separação entre a área amazônica e a área “ocidental”
do Norte. Em 1926, para legitimar o recorte do Nordeste, o primeiro trabalho feito pelo
movimento cultural iniciado com o Congresso Regionalista, denominado regionalista e
tradicionalista, foi o de instituir uma origem para região (ALBUQUERQUE JR., 2011).
Em Pernambuco, o Movimento Regionalista e Tradicionalista de Recife teve
início oficial com a fundação do Centro Regionalista do Nordeste, congregando não
apenas os intelectuais ligados à arte e à cultura, mas, principalmente, àqueles voltados
para as questões políticas locais e nacionais. A afirmação como um movimento de
caráter cultural e artístico destinado a resgatar e preservar as tradições nordestinas só se
dá com o Congresso Regionalista de Recife, sob a inspiração direta de Gilberto Freyre.
Tratava-se de um regionalismo de novo tipo, fruto da reorganização dos saberes operada
pela emergência da formação discursiva nacional-popular. Esse regionalismo não
significava mera justificativa ideológica de um Nordeste ameaçado. Antes, era uma
nova forma de ver, dizer e conhecer a realidade:

O regionalismo é redefinido de simples representação pitoresca do dado local


em forma de arte, da luta política em nome de uma província, de um Estado,
para um novo discurso em que esses dois aspectos surgem articulados e
superados. A produção cultural supera a visão exótica e procura dar ao
regional uma formulação cultural que lhe permita, por sua vez, se posicionar
politicamente de uma nova forma. O intelectual tradicionalista assume agora
uma postura bovarista em relação ao seu espaço regional. Ele se vê como
aquele capaz de amalgamar não só as imagens e os discursos de seu espaço,
como também suas forças, fundando um bloco unitário, cultural, estética e
politicamente. (ALBUQUERQUE JR., 2011, p. 101).
39

Gilberto Freyre, um dos participantes do movimento, atribuía à influência


holandesa no século XVII um dos fatores de diferenciação do Nordeste. Além disso, o
autor também atribuía à administração portuguesa a formação de uma “consciência
regional” mais forte do que uma consciência nacional. Dessa forma, faz recuar ao
período colonial a consciência regional, a própria existência do Nordeste e, ao mesmo
tempo, coloca-a como um dos fatores da formação da própria consciência nacional. Para
ele, a região teria nascido antes da nação.
A constante busca das raízes regionais, especialmente no campo da cultura,
levou à necessidade de inventar uma tradição. A partir dessa ideia, o popular foi
confundido com o tradicional, fazendo com que a elaboração imagético-discursiva
Nordeste tivesse poder de impregnação nas camadas populares. Essa construção de uma
cultura regional instituiu a própria ideia de homogeneidade entre os códigos culturais
populares e os códigos tradicionais dominantes. Para isso, o folclore foi utilizado como
elemento de integração do povo nesse todo regional.
Conforme Albuquerque Jr. (2011), o uso do elemento folclórico permitiria criar
novas formas que, no entanto, ressoavam antigas maneiras de ver, dizer, agir, sentir,
contribuindo para a invenção das tradições. Essa construção do Nordeste foi feita por
vários intelectuais e artistas em épocas variadas, aparecendo desde Gilberto Freyre e a
escola tradicionalista de Recife, da qual participavam José Lins do Rego e Ascenso
Ferreira, nas décadas de vinte e trinta, passando pela música de Luiz Gonzaga, Zé
Dantas e Humberto Teixeira, a partir da década de quarenta, até a obra teatral de Ariano
Suassuna, iniciada na década de cinquenta, entre outros.
Ariano Suassuna (2008) comenta seus pontos de contato com o regionalismo
tradicionalista, que se processou por volta de 1926. Ele afirma que Gilberto Freyre
chamou atenção, de modo sistemático e constante, para o fato de que significavam algo,
dando dignidade a uma cultura, a uma maneira de vida e uma arte até então desprezadas
e colocadas de lado.
Compreendendo, então, o processo de invenção do Nordeste, percebe-se que
escritores e artistas se apropriam de símbolos culturais, populares e tradicionais já
existentes ou reinventados com o objetivo de constituir um imaginário comum ao povo
Nordestino. Para tanto, fazem uso da memória e dos mitos.
40

2.2 O PALÁCIO DA MEMÓRIA COLETIVA NA OBRA A PEDRA DO REINO

A memória é o lugar de arquivamento do imaginário, que, por vezes, utilizou


para isso a oralidade e a escritura. Os textos da cultura popular tornam válidos os
valores, as ideias, as relações advindas da memória e do imaginário.
Tanto as histórias vividas e contadas por Suassuna quanto a escolha de atores e
do espaço por Luiz Fernando Carvalho estão relacionadas e interligadas à memória
coletiva. D. Dinis Quaderna é preso e escreve na prisão um memorial para se defender
contra a acusação do assassinato de seu tio e padrinho Dom Pedro Sebastião Garcia
Barreto, além de desejar organizar esse testemunho em forma de uma narrativa literária
e apresentá-lo à Academia Brasileira de Letras para ser membro dela e ser reconhecido
como Gênio Máximo da Humanidade.
A memória na narrativa inicia-se através dos fatos historiográficos ocorridos em
Pernambuco e na Paraíba durante o século XIX e de mitos que povoam o imaginário do
povo nordestino ao longo do tempo, descritos por Ariano Suassuna em sua obra. Na
constituição da do romance, é possível perceber que, tanto na presença da memória
individual quanto da memória coletiva, o indivíduo é capaz de transmitir seus
conhecimentos retidos no passado por via oral ou escrita.
Segundo o escritor peruano Gonzalo Espino Relucé, em seu livro La literatura
oral o la literatura de tradición oral (2010), quando dizemos memória coletiva estamos
aludindo à condição de sujeitos que atualizam as lembranças através do relato, do
discurso, uma história, quase sempre, por onde podemos remontar o mundo. Abarca,
pois, todo aquele que pertence a uma comunidade, reproduzindo seu sistema de vida, a
mesma que se transmite de geração em geração, dando sentido de universalidade e
pertença como membro de uma sociedade em particular, que se reproduz em um cenário
histórico específico.
Nos folhetos de V a X, Quaderna narra a história da sua família paterna e o
envolvimento desta com o movimento messiânico acontecido na Pedra Bonita. As
mortes ocorridas na Pedra Bonita foram um fato acontecido, historiograficamente,
durante o século XIX, quando pessoas eram sacrificadas para que Dom Sebastião
retornasse. Segundo Jerusa Pires Ferreira (2003), a origem da história e, antes, do mito
como determinado tipo de consciência, é uma forma de memória coletiva. Além disso, a
41

transformação da vida em texto são diversas interpretações interpretação, e a introdução


de eventos na memória coletiva.

Figura 4 – Imagem dos assassinatos ocorridos na Pedra Bonita, no processo de


desencantamento.

Fonte: Livro Romance D’A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do vai-e-volta (1976)

GRAVURA DE TAPARICA, BASEADA NO DESENHO DO


PADRE E REPRESENTANDO AS PEDRAS DO REINO. VE-SE, A
DIREITA, COM CETRO E MANTO, MEU BISAVÔ DOM JOAO
FERREIRA-QUADERNA, O EXECRÁVEL, E, A ESQUERDA,
MINHA BISAVÔ, A PRINCESA ISABEL, SENDO DEGOLADA.
EMBAIXO DA PEDRA, O RECÉM-NASCIDO QUE ELA PARIU
NOS ESTREMEÇOS DA MORTE E QUE, DEPOIS, FOI MEU
AVÔ, DOM PEDRO ALEXANDRE. (SUASSUNA, 1976, p. 21).

A narrativa possui visíveis marcas da educação e cultura popular, a começar pela


estrutura da própria obra, organizada em folhetos, a forma pela qual são organizados os
livros de cordel, além de apresentar características de romanceiros de tradição oral,
tanto romances de tradição ibérica como romances tradicionais do Brasil. É nesse
aspecto que se percebe o envolvimento do escritor e da personagem com a literatura
popular nordestina.
42

Todos os fatos narrados são ditos a partir das memórias do próprio Quaderna. O
leitor fica suscetível apenas ao ponto de vista do personagem e suas impressões acerca
de sua própria trajetória:

Agora, preso aqui na Cadeia, rememoro tudo quanto passei, e toda a minha
vida parece-me um sonho, cheio de acontecimentos ao mesmo tempo
grotescos e gloriosos. (SUASSUNA, 1976, p. 5).

No cárcere, Quaderna se dedica a escrever o memorial, contar a história de sua


vida e de sua família, tentando tornar-se o Gênio Máximo da Humanidade. Ele acredita
se tratar da forma mais correta e segura de guardar suas memórias. Afinal, os textos que
formam um sistema na memória da comunidade foram transmitidos tradicionalmente
durante as mesmas performances do passado – velórios, dramas, jogos de crianças,
cantos de trabalho (SANTOS, 2006).
Outro importante personagem d’A Pedra do Reino é João Melchíades Ferreira,
padrinho de Quaderna, conhecido também como “O Cantador de Borborema”. Foi ele
quem ensinou ao protagonista os conhecimentos sobre a cultura popular. Por exemplo,
na obra, o romance tradicional é explicado nos seguintes termos:

Aí, foi a vez de eu consultar meu padrinho João Melchíades sobre essas
cantigas. Ele me explicou que aquilo era “uns romances velhos, meio
desmantelados e já um pouco fora de moda”. (SUASSUNA, 1976, p. 58).

Para Quaderna, as narrativas cantadas por seu padrinho são de grande relevância,
pois assim ele saberia tudo sobre a sua família e sobre si próprio. Para ele, a literatura é
um sinônimo de compreender a própria vida. Como Santo Agostinho afirma em
Confissões (2003, p. 249), “[...] é no palácio da memória que encontro a mim mesmo, e
recordo as ações que fiz, o seu tempo, o lugar e até os sentimentos que me dominavam
ao praticá-las”, e “[...] é lá que estão também todos os conhecimentos que recordo,
aprendidos pela experiência própria ou pela crença no testemunho de outrem.”.
Tendo em vista essas considerações sobre a memória, pode-se perceber que o
protagonista deseja tornar-se mantenedor e divulgador das narrativas e trovas populares
passadas de gerações para gerações, não permitindo que a cultura que tanto preza se
perca no tempo. Considerando os elementos da cultura africana, Quaderna representa
43

também, a imagem do griot, que são indivíduos que tinham o compromisso de preservar
e transmitir histórias, fatos históricos, os conhecimentos e as canções ao seu povo.
Quaderna vive essas memórias no presente. Ele olha a praça pela janela de sua
cela e rememora todo o acontecido, trazendo pelos olhos e transpondo para o papel
todas as vivências de sua família de reis e rainhas até chegar a si. Do conjunto de ideias
e crenças transmitidas ou vividas no passado, retiram-se analogias de coisas
experimentadas pelo próprio indivíduo ou por quem nelas acreditou apoiado em
experiências anteriores. Tecem-se umas e outras com as passadas. Meditam-se as ações
futuras, os acontecimentos, as esperanças. Reflete-se em tudo, como se estivesse no
presente (AGOSTINHO, 2003).
Luiz Fernando Carvalho, em sua produção A Pedra do Reino, permaneceu fiel à
estrutura do romance. A série é contada em primeira pessoa, pelo narrador-personagem.
A câmera cinematográfica é o olho do próprio Quaderna, que expõe as imagens por
meio do fluxo de consciência. A narração ocorre num tempo distante dos fatos
ocorridos. A personagem principal, também na série, está rememorando ações passadas,
as quais são divididas, simultaneamente, em quatro tempos: a época do menino; o
período em que atua como palhaço na praça pública, também marcado pelo assassinato
de seu padrinho e pelo sonho de se tornar imperador do Brasil; o momento do
julgamento perante o juiz carregador; e, por fim, quando ele escreve a epopeia, preso na
torre. Os quatro tempos são narrados descontinuamente, obedecendo à ordem em que as
imagens são rememoradas, tendo assim uma natureza de reminiscência.
Milton José de Almeida, em Arte da memória (1999), define o cinema como arte
da memória, procura fixar as recordações através de técnicas de imprimir na memória
“lugares” e “imagens”. Nesse sentido, cita o texto de autoria anônima Ad Herennuim,
que propõe regras para memorizar locais e as imagens a serem colocadas, e aconselha
que os locais sejam lugares que permaneçam fáceis e firmes na memória, como uma
casa. Quanto mais coisas se quer recordar, mais locais devem ser criados, e é importante
que eles formem uma série. Assim, podem ser recordados em ordem, ou se pode
começar de qualquer lugar dessa série e seguir para frente e para trás, podendo,
portanto, ser preenchidos novamente:

A montagem que busquei – ora barroca e labiríntica, ora onírica e satírica – é


sempre circular, musical e polifônica, construindo uma experiência narrativa
a cada parte. Poderíamos dessa forma, apresenta-las em qualquer ordem,
44

começando, por exemplo, com o terceiro episódio e terminando com o


primeiro (CARVALHO, 2007, s.p.).

Luiz Fernando Carvalho buscou na memória estética imagens por meio das quais
pudesse dar forma a um conteúdo da imaginação de Quaderna. A câmera surge como a
exteriorização de visões interiores, do olhar e da memória do narrador-personagem. Não
só a câmera, como a própria escolha de atores que participam da série e da ambientação,
todos esses elementos estão diretamente ligados à questão da memória coletiva.

Figura 5 – Imagem da entrada da cidade de Taperoá

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

O diretor, além de escolher atores locais para compor o elenco, resolveu ir até a
cidade de Taperoá e construir a cidade cinematográfica lá, onde se passa realmente a
história. O propósito dessa construção foi estar inserido no local da trama.
João Irênio, o cenógrafo, comenta:

Fizemos uma cidade-lápide, mítica, transfigurada, desenterrada. O mais


interessante é que essa história criada por Ariano estava ali. Não estávamos
em um espaço qualquer, aquela arena tem um peso, uma alma. É uma cidade
de memória. As casas em formato de lápides trazem essa relação da morte e
da vida, da continuidade, do indeterminado, da memória viva. O portal é a
entrada desse espaço imaginário, do simbólico (IRÊNIO apud CARVALHO,
2007, s.p.).
45

Figura 6 – Construção da cidade cinematográfica dentro da cidade real

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

Jerusa Pires Ferreira, em Armadilhas da Memória e outros ensaios (2003),


afirma que a comunicação com outrem só é possível se há algum grau de memória
comum, e um texto se define pelo tipo de memória de que necessita para ser entendido.
Reconstruindo o tipo de memória que partilham o texto e seu consumidor, descobre-se a
imagem da leitura escondida nele.
Em concordância com essa visão, Luiz Fernando Carvalho (2007, s.p.) explica:

É como se tivéssemos entrado no espaço da ancestralidade. Não só do autor,


Ariano, mas dos atores, que são todos nordestinos. Daí a ideia da cidade-
lápide como uma cidade memória. O espaço ali é o cerne de toda a memória.
Tem muita ressonância aquele lugar, personagens que estão vivos ainda e
pertencem a outras obras de Ariano, como O Rei Degolado. ( CARVALHO,
2007, s.p.)

Conforme Gonzalo Espino Relucé (2010), reconhecer a memória coletiva como


“estrutura de pensamento”, “inconsciente coletivo” ou “intuição”, leva-nos a recriar e
perceber aqueles instrumentos, funções ou saberes que facilitam o domínio de
continuidade da vida. Do mesmo modo, são os textos de tradição oral, porque
pertencem à memória coletiva. A crença de povos constitui necessariamente uma
46

representação que os faz diferentes uns dos outros, expressando seus valores,
percepções e maneiras de viver.
O cinema e a televisão revelam-se uma arte da memória. Milton José de
Almeida (1999) diz que o cinema é uma invenção moderna que cria ficção e realidades
históricas, em imagens agentes e potentes, ao mesmo tempo que também produz
memória. As imagens do cinema são fantásticas, trazem a potência do real e agem em
nosso imaginário ou adormecem inesquecíveis em nossa memória. Quando novamente
despertadas, ressurgirão visualmente na forma de alusão e recordação.
Tanto na obra literária quanto na obra televisiva, apreende-se que, para
Quaderna, a memória é fundamental, a individual e a coletiva, já que é por meio dela
que retorna à origem. Na história do protagonista, nota-se que a memória consiste na
chegada do passado no presente, que só tem validade graças ao que narra. É somente
porque a personagem tem memória que se pode escrever ou ver. Ele guarda os dados
dentro de si em suas recordações vividas e contadas.
A memória de Quaderna nos dois tipos de obra é como um filtro que permite
reconstituir a própria trajetória e voltar ao começo. A memória acaba sendo um dos
fatores mais importantes da obra, já que é através dela que se pode compreender o
romance. Logo, primeiro se tem de aceitar e reconhecer as lembranças de Quaderna
para tornar crível o mundo do narrador-personagem, sempre compreendendo que tudo
por ele narrado parte da cultura que retém a memória, pois é esta que o faz existir.

2.3 UM SERTÃO MÍTICO: O MITO E O IMAGINÁRIO

A palavra Mito vem do grego mytos – palavra expressa, discurso, fábula. Tanto
o texto quanto a produção televisiva nos transportam para um lugar mítico do sertão
chamado Pedra Bonita. Ariano Suassuna utilizou-se do conhecimento popular para a
produção da obra, com imagens que revelam a cultura popular ocidental, que são
traduzidas para a cultura do sertão brasileiro. As narrações são derivadas das histórias
populares de cordel e o mais nítido mito presente no romance é o de Dom Sebastião,
além de outros que povoam o imaginário coletivo do povo nordestino. A estrutura
básica que constitui o mito pode ser considerada como um modelo de funcionamento do
imaginário.
47

O mito está ligado a uma época primordial, de populações primitivas e


manifestações arcaicas. No mito há um sentido indivisível, oculto, uma verdade própria
e natural gerada nas raízes do inconsciente coletivo.
Quaderna tem ligação direta com os idealizadores da seita da Pedra do Reino,
que são membros da sua família paterna. O mito sebastianista é o elemento principal a
constituir a obra através da história do narrador-personagem. Inicialmente, portanto,
deve-se conhecer a narrativa do historiador pernambucano Estevão Pinto (1958, p. 79-
80) sobre a ocorrência desse fenômeno:

Pedra Bonita, como se sabe, era uma espécie de reino encantado; para
desencantá-lo e fazer ressuscitar D. Sebastião fazia-se preciso banhar as
pedras e regar os campos com sangue humano. Depois do milagre da
ressurreição, os negros acabariam brancos, os velhos moços, os pobres ricos e
todos, afinal de contas, sentirse-iam imortais. No terceiro dia da matança, as
bases das colunas de granito, que serviam de templo ou lugar de reunião dos
fanáticos, tinham recebido o holocausto de trinta crianças, doze homens e
onze mulheres. A pouca distância das pirâmides, havia um grande
subterrâneo, onde o chefe ministrava o vinho sagrado aos adeptos, bebida
composta de jurem a e manará. O rei tinha tratamento de santidade e todos
lhe beijavam os pés. Em pregações usava o mesmo uma coroa tecida de cipó
de japecanga. Quando terminavam suas prédicas, o povo, cabriolando e
batendo palmas, prorrompia em vivas ao rei D. Sebastião. (PINTO, 1958,
p.79-80)

Na obra televisiva A Pedra do Reino, assim como na obra literária, percebe-se


um modelo onírico de cinema que se faz caracterizar pela abertura para o mistério e o
fantástico, elementos que, segundo Bañuel (1970), marcam o tom de poesia arte
cinematográfica. A fantasia dialoga com o real através do estado de sonho, de delírio
febril. O lúdico e o imaginário conduzem toda a narrativa literária e fílmica.
Segundo Adeítalo Manoel Pinho em Literatura, História e Memória e outras
leituras de Jacques Le Goff (2011), Le Goff traz em seu livro História e memória uma
enorme contribuição para os “novos estudos literários” ao abordar as Idades Míticas, a
Escatologia e o Milenarismo vindos antes da Idade Média, mas que estão estribados
firmemente na cultura popular. Ele afirma que as comunidades identificadas por
conhecimentos orais antigos valorizam exemplares do fim do mundo e sobre o retorno
de personagens míticas como Dom Sebastião. Tal hibridismo é capaz de originar o
Movimento Armorial liderado por Ariano Suassuna, e isso se ser chamado de
conhecimento escatológico. A Literatura é capaz de se apropriar do mito e da
escatologia simultaneamente.
48

Segundo Le Goff (1996, p 331), mito e escatologia têm duas estruturas, dois
discursos diferentes. O mito está voltado para o passado, exprime-se pela narrativa. A
escatologia olha para o futuro e revela-se na visão da profecia que “[...] realiza a
transgressão da narrativa: está iminente uma nova intervenção de Yahweh, que eclipsará
a precedente”. Mas, o mito e a escatologia aliaram-se para darem, por um lado, a ideia
de uma criação entendida como primeiro ato de libertação como ato criador. A
escatologia projeta uma forma profética, que é suscetível a fazer um novo pacto com o
mito.
Além do mito do eterno retorno de Dom Sebastião, percebe-se também muita
fantasia como nas histórias de Cavalaria, com reis, rainhas e cavaleiros, e mitos do
sertão como o da Onça Caetana. O imaginário é o caminho da literatura de Suassuna.
Em entrevista aos diários de gravação da série A Pedra do Reino, o autor diz:

A onça é um animal mítico. Cheguei a ver duas quando era menino e


adolescente. Meu irmão, que estava com a espingarda, correu para cercá-la,
mas achei que ele tinha me deixado. Tive um medo que ninguém pode
imaginar o tamanho. A onça é um animal belíssimo. Na medida em que ia me
tornando escritor, ela foi aparecendo. Já adulto, encontrei um sertanejo que a
morte era uma mulher que se chamava Caetana. Passei então a chamar a
morte de Moça Caetana. Depois notei que moça é quase onça, o animal mais
matador do sertão. Fiz da morte a mulher felina que às vezes se encarna
numa onça (SUASSUNA apud CARVALHO, 2007, s.p.).

Figura 7 – Imagem da Onça-Moça Caetana confrontando Quaderna.

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)


49

A atriz Mayana Neiva interpreta a Moça Caetana, a onça que é a personificação


da morte, aparecendo para Quaderna. O que ela representa, sem dúvida, aterroriza o
protagonista da história:

E de fato, assim sucedeu e assim era. Naquele dia, a morte Caetana, numa de
suas inumeráveis metamorfoses, estava voando, sob a forma de onça sagrada
e vermelha e alada, por sobre o reino do sertão. (SUASSUNA apud
CARVALHO, 2007, s.p.)

A Onça é um símbolo mutante dentro da obra de Suassuna, aparecendo ora


como motivo de admiração, ora de medo, ora como algo asqueroso e feroz, ora como
algo grandioso e íntegro. Entre essas muitas conotações, o escritor paraibano lembra
suçuarana (ou sussuarana), que é a onça castanha ou parda. Em relação ao narrador-
personagem, Quaderna, a imagem se desenvolve numa variedade maior de situações, e
logo no princípio da narrativa ele diz:

Quanto às Onças, posso dizer em sã consciência que fui criado junto com
uma, na fazenda “Onça Malhada”, pertencente a meu tio e Padrinho, Dom
Pedro Sebastião Garcia-Barreto. Na “Onça Malhada”, não sei se como alusão
ao nome da fazenda, havia uma Onça-Pintada, mansa, criada solta no pátio e
no tabuleiro da frente da casa. (SUASSUNA, 1976, p. 12).

Figura 8 – Imagem da Onça como representação da Morte

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

A Onça Malhada é mencionada a todo instante em ambas as obras, já que a


simbologia do sangue permeia todo o romance, principalmente ao redor de Quaderna:
50

Além disso tia Filipa cantava para embalar meu sono, entre outros, o
Romance Da Onça Malhada, e eu sonhava muitas vezes com essa Onça,
imagem por um lado, de tudo que era belo e prazeroso, e por outro, de tudo
que era maldade, perigo e desordem. Cheguei a trepar com ela, em sonhos,
resultado talvez, duma tentativa que eu e Arésio tínhamos feito, quando
meninotes, com a Onça mansa da fazenda. (SUASSUNA, 1976, p. 102)

A vida amorosa e armorial de Quaderna passará a ser perseguida por um


emblema múltiplo, inquietante e cheio de fascínio. Sua iniciação nos mistérios do sexo
acabará sendo feita sob o signo da Onça, após uma apresentação do Circo Arabela:

Era a própria Arabela, mulher belíssima, de coxas nuas, com a calcinha


aparecendo, em cima do arame ou equilibrando-se em cima dum cavalo. Vi-a
fazendo um número em que ela se espichava em cima de uma Onça e depois
a Onça se espichava em cima dela. (...) Foi no circo que eu e Arésio, pela
primeira vez conhecemos mulher, numa noite depois do espetáculo. Arésio,
com seu prestígio de rapazinho rico e vigoroso, conseguiu duas moças-do-
arame, a mais bela para ele, a menos bela para mim, de modo que nós fomos
iniciados nos camarins, com as luzes apagadas, separados por cortinas, pelas
paredes de pano que serviam aos cubículos. (SUASSUNA, 1976, p. 367)

Encontra sua primeira amante, Maria Safira, que possui, para ele, duas faces, a
da sensualidade e a da ameaça. Como Quaderna tomou na infância o fatídico “chá de
cardina”, o qual, segundo o pai, estimula a inteligência, mas “afraca a força de homem”,
Safira consegue convencê-lo de que somente com ela Quaderna conseguirá recuperar
sua macheza. A mulher é por ele chamada de “a possessa” e o sexo entre os dois é
permeado de perversões e de blasfêmias, como no capítulo em que ele vai ao seu
encontro na Igreja, onde ela está se confessando. Enquanto narra seus pecados ao padre,
Maria Safira desnuda partes do corpo para exibir-se a Quaderna, que a observa a
distância, e indica-lhe um gesto que espere atrás do altar-mor. Depois que o padre se
afasta, o protagonista a encontra na igreja agora deserta:

Ela chegou para perto de mim e abraçou-me, sempre sem dizer palavra. Todo
seu corpo se achegou ao meu e ela sorriu, notando, pelo contato, que seu
gesto sacrílego já obtivera, em mim, o efeito costumeiro contra algum resto
da cardina que tivesse ficado no meu sangue de homem. Então, suavemente,
como uma onça no cio, deitou-se no chão de tijolo da igreja e ergueu o
vestido. (SUASSUNA, 1976, p. 264)

A Onça é sempre a perdição de Quaderna, e a entidade mítica que a representa


na trilogia de Suassuna é a Moça Caetana, uma mistura de vida e morte, a mulher
sensual e a Onça terrível. Sua similaridade com a mulher é nítida no seu andar sensual.
51

Felina, mulher, morte, todos vocábulos femininos. É também o símbolo do mundo,


conceito que o protagonista aprende com Clemente e sua teoria do “oncismo”, conforme
o qual o mundo seria um animal monstruoso, uma Onça parda enigmática, que todos
têm que capturar e domar, sob pena de morte. Além disso, existe a experiência de
Quaderna, de uma visão tida na juventude, viajando a cavalo de Taperoá para Campina
Grande. Ao parar para descansar, ele resolve fazer a barba e vê no espelho o vulto de
uma Onça, mas logo descobre que era apenas uma ilusão de ótica:

[...] a Onça era mesmo formada pelas pedras, o mato, as estradas, o Sol, de
modo que, refletida no espelho diabólico, eu estava envolvido por ela,
colocado no próprio campo de pelos de seu dorso (SUASSUNA, 1976, p.
442).

Observa-se que o uso de figuras como reis, rainhas e cavaleiros vem das
histórias de cavalaria da Idade Média, que narravam acontecimentos históricos e
heroicos com personagens corajosos que viviam cheios de aventuras. Essas obras
possuem um caráter místico e simbólico. Idelette Muzart-Fonseca dos Santos (2006)
afirma que o romance é originário de fragmentos de canções de gesta medievais.
Ariano Suassuna, que parece brincar com obras medievais e entrelaçá-las à
cultura popular, afirma:

A estranha cavalgada é um sonho mesmo e nasceu talvez das cavalhadas que


eu vi menino. Além disso, eu tenho muito presente no meu universo literário
dois livros que eram muito correntes no sertão. Um era um livro de astrologia
chamado O Lunário Perpétuo, o outro era um livro medieval de aventuras
chamado História de Carlos Magno e os 12 Pares de França. Neste último
livro estavam presentes na cavalhada. Quando fiz a chegada de Sinésio, quis
criar uma coisa poética com aquela estranha cavalgada (SUASSUNA apud
CARVALHO, 2007, s.p.).

[...]

Ouvem-se, adentrando à arena, relinchos, som de cascos de cavalos,


guinchos, rugidos de feras, tudo isso emaranhado por sons metálicos em
movimento. O público assustado volta-se na direção dos ruídos. A estranha
cavalgada, com o espírito cigano e medieval, é formada por cavaleiros
montados em terríveis bestas-feras e cavalos mecânicos que expelem
labaredas pelas bocas (SUASSUNA apud CARVALHO, 2007, s.p.).

Quaderna, talvez como um louco ou um inebriado pelo mito, esquece-se de seu


tempo e volta a viver aquilo que para toda a sua comunidade é considerado sagrado, a
52

formação de um novo Reino. Segundo Eliade (1996), quando narramos ou ouvimos um


mito, retomamos o contato com o sagrado e com a realidade, e, dessa maneira,
ultrapassamos a condição profana, a “situação histórica”. Em outros termos,
ultrapassamos a condição temporal e a obtusa suficiência, que são o fardo de todo ser
humano, pelo simples fato de sermos “ignorantes”, ou seja, de identificarmos a nós e ao
real com nossa própria situação particular.
Ítalo Calvino, em Atualidade do mito (1977), afirma que o mito vive de palavra,
mas também de silêncio; um mito faz sentir sua presença na narrativa profana, nas
palavras cotidianas; é um vácuo de linguagem que aspira as palavras em seu turbilhão e
dá forma à fábula. Toda a obra de Suassuna é povoada por mitos e fantasias que
povoam o imaginário do povo do Nordeste. O próprio título traz um elemento que
marcará todo o romance com símbolos ligados a este primeiro, o Sangue:

Neste Planeta terrestre, o Homem não se domina, tendo que viver sob o jugo
da providência Divina. Foi feito do pó da terra, no pó da terra termina! Assim
eu mostro a estrada do Passado e do Presente, Estrada onde morrem Reis
molhados de Sangue quente! (SUASSUNA apud CARVALHO, 2007, p. 14).

No Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant (2007), diz-se que o


sangue simboliza todos os valores solidários com o fogo, o calor e a vida que tenham
relação com o Sol. O sangue é considerado o veículo da vida ou, biblicamente, a própria
vida. Ainda em algumas sociedades que praticavam sacrifícios, o sangue proporcionava
fertilidade e abundância.
O título do romance – O Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta – leva-nos a pensar
no sacrifício como a busca pelo retorno de Dom Sebastião. O sangue do outro como
doação para um ato nobre e generoso, trazer de volta à vida o Rei consolador dos pobres
miseráveis do Sertão, além da ligação com Cristo e seu sacrifício de dar seu próprio
sangue para nos livrar dos pecados.
O contato com mitos e símbolos está na vida de Suassuna desde o princípio, com
os primeiros anos na fazenda Acauhan. Acauã (na ortografia de hoje) é um pássaro do
Sertão. Seu canto é considerado de mau agouro por atrair a seca, conforme registrado na
canção homônima de Luiz Gonzaga e Zé Dantas (apud Tavares, 2007, 15): “Acauã,
acauã, vive cantando, durante o tempo de verão. No silêncio da tarde agourando,
chamando seca para o sertão”.
53

Na transfiguração literária realizada por Suassuna, a Acauhan ou Onça Malhada


é o símbolo visual e arquitetônico de algumas qualidades morais e intelectuais do
sertanejo: resistência, austeridade, simplicidade e solidez. O crime que ocorre na obra e
que forma, no dizer de Quaderna, “o núcleo de fogo e sangue de minha narrativa”, é a
morte absurda e inesperada que cai como um raio no lugar mais sagrado e mais
protegido.
Suassuna reinterpreta os mitos e símbolos das culturas antigas, dando-lhes uma
atualização pertinente a sua própria cultura, criando condições para relermos o passado
sob uma nova condição, não encerrando, desta forma, seu conceito à invenção ou
inverdade, mas como fonte de uma matriz oral. Os mitos presentes na obra configuram
determinadas crenças do sertanejo além de seu universo cultural particular, para
simbolizar as heranças recebidas no Brasil.
Todo o texto foi formulado com base nos mitos que constituem o imaginário e a
memória coletiva do sertão nordestino, construindo, dessa forma, uma identidade
cultural desse povo. É a partir da análise do conceito de imaginário popular que se
percebe como os mitos se ligam diretamente ao imaginário popular nordestino, e isso
explica por que presença de atores locais na transposição fílmica de A Pedra do Reino
contribuiu na fidelidade desta para com a obra literária.

3 AS ENTRELINHAS LITERÁRIAS NO CINEMA

É comum o leitor, encantado por uma obra literária, esperar do cinema uma
adaptação mais próxima possível do livro. A partir da aproximação entre o texto
literário e a adaptação cinematográfica, o leitor/espectador expõe sua preferência. Além
disso, há o preconceito de uma arte se sobrepor a outra.
A relação entre literatura e cinema é antiga e frequente, pois muitos filmes são
obras adaptadas ao cinema. Entretanto, durante muito tempo, a Literatura foi vista como
superior ao cinema, por isso buscava-se o fator “fidelidade” da obra fílmica em relação
à obra literária. A questão da “fidelidade” será estudada neste capítulo, pois apesar de
bastante discutida, é ainda hoje, pretendida por alguns cineastas e leitores/espectadores.
Neste capítulo, também será abordada a questão do diálogo entre as duas artes e
é a partir do conceito de dialogismo que analisamos o processo de transposição fílmica
de A Pedra do Reino. Este dialogismo seria a relação que um texto estabelece com
54

diversos outros tipos de texto artístico e também com seu público.A literatura pode se
relacionar dialogicamente com o cinema e com outras expressões culturais e vice-versa.
Neste capítulo, discutimos a ideia de que a literatura não se sobrepõe ao cinema, mas
que cada arte tem suas especificidades e que um filme, mesmo sendo uma adaptação de
uma obra literária, é uma nova arte.

3.1 A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA E O CASO DA FIDELIDADE

A literatura estabelece diversas relações com outras artes e mídia, logo,


apresenta combinações com diversas artes, fato que não é recente. Percebe-se, dessa
forma, que a literatura pode ser traduzida para vários meios, não sendo diferente quanto
ao cinema.
Segundo Xavier (2003), nas últimas décadas, filme e livros são vistos como dois
extremos de um processo que comporta alterações de sentido em função do fator tempo,
a par de tudo o que mais distingue as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da
palavra escrita e do silêncio da leitura.
A discussão proposta no presente capítulo refere-se à questão da adaptação
cinematográfica, analisando-se se é realmente possível ser fiel à obra literária, sendo
essa fidelidade uma proposta de aproximação maior com o texto literário.
Compreendendo que o debate sobre adaptação literária se concentra no problema
da interpretação feita pelo cineasta em sua transposição do livro, este estudo se propõe a
desconstruir o conceito de fidelidade no processo de transposição, entendendo que o
cineasta tem liberdade para dialogar com a obra literária. O diálogo estabelecido leva
em consideração o contexto de produção no qual eles se inserem.
É evidente que muitas pessoas que leem obras literárias e depois se tornam
espectadoras de sua adaptação cinematográfica demonstram sua insatisfação quando o
filme não se apresenta como cópia fiel da obra literária. Por não transmitir exatamente o
que livro traz, a obra fílmica é vista negativamente.
Xavier (2003) afirma que a fidelidade ao original deixa de ser critério maior de
juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova experiência que deve ter
sua forma, e os sentidos nela implicados, julgados em seu próprio direito. O escritor e
cineasta não têm a mesma sensibilidade e perspectiva, esperando-se, portanto, que a
55

adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com seu próprio contexto,
atualizando a pauta do livro mesmo quando o objetivo é a identificação de valores nele
expressos.
Johnson (2003) ressalta que a obra literária e o obra cinematográfica são
distintas. O autor da obra literária utiliza a linguagem verbal, a riqueza metafórica e
figurativa, enquanto o cineasta lida com imagens visuais, a linguagem oral (diálogo,
narração e letras de música), sons não verbais (ruídos e efeitos sonoros), música e a
própria língua escrita (créditos, títulos e outras por escrito).
As relações literatura e cinema não se dão de forma unilateral, mas sim em vias
de mão dupla, pois a princípio o cinema buscou inspiração na literatura e,
posteriormente, a literatura sofreu tal influência do cinema, mudando seu estilo e até sua
temática (JOHNSON, 2003). As primeiras produções cinematográficas sofreram forte
influência das obras literárias e as obras literárias foram modificadas, fazendo com que
uma completasse a outra, por um lado, a literatura recebendo elementos
cinematográficos, e, por outro, o cinema encontrando na literatura várias narrativas para
sua produção.
Xavier (2003) destaca que as equivalências entre as palavras e imagens, ou entre
o ritmo musical e o de um texto escrito, entre a tonalidade de um enunciado verbal e de
uma fotografia, colocam-se no terreno chamado estilo. Afirma que o cineasta toma
aquilo que é específico do literário e procura sua tradução no que é específico do
cinema, fazendo para isso um modo de tradução próprio ao cinema, que é análogo ao
modo como se obtêm certos efeitos do livro. Essa analogia está apoiada nas distâncias,
tonalidades, gradiente de ritmos, bem como o uso figurativo da linguagem.
Apesar dos pontos de distinção entre a literatura e o cinema, existem também
pontos em comum, como a narrativa. Segundo Xavier (2003), a narrativa é uma forma
de discurso que pode ser examinada num grau de generalidade que permite descrever o
mundo narrado ou falar sobre muitas coisas que ocorrem no próprio ofício da narração
sem que seja necessário considerar particularidades de cada meio material. Desse modo,
é notório que ambas as artes são compostas por narrações e que todas as narrações têm,
em comum, características como tempo, espaço, tipos de ação, personagens, sem
necessidade de atentar para a narração, se está em palavras ou imagens.
Xavier (2003) vai além, ao afirmar que diante de qualquer discurso narrativo se
pode falar em fábula, querendo referir-se a certa história contada, a certas personagens,
56

a uma sequência de acontecimentos que se sucederam num determinado lugar, num


intervalo de tempo, que pode ser maior ou menor. E, também, pode-se falar em trama,
para referir-se ao modo como tal história e tais personagens aparecem para qualquer
pessoa, sendo esta um leitor/espectador, por meio de um texto, do filme ou da peça. O
filme, a peça e o romance, oferecem a trama, já que o relacionamento do
leitor/espectador é apenas com a disposição do relato tal como ele é dado, mas, a partir
da trama que é oferecida, deduz-se a fábula que refaz a vida da personagem em nossas
cabeças.
Xavier (2003) continua concluindo que um filme pode exatamente estar mais
atento à fábula extraída de um romance, tratando de tramá-la de outra forma e mudando,
portanto, o sentido, a interpretação das experiências focalizadas. Ou pode, no outro
pólo, querer reproduzir com fidelidade a trama do livro, a maneira como estão lá
ordenadas as informações e dispostas as cenas, sem alterar a ordem dos elementos.
Carvalho pretendeu extrair a fábula do romance e tramá-la exatamente como
está disposta na obra literária, com a finalidade de uma possível similaridade entre
ambas obras no processo de transposição.
Conforme Avellar (2007), o cinema aprendeu a contar histórias com a literatura
e os letreiros que cortavam a cena funcionando como imagens que faltavam aos filmes,
preenchendo os vazios da imagem. O cinema teria se apropriado e redefinido a escrita
em função das exigências da imagem, até que, aprendida a lição, antes mesmo da
conquista do som, se tornou possível fazer filmes sem letreiros explicativos. É, no caso,
um meio estudando a lição do outro: o cinema um leitor atento da literatura, e a
literatura uma expectadora atenta do cinema.
Compreende-se, enfim, que cinema e literatura se complementam, pois a
evolução do cinema se deu por conta da literatura como fonte de novas narrativas.
Contudo, cada uma delas possui suas características específicas.
Avellar (2007) relata as diferenças entre o tempo de leitura e o tempo de
passagem de um filme, bem como a necessidade de recortes, sobretudo no que se refere
ao segundo, no qual o elemento tempo é reduzido e precisa de uma condensação. Ele
menciona a diferença entre a narração no filme e a narração no livro, o lugar do
narrador e até as cenas de um filme que são capazes de produzir emoções, como podem
representar a obra literária.
57

Quando leitores/espectadores esperam fidelidade do cineasta à obra literária,


estão sendo superficiais em tal análise. Utilizo a palavra “superficial” porque eles não
estão levando em consideração as características particulares da linguagem de cada
meio, e, com isso colocam a literatura como superior ao cinema, ou a obra literária
como superior à adaptação fílmica.
De acordo com Johnson (2003), a insistência na fidelidade da obra é um falso
problema, pois ignora diferenças essenciais entre os dois meios e a dinâmica dos
campos de produção cultural nos quais ambos estão inseridos. Conclui sua afirmação
comentando que, se o cinema tem dificuldade em fazer determinadas coisas que a
literatura faz, a literatura também não consegue fazer o que é feito por um filme.
Assim, em todas as análises dos teóricos mencionados acima, percebe-se que
fidelidade à obra não é importante. O que realmente tem relevância é compreender que
a adaptação é, na verdade, um processo de criação artística da obra original, em que o
cineasta coloca sua interpretação do que leu naquilo que vai realizar, ou seja, consegue
estabelecer um diálogo entre literatura e cinema, e não uma cópia fiel da obra literária.
Diante dessa breve conceituação da interligação entre literatura e cinema, segue-
se a análise do processo de transposição do romance A Pedra do Reino.
Compreenderemos que, em verdade a tentativa do diretor Luiz Fernando Carvalho de
ser fazer o mais próximo possível sua obra cinematográfica da obra literária, no
processo de transposição fílmica, é possível através de um diálogo entre as artes.

3.2 A TRANSPOSIÇÃO FÍLMICA: O DIÁLOGO ENTRE AS OBRAS LITERÁRIA E


FÍLMICA A PEDRA DO REINO

É comum entre leitores/espectadores e autores desejarem a fidelidade do filme


em relação à obra literária. Por isso, vários cineastas apropriam-se da ideia de
transposição fílmica, afirmando ser esse o meio de trazer para o cinema o que está nas
entrelinhas do texto.
A questão da fidelidade perpassa por questões identificatórias que classificariam
esse processo de transposição. Transpor seria, então, como fazer a tradução literal, no
sentido de cópia ou reprodução absoluta do texto literário. Essa é a proposta de Luiz
Fernando Carvalho ao produzir A Pedra do Reino.
58

Como mencionado anteriormente de forma sucinta no primeiro capítulo, em


comemoração aos 80 anos do escritor paraibano Ariano Suassuna, a Rede Globo de
Televisão exibiu a minissérie A Pedra do Reino, dirigida por Luiz Fernando Carvalho.
O diretor cinematográfico já havia desenvolvido vários trabalhos envolvendo o
processo de transposição fílmica baseada em obras literárias, fazendo uma transposição
da escrita à imagem, por isso se dedicou a dirigir minisséries ancoradas na literatura.
Em relação às obras do escritor Ariano Suassuna, o diretor cinematográfico já havia
adaptado duas peças teatrais para a televisão, sendo delas Uma mulher vestida de sol
(1994) e A farsa da boa preguiça (1995). Além de Luiz Fernando Carvalho, Guel
Arraes adaptou para o cinema a peça teatral O Auto da Compadecida (1999).
A Pedra do Reino fez parte de um grande projeto de Luiz Fernando Carvalho,
chamado Quadrante, um projeto pessoal do cineasta, que tem como objetivo fazer
montagens de clássicos da literatura nacional, buscando apresentar a diversa cultura do
país a todos os brasileiros.
A obra fílmica foi exibida nos cinemas em duas sessões consecutivas,
reagrupando os capítulos, do primeiro ao terceiro e do quarto ao quinto. Essa projeção
aconteceu entre 24 de agosto e 6 de setembro de 2007. Nesse período, o diretor publicou
um texto intitulado A antiga unidade (CARVALHO apud Sylvie Debs, 2012, p.92) no
qual comenta sobre o processo de montagem da minissérie.
Luiz Fernando Carvalho (2007) conta que dividiu a obra em cinco partes e as
nomeou nesta ordem: alma, tronco, cabeça, membros e coração. Ele explica que a alma
trata da parte mais sensorial, em que a montagem, especialmente nas sequências finais,
mistura os tempos e espaços.
O tronco é uma espécie de ligação entre o primeiro estado, o sensorial e
internalizado da personagem, com o segundo estado, em que a força do mundo exterior
potencializa seus devaneios e suas memórias, fazendo transparecer um imaginário
externo tão ou mais crível que a verdade de seu mundo interno proposto no primeiro
episódio. A cabeça é quando se dá o início do embate entre Quaderna e o Juiz
Corregedor.
59

Figura 9 – Imagem de Quaderna dando seu relato à Margarida e Juiz Corregador

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna fora julgado e condenado por causa de uma
denúncia feita após a morte de seu tio e padrinho. Pretendia que o Juiz Corregedor e sua
escrivã, Margarida, pudessem ajudá-lo a escrever seu memorial.
Conforme Luiz Fernando Carvalho (2007), ainda na cabeça, todo o projeto
filosófico e estético de Quaderna é desenvolvido a partir do cenário de interrogatório.
Os membros são pequenos contos, histórias introduzidas na trama principal. Por fim, o
coração, que é mais ligado a Arésio, personagem vinculado às questões do sangue e que
termina vencido pelo próprio coração, pois, apesar de ser um selvagem, ama. Amou o
seu pai, o Rei, mais que todos os filhos, e amou Maria Inominata, agindo sempre com o
coração.
Luiz Fernando Carvalho (2007) mostrou preocupação em encontrar uma
linguagem apropriada para traduzir em sua obra cinematográfica a complexidade da
obra de Suassuna, além de ter demonstrado uma preocupação com a resposta criadora
do texto. Buscando fidelidade à escrita, o diretor cinematográfico utilizou elementos do
60

teatro e do circo, também procurando compreender as metáforas do autor, a


ambientação, o imaginário, a memória das personagens.
Levado pela vontade de fidelidade na transposição fílmica e após muitas
releituras da obra de Suassuna, o diretor decidiu compor o elenco da minissérie com
atores e artistas nordestinos e criar uma cidade cenográfica em Taperoá, local onde se
passa a narrativa do escritor paraibano:

O elenco de A Pedra do Reino traz consigo as suas superfícies, seus


territórios, as suas memórias. É um conjunto ético e estético. De fato, um
autor pernambucano como Irandhir Santos, que interpreta Quaderna, traz em
si toda a vivência da região, não se torna imitação. (BRAVO, 2007).

Figura 10 – Imagem das fases de vida de Quaderna, trabalhados no filme a partir da memória.

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

Na imagem, Quaderna, interpretado por Irandhir Santos, aparece em todas as


fases de sua vida. Carvalho trabalha com a personagem através das suas memórias,
intercalando, assim, esses períodos. Com isso, é desencadeada a narrativa, baseada na
rememoração dos fatos, divididas em quatro tempos diferentes: a época do menino, a
61

época do palhaço, a fase da juventude, quando seu padrinho é assassinado e, por fim, a
fase adulta, em que ele é julgado, está preso na torre e escreve seu memorial.

Figura 11 – Imagem de Quaderna, o rei do Quinto Império e do Quinto Naipe

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)

A figura acima mostra Quaderna e seu grande sonho de ser o rei do Quinto
Império e do Quinto Naipe. As cenas apresentadas na minissérie são memórias do
protagonista que se misturam com seus próprios sonhos e imaginação, fazendo com que
a obra fílmica, além de ser elaborada a partir das reminiscências, use também imagens
do onírico. Carvalho utiliza a fantasia assim como faz Suassuna, para a criação de
Quaderna e do seu sertão mítico e fabuloso.
Em algumas das cenas, parece esta personagem, ser lunática, como Dom
Quixote, parece por vezes está num mundo de pura imaginação e loucura.
62

Figura 12 – Quaderna palhaço apresentando a sua própria história

Fonte: Livro de fotografia de A Pedra do Reino (2007)

Quaderna aparece como um homem idoso, com a fisionomia de um velho


palhaço, pois era o que ele sonhava ser. Aproveitando-se desse sonho do protagonista,
Luiz Fernando Carvalho constrói a própria imagem circense na personagem, já com o
desejado título de Rei da Távola Redonda da Literatura do Brasil, mas que vive a
recordar-se das fases anteriores da sua vida. Nesse processo de rememoração, as falas
do narrador-personagem oscilam no tempo e no espaço. Logo após as imagens de
abertura da minissérie, Quaderna aparece falando um fragmento introdutório do
romance de Suassuna, que apresenta de forma panorâmica sobre o que a obra tanto
literária quanto fílmica irão tratar:

Romance da Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta- Romance


enigmático de crime e sangue, no qual aparece o misterioso Rapaz-do-
Cavalo- Branco. A emboscada do Lajedo sertanejo. Notícia da Pedra do
Reino, com seu Castelo enigmático, cheio de sentidos ocultos! Primeiras
indicações sobre os três irmãos sertanejos, Arésio, Silvestre e Sinésio! Como
seu Pai foi morto por cruéis e desconhecidos assassinos, que degolaram o
velho Rei e raptaram o mais moço dos jovens Príncipes, sepultando-o numa
Masmorra onde ele penou durante dois anos! Caçadas e expedições heroicas
nas serras do Sertão! Aparições assombráticas e proféticas! Intrigas,
presepadas, combates e aventuras nas Caatingas! Enigma, ódio, calúnia,
amor, batalhas, sensualidade e morte! (CARVALHO, 2007, s.p.).
63

Figura 13 – Quaderna sendo coroado e aclamado Rei

Fonte: Livro de fotografia de A Pedra do Reino (2007)

Diferente da obra literária, na obra cinematográfica, o desejo de Quaderna é


realizado e o mesmo recebe o título de Rei do Quinto Naipe. Com a aparência mais
envelhecida, por conta do tempo que passara na prisão, a personagem consegue escrever
seu Memorial, em que prova possuir sangue real.
Nesta mesma trama também estão envolvidos os três filhos do padrinho
assassinado de Quaderna, sendo eles, Sinésio, o grande representante e salvador do
povo sertanejo; Arésio, representante dos guerreiros, valente e destemido; e, por fim,
Silvestre, o filho bastardo.
Figura 14 – Imagem de Arésio, Silvestre e Sinésio

Fonte: Cadernos de Filmagens de A Pedra do Reino (2007)


64

Tanto Suassuna quanto Carvalho, posicionam a situação de Quaderna enquanto


culpado, pelo seu envolvimento com Sinésio, o alumioso, filho desaparecido de Dom
Pedro Sebastião, no dia em que foi degolado. Cada uma dessas personagens foi
representada a partir da análise do processo criativo da obra literária. Por isso, Ariano
Suassuna foi convidado por Luiz Fernando Carvalho para colaborar na elaboração da
obra fílmica:

Arésio eu tirei de Ares, o nome grego do deus da guerra, porque é um


personagem violento, brutal e individualista. Sinésio foi por conta de sina,
destino. Era o destino alumioso que eu queria que estivesse presente no nome
dele. Silvestre era bastardo, filho do mato (SUASSUNA apud CARVALHO,
2007, s.p.).

Essas personagens foram adaptadas à obra fílmica, sendo elaboradas a partir de


suas características, sendo Silvestre um retirante que caminha muito pelo sertão em
busca do irmão Sinésio. Sinésio, sequestrado no dia da morte do pai, era o luminoso
adorado. Segundo Tavares, em seu relato nos Cadernos de filmagens (CARVALHO,
2007), o sangue do vai-e-volta se refere ao mito de Dom Sebastião de Portugal, até pela
semelhança física de ser um donzel. Ele é um príncipe que morre e ressuscita, vai e
volta. Assim como a própria história que vai e volta. É uma figura crística.
Arésio representa a força, porém é um homem cheio de dor. Sente-se rejeitado
por estar na condição de filho primogênito e se ver desprezado por seu pai, que exalta
Sinésio.

Figura 15 – Imagem de Dom Pedro Sebastião e seu sobrinho-afilhado Quaderna

Fonte: Livro de Fotografias de A Pedra do Reino (2007)


65

Na imagem acima, Dom Pedro Sebastião entrega a herança para Quaderna.


Depois disso, toda a trama se desenrola a partir da morte do tio e padrinho do
protagonista. Ariano Suassuna relata que escolheu o dia 24 de agosto para a morte de
Dom Pedro Sebastião porque é dia de São Bartolomeu, sempre representado com uma
navalha para cortar o pescoço do demônio. O povo acredita que nesse dia o demônio
fica à solta. Para Quaderna, foi realmente o dia em que o diabo andou solto, pois foi o
dia da perda de sua âncora firme, a figura paterna que lhe era tão importante.

Figura 16 – Imagem da Mandala de abertura de A Pedra do Reino

Fonte: Livro de Fotografias de A Pedra do Reino (2007)

A figura acima mostra a abertura da minissérie, marcada pela apresentação de


uma mandala. Segundo Lúcia Cordeiro, preparadora corporal, essa mandala de abertura
é uma celebração, pois todos os personagens estão vivos, dançando na memória de
Quaderna (CARVALHO, 2007). É uma adaptação cinematográfica de três danças
sagradas, circulares e coletivas: uma mandala irlandesa, uma dança de Israel e uma
dança russa. Essa imagem, também, se assemelha ao Xirê, que em Yorubá significa
roda, dança utilizada para evocar os Orixás. Na cena de abertura da minissérie,
apresenta-se a imagem de uma coroa, que leva o telespectador para um reino ainda
66

desconhecido. Essa coroa se desfaz, ao abrir-se em forma de cortina, como em um


teatro.
Após a abertura da cortina, aparece uma mandala giratória que, ao passo que
vai girando, aparece o nome da minissérie. Após o título, visualizamos do alto a
imagem do sertão nordestino, que é logo substituída pela imagem de Quaderna com
uma imagem picaresca, que entra em cena dando uma cambalhota. à medida que
começa a dançar e girar pela cidade, aparecem crianças a segui-lo.
Logo após, os portões da cidade se abrem, e os demais personagens entram em
cena, em pares, iniciando uma espécie de dança, formando uma espécie de mandala, já
mencionada anteriormente. Essa mandala também representa a circularidade da obra, a
representação da vida de Quaderna. Uma trajetória apresentada com a riqueza de
possibilidades das lembranças e dos sonhos.
Luiz Fernando Carvalho tentou aproximar-se o máximo, esteticamente, do
romance armorial, associando elementos da arte popular e da cultura erudita,
envolvendo, para isso, a música, o teatro, o circo e a própria obra que traz muito do
folheto de cordel.
Há, na obra cinematográfica, imagens, símbolos e representações do
imaginário nordestino, entretanto não podemos afirmar que o diretor cinematográfico
foi fiel à obra literária. Não poderia, Luiz Fernando Carvalho cumprir com fidelidade,
uma transposição feita a partir de uma obra literária com tantas páginas. Carvalho
sintetizou os temas principais no filme, não sendo fiel, mas dialogando sempre com o
texto a partir das próprias referências, dadas por ele, acerca da cultura medieval e da
cultura popular.
A Cavalhada é um exemplo das representações dessa cultura medieval, pois
nos remete aos cavaleiros medievais. Tanto Suassuna quanto Luiz Fernando Carvalho,
em suas obras, trazem algumas imagens de bandeiras que foram carregadas durante a
cavalhada. A primeira, a Bandeira das Onças, que vinha na cavalgada com o rapaz do
cavalo branco e o terceiro, era uma espécie de frade-cangaceiro, que carregava a
Bandeira do Divino Espírito Santo do Sertão. A bandeira do símbolo do felino
representa bravura, coragem, ferocidade, enquanto a bandeira da pomba e da coroa
representa fidelidade e dignidade.
Desta maneira, é a partir da redução ou sintetização da obra literária para a
transposição fílmica, em que se torna perceptível que não se trata de uma reprodução
67

fiel, pois esse fato corresponde aos recursos expressivos da linguagem do cinema, em
que se faz uma simplificação de elementos da obra literária.
Ao preocupar-se com a resposta criadora ao texto, Carvalho apropriou-se de
tudo que tornasse a sua obra fílmica mais similar à obra literária. O diretor
cinematográfico convidou Ariano Suassuna para que o escritor falasse acerca dos
arquétipos das personagens e sobre as suas motivações ao escrever a obra. Além disso,
os atores tiveram aulas sobre estética e passos de dança do Cavalo Marinho, que é um
teatro popular de rua nascido na Zona da Mata pernambucana.
No processo de criação da obra cinematográfica, Carvalho também utilizou
instrumentos como a rabeca e o pandeiro para brincar com a música, com a dança, a
poesia e as coreografias. A roupa de Quaderna velho, o palhaço, tem estilo medieval. A
Folia de Reis serviu de inspiração do coro da Maria do Badalo, formado pelas
cantadeiras de uma região de Pernambuco. O grupo formou uma espécie de coro de
tragédia grega, que acompanha a fábula e age como consciência crítica do povo. Todos
esses recursos foram utilizados para estabelecer uma similaridade entre as obras.
Muitos dos elementos citados ao longo do texto serviram como pedra angular
para a construção da obra literária de Suassuna e foram fonte de inspiração à obra
cinematográfica de Carvalho. Compreendendo o processo de adaptação, pode-se então
afirmar que as similaridades entre as obras, foi alcançada por Carvalho, a partir de uma
interpretação simbólica da obra literária. Portanto, observa-se que a proposta da
transposição do diretor cinematográfico, não está ligada a uma questão de um
naturalismo, porque ele seria impedido tanto pelos recursos diferentes de cada
linguagem, como pela própria impossibilidade de repetição do mesmo, mas sim ao
simbólico, que está na questão da leitura e da interpretação.
A transposição literária, desta forma, define-se através da relação de coerência,
que a obra cinematográfica mantém com o texto de origem, utilizando, para isso,
configurações discursivas que vão ao encontro das do texto literário. Carvalho elabora a
transposição, utilizando para isso, uma alternativa interpretativa, em que teve grande
ajuda do escritor da obra literária, Ariano Suassuna. Um dos roteiristas, Luiz Alberto de
Abreu (2007), comenta:

A participação de Ariano Suassuna foi episódica, mas muito elucidativa e


generosa. Tivemos alguns encontros bastante intensos nos quais discutimos
os personagens e ideias presentes no livro. Ele nos deu total liberdade e
68

ajudou muito na compreensão da obra. Ariano é uma pessoa inteligentíssima,


sagaz, engraçada, bom contador de casos como qualquer bom sertanejo. Ele é
único e múltiplo como é o Romance da pedra do Reino, que é um dos seus
espelhos. (ABREU apud CARVALHO, 2007, s.p.).

O diretor cinematográfico criou uma arte cinematográfica, através da


reelaboração do texto, em que envolveu o autor do texto, a sua maneira de escrita e as
personagens por ele pensado. Desta maneira, Carvalho, como co-criador e autor de uma
nova obra artística, preocupou-se em utilizar elementos do circo, do teatro e da cultura
popular, sugeridos por Suassuna, pensando numa possível fidelidade simbólica, para
minimizar a “traição” ao texto literário.
Carvalho, ao negar a adaptação como processo criacionista da sua obra,
defendendo a transposição fílmica, tem como pretensão fazer com que o
leitor/espectador tenha a impressão de estar folheando o texto literário, acompanhando
as histórias que compõe o romance e as aventuras de Quaderna, mas não como cópia da
obra literária e sim como recriação de um mundo baseado em imagens.
O diretor cinematográfico procurou encontrar imagens que pudessem ser
equivalentes ou correspondentes às palavras do texto literário. Entretanto, a obra
fílmica, mesmo que transposta, é uma nova obra artística, com identidade singular.
A partir dos diversos encontros entre escritor e diretor cinematográfico, além
de uma palestra dada por Suassuna ao elenco e produtores do filme, Carvalho buscava
um entendimento total da obra literária, buscando transpor ou traduzir as emoções
trazidas nas entrelinhas do texto e criar uma nova obra, simultaneamente.
Carvalho condensou a extensa obra de Suassuna, reunindo os elementos
essenciais e fazendo uso de recursos de cortes e flashback, em que o corte de uma cena
para outra ou a rememoração de fatos na vida do narrador-personagem através do
flashback, torna a obra fílmica dinâmica pela falta de linearidade.
Apesar das novas abordagens acerca das adaptações centrarem-se no conceito
da intertextualidade na relação do texto literário e da obra cinematográfica, a questão da
fidelidade ainda não é descartada, já que é, também, um meio de comparar diferentes
adaptações de uma mesma obra literária.
Quando Carvalho (2007) afirma em entrevistas que prefere o termo
transposição ao termo adaptação, parece-me pertinente mencionar Wagner (1975), que
em seus estudos discute três modelos de adaptação, a partir do grau de similaridade
entre o texto literário e a obra fílmica. A transposição seria a adaptação que tivesse a
69

menor interferência ou maior proximidade com a obra literária. O comentário é quando


a obra fílmica não está tão próxima do texto, e por fim, a analogia, que se afasta do
texto literário, utilizando-o apenas como base para a obra fílmica.
Desta forma, será utilizado o conceito de dialogismo, ou seja, o diálogo
estabelecido entre obra literária e obra fílmica, tendo como finalidade, entender a obra
cinematográfica como uma nova obra, não subordinada, obrigatoriamente, ao texto
literário. Já que o papel do cineasta é realizar uma nova obra artística, utilizando para
isso seus próprios recursos, códigos e imagens. E apesar da busca por uma fidelidade, o
próprio Carvalho fala em diálogo: Pedi a Braulio e a Abreu para criar um diálogo com a
circularidade do livro, que é todo dividido em folhetos que vão e voltam no tempo.
(CARVALHO, 2007, s.p.).
Diversos estudiosos abordam a teoria do dialogismo, em que defendem a ideia
de que a adaptação cinematográfica é uma arte independente do texto primeiro, sendo,
desta forma, leituras ou releituras daquilo que foi utilizado como texto primeiro. Stam
(2010) afirma que o sentido de dialogismo para Bakhtin é traduzido como
intertextualidade e fez com que novos estudos surgissem acerca do termo. Bakhtin
(2000) afirma que o texto não se resume ao escrito ou falado. O texto no sentido mais
amplo, corresponde ao conjunto coerente de signos. Para Bakhtin (2000), o conjunto
coerente de signos forma o texto, e este foi produzido a partir de um conhecimento pré-
existente, e está em diálogo com outros textos.
Kristeva (1974) afirma que o texto se constrói como um mosaico de citações e
é desta maneira que ele mantém relação intertextual com outro texto, realizando assim,
o diálogo textual. Esta concepção de intertextualidade e dialogismo, nos permite
compreendermos o texto literário estabelecendo um diálogo com as demais artes e com
seu público. Analisando pelo viés cinematográfico, o dialogismo não acontece apenas
entre filmes.
Segundo Novaes e Reis (2010), em seu artigo intitulado Narrativa
contemporânea: A Linguagem Cinematográfica em Estorvo, a proposta de Bakthin
aponta para a possibilidade de coexistência entre as diversas linguagens, já que os
próprios conflitos que porventura se desencadeiam a partir daí são construtores de
imagens que dão visibilidade às diversas formas de apresentar e interpretar o mundo.
Desta forma, literatura e cinema se aproximam, mesmo que em diferença.
70

Enquanto Ariano Suassuna descreve a forma física e psicológica das suas


personagens a partir das palavras ao longo de todo o texto literário, para que o leitor
possa produzir a imagem dessa personagem em sua mente e possa conhecê-lo e
entendê-lo de fato, na obra cinematográfica, as informações sobre as personagens são
transmitidas a partir da sua caracterização, é uma identidade visual já criada pelo
cineasta para o espectador.
A maneira com que o romance é sintetizado possui, também, grande
relevância, já que a proposta é a maior aproximação possível ao texto literário. Contudo,
faz-se necessário lembrar que a obra cinematográfica é uma releitura, uma recriação que
carrega as diversas interpretações dos roteiristas, assim Luís Alberto de Abreu comenta:
Sintetizar as mais de 700 páginas do romance em cinco capítulos para a
televisão foi um trabalho muito rico que começou com leituras, anotações e
discussões sobre as primeiras impressões da história. Também
empreendemos uma viagem ao sertão da divisa de Pernambuco e Paraíba,
onde se deram, no século XIX, os trágicos acontecimentos de fanatismo
religioso e repressão sangrenta que deram origem ao livro. Dividimos o
roteiro em cinco livros. Após nove meses de trabalho, com seis versões
integrais do roteiro, chegamos a versão final de um circo popular de rua.
(ABREU apud CARVALHO, 2007, s.p.).

Um dos roteiristas, Braulio Tavares (2007), também relata o processo de


síntese do texto literário, comentando que a tarefa dele e de Abreu era extrair do
romance, a história que pudesse ser contada, pois para ele, O Romance d’A Pedra do
Reino é apenas a ponta do iceberg, tendo ainda o segundo livro, que é O Rei Degolado
ao Sol da Onça Caetana, e um terceiro, que é As Infâncias de Quaderna. Para ele, uma
espécie de flashback.
O Romance D’A Pedra do Reino e do Sangue do Príncipe do Vai-e-Volta foi
escrito por Ariano Suassuna, enquanto que a obra cinematográfica A Pedra do Reino,
foi elaborada por fotógrafos, roteiristas, músicos, dançarinos, estilistas e artistas de
todos os gêneros para que a leitura e a interpretação do texto literário torne-se
audiovisual, ou seja, uma recriação, uma nova obra.
A atuação dos atores na obra cinematográfica é toda teatral. O próprio
Quaderna é o apresentador e personagem principal da peça. Neste contexto, ele aparece
como um velho palhaço, como já mencionado anteriormente. Quaderna, velho,
rememora fatos acontecidos durante a sua vida naquela vila de Taperoá. O texto escrito,
diferente da obra fílmica, coloca Quaderna preso numa cela, narrando a sua história. A
71

obra fílmica se inicia no futuro, enquanto que a obra literária encontra-se no presente
em que Quaderna narra o motivo pelo qual está preso.
Os cortes e síntese no texto literário para a adaptação cinematográfica tornam
a obra fílmica mais dinâmica. A posição da câmera, a narração, a expressão corporal e
os diálogos também contribuem para dinamicidade do filme. É através da relação
narrador-personagem com a câmera, que por vezes interage com ela, que faz com que o
telespectador tenha a sensação de estar inserido na trama.
O dialogismo intertextual permite ao leitor/espectador perceber a aproximação
ou distância da obra cinematográfica em relação ao texto literário, compreendendo ser o
filme uma nova arte criativa. Stam (2000) afirma que a adaptação é uma forma de
dialogismo intertextual, pois as formas de texto são geradas por as práticas discursivas
de uma cultura.
Cada parte formadora da obra cinematográfica leu, interpretou e ajudou na
elaboração da nova arte criativa que é o filme A Pedra do Reino. Das releituras
interpretativas do texto literário de Ariano Suassuna, surge o roteiro de A Pedra do
Reino. Um dos roteiristas, Luís Alberto de Abreu, comenta sua interpretação da obra
literária:

O romance é um mergulho profundo e minucioso na formação do


pensamento nacional e um embate entre as correntes de pensamento que
contribuíram para essa formação. Ao lado dos principais olhares sobre a
formação da mentalidade do homem brasileiro, Suassuna contrapõe uma
visão autóctone e popular, resultado de assimilação, produção e acumulação
de expressões culturais ao longo do tempo, e que estabelecem uma visão de
mundo original, múltipla, trágico-cômica, que se contrapõe, e ao mesmo
tempo dialoga com as correntes eruditas do pensamento. Quaderna é uma
síntese, a quintessência do cadinho onde está mergulhado o caldo cultural
brasileiro. (ABREU apud CARVALHO, 2007, s.p.).

Analisando o comentário do roteirista acerca do texto literário, percebe-se que


seu conhecimento sobre aspectos sociais, culturais e historiográficos foram relevantes
no momento da interpretação, elementos que, certamente, influenciaram na escrita do
roteiro. Stam (2000) afirma que, conforme Bakhtin, cada enunciado está em ressonância
com outros enunciados aos quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação
discursiva, sendo que cada enunciado deve ser visto como uma das diversas resposta
aos enunciados precedentes de um determinado campo. Segundo Luiz Fernando
Carvalho, o texto literário é compreendido da seguinte forma:
72

O Romance, de forma epopeica, ao mesmo tempo satírica e trágica, fala da


luta contra a morte e da vitória da criação sobre a escuridão. Enfim, a vitória
da arte e da vida sobre a escuridão humana. Tanto Ariano, que lutava contra a
morte do pai quando escreveu, quanto a Quaderna, o protagonista do
romance, que reclama por seu mundo e seu Deus. Assim, juntos, criador e
criatura constroem um novo mundo. O texto é, de um ponto de vista, uma
metáfora política e revolucionária. É emblemático, profundamente enraizado,
e que, a um só golpe, reúne reflexões, as emoções e o riso necessário ao país.
Trata-se de um livro vertiginoso, uma espécie de visão alquímica e fabulesca
do Brasil e do homem: ora cômico, ora trágico- e portanto, mais atual do que
nunca. (CARVALHO, 2007, s.p.).

Cada uma dessas interpretações constituiu o roteiro da obra cinematográfica e


foi importante na montagem do filme, pois influenciou no cenário, na escolha das
histórias que seriam contadas no filme, na luz, na posição da câmera, no lócus da
história e na escolha dos artistas envolvidos no processo de produção.
Toda a preocupação estava na resposta criativa ao texto, por isso, Carvalho,
trata de se inserir no lugar da história e procurar artistas da terra, acreditando encontrar
naturalidade e espontaneidade, além de, um manancial cultural, certamente instalado no
imaginário coletivo daquele povo, que faria da obra cinematográfica uma visualização
das entrelinhas do texto. Carvalho se esforçou para que as palavras de Suassuna se
fizessem imagens em sua obra fílmica. A aproximação das obras foi possível a partir da
relação dialógica que tenta convergir para o mesmo ponto, chegar a um acordo e tentar
aproximá-las, não esquecendo que a literatura e o cinema têm suas especificidades e
particularidades e que uma adaptação é sempre uma nova arte.
73

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Romance Armorial D’A Pedra do Reino é uma das obras mais importantes de
Ariano Suassuna, em que o Sertão ganha uma dimensão de um Reino poético, mítico,
fabuloso e armorial. Esse feito deve-se à valorização da cultura popular do Nordeste e
ao projeto de criação do Movimento Armorial, pensado e executado por Suassuna.
Um Sertão pedregoso e cruel, que dá espaço ao Reino mágico, onírico e poético
da Pedra do Reino. Reino este, construído por Ariano Suassuna e posteriormente por
Luiz Fernando Carvalho em sua obra fílmica. Apesar de ter sido em forma de
microssérie, exibida na TV, o diretor cinematográfico utilizou técnicas do cinema.
O diretor cinematográfico entra no universo da Pedra do Reino, elaborado por
Suassuna, aproveitando, também, assim, como o escritor paraibano, de elementos do
teatro e do circo. Na tentativa de uma resposta criativa mais fiel ao texto literário,
Carvalho busca, assim como Suassuna, trabalhar a partir do imaginário coletivo.
Atores desconhecidos da TV e do cinema, mas que já trabalhavam com teatro
em sua região, foram selecionados e convocados a participar da produção da obra
fílmica. Além dos atores, artesãos, costureiras e diversos outros tipos de artistas que
eram locais também e compuseram a obra fílmica A Pedra do Reino.
O espaço do cenário era de suma importância; portanto, se a proposta de
Carvalho era transpor para as telas as entrelinhas do texto literário, o melhor seria ir
para o manancial de toda aquela história, Taperoá. Carvalho fez de Taperoá uma cidade-
lápide em que os elementos da ficção misturam-se com elementos verdadeiros que
compõem a cidade, tornando-a, assim, uma cidade memória, construída a partir do
imaginário coletivo mítico.
Neste trabalho, buscou-se compreender de que maneira Suassuna e Carvalho
apropriaram-se do conceito de imaginário para concretizar as suas obras. É notório que
tanto Suassuna quanto Carvalho fazem uso de elementos do imaginário coletivo,
Suassuna construindo, pretensiosamente, para consolidar uma identidade do povo
nordestino, baseado na cultura popular. Enquanto que Carvalho busca uma aproximação
com a obra literária. Essa cultura baseada na tradição e na origem do povo brasileiro
busca, nas três raças, uma ideia de Nordeste como berço cultural do Brasil.
No terceiro capítulo, a análise da obra é baseada na teoria do dialogismo.
Através desta teoria, o diretor cinematográfico, estabeleceu um diálogo entre a literatura
74

e o cinema, tendo êxito na resposta criativa do texto para a telas. Essa transposição que
aproximou o texto literário da obra fílmica, foi possível pela assimilação de elementos
do imaginário, baseado na cultura popular.
Compreendemos então, que a obra literária é uma, e a obra cinematográfica é
uma nova obra, pois possibilita a interpretação do cineasta, além de ser uma elaboração
conjunta.
75

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÙNIOR, Durval Muniz de. Fragmentos do discurso cultural: por


uma análise crítica das categorias e conceitos que embasam o discurso entre a
cultura no Brasil. In: Anais do II ENECULT- Encontro de Estudos Multidisciplinares
em Cultura. Salvador, maio de 2007.
________. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011.
ALMEIDA, Milton José de. Cinema: Arte da memória. Campinas. Autores
Assossiados, 1999.
ALVES, Maria Theresa Abelha. Gil Vicente Sob o signo da derrisão. Feira de
Santana: UEFS- Universidade Estadual de Feira de Santana, 2002.
ARÊAS, Vilma. A Iniciação à comédia. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1990.
AVELLAR, José Carlos. O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil. Rio de
Janeiro: ROCCO, 2007.
AYALA, Marcos & AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura popular no Brasil. São
Paulo: Ática, 1987.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. In: O
contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora Universidade
Estadual de Brasília, 1993.
__________. Estética da criação verbal. 3ª ed. Tradução Maria Ermantina Galvão, São
Paulo: Martins Fontes, 2000.

BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das
Letras, 2000
BITTER, Daniel. O Movimento Armorial- Ariano Suassuna e a construção de uma
arte brasileira de raízes populares. Dissertação de Mestrado. Escola de Belas Artes,
UFRJ, 2000.
BRONZEADO, Sônia Lúcia Ramalho de Farias. O Sertão de José Lins do Rego e
Ariano Suassuna: Espaço regional, messianismo e cangaço. Editora Universitária
UFPE. Recife, 2006.
BURKER, Perter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
CARVALHO, Luiz Fernando. Cadernos de Filmagens do diretor Luiz Fernando
Carvalho e o diário de elenco e equipe. São Paulo. Globo, 2007.
CALVINO, Ítalo. Atualidade do Mito. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
CANCLINI, Nestor. A Encenação do Popular. In Culturas Híbridas. SP, Edusp, 1997.
76

________. As Culturas Populares no capitalismo. Tradução Claudio Novaes Pinto


Coelho. São Paulo: Brasiliense, 1983.
_______. Culturas Hibridas. São Paulo: Edusp, 1998.
CANDIDO, Antônio. Iniciação à literatura brasileira: Resumo para principiantes.
3ed. São Paulo : Humanistas/FFLCH/usp,1999
CHARTIER, Roger. Estudos historiográficos. Trad. Aone-Marie Milon Oliveira. Rio
de Janeiro, Volume 8, 1995.
CHEVALIER, Jean. E GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da
Costa Silva. José Olympio Editora: Rio de Janeiro, 2007.
ELAIDE, Mircea. Imagens e Símbolos: Ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso.
São Paulo: Martins Fontes, 1991.
ELIOT, T. S.Critical essays. London: Faber & Faber, 1932
FERREIRA, Jerusa Pires. Armadilhas da Memória e outros ensaios. Ateliê Editorial.
Cotia, SP, 2003.
FOUCAULT, M. O que é um autor?. Lisboa: Vega, 1992.
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Ed. Unesp,
1991.
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1994
GULLAR, Ferreira. Indagações de Hoje. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989
HALL, Stuart. Identidade Cultural. São Paulo: Fundação Memorial da América
Latina, 1997.
________. Identidade Cultural na pós- modernidade. Rio De Janeiro: DP&A, 2003.
_________. Notas sobre a desconstrução do "popular". In: Da diáspora: identidades e
mediações culturais. Liv Sovik (org); trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo
Horizonte: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.p. 247- 264
HOBSBAWM, E. RANGER,T. A Invenção das tradições. RJ. Paz e Terra, 1984.
JOHNSON, Randal. Literatura e Cinema, diálogo e recriação: O caso de Vida
Secas. In: PELLEGRINI, Tânia et alii. Literatura, cinema e televisão. São Paulo:
SENAC/ Instituto Itaú Cultural, 2003. p. 37-59.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanalise. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.
LAPLATINE, François; TRINDADE, Liana Sálvia. O que é Imaginário. São Paulo:
Brasiliense, 2003.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. Campinas, SP:
Editora UNICAMP, 1996.
77

LE GOFF, Jacques. O Riso na Idade Média. Em BREMMER, Jan e ROODENBURG,


Herman (org). Uma História Cultural do Humor. Rio de Janeiro: Record, 2000.
MACEDO, José Rivair. Riso, Cultura e Sociedade na Idade Média. São Paulo:
UNESP, 2003.
MINOIS, George. História do riso e do escárnio. São Paulo: UNESP, 2003.
MIRANDA, Renato Rocha. Fotografias D’A Pedra do Reino. São Paulo: Editora
Globo, 2007.
MORAES, Dênis de. Revista do Mestrado em comunicação, imagem e informação
Contracampo. Notas sobre imaginário Social e Hegemonia cultural. Programa de
Pós-graduação em comunicação da Universidade Federal Fluminense. Edição n° 01,
1997.
NEWTON JÙNIOR, Carlos. Almanaque Armorial. Rio de Janeiro: José Olympio,
2008.
NOVAES, Claudio. MARA, Eliana. Cinco Vezes Sertão: Literatura, Cinema e
outras escrituras. Salvador: Quarteto, 2012.
PAZ, Octavio. Os filhos do Barro. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984
PINTO, Estevão. Muxarabis & Balcões e outros ensaios. São Paulo, Brasiliana/
Companhia Editora Nacional, 1958, p. 362
PINHO, Adeítalo Manoel. ARAÚJO, Maria da Conceição Pinheiro. NOGUEIRO,
Juliana Gomes. Literatura, História e Memória: Outras leituras de Jacques Le
Goff. Feira de Santana: UEFS Editora, 2011.
RELUCÉ, Gonzalo Espino. La Literatura oral o la literatura de tradición oral.
Pakarina Ediciones. Lima, 2010.
ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. Editora Perspectiva. São Paulo, 1985.
SANTIGO, Silviano. Seleta em prosa e verso. Rio De Janeiro, José Olympio; Brasília
INL, 2007.
SANTO AGOSTINHO. Confissões. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret,
2003.
SANTOS, Idelette Muzart- Fonseca dos. Memória das vozes: Cantoria, romanceiro e
cordel. Secretaria de Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado da Bahia.
Salvador, 2006.
________. Em Demanda da Poética Popular: Ariano Suassuna e o Movimento
Armorial. Campinas: Unicamp, 2009.
SEVCENKO, Nicolau. Metrópole: matriz da lírica moderna. In: PECHMAN, Robert
Moses (org.). Olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994
78

SUASSUNA, Ariano. O Movimento Armorial. In: Revista Pernambucana de


Desenvolvimento. Recife: 4 (1), p.39-64, jan./jun. 1977.
_________. Ariano. Iniciação à Estética. 6 ed. Rio De janeiro: José Olympio, 2000.
_________. Genealogia nobiliárquica do teatro brasileiro. In: O Percevejo – Revista de
teatro, crítica e estética, n.8, Teatro e cultura popular. Rio de Janeiro: UNIRIO; PPGT;
DTT; p. 100-107.
_________. Romance d’a Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue Vai-e- volta.
Romance armorial popular brasileiro. 2 ed. José Olympio. Rio de Janeiro, 1976.
STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Trad. Fernando Mascarello.
Campinas- SP: Papirus, 2003.
__________. Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. Tradução Heloísa
Jahn.EditoraÁtica,SãoPaulo:2000.
TAVARES, Braulio. ABC de Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.
TEIXEIRA, Ivan. Literatura como imaginário: introdução ao conceito de poética
cultural. In: Revista Brasileira. Fase VII. Outubro-Novembro-Dezembro. ANO IX, n°
37, 2003, Academia Brasileira de Letras.
XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema.
In: PELLEGRINI, Tânia et alii. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: SENAC/
Instituto Itaú Cultural, 2003. P. 61-89.

(BERND, Z. (Orgs.). Confluences littéraires Brésil-Québec: les basesd’une


comparaison. Montréal: Balzac, 1992. p. 113-152 (Coll. L’Universdes discours).
Disponível em <Grabois.org.br/portal/cdm/revista.int.php.> (Fábio Palácio de Azevedo
é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica). Entrevista realizada em 29 de
outubro de 2008.

FILMOGRAFIA
A PEDRA DO REINO. Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: TV GLOBO, 2007. 02
discos (276 minutos divididos em 5 capítulos): sonoro, colorido. DVD.

Você também pode gostar