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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

H673

História da Escola Primária no Brasil: investigações em perspectiva


comparada em âmbito nacional / Rosa Fátima de Souza, Antonio
Carlos Ferreira Pinheiro, Antônio de Pádua Carvalho Lopes
(organizadores). – Aracaju : Edise, 2015.
504 p.; il.: 25,5 cm.

ISBN 978-85-63318-57-2

1. Escolarização Primária Brasileira. 2. Método de Ensino. 3.


Arquitetura Escolar . 4.Princípios da Escola Nova. I. Souza, Rosa
Fátima de. II. Pinheiro, Antonio Carlos Ferreira. III. Lopes, Antônio
de Pádua Carvalho. IV. Título.

CDU 37(091)

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dos Editores de Livros

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Sumário

PREFÁCIO....................................................................................................... 9
APRESENTAÇÃO........................................................................................ 15
Referências..................................................................................................... 24

1. A CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA EM PERSPECTIVA COMPA-


RADA PARA A ESCRITA DA HISTÓRIA DA ESCOLA PRIMÁRIA
NO BRASIL: ................................................................................................ 27
Notas de um balanço crítico.................................................................. 27
Referências................................................................................................ 41

2. A ESCOLA PRIMÁRIA SEGUNDO AS MENSAGENS DOS PRE-


SIDENTES DA REPÚBLICA E DOS GOVERNADORES DE SÃO
PAULO, MINAS GERAIS E GOIÁS ENTRE 1930 E 1961: Propósitos
comuns e desafios......................................................................................... 47
A educação do povo, uma diretriz entre outras para o progresso........ 55
O sistema educativo como instrumento para a democracia e para a
igualdade de oportunidades.................................................................. 61
A educação nacional, condição indispensável para a construção
da nacionalidade.............................................................................. 68
O magno problema da disseminação do ensino primário nas zo-
nas rurais.................................................................................................. 71
A relação da União com estados e municípios na expansão da esco-
la primária............................................................................................ 77
As estatísticas educacionais construindo verdades sobre a escola pri-
mária no Brasil.......................................................................................... 81
Considerações finais................................................................................ 91
Referências................................................................................................ 95

3. ESCOLA PRIMÁRIA RURAL: Caminhos percorridos pelos estados


de Mato Grosso e Paraná (1930–1961)..................................................... 103
O cenário rural nos estados de Mato Grosso e Paraná: diferenças e
similitudes............................................................................................... 106
Modelos e expansão do ensino primário rural ................................. 112
Considerações finais.............................................................................. 135
Referências.............................................................................................. 139

4. O ESTATUTO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR PRIMÁRIA


FEDERALIZADA: (Brasil e Rio Grande do Norte, 1937–1961)......... 147
Introdução.............................................................................................. 147
Preparativos da 1ª Conferência Nacional de Educação.................... 149
Plenárias da 1ª Conferência Nacional de Educação e o representante
do Rio Grande do Norte....................................................................... 151
Resoluções da 1ª Conferência Nacional de Educação e formulações
das políticas nacionais de educação primária................................... 154
Acordos firmados pelo estado do Rio Grande do Norte e seus muni-
cípios para a consolidação das políticas de educação primária...... 157
Considerações finais.............................................................................. 175
Referências.............................................................................................. 177
5. HISTÓRIAS CRUZADAS DA ESCOLA PRIMÁRIA NO MARA-
NHÃO, ACRE, BAHIA (1930 a 1960): Algumas aproximações.......... 185
A escola da modernidade e seu papel de incluir as massas popu-
lares.......................................................................................................... 187
Cruzando histórias da escola primária isolada: Maranhão, Bahia
e Acre...................................................................................................... 190
Comparação da escola graduada: Bahia, Maranhão e Acre, primeiras
aproximações.......................................................................................... 197
Considerações finais.............................................................................. 207
Referências.............................................................................................. 209

6. EXPANSÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA,HISTÓRIA COMPARADA EN-


TRE SERGIPE E PARANÁ (1930–1961): Entrecruzando olhares............. 215
Introdução.............................................................................................. 215
A abordagem/orientação metodológica e fontes............................... 217
Entrecruzando olhares na expansão em unidades escolares de Sergi-
pe e Paraná.............................................................................................. 220
A controvertida face da expansão: números em matrículas versus
acesso e permanência na escola........................................................... 242
Considerações finais.............................................................................. 261
Referências.............................................................................................. 263
FONTES .................................................................................................. 265

7. A EXPANSÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA NO RIO GRANDE DO


NORTE E NO MARANHÃO (1930–1961)............................................. 271
Comparando modalidades de escolas no Rio Grande do Norte e
no Maranhão................................................................................... 273
(De)marcações da expansão da escola primária potiguar e mara-
nhense.......................................................................................... 275
Cruzando interpretações ou considerações sobre a expansão da esco-
la primária nos estados do Rio Grande do Norte e do Maranhão.. 280
Referências.............................................................................................. 281

8. QUE ESCOLA PRIMÁRIA? UM ESTUDO COMPARADO DAS MAR-


CAS E LEMBRANÇAS DE UM NÍVEL DE ESCOLARIZAÇÃO.......... 283
Considerações iniciais.......................................................................... 283
Caracterização das fontes utilizadas................................................... 289
a. Os livros de memórias/autobiografias............................................ 290
b. Os livros sobre municípios/cidades................................................ 294
O léxico em torno da escola primária................................................. 298
O ato fundador de escolas primárias e os espaços escolares........... 309
Os Sujeitos............................................................................................... 313
Considerações finais.............................................................................. 321
Referências.............................................................................................. 323
9. MÉTODOS DE ENSINO E RENOVAÇÃO EDUCACIONAL NA
PRODUÇÃO EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO................................. 331
O método de ensino nas teses e dissertações..................................... 334
O método de ensino nos periódicos educacionais............................ 340
As inflexões nos processos de ensino sob o ideário da Escola Nova...... 347
Referências.............................................................................................. 351

10. CIRCULAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ESCOLA NOVA NO EN-


SINO DA LEITURA E NOS LIVROS ESCOLARES DE SANTA CA-
TARINA (1930 a 1960)............................................................................... 359
Introdução.............................................................................................. 359
A Escola Nova em Santa Catarina....................................................... 360
Em busca do consenso em torno da supremacia da pedagogia da Escola
Nova: a Lei Orgânica Estadual do Ensino Primário Catarinense........362
O novo programa para o ensino primário elementar – como a escola
nova foi apresentada aos professores catarinenses........................... 363
A graduação do ensino......................................................................... 365
“O interesse natural da infância”........................................................ 366
Ensino a partir da realidade da criança.............................................. 367
Desenvolvimento do espírito de cooperação entre as crianças....... 370
A Série de Leitura Graduada “Pedrinho” de Lourenço Filho no Gru-
po Escolar Modelo Dias Velho, em Florianópolis............................. 373
Ressonâncias: Postulados escolanovistas na Série de Leitura Gradua-
da Pedrinho............................................................................................. 376
Considerações finais.............................................................................. 381
Referências.............................................................................................. 383

11. A CIRCULAÇÃO DOS LIVROS DE LEITURA COMO CULTU-


RA MATERIAL ESCOLAR NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ES-
COLA PRIMÁRIA: Maranhão, São Paulo e Sergipe na primeira me-
tade do século XX. .................................................................................... 387
Introdução.............................................................................................. 387
O ensino no Maranhão e os processos de aprovação e adoção dos
livros de leitura...................................................................................... 391
O ensino em São Paulo: inovador e gerador de inovações............. 400
A modernização da escolarização primária em Sergipe.................. 407
Considerações finais.............................................................................. 415
Referências.............................................................................................. 421

12. ARQUITETURA ESCOLAR: ............................................................ 427


Entre construções e adaptações........................................................... 427
Introdução............................................................................................... 427
Um debate sobre arquitetura escolar ................................................. 430
Arquitetura escolar maranhense: a possibilidade de uma cartografia.. 438
Considerações finais.............................................................................. 461
Referências.............................................................................................. 465
13. PERCURSOS E RECURSOS DE UMA EXPERIÊNCIA FORMATI-
VA EM PESQUISA SOBRE CULTURA MATERIAL ESCOLAR..... 471
Introdução.............................................................................................. 471
Modos de Organizar: constituição do trabalho de pesquisa e refe-
renciais.................................................................................................... 472
Modos de fazer: da operação com as fontes/arquivos à realização de
seminários .............................................................................................. 475
Prescrições e provisão material para a escola primária: modos possí-
veis........................................................................................................... 484
Referências.............................................................................................. 489
Sobre os Autores..................................................................................... 493
PREFÁCIO

Não seria adequado, neste prefácio,falar deste livro sobre história


da escola primária no Brasil sem inicialmente referir à rara trajetória
de pesquisa e trabalho em equipe de que é fruto. Ela se iniciou faz
dez anos, em 2004, em reunião realizada por um significativo grupo
de participantes do V Congresso Luso Brasileiro de História da Educação.
Naquela reunião, surgiu a ideia de produzir um livro composto por
estudos sobre os grupos escolares na região Nordeste. Essa ideia ini-
cial foi logo ampliada e a proposta passou a ser a de uma publica-
ção sobre grupos escolares que abarcasse todas as regiões do Brasil, o
que se concretizou em 20061. Com isso, foi ganhando corpo a ideia de
produzir estudos comparados sobre o tema. A ideia prosperou com
a realização de um Colóquio específico, tendo por tema investigações
comparadas sobre grupos escolares2, que, por sua vez, culminou com
a iniciativa de elaboração do projeto Por uma teoria de uma história da
Educação Primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola gra-
duada (1870-1950), aprovado pelo CNPq em 2007. Sob a coordenação
da professora Rosa Fátima de Souza, o projeto versou sobre a história
dos grupos escolares em 15 estados brasileiros, abrigando diversos
subgrupos em torno de eixos temáticos distintos. Em 2010, um novo
projeto foi encaminhado ao CNPq e aprovado – História da Escola Pri-
mária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional
(1930-1961). Seu objetivo foi produzir, como se pode ler no primeiro
capítulo do livro, “uma investigação sistemática, aprofundada e inte-
gradora sobre a educação pública primária, utilizando a comparação
como estratégia de análise e concepção interpretativa de modo a ex-
plicitar as relações, as semelhanças, as diferenças e as singularidades
presentes nas formas de produção, apropriação e difusão da escola nas
várias regiões do país”3.
Do desenvolvimento desse projeto, também coordenado pela pro-
fessora Rosa Fátima,resulta este livro.Não se pode minimizar a impor-
tância desses 10 anos de trabalho na sua produção. Para o sucesso da
publicação, foi determinante toda essa trajetória de pesquisa de âmbito
nacional sobre a história comparada da escola primária no Brasil que se
concretizou, especialmente, no desenvolvimento dos dois projetos de
1 Trata-se do livro Grupos Escolares: cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil, orga-
nizado pela professora Diana Gonçalves Vidal. Para mais informações, ver as referências bibliográficas
do capítulo 1 do livro.
2 Trata-se do Colóquio Nacional de Investigações Comparativas em Grupos Escolares, que ocorreu
durante o II Encontro Norte-Nordeste de História da Educação, realizado em São Luis, em agosto
de 2007.
3 Esta e outras citações deste Prefácio foram extraídas do primeiro capítulo, espécie de Introdução do
livro aqui prefaciado.
História da Escola Primária no Brasil

pesquisa a que nos referimos acima. Lido como resultado da referida


trajetória é que o livro evidencia toda a sua dimensão.
É dessa trajetória e dos objetivos que a animaram que fala o primeiro
capítulo. Nas entrelinhas do que diz, pode-se ler o extraordinário afinco
com que um número alentado de pesquisadores se articulou como
grupo, participando de reuniões, tomando a iniciativa de elaborar e
desenvolver projetos de pesquisa e produzir diversas publicações,
promovendo eventos e participando deles. O livro agora publicado é só
uma dentre múltiplas iniciativas editoriais4 que trouxeram a público o
resultado de todo esse trabalho de pesquisa e articulação entre pesqui-
sadores de todo o país.
Fruto desse enriquecedor trabalho de equipe e reunindo uma pluri-
facetada gama de perspectivas de abordagem comparativa, este livro traz
uma contribuição importantíssima para o campo dos estudos históricos
sobre a escola primária brasileira. Não é o caso de referir aqui, capítu-
lo por capítulo, a amplitude, a variedade e a articulação dos temas de
que trata cada um. Mas importa salientar a pluralidade desses temas, que
abrangem estudos comparativos sobre diferentes modalidades de escola
primária tanto do ponto de vista quantitativo, de sua expansão, como do
ponto de vista qualitativo, dos modelos políticos e pedagógicos que rege-
ram a sua organização, além de trabalhos mais específicos, como os que
10 versam sobre arquitetura escolar ou sobre métodos de ensino.
Para que se possa aquilatar adequadamente a dimensão do livro é
importante não dissociar a sua concepção das opções teórico-metodoló-
gicas norteadoras do desenvolvimento dos dois projetos que animaram
a trajetória de pesquisa do grupo. Desse modo, pode-se ler o livro como
produto de um percurso de investigação em que a comparação foi ado-
tada como “exercício metodológico experimental problematizado em
confronto com os eixos temáticos estabelecidos na pesquisa, os recortes
espaço temporais e as fontes delimitadas para o estudo”.
Não fosse por outra razão, a adoção de uma perspectiva compara-
tista para falar de história da escola primária em âmbito de um único
país é já opção muito importante, que assegura a importância do livro,
dada a recusa implícita de uma abordagem de história nacional que,
entendida como simples soma do que ocorre estadual ou regionalmen-
te, minimiza a importância das diferenças e da historicidade própria
do processo de institucionalização da escola primária em cada Estado
ou região do país. Adotar uma perspectiva comparatista implicou, na
esteira de Werner e Zimmermann, como o afirmam os autores em re-
flexão crítica sobre a trajetória de pesquisa da equipe, publicada como
primeiro capítulo do livro, um “triplo procedimento de historicização:

4 Para informações sobre essas publicações, ver a Apresentação e, especial-


mente, o capítulo 1.
Prefácio

do objeto, das categorias de análise e das relações entre o pesquisador e


o objeto de pesquisa”.
Também é pertinente ler o livro como o resultado de um trabalho
de periodização que recortou temática e temporalmente os dois proje-
tos de pesquisa que, direta ou indiretamente o alimentaram. Recusando
os “tradicionais recortes marcados pela cronologia da história política
brasileira”, a periodização adotou o critério de estabelecer “delimita-
ções relacionadas com mudanças importantes na ordenação do ensino
primário”. Assim é que o modelo da escola graduada ganha relevo no
primeiro projeto, que delimita o período 1870-1950, interessado em si-
tuar a emergência e as transformações desse modelo escolar no “mo-
vimento de institucionalização e inovação educacional”, partindo das
leis de obrigatoriedade escolar estabelecidas na década de 1870. Assim
é também que o segundo projeto recorta o período 1930-1961, menos
focado no modelo da escola graduada e mais interessado em apanhar a
diversidade da escola primária legível nas inúmeras denominações de
instituições escolares que proliferaram nas fontes analisadas.
Talvez a tônica principal do livro agora publicado seja esse foco na
diversificação da escola primária. De um projeto a outro, a questão da
diversidade das escolas primárias ganha relevo, tornando-se “uma cha-
ve interpretativa para a análise da expansão do ensino e do problema
das desigualdades educacionais” no período 1930-1961. Para dar conta 11
dessa diversidade, o livro fala de modalidades diferenciadas de escola
primária e não de modelos escolares. Refere, por exemplo, com aquela
designação, seja critérios de localização espacial, como é o caso das mo-
dalidades escola urbana e escola rural; seja grupos sociais, entidades
mantenedoras ou mesmo aspectos pedagógico ou organizacionais es-
pecíficos (granjas escolares, escolas ambulantes) etc.
No entanto, o livro não abandona questões que estiveram na base
de toda a trajetória de pesquisa desde sua origem. Distinguindo entre
modalidades e modelos de escola primária, o livro realiza um duplo mo-
vimento. Por um lado, enfatiza a importância da diversidade das es-
colas no processo de expansão do ensino. Atento à multiplicidade das
denominações, fala em modalidades diversas de escolas instaladas pelos
poderes públicos estaduais para atender diferentes grupos sociais, des-
crevendo tais modalidades nos seus aspectos administrativos, organiza-
cionais e pedagógicos. O exame de tais modalidades escolares, entretanto,
remete a dois únicos modelos, o da escola unitária e o da escola gradua-
da, o que articula o livro às publicações anteriores do grupo, mais cen-
tradas em estudos sobre os grupos escolares, típicos exemplares deste
último modelo de escola. Isso porque, no livro, a diversidade de escolas
é analisada tomando-se como referência esses dois modelos; ou seja, são
elementos distintivos deles - como, por exemplo, o agrupamento em
História da Escola Primária no Brasil

uma só sala ou a divisão dos alunos em classes e séries ou a ordenação


do tempo- ou, ainda, a distribuição dos saberes nos programas de ensi-
no e a divisão do trabalho docente – que são considerados na análise da
organização pedagógica das escolas em suas distintas modalidades.
Constituídos historicamente e difundidos no processo de univer-
salização da escola em todo o mundo ocidental, esses dois modelos de
escola sofreram apropriações locais diversas, sendo a escola unitária o
modelo mais antigo e a escola graduada o mais recente, datando da se-
gunda metade do século XIX. O primeiro modelo, o da escola unitária –
escola regida por um único professor onde, em uma única sala de aula é
ministrado o ensino para crianças de diferentes níveis de adiantamento
– exerce,no Brasil, papel homogeneizador das diferenças como legado
comum que deixa sua marca a distintas modalidades escolares. É modelo
que a República herdou do Império e que subsiste até o final do período
de análise delimitado no livro. O segundo, caracterizado pela divisão
dos alunos em classes supostamente homogêneas, também deixa suas-
marcas em diferentes modalidades de escola, condensando a busca do
novo, do moderno, com que se visa superar o atraso condensado no
modelo da escola isolada.
É a partir de meados da década de 1990, quando surgem os
primeiros estudos de história dos Grupos Escolares5, que a historiogra-
12 fia educacional brasileira realiza um deslocamento importante, histo-
ricizando o objeto escola e começando a apreendê-lo e a analisá-lo em
sua particularidade histórica e em sua diversidade. Em um primeiro
momento, o foco foi a escola graduada. A história da institucionaliza-
ção dos grupos escolares nos diversos Estados da Federação se propa-
ga, em um esforço coletivo de historicizar o objeto escola. Foi somente
depois que a atenção se voltou para a diversidade das modalidades es-
colares. É esse deslocamento de interesse que é sobretudo legível neste
livro. Nele, a consideração da diversidade passa a se constituir, como
se pontua no primeiro capítulo, em uma chave analítica, sendo alçada
ao estatuto de problemática de pesquisa que traz à cena a considera-
ção de múltiplas variáveis – sociais, culturais, econômicas – capazes de
dar conta dela. É assim que, por exemplo, o livro desenha, em três di-
mensões, o pano de fundo do processo de expansão e diversificação da
escola primária brasileira: o analfabetismo decrescente, o êxodo rural
progressivo e o crescimento demográfico crescente. É assim também
que o livro envereda pelo campo da história cultural, trazendo à cena
o tema da circulação de modelos educacionais atrelado à discussão de
questões relacionadas à apropriação desses modelos nos processos de
5 Os primeiros trabalhos sobre História dos Grupos Escolares no Brasil datam de 1996. São duas Teses de Doutora-
mento defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São Paulo. Seus autores são
Luciano Mendes de Faria Filho e Rosa Fátima de Souza. Para mais informações, ver as Referências bibliográficas
do capítulo 1 do livro.
Prefácio

inovação e renovação pedagógicas que marcaram a diversificação das


distintas modalidades escolares.
Mas talvez seja o modo como se articulam os termos modelo e mo-
dalidade de escola como opções conceituais que mais confira ao livro
a sua originalidade. O usoconceitual desses termos produz uma ten-
são textual entre continuidade e diferença, homogeneidade e heteroge-
neidade, estrutura e variação, que dinamiza o relato, as descrições e as
análises dos capítulos. Mas também tensão entre o novo, representado
pelo modelo de escola graduada, e o velho, pela escola unitária. Tensão
que não se resolve de maneira mecânica ou simplista, com a vitória do
novo sobre o velho ou, inversamente, com a permanência incólume do
velho, mas que se abre para a convivência dos modos de ser da escola
primária, fundados na justaposição e na contiguidade. E é essa visão
complexa do processo de institucionalização da escola no Brasil que o
livro descortina para o leitor, desafiando sua compreensão e convidan-
do-o à reflexão teórico-conceitual sobre ele. E essa é, sem dúvida, uma
contribuição importantíssima no campo da História da Educação.

Marta Maria Chagas de Carvalho - USP - UNIFESP

13
APRESENTAÇÃO

As histórias sobre a escolarização primária no Brasil vêm sendo


construídas há alguns anos, a partir, principalmente, da renovação
historiográfica que se deu com a expansão dos programas de pós-gra-
duação em educação, em meados dos anos de 1970, conforme anali-
sado em Vidal e Faria Filho (2005), Gondra (2005) e Monarcha (2005),
bem como na coleção Horizontes da pesquisa em história da educação no
Brasil, editada sob coordenação da Sociedade Brasileira de História da
Educação - SBHE e com o apoio da Universidade Federal do Espírito
Santo – UFES, apenas para lembrarmos algumas entre tantas obras
dedicadas a essa questão.
Entretanto, as pesquisas sobre escolarização no Brasil quase sempre
estão articuladas às histórias das instituições escolares, especialmente a
análise dos grupos escolares, que, hoje, juntamente com os liceus e ate-
neus, talvez sejam as instituições mais estudadas. A elas se vinculam
os estudos sobre políticas educacionais, expansão escolar, difusão de
ideais pedagógicos, principalmente os estudos sobre o ensino intuitivo,
lições de coisas e sobre os princípios escolanovistas, alfabetização, tra-
balho e formação de professores, higienismo, eugenismo, nacionalismo,
práticas de leituras, disciplinarização tanto do conhecimento quanto de
práticas pedagógicas e sociais. As discussões e análises realizadas são
conduzidas pelos mais variados enfoques teóricos e metodológicos.
Esses estudos e pesquisas têm ocupado um espaço significativo nos
congressos locais, regionais, nacionais e internacionais de História da
Educação. Assim, em 2004, durante a realização do III Congresso Luso-
-Brasileiro de História da Educação, ocorrido em Curitiba, surgiu a ideia
de produzirmos um livro que reunisse os estudos sobre os grupos esco-
lares localizados na região Nordeste. Essa ideia inicial foi rapidamente-
substituída por uma sugestão mais ousada, ou seja, a de reunirmos, em
uma obra, estudos sobre grupos escolares que contemplassem trabalhos
realizados em todas as regiões do Brasil. A ideia foi abraçada calorosa-
mente por todos aqueles que se encontravam na reunião de Curitiba.
Dois anos depois, isto é, durante a realização do VI Congresso Luso-Brasi-
leiro de História da Educação, ocorrido em Uberlândia, em 2006, foi dado
a público o livro Grupos Escolares: cultura escolar primária e escolarização
da infância no Brasil, organizado pela professora Diana Gonçalves Vidal.
Naquele mesmo Congresso, ocorreu uma sessão de Comunicação Coor-
denada com o mesmo título do livro e que contou com alguns dos au-
tores participantes da coletânea acima mencionada. Vale ressaltar que
essa sessão reuniu um grande número de participantes/ouvintes, entre
História da Escola Primária no Brasil

estudantes de graduação, pós-graduação e pesquisadores já reconheci-


dos por trabalharem com grupos escolares.
Ainda durante a realização de reunião no referido Congresso, a Prof.ª
Marta Maria Araújo nos questionou se, diante da produção já realizada
no Brasil sobre os grupos escolares, não seria o momento de começarmos
a pensar em produzir estudos comparados sobre os mesmos. Surgiu,
então, a ideia de realizarmos um encontro que tivesse esse objetivo.
Nesse sentido, foi organizado o Colóquio Nacional de Investigações
Comparativas em Grupos Escolares, que ocorreu durante o II Encontro Norte-
Nordeste de História da Educação, na cidade de São Luís do Maranhão,
em agosto de 2007. O Colóquio apresentou-se muito profícuo, uma vez
que possibilitou discussões que apontaram para a necessidade de
refinarmos e aprofundarmos estudos comparativos assentados em fontes
documentais semelhantes e periodização mais próxima das pesquisas
que já eram desenvolvidas pelos diversos pesquisadores, oriundos de
varias regiões e de programas de pós-graduações de quase todo o Brasil.
Assim, após muitas discussões, surgiu a proposta de ser elaborado um
projeto de pesquisa que deveria ser encaminhado ao CNPq objetivando
o aprofundamento de estudos comparativos sobre a escola graduada
no Brasil e que teria a participação, inicialmente, dos pesquisadores ali
presentes, com a possibilidade de outros virem a se engajar no projeto. Foi,
16 portanto, com esse desafio que a Prof.ª Rosa Fátima de Souza elaborou o
projeto intitulado Por uma Teoria de uma História da Educação Primária no
Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870–1950),aprovado
em setembro de 20071. Esse projeto incidiu sobre a história dos grupos
escolares em 15 estados brasileiros: Acre, Maranhão, Piauí, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo,
Mato Grosso, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo a
equipe integrada por 27 pesquisadores doutores.
O desenvolvimento do referido projeto possibilitou a realização
de inúmeras reuniões gerais ou com os subgrupos, que ficaram mais
diretamente envolvidos com os seguintes eixos temáticos: o primeiro,
que se ocupou do estudo do significado, das iniciativas de adoção e
das práticas geradas pelo método intuitivo e seus desdobramentos e
inflexões a partir da difusão da escola nova; o segundo, debruçado no
exame da materialidade da escola primária graduada pelo estudo da
cultura material escolar; o terceiro, ocupado da análise das representa-
ções sociais sobre os grupos escolares e o quarto eixo, que se dedicou
ao estudo da institucionalização da escola graduada nos vários esta-
dos do Brasil considerando as reformas educacionais, a expansão das
instituições escolares, a organização pedagógica e a relação entre os
vários tipos de escolas primárias (escolas isoladas, reunidas, grupos
1 Projeto Integrado de Pesquisa apresentado ao CNPq - Edital Universal MCT/CNPq nº 15/2007.
Apresentação

escolares e escolas municipais, estaduais e privadas) (SOUZA; SILVA;


SÁ, 2013, p. 11).
Naquelas reuniões, debatemos os diversos aspectos que envolviam
um projeto dessa natureza e complexidade, desde a escolha e definição
de fontes até as possíveis abordagens teóricas e metodológicas.
A realização do referido projeto foi marcada, permanentemente,
pelo desafio e pela ousadia, abrindo sempre novas possibilidades de
conhecermos as diversas experiências políticas, sociais e culturais do
processo de escolarização primária brasileira. Nesse sentido, as experi-
ências ali expostas faziam emergir a força e a potencialidade dos estu-
dos comparativos. Assim, quando nos deparávamos com situações ou
acontecimentos que nos pareciam em um primeiro momento estranhos,
ou que não conseguíamos entender, percebíamos ou tínhamos “a certe-
za de que encontramos algo” para darmos início ou continuidade a um
processo de investigação, conforme nos ensina Darnton (1986). A pre-
ocupação do grupo não era tão somente em discutir os nossos “algos”
de forma isolada, mas no sentido de avançarmos nessa melhor compre-
ensão sobre os “algos outros”, isto é, que nos aproximavam, que nos
pareciam “costumes em comum” ou que nos afastavam, nos indicando
“peculiaridades” e singularidades históricas do processo de escolariza-
ção primária brasileira. 17
Outros momentos muito significativos para o grupo de pesquisa-
dores foram as constantes participações em comunicações individu-
ais, mas especialmente nas coordenadas, que ocorreram nos principais
congressos nacionais e internacionais de História da Educação. Mo-
mentos em que apontávamos as nossas “descobertas” e análises pro-
cedidas. Além desses momentos, o projeto resultou na publicação de
vários livros, especialmente o organizado por Souza, Silva e Sá (2013),
que nos fornece uma síntese do que foi discutido e pensado pelo gru-
po de pesquisa.
Motivados pelos desafios do trabalho realizado, os sucessos obti-
dos, empolgados com os resultados até ali alcançados e, ao mesmo tem-
po, com a sensação que muito ainda seria necessário estudar e compre-
ender acerca do processo de escolarização brasileiro, é que a professora
Rosa Fátima Souza encaminhou um novo projeto ao CNPq, em 2010,
intitulado: História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva
comparada em âmbito nacional (1930–1961).2Entre a proposta do primeiro
projeto e do segundo há uma intersecção dos anos de 1930 a 1950, pe-
ríodo esse em que ocorreu um processo de aceleração da escolarização
brasileira e que, portanto, demandava maiores aprofundamentos na
perspectiva histórico comparativa. Neste projeto estiveram envolvidos

2 Projeto Integrado de Pesquisa apresentado ao CNPq para solicitação de Auxílio à Pesquisa – Edital
Universal MCT/CNPq n° 014/2010.
História da Escola Primária no Brasil

13 estados brasileiros - Acre, Bahia, Goiás, Paraíba, Paraná, Piauí, Mara-


nhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Santa Catarina,
São Paulo e Sergipe, além de 43 pesquisadores doutores. A equipe or-
ganizou-se novamente em quatro eixos temáticos de pesquisa. O grupo
temático um (GT1) Institucionalização da escola primária – voltou-se
para o estudo da institucionalização da escola elementar para a popu-
lação infantil, dando ênfase a três categorias de análise: expansão do
ensino primário, discurso político sobre a educação pública tendo em
vista a relação entre republicanismo, federalismo e educação, e diferen-
tes modalidades de escolas primárias existentes nas zonas urbanas e
rurais. O grupo temático dois (GT2) Método de ensino – dedicou-se ao
exame da difusão e circulação da Escola Nova nas escolas primárias. O
grupo temático três (GT3) Cultura material escolar – optou pelo apro-
fundamento do levantamento realizado pela equipe na etapa anterior
elegendo três itens para análise: mobiliário escolar, livros didáticos e
espaço escolar. O grupo temático quatro (GT4) deu continuidade ao es-
tudo das representações sociais sobre a escola primária analisando os
discursos veiculados em escritos de autobiografias e nos livros de histó-
ria dos municípios/cidades.
Pode-se dizer, portanto, que essa experiência de pesquisa abran-
gendo um conjunto significativo de historiadores da educação no Brasil
18 possibilitou uma avaliação mais aprofundada sobre o projeto republica-
no de educação no país, além do avanço do conhecimento sobre as es-
pecificidades da história da educação de cada estado envolvido. Dessa
forma, a consideração da diversidade regional se impôs como perspecti-
va analítica e implicou lidar com os referentes dando a eles novos pesos.
Ela tornou possível também, o fortalecimento de objetos de pesquisa
histórica que ganharam maior visibilidade acadêmica como a questão
dos métodos de ensino, da cultura material escolar e das representações
sociais sobre a escola primária. Não menos importante foi o trabalho
empírico com as fontes documentais. Apesar das limitações impostas
pelas escolhas das fontes, foi possível conhecer facetas do Brasil me-
diante um esforço sistemático de organização de fontes fora dos parâ-
metros dos levantamentos documentais até então realizados na área da
História da Educação.
Desse modo, do esforço realizado com essas pesquisas resulta uma
significativa experiência de trabalho coletivo e de possibilidade de rea-
lização de estudos comparativos que apresenta-se enriquecedora como
prática de pesquisa e de compreensão da escolarização primária no Bra-
sil, apontando, também, a importância e a necessidade de novas incur-
sões pela comparação.
Os resultados finais dessa investigação estão compreendidos neste
livro.Procurando dar conta da trajetória da pesquisa, o primeiro capítu-
Apresentação

lo deste livro, escrito por José Carlos Souza Araújo, Vera Teresa Valde-
marin e Rosa Fátima de Souza e intitulado: A contribuição da pesquisa em
perspectiva comparada para a escrita da história da escola primária no Brasil:
notas de um balanço crítico, realiza uma reflexão crítica sobre os percalços
e avanços dessa pesquisa de âmbito nacional sobre a história compara-
da da escola primária no Brasil, expondo uma revisão dos fundamentos
que nortearam as análises da equipe de investigadores e apresentando
algumas interpretações sobre os resultados obtidos.
Podemos aqui salientar que este livro é composto, mesmo que não
esteja em sua estrutura formal, por trabalhos que realizaram as suas
análises a partir da perspectiva da História Cruzada que emergiu no
transcurso do desenvolvimento da pesquisa como uma possibilidade
de comparação. Há, entretanto, outros que realizaram comparações a
partir de outros parâmetros conceituais tais como: o de republicanismo,
federalismo e cidadania, expansão escolar e matrículas nas instituições
públicas, ou ainda tomando como referência os de representação, lugar
de memória e escolarização.
Nesta obra também se encontram estudos em que os seus autores
procuraram aprofundar especificidades acerca, por exemplo, da arqui-
tetura escolar e da circulação de princípios da Escola Nova no ensino
da leitura e nos livros escolares. Tais estudos abrem outras e amplas 19
possibilidades para futuras análises comparativas.
No texto A escola primária segundo as Mensagens dos Presidentes da
República e dos Governadores de São Paulo, Minas Gerais e Goiás entre 1930 e
1961: propósitos comuns e desafios, José Carlos Souza Araújo, Rosa Fátima
de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto problematizam a relação existente
entre educação, republicanismo, federalismo e cidadania, no período de
1930 a 1961, por meio do exame do discurso das figuras políticas men-
cionadas no título, destacando tanto o papel social e político da educa-
ção pública sob responsabilidade do Estado-Nação quanto dos estados
que compõem a federação brasileira.
O capítulo escrito por Alessandra Cristina Furtado, Analete Regina
Schelbauer e Elizabeth Figueiredo de Sá, intitulado: Escola primária rural:
caminhos percorridos pelos estados de Mato Grosso e Paraná (1930-1961), dis-
cute a respeito das ruralidades impressas nos estados de Mato Grosso e
Paraná, com a finalidade de alcançar nuances do papel atribuído à esco-
la rural nestes estados, bem como da escolarização ofertada à infância,
que teve como palco de seu desenvolvimento as áreas rurais. O investi-
mento da análise incide, ao mesmo tempo, na compreensão das diferen-
ças e similaridades entre a escolarização da infância da zona rural, nos
estados mencionados, e também na busca por ir além das realidades e
dos fatos, ao procurar compreender como se constituíram os problemas
que ainda hoje permeiam as realidades rurais em nosso país, intentando
História da Escola Primária no Brasil

deslocar a análise exclusiva das fronteiras físicas e também inscrevê-las


nas fronteiras e nos significados.
O estudo realizado pela professora Marta Maria de Araújo sob o
título: O estatuto público da educação escolar primária federalizada (Brasil e
Rio Grande do Norte, 1937-1961), analisa o plano de uma organização na-
cional da educação visando a abrangência das políticas públicas de edu-
cação escolar, cultura, assistência social e saúde da criança,conduzido
pelo Ministro Gustavo Capanema Filho que elaborou um anteprojeto
para reformar o então Ministério da Educação e Saúde Pública. Discu-
te entre outros aspectos as resoluções da 1ª Conferência Nacional de
Educação e formulações das políticas nacionais de educação primária;
a concessão do auxílio federal destinado educação primária (como ação
supletiva da União às unidades federativas), além dos acordos firmados
pelo Estado do Rio Grande do Norte e seus municípios para a consoli-
dação das políticas de educação primária.
O texto Histórias cruzadas da escola primária no Maranhão, Acre,
Bahia (1930 a 1960): algumas aproximações, escrito pelas professoras
Elizabeth Miranda Lima, Lucia Maria da Franca Rocha, Mariléia dos
Santos Cruz e Sara Martha Dick, buscou viabilizar uma primeira
aproximação das semelhanças, diferenças, singularidades e entre-
cruzamentos do percurso de institucionalização da escola primária
20 nos referidos estados. A pretensão foi a de se voltar na direção do
não enquadramento fixo de realidades geográficas, culturais, políti-
cas e educacionais distintas, nos estados e no Território Federal do
Acre em análise, de estabelecer relações que possibilitaram identifi-
car, ainda que indiciariamente, a tessitura de um modo de organiza-
ção da educação primária naquelas realidades.
As professoras Ilka Miglio de Mesquita, Ester Fraga Vilas-Boas Car-
valho do Nascimento, Rosa Lydia Teixeira Corrêa e o professor Rony
Rei do Nascimento Silva com o trabalho Expansão da escola primária: his-
tória comparada entre Sergipe e Paraná (1930–1961): entrecruzando olhares,
procuraram com o olhar mútuo e entrelaçado, identificar as similitudes
e divergências da expansão da Escola Primária em Sergipe e no Paraná
na linha do tempo que compreende 1930–1961. Para tanto, efetivaram o
exercício comparativo tomando como referência básica a expansão das
unidades escolares e de matrículas.
O capítulo A expansão da escola primária no Rio Grande do Norte e no
Maranhão (1930–1961) escrito por Diomar das Graças Motta, José Ma-
teus do Nascimento, Kilza Fernanda Moreira de Viveiros, Maria das
Dores Cardoso Frazão, Marlúcia Menezes de Paiva e Olívia Morais de
Medeiros Neta, procurou analisar o processo de expansão escolar pri-
mária daqueles dois estados nordestinos, tomando como referências
as modalidades de escolas e suas nomenclaturas, as faces da expansão
Apresentação

como localidade e localização, matrícula e frequência, reformasde ensi-


no e formação docente.
O estudo intitulado Que escola primária? um estudo comparado das
marcas e lembranças de um nível de escolarização, de Antônio de Pádua Car-
valho Lopes, Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Miguel André Berger
e Fernanda Mendes Resende, realiza um estudo comparado entre os
estados da Paraíba, Piauí, Sergipe e Minas Gerais procurando compre-
ender o modo como a escola primária é representada por sujeitos que
a experimentaram ou viram sua presença no espaço em que viveram,
proximamente ou à distância, a partir de fontes autobiográficas, livros
de memória e sobre as histórias das cidades/municípios.
Em seguida temos o texto de Vera Teresa Valdemarin e Heloísa
Helena Pimenta Rocha que trata dos Métodos de ensino e renovação edu-
cacional na produção em história da educação. Nele as autoras procuraram
examinar a inflexão ocorrida na discussão sobre o método de ensino a
partir da difusão de proposições denominadas de Escola Nova. Para
tanto, as autoras analisam a produção brasileira sobre o tema da Escola
Nova tomando como base a produção de Programas de Pós-Graduação
e em periódicos nacionais de grande circulação.
No trabalho Circulação de princípios da escola nova no ensino da leitura
e nos livros escolares de Santa Catarina (1930 a 1960),Gladys Mary Ghizoni 21
Teive e Maria Teresa Santos Cunha investigaram os aspectos da circu-
lação das ideias da Escola Nova, tendo como foco a análise das pres-
crições curriculares, especialmente a Lei Orgânica do Estado de Santa
Catarina e da incorporação da disciplina de Leitura, Linguagem Oral e
Linguagem Escrita, incluída no Programa para os Estabelecimentos de
Ensino Primário, todos publicados em 1946 e destinados para o ensino
da leitura e de livros de leitura adotados nosgrupos escolares do referi-
do estado.
Ainda no âmbito de alguns aspectos relacionados com a cultura esco-
lar e mais particularmente sobre a cultura material escolar temos o traba-
lho de Samuel Luis Velázquez Castellanos, Claudia Panizzolo e Anamaria
Gonçalves Bueno de Freitas, intitulado: A circulação dos livros de leitura como
cultura material escolar na institucionalização da escola primária: Maranhão, São
Paulo e Sergipe na primeira metade do século XX. Concebendo o livro de leitura
como expressão da materialidade da escola, os autores analisam as estra-
tégias de adoção de livros de leitura para o ensino primário nos estados
mencionados levando em consideração a atuação dos autores, o cenário
político,educacional e editorial.
Em seguida temos o capítulo Arquitetura escolar: entre construções e
adaptações de César Augusto Castro e Samuel Luis Velázquez Castella-
nos, que objetiva mostrar algumas produções publicadas em diferentes
veículos de divulgação científica, que descrevem e analisam em diver-
História da Escola Primária no Brasil

sas localidades brasileiras a arquitetura escolar, levantando para sua


escritura os materiais publicados na Revista Brasileira de História da Edu-
cação, no Caderno de História da Educação, na Revista História da Educação,
nos Anais do Congresso Brasileiro de História da Educação (de forma mais
lacunar) e em alguns livros. Em seguida, numa inversão de escala de
observância, os autores se centraram na realidade local maranhense.
Concluímos este livro com o estudo denominado Percursos e recur-
sos de uma experiência formativa em pesquisa sobre cultura material escolar,
elaborado porVera Lucia Gaspar da SilvaeGizele de Souza. Nesse tex-
to, as autoras apresentam um balanço das atividades desenvolvidas
entre 2010 e 2013 pelo GT3 – estudos comparados sobre a materiali-
dade da escola primária no Brasil. A opção se ancorou na premissa
de que, ao construir uma memória das ações de um grupo se possa
refletir sobre desafios, avanços e limites nesta difícil, mas instigante
tarefa de produção coletiva.
Ao encerrarmos essa trajetória de pesquisa, concluímos esta apre-
sentação agradecendo aos pesquisadores que integraram os projetos
de pesquisa sobre a história da escola primária no Brasil em perspec-
tiva comparada, cujas contribuições encontram-se neste livro, pelo en-
tusiasmo e dedicação e pelas valiosas oportunidades de troca de expe-
riências, de discussão teórico-metodológica, de aprendizagem coletiva
22 e de convivência acadêmica. Nessa direção, agradecemos também aos
bolsistas de iniciação científica e de apoio técnico, aos mestrandos e
doutorandos que colaboraram com o desenvolvimento dos projetos na
identificação, reunião e organização de fontes e discussão dos resulta-
dos das investigações.
Somos gratos ao Professor Marcus Levy Albino Bencostta pela co-
laboração na organização e curadoria de duas Exposições Fotográficas
realizadas para divulgação dos projetos temáticos, mencionados ante-
riormente: Cenas e retratos da escola primária brasileira (1930–1960)
[35ª Reunião da ANPEd, Porto de Galinhas – PE, 2012] e Memórias e
imagens da escola primária rural no Brasil (1930–1960) [VII CBHE,
Cuiabá – MT, 2013]. Não podemos deixar de registrar nossos agrade-
cimentos a vários colegas que participaram em diferentes etapas desse
percurso de investigações comparadas, mas que não puderam estar
presentes nesta última fase: Luciano Mendes de Faria Filho, Maria
do Amparo Borges Ferro, Diana Gonçalves Vidal, Jorge Carvalho do
Nascimento, Maria Cristina Soares Gouvêa, Nicanor Palhares Sá, Julia-
na Cesário Hamdan, Alessandra Frota Martinez de Schueler, Andréa
Maria Lopes Dantas, Eliane Teresinha Peres, Valdeniza Maria Lopes
Barra, Giani Rabelo, Diane Valdez, Iran de Maria Leitão Nunes, Elisan-
gela Santos Amorim, Irma Rizzini e Rosilda Benachio. Gostaríamos,
por último, de agradecer aos apoios institucionais recebidos: ao Con-
Apresentação

selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)


pela concessão do auxílio à pesquisa e bolsas de iniciação científica
e de apoio técnico. À Reitoria da UNESP, à Faculdade de Ciências e
Letras da UNESP, campus Araraquara e aos Programas de Pós-Gra-
duação em Educação da UDESC, UFRN, UFPR, UFMA, UNICAMP
pelo apoio na realização de seminários de pesquisa e reuniões de tra-
balho dos grupos temáticos e da equipe geral do projeto. Ao Museu
Imperial (Petrópolis – RJ), na pessoa do seu diretor, Prof. Maurício
Vicente Ferreira Junior, pela acolhida na realização do IV Seminário:
A materialidade da escola primaria (dezembro de 2012). Aos Arqui-
vos Públicos e demais instituições de memória dos estados do Acre,
Maranhão, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Bahia, Goiás,
Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul pela autorização para a reprodução das
fontes de pesquisa.

Os organizadores

23
Referências

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios


da história cultural francesa. Tradução de Sônia Coutinho, 5.ed. Rio de
Janeiro, RJ: Graal, 1986.

GONDRA, José Gonçalves (Org.). Pesquisa em história da educação no


Brasil.Rio de Janeiro, RJ: DP&A, FAPERJ, CNPq, 2005.

MONARCHA, Carlos (Org.). História da educação brasileira:formação


do campo. 2. ed. revista e ampliada. Ijuí, RS: Unijuí, 2005.

SOUZA, Rosa Fátima de; SILVA, Vera Lucia Gaspar da; SÁ, Elizabeth
Figueiredo de. Por uma teoria e uma história da escola primária no
Brasil. Investigações comparadas sobre a escola graduada (1870–1930).
Cuiabá, MT: EdUFMT, 2013.

THOMPSON, Edward. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultu-


ra popular tradicional. Tradução de Rosaura Eichemberg. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 1998.

VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes. As len-


tes de história: estudos de história e historiografia da educação no
Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. (Coleção Memória
da Educação).

VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Grupos escolares: cultura escolar pri-


mária e escolarização da infância no Brasil (1893–1971). Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2006.
1.
A CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA EM PERS-
PECTIVA COMPARADA PARA A ESCRITA DA
HISTÓRIA DA ESCOLA PRIMÁRIA
NO BRASIL:
Notas de um balanço crítico

José Carlos Souza Araújo - UFU


Vera Teresa Valdemarin - UNESP
Rosa Fátima de Souza - UNESP

A proposta deste texto é apresentar uma reflexão crítica sobre uma


trajetória de pesquisa de âmbito nacional sobre a história comparada
da escola primária no Brasil, que envolveu o desenvolvimento de dois
projetos de investigação: Por uma teoria e uma história da escola primá-
ria no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870–1950)
realizado entre janeiro de 2008 e junho de 2010 e História da Escola Pri-
mária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional
(1930–1961) com vigência no período de janeiro de 2011 a junho de
2014, ambos financiados pelo CNPq.
No primeiro projeto, o objeto de estudo priorizado foram os gru-
pos escolaresconsiderando a institucionalização desse modelo de escola
primária em diferentes estados brasileiros, a circulação do método in-
tuitivo, a configuração material da escola primária e as representações
sociais sobre ela.1 Resultados dessa investigação foram divulgados nas
seguintes publicações: Cultura material escolar: a escola e seus artefatos
(MA, SP, PR, SC, RS, 1870–1930) (CASTRO, 2011), Escola Primária na
Primeira República (1889– 1930): subsídios para uma história comparada
(ARAÚJO; SOUZA; PINTO, 2012) e Por uma Teoria e uma História da Es-
cola Primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola gradua-
da(1870–1930) (SOUZA; SILVA; SÁ, 2013).
O segundo projeto, partindo dos resultados do anterior, objetivou
produzir uma interpretação sistemática, aprofundada e integradora so-
bre a educação pública primária, utilizando a comparação como estra-
tégia de análise e concepção interpretativa de modo a explicitar as re-
lações, as semelhanças, as diferenças e as singularidades presentes nas
formas de produção, apropriação e difusão da escola nas várias regiões

1 Esse projeto incidiu sobre a história da escola graduada em 15 estados brasileiros – Acre, Maranhão,
Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Mato
Grosso, Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, envolvendo a participação de 27 pesqui-
sadores doutores pertencentes a 17 Programas de Pós-Graduação do país: (UNESP/Araraquara; UFF,
UFAC, UFPB, UFPI, UFMA, UFRN,UFS, UFBA,USP, UFPel, UFPR, UDESC, UFU, UFMG, PUC-MG/
Poços de Caldas, UFG, UFMT). Processo CNPq n° 480462/2007-0 (Edital Universal/2007 – Faixa C).
História da Escola Primária no Brasil

do país.2 Os resultados desta etapa da pesquisa estão consubstancia-


dos no presente livro e em mais umacoletânea em fase de organização
reunindo estudos específicos sobre a história da escola primária dos se-
guintes estados: Acre, Maranhão, Sergipe, Rio Grande do Norte, Bahia,
Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.3
Nos dois projetos, a comparação foi adotada como exercício me-
todológico experimental problematizado em confronto com os eixos
temáticos estabelecidos na pesquisa, os recortes espaço-temporais e as
fontes delimitadas para o estudo.
Nesse sentido, os pesquisadores debruçaram-se também no apro-
fundamento teórico-metodológico ancorado no diálogo entre a Educa-
ção Comparada e a História Comparada.
A periodização das duas pesquisas recobriu mais de um século de
história da educação no Brasil. Os recortes temporais serviram de bali-
zas iniciais para a compreensão do tema, além de se constituírem como
suportes para a interpretação de uma possível periodização da história
do ensino primário no país. Evitando os tradicionais recortes marcados
pela cronologia da história política brasileira, a equipe buscou tomar
como critério delimitações relacionadas com mudanças importantes na
ordenação do ensino primário.
Assim, o primeiro período delimitado entre 1870–1950buscou situ-
28 ar a emergência e as transformações da escola graduada no movimento
de institucionalização e inovação educacional, partindo das primeiras
leis de obrigatoriedade escolar estabelecidas nas províncias brasileiras
na década de 1870, passando pelas proposições de inovação educacio-
nal, pelo método intuitivo, pela implantação dos grupos escolares ao
final do século XIX, pelas inflexões sofridas por este modelo de escola
primáriaem meados do século XX, em virtude da expansão acelerada do
ensino primário, da adoção da Escola Nova e das alterações no quadro
educacional do país durante o governo de Getúlio Vargas.
O segundo período – referenciado pelos resultados da primeira
etapa da pesquisa indicadora do processo diversificado de implantação
e expansão dos grupos escolares em vários estados do Brasil –, circuns-
creveu-se à delimitação entre 1930 e 1961 (da Era Vargas à promulgação
da primeira Lei de Diretrizes e Bases (Lei n.º 4.024/61)). Trata-se de um
período marcado pela discussão de novos padrões de organização da
escola primária com paulatina e crescente participação do governo fe-
2 Esse projeto envolveu13 estados, a saber: Acre, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Sergipe, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Integraram
a equipe 43 pesquisadores doutores das seguintes instituições: UNESP/Araraquara – unidade sede;
UFAC, UFAM, UFPB, UFPI, UFMA, UFRN, UFS, UNIT-SE, UFBA, UFMG, UFU, PUC-MG/ Poços de
Caldas, UNICAMP, UNIFESP, UFMT, UFGD, UFG, UFPR, UEM, PUC-PR e UDESC. Processo CNPq
n.º 480387/2010-9(Edital Universal 014/2010 – Faixa C).
3 Essa coletânea está sendo organizada pelas pesquisadoras Rosa Lydia Teixeira Corrêa, AnaleteS-
cheubauer e Alessandra Cristina Furtado.
Capítulo 1

deral no desenvolvimento do ensino primário, e pela predominância


de adoção dos princípios da Escola Nova na renovação pedagógica e
nas políticas estaduais para esse nível de educação. Os dois momentos
referenciados acima foram considerados tendo em vista as temporalida-
des múltiplasrelacionadas com o movimento histórico-educacional em
nível regional, nacional e internacional.
Os resultados parciais e finais desses dois projetos foram apresen-
tados e discutidos em vários eventos nacionais e internacionais e am-
plamente divulgados em livros e periódicos, seminários e exposições
fotográficas.4 Fontes reunidas pelo grupo de pesquisa de diferentes es-
tados foram publicadas em formato eletrônico em DVD.5 Neste texto,
optamos por apresentar uma revisão dos fundamentos que, de certo
modo, guiaram as análises, cotejando-os com os resultados obtidos.
Comparar estabelecendo apenas semelhanças e diferenças en-
tre os objetos de comparação tem sido alvo de crítica da maioria
dos autores que se dedicam a estudos comparados. A esse respeito
Schriewer (1995) diferencia a comparação como operação mental e
como método científico. Trata-se de uma atividade humana univer-
sal cujos procedimentos pressupõem a identificação de característi-
cas, problemas e desenvolvimentos similares e diferentes, ordenan-
do-as e hierarquizando-as.
No segundo sentido, a comparação ancora-se em técnicas de pes- 29
quisa e pressupõe não apenas o estabelecimento de semelhanças e di-
ferenças, mas exige ir além adotando a lógica de relacionar relações.
Ao formular a comparação, valendo-se de operações conceituais e
do estabelecimento de relações entre relações, forma-se uma visão es-
pecífica dos problemas, isto é, a necessidade de interpretar e explicar
o objeto em termos de trajetórias de modernização histórico-social, de
configurações socioculturais e de processos de transferência cultural
(SCHRIEWER, 2000).Embora sem precisar os aspectos metodológicos,
a possibilidade de investigação em Educação Comparada reside na
combinação de três elementos: uma problemática-chave constitutiva de
seus objetos de estudo, uma técnica elaborada de estabelecimento de
relações entre relações e uma lógica de análise histórico-comparativa de
forma experimental.
Nóvoa (2009, p. 23-62) também tem insistido na fertilidade das
perspectivas sócio-históricas que reformulam o projeto da compara-
ção por meio da “[...] passagem da análise dos ‘fatos’ para a análise do
4 É bastante significativa a produção bibliográfica decorrente do desenvolvimento desses dois projetos
de pesquisa incluindo dissertações e teses. Na inviabilidade de elencar todas as publicações, vale citar
aqui alguns estudos a título de exemplo: Teive e Dallabrida (2011); Silva e Petry (2012); Castro e Veláz-
quez (2013); Souza (2011a, 2011b); Both (2014); Ferreira (2013).
5 O DVD intitulado: Fontes para o Estudo da História da Escola Primária no Brasil (1889–1930) foi lançado
em 2011. O segundo volume compreende fontes referentes ao período de 1930 a 1961, encontra-se em
elaboração (Cf. Souza, 2011c).
História da Escola Primária no Brasil

‘sentido histórico dos fatos’ [...]”. Nessa direção, em outro texto, Nóvoa
e Mashal (2003) afirmam que o foco da educação comparada deve ser
não os fatos ou as realidades, mas os problemas. Somente os problemas
constituem a base de comparações complexas, problemas que estão an-
corados no presente, mas que possuem uma história, problemas que são
localizados e relocalizados no tempo e no espaço, através de processos
de transferência, circulação e apropriação, problemas que podem ser
elucidados mediante a adoção de novas zonas de observação inscritas
em espaço delimitado por fronteiras e significados e não somente por
fronteiras físicas (NÓVOA; MASHAL, 2003).
No âmbito da História Comparada, surgiram, nas duas últimas
décadas, várias abordagens: História Cruzada, Histórias Conectadas,
World History, Global History e Big History (para a uma discussão des-
sas locuções, cf. BARROS, 2014). Enquanto a maioria das abordagens en-
fatiza a comparação entre nações, a História Cruzada volta-se também
para uma discussão teórico-metodológica sobre o uso da comparação na
pesquisa histórica e evoca a pluralidade relacionando, geralmente em
escala nacional, formações sociais, culturais e políticas, admitindo des-
de o início que elas mantêm relações entre si. Esta abordagem convida
ao questionamento da historicidade dos objetos e dos procedimentos de
análise, assinalando-os como um empreendimento auto reflexivo gera-
30 dor de sentidos e, segundo Werner e Zimmermann (2003), pertencendo
à família dos procedimentos relacionais que indaga sobre os laços exis-
tentes entre diferentes formações sociais historicamente constituídas.
As indicações metodológicas, segundo esses autores, devem levar
a um triplo procedimento de historicização: do objeto, das categorias
de análise e das relações entre o pesquisador e o objeto de pesquisa.
Assinalam que, seja qual for a escolha do nível da comparação (região,
Estado-Nação, civilização), nenhuma dessas escalas é rigorosamente
unívoca ou generalizável. Por isso, a definição das escalas provoca efei-
tos sobre a definição dos objetos de comparação.
A Educação Comparada e a História Comparada se instituíram
considerando as nações como escala predominante de comparação. A
comparação em âmbito nacional – tomada como objeto de estudo nos
projetos de pesquisa aqui mencionados, com incidência sobre as uni-
dades territoriais brasileiras – apresenta-selegitimamente justificável
pelo fato de que interpretações largamente estabelecidas na historio-
grafia deixaram de considerar diferenças que os estudos mais recentes
têm evidenciado. Nessa perspectiva, em torno dos termos nação, es-
tado e região torna-se imperiosa uma problematização dos conceitose
dos sentidos simbólicos e políticos neles implicados.
Essa precisão conceitual está em consonância com o objetivo dese-
jável de historicizar o objeto de pesquisa. O termo região é polissêmico
Capítulo 1

no campo das Ciências Sociais e as diferenças regionais no Brasil têm


sido interpretadas de diferentes formas ao longo do tempo. Como bem
observa Sena (2003), desde o século XIX a imaginação social brasileira
e nossa experiência de brasilidade têm se constituído em torno da ima-
gem dual do país. Dessa maneira, o Brasil tem sido concebido como
uma nação cindida em vários binarismos: litoral e sertão, país legal e
país real, país que se conhece e país que não se conhece etc.
A pesquisa realizada mostra que as relações entre os dados na-
cionais e as diferenças estaduais imbricaram-se na disseminação da
escola primária. As fontes primárias predominantes nos estudos são
provenientes dos órgãos oficiais, mas há também de outras instân-
cias, tais como: leis educacionais estaduais e federais, anteprojetos de
lei, mensagens dos presidentes da República e dos governadores dos
estados, sinopses estatísticas estaduais e federais, anuários estatísti-
cos, constituições estaduais e federais relativas ao período, regimen-
tos escolares, censos demográficos, publicações várias do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), manifestos republicanos
nacionais e estaduais, jornais, diários oficiais, discursos, um tele-
grama, reformas, relatórios, livros escolares, publicações de livros e
artigos contemporâneas e correspondentes aosanos envolvidos pelo
projeto, cujos objetos envolvem diferentes estados e a União. Em ge-
ral, evidenciam discursivamente uma aspiração comum em termos 31
nacionais, tendo em vista um projeto político para a nação.
Do tipo de federalismo adotado emanavam diretrizes estabelecidas
nacionalmente, que veicularam ideais e ações: ora a educação pensada
como fator do progresso e do desenvolvimento, ora como condição para
a democracia, ora como fortalecedora do nacionalismo e da nacionali-
dade. O discurso oficial centralizado pressupunha e colocava em anda-
mento objetivos gerais comuns.
Os estados, por sua vez, reafirmavam as mesmas intenções gerais
no plano discursivo, e conformavam diversamente suas realizações.
A descentralização, mecanismo adotado para articular o regime fede-
rativo, a princípio desobriga o poder central da implementação dos
ideais educacionais projetados, mas obriga os estados a enfrentar os
diferentes desafios para sua realização. Os estudos também pontuam
que, em alguns estados, a expansão educacional esteve vinculada mais
de perto ao processo de povoamento, em outros ao de urbanização,
em outros ao de industrialização.
Essas não são diferenças menores. Pelo contrário, o desenvolvi-
mento econômico e os projetos políticos estaduais tiveram grande peso
na conformação de escolas rurais ou urbanas, ao que levou ao privile-
giar determinadas regiões dentro de um mesmo estado, na construção
das edificações escolares, no arranjo orçamentário com a União, no es-
História da Escola Primária no Brasil

tabelecimento dos requisitos mínimos para o exercício da docência, na


certificação de estudantes e, por meio dela, na constituição da popula-
ção escolarizada.
Nessa direção, as pesquisas documentais envolvidas pelos dois
projetos de pesquisa (sobre 1870–1950 e sobre 1930–1961), ancoradas em
fontes primárias e secundárias, objetivaram confrontar os vários entes
federados através de uma orientação seriada – isto é, desde a segunda
metade do século XIX até 1961 –, tendo em conta buscar a descrição, a
explicação e a interpretação dos aspectos homogêneos e heterogêneos
dos mesmos: entre os primeiros, o legado comum que a República her-
dou, a escola isolada6, permaneceu ativa até décadas próximas do final
do século XX, particularmente na zona rural.
A referida confrontação entre os estados pode ser compreendida
como comparação, uma unidade lógico-metodológica que permeouos
dois projetos de pesquisa. Nesse sentido, a comparação se sobressaiu
porque, de um lado, ela é guia de outras unidades (por exemplo: aná-
lise, síntese, indução, categorização, conceituação, contextualização,
generalização, sistematização, etc.), mas todas elas se constituem como
diretrizes que metodizam (daí, a dimensão metodológica) o processo da
pesquisa; de outro, as referidas unidades estão associadas à coerência a
ser buscada e mantida, o que envolve dimensão lógica.
32 Por conseguinte, são muitas as unidades lógico-metodológicas pre-
sentes nos resultados de pesquisa aqui reunidos, porém a comparação foi
o norteamento diretor dosmesmos; além disso, parece viável destacar que
há outras unidades lógico-metodológicas que estabeleceram afinidades
com a comparação, como por exemplo, a correlação, a diferenciação, a
semelhançaetc. Certamente, esse conjunto de unidades lógico-metodoló-
gicas busca de modo diferenciado, níveis diversificados de conhecimento
científico, como o são a descrição, a explicação e a interpretação. De forma
que a História da Educação se coloca diante dessa tripla tarefa que aqui
foi enfrentada.
Em particular, a descrição é um discurso que conduz o objeto atra-
vés de suas marcas. Trata-se de reunir os caracteres de uma dada reali-
6 Tendo em vistatambém a comparação com a situação brasileira, ressaltem-se as seguintes observações
relativas às escolas isoladas ou unitáriascomuns a vários outros países, as quais servem como parâme-
tro para a interpretação da história educacional brasileira: “Na exposição de objetivos do Seminário
em Vera Cruz [México] (1967), o professor Ángel J. Hermida Ruiz assinalou que [no México], segundo
dados de 1966, das 21.238 escolas rurais que dependiam da federação, 12.316, isto é, 57,98%, constituí-
am-se com um só professor. Tal situação não era exclusiva do México. Segundo Abner Prada, [...], 60%
das escolas de todo o mundo constituíam-se de um único professor. Referiu-se como índices mais altos
à Bolívia e à Índia (70%), e observou que subsistiam escolas unitárias nos países ‘mais desenvolvidos’,
como a Bélgica (30%); Áustria (25%) e Estados Unidos (10%). Nesse encontro, os delegados conside-
ravam a escola unitária, nomeada também como Escola de Um Professor, Escola Mínima ou Escola
Multigrado, como uma necessidade imposta por determinadas condições geográficas, econômicas e
sociais. Com certa previsão, Hermida Ruiz afirmou que: ‘Não sei se podemos dizer que são produto de
situações de emergências, com o tempo terão que ser superadas, pois a emergência durou numerosas
décadas, porém durará muito mais.’”(ROCKWELL; MOLINA, 2014, p. 12-13).
Capítulo 1

dade, no caso aqui a escola primária. A explicação, por sua vez, signifi-
ca etimologicamente, esclarecimento, elucidação, tendo em vista tornar
claro ou inteligível um dado objeto. E a interpretação visa, etimologi-
camente, determinar o significado preciso ou dar sentido a, ou mesmo
julgar; ela tem em seu horizonte um conjunto de acontecimentos, o que
implica escolha de características históricas dominantes e centrais.
Tais eixos – as unidades lógico-metodológicas e os níveis de conhe-
cimento – se encadeiam, somados a algumas técnicas de pesquisa, para
lançar luzes sobre a movimentação histórico-educacional do objeto em
pauta, no caso a escola primária, em vários estados desde os meados do
século XIX aos meados do século XX; tal pesquisa se constituiu em torno
de diferentes modos de ser da escola primária, o que incluiu, geralmen-
te, a escola isolada, a escola reunida, o grupo escolar e a escola-modelo
(esta designava o grupo escolar em anexo a uma Escola Normal).
Contextualmente, o legado advindo do período imperial, mais co-
nhecido por escola isolada, se caracterizava como unitária, não seriada e
não graduada. Por sua vez, o grupo escolarresulta de um agrupamento
de escolas isoladas masculinas e femininas, estabelecendo-o em regime
graduado e seriado; entretanto, também no período republicano, um
outro modo de ser da escola primária foi denominado por escola reuni-
da, ou seja, não era nem agrupada, nem isolada, porém significava um
passo em transição para a constituição de um grupo escolar. 33
Certamente, sobretudo no período republicano desde o seu nas-
cimento, revela-se, em relação à escola primária, a busca do novo, do
moderno, mas a fim de superar o atrasado, o antigo. Porém, a tensão ou
talvez o antagonismo e mesmo a oposição entre o novo e o velho perma-
necerão por muito tempo até décadas recentes, mais próximas do final
do século XX, como é o caso das escolas isoladas rurais.
Trata-se, na verdade, de uma antítese materializada em torno
dos modos de ser da escola primária: o novo – grupo escolar – se ma-
nifesta, mas não anula o velho; o novo irá tomando corpo, mas o ve-
lho permanecerá por várias décadas ao lado do novo, constituindo-
se como resistência,masfirmado em umestado de incompatibilidade
com o novo. Para abusar dos sinônimos, pode-se inclusive considerar
que houve necessariamente uma contraposição entre o novo e o ve-
lho, mas que não eliminou a convivência dos modos de ser da escola
primária fundados na justaposição e na contiguidade.
É sob esse foco que cabe compreender o movimento em que andou
a escola primária desde o início dos tempos republicanos no Brasil. Com
certeza, os estados focalizados pelos dois projetos, em diferentes con-
junturas, são diferenciados em vários aspectos, mas mesmo assim a as-
piração por uma escola melhor estruturada – como é o caso do grupo
escolar e da escola-modelo – encontra-se sintonizada, pelo menos do
História da Escola Primária no Brasil

ponto de vista legislativo, desde a última década do século XIX até o


início dos anos de 1920, quando todos os estados já haviam inaugurado
e implantado a referida busca pelo novo educacional.
Entretanto, para além dessa escola modelar (grupo escolar e es-
cola-modelo), foram muitas outras variações de escolas primárias
que facultaram a escolarização da infância nas diversas regiões do
país. Por isso, modelos e variações da escola primária emergiram dos
dados empíricos e exigem uma reflexão teórica e conceitual. Além
dos grupos escolares, das escolas isoladas e reunidas, designações
correntes eoutras denominações foram encontradas em diferentes es-
tados: escola mínima, rudimentar, rural, urbana, móvel, ambulante,
singular, agrupada, promíscua, combinada, rústica, elementar, esco-
la pública primária, escola-parque, grupo escolar rural, escola de tra-
balhadores rurais, granja escolar, escola de pescadores, escola par-
ticular, escola municipal, escolas típicas rurais, entre outros. Como
compreender essa heterogeneidade senão colocando em perspectiva
as condições específicas que modularam as ações educacionais?
O deslocamento da análise para a diversidade das escolas primárias
constitui uma operação historiográfica de importante repercussão. Po-
de-se dizer que esse procedimento iniciou-senos anos de 1990 do século
XX quando apareceram os primeiros estudos sobre os grupos escolares.7
34 Nos últimos anos, alguns pesquisadores se debruçaram sobre as escolas
isoladas, as escolas reunidas e as escolas rurais.8 A consideração dessa
diversidade de escolas primárias tornou-se uma chave interpretativa para
a análise da expansão do ensino e do problema das desigualdades edu-
cacionais. Escolas com diferentes designações foram criadas e instaladas
pelos Poderes Públicos estaduaispara atender a diferentes grupos sociais.
Essa diferenciação envolveu aspectos administrativos, organizacionais e
pedagógicos incluindo diferentes propostas de ensino, de programas, de
condições materiais e de tempo de duração do curso primário.
No âmbito dos projetos temáticos envolvidos neste texto, essa dife-
renciação continuamente reiterada nos dados empíricos foi reconstruída
como uma problemática de pesquisa relacionada com a questão da cir-
culação de modelos educacionais. Num primeiro momento, buscou-se
investigar a difusão da escola graduada, modelo de escola primária que
ficou conhecido no Brasil por grupo escolar em diferentes estados brasi-
leiros na Primeira República, observando-se a relação desse modelo com
as demais modalidades de escolas primárias.
7 A respeito dessa produção inicial, podem ser citados: Faria Filho (1996), Souza (1996), Lopes (2001)
e Pinheiro (2002). Uma primeira reunião de vários estudos sobre a história dos grupos escolares de
diferentes estados brasileiros foi realizada por Vidal (2006).
8 A respeito das escolas isoladas, consultar: Ávila (2008), Reis (2011) e Dias (2012). Entre os estudos sobre
escolas reunidas, ver Santos (2012). Nos últimos cinco anos cresceu significativamente o número de
estudos sobre a história das escolas primárias rurais no Brasil. Ver, a título de exemplo, Silva (2004),
Mota (2010), Paes (2011), M. Silva (2012), Ávila (2013), Pereira (2013) e Moraes, (2014).
Capítulo 1

Entretanto, na investigação referente ao período de 1930 a 1961,


partiu-se da constatação de que a expansão dos grupos escolares foi
lenta em muitas unidades da federação e que a expansão do ensino
ter-se-ia processado por um conjunto variado de escolas. No entanto, o
exame da organização pedagógica remete a dois modelos fundamen-
tais: a escola unitária – regida por um único professor ministrando o
ensino primário para crianças de diferentes níveis de adiantamento
em uma mesma sala de aula –, e a escola graduada caracterizada pela
divisão dos alunos em classes supostamente homogêneas, isto é, com
o mesmo nível de adiantamento; cada classe correspondendo a uma
série, funcionando a escola em um prédio com várias salas de aula
e vários professores, cada um responsável por uma turma de alunos
consideradaa relação classe/série.
Esses dois modelos de escola foram constituídos historicamente
e disseminados nos países ocidentais no processo de universalização
da escola pública. Ambos tiveram efetivações diversas em cada país
e região em que foram instalados e se transformaram por meio de
inovações pedagógicas, dos programas e dos métodos de ensino. A
escola unitária consagrou-se como o modelo mais antigo, enquanto
a escola graduada, configurada na segunda metade do século XIX,
emergiu sob o signo da modernidade considerada um modelo novo e
mais eficaz de escola para a promoção da educação popular. 35
Dessa maneira, o uso dos termos modelo e modalidades de escolas
primárias tornou-se opção conceitual para diferenciar padrões de orga-
nização administrativa e pedagógica e variações aplicadas a diversas
designações referenciadas a critérios de localização espacial (por exem-
plo, escola urbana e rural), a entidades mantenedoras (escola particular,
pública, municipal), a grupos sociais (escola de trabalhadores rurais,
escola de pescadores) ou a aspectos pedagógicos ou organizacionais
(granjas escolares, escolas típicas rurais, escolas ambulantes, etc.).
No Brasil, as cadeiras ou escolas de primeiras letras existentes no
século XIX foram organizadas com base na escola unitária. Já o mo-
delo de escola graduada foi adotado no país desde o final do século
XIX, considerando-oassociadoao método intuitivo, um dos ícones da
modernização do ensino e expressão da qualidade da escola pública
elementar. Dessa maneira, a diversidade de escolas primárias deve ser
analisada tomando como referência esses dois modelos fundamentais
em circulação em âmbito internacional e nacional, levando em conta
as variantes como constitutivas do modelo; isso implica retomar
a discussão sobre a organização pedagógica da escola a partir de
elementos como a divisão dos alunos em classes e séries, a ordenação
do tempo, a divisão do trabalho docente e a distribuição dos saberes
nos programas de ensino.
História da Escola Primária no Brasil

Já a investigação sobre a adoção dos princípios da Escola Nova nas


políticas estaduais para o ensino primário, isto é, a investigação sobre a
renovação pedagógica, problematiza justamente o recurso metodológi-
co da comparação.
Embora seja possível detectar uma aspiração comum, nos diferen-
tes estados, a renovar os processos de ensino, as avaliações e o conjunto
de saberes próprios da escola primária, sua disseminação não ocorre
por meio de dispositivos comumente utilizados para direcionar a or-
ganização dos sistemas – a legislação, por exemplo. Ao contrário, nesse
âmbito educacional, são evitados os detalhamentos para que seja possí-
vel abarcar um amplo conjunto de iniciativas diversas, desencadeadas
pelos atores incumbidos de sua realização.
Investigar a renovação pedagógica implica debruçar-se sobre prá-
ticas educativas que, pela sua natureza, fluidez e diversidade escapam,
muitas vezes, do registro documental e demandam o enfrentamento ora
da escassez das fontes, ora de sua grande variabilidade.
Embora o estudo específico da renovação pedagógica esteja cir-
cunscrito nesse projeto a poucos estados (diferentemente do ocorrido
com a análise da expansão da escola primária), seus indícios podem ser
percebidos comorelacionados com outros temas. A persistência de prá-
ticas de ensino mais tradicionais emerge na evocação memorialística de
36 estudantes como elemento forte na constituição da representação dos
tempos escolares, na qual alguns exemplos de renovação são detectados
como elementos diferenciadores e, portanto, não generalizados.
Há também indícios de renovação no equipamento e nos materiais
escolares indicando, mesmo noslimites traçados pelas condições econô-
micas, remodelação material propícia às novas aspirações pedagógicas.
Do mesmo modo, pode-se detectar a circulação de impressos alinhados
com novas concepções de ensino, sem que, no entanto, seja possível ve-
rificar sua efetividade.
De modo mais claro, pode-se dizer que os princípios da Escola
Nova estiveram presentes na orientação oficial de diversos estados, me-
lhor percebida quando relacionada aos investimentos para a formação
de professores. Torna-se evidente, assim, a simbiose entre diferentes
graus do sistema escolar que, projetando mudanças na escola primá-
ria, desencadeia ações para formar professores ou diretores atribuindo
a alguns agentes o protagonismo da mudança. Esses agentes podem ser
mobilizados por meio de ações políticas oficiais, tais como o estabeleci-
mento de convênios com órgãos da esfera municipal estadual ou federal,
que resultam em novos desenhos de currículo e programas de ensino,
ou pela designação de tempo escolar próprio, tais como a realização de
eventos de planejamento ou de discussão de propostas. O protagonis-
mo da mudança também pode ser assumido por figuras-chave do siste-
Capítulo 1

ma escolar que, liderando processos, transformam algumas instituições


em ambientes que passam a ser caracterizados pelo pioneirismo.
Além da relação com a formação de professores, a investigação so-
bre a renovação pedagógica recolhe indícios em iniciativas segmenta-
das nos diferentes conteúdos ensinados na escola primária. Embora o
currículo da escola primária brasileira tenha sofrido poucas alterações
sob o influxo da Escola Nova, a renovação nos processos de ensino pode
ser melhor analisada quando se considera as diversas áreas de conheci-
mento. O ensino da Geografia e da Aritmética, por exemplo, parece ser
mais propício para viabilizar pelas orientações metodológicas a conexão
da escola com a vida, enquanto o ensino da língua materna, dadaasua
centralidade na instrução primária, demanda maior mediação, como
indicam os estudos sobre diferentes impressos produzidos no período.
Enfim, os resultados das pesquisas realizadas parecem indicar que
o estudo da renovação das concepções pedagógicas em perspectiva
comparada reclama a definição prévia de unidades lógico-metodológi-
cas sobre as quais será ancorada a comparação. Devem ser tomados os
impressos em geral ou particularizados, em termos de diretrizes pro-
gramáticas, dos manuais didáticos, dos periódicos, dos conteúdos?
Essa definição prévia, no entanto, não elimina dificuldades intrín-
secas ao próprio tema. Definida como concepção que pretende vincular
a escola à vida, centrar a educação nas características infantis e desen- 37
volver-se por meio de atividades (contrapondo-se assim a outras con-
cepções), a Escola Nova elege a diversidade, a flexibilidade e a varia-
ção como princípios norteadores da ação educativa, impondo limites a
pretensões comparativas. No entanto, são fortes os indícios de que tais
ideias ressoaram nos diferentes estados brasileiros, o que permite con-
ceber a própria renovação pedagógica como um problema de pesquisa
e analisar os diferentes sentidos adquiridos por esse processo.
Pode-se ressaltar que, no decorrer do período em análise, as taxas
de analfabetismo ainda são altas; a título de elucidação, as referidas
taxas médias de analfabetismo no Brasil constituem-se, da seguinte
forma, em três décadas entre a população com mais de 10 anos: 56,7%
da população não sabem ler em 1940; 51,5% em 1950; e 39,7% em 1960
(FERRARO, 2009).
Deve-se também registrar que o movimento demográfico nacional
se fez a favor da vida urbana em detrimento da rural: a população bra-
sileira em 1940 atinge 69% na zona rural, 64% em 1950 e depois 55%
em 1960, ou seja, o êxodo rural é progressivo, o que ressoará na consti-
tuição da população urbana, direcionando prioritariamente as políticas
educacionais dos estados para as áreas de concentração populacional
em detrimento das zonas rurais onde imperava a população rarefeita,
revelando uma diminuição progressiva.
História da Escola Primária no Brasil

Além dessas duas dimensões – analfabetismo decrescente e êxodo


rural progressivo – não se deve desconsiderar o crescimento populacional
brasileiro: 32.734.642 habitantes em 1923; 39.152.523 em 1932; 41.236.315
habitantes em 1940; 51.944.397 em 1950; e 70.967.185 habitantes em 1960
(RIBEIRO, 1978). Tais escores implicam um crescimento populacional da
ordem de 5,3% entre 1932 e 1940; de 25,9% entre 1940 e 1950 e de 36,6% de
1950 a 1960. Nessa década, o crescimento no Brasil é recorde, atingindo a
casa dos 2,99% ao ano (VALLE E SILVA; BARBOSA, 2003).
Essas três dimensões – analfabetismo decrescente, êxodo rural
progressivo e crescimento demográfico crescente, o qual é digno de
atenção – constituem o pano de fundo em que se moveu o ensino pri-
mário brasileiro, evidentemente com algumas diferenciações pelos es-
tados. Entretanto, há o compartilhamento entre eles, seja quanto às
suas aspirações pela escolarização primária, seja quanto aos obstácu-
los de vária ordem a deter ou a resistir à política educacional em torno
da escola primária, como por exemplo, osde ordem econômica, demo-
gráfica ou industrial.
Portanto, no estudo comparado da institucionalização da escola
primária em âmbito nacional sobressai o exame minucioso das estatís-
ticas educacionais. De fato, a expansão é um aspecto central na análise,
porque consubstancia o sentido das expectativas discursivas das finali-
38 dades da educação pública, bem como dimensiona a efetivação das po-
líticas educacionais. No entanto, a esse respeito, as pesquisas realizadas
no âmbito dos projetos temáticos aqui considerados evidenciaram inú-
meras dificuldades em relação ao estudo comparado das estatísticas da
educação. Além da falta de padronização na coleta de tratamento dos
dados estatísticos em cada estado não é possível obter séries estatísticas
longitudinais que abarquem o número de unidades escolares e o núme-
ro de alunos matriculados. Os dados sobre as modalidades de escolas
primárias também são muito precários; a correlação entre o número ab-
soluto de diferentes escolas, por exemplo, o número de grupos escolares
comparado com o número de escolas isoladas e reunidas requer relati-
vização, pois a interpretação dos dados demanda a consideração do nú-
mero de alunos matriculados. Dados como frequência efetiva, número
de aprovações e conclusão de cursos foram inseridos em cada estado em
diferentes momentos.
Constitutivas de um discurso estatal, as estatísticas educacionais
estaduais produzidas ao longo do século XX buscaram ressaltar a atu-
ação governamental destacando o crescimento da expansão proporcio-
nada em grande medida pela ação do Estado, omitindo, não obstante,
os índices da população escolar fora da escola, o analfabetismo infantil e
o déficit persistente da oferta educacional em relação à demanda, ainda
que potencial.
Capítulo 1

Nessa direção, o aprofundamento da análise pôs em relevo a ne-


cessidade do confronto dos dados educacionais com os dados demo-
gráficos incluindo a composição municipal dos estados. Atrelada a essa
discussão, a pesquisa sobre o período entre 1930 e 1961 evidenciou a
importância da educação primária rural no conjunto das políticas de ex-
pansão da escola primária nos diferentes estados participantes da inves-
tigação, com destaque para a ação supletiva do governo federal. Os pro-
gramas desenvolvidos pelo INEP, destinados à construção de escolas,
àformação de professores e àorientação técnica do ensino rural tiveram
ressonâncias e implicações diferentes nos estados abordados no estudo.
Em realidade, inúmeras questões sobre a educação primária rural
emergiram no desenvolvimento da pesquisa reiterando a precariedade
do conhecimento acumulado sobre o tema na área da História da
Educação e a necessidade de maiores investimentos de pesquisa. Na
impossibilidade de abordar todos esses aspectos identificados, os
resultados da pesquisa assinalam para a importância do tratamento
da ruralização do ensino como ideias em circulação no Brasil, dando
atenção aos educadores e intelectuais associados a esse movimento e
às diversas iniciativas levadas a termo, tanto pelos educadores quanto
pelos governos estaduais, em especial, em relação à criação das escolas
normais regionais e experiências de escolas rurais como as granjas esco-
lares, os grupos escolares rurais e as escolas típicas rurais. 39
No entanto, projetos dessa natureza permitem captar um objeto de
estudo em seu movimento e não a partir de concepções já estabelecidas,
de modo a poder produzir conhecimento em compreensão (sobre ob-
jetos e fontes específicas) e conhecimento em extensão (sobre estados,
regiões ou nações). Nessa abordagem não há questões simples, mas uma
trama de relações que pode ser elucidada com recortes aproximativos.
As possibilidades e os limites ao exercício comparativo estão aqui
dados: de um lado, as primeiras estão aqui realizadas e reunidas com
o sentido de configurar os resultados a que se chegou; de outro, os li-
mites também estão aqui expressos pelas indagações e problematiza-
ções através dessa introdução geral, bem como dos capítulos, quando
se procurou delinear as questões de fundo em relação à tarefa centrada
na comparação dentre os estados envolvidos. Com certeza, os capítulos
aqui reunidos também espelham as conquistas permitidas e realizadas,
bem como também expressam indagações e problematizações, de uma
forma geral compartilhadas pelos pesquisadores envolvidos.
Pode-se concluir, mas deixando em aberto, que a pesquisa científi-
ca e, em particular a histórico-educacional sobre a escola primária está
inconclusa, porém os resultados aqui conjugados aos objetivos do pro-
jeto são situáveis como avanteem relação ao objeto. Todavia, cabe consi-
derar a centralidade que a problematização tem em relação aos projetos
História da Escola Primária no Brasil

de pesquisa ou aos processos de investigação, bem como aos seus resul-


tados: “Para sabermos tudo, precisamos conhecer todas as perguntas,
o que é claramente impossível. Melhor assim, pois ficamos livres para
continuar a perguntar, inspirados pelo que não sabemos [...]” (GLEI-
SER, 2014, p. 7).

40
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2.
A ESCOLA PRIMÁRIA SEGUNDO AS MENSA-
GENS DOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA E
DOS GOVERNADORES DE SÃO PAULO, MI-
NAS GERAIS E GOIÁS ENTRE 1930 E 1961:
Propósitos comuns e desafios

José Carlos Souza Araújo - UFU


Rosa Fátima de Souza - UNESP
Rubia-Mar Nunes Pinto - UFG

Duas recentes publicações (SOUZA; SILVA; SÁ, 2013; ARAÚJO;


SOUZA; PINTO, 2012) expressam pesquisas desenvolvidas, entre 2008
e 2010, em torno do projeto “Por uma teoria e uma história da escola primá-
ria no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870–1950)”,
sob a coordenação da Profa. Dra. Rosa Fátima de Souza. Em tais publi-
cações, são apresentados resultados de pesquisa sobre o curso do pro-
cesso histórico-educacional no decorrer da Primeira República (1889–
1930), no tocante às políticas educacionais sobre a escola primária em
vários estados brasileiros, bem como à comparação de certos aspectos
dos mesmos.
O objetivo deste texto é dar continuidade a essas análises proble-
matizando a relação entre educação, republicanismo, federalismo e ci-
dadania, no período de 1930 a 1961, por meio do exame do discurso
político de presidentes da República e governadores dos estados de São
Paulo, Minas Gerais e Goiás, sobre o papel social e políticoda educação
e sobre a responsabilidade do Estado pela educação pública.
A origem do republicanismo no Brasil encontra-se no Manifesto
Republicano de 1870 (MANIFESTO, 1870), posto que é o documento
mais significativo para se empreender uma análise do referido repu-
blicanismo brasileiro. Constitui-se ele em torno de alguns princípios
que se expressam em torno da defesa dos direitos da nação, de elei-
ções livres, da soberania do povo, da soberania nacional, da vontade
coletiva do povo brasileiro, dos homens livres subordinados aos in-
teresses da pátria, da democracia, do patriotismo; manifesta críticas
aos privilégios de religião, de raça e de posição; defende a liberdade
civil e política, a liberdade de consciência, a liberdade econômica, a
liberdade de imprensa, a liberdade de associação, a liberdade de ensi-
no, a liberdade individual, a liberdade democrática; e também afirma
História da Escola Primária no Brasil

o princípio federativo, a autonomia das unidades federadas, o papel


das municipalidades em relação ao princípio federativo, o governo
representativo; com esse ideário republicano e federativo, faz a de-
fesa da necessidade de uma assembleia constituinte, a instauração de
um novo regime bem como a necessidade de um partido republicano
federativo. Todavia, a temática educacional não compõe o discurso
presente no referido Manifesto, exceto em uma referência secundária
à liberdade de ensino. Tais princípios revelam as diretrizes inspiradas
nas posturas liberal, republicana e federativa1, que orientarão o pro-
cesso republicano brasileiro.
Sobre a Primeira República (1889–1930), cabe a avaliação de um
historiador, cuja produção é significativa sobre ela (CARVALHO, 1987,
1990, 1998). Sua posição envolve a formação da cidadania, um projeto
republicano e educacional:

A busca de uma identidade coletiva para o país, de uma


base para a construção da nação, seria tarefa que iria per-
seguir a geração intelectual da Primeira República (1889–
1930). Tratava-se, na realidade, de uma busca de bases para
a redefinição da República, para o estabelecimento de um
governo republicano que não fosse a caricatura de si mes-
48
mo. Porque foi geral o desencanto com a obra de 1889. [...]
A formulação mais forte do desencanto talvez tenha vindo
de Alberto Torres, já na segunda década do século [XX]:
‘Este Estado não é uma nacionalidade; este país não é uma
sociedade; esta gente não é um povo. Nossos homens não
são cidadãos’. (CARVALHO, 1990, p. 32-33).

Propor-se à análise da escola primária entre 1930 e 1961 (período


que compreende a Segunda, a Terceira e a Quarta República), objeto
deste capítulo, nos levou a reunir e a partilhar de uma documentação
comum aos entes federados envolvidos – União e alguns estados –, refe-
rentes ao período, ou seja, as Mensagens dos Presidentes da República e
dos governadores dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. Tra-
ta-se aqui, através dessa documentação comum aos entes federados, de
investigar comparativamente o teor das mesmas em relação ao ideário
republicano sobre a escola primária, bem como sobre as políticas im-
plementadas em torno dela, porém associada ao processo republicano
brasileiro entre 1930 e 1961.
1 Para Carvalho (1990, p. 9), “Havia no Brasil pelo menos três correntes que disputavam a definição da
natureza do novo regime: o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa, e o positivismo. As três
correntes combateram-se intensamente nos anos iniciais da República, até a vitória da primeira delas,
por volta da virada do século”. No entanto, há um curioso manifesto de cunho republicano-positivista
de 1886: Manifesto do Clube Republicano do Pará – 1886 (1973).
Capítulo 2

As questões fundamentais que orientam esse estudo são as se-


guintes: em que concepções republicano-federativas se estruturam as
mensagens do período em análise? Como se expressa tal processo re-
publicano no período varguista (1930–1945) e no decorrer da Quarta
República (CARONE, 1980, 1985a, 1985b)? Como o republicanismo
assume nesse período a escola primária como objeto de investimen-
to político estadual e federal? O que significa a escola primária como
estratégia efetiva para se apresentar como republicana? Entre 1930 e
1961, como se manifesta construtivamente a escola primária no curso
desse movimento? Qual é o papel da União em coordenar uma política
nacional em torno da escola primária?
O teor de tais Mensagens é oficial: trata-se de uma prestação
de contas enviada anualmente por iniciativa do Poder Executivo ao
Congresso Nacional, em âmbito federal; ou às Assembleias Legisla-
tivas do Estado, em particular como é o caso aqui, de Minas Gerais,
São Paulo e Goiás. Constituem-se as mensagens em fontes primárias
resultantes do relato sobre o exercício da administração pública, e
expressam diversos aspectos. Dentre outros: agricultura, estrada de
ferro, serviço público, finanças, indústria, hospitais, pecuária, eco-
nomia, instituições bancárias, assistência social, magistratura, saúde
pública, sistema carcerário, polícia, terra, imigração, eleições, pecu-
ária, edificações urbanas etc. Obviamente, as questões educacionais 49
estão também presentes.
As Mensagens, aqui em análise, constituem-se numa modalidade
de discurso político, que está inerentemente implicado com o exercício
dos poderes federaise estaduais. Elas não deixam de ser uma expres-
são discursiva de caráter linguístico, porém exprimem um pensamento
político a ordenar o exercício da prática republicana brasileira. Nesse
sentido, as Mensagens revelam uma prática social, e não representam
uma posição individual do Presidente da República ou do Governador.
Por elas circulam um sentido republicano e federativo em processo,
revelando utopias republicanas, de caráter liberal, bem como os
problemas brasileiros, em particular do campo educacional.
As Mensagens acarretam “[...] ser o discurso um modo de ação,
uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especial-
mente sobre os outros, como também um modo de representação [...]”
(FAIRCLOUGH, 2008, p. 91). Além disso, faz-se necessário reconhecer
que há “[...] uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social,
existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura
social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira [...]”
(FAIRCLOUGH, 2008, p. 91). As Mensagens estão moldadas pela estru-
tura social. Assim sendo, evita-se privilegiar a “determinação social do
discurso” ou a “construção do social no discurso”:
História da Escola Primária no Brasil

O discurso contribui para a constituição de todas as di-


mensões da estrutura social que, direta ou indiretamente,
o moldam e o restringem: suas próprias normas e conven-
ções, como também relações, identidades e instituições que
lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas
de representação do mundo, mas de significação do mun-
do, constituindo e construindo o mundo em significado.
(FAIRCLOUGH, 2008, p. 91).

Em relação à periodização aqui abrangida, podem-se distinguir três


períodos: a) entre 1930 e 1937 ou Segunda República2(CARONE, 1973); b)
entre 1937 e 1945, a Terceira República ou Estado Novo (CARONE, 1974,
1976a, 1976b); e c) entre 1945 e 1964, o período da Quarta República. Os
dois primeiros períodos, entre 1930 e 1945, envolvem a era getulista, e o
terceiro implica no denominado período democrático, entre 1945 e 1964
(CARONE, 1980; 1985a, 1985b), denominado por este como República
Liberal. Cabe aqui ainda um esclarecimento relativo à periodização: o
intuito desse capítulo é ter em conta como marco final o ano de 1961,
ano de aprovação da primeira LDB, como já foi mencionado anterior-
mente, uma vez que ela se constitui em uma demarcação de ordem edu-
cacional. Com relação a 1931, além da significação que a era varguista
50 imprime à educação, cabe destacar a criação do Ministério da Educação
e Saúde (1930) e a criação do Conselho Nacional de Educação (1931).
Em relação ao Estado Novo (entre 1937 e 1945) em particular, afir-
mava o historiador há pouco citado: “Mais do que outrosmomentos da
nossa história contemporânea, o Estado Novo aparece como uma época
nebulosa, onde a ação nefanda de seus dirigentes o torna um dos mais
obscuros e obscurantistas da história do Brasil [...]” (CARONE, 1976a, p.
1). E acrescenta posteriormente, como que a afirmar uma República às
avessas: “Curioso é o fato de o Estado Novo ser o alicerce do Brasil atual
[...]” (CARONE, 1976a, p. 1).
Os Presidentes da República dispostos no Quadro a seguir, são res-
ponsáveis, em seus respectivos mandatos, por dezenove Mensagens:

2 Parte desse período da Segunda República é importante pelos seguintes aspectos: 08/11/1930 – Posse
de Getúlio Vargas; a 14/11/1930, criação do Ministério da Educação e Saúde; a 11/04/1931, criação do
Conselho Nacional de Educação; criação da Diretoria Nacional de Educação pelo decreto n. 24.439, de
12/06/1934; instalação da Assembleia Constituinte de 15/11/1933, que durou até 16/07/1934, quando foi
promulgada a Constituição.
Capítulo 2

Quadro 1 – Dados relativos às Mensagens dos Presidentes da Repú-


blica do Brasil (1933–1961)

Período Ano de envio


Presidentes
de governo das mensagens
03/11/1930 a
Getúlio Vargas* 1933**, 1935, 1936, 1937***
29/10/1945
31/01/1946 a
Eurico Gaspar Dutra 1947, 1948, 1949, 1950
31/01/1951
31/01/1951 a
Getúlio Vargas 1951, 1952, 1953, 1954
24/08/1954
24/08/1954 a
João Café Filho**** 1955
08/11/1955
31/01/1956 a
Juscelino Kubitschek 1956, 1957, 1958, 1959, 1960
31/01/1961
31/01/1961 a
Jânio Quadros 1961
25/08/1961
* O Presidente da República entre 29/10/1945 e 31/01/1946 será José Linhares, então Presidente do Supre-
mo Tribunal Federal.
** Não há mensagens em 1931 e 1932. Em 11/11/1930, através de decreto, é instituído o Governo
Provisório. Em agosto de 1933, convoca-se a Assembleia Constituinte, a qual é instalada somente
a 15 de novembro de 1933. A 16/07/1934 é assinada a Constituição Federal; no dia seguinte, Getúlio 51
Vargas é eleito Presidente da República através de voto indireto (CARONE, 1974).
*** Também não há mensagens entre 1938 e 1945, período denominado por Estado Novo, instau-
rado em 10/11/1937.
**** Era vice-presidente do governo de Getúlio Vargas. Com o suicídio deste, tornou-se presidente.

Em relação aos governadores de Minas Gerais, são quatro os en-


volvidos, implicando em dezesseis Mensagens referentes ao período em
análise, como no Quadro a seguir:

Quadro 2 – Dados relativos às Mensagens dos governadores do estado


de Minas Gerais(1935–1959)

Ano de envio
Governadores Período de governo
das mensagens
Benedito Valadares 15/12/1933 a
1935, 1936, 1937
Ribeiro (interventor) 04/11/1945
Milton Soares 19/03/1947 a
1947, 1948, 1949, 1950
Campos 31/01/1951
Juscelino Kubitschek 31/01/1951 a
1951, 1952, 1953, 1954, 1955
de Oliveira 31/03/1955
José Francisco 31/01/1956 a
1956, 1957, 1958, 1959.
Bias Fortes 31/01/1961
História da Escola Primária no Brasil

Em relação aos governadores do estado de São Paulo, são sete os


envolvidos, implicando em treze Mensagens e quatro Relatórios de go-
verno referentes ao período, como mostra o Quadro 3:

Quadro 3 – Dados relativos às Mensagens dos governadores do estado


de São Paulo (1933–1960)

Período de Ano de envio das


Governadores
governo mensagens
06/10/1932 a
Waldomiro Castilho de Lima 19335
27/07/1933
21/08/1933 a
Armando Salles de Oliveira** 1936
11/04/1935
05/01/1937 a
José Joaquim C. de Mello Neto 1937
25/04/1938
27/04/1938 a
Adhemar Pereira de Barros*** 1938, 1939, 1940
04/06/1941
14/03/1947 a
Adhemar Pereira de Barros 1948
31/01/1951
52 31/01/1951 a
Lucas Nogueira Garcez 1952, 1954
31/01/1955
31/01/1955 a
Jânio da Silva Quadros 1956, 1957, 1958
31/01/1959
Carlos Alberto Alves de Carva- 31/01/1959 a
1960
lho Pinto 31/01/1963
* Não há Mensagens em 1930, 1931 e 1932. A instabilidade política foi acentuada no estado de São Paulo
ocorrendo uma alternância muito grande no governo. Até a nomeação do General Waldomiro Castilho
de Lima em julho de 1933, ocuparam o Executivo três chefes de governo provisório e seis interventores
federais.
** Também não há Mensagens em 1934 e 1935. Juntamente com a Mensagem de 1936, o governador Ar-
mando Salles de Oliveira enviou um Relatório minucioso das ações de seu governo referente a esse ano.
*** Foram considerados neste estudo os Relatórios de governo apresentados ao Presidente Getúlio Vargas
pelo interventor Adhemar Pereira de Barros.

Já em relação aos governadores de Goiás (Quadro 4), são quatro os


envolvidos, implicando em três Relatórios e nove Mensagens referentes
ao período:
Capítulo 2

Quadro 4 – Dados relativos às Mensagens dos governadores do estado


de Goiás (1933–1960)

Período de Ano do envio


Governadores
governo das mensagens
23/12/1930 a
Pedro Ludovico Teixeira 1933, 1939, 1942
31/07/1945
22/03/1947 a
Jerônimo Coimbra Bueno 1948, 1949
30/06/1950
31/01/1951 a
Pedro Ludovico Teixeira 1952, 1953, 1954
01/07/1954
12/03/1955 a
José Ludovico de Almeida 1956, 1957, 1958
31/01/1959
31/01/1959 a
José Feliciano Ferreira 1960
31/01/1961

Totalizando: são 19 Mensagens Presidenciais, 16 dos governadores


do estado de Minas; 13 dos governadores do estado de São Paulo e 12
dos governadores do estado de Goiás em relação ao período de 1930 a
1961. Ao todo, são 60 Mensagens, objeto dessa investigação.
Em termos ainda de introdução, mas a apresentar um balanço, são 53
importantes os dados quantitativos sobre a escola primária pública e
particular no Brasil em 1931 no limiar da Segunda República; sua orien-
tação quantitativa permite avaliar o que estarecebeu como legado da
Primeira República no tocante à temática em apreço e, em particular,
sobre as dimensões da escola pública e da escolar particular nas vinte e
uma unidades federadas e no Território do Acre3:

3 Somente com a Constituição Brasileira de 1934, o Território do Acre passa a integrar a estrutura fe-
derativa brasileira. Na Constituição referida, no “Art 1º - A Nação brasileira, constituída pela união
perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do
Brasil, mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República federativa procla-
mada em 15 de novembro de 1889.” (BRASIL, 1934).
História da Escola Primária no Brasil

Tabela 1 – Números de escolas públicas e particulares nas unidades


federativas em 1931

Unidades políticas da Escolas Escolas


Total
Federação públicas particulares
Distrito Federal 328 586 914
Alagoas 377 170 547
Amazonas 348 93 441
Baia 1543 531 2074
Ceará 752 133 885
Espírito Santo 778 68 846
Goiaz 204 18 222
Maranhão 403 401 804
Mato Grosso 186 113 299
Minas Gerais 2607 813 3420
Pará 593 295 888
Paraíba 427 113 540
Paraná 1143 121 1264
Pernambuco 1469 550 2019

54 Piauí 145 7 152


Rio de Janeiro 1536 488 2024
Rio Grande do Norte 264 211 475
Rio Grande do Sul 3073 1443 4516
Santa Catarina 958 313 1271
São Paulo 3535 1576 5111
Sergipe 315 52 367
Território do Acre 80 11 91

Fonte: Extraído de BRASIL (1933, p. 145-146)

Observe-se que o número de escolas particulares é sempre menor em


todas as unidades, com exceção do Distrito Federal; no entanto, há algu-
mas unidades com escores percentuais significativos quanto ao número
de escolas particulares: é o caso do Maranhão, Pará, Mato Grosso e Rio
Grande do Norte. A título de esclarecimento sobre a liberdade de ensino
à iniciativa privada: a Constituição de 1891 não explicita a temática, o que
caberá às constituições estaduais legislarem sobre a questão4. Por sua vez,
4 Ainda no tocante ao período que cobre esse capítulo, cabe também mencionar a Constituição de 1937
que estabelece em seu Art. 128: “A arte, a ciência e o seu ensino são livres à iniciativa individual e à
de associações ou pessoas coletivas, públicas e particulares”. E a Constituição de 1946, reza em seu
Art. 167: “O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa
particular, respeitadas as leis que o regulem”. Com relação à liberdade de ensino nos Estados (MG, SP
e GO) aqui envolvidos, suas constituições, todas de 1891, a instituem. Assim, para o Estado de Minas
Capítulo 2

a Constituição de 1934, Art. 150, § único, letra c, estabelece que o Plano Na-
cional de Educação obedecerá a seis normas; dentre elas, a “c) liberdade de
ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescrições da legislação
federal e estadual”.
Esse capítulo se organiza em torno de alguns eixos temáticos pre-
sentes nas Mensagens em apreço, e estruturados após a leitura e estudo
das mesmas tendo em vista uma preocupação com a categorização, ou
seja: trata-se de, organizadamente, hierarquizar e compor as ideias que
estruturam os conteúdos das mesmas. Eis os eixos temáticos: a) A edu-
cação do povo, uma diretriz entre outras para o progresso; b) O sistema
educativo como instrumento para a democracia e para a igualdade de
oportunidades; c) A educação nacional, condição indispensável para a
construção da nacionalidade; d) O magno problema da disseminação
do ensino primário nas zonas rurais; e) A relação entre União, estados e
municípios na expansão e institucionalização da escola primaria; e f) As
estatísticas educacionais.

A educação do povo, uma diretriz entre outras


para o progresso
55

A educação como mola propulsora para se perseguir o progresso


é de origem iluminista, particularmente na segunda metade do sécu-
lo XVIII. A inauguração da categoria progresso é creditada a Turgot
(1727–1781) a partir de uma obra de 1750 (TURGOT, 1991); desde en-
tão, a discussão sobre o progresso passou por Voltaire (1694–1778),
Condorcet (1743–1794), Kant (1724–1804), Herder (1744–1803) entre
outros. Como se verifica, progresso é uma categoria de longa duração
no cenário da cultura ocidental e inspirada em uma orientação de ca-
Gerais, o seu Art. 3°, § 6°, prescreve que “O ensino primário será gratuito e o particular exercido livre-
mente” (BRASIL, 1988); para o Estado de São Paulo, no âmbito das atribuições do Congresso estadual,
o seu Art. 20°, § 11°, letra e, estabelece que o “ensino primário, secundário, superior e profissional,
que será gratuito e obrigatório no primeiro e livre em todos os graus, podendo o ensino secundário,
superior e profissional ser administrado por indivíduos e associações, subvencionadas ou não pelo Es-
tado” (http://pt.slideshare.net/denisefiletti/constituio-poltica-do-estado-de-so-paulo-1891. Acesso em
09/02/2014); com relação ao Estado de Goiás, cabe à Câmara dos Deputados em seu Art. 65, § 12 “Le-
gislar sobre a instrucção superior do Estado, creando faculdades e universidades; sobre a secundaria
cumulativamente com as municipalidades, e prescrever em lei um typo de organisaçãocommum para
as escolas primarias, nos termos desta Constituição; ainda com relação ao Estado de Goiás, a temática
se põe, no âmbito do capítulo sobre o município, como competência de um conselho municipal: o
Art. 30°, § 3°, expressa que compete a este “Estabelecer casas de beneficencia; crear escolas publicas
e quaesquer instituições de educação e instrucção profissional e artistica, ou auctorisar o custeio ou
subvenção de taes estabelecimentos”
(http://www.sectec.go.gov.br/portal/wp-content/uploads/2011/06/Constitui%C3%A7%C3%A3o-1891.
pdf. Acesso em 09/02/2014). Em síntese, a questão da liberdade de ensino é claramente expressa nas
constituições dos Estados de Minas Gerais e São Paulo; para o Estado de Goiás, a mesma questão se
introduz pela autorização da subvenção de quaisquer instituições.
História da Escola Primária no Brasil

ráter civilizatório; ela estará presente nos discursos político, sociológi-


co, econômico, administrativo, histórico no Brasil até os anos de 1940,
quando será substituída paulatinamente pelo termo desenvolvimen-
to5 (ALPÍZAR, 2001).
Relativamente à Segunda República (entre 1930 e 1937) no Brasil,
a primeira Mensagem Presidencial é somente de 15/11/1933, quando se
instalou a Assembleia Constituinte (cabe somente enfatizar que a se-
gunda constituição republicana é a promulgada em 16/07/1934, e foi a
que menos durou, uma vez que a terceira foi outorgada em 10/11/1937,
oficializando um golpe de Estado).
No tocante à Mensagem de 1933, o Chefe do Governo Provisório as-
sim explicita inicialmente, no tocante ao tema da educação, uma avalia-
ção sobre a segunda metade do século XIX:

Ao balancear, na primeira parte desta Mensagem, as re-


alizações do regime monárquico, deixei acentuado que o
país, depois de meio século de vida política independente,
estava ainda com os dois problemas capitais da sua orga-
nização para resolver: o trabalho e a educação. (BRASIL,
1933, p. 137).

56 Com relação a esta, argumenta a mesma Mensagem que a criação


do Ministério da Educação e Saúde reflete a preocupação de encarar
seriamente a solução do problema educacional (BRASIL, 1933, p. 137).
Com relação à educação ainda, argumenta avaliativamente sobre a Pri-
meira República:

[...] nada temos feito de orgânico. Existem iniciativas par-


ciais em alguns estados, embora incompletas e sem siste-
matização. Quanto ao mais, permanecemos no domínio
ideológico das campanhas pro-alfabetização, de resulta-
dos falhos, pois o simples conhecimento do alfabeto não
destróe a ignorância nem conforma o caráter (BRASIL,
1933, p. 138).

Tais problemas capitais, o da educação e do trabalho, por conse-


guinte, também eram candentes para a Segunda República. No tocante
à educação do povo, problema capital naquela conjuntura, o progresso
se apresenta como intencionalidade principal e em sua base se encontra
a instrução primária e a técnica e profissional:
5 No âmbito da CEPAL, em alguns documentos (de 1950, 1962 e 1963), “[...] desenvolvimento é um processo
que tem como eixo a acumulação de capital, mesmo que se encontre acompanhada pela incorporação do
progresso técnico que se expressa no aumento da intensidade de capital, das técnicas produtivas e da pro-
dutividade do trabalho” (ALPÍZAR, 2001).
Capítulo 2

Todas as grandes nações, assim merecidamente consi-


deradas, atingiram nível superior de progresso, pela
educação do povo. Refiro-me à educação, no significado
amplo e social do vocábulo: física e moral, eugênica e
cívica, industrial e agrícola, tendo, por base, a instrução
primária de letras e a técnica e profissional. (BRASIL,
1933, p. 138).

Na mesma Mensagem de 1933, Getúlio Vargas reclama do analfabe-


tismo brasileiro, um peso morto para o progresso da nação, defendendo
que o ensino é matéria de salvação pública:

Devemos repetir que educar não consiste somente em en-


sinar a ler. O analfabetismo é estigma de ignorância, mas a
simples aprendizagem do alfabeto não basta para destruir
a ignorância. A massa de analfabetos, peso morto para o
progresso da nação, constitue mácula que nos deve enver-
gonhar. É preciso confessá-lo corajosamente, toda a vez
que se apresentar ocasião. Cumpre faze-lo aqui, não para
recriminar inutilmente, mas apenas para nos convencer-
mos de que o ensino é matéria de salvação pública. (BRA-
SIL, 1933, p. 142-143). 57

A Mensagem de 1949 versa também sobre o progresso, mas de ordem


material, concebido também como dependente do nível de educação do
povo. Não se pode esquecer que o censo de 1950 registra o analfabetismo
em 50,5% (FERRARO, 2009), levando-se em conta a população de 15 anos
ou mais. O progresso material resulta de uma propulsão advinda da edu-
cação do povo:

É certo que a solução do problema está vinculada a fatôres


e circunstâncias inerentes ao estágio econômico e social do
país, que reflete o grau de progresso material atingido. No
entanto, se o Govêrno Federal não levar a cabo uma deci-
siva campanha de ensino, o Brasil se debaterá indefiniti-
vamente num círculo vicioso já que é óbvia a dependência
do progresso material em relação ao nível de educação do
povo. (BRASIL, 1949, p. 118).

Informações estatísticas de ordem educacional, na mensagem de


1951, quando Vargas ocupou novamente a Presidência da República,
agora pela via democrática, elogiam o período entre 1932 e 1946. Na
verdade, trata-se de um autoelogio:
História da Escola Primária no Brasil

Cumpre promover a continuidade do crescimento do siste-


ma educacional do País, que tanto impulso tomou depois
de 1930. Os dados estatísticos mostram que quase dupli-
cou, entre 1932 e 1946, o número de unidades escolares,
pois passaram, nesse período, de 29.948 a 54.480, enquan-
to o discipulado nelas incluído subiu de 2.274.213 para
4.461.328 alunos. (BRASIL, 1951, p. 210).

Aliás, tais estatísticas são compreendidas pela mesma Mensagem


como acionadoras do progresso educacional. E o Estado não deixa de
ser colocado no palco:

Êsses são índices animadores do nosso progresso educacio-


nal, que, se teve sua causa, em parte, na própria transfor-
mação da estrutura social e econômica do País, não deixou,
também, de expressar a ação disciplinadora e estimuladora
do Estado. [...] Ao deixar o Govêrno, em 1945, a organiza-
ção do sistema escolar já havia assumido sua feição atual,
por intermédio das leis orgânicas relativas a quase tôdas as
modalidades de ensino. As últimas dessas leis, as do ensi-
no normal e do ensino primário, foram promulgadas em
58 1946, mas o estudo de sua elaboração iniciou-se antes dessa
data. (BRASIL, 1951, p. 210).

Em 1952, uma mensagem mineira enfoca o progresso econômico


como aquele que asseguraria às classes menos favorecidas um nível de
vida mais elevado:

Evidentemente, a solução deste problema não pode


ser surpreendida apenas no campo educacional, já que
muitos escolares deixam a escola premidos por circuns-
tâncias de ordem econômica. No caso, a situação se
acomodaria em função de nosso progresso econômico,
capaz de assegurar às classes menos favorecidas um ní-
vel de vida mais elevado, permitindo aos pais a manu-
tenção de seus filhos nas escolas pelo menos durante
todo o estágio primário. (MINAS GERAIS, Mensagem,
1952, p. 230).

Na mesma Mensagem, encontra-se referência ao progresso cultu-


ral, posto que os índices de matrícula geral do país são interessantes;
porém reconhece a evasão escolar premida por fatores econômicos
(MINAS GERAIS, Mensagem, 1952).
Capítulo 2

A Mensagem mineira de 1953 também confere ao desenvolvimento


cultural em suas várias expressões, inclusive a escolar, o caráter derea-
lização do progresso:

O progresso do ensino em Minas tem correspondido aos


esforços consideráveis que o Governo e o povo empreen-
dem para recolocar o Estado num nível de engrandecimen-
to que se traduza na criação de condições capazes de asse-
gurar o bem-estar geral. (MINAS GERAIS, 1953, p. 168).

Mais adiante e na mesma página, a temática é retomada:

Somente a valorização do homem, através do desenvol-


vimento cultural em suas múltiplas expressões, poderá
conferir à coletividade aquelas qualidades distintivas que
a habilitam para a realização mais ampla e acelerada do
progresso. (MINAS GERAIS, 1953, p. 168).

Na Mensagem de 1959, o governador goiano José Feliciano Ferreira


ressaltou a atenção que vinha sendo dada por seu governo àeducação
e àcultura, especialmente naquele momento em que se concretizava a
construção de Brasília e a transferência da capital federal para os alti- 59
planos de Goiás. Em seguida, informou que a rede de escolas primá-
rias de Goiás passara por “progresso extraordinário” em 1958, mas que
diante das “[...] necessidades do Estado de Goiás – hoje sabidamente a
maior frente de migração do País[...]”, uma reorganização da rede esco-
lar primária seria realizada com a criação de mais “[...] 500 cargos para
o magistério e 270 cargos para os servidores subalternos dos estabeleci-
mentos escolares [...]” (GOIÁS, 1959, p. 48).
A Mensagem do governo federal, sob a presidência de Juscelino Ku-
bitschek, revela dois termos conexos, dando a entender que o progresso
resulta do desenvolvimento (trata-se aqui do período relativo aos anos de
1950, que expressa a orientação filiada ao nacional-desenvolvimentismo).
O termo desenvolvimento irá ganhando visibilidade em vista da
criação, em 1948, da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU). Postulava
essa Comissão o nacional-desenvolvimentismo, concebendo a industriali-
zação como estratégia de superação do subdesenvolvimento latino-ame-
ricano. A categoria progresso, por conseguinte, irá perdendo a sua vigên-
cia como orientadora do processo social. Um exemplo disso é o “Esboço
de um programa de desenvolvimento para a economia brasileira no perí-
odo de 1955 a 1960”, elaborado por Celso Furtado. Sintonizando-se a essa
perspectiva industrializante, confira um trecho da Mensagem de 1958:
História da Escola Primária no Brasil

O apêlo que se fez, nesse conclave, a todos os Governos


sul-americanos, em prol da implantação do sistema escolar
primário de seis anos para toda a população, obedeceu a
um imperativo do ciclo econômico em que ingressa a Amé-
rica do Sul, com sua crescente industrialização. Nosso País
ocupa, nesse movimento, posição de vanguarda. (BRASIL,
1958, p. 246).

Um trecho da Mensagem federal de 1956 explicita como o termo


desenvolvimento se torna central, mas ainda submetido à mola propul-
sora, o progresso:

O vigoroso e crescente desenvolvimento da estrutura


econômica do País vem criando novas condições de vida
social. Consequentemente, impõe-se a adoção de novos
processos educativos e a atualização dos em vigor, a fim
de que encaminhem as novas gerações ao estágio de desen-
volvimento sócio-cultural requerido por êsse progressivo
e acelerado desenvolvimento. Só assim educada, poderá
a geração nova, participando do progresso nacional, con-
tribuir para a conquista da grandeza econômica do Brasil.
60 (BRASIL, 1956, p. 196).

Na Mensagem de 1959, o Presidente da República sintetiza o norte


de suas avaliações e iniciativas ao afirmar que não adiantava apenas
cuidar da expansão escolar:

[...] abrir escolas para semear progresso e desenvolvimen-


to. Tão pouco se admite que o desenvolvimento, por si só,
espontâneamente, faça surgir o sistema educacional que o
sustente e consolide. A idéia dominante, entre os educado-
res do nosso tempo, é de que cumpre criar escolas adequa-
das, capazes de transmitir experiências, atitudes e hábitos,
requeridas em cada estádio do desenvolvimento. (BRASIL,
1959, p. 215).

Contudo, a mesma Mensagem federal de 1959 confere centralidade


ao desenvolvimento, expressamente concebido como aquele que abre ca-
minhos à cidadania, mas fundada na produtividade; no entanto, também
a educação é afirmada como responsável pelo desenvolvimento brasileiro:

Cumpre articular o nosso sistema educacional com o de-


senvolvimento, a partir da escola elementar, onde o ci-
Capítulo 2

dadão de aptidões comuns deve ser preparado para que


atinja a produtividade requerida pela moderna sociedade
industrial, e o elemento mais apto deve ser descoberto e
cultivado, para que, encaminhado a outros níveis de ensi-
no, possa servir aos superiores interêsses da nossa cultura.
Na educação se joga [...] o destino do nosso desenvolvi-
mento. (BRASIL, 1959, p. 26).

Também a Mensagem federal de 1958 se revela ancorada na ideia


de desenvolvimento. Para isso, trata-se de realizar uma “ampla reforma
no sistema educacional”:

Por tudo quanto dissemos, acerca dos problemas


do nosso desenvolvimento econômico, vereis que
este, exigindo grande esfôrço técnico, em diferen-
tes níveis, impõe, forçosamente, ampla reforma no
sistema educacional do País. Torna-se imperioso
que a escola ministre, aos futuros trabalhadores,
conhecimentos que lhes permitam o desempenho
das atividades que são chamados a exercer, e que
lhes assegure nível de vida condigno. Cursos com-
plementares ao primário deverão ser criados, para 61
orientação profissional dos escolares. (BRASIL,
1958, p. 23).

A Mensagem federal de 1961, já sob o governo de Jânio Quadros,


configura as relações entre a escola pública e a escola particular, uma
associação necessária em vista da redenção do País pela educação, re-
ferência essa em acordo com a direção que iria tomar a primeira LDB,
publicada em 20 de dezembro de 1961:

Escola pública e escola particular têm o seu papel no es-


fôrço comum de redenção do País pela educação. O que se
deve esperar dêsse novo estatuto legal é a regulamentação
dos preceitos constitucionais, permitindo a libertação do
processo educacional das peias e imposições burocráticas,
para dar lugar à diversidade de currículos e à flexibilidade
dos programas. Nestas condições, reintegrar-se-à o Minis-
tério da Educação e Cultura nas suas funções precípuas de
orientador e estimulador dos programas das unidades fe-
derativas. (BRASIL, 1961, p. 57).
História da Escola Primária no Brasil

O sistema educativo como instrumento para a


democracia e para a igualdade de oportunidades

Aliada à noção de progresso, desenvolvida naseção anterior, situa-


se a concepção de democracia também associada à educação do povo.
Porém, a democracia se encontra hierarquicamente submissa à noção de
progresso. Revela-se este como uma intencionalidade última, à qual se
persegue com democracia. Progresso e democracia, em sentido moder-
no, envolvem concepções republicanas e liberais:

[...] a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquia-


vel, nascida com o Estado moderno na forma das grandes
monarquias, segundo a qual as formas históricas de Go-
verno são essencialmente duas: a monarquia e a repúbli-
ca, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de
república (a outra é a aristocracia), onde se origina o inter-
câmbio característico do período pré-revolucionário entre
ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo ge-
nuinamente popular é chamado, em vez de Democracia,
de república. (BOBBIO, 1986, p. 319-320).
62
Em termos conceituais, cabe ainda esclarecer sobre as relações en-
tre liberalismo e democracia:

[...] ao longo de todo o curso de desenvolvimento que chega


até nossos dias, o processo de democratização, tal como se
desenvolveu nos Estados, que hoje são chamados de Demo-
cracia liberal, consiste numa transformação mais quantitativa
do que qualitativa do regime representativo. Neste contex-
to histórico a Democracia não se apresenta como alternativa
(como seria no projeto de Rousseau [...]) ao regime represen-
tativo, mas é o seu complemento; não é uma reviravolta mas
uma correção. (BOBBIO, 1986, p. 324).

Retornando à análise em curso, há alguns exemplos dessa arti-


culação entre democracia e educação no discurso oficial republicano,
expressos por várias Mensagens (federal, mineira e paulista), particu-
larmente no período após a era Vargas (esta, um período da história bra-
sileira muito pouco democrático, em especial durante o Estado Novo).
Nas Mensagens dos governadores goianos, a articulação entre educação
e democracia não foi evidenciada tal como ocorreu nas mensagens dos
presidentes e dos governadores paulistas e mineiros, nas quais se advo-
Capítulo 2

ga o sistema educativo como esclarecimento do povo e como prepara-


ção para a prática democrática:

Sem discriminar, aqui, as providências destinadas a saldar


a nossa dívida para com a geração atual e as futuras, desejo
acentuar que se tem em mira converter o sistema educativo
num instrumento de esclarecimento do povo e de prepa-
ração para a prática da verdadeira democracia. (BRASIL,
1947 p. XVIII).

Em outro trecho da mensagem de 1947, encontra-se o mesmo dia-


pasão em torno da educação como condição para o exercício da demo-
cracia: “Na verdade, todos os direitos entre nós serão vãos, e o exercício
da democracia uma realidade distante, enquanto a maioria de nosso
povo não possuir educação e discernimento dos seus direitos e deveres
[...]” (BRASIL, 1947, p. 25). Pela educação, por conseguinte, se conse-
gue o esclarecimento e a consciência. A educação, então, se constitui em
ponte para tornar possível a democracia, uma tônica também presente
nas duas citações anteriores, em que se acentua a concepção de que a
educação expressa uma finalidade política:

Os problemas da educação merecem consideração prima-


63
cial, pois que a eles se acham diretamente ligadas as pos-
sibilidades do êxito da democracia em nosso País, sendo
certo que a prática de seus postulados só poderá ser plena-
mente alcançada quando se alicerçar numa opinião pública
consciente e esclarecida por sólida e generalizada educação.
(BRASIL, 1947 p. 28).

Em referência ao projeto da Lei de Diretrizes e Bases, cuja Comissão


referida pela citação, foi constituída em 1947, exprimem-se expectativas
com relação à democracia sob a forma federativa como norte para a po-
lítica educacional que se instaurava após a era Vargas. Segundo Carone
(1985a,1985b), trata-se da República Liberal, cujo período inicia-se em
1945 e se conclui em 1964.

No intuito de fornecer subsídios técnicos ao Poder Legis-


lativo, designamos uma comissão de quinze especialistas
em educação e administração escolar, para proceder à ela-
boração de um anteprojeto de “Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional”, na qual deverão ser não só definidas
as linhas fundamentais de nossa política educacional, mas
também adaptados aos postulados e princípios do regime
História da Escola Primária no Brasil

democrático e federativo, reinstaurado no país, a legislação


e o aparelhamento técnico do ensino. (BRASIL, 1948, p. 54).

A preocupação com a democracia e a educação é afirmada como


binômio imperativo: “O binômio Democracia-Educação tornou-se, por
outro lado, imperativo, e a obra empreendida no interior do Brasil quer
nos domínios do ensino primário-rural, quer nos do ensino normal, visa,
confessadamente, acudir a essa necessidade [...]” (BRASIL, 1950, p. 113).
São várias as manifestações de ordem textual nas Mensagens mi-
neiras no tocante ao republicanismo enquanto “[...] doutrina política
que prega a excelência dos ideais republicanos.” (HOUAISS, 2001). Tais
aspirações se revelam por expressões como democratização da cultura, re-
clamos culturais do Estado ou preceito democrático.
A propósito, observe-se que o trecho a seguir tem o republicanismo
como preceito vinculado à locuçãodemocratização da cultura: “Estamos
longe de poder atender ao preceito de democratização da cultura, no
que se refere ao mais amplo e cada vez mais extenso acesso da popula-
ção infantil, pelo menos, aos estabelecimentos de ensino primário oficial
[...]” (MINAS GERAIS, 1951, p. 172).
A Mensagem mineira de 1952 revela, pelo trecho a seguir, a inca-
pacidade administrativa mineira em vista do atendimento ao preceito
64 democrático, bem como à gratuidade e universalidade:

O simples enunciado do ‘deficit’ escolar, traduzido na falta


de assistência educacional a milhares de crianças, que cons-
titui para nós motivo de permanente preocupação e que
vem desafiando os esforços da administração mineira, está
a indicar a incapacidade do aparelhamento escolar para
atender ao preceito democrático e ao imperativo constitu-
cional da gratuidade e da universalidade de prestação do
ensino pelo Estado. (MINAS GERAIS, 1952, p. 229).

Há também questões relativas à realidade democrática no estado


de São Paulo; embora seja longa, a citação reúne muitos aspectos relati-
vos à política educacional naquele estado, bem como explicita aspectos
importantes em torno dos problemas aqui reunidos:

A educação elementar, cuja difusão tanto interessa ao País,


à sua realidade democrática, à sua unidade social, impôs
ao novo governo paulista problemas de suma gravidade:
déficit impressionante de prédios escolares; enorme con-
tingente de professores em permanente movimentação,
através de concursos de remoção que se arrastavam, mo-
Capítulo 2

rosos, pelo ano inteiro, volumoso número de educadores


primários desviados de seus cargos sem nenhum interesse
escolar, despovoando as escolas dos seus mestres e dupli-
cando os gastos do Estado, com prejuízo de novas classes
e cursos, grupos escolares com 3 ou 4 períodos de funcio-
namento, e sofrendo, em consequência, uma perda do seu
rendimento educativo; crianças portadoras de deficiências
físicas e mentais permanentes [...] progressiva redução do
teor qualitativo do ensino, traduzido no despreparo cada
vez mais acentuado das crianças que interrompem ou
concluem o seu curso na escola elementar. Acrescente-se
a essa relação os problemas da assistência médico-dentá-
ria a criança escolarizada; da remuneração do magistério;
da fixação do professor ao meio social; da adaptação dos
programas às peculiaridades locais; do ensino primário na
zona rural; da coincidência do ano escolar com o ano agrí-
cola; da cooperação municipal; da educação moral e cívica,
e tantos outros e ter-se-á o quadro de exigências indecliná-
veis que foi preciso enfrentar. (SÃO PAULO, 1957, p. 54).

A permear a concepção que defende as relações entre a democracia


e a educação, está ligada a questão relativa à igualdade de oportunida- 65
des. Nesse sentido, pode-se inclusive ponderar que a democracia é um
sistema político comprometido com a igualdade, que implica em igual-
dade, uma vez que sustenta a distribuição equitativa do poder entre os
homens de uma dada sociedade; ou seja, todos os homens vivem sob o
teto da mesma lei, o que lhes resguarda os mesmos direitos e deveres.
Evidentemente, a igualdade se revela como um dos princípios fun-
dantes da visão de mundo liberal: “O liberalismo clássico afirmava que a
Igualdade de oportunidades é possível mediante a igual atribuição dos
direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade e à propriedade’ [...]” (OPPE-
NHEIM, 1986, p. 604). Trata-se, como se vê, de uma igualdade de direi-
tos, como o faz a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 –– os homens nascem e são livres e iguais em direitos:

Mais tarde veio a reconhecer-se que a Igualdade de direi-


tos não é suficiente para tornar acessíveis a quem é social-
mente desfavorecido as oportunidades de que gozam os
indivíduos socialmente privilegiados. Há necessidade de
distribuições desiguais para colocar os primeiros ao mes-
mo nível de partida; são necessários privilégios jurídicos e
benefícios materiais para os economicamente não privile-
giados. (OPPENHEIM, 1986, p. 604).
História da Escola Primária no Brasil

Como se denota, trata-se de uma tensão entre a igualdade de opor-


tunidades e a igualdade de condições sociais. A primeira não seria capaz de
resolver as desigualdades.
Na verdade, também a orientação republicanista em sentido mo-
derno se assenhora da visão de mundo liberal, e passa a expressar-se
pela constituição, como afirma Kant (1943), a qual revela e estrutura
os princípios e as diretrizes para as relações societárias no âmbito do
Estado-Nação.
O Brasil se torna republicano em 1889. Avaliativamente e distante
dessa data, a citação referida à mensagem de 1947 está afirmando que
o sistema educativo está longe de assegurar a igualdade de oportuni-
dades: “Por muito que tenhamos progredido durante os últimos anos,
devemos reconhecer que o nosso sistema educativo ainda está longe de
ser, como devera, poderoso instrumento assegurador da igualdade de
oportunidades [...]” (BRASIL, 1947, p. 28).
A mesma mensagem de 1947 reflete também sobre a questão, expli-
citando que a igualdade de oportunidades começa pelo ensino primário:
“É mister dar a cada brasileiro igualdade de oportunidade, a começar
pelo ensino primário, extensivo aos adultos, tanto mais quanto nossa
população escolar vem apresentando nos últimos tempos progressivo
declínio [...]” (BRASIL, 1947 p. XVIII).
66 Todavia, a mensagem de 1949 revela uma questão muito perti-
nente à análise da igualdade de oportunidades, vistoque em seu in-
terior está implicitamente posta a questão da igualdade de condições
sociais. Essa perspectiva apresentar-se-ia como superação da clássica
igualdade de oportunidades. Afirmar a igualdade de condições so-
ciais implica em uma diferenciada democratização do ensino. O Es-
tado deveria cumprir os direitos sociais, e a educação seria um deles:

O ideal da democratização do ensino, tendência predo-


minante nos países de cultura europeia desde a Primeira
Grande Guerra, ainda não logrou até hoje lançar, no Brasil,
raízes profundas que produzissem efeitos duradouros. A
educação em nossa terra ainda não permite, ao indivíduo,
independentemente de condições sociais, perfeita realiza-
ção de sua personalidade, a par de uma soma de conhe-
cimentos técnico-profissionais capazes de garantir-lhe a
existência e de situá-lo como valor real entre as fôrças pro-
dutivas da nação. (BRASIL, 1949, p. 111-112).

No entanto, a referida mensagem, em sua sequência discursiva,


não faz a mesma distinção há pouco comentada; pelo contrário, defende
que a escalada pelos diferentes níveis de escolaridade está fundada “na
Capítulo 2

oportunidade”. Os únicos obstáculos seriam os talentos e os dotes espe-


ciais; estariam também infundados, pela compreensão da Constituição
de 1946, os privilégios:

O sistema educacional consagrado pelos Constituintes de


1946 repousa, com efeito, na oportunidade, que facilita
a qualquer brasileiro, — pobre ou rico, da cidade ou dos
campos, – de escalar, até ao último degrau, a chamada ‘es-
cada educacional’, com a única restrição dos limites de seu
talento e de seus dotes pessoais.
Desdobrando tais premissas, o Govêrno procurou plane-
jar uma educação básica que permita a qualquer indiví-
duo verdadeiramente capaz ascender da escola primária,
através da secundária, à educação superior e participar
das classes dirigentes do país, escolhido assim sem aten-
ção a privilégios de qualquer natureza. (BRASIL, 1949, p.
111-112).

Também a mensagem federal de 1951 retoma a questão da desi-


gualdade de oportunidades, o que espelha a visão de mundo liberal,
posto que elas são o norte da análise da política educacional republi-
cana. Evidentemente, não está em jogo apenas uma avaliação anual re- 67
ferente ao ano de 1950, uma vez que afirma a necessidade de formação
fundada na iniciativa individual e no espírito de cooperação.
Na verdade, as considerações finais consideram que a igualda-
de de oportunidades é uma questão de justiça, o que significa que
o limite para a escolarização estaria assentado nela. A igualdade de
condições sociais remeteria para uma tarefa política, que buscasse a
superação da igualdade de oportunidades:

Um grande país é, em última análise, uma comunidade de


homens de forte capacidade de iniciativa individual e de
vivo espírito de cooperação. Sem o desenvolvimento des-
sas duas qualidades, a solução dos desequilíbrios sociais
passa a depender, integralmente, de um Estado hipertró-
fico e onipresente, que deverá tudo prever, de quem todos
esperamtudo e ao qual se opõem óbices pela proposição de
problemas particulares, que não podem ser enquadrados
em esquemas de soluções gerais.
A escola é instrumento insubstituível na formação dessas
duas qualidades, sobretudo a escola que vá além da sim-
ples alfabetização e prepare o homem para a solução dos
problemas do meio onde vive. Sem êsse instrumento, ou
História da Escola Primária no Brasil

com sua existência em grau escasso, ocorre a desigualdade


das oportunidades, alarga-se a área de injustiças e insatis-
fações. (BRASIL, 1951, p. 210).

A educação nacional, condição indispensável


para a construção da nacionalidade

A representação salvacionista da importância da educação para o


futuro do país já estava presente nos discursos políticos do Império e da
Primeira República. Entre as décadas de 30 e 60 do século XX, essa repre-
sentação foi reavivada com dois sentidos fortes: o da organização da edu-
cação nacional e o da nacionalização do ensino. Especialmente durante a
Era Vargas (1930–1945), a questão da educação nacional ganhou ênfase
destacada. Na Mensagem de 1933, Getúlio Vargas ressalta a relevância
do problema ao afirmar: “A verdade é dura, mas deve ser dita. Nunca,
no Brasil, a educação nacional foi encarada de frente, sistematizada, eri-
gida, como deve ser, em legítimo caso de salvação pública.” (BRASIL,
1933, p.139). Na mesma direção, o Presidente argumenta sobre o papel da
União no desenvolvimento da educação popular ao afirmar caber: “[...]
68 à União o direito de organizar e superintender, fiscalizando-os, todos os
serviços de educação nacional.” (BRASIL, 1933, p. 142).
A estruturação da educação nacional, responsabilidade assumida
pelo governo federal, não se restringe, portanto, à criação de órgãos de
acompanhamento, controle e fiscalização como o Ministério da Educa-
ção e Saúde Pública, mas exige uma política articulada e sistematizada
por meio de um plano nacional de educação. Assim, na Mensagem de
1935, Getúlio Vargas sublinha os avanços preconizados na Constituição
de 1934 sobre a questão:

A Constituição Federal, em dispositivos claros e precisos,


encarou de frente o problema da educação nacional. Não
podia, evidentemente, descer a detalhes ao estabelecer as
atribuições conferidas à União e aos Estados. Delimitou,
entretanto, essas atribuições e ao mesmo tempo fixou os
lineamentos gerais do plano nacional de educação, com-
preensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e
especializados. (BRASIL, 1935, p. 82-83).

Na Mensagem de 1937, o Presidente expõe as iniciativas do governo


em prol da lei nacional de educação que vinha sendo discutida e propos-
ta pelo Conselho Nacional de Educação:
Capítulo 2

A idéia de se dar à educação nacional uma lei única, com-


pêndio dos princípios e das disposições estruturais da edu-
cação, nos seus vários aspectos e modalidades, deverá con-
verter-se em realidade ainda este ano. [...] Há quase três
meses, o Conselho Nacional de Educação está elaborando
o projeto do plano nacional de educação que, dentro em
pouco, terá de ser submetido ao exame e à aprovação do
Poder Legislativo. (BRASIL, 1937, p. 124).

Porém, a instituição do Estado Novo selaria o destino do plano na-


cional de educação, o qual voltaria à baila somente com a redemocrati-
zação do país no final dos anos 40. Assim, na Mensagem de 1949, o Pre-
sidente Eurico Gaspar Dutra tece uma ácida crítica aos descaminhos do
plano nacional de educação e aos rumos seguidosna política autoritária
adotada anteriormente pelo governo Vargas:

A promessa feita na Constituição de 1934 não logrou con-


cretizar-se, pois, o Plano Nacional de Educação, previsto na-
quele Estatuto, foi relegado ao esquecimento. Ao contrário,
desenvolveu-se em seguida uma política educacional, que
se fundava em postulados autoritários e antidemocráticos,
deformando apouco e pouco os próprios fundamentos do 69
tradicional humanismo brasileiro. (BRASIL, 1949, p. 111).

Não obstante, o presidente reitera a relevância de uma lei nacional de


educação como instrumento de promoção da unidade nacional, da demo-
cracia e da ordem social e cujo anteprojeto encontrava-se em discussão.

Reconheceu-se, no anteprojeto, a necessidade de interfe-


rência do Estado na educação nacional, já que se trata de
um pressuposto que promanade objetivos superiores, tais
como: conservação da unidade nacional, funcionamento
democrático e redistribuição social dos indivíduos. (BRA-
SIL, 1949, p. 113).

A importância da educação para a construção da nacionalidade foi


uma temática central no discurso e nas iniciativas do governo federal
nos anos 30 e 40. A heterogeneidade do povo brasileiro decorrente da
herança da colonização e da grande imigração ocorrida no final do sé-
culo XIX e início do século XX foiconsiderada um problema de Estado
para cuja solução deveria concorrer a educação, por meio da nacionali-
zação do ensino. Especialmente durante o Estado Novo, a política edu-
cacional de nacionalização foi incisiva e truculenta. A esse respeito, são
História da Escola Primária no Brasil

esclarecedoras as ponderações feitas por Schwartzman, Bomeny e Costa


(2000, p. 91) no livro intitulado Tempos de Capanema:

Mencionada e incluída na pauta de discussões desde o


início do século, a questão da nacionalização do ensino
encontraria no Estado Novo o momento decisivo de sua
resolução. Não é absolutamente gratuito esse fato [...]. De
um lado, havia a disposição do governo de enfrentar re-
sistências à imposição de procedimentos coercitivos; de
outro, uma conjuntura onde toda a ideologia dominante
estava fundamentada na afirmação da nacionalidade, de
construção e consolidação do Estado Nacional. Não havia,
em projetos nacionalistas como o do Estado Novo, espaço
para a convivência com grupos culturais estrangeiros for-
tes e estruturados nas regiões de colonização.

Na Mensagem de 1937, Getúlio Vargas assinala a intenção clara


do governo de nacionalização do ensino: “Utilizando os novos recur-
sos postos à sua disposição, o Governo poderá, daqui em diante, atuar
mais energicamente no sentido de difundir e nacionalizar o ensino pri-
mário” (BRASIL, 1937, p. 131).
70 Seguindo as orientações do Estado Novo, a nacionalização do en-
sino foi também observada pelos interventores do estado de São Paulo.
A propósito da Campanha Nacionalista levada a termo neste estado, o
interventor Adhemar Pereira de Barros foi enfático no Relatório sobre a
sua administração apresentado a Getúlio Vargas, referente aos anos de
1938 e 1939: “Cabe à escola, portanto, colaborar diretamente na adap-
tação e assimilação dos estrangeiros que trabalham no nosso território,
defendendo a nacionalidade, dela eliminando corajosamente os fatores
de dissociação e anarquia” (SÃO PAULO, 1939, p. 82).
A Campanha Nacionalista em São Paulo imbuía-se da convicção
no papel nacionalizador da escola primária. Medidas administrativas
e pedagógicas foram tomadas no sentido de assimilar o estrangeiro in-
cluindo o fechamento de escolas, a censura a materiais didáticos, a exi-
gência do ensino em Língua Portuguesa, a criação de escolas públicas
em núcleos de população imigrante, o culto ao Pavilhão Nacional e a
realização de festasescolares com exaltação cívico-patriótica. Assim, em
outro trecho de seu Relatório, Adhemar de Barros enfatiza o controle do
estado sobre a população estrangeira:

A vigilância recrudesceu em torno dos núcleos de população


marcadamente estrangeira, como Lins, Santos, Bauru e Pre-
sidente Prudente. Criou-se, na Seção de Ensino Municipal e
Capítulo 2

Particular um sistema de fichas de professores e de escolas


com todos os dados referentes a cada indivíduo ou unidade
escolar, capaz de controlar a qualquer momento, o ensino
particular, no Estado inteiro. (SÃO PAULO, 1939, p. 82).

O grande espectro da construção da nacionalidade demandava a


unificação das diferenças e a escola foi chamada a contribuir nas suas
atividades educativas cotidianas, submetidas obviamente ao controle
do estado. Como observado pelo interventor Adhemar de Barros: “As-
sim, entre outras determinações, os programas de festas dessas escolas
ficaram sujeitos ao visto das autoridades de ensino, não sendo permiti-
do, sob qualquer pretexto, números em língua estrangeira.” (SÃO PAU-
LO, 1939, p. 84-85).

O magno problema da disseminação do ensino


primário nas zonas rurais

Uma nova sensibilidade para o problema da educação elementar no


campo é perceptível nas mensagens dos governos federais e estaduais
no período da Segunda e da Quarta República (1930–1937 e 1945–1964 71
respectivamente). Aliadosà questão maior da universalização do ensino
primário, o déficit da educação nas zonas rurais e os problemas a serem
enfrentados para a disseminação do ensino no campo são temas reinci-
dentes contemplados nas Mensagens Presidenciais e dos governadores.
Alvo da ação do poder público, intensificada no período de 1930 a 1960,
a educação primária rural não é apenas normatizada e regulamentada,
mas resulta de política deliberada de construção de escolas, de amplia-
ção de vagas e de projetos de inovação pedagógica.
No emaranhado problema da educação do povo, estava em dis-
cussão qual a melhor educação a ser dada às camadas populares e, em
especial, para o homem do campo. Na Mensagem de Getúlio Vargas de
1933, está presente a defesa da educação profissional e técnica, e para o
sertanejo, uma educação voltada para a profilaxia e a fixação do traba-
lhador nas zonas rurais:

A instrução que precisamos desenvolver, até o limite ex-


tremo das nossas possibilidades, é a profissional e técni-
ca. Sem ela, sobretudo, na época caracterizada pelo pre-
domínio da máquina, é impossível trabalho organizado.
A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo, quase
abandonado a si mesmo, a consciência dos seus direitos e
História da Escola Primária no Brasil

deveres; fortalecer-lhe a alma, convencendo-o que existe


solidariedade humana; enrijar-lhe o físico pela higiene e
pelo trabalho, para premia-lo, enfim, com a alegria de vi-
ver proveniente do conforto conquistado pelas próprias
mãos. (BRASIL, 1933, p. 138-139).

As Mensagens federais ressaltam a atuação do Instituto Nacional de


Pesquisas Educacionais – INEP na promoção da educação rural atuando
nas ações de financiamento e de construção de prédios. Na Mensagem de
1947, nota-se o direcionamento dado pelo governo para o problema:

Ao órgão federal orientador dos problemas pedagógicos


foi confiada a missão de selecionar os tipos mais apro-
priados e econômicos de prédios escolares, para as zonas
rurais, e de distribuir, equitativamente, os novos recursos
disponíveis entre as unidades da Federação, mediantes
acordos bilaterais. (BRASIL, 1947, p. 30).

Em outro trecho da Mensagem de 1947, sobressai, mais uma vez,


a problemática das construções escolares e da preparação do professor
primário para atuar nas zonas rurais:
72
Dispondo já no corrente ano de uma verba de 147 milhões e
800 mil cruzeiros, o plano do Governo Federal é de ampliar
a sua ação para a construção de mais 2 mil escolas e estender
sua ação supletiva também à criação de 40 escolas normais
para a formação de professores rurais, integrados nas con-
dições de vida e nos problemas específicos e imediatos ás
zonas em que se processará sua atividade docente. A falta
de um professorado primário, recrutado entre as próprias
populações rurais e preparado especialmente para enfren-
tar os problemas do meio, era, até hoje, uma das mais graves
lacunas do nosso sistema escolar primário e uma das prin-
cipais causas do analfabetismo que grassa em nosso meio
rural. (BRASIL, 1947, p. 30).

As ideias ruralistas em debate no Brasil desde os anos 20 flores-


ceram nas décadas de 30 e 40 do século XX e foram incorporadas nas
propostas de educação rural levadas a termo pelos governos federais
e estaduais.6 O ensino típico rural tornou-se uma expressão a mais do
6 Segundo Nagle, a ruralização do ensino constituiu-se em uma ideologia em desenvolvimento nos
anos 20 que postulava a diferenciação entre o tipo urbano e rural da escola primária e da escola
normal. Esse conjunto de ideias significou “[...] a colaboração da escola na tarefa de formar a men-
talidade de acordo com as características da ideologia do ‘Brasil-país-essencialmente-agrícola’, o
Capítulo 2

ruralismo que defendia uma escola com proposta pedagógica específica


para o campo atendendo as especificidades da população do meio rural.
Escolas típicas rurais, grupos escolares rurais e escolas normais rurais
tornaram-se manifestações inequívocas das políticas especiais para a
educação rural7.
Na Mensagem paulista de 1948, o então eleito governador Adhe-
mar Pereira de Barros expõe as propostas ruralistas postas em prática
pelo governo com vistas a “[...] valorizar o homem do campo pela edu-
cação, criando-lhe ambiente propício à sua fixação condigna no meio
rural [...]” (SÃO PAULO, 1948, p. 73). Nessa direção, o governo, com
base nos acordos estabelecidos com a União, vinha investindo na cons-
trução de escolas típicas rurais:

Aproveitando esses prédios escolares, que possuem residên-


cia do professor, sala de aula e um alqueire de terras, o Govêr-
no decretou, em dezembro último a transformação e criação
de 44 escolas típicas rurais, empreendimento, este, de grande
alcance e indiscutível utilidade. (SÃO PAULO, 1948, p. 75).

Ainda sobre as escolas típicas rurais, a mensagem do governador


Lucas Nogueira Garcez em 1951 registrava a criação de 22 escolas:
73
[...] tais escolas, que possuem prédio próprio com residên-
cia para o professor, construído nos moldes do convênio
entre a União e o Estado, são dotadas de uma área mínima
de dez mil metros quadrados, destinada a práticas agríco-
las. Outros prédios, em vias de conclusão, destinar-se-ão a
novas escolas para o ensino especializado – o típico rural.
(SÃO PAULO, 1951, p. 81).

Contudo, os recursos da União para a construção de escolas rurais


eram considerados insuficientes. O mesmo governador afirma:

Desde o ano de 1946, tem o Ministério da Educação, por


intermédio do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos,

que importava, também, em operar como instrumento de fixação do homem no campo” (NAGLE,
1974, p. 234).
7 Em relação ao ensino típico rural, vale assinalar a conceituação exposta pelo governador paulista Jânio
Quadros, em mensagem de 1957: “O ensino típico rural é uma modalidade de ensino especializado
para a criança da roça. Além de programa próprio, relativo ao aprendizado das atividades agrícolas
e higiene rural, caracteriza-se por ser ministrado nos grupos rurais mediante um sistema de estudo
teórico-prático, que leva o estudante a comparecer à escola nos dois períodos, da manhã e da tarde. Re-
veste-se esse menino, por esse fato, de rico conteúdo educativo, como curso de preparação da criança e
do adolescente, para as atividades rurais e o convívio social da zona agrícola, em que reside. Constitui
tal ensino uma das faces da solução do problema da educação rural, de tão capital interesse para a
economia do Estado e o seu progresso político-social” (SÃO PAULO, 1957, p. 63).
História da Escola Primária no Brasil

mantido com o Estado de São Paulo, acordos para a cons-


trução de prédios para funcionamento de escolas nas zonas
rurais, com moradia do professor, auxiliando aquêle Minis-
tério, por unidade, com a importância de Cr$ 50.000,00 em
1946 e Cr$ 60.000,00 de 1947 em diante. Êsse auxílio tem sido
insuficiente em face do projeto a ser realizado; no entanto,
tem-se conseguido que as Prefeituras se encarreguem das
construções, cobrindo os excessos do orçamento. A coopera-
ção e a boa vontade das Prefeituras e também de particula-
res, têm sido consideráveis. (SÃO PAULO, 1951, p. 84).

O problema foi equacionado com a cooperação dos municípios,


conforme assinala a mensagem do governador Lucas Nogueira Garcez
de 1952.

Na maioria dos casos, a insuficiência das verbas concedidas


pelo Convênio foi suprida pela cooperação das Prefeituras
Municipais, que deram apoio decisivo, material e moral,
a esta campanha de melhoria das instalações dos estabe-
lecimentos escolares de suas zonas rurais. (SÃO PAULO,
1952, p. 106).
74
O desequilíbrio entre o crescimento populacional e o atendimento
educacional da população pelo crescimento das matrículas na rede públi-
ca e particular de ensino primário foi tratado pelos técnicos em educação
do Ministério da Educação e Saúde e pelos governos federais como “défi-
cit escolar” existente no país e como “crise de assistência educacional nas
regiões rurais”.
A propósito, na Mensagem de 1949, o Presidente Eurico Gaspar
Dutra discorre sobre a magnitude do problema do déficit educacional
nas zonas rurais do país:

A crise de assistência educacional se apresenta, contudo,


com aspectos ainda mais sombrios nas regiões rurais. De
fato, das crianças matriculadas no curso primário, 36% per-
tencem aos núcleos rurais, 50% às zonas urbanas e 12% às
zonas distritais. Concorrem para essa situação, além dos
fatores gerais e específicos decorrentes da rarefação demo-
gráfica e do baixo nível social e econômico, a falta de pré-
dios adequados e a insuficiência de professores habilitados.
Convém mesmo lembrar-vos que, de acordo com o último
inquérito realizado, de 28.302 prédios escolares destinados
ao ensino primário, apenas 4.927 pertenciam aos poderes
Capítulo 2

públicos e somente 70% dêstes haviam sido construídos es-


pecialmente para fins escolares. [...]
De acordo com essa orientação, teve início, a partir de
1946, a construção de unidades escolares nas zonas rurais,
de fronteira e de colonização, que foram aumentando no
último biênio de maneira a permitir que a colaboração fi-
nanceira e técnica da União produzisse os mais promisso-
res frutos. (BRASIL, 1949, p. 118-119).

Na mensagem encaminhada ao Congresso em 1950, o Presidente


volta a mencionar a situação precária do ensino primário no Brasil, es-
pecialmente nas zonas rurais:

Desde o início do atual governo, reconheci a insuficiência do


sistema de educação primária, salientando mesmo, em mi-
nha primeira Mensagem ânua, o fato alarmante de as uni-
dades escolares, que em 1942 chegavam a 43.975, estarem
diminuindo, gradualmente, numa redução alarmante, que
atingiu mais de 3.500 unidades num quinquênio, regressão
que se acusava também, conforme as estatísticas apuradas,
em extraordinário coeficiente de evasão escolar.
Êsse fenômeno era sobremaneira grave, pois atingia 75
principalmente as zonas rurais do país: enquanto nas
grandes cidades ou centros mais populosos do litoral
apenas 16% da população em idade escolar ficavam à
margem do sistema educacional, os números relativos a
todo o Brasil indicavam que cêrca de 60% dessa população
não eram atingidos pela rêde escolar existente.
Estas, quando existiam, eram pobres e mal instaladas,
operadas por professôres, econômica, fizeram com que o
sistema educacional primário do Brasil, pouco diferencia-
do qualitativo e tecnicamente, na praia como no sertão,
nas pequenas como nas cidades maiores, se tornasse qua-
se inócuo e despertasse muito pouco intêresse à popula-
ção rural. (BRASIL, 1950, p. 115).

Nessa direção, outro trecho da mensagem de 1950 retrata a ação do


governo em relação às construções escolares e a distribuição das escolas
primárias pelo país:
Embora adstrito a caracteres de padronização, o tipo de
construção obedece às condições de clima, e oferece a sin-
gularidade de possuir residência contígua para o professor,
dotada de recursos modernos, em contato com os quais o
História da Escola Primária no Brasil

aluno rural se familiariza com uma casa confortável, dife-


rente de sua choupana. Vale ainda ressaltar que o regime de
distribuição dessas escolas abrange não apenas a população
rural brasileira, senão também os habitantes das zonas de
fronteiras e colonização. Para os colonos estrangeiros, o siste-
ma apresenta características diferentes, baseadas no grau de
cultura e peculiaridades técnicas do alienígena, colimando,
principalmente, a nacionalização do ensino, para prevenir a
formação de quistos raciais no país. (BRASIL, 1950, p. 115).

A mensagem do Presidente Getúlio Dornelles Vargas de 1952 dis-


corre com detalhes sobre os problemas do déficit educacional no campo,
que na opinião do presidente precisava ser progressivamente anulado:

As estatísticas revelam a existência, nas zonas rurais do


País, de uma população de quase dois milhões e meio de
crianças de 7 a 11 anos que não são atingidas ou atraídas
pelo sistema escolar, que não buscam a escola, ou, se o fa-
zem, encontram, na deficiência de instalações adequadas,
o empecilho para a matrícula. [...]
Verifica-se, ainda, que há Unidades Federais que não aten-
76 dem teoricamente a 75% de sua população em idade esco-
lar; outras apresentam ‘déficit’ teórico entre 60 a 70%, bem
poucos Estados apresentam um déficit inferior a 50%’. A
verdade é que o quadro é realmente desolador, no que diz
respeito ao ensino primário. [...]
Pelo exame de matrícula escolar, chega-se à conclusão de
que a zona rural, por onde se distribuem cêrca de 30 mi-
lhões de brasileiros, está sofrendo uma acentuada crise de
assistência educacional. Com efeito, apenas 38% das crian-
ças matriculadas no curso primário pertencem às zonas
rurais, enquanto cêrca de 70% das crianças brasileiras aí
se encontra.
Tudo isso é, em parte, reflexo da carência de prédios esco-
lares adequados e da falta de professores habilitados, para
aludirmos apenas a dois importantes aspectos. (BRASIL,
1952, p. 274-275).

A regionalização do ensino, tema efervescente no debate educa-


cional no início do século XX encontra ressonância nas representações
presentes no discurso político dos anos 50. Na mensagem presidencial
de 1954, Getúlio Vargas reitera os objetivos do ensino primário e a impe-
riosa necessidade de sua diferenciação espaço-territorial:
Capítulo 2

No campo do ensino primário, prevalecem, entre outros, os


seguintes objetivos: estimular a criação de novos estabele-
cimentos, de modo a que se reduza ao mínimo possível a
porcentagem da população infantil sem escolas; cooperar
com os Estados para o preparo de professôres em número
que corresponda às necessidades regionais: ampliar e in-
tensificar a ação do Ministério da Educação e Cultura no
que se refere à cooperação com os Govêrnos locais para a
construção de prédio destinados a escolas, especialmente
na zona rural; cooperar com os Estados para a realização
de estudos, levantamentos e pesquisas a fim de ajustar o
ensino primário às reais condições de cada zona do país.
(BRASIL, 1954, p. 178).

A relação da União com estados e municípios na


expansão da escola primária

A descentralização política e administrativa da escolarização ele-


mentar que, no Brasil, transferiu a responsabilidade de criar e manter
escolas primárias é considerada pela historiografia da educação como 77
fonte de carências e precariedades neste nível educacional. Os governos
estaduais do pós-30 não deixaram de reclamar a participação da União
na expansão da oferta educacional elementar e ressaltar a insuficiência
das rendas para arcar com as demandas e necessidades escolares das uni-
dades federativas. É o caso, por exemplo, do Interventor de Goiás, Pedro
Ludovico Teixeira, no Relatório de 1933 quando chega a atribuir àUnião
o epíteto de “velha madrasta” (GOIÁS, 1933, p. 15) para explicitar o des-
caso do governo federal em relação à escolarização das crianças goianas.
De fato foi somente a partir do final dos anos 1940, que o governo
federal assumiu, efetivamente, uma postura colaborativa com as uni-
dades federativas e com os municípios para ampliação da rede escolar
primária em suas zonas urbanas e rurais. Tendo o INEP como opera-
dor, a partir do governo Gaspar Dutra os estados começaram a receber
recursos federais destinados, principalmente, àconstrução de prédios
escolares e formação de professores por meio de cursos de treinamen-
to. Ao longo do segundo governo de Getúlio Vargas, a colaboração da
União com as unidades federativas foi mantida praticamente nos mes-
mos termos: firmada por meio de convênios e focada na edificação de
instituições escolares primárias nas cidades – inclusive em suas zonas
suburbanas – e nas zonas rurais. Na Mensagem enviada àAssembleia
Legislativa de Goiás em 1952, o governador Pedro Ludovico Teixeira dá
História da Escola Primária no Brasil

conta da colaboração da União para a construção de escolas primárias


nas zonas rurais e em algumas cidades goianas:

O índice de construção de prédios escolares rurais alcança


u’a media de três por mês, elevando-se o seu número agora
para cento e sessenta e três dos quais trinta foram concluí-
dos na nossa administração.
No exercício pretérito, o titular da Secretaria [de educa-
ção] conseguiu junto ao Ministério de Educação e Saúde
por intermédio do Instituto Nacional de Estudos Pedagó-
gicos, a distribuição para Goiás de mais oito prédios para
grupo escolar, de custo de duzentos e cinqüenta mil cru-
zeiros, totalizando, portanto, dois milhões de cruzeiros.
(GOIAS, 1952, p. 6-7).

No período Juscelino Kubitschek, a relação entre a União e os es-


tados pode ser pensada como imbricada ao projeto desenvolvimentis-
ta que atribuiu à escola primária um papel importante na formação da
força de trabalho da nação. O ensino primário constituía “problema
eminentemente nacional”, vaticinava JK logo no início do seu man-
dato (BRASIL, 1956, p. 210), sinalizando para um entendimento ter-
78 ritorial do “problema” que somente seria resolvido pela colaboração
entre União, estados e municípios. Não era problema restrito a uma
ou outra região, às cidades ou às zonas campesinas. Como referido no
Relatório de 1959, o problema da escola primária não era prerrogativa
das regiões interioranas e/ou ruralizadas do país; nas grandes cidades
do Sudeste brasileiro que estavam inseridas no processo de industria-
lização faltavam escolas e faltava qualidade pedagógica nas escolas
que existiam.
Na Mensagem de 1959, ao abordar a fragilidade da formação pri-
mária no Brasil, o Presidente afirma que as escolas primárias munici-
pais ressentiam-se da “[...] insuficiência de recursos que lhes reserva
a distribuição da receita pública nacional [...]”, situação que provoca-
va limitações relativas às escolas das zonas rurais e “[...] talvez, mais
gravemente se apresente nas áreas urbanizadas, sob o impacto da pro-
funda transformação decorrente do processo de desenvolvimento [...]”
(BRASIL, 1959, p. 217). A escola primária era, portanto, uma questão
que dizia respeito a toda a nação e, por isso, o Governo Federal não po-
deria manter-se indiferente, principalmente diante do fato que: “[...] as
oportunidades de instrução primária são insuficientes, em contradição
com o dispositivo constitucional que a declara obrigatória; a instrução
primária ministrada não satisfaz, dado o pouco rendimento escolar [...]”
(BRASIL, 1956, p. 210).
Capítulo 2

É diante deste contexto que JK ressalta “[...] a obrigação fundamen-


tal do Estado democrático republicano, de ministrar educação pública,
obrigatória e gratuita.” (BRASIL, 1959, p. 217). Era necessária a inter-
venção mais efetiva dos poderes centrais neste nível da escolarização no
sentido de “[...] tornar acessíveis as escolas publicas primárias a toda a
população e melhorar as condições de ensino nelas ministrado” (BRA-
SIL, 1956, p. 211). Posteriormente, porém, o Presidente afirmou que o go-
verno federal colaborava na expansão da escolarização primária já que

[...] se vê obrigado pela desproporção entre a procura sem-


pre crescente, os modestos recursos que os orçamentos es-
taduais e municipais podem reservar ao ensino dêsse grau
[e que] o estabelecimento de um sistema escolar público
primário, universal, por sua gratuidade e obrigatoriedade;
nacional por sua amplitude; e plenamente eficaz, por sua
organização funcional, será obra da conjugação dos Pode-
res Públicos em sua órbita municipal, estadual e federal.
(BRASIL, 1959, p. 218).

No relatório de 1957, o presidente trata das parcerias a serem fir-


madas entre o governo federal e os estados (previstas pela Lei n.º 59 de
1947) alertando que os destinatários dos recursos deveriam 79

[...] terem vista a construção de galpões para montagem de


pequenas oficinas, nos grupos escolares, e organização, em
caráter experimental, de cursos primários de cinco e seis
anos, com o mínimo de seis horas diárias, quatro de esco-
laridade e duas de artes industriais ou artesanato (BRASIL,
1957, p. 444).

O Presidente trazia novos números sobre os recursos financeiros


que o governo federal estava destinando à escolarização elementar e
sobre como estava operando o montante de verbas:

A cooperação técnica e financeira da União com os Esta-


dos, Municípios e particulares, para ampliação e melhoria
da rede escolar primária, se realizou através de numero-
sos convênios, com a aplicação total de Cr$ 112.678.480,00.
Através do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos fo-
ram concedidas aos responsáveis pela execução dos pro-
gramas as seguintes importâncias: a) para Escolas Nor-
mais .... Cr$ 41.058.310,00; b) para Grupos Escolares....Cr$
58.039.502,00; c) para Escolas Rurais....Cr$ 13.580.668,00.
História da Escola Primária no Brasil

Com estes recursos foram concluídas 21 Escolas Normais,


86 Grupos Escolares e 275 Escolas Rurais; prosseguem as
obras de 26 Escolas Normais, 140 Grupos Escolares e 367
Escolas Rurais. (BRASIL, 1957, p. 444).

Já em 1958, JK reiterou que se o ensino primário estava sob a res-


ponsabilidade dos estados, o governo federal não tinha deixado de
prestar “ampla ajuda financeira” àrecuperação e extensão da rede es-
colar. Uma ampla gama de questões foi elencada pelo Presidente como
alvos preferenciais para os gastos da União com a educação primária:

Até o presente, êsse auxílio se tem limitado aos recursos


do Fundo Nacional do Ensino Primário, que não chegam
a constituir 5% do total dispendido pelo Governo Federal
com a educação. Por iniciativa nossa, tal auxílio deverá
elevar-se a 20%, no mínimo, a fim de custear, em parte,
as duas séries que serão acrescentadas ao ensino elemen-
tar. [...] Até agora, já foram construídos mais de 10 mil
prédios com o subsídio do Fundo Nacional do Ensino
Primário. Além disto, prosseguindo na política adotada
em 1957, estenderemos o auxílio federal a outras ativi-
80 dades, tais sejam: ampliação da escolaridade a seis anos;
melhoria da formação do magistério; e aperfeiçoamento
de professores já diplomados. Finalmente, incrementare-
mos, por tôdas as formas, a instalação de centros educa-
cionais, destinados a dar, através da pesquisa, base obje-
tiva e tratamento científico aos problemas escolares, com
escolas-pilôto de demonstração e experimentação, que, à
maneira dos centros clínicos das Faculdades de Medici-
na, irão constituir as grandes escolas de prática do novo
ensino brasileiro. (BRASIL, 1958, p. 246).

Um ano depois, os recursos para o Fundo Nacional do Ensino


Primário foram ampliados em 1958 de 7% para 20% do orçamento do
Ministério da Educação e Cultura: “Somente em 1958, as contribuições
da União totalizaram [...] mais de 200 milhões [que] foram destinados
à construção de 860 salas de aula em escolas primárias [...]” (BRASIL,
1959, 218). Acrescentou ainda que:

[...] a presença da União, neste terreno, se faz notada prin-


cipalmente através do Instituto Nacional de Estudos Pe-
dagógicos, incumbido da aplicação do Fundo Nacional do
Ensino Primário. Promove-se, em todo o País, a ampliação
Capítulo 2

do parque escolar; a extensão da escolaridade para 6 anos,


nas cidades, e 4 no campo; o aperfeiçoamento do magis-
tério; a renovação da literatura pedagógica e a instalação
de escolas-pilôto, para demonstração e experimentação de
métodos e processos. (BRASIL, 1959, p. 218).

A Mensagem de 1957 informa também que o governo federal estava


realizando experimentos de métodos pedagógicos adequados à reforma
da escola primária em andamento em duas regiões do país. Tais expe-
rimentos estavam sendo realizados em três municípios representativos
de regiões brasileiras devendo ser estendido a mais sete municípios com
características diversificadas. Na Mensagem de 1958, ao informar sobre
a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, JK deu notí-
cias da instalação de Centros-Pilôto em Leopoldina (MG), Catalão (GO),
Timbaúba (PE), Santarém (PA), Benjamim Constant (AM), Picuí (PB) e
Júlio de Castilhos (RS) em 1959, estando prevista a instalação desses
centros em mais 40 municípios para 1960.
Em 1959, foi anunciado também o lançamento de um plano no qual
os governos estaduais poderiam buscar empréstimos bancários para a
construção de prédios escolares por conta de recursos vinculados ao
F.N.E.P. Naquele momento, entendimentos com vários estados estavam
sendo concluídos, em especial, com o estado de São Paulo (BRASIL, 81
1959). Na Mensagem de 1960, o Presidente volta ao assunto:

Como exemplos de cooperação do GôvernoFederal com


os Estados, assinalam-se os convênios para funciona-
mento das classes primárias complementares e, no cam-
po das edificações escolares, os acôrdos firmados com
os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. [...] me-
diante tais instrumentos assegurou-se a garantia federal
para empréstimos obtidos pelos Estados com o objeti-
vo de ampliar prontamente a rêde de escola primárias.
(BRASIL, 1960, p. 152).

As estatísticas educacionais construindo verdades


sobre a escola primária no Brasil

Em relação às Mensagens em apreço, a opção aqui é menos apre-


sentar as estatísticas oficiais como algo dado e mais tomá-las como ob-
jeto de problematização inquirindo pela construção de verdades sobre
a escolarização primária no Brasil. Assim, interessa menos apresentar
História da Escola Primária no Brasil

os números e quantidades e mais as maneiras como são arranjados no


discurso dos governantes quando analisam ou informam sobre os fenô-
menos sociais da escolarização e/ou da sua precariedade.
O saber estatístico pode ser compreendido como um tipo de discur-
so verdadeiro sobre a população fazendo parte de uma economia política
da verdade que o reclama como conhecimento essencial para a arte liberal
de governar. Atuando fortemente no processo de subjetivação na medida
em que não somente incita a procurar a verdade, mas igualmente ajuda
a produzi-la, o saber estatístico atende as cinco características de uma
economia política da verdade:

A verdade é centrada na forma de discurso científico e nas


instituições que o produzem; está submetida a uma cons-
tante incitação econômica e política (necessidade de verda-
de tanto para a produção econômica quanto para o poder
político); é objeto, de varias formas, de uma imensa difusão
e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educa-
ção ou de informação cuja extensão no corpo social é rela-
tivamente grande, não obstante algumas limitações rigoro-
sas); é produzida e transmitida sob controle, não exclusivo,
mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou
82 econômicos (universidade, exército, escritura, meios de
comunicação); é objeto de debate político e de confronto
social (as lutas ideológicas). (FOUCAULT, 2011, p. 13).

O aparecimento da estatística educacional nos discursos de gover-


nantes brasileiros data de fins do século XIX quando se realizou, pela
primeira vez no Brasil, a contabilidade das populações inquirindo-as,
entre outros, sobre sua instrução. Realizado pela Diretoria Geral de Es-
tatística (criada em 1871), o recenseamento de 1872 guiou-se por crité-
rios censitários pouco científicos (SPERRHAKE, 2013) e sofreu resistên-
cias por parte da população, mas forneceu as condições iniciais para a
formulação de verdades sobre a educação dos brasileiros com base em
critérios matemáticos. Esse Censo ajudou a construir aquela que talvez
se constitua a mais antiga e duradoura verdade sobre a educação dos
brasileiros, qual seja, as noções de analfabeto e de analfabetismo como
problema nacional (SPERRHAKE, 2013). Contudo, a verdade que os
números censitários de 1872 estariam a descobrir sobre a educação no
Brasil configurou-se como verdade mutilada, parcial, haja vista a de-
clarada desconfiança dos governantes na veridicidade das informações
coligidas pela tarefa censitária.
Este estado de coisas perdurou até o final dos anos 1930 ao mes-
mo tempo em que o Estado Nacional buscava compor e aprimorar os
Capítulo 2

serviços censitários, vistos cada vez mais como necessários na tarefa de


conhecer e governar o povo brasileiro. Conforme Sperrhake (2013, p.
39), “[...] as estatísticas numéricas não são aceitas como verdade de ime-
diato [...]” requerendo transformações no âmbito do Estado e da ciência
para que ocorra sua aceitação como “[...] saber imbuído do caráter de
verdade [...]”. Pode-se considerar, desta ótica, que a estatística somente
se configurou como saber verdadeiro a partir de meados do século XX.
Nas palavras de Desrosieres (1966, apud SPERRHAKE, 2013, p. 41):

No século XIX, a informação estatística era fornecida pela


compilação de listas administrativas, por censos, exaus-
tivos porém raros e abrangendo poucas variáveis, e por
monografias locais, sobre alguns indivíduos mas com
muitas variáveis. No século XX, a informação estatística
foi transformada pela implementação de ferramentas com-
pletamente novas, como as pesquisas por amostragem e a
contabilidade nacional.

No Brasil, o período 1930–1961 marca de forma definitiva o recurso


ao saber estatístico como critério de análise da educação dos brasileiros
pelos governantes. Não por acaso, é neste período que o Estado Na-
cional definiu as condições para que a estatística alcançasse níveis de 83
cientificidade que dessem conta de fornecer informações verdadeiras sobre
as populações que viviam na imensidão do território brasileiro. Nesse
sentido, o governo Getúlio Vargas extinguiu, em 1934, o Departamento
Nacional de Estatística e criou no mesmo ano o Instituto Nacional de
Estatística (INE), o qual incorporou em 1937 o Conselho Nacional de
Geografia passando a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística a partir de então.
No tocante à educação, outros órgãos e instâncias produtoras de verda-
des surgiram também neste período – tais como Instituto Superior de Es-
tudos Brasileiros (ISEB) e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
(CRPE) criados pelo INEP contribuindo para a definitiva consolidação da
estatística como saber necessário ao governo das populações brasileiras
e, particularmente, ao governo dos agentes, espaços e tempos escolares.
Conforme Gil (2012, p. 512), “[...] nos anos 1930 aumenta e regulariza-se a
produção de estatísticas de educação em âmbito central e, com elas, proli-
feram também os discursos construídos em torno desses números [...]”. Já
no início desta década, o governo federal criou estratégias institucionais
para aprimorar a contabilidade escolar como, por exemplo, o Convênio
Inter-Administrativo das Estatísticas Educacionais e Conexas firmado entre
União, estados, Distrito Federal e o Território do Acre. O acordo foi dis-
cutido e assinado na IV Conferência Nacional de Educação (1931) para
História da Escola Primária no Brasil

ser executado pela Diretoria de Informações, Estatística e Divulgação do


recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública.
Esta Diretoria forneceu os fundamentos para a criação do IBGE, o
qual desenvolveu a estrutura técnico-científica que validava os resul-
tados obtidos levando a uma crescente e inequívoca confiança em tais
resultados. De abrangência nacional, este órgão organizou e dirigiu o
aprimoramento dos mecanismos estatísticos das unidades federativas,
os quais realizavam investigações regionais, estaduais e locais. As ins-
tâncias estaduais, coordenadas pelo IBGE, se constituíam como instância
de cooperação fundamental para os recenseamentos nacionais de 1940,
1950 e 1960. O estado de Goiás, por exemplo, delegou grande atenção à
reorganização dos seus serviços estatísticos desde os anos 1930, os quais
contribuíram para a construção de verdades sobre a educação em Goiás.
No caso goiano, a pesquisa censitária foi instituída como saber de
enorme importância nos projetos governamentais de povoamento do
território no período de 1930-1961. Em seu primeiro Relatório (GOIÁS,
1933), o governador Pedro Ludovico Teixeira informou que o estado ha-
via assinado o Convênio Estatístico Inter-Administrativo (20/12/1931).
Anos depois, no Relatório de 1939, o governador goiano informava que
o estado de Goiás havia recebido menção honrosa do IBGE (“a honrosa
qualificação Maravilha Goiana”) pela execução dos trabalhos relativos ao
84 Convênio. Mas, já em 1933, Pedro Ludovico celebrava os efeitos de conhe-
cimento produzidos pelo Convênio sobre a “situação escolar” de Goiás:

Graças à presteza e exatidão com que foram elaborados os


trabalhos impostos pelo Convênio, cuja execução foi inicia-
da pela Diretoria do Interior Geral do Interior e terminada
pelo Departamento de Estatística e Divulgação do Estado,
hoje os poderes públicos conhecem de maneira real, obje-
tiva e oportuna quer qualitativa quer quantitativamente
a situação verdadeira do sistema educacional goiano [...].
(GOIÁS, 1933, p. 17).

Os Censos de 1940, 1950 e 1960 foram realizados com irrestrito


apoio dos poderes federais e estaduais, grande trabalho de publicidade,
incentivos à adesão de estados e municípios e mobilização das institui-
ções escolares, seus diretores, professores e estudantes. A ampla difusão
de seus resultados deu origem a uma volumosa biblioteca de volumes
repletos de tabelas, quadros e listas, os quais forneceram arcabouço
para a discursividade governamental, inclusive sobre a escola primá-
ria. Configurava-se, assim, a estatística como saber que produzia um
discurso verdadeiro sobre o Brasil, inclusive em relaçãoà educação dos
brasileiros e, dada a questão do analfabetismo, particularmente sobre a
Capítulo 2

escola primária. Ademais, pode-se observar nestes três inquéritos sobre


a população brasileira um progressivo aprimoramento nas técnicas e
métodos de coleta e análise censitária. Assim, o censo de 1950 corrigiu
distorções metodológicas e aperfeiçoou a tecnologia de conhecimento
apresentada no Censo de 1940, o mesmo processo ocorrendo no Censo
de 1960 em relação ao de 1950.
Nas Mensagens Presidenciais da década de 1940 se encontra o re-
curso à estatística nos discursos sobre a educação elementar, mas ain-
da um uso relativamente restrito ao manejo de percentuais e números
que diziam que grande parte das crianças brasileiras de 05 a 14 anos
não tinha acesso à escola primária e que a grande maioria dos prédios
escolares – além de inadequada e precária – era alugada, pertencia a
particulares. Igualmente, nas Mensagens dos governantes goianos da
década de 1940, as estatísticas escolares são apresentadas como evi-
dências incontestes das necessidades educacionais goianas bem como
das realizações dos governos, ou seja, os números são deixados a falar
por si mesmos.
Assim, mesmo o uso restrito das informações estatísticas permitia
a construção de verdades verdadeiras sobre a situação educacional dos
brasileiros. Essas verdades não apenas dimensionam como também tor-
nam mais vívidas a gravidade do problema educacional e a grandiosi-
dade do desafio a ser enfrentado pelos Poderes Públicos. Na Mensagem 85
Presidencial de 1947 o analfabetismo é problema urgente que demanda
a atenção do governo federal posto que, “Cinquenta e cinco por cen-
to da população de maiores de 18 anos carecem dos benefícios da al-
fabetização” (BRASIL, 1947, p. XVI). Além disso, os dados estatísticos
apontam outros problemas preocupantes como o declínio do número
de unidades escolares apesar do aumento cada vez maior da população
em idade escolar fora do sistema educacional:

Assim, o total de unidades escolares, que em 1942 chegava


a 43.975, vem gradualmente diminuindo de ano para ano,
com uma redução no último qüinqüênio de 3.740 unida-
des, fato estranhável ante o crescimento contínuo da po-
pulação em idade escolar primária. (BRASIL, 1947, p. 29).

Os números denunciam também a ineficiência do sistema de ensi-


no comprovado nos baixos índices de frequência, aprovação e promo-
ção. Assim, ainda na Mensagem de 1947, registram-se os dados aferidos
no ano de 1946:

A situação torna-se ainda mais grave ao verificarmos que


de 3 milhões, 295 mil e 291 crianças matriculadas em nos-
História da Escola Primária no Brasil

sas escolas primárias em 1945, apenas 2 milhões, 333 mil


e 696 tiveram uma freqüência média regular e somente 1
milhão, 522 mil e 412 obtiveram aprovação nos exames de
promoção. (BRASIL, 1947, p. 29).

Como se pode observar em trechos já citados neste texto, o pre-


sidente Eurico Gaspar Dutra recorreu ao saber estatístico para cons-
truir a noção de “déficit escolar” e de “crise de assistência educacional
nas regiões rurais” do país. Getúlio Vargas, em seu segundo mandato,
igualmente valeu-se do saber estatístico para reforçar tais noções. Na
Mensagem de 1952, assinala:

As estatísticas revelam a existência, nas zonas rurais do


País, de uma população de quase dois milhões e meio de
crianças de 7 a 11 anos que não são atingidas ou atraídas
pelo sistema escolar, que não buscam a escola, ou, se o fa-
zem, encontram, na deficiência de instalações adequadas, o
empecilho para a matrícula. (BRASIL, 1952, p. 273).

O exame da matrícula escolar no campo é, assim, apresentado como


fato aterrador, assinalado na Mensagem como “[...] acentuada crise de
86 assistência educacional [...]”. “Com efeito, apenas 38% das crianças ma-
triculadas no curso primário pertencem às zonas rurais, enquanto cêrca
de 70% das crianças brasileiras aí se encontra.” (BRASIL, 1952, p. 274).
Juntamente com a insuficiência do atendimento nas zonas rurais, outro
trecho da Mensagem ressalta a carência de prédios escolares adequados
e a falta de professores habilitados:

Dos 78.000 professôres em exercício em 1943, 31.000 não


possuíam formação adequada. Nessa época, não eram
portadores de diplomas de normalistas 90% dos profes-
sores do Território do Acre, 74% de Santa Catarina, 65%
do Rio Grande do Sul, 60% do Paraná, 59% do Maranhão,
58% do Pará, 57% do Rio Grande do Norte, 56% de Goiás
e Ceará, 54% de Pernambuco, 51% do Piauí e Paraíba, 49%
do Espírito Santo e 43,5% de Alagoas. (BRASIL, 1952, p.
274-275).

Nas Mensagens do Presidente Juscelino Kubitschek a estatística


escolar assume centralidade. Apoiado pela contabilidade da população
escolar e pelas interpretações dos órgãos que pesquisavam a educação
brasileira, JK pôde proferir a verdade da escolarização elementar do
Brasil em tempos de desenvolvimentismo: a escola primária era uma
Capítulo 2

instituição quantitativa e qualitativamente deficiente frente às exigên-


cias postas pelo desenvolvimento econômico brasileiro. Manejando
a demografia escolar à luz do desenvolvimentismo como paradigma
analítico, o Presidente deu a ver as dramáticas condições da educação
elementar no Brasil para sustentar uma retórica da reforma e da refor-
mulação do ensino primário brasileiro.
Os discursos presidenciais sobre a educação escolar se apropriaram
dos conhecimentos produzidos pelas pesquisas e investigações que en-
tão eram realizadas sobre a educação nacional por órgãos como o ISEB,
o CNPE e os CRPE sob a inspiração dos marcos teóricos produzidos
por intelectuais vinculados à CEPAL. Segundo Xavier (2012, p. 215), o
Plano de metas JK e a ideologia do nacional-desenvolvimentismo en-
contraram no idioma cepalino sua base de sustentação sendo que as “[...]
noções de consciência nacional, formação nacional, cultura brasileira e
identidade nacional integraram o repertório dos muitos diagnósticos e
prognósticos produzidos sobre a cultura e a realidade do país [...]”.
No âmbito estadual, o recurso à estatística se avolumava nos dis-
cursos governamentais. Em relação a Goiás, a partir do final dos anos
1940 o saber estatístico adquiria importância ímpar, visto que era consi-
derado fundamental no projeto de povoamento dos espaços vazios do
centro-oeste brasileiro. Tal projeto de povoamento configurou-se como
política do governo federal em finais dos anos 1940 (a Marcha para o 87
Oeste), mas foi reconfigurada a partir de 1946 em torno da construção
da nova cidade-capital federal. Outrossim, eram também tempos de
“êxodo rural” e, neste sentido, nos discursos e práticas governamentais
referidos ao povoamento do território goiano, a escola primária aparece
como objeto do conhecimento estatístico e como instituição de suma
importância para a fixação do homem à terra. Na Mensagem de 1950, o
governador goiano Jerônimo Coimbra Bueno demonstra pensar a escola
como mecanismo capaz de contribuir para reter o êxodo rural:

É necessária a existência de um organismo que torne a vida


rural atraente, pela formação de um ambiente favorável à
vida no campo, não apenas pela maquinização do tra-
balho agrícola, como também pela instituição de uma
vida social mais ativa. O fator principal da evasão do
homem do campo para as cidades é a dificuldade com
que luta ele para a educação dos filhos e a carência de
um ambiente propício ao desenvolvimento de uma
existência condigna. (GOIÁS, 1950, p. 35).

Em seu primeiro relatório (BRASIL, 1956), ao discutir o ensino


primário, JK afirmava que não recebiam instrução aproximadamen-
História da Escola Primária no Brasil

te 40% das 8.000.000 de crianças brasileiras em idade escolar. Agra-


vando tal déficit de matrículas, a escolaridade média no Brasil estava
entre as mais baixas do mundo (“[...] não vai além de um ano e qua-
tro meses [...]”): as escolas funcionavam em poucos dias no ano e em
períodos diários de curta duração. Além disso, havia o alto índice de
evasão escolar (“[...] de cada 100 alunos que se matriculam na pri-
meira série, apenas 16 atingem a quarta série [...]”), a precariedade
de instalações e equipamentos, as deficiências na formação do pro-
fessorado. JK repetia críticas antigas: a insuficiência de escolas, a pre-
cariedade material das instituições e a questão da formação do pro-
fessorado. Finalmente, a inadequação de programas e currículos aos
reclames, condições e peculiaridades da “[...] época e de cada meio
[...]” (BRASIL, 1956, p. 210).
Mas ia além enfocando a quantidade de crianças e adolescentes em
idade escolar; quantos estavam matriculados no sistema escolar público
e privado; quantos concluíam o ensino primário; quantos abandonavam
a escola antes do término da primeira série, a relação ente matrículas,
repetências e evasões, o pouco tempo de escolarização, entre outras. A
partir das estatísticas e do idioma cepalino/isebiano, dizia do excessivo nú-
mero de turnos escolares que as instituições eram obrigadas a praticar
diante da crescente procura de vagas, da baixa carga horária anual do
88 ensino primário, da evasão escolar, do percentual muito reduzido de
crianças que se matriculava na primeira série e concluía o curso primá-
rio, da heterogeneidade etária das turmas, da repetência e dos métodos
de avaliação (vistos como muito rigorosos pelo Presidente).
A estatística fornecia números que pareciam surpreender e assus-
tar o Presidente já que davam conta de uma população que crescia ra-
pidamente como se constata no quadro abaixo que mostra o crescimen-
to populacional brasileiro bem como dos estados de Minas Gerais, São
Paulo e Goiás de 1920 a 1960.

Quadro 5 – Crescimento populacional em termos absolutos no Brasil e


nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Goiás (1920–1960)

Ano Brasil Minas Gerais São Paulo Goiás


1920 30.635.605 5.888.174 4.592.188 511.919
1940 41.236.315 6.763.368 7.180.316 661.226
1950 51.944.397 7.782.188 9.134.423 1.010.880
1960 70.992.343 9.960.040 12.974.699 1.626.373

Fonte: IBGE8

8 Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/.


Capítulo 2

O intenso crescimento populacional brasileiro neste período trazia,


conforme JK, um enorme ônus para a nação, qual seja, o aumento de crian-
ças em idade de obrigatoriedade escolar e, dado a carência de escolas que
atendessem a todos, o crescimento dos índices de analfabetismo adulto:

Mais da metade da nossa população adulta compõe-se de


analfabetos, e o número absoluto destes cresce continua-
mente com o aumento da população. Agrava-se, pois, o
problema do analfabetismo, numa época em que a mera
alfabetização já não basta para garantir a participação ativa
e consciente do indivíduo na vida nacional. De 1900 a 1950,
o índice de analfabetos [...] caiu apenas de 65 para 51%.
Como a taxa de incremento demográfico é muito superior
ao índice de ampliação e aprimoramento da rede escolar,
o que se verificou foi, em números absolutos, um aumen-
to de analfabetos: de 6 milhões de 1900 passaram a 15 mi-
lhões, em 1950. O recenseamento de 1960, provavelmente,
não revelará quadro melhor. (BRASIL, 1959, p. 216).

Principalmente a partir de 1958, o crescimento demográfico bra-


sileiro e, em particular, o aumento da população infantil em termos
absolutos foi recorrentemente utilizado pelo Presidente para justi- 89
ficar, não somente os altos números de analfabetos, mas também o
pouco sucesso dos governos na construção de uma rede de escolas
que pudesse cumprir o preceito republicano e democrático de uma
escola primária obrigatória e gratuita. Afirmava que o aumento po-
pulacional era “[...] a nossa maior força [...]” e “[...] a nossa maior
debilidade: a elevada taxa de incremento demográfico [...]” e com-
plementava: “Vale dizer, metade da nossa população é constituída
de menores de 18 anos, em idade escolar, portanto” (BRASIL, 1959,
p. 217). Afinal, de oito milhões de crianças em idade escolar (mencio-
nadas pelo Presidente na Mensagem de 1956), JK informou em 1960
que o Brasil possuía uma população infantil de mais de treze milhões,
estimando-se que perto de cinco milhões não teriam acesso à escolari-
zação básica, ou seja, o déficit de vagas aumentara em relação a 1956
quando ficou na faixa dos quatro milhões. A resposta governamental
diante do insucesso do programa de metas relacionado à escola pri-
mária sustentou-se nas características do avanço populacional expli-
citados pelo saber estatístico.
Considerações finais

A centralização ocorrida em todos os âmbitos da administração pú-


blica no período varguista (1930–1945) converteu a questão da educação
nacional em problema de intervenção direta do governo federal incidin-
do sobre a legislação e a criação de órgãos de normatização e controle da
educação no país. Tal fato repercutiu de forma significativa nas políticas
educacionais levadas a termo nos estados aqui analisados (SP, MG, GO)
implicando na adequação dos sistemas educacionais às diretrizes esta-
belecidas pela União. Dessa maneira, o republicanismo adquire uma
conotação autoritária, além do federalismo que foi tolhido, em vista da
centralização promovida pela era varguista. A escola primária torna-
se um instrumento de concretização do ideário conservador, especial-
mente na obra de homogeneização social por meio da eliminação das
diferenças étnicas e culturais. De fato, a outra face da educação nacional
se expressou na nacionalização do ensino nesse período. Seguindo as
orientações do governo federal, os governos estaduais também se imbu-
íram do mesmo discurso nacionalista de promoção da unidade nacional
implementando iniciativas de aculturação obrigatória dos estrangeiros.
Na quarta República (1945–1964), a União assume o compromisso
republicano e democrático de coordenar uma política nacional de edu-
cação colocando em debate público o projeto de Lei de Diretrizes e Ba-
ses. A tônica do discurso federal e estadual nesse período foi a expansão
acelerada de vagas, isto é, a premência de universalização da educação
primária e a erradicação do déficit educacional. Observa-se também a
preocupação com a qualidade da educação pública externada na de-
núncia dos altos índices de evasão e repetência e da aguda seletividade
do ensino. No entanto, a ênfase recai nos aspectos quantitativos, ou seja,
na expansão do ensino, indicando a necessidade urgente de criação de
novas unidades escolares e de ampliação de vagas.
No âmbito da educação rural, percebe-se a presença do discurso re-
publicanista da universalização do ensino no campo e o relato de inicia-
tivas dos poderes públicos no sentido de ampliarem as oportunidades
educacionais nas zonas rurais. Especialmente a atuação do governo fe-
deral é destacada nas Mensagens, no decorrer da Quarta República. No
entanto, o déficit de assistência educacional no campo permanece como
um problema grave de difícil solução imediata. Portanto, a despeito dos
discursos e iniciativas, o outro lado do avanço da escolarização no cam-
po expressa o fracasso da educação republicana em relação à população
rural brasileira.
Em termos demográficos, a população brasileira tem um cresci-
mento, entre 1920 e 1960 (QUADRO 5), na ordem de 131%. Minas, São
História da Escola Primária no Brasil

Paulo e Goiás, respectivamente, crescem 69%, 182% e 217%, mas, as di-


ferenças demográficas entre estes três estados não se alteraram. Há um
crescimento demográfico muito diversificado entre os três estados, o
que implica do ponto de vista político-educacional investimento e ges-
tão diferenciados em vista dos escores percentuais. Somente compara-
ções do número de unidades escolares de cada um dos estados podem,
entre 1930 e 1961, estabelecer o crescimento das mesmas em vista do
movimento demográfico, seja ele urbano ou rural.
A escola primária no período cresceu em números, porém o perí-
odo aqui analisado, 1930–1961, herdou uma alta taxa de analfabetismo:
de 71,2% em 1920 – uma vez que não houve recenseamento em 1930
(a taxa é de 61,2% em 1940) – a 46,7% em 1960 (FERRARO, 2009). Uma
diferença pequena para quarenta anos, da ordem de 24,5%, diante de
um déficit que, do ponto de vista histórico-educacional, deixa um lega-
do que cabe ao período anterior à República, seja entre 1827 e 1889, ou
mesmo à baixa significação das reformas pombalinas no tocante à dis-
seminação das aulas régias. O censo de 1872 registra uma taxa de 82,3%
de analfabetos, mas também o período republicano até 1920 registra em
seu censo 71,2%.
Cabe considerar também o êxodo rural que transitou em 1940, com
69% distribuídos na zona rural, para 55% em 1960 (RIBEIRO, 1978). O
92 enfrentamento político-educacional em torno da escola rural é tardio
em termos republicanos, posto que somente tomou corpo a partir dos
anos de 1930. Como salienta a Mensagem Presidencial de 1952, citada
anteriormente, a servir como avaliação do período em análise, a respeito
da escolarização na zona rural: são 30 milhões de brasileiros residentes
na mesma. Entretanto, apenas 38% das crianças estão vinculadas às es-
colas rurais, quando 70% das crianças se encontram na zona rural. Cabe
enfatizar que é no interior do movimento do êxodo rural crescente no
período em análise que se constrói a avaliação de que é preciso deter o
homem no campo. Também enfaticamente, deve ser ressaltada uma re-
ferência à mensagem presidencial de 1947, citada no interior deste capí-
tulo: as unidades escolares entre 1942 e 1947 diminuíram em número de
3.740, quando o crescimento demográfico era crescente: a zona urbana
passou de 31% em 1940, para 45% em 1960 (RIBEIRO, 1978, p. 104).
Com esses parâmetros estatísticos sobre o período em análise, as ca-
tegorias progresso e desenvolvimento, tais como expressos pelas mensagens
analisadas, enfrentaram significativos obstáculos, tais como os apresenta-
dos nos últimos parágrafos. Se as finalidades da educação se curvavam ao
avanço do progresso ou do desenvolvimento, cabe avaliar que as realiza-
ções conferiram pouca concretude em vista de suas realizações.
Se a educação é uma conditio sinequa non para a realização do pro-
gresso brasileiro, ela deixa a desejar. A mesma observação vale também
Considerações Finais

para a democracia: se a educação é uma condição para a sua realização,


também ela é problemática. A educação é um direito social e é um cons-
tituinte da formação para a cidadania. Como pensar a respeito desta no
período varguista? Um plano nacional de educação foi abortado com o
golpe de 1937, quando ele estava em elaboração, em obediência à Cons-
tituição de 1934? Foi no decorrer da Quarta República que se elabora-
ram as diretrizes e bases da educação nacional em 1948, quando o pro-
jeto é enviado ao Congresso, todavia somente será aprovado em 1961.
A ideia de plano nacional de educação será retomada nos anos
1960, mas sem continuidade. A constituição de 1988 reestabelece a mes-
ma ideia em seu artigo 214° (BRASIL, 1988). O referido plano teria uma
perspectiva decenal, como veio a se fazer pelo Plano Nacional de Edu-
cação que vigeu entre 2001 e 2010.
Se as realizações republicanas não aconteceram significativamente
no campo educacional, a questão relativa à igualdade de oportunidades e
à sua ampliação também não foi cumprida. A oferta educacional esteve
bem aquém das necessidades urbanas em movimento no período, bem
como em relação à zona rural, como já se apontou há pouco.
Há que se considerar igualmente a reconfiguração da chamada
questão nacional que se deslocou da ideia de Modernidade, presente
nos discursos governamentais ate os anos 1940, para a ideia de Moder- 93
nização que adquiriu os contornos do nacional-desenvolvimentismo
dos anos 1950. Tal deslocamento agregou novas funções à escola pri-
mária, entre as quais, a formação de mão de obra infanto-juvenil.Mas
pelo estudo aqui realizado referente aos estados de Goiás, Minas Gerais
e São Paulo, se pode cogitar que a aceleração da história (que susten-
tam os processos modernizadores) pretendida pelo nacional-desenvol-
vimentismo brasileiro não abarcou na mesma intensidade a expansão
qualitativa e quantitativa da escola primária.
A expansão e melhoria da escolarização elementar reclamaram po-
líticas e ações visando a integração econômica e social entre os estados
brasileiros e destes com a União na perspectiva, inclusive, de diminuir
desigualdades e assimetrias regionais. Para tanto, tratava-se de estimu-
lar o desenvolvimento das regiões dinâmicas da economia nacional e
nela inserir as improdutivas regiões periféricas, tornando-as aptas a par-
ticipar e contribuir com o desenvolvimento brasileiro. Sob este fundo
político-discursivo, a participação da União não se reduziu ao financia-
mento da escola primária, mas igualmente constituiu mecanismos de co-
nhecimento e controle da escola e dos agentes da educação, em especial,
dos professores e escolares. Nesta seara, uma das maiores preocupações
assentava-se na (pouca) produtividade do campo, atribuindo-se à esco-
larização elementar um papel nada desprezível na formação do traba-
lhador rural requerido pela modernização agrícola que estava em pauta.
História da Escola Primária no Brasil

O período em apreço marca exatamente a presença mais efetiva do


governo federal no desenvolvimento dos estados a partir da efetivação
de estímulos àprodução econômica, ao apoio para montagem da máqui-
na administrativa dos governos estaduais, à construção de uma rede de
transporte rodoviário e às parcerias para a expansão da escola primária,
entre outros. Ao final do período, contudo, resta notar a manutenção
das desigualdades regionais e seu impacto na expansão da escola pri-
mária, principalmente, nas regiões (periféricas) ruralizadas da vida na-
cional. Embora mais visibilizada nos discursos governamentais, a escola
rural – investida de múltiplas e importantes funções educativas e sociais
no meio rural – não alcançou o crescimento necessário permanecendo
secundarizada na agenda política nacional.
De outro lado, os discursos dos governantes no período 1930–1961
inseriram a escolarização elementar no interior da questão nacional re-
presentando-a como um problema nacional. Ao adjetivo nacional, entre-
tanto, foram atribuídos dois sentidos distintos, mas complementares.
De um lado, a escola primária emerge como problema nacional imbrica-
do ao esforço de construção da nação articulando-se aos temas da civi-
lização e do desenvolvimento econômico brasileiro. De outro lado, o
adjetivo nacional remete aos domínios do território articulando-se aos
temas da urbanização, do povoamento e da ocupação produtiva da ter-
94 ra. Assim, sob as bases de uma discursividade na qual a escola primária
emergiu como problema nacional, ressaltaram-se as falhas na sua função
de civilizar, forjar o pertencimento, erradicar o analfabetismo e formar
para o trabalho bem como se destacou as dificuldades para expandi-la
para todos os rincões da pátria, no litoral e no sertão, nas cidades e nas
zonas rurais.
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100 SÃO PAULO. Mensagem apresentada pelo Governador Adhemar de


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101
3.
ESCOLA PRIMÁRIA RURAL:
Caminhos percorridos pelos estados de Mato
Grosso e Paraná (1930–1961)

Alessandra Cristina Furtado - UFGD


Analete Regina Schelbauer -UEM
Elizabeth Figueiredo de Sá - UFMT

Quando a gente morava no Desprezo ele já era desprezado. Restavam três


casas em pé. E três famílias com oito guris que corriam pelas estradas já
cobertas de mato. Eu era um dos oito guris. [...] Naquele tempo do Des-
prezo eu queria ser chão, isto ser: para que em mim as árvores crescessem.
Para que sobre mim os rios corressem. Me lembro que os moradores do
Desprezo, incluindo os oito guris, todos queriam ser aves ou novas pes-
soas. Isso quer dizer que os moradores do Desprezo queriam ficar livres
para outros seres. (MANOEL DE BARROS, 2006).

Desprezada foi, durante muito tempo, toda zona rural do nosso


país, não só o povoado denominado Desprezo. Caracterizado por uma
população humilde e abandonada à própria sorte, morando em case-
bres inseguros, sacrificada e sem infraestrutura, bebendo água de açu-
de, sujeita a endemias, devastada pela malária, pelas secas ou enchen-
tes. Talvez por isso, uma população resistente às diversidades do meio,
simples, religiosa, enfim, livres para outros seres, como bem escreveu Ma-
noel de Barros, poeta mato-grossense.
No período em estudo, em que se ensejava a construção da moder-
nidade, a representação de rural pode estar vinculada à ideia da natu-
reza, do mais saudável, a contradição ao urbano e à industrialização,
como também pode significar o contrário, como a ausência do desenvol-
vimento, conformismo, ignorância e abandono.
A população que residia no meio rural representava cerca de 69%
dos 41.236.315 brasileiros nos anos de 19401. Situação que começou a ser
alterada ao longo das décadas de 1950 e 1960, nas quais as taxas de urba-
nização apontam para índices em torno de 36,1% e 45,1%. Mas as maio-
res modificações ocorreriam no decorrer da década de 1970, com o auge
do processo de urbanização, industrialização e o êxodo rural, com uma
taxa de 56% indicando o crescimento da população urbana.
1 Dados do Recenseamento Geral do Brasil em 1º de setembro de 1940, no qual a população total (41.236.315)
foi classificada em urbana (9.189.735), suburbana (3.690447) e rural (28.356.133) (BRASIL, 1950).
História da Escola Primária no Brasil

Na amplitude da realidade nacional predominantemente rural,


seríamos simplistas se tratássemos nesse capítulo sobre a escola rural
como modelo único, tendo em vista que não existe em nosso país uma
realidade rural uniforme, mas sim ruralidades diferentes, numa concep-
ção de natureza territorial2.
Diante deste quadro, podemos questionar: como ocorreu a demo-
cratização das condições de acesso ao ensino elementar, que havia sido
preconizado pelo ideário republicano, mas ainda não equacionado na
realidade brasileira em tais dimensões rurais? Qual escolarização rece-
beu a infância que vivia no meio rural?
A historiografia educacional recente3 tem voltado seu olhar para a
busca de respostas em torno desta e de outras questões que envolvem
a educação, o ensino e a escola no meio rural e encontrado importantes
registros e vestígios de que o debate e as ações em torno da expansão do
ensino primário rural, no Brasil, ocorreram de forma significativa entre
as décadas de 1930 e 1970, como destacam Souza e Ávila:

[...] quando foram implantadas políticas de escolarização


no campo para construção de escolas e melhoria da educa-
ção na zona rural, resultado de acordos entre o governo fe-
deral e os Estados, com base no Fundo Nacional do Ensino
104 Primário, por intermédio do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos – Inep. (SOUZA; ÁVILA, 2014, p. 09).

Neste contexto, a educação rural torna-se a tônica dos discursos edu-


cacionais e das ações governamentais. Como temática discutida na 8ª Con-
ferência Nacional de Educação, organizada pela Associação Brasileira de
Educação – ABE, em Goiânia (1942), o debate volta-se para as ruralidades
existentes, classificando-as como: nas pequenas cidades e vilas do interior;
na zona rural comum; nas zonas rurais de imigração; e nas zonas do alto
sertão; definidas segundo as características geográficas, demográficas, lin-
guísticas, étnicas, etc. Numa visão dicotômica entre a educação urbana e
rural4, os intelectuais da ABE realçam que, na cidade, a escola é um dos
muitos agentes culturais, cabendo-lhe, além de educar, coordenar as ações
educativas das instituições. Já na zona rural, defendem que, muitas vezes,
por ser a única instituição existente, a escola é tudo na comunidade.
As conferências da ABE e as publicações da área colocam em cena
o que Souza e Ávila (2014, p. 21) definem como o embate entre a escola
comum e a ruralização do ensino, marcado pelas:
2 Ver Saraceno (1996/99).
3 Ver publicações de: Souza e Ávila (2014); Ávila (2013); Schelbauer (2014); Schelbauer e Gonçalves Neto
(2013); Werle e Metzler (2014); Werle (2007, 2010); Miguel (2007); Lima (2009) entre outros.
4 Martins (1981) sugere que dualidades entre as categorias: tradicional e moderna, rural e urbano, por
exemplo, vêm sendo amplamente reproduzidas nas ciências humanas, e o uso de tais expressões geral-
mente é desacompanhado de uma visão crítica.
Capítulo 3

[...] disputas entre a adoção do modelo de escola difundido


nos centros urbanos - a escola única ou comum - e outro
modelo específico para a zona rural, assumiram contornos
emblemáticos nos anos 30 e 40 do século XX, especialmente
no Estado de São Paulo [...].

Esse quadro, no entanto, se estende por todas as unidades da


Federação.
Além de figurar como pauta nas conferências da ABE e nos dis-
cursos educacionais, a temática da educação rural também foi objeto
de atenção do Governo Federal, sobretudo, a partir da Era Vargas, por
meio das denominadas ações supletivas e programas governamentais
vinculados aos Ministérios da Educação e Agricultura. A Reforma João
Luíz Alves da Rocha Vaz, instituída pelo Decreto n.º 16.782A, de 13 de
janeiro de 1925, evidencia essa prática, já no período anterior à década
de 1930, ao estabelecer a participação da União na difusão do ensino
primário e criar as bases sobre as quais os estados seriam subvenciona-
dos para a difusão da escola primária rural (BRASIL, 1925).
A ação supletiva do Governo Federal para a escola ruralteve um
novo impulso durante o Estado Novo (1937–1945). Mesmo tendo sido
retirada a vinculação constitucional de recursos para a educação na
Constituição (outorgada) de 19375 a União manteve a ação supletiva 105
“[...] na construção e manutenção, nas zonas rurais de todo o país, de es-
colas primárias e de escolas profissionais destinadas ao preparo de tra-
balhadores para as atividades agrícolas [...]”, bem como na cooperação
com os estados para “[...] instalação e manutenção de escolas primárias,
nas zonas em que a ação supletiva da União se tornar imprescindível”
(BRASIL, 1937, art. 117, 118).
Com o fim do Estado Novo e o retorno ao regime democrático em
1946, a questão da educação rural ganhou ênfase no cenário educacio-
nal, sobretudo diante dos dados sobre a realidade do ensino primário
no Brasil, evidenciados pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógi-
cos – INEP – e do número insuficiente de escolas para o atendimento
das crianças em idade escolar, especialmente de escolas rurais. Para
tanto, destaca Ávila (2013), o Inep criou o Programa de Organização
do Ensino Primário, incluindo a construção de escolas primárias ade-
quadas à zona rural e ao treinamento de professores. A edificação des-
tas escolas acontecia com base no convênio firmado com os estados,
por meio do qual “[...] o Inep transferia ao órgão educacional compe-
tente, de sua conta do Banco do Brasil, os créditos necessários para a
construção de escolas nas zonas rurais, de fronteira e colonização [...]”
(ÁVILA, 2013, p. 139).
5 Para maior aprofundamento dessa questão consultar Cury (2007).
História da Escola Primária no Brasil

Diante da extensão considerável que a temática da educação, do


ensino e da escola rural abrange no cenário nacional, delimitamos este
texto à análise a respeito das ruralidades impressas nos estados de
Mato Grosso e Paraná, com a finalidade de alcançar nuances do pa-
pel atribuído à escola rural nestes estados, bem como da escolarização
ofertada à infância, que teve como palco de seu desenvolvimento as
áreas rurais.
O investimento da análise incide, ao mesmo tempo, na compreen-
são das diferenças e similaridades entre a escolarização da infância da
zona rural, nos estados de Mato Grosso e Paraná e também na busca
por ir além das realidades e dos fatos, ao procurar compreender como
se constituíram os problemas que ainda hoje permeiam as realidades
rurais em nosso país, intentando “[...] deslocar a análise exclusiva das
fronteiras físicas e inscrevê-las nas fronteiras e nos significados [...]”,
como salientou Souza (2013, p. 7) a partir dos estudos de Iavir-Mashal.
As fontes que orientam o presente texto estão circunscritas aos rela-
tórios e mensagens de governadores e interventores federais, leis, decre-
tos, sinopses estatísticas, escritos de educadores e publicistas do período
e escritos da historiografia educacional. O capítulo está organizado em
duas partes: a primeira trata das características da zona rural de cada
estado; a segunda trata dos modelos de escolas existentes e da expansão
106 do ensino rural, no período delimitado entre 1930 e 1961.

O cenário rural nos estados de Mato Grosso e Paraná:


diferenças e similitudes

Contendo uma área de 1.261.094 Km², o que corresponde a 14,81%


da área do Brasil, Mato Grosso possuía uma população de 522.044 ha-
bitantes,segundo o censo de 1950.Um dos grandes problemas de Mato
Grosso era o do povoamento, pois o estado era majoritariamente rural.
Utilizando como referência a classificação do 8º Congresso de
Educação, podemos observar que em Mato Grosso as zonas rurais
comuns eram constituídas de pequenas cidades e vilas, algumas for-
madas através do movimento de migração, decorrentes da intensifi-
cação de vendas de terras devolutas, dos contratos de colonização e
medidas afins, visando à fixação de contingentes humanos em terras
mato-grossenses.
Dentre algumas das características do estado do Mato Grosso, po-
demos dizer que a extensão territorial, onde 93% fazia divisa com o Pa-
raguai e a Bolívia, era considerada zona rural de imigração e, como bem
escreveu o professor Philogônio Corrêa, “um Brasil à parte”.
Capítulo 3

Tudo lá é diferente; costumes, língua. As fronteiras Brasil–


Paraguai, como se poderá verificar no esboço cartográfico
anexo, é aberto sempre e de acesso franco. O meio de vida
da região é um convite eterno a atividade do paraguaio – a
indústria ervateira e a pecuária – e o número deste elemen-
to imigrado é muito grande. “Embora nascidos no Brasil
– acentua o autor de “Fronteiras Guaranis” – os filhos dos
guaranis não se adaptam facilmente à nossa educação, sal-
vo se a mãe é brasileira, porque em tal caso predomina os
costumes desta. Não aprendeu a língua portuguesa nem
para isso fazem qualquer esforço. Da mistura do castelha-
no com o guarani e o Português, resulta um quase dialeto
que falado na Avenida Rio Branco ninguém entenderia”.
Bela Vista conta uma área de 10.000 Km², e uma popu-
lação de 17.000 habitantes, estrangeiros e nacionais e
está situada à margem do rio Apa, divisa internacional
entre as duas nações. [...]As indústrias ervateiras, a do
quebracho e a saladeiril, constituem a principal fonte de
trabalho da região, e assim, em quase idênticas seme-
lhanças com o município de Bela Vista, Porto Murtinho
oferece todas as vantagens ao paraguaio, cujo elemento
é ali grande parte formadora população. [...]Ponta Porã, 107
com área de 27.812 Km² e população de 30.000 habitan-
tes, está separada da república do Paraguai pela Avenida
Internacional. É centro próspero e com indústria pasto-
ril e ervateira bastante desenvolvida. (MATO GROSSO,
1943, s/p).

Cores, dialetos, sons, sabores se misturavam nessa região e se fun-


diam, ao mesmo tempo, numa cultura singular e plural, caracterizando a
região fronteiriça do estado de Mato Grosso.
Outra especificidade do estado era a zona rural do Alto Sertão,
constituída pela população indígena: índios Barbados, no Alto Pa-
raguai; índios Bacairis, no Alto Teles Pires; índios Bororós, no vale
do rio São Lourenço; ao longo da Estrada de Ferro Noroeste do Bra-
sil, zona habitada pelos remanescentes das antigas tribos Guaicurus
e Terenos; Aquidauana e Campo Grande, com índios Terenos; no
município de Nioaque; na região da Serra da Bodoquena, índios Ca-
diuéris; índios Caiuás, no extremo sul do estado, todos com acesso
à escolarização e à catequização. Já a extensa zona norte do estado,
povoada por numerosas tribos, dentre as quais a dos Nhanbiquaras,
estava ainda sem contato com as iniciativas estatais e/ou religiosas.
(MATO GROSSO, 1943).
História da Escola Primária no Brasil

Viver na zona rural não era algo fácil, porém muito mais difícil era
sair da capital para lecionar. Primeiramente, as distâncias eram grandes
e os meios de transporte, precários, como relatam as professoras:

Minha mãe que não tinha me deixado ir para a zona


rural resolveu me acompanhar até Coxim, onde não
conhecíamos ninguém, era uma aventura a começar
pela viagem, que era de caminhão. Saímos de Cuia-
bá no dia 28 de junho de 1940 e chegamos no dia 3
de julho do mesmo ano, enfrentando a falta de estra-
das daquele tempo. (CLARICE RONDON apud SÁ
ROSA, 1990, p. 211).

Certa vez fui a cavalo de Barra do Bugres até Cáceres.


Chovia muito, a lancha não podia passar, porque os
bancos de areia atrapalhavam. Então, como as aulas
estavam para começar em fevereiro, resolvi enfrentar
a viagem a cavalo. Quando cheguei no meio da via-
gem, o rio encheu e não pudemos seguir em frente.
Aí um bugre que vinha conosco perguntou:
- A senhora tem muita coragem?
108 - Tenho até demais.
- Pois saiba que não temos canoa para seguir em
frente, porque a única o rio levou.
Então ele arrumou uma gamela grande, dessas de fa-
zer rapadura, amarrou uma correia na asa da gamela,
tirou a camisa e se jogou na água. Foi nadando com
a correia presa entre os dentes, aguentando a gamela
comigo dentro. Assim, pegamos a última balsa que ia
passando em Barra do Bugres, e eu não cheguei tarde
à Cáceres para o início das aulas. (ESMERALDINA
MALHADO apud SÁ ROSA, 1990, p. 97).

Depois, esbarravam com a violência, há muito constante no estado


por disputa de poder entre famílias e interesses políticos, conforme re-
latos de professoras:

Dourados, desde sua formação, caracterizou-se pela


violência, brigas de rua, mortes por vingança. Tudo
isso afetava a vida das escolas, pois, quando aconte-
ciam brigas, tiros, a gente trancava a escola correndo,
com medo de que algum aluno fosse atingido. [...]
Aqui ninguém deixa a porta aberta como antes. A
Capítulo 3

vingança está no ar, como no caso das famílias Torra-


ca e César em que aconteceram crimes por questões
de família. (SILVIA ARAÚJO DE MORAIS apud SÁ
ROSA, 1990, p. 161).

Logo que cheguei o que mais me apavorou foram as cons-


tantes brigas, que presenciei, as famílias tinham seus inimi-
gos, havia discussões, encrencas de fazer medo. Eram geral-
mente pessoas do lugar que não queriam aceitar as famílias
que chegavam. Em Cuiabá a fama de Coxim era horrível,
diziam que havia bandidos, que se matava por nada [...].
(CLARICE RONDON apud SÁ ROSA, 1990, p. 211).

Também lidavam com a precariedade local, falta de recursos mate-


riais, infraestrutura e atendimento médico, fatores esses apontados pelo
representante do estado no 8º Congresso Brasileiro de Educação, pro-
fessor Philôgonio Corrêa:

A professora nomeada para a regência da escola não co-


nhece o lugar e o meio em que vai servir, mas, precisa ga-
nhar a vida e manter a subsistência e a da família. A escola
instala-se muitas vezes, em um rancho diferente do que foi 109
apresentando à inspeção, sem mobiliário apropriado, e a
professora fica na completa dependência do murubixaba
do lugar. Desambientada, sujeita aos caprichos do dono da
casa, falta de todos os recursos de alimentação e de remé-
dios, segregada, julga-se infeliz, e, quando tem forças reage
e consegue mudar-se para outro meio onde, muitas vezes,
vai encontrar os mesmos ou novos embaraços, com isso,
leva a professora a tempo a pensar no período das férias
para regressar ao lar, de onde, com muito custo, constran-
gida, no início do novo ano escolar volta a retomar a ativi-
dade sem nenhum estímulo e sempre contra feita. (MATO
GROSSO, 1943, s/p).

Tais relatos desmistificam a representação do rural, concebido


como espaço bucólico de respeito à natureza, e se identifica mais com a
descrição do vilarejo mato-grossense de Desprezo, descrito por Manoel
de Barros. A zona rural do estado era desprezada por todos, sem acesso,
sem comunicação, sem infraestrutura, porém foco de preocupação dos
governantes, principalmente em seus discursos. Mas, como diz o poeta,
“Acho que lugar desprezado é mais triste do que abandonado” (BAR-
ROS, 2006, p.22-23).
História da Escola Primária no Brasil

Já a zona rural do estado do Paraná, também objeto de atenção


dos governantes nos discursos e nas práticas administrativas, foi re-
presentada como um espaço a ser desbravado, colonizado, moderni-
zado pela construção das vias de acesso, comunicação e infraestrutu-
ra, sobretudo vinculada à produção agrícola que teve como cultura
central no período: o café.
Com o objetivo de possibilitar a consolidação do Paraná como o
maior produtor e exportador de café, a questão dos transportes foi uma
constante nos documentos do período, considerada pelos governantes
como “[...] ponto fundamental e nevrálgico da vida administrativa do
estado [...]” (PARANÁ, 1948, p. 7). O plano rodoviário estratégico inicia-
do na gestão de Manoel Ribas foi intensificado nos governos de Lupion
e Rocha Netto com a construção de autoestradas para ligar a capital,
Curitiba, ao Porto de Paranaguá e às cidades do interior, os centros pro-
dutores, permitindo o escoamento e a circulação da produção. Em 1958,
as rodovias que estavam concluídas ou em fase de conclusão foram de-
nominadas de acordo com a riqueza em circulação: “Rodovia do Café,
Rodovia dos Cereais, Rodovia do Mate, Rodovia do Trigo, Rodovia da
Madeira e dos Minérios [...]” (PARANÁ, 2002, p. 20).
Com uma área de 199.307.922 Km², o Paraná contava com 2.115.547
habitantes na década de 1950, o que representava 4,1% da população na-
110 cional. Dentre os paranaenses, 2.038.860 eram brasileiros natos, 11.089 bra-
sileiros naturalizados, 65.503 estrangeiros e 95 não possuíam declaração
de nacionalidade (BRASIL, 1956). Com uma taxa de crescimento popula-
cional que girou em torno de 70 a 100% no decorrer das décadas de 1950
e 1960,a maior parte da população concentrava-se na área rural: 75,5%
(1940); 75% (1950), 69,1% (1960) (IPARDES, 1989, 1993; BRASIL, 2010).
Neste contexto, modernizar o estado consistia em criar infraestru-
tura e ofertar serviços públicos básicos para atender à população oriun-
da do crescimento demográfico, vinculado à “[...] ocupação das terras
férteis do norte, sobretudo por mineiros e paulistas, e da região oeste e
sudoeste do estado, por gaúchos e catarinenses [...]” (PARANÁ, 2002, p.
18), além dos fluxos migratórios oriundos do exterior.
Um dos grandes desafios enfrentados pelo estado também era o po-
voamento, tendo em vista a vasta extensão rural. As práticas administra-
tivas dos governos de Manoel Ribas (1932–1945), Moysés Lupion (1947–
1951 e 1956–1961) e Bento Munhoz da Rocha Netto (1951–1955) foram,
sobretudo, voltadas ao povoamento do território: “Povoar o Paraná, mais
que um mero ato do Executivo, constitui a verdadeira arte de governar.”
(IPARDES, 1989, p. 55). Com este intuito, o povoamento de parte do ter-
ritório paranaense foi realizado por intermédio de companhias particula-
res que detinham, durante a década de 1930, o controle das iniciativas de
colonização das regiões Norte, Oeste e Sudoeste do estado.
Capítulo 3

Os relatórios e as mensagens de governo apontam para uma rela-


tiva tranquilidade social em relação ao movimento de povoamento e
colonização do estado. (PARANÁ, 2002). As narrativas contidas nestes
documentos respaldavam-se nas próprias estratégias de colonização e
urbanização das terras, marcadas pelo planejamento urbano e rural,
como no caso do Norte paranaense. Os estudos de Meneguetti (2009)
retratam que a Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP ao im-
plantar os núcleos urbanos, seus patrimônios, distritos e sedes de co-
marcas, desenhava, concomitantemente, o mesmo traçado planejado
para a área rural:

O posicionamento das cidades de maior relevância acom-


panhava a linha férrea ou as estradas de rodagem, o per-
curso da linha férrea coincidia com as linhas naturais dos
divisores de águas e as estradas que conduziam às proprie-
dades rurais também adotavam o mesmo posicionamento.
Para tornar o espaço habitável e comercializável, o território
desbravado foi dividido em pequenas propriedades delimi-
tadas de um lado pelo curso d’água e de outro pela via de
acesso, sempre cumeadas, de modo a prover cada lote ru-
ral de fácil acesso à água e ao transporte. (MENEGUETTI,
2009, p. 77).
111

No entanto, o processo de colonização e (re) ocupação do território


paranaense pela CTNP e outras companhias colonizadoras que atuaram
no estado neste período não ocorreu de forma pacífica, mas foi resulta-
do de graves conflitos de terras motivados pela especulação financeira
e pela grilagem6.
Como observam Mota e Noelli (1999), Tomazi (1999), Cancian
(1981) e Hoff (1991), no momento em que a CTNP articulou a coloniza-
ção, o território não era inóspito e nem desabitado, havia a presença de
caboclos e índios. Os territórios entre os rios Tibaji, Ivaí e Piquiri, onde
estão assentadas as modernas cidades paranaenses, como Londrina,
Maringá, Campo Mourão, Umuarama, Cascavel e centenas de outras,
menores, nunca estiveram vazios desde a sua humanização – chegada
dos primeiros homens – há mais de 10 mil anos. Também não eram “[...]
sertões desconhecidos [...]”, como quer fazer acreditar certa historiogra-
fia (MOTA; NOELLI, 1999, p. 50). Dados relevantes sobre o número de
6 Com o intuito de coibir os abusos contra os colonos, praticados pelas companhias particulares que
detinham o controle das iniciativas de colonização, o Governo do Paraná cria: em 1947, a Divisão de
Imigração junto à Secretaria de Agricultura; a Chefatura de Polícia, a partir do desmembramento da
Secretaria do Interior, Justiça e Segurança Pública, em 1948; a Fundação Paranaense de Imigração e
Colonização; a Fundação de Assistência ao Trabalhador Rural, em 1951; e o Departamento Adminis-
trativo do Oeste do Paraná, posteriormente denominado Departamento de Fronteira (MAGALHÃES,
2001; PARANÁ, 2002).
História da Escola Primária no Brasil

propriedades rurais existentes na década de 1920, anteriores ao perí-


odo de (re) ocupação das terras pelas companhias colonizadoras, são
apresentados por Tomazi (1999). A própria companhia “[...] confirma
a presença desses caboclos, dizendo que todos foram indenizados para
saírem das terras [...]”, sugerindo o processo de expulsão destas popu-
lações, mesmo que pela via da indenização, argumenta Hoff (1991, p.
27). No entanto, podemos considerar que as estratégias de colonização
e urbanização das terras, marcadas pelo planejamento urbano e rural,
contribuíram para criar a representação de espaços vazios que alçariam
o progresso pela via das companhias colonizadoras.

Modelos e expansão do ensino primário rural

Em Mato Grosso, o ensino rural primário foi ministrado tanto


nas escolas isoladas quanto nas escolas ambulantes, no período de
1930 a 1961. No início da década de 1930, seu funcionamento estava
subordinado ao Regulamento da Instrução Pública de 1927, que, pela
primeira vez, propiciou a atenção devida do poder público de Mato
Grosso à escola rural.
112 É necessário, portanto, registrar que as escolas rurais em Mato
Grosso, até 1927, pertenciam ao conjunto de instituições educativas
denominadas de escolas isoladas, que tinham o objetivo de ministrar a
instrução primária para crianças de 7 a 12 anos de idade. Essas escolas
eram consideradas as que representavam a parte educacional que não
produzia resultados. Foi por esse motivo que o então presidente de
estado, Mário Corrêa da Costa, não satisfeito com esse quadro negativo
da instrução pública primária mato-grossense, sancionou o Decreto n.º
759, de 22 de abril de 1927, delineando novas diretrizes educacionais.
Este decreto determinava que se denominariam escolas rurais aquelas
que se situassem distantes até 3 km da sede do município. Tinham por
finalidade ministrar a instrução primária rudimentar e o curso teria
dois anos de duração. Em Mato Grosso, esse Regulamento promoveu
a Reforma da Instrução Pública, em 1927 e elas deixaram de ser oficial-
mente designadas de escolas isoladas para serem classificadas como es-
colas rurais, especialmente nos relatórios e mensagens a partir de 1930,
de forma mais precisa e pontual (PAES, 2011).
A criação das escolas rurais, de acordo com o Regulamento da
Instrução Pública, em 1927, deveria seguir alguns critérios para a sua
instalação, dentre os quais a disponibilidade de prédios que se adap-
tassem facilmente às necessidades escolares, sendo que os professores
deveriam residir na localidade. Nas áreas rurais, o governo concederia,
Capítulo 3

“[...] a título de auxílio, contribuições pecuniárias às populações rurais


[...] que se propuserem a construir prédios escolares” (MATO GROSSO,
1927, p. 177).
Essas escolas eram as responsáveis pela escolarização das crian-
ças das áreas rurais e deveriam ser instaladas numa distância mínima
de 3 km e abrigar 30 crianças em idade escolar. As unidades escolares
rurais deveriam ter como finalidade:

[...] ministrar a instrução primária rudimentar; seu curso


é de dois anos e o programa constará de leitura, escrita,
as quatro operações sobre números inteiros, noções de his-
tória pátria, geografia do Brasil e especialmente de Mato
Grosso e noções de higiene. (MATO GROSSO, 1927, p. 163).

Contudo, o Regulamento de 1927 estabeleceu “[...] um único tipo


de escola: a que nas zonas rurais de fraca densidade demográfica minis-
trava mecanicamente as mesmas disciplinas que os mestres ensinavam
nas zonas urbanas, densamente povoadas [...]” (LEITE, 1970, p. 138).
De acordo com este autor, os governantes instituíram um regulamen-
to que teve apenas fins meramente administrativos, pois, ao dividir as
escolas em isoladas rurais, isoladas urbanas, isoladas noturnas, escolas
reunidas e grupos escolares, não consideraram as condições peculiares 113
de cada região, nem mesmo se o ensino seria adequado às necessidades
educacionais locais, “[...] nem que a cada tipo correspondesse um grupo
de professores, um programa, um método, um prédio adaptado às ne-
cessidades e possibilidades do meio.” (LEITE, 1970, p.138).
Em realidade, as escolas rurais do Norte e do Sul de Mato Grosso
apresentaram, sobretudo, diferenças no que diz respeito à titulação dos
professores, uma vez que os docentes da parte Sul do estado, em sua
maioria, eram professores não habilitados. A esse respeito, a Mensagem
de 1936 esclarece:

O emprego do methodo analyticos ynthetico no ensino de


linguagem produz grande resultado quando o professor
conhece o processo e o emprego com enthusiasmo, mas é
de effeito nulo quando empregado por um professor que
não o conheça perfeitamente.
Dahi a razão por que se escolhe para os 1° annos os pro-
fessores mais dedicados, mais aptos, mais entusiasmados
pela profissão.
No Sul do Estado fazem justamente o contrário.
Aos professores leigos e menos habilitados se entregam as
classes dos 1° annos!
História da Escola Primária no Brasil

Urge uma reforma geral nos processos de ensino emprega-


dos pelos novos professores. (MATO GROSSO, 1936, p. 18).

Como revela a Mensagem, as classes de 1º ano eram destinadas


aos professores leigos, que desconheciam os métodos de ensino, o que
acabava prejudicando o trabalho de alfabetização. A esse respeito, po-
demos supor que a questão da atuação dos professores sem habilitação
nas classes de 1º ano estava relacionada tanto à falta de interesse de os
poucos docentes habilitados atuarem nas áreas rurais, áreas essas que
ficavam em localidades distantes do núcleo central urbano, quanto à
falta de escolas normais em Mato Grosso. É bem verdade que a segun-
da Escola Normal para a formação de professores primários somente
foi instalada em 1930, em Campo Grande, parte Sul do estado, anexa
ao Grupo Escolar, em 21/4/1930, pelo então presidente de estado, Dr.
Aníbal Toledo, tornando-se a primeira instituição sul-mato-grossense
dessa natureza.
Outros aspectos que dificultavam o provimento dessas escolas
rurais estavam relacionados, de um lado, ao fato de estarem locali-
zadas em pontos afastados do estado de Mato Grosso, muitas vezes
de acesso difícil, e, por outro, ao número restrito de inspetores para
fiscalizá-las. É oportuno registrar que a inspeção das escolas rurais, no
114 período, era feita de acordo com o Artigo 157, pelos Inspetores Gerais
do Ensino, um para a zona norte e outro para a zona sul do estado. De
acordo com o mesmo Regulamento, em seu Artigo 159, os Inspetores
Gerais do Ensino da parte norte deveriam residir na Capital, e os da
parte sul do estado, na cidade de Campo Grande.
Ainda que a partir de 1930 ocorressem mudanças educacionais sig-
nificativas para as populações do campo, foi nesse período que se con-
solidou a corrente de pensamento denominada ruralismo pedagógico,
propondo “[...] uma escola integrada às condições locais regionalista,
cujo objetivo maior era promover a fixação do homem ao campo [...]”
(MAIA, 1982, p. 27). As preocupações com a educação no meio rural con-
tinuaram nas décadas seguintes aos anos de 1930. Como aponta Werle
(2007), em seu livro “Educação Rural em Perspectiva Internacional”, no
8º Congresso Brasileiro de Educação, ocorrido no estado de Goiás, em
1942, a pauta ainda se prendia à educação rural primária:

A educação rural foi discutida sob diferentes enfoques e


sua valorização inspirou debates em várias das conferên-
cias nacionais de educação. A importância da educação
rural, a vinculação da escola e seu meio, a formação pe-
dagógica docente associada a conhecimentos de educação
sanitária, higiênica e agrícola, eram debates que vinham,
Capítulo 3

portanto, se configurando desde o 1º Congresso de 1927.


(WERLE, 2007, p. 161).

Ainda que ocorressem discussões em âmbito nacional, a escola


rural em Mato Grosso continuava apresentando dificuldades em seu
funcionamento, na década de 1950, principalmente em relação à falta
de habilitação do professor que nela atuava. A esse respeito, Fernando
Corrêa da Costa pronunciava-se em Mensagem do ano de 1952.

Cumpre observar que, por força desses pressupostos, as


Escolas Normais apresentam frequência mínima em rela-
ção a outros estabelecimentos. O elemento masculino, aqui
no Estado, desertou completamente dessa disciplina.
Somos forçados a reconhecer que o ensino em Mato Gros-
so está sofrendo uma perigosa involução, um ressaltante
retrocesso. É verdade que para as escolas das cidades es-
pecialmente das que oferecem melhores condições de con-
forto e de progresso, ainda se obtém professora, o que não
se registra quando se trata de preenchimento das unidades
rurais. Diante dessa contingência, as mais das vezes, ve-
mos guindados à posição de professor criaturas semi-anal-
fabetas. (MATO GROSSO, 1952, p. 12). 115

Apesar disso, o estado de Mato Grosso não deixou de enviar esfor-


ços, adotando algumas medidas legais para sanar os problemas relacio-
nados ao desempenho dessas instituições, entre elas a criação de Escolas
Normais para cuidar da formação do professor primário, principalmen-
te a instalação de Escolas Normais no sul do estado, a partir de 1930.
Os cursos de formação de professores das Escolas Normais em
Mato Grosso não atendiam a todos os docentes das escolas primárias,
sobretudo os das escolas primárias rurais, entre elas as situadas na par-
te sul do estado. Para tentar minimizar os problemas com professores
leigos ou semianalfabetos, o governador Fernando Corrêa da Costa or-
ganizou cursos de férias de formação de professores nos meses de julho,
que prosseguiram até as férias do final de ano, sendo oferecidos em
Cuiabá, Campo Grande, Corumbá, Cáceres, Três Lagoas, Aquidauana,
Ponta Porã, Dourados, Amambaí, Coxim, Guiratinga, Poxoréu, Poconé
e Rosário-Oeste, nos quais eram ministrados “[...] ensinamentos de por-
tuguês, aritmética, geografia, história, higiene, etc” (MATO GROSSO,
1952, p. 27).
Mesmo convivendo com outros modelos de escolas primárias,
eram as escolas rurais primárias as principais responsáveis pela escola-
rização das crianças mato-grossenses no início da década de 1930. Essa
História da Escola Primária no Brasil

afirmação baseia-se nos dados estatísticos apresentados nas Mensagens


dos governadores e dos interventores do estado, cuja análise, mesmo
contendo números imprecisos, revela a dimensão dos investimentos
públicos na educação, refletida no acréscimo do número de escolas e da
população escolar infantil atendida.
No período de 1930 a 1937, o investimento público na escolarização
da infância no ensino rural primário ocorria somente por meio do au-
mento no número de escolas, uma vez que essa instituição era caracteri-
zada, pelos governadores de Mato Grosso, como uma escola ineficiente,
precária e não merecedora das despesas públicas para a sua instalação
e funcionamento. Neste aspecto, a Mensagem do presidente de estado
Dr. Anníbal Toledo, de 1930, é bem significativa:

Estou finalmente convencido de que o que se aproveita de


fato no nosso ensino primário é a parte ministrada pelos
Grupos Escolares e pelas escolas isoladas situadas nos cen-
tros urbanos das cidades e vilas principais. O das escolas
rurais e ambulantes é quase todo ineficiente, e a despesa
respectiva inútil. [...] Por isso, estou deliberado a não pro-
ver as escolas rurais e ambulantes que forem se vagando e
a tratar de criar imediatamente grupos e escolas reunidas
116 onde quer que se tornem necessários. (MATO GROSSO,
1930, p. 42).

Ainda que a Reforma de Instrução Pública de 1927 tenha de-


monstrado certa preocupação com as escolas rurais, dedicando ex-
clusivamente uma seção a essas instituições educativas e concedendo
até mesmo contribuições para construções de prédios escolares, as
Mensagens do presidente de estado relatavam que as escolas rurais
continuavam, na década de 1930, funcionando em condições precá-
rias, com as instituições apresentando estruturas físicas não adequa-
das, carência de materiais pedagógicos, falta de professores habilita-
dos, entre outros.
Apesar de todos os problemas, a escola rural primária continuava
se expandindo por todo o estado de Mato Grosso. Em 1937, 10 anos
após a regulamentação da Reforma de Instrução Pública de 1927, Mato
Grosso possuía um total de 227 escolas espalhadas por toda a imensidão
de terras do estado, dentre as quais a grande maioria era de escolas ru-
rais, como mostra a tabela abaixo:
Capítulo 3

Tabela 1 – Relação das Escolas Públicas de Mato Grosso, em 1937

Tipos/Modelos de Escolas Número de Escolas


Urbanas 55
Distritais 20
Rurais 152
Total 227

Fonte: Mato Grosso (1937, p. 20).

Os dados da tabela permitem notar que o número de escolas rurais


representava 66, 96% do total de escolas públicas do período, enquanto
as escolas urbanas representavam 24,23% e as escolas distritais, com o
menor número, acabavam representando 8,81%. Esses dados nos pos-
sibilitam compreender que a presença da escola primária rural era de
mais de 50% do total de escolas do estado de Mato Grosso, uma vez que
o número de escolas distritais e escolas urbanas era bem inferior àquela.
No início da década de 1940, o número de escolas rurais se ampliou
ainda mais no estado de Mato Grosso. A Mensagem de 1941 permite
entrever que foram criadas 100 escolas em todo o estado, instituídas
pelo Decreto n.º 53, de 18/04/1941 (MATO GROSSO, 1941). Em 1942, o
117
ensino primário rural (como podemos ver na tabela a seguir) apresenta-
va a seguinte configuração, segundo dados extraídos da Mensagem do
mesmo ano:

Tabela 2 – Relação das Escolas Rurais Primárias do estado de Mato


Grosso, em 1942

Nomes dos Municípios Número de Escolas Primárias Rurais


Cuiabá 38
Diamantino 03
Rosario-Oeste 16
Livramento 11
Poconé 11
Cáceres 12
Mato-Grosso 04
S. Antonio 21
Corumbá 07
Miranda 03
Béla Vista 03
Aquidauana 04
História da Escola Primária no Brasil

Porto-Murtinho 04
Nioaque 01
Herculânea 09
Campo-Grande 12
Paranaíba 04
Ponta-Porã 03
Poxoreu 05
Três Lagoas 04
Entre Rios 02
Alto-Araguaia 03
Guajará-Mirim 06
Araguaína 07
Lageado 02
Maracajú 02

Fonte: Mato Grosso (1942, p.10).

Ao analisar a tabela, verifica-se que, por mais reduzidos que fos-


sem em termos numéricos, todas as localidades do Mato Grosso possuí-
am escolas rurais, com destaque evidente para a região norte do estado.
118 Essa hipótese cerca-se de estudos que vêm desmitificando a perspectiva
de que a educação de qualidade só ocorreu em localidades que tiveram
acesso ao sistema de ensino mobilizado por meio dos grupos escolares.
Acredita-se que a ampliação do número de escolas rurais em Mato
Grosso, na década de 1940, estivesse associada, de um lado, aos debates
educacionais nacionais, advindos das políticas do governo central moti-
vadas pelo ruralismo pedagógico, conforme tratado anteriormente neste
capítulo, pois esse movimento tinha a finalidade de propiciar a instala-
ção de uma escola integrada às condições locais regionalistas, visando
promover a fixação do homem ao campo; por outro lado, a expansão
estava relacionada ao projeto de Marcha para o Oeste de Getúlio Vargas,
na década de 1940, uma vez que essa Marcha tinha o objetivo de povoar
o interior do Brasil, constituindo em um novo bandeirismo, porém plani-
ficado sob bases racionais, por vias estatais. Para que isso fosse possível,
era necessário implantar instituições adequadas para um domínio total
do Brasil, pelo Brasil (FIGUEIREDO, 1984). O projeto de colonização ide-
alizado pelo governo de Getúlio Vargas estabelecia-se e dentre suas po-
líticas estava a criação de Colônias. Dentre as Colônias Agrícolas estabe-
lecidas nos diferentes estados brasileiros, na região Centro-Oeste, estava
prevista a criação de uma Colônia em Goiás e outra em Mato Grosso.
Nesta política adotada por Getúlio Vargas, a criação das Colônias
estava diretamente ligada à fixação do homem no campo, por meio da
Capítulo 3

implantação da pequena propriedade, pois tinha em vista a necessidade


de expansão das relações capitalistas de produção e, consequentemente,
do capital agrícola (OLIVEIRA, 1999). A esse respeito, Ponciano (2001,
p. 40) adverte:

[...] a pequena propriedade era utilizada como


estratégia para propiciar o retorno do homem
desocupado da grande cidade ou de regiões com
grande densidade demográfica ao campo e às re-
giões como a de Goiás, a do Mato Grosso e a da
Amazônia. [...] o trabalhador teria a aquisição de
sua terra facilitada em função do baixo preço, pela
ajuda financeira na obtenção de recursos e utensí-
lios para trabalhá-la.

Neste sentido, a colonização estava apoiada na estrutura da pe-


quena propriedade, o que, lentamente, acabaria modificando “[...] a
velha ordem latifundiária, e, aos poucos, instaurava a nova realidade
agrícola que o desenvolvimento industrial do país exigiria” (LENHA-
RO, 1986, p. 51).
Em Mato Grosso, o projeto colonizador de Getúlio Vargas foi
estabelecido na parte sul do estado e viabilizado por meio da cria- 119
ção da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND). A referida
Colônia foi criada pelo Decreto-Lei n.º 5.941, de 28 de outubro de
1943. Porém, a sua real implantação somente ocorreu em 20 de julho
de 1948, quando o governo federal,através do Decreto-Lei n.º 87, de-
marcou os seus limites com a reserva de uma área a ser demarcada
não inferior a 300 mil hectares (PONCIANO, 2001). O autor afirma,
ainda, que ela foi implantada somente quando os limites dessa colô-
nia foram demarcados pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra (PON-
CIANO, 2001).
Para ocupar as terras da Colônia Agrícola Nacional de Dourados –
CAND vieram migrantes de quase todas as regiões, principalmente do
Nordeste brasileiro, além de imigrantes de países da América Latina,
Europa, Ásia e Japão. Sobre essa política de colonização da Colônia em
Dourados, Oliveira (1999, p. 23) assinala que

[...] a política de colonização e nacionalização das frontei-


ras, no Sul do Mato Grosso, como parte integrante da Mar-
cha para Oeste, consolidou-se com a criação da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados e o encaminhamento de
contingentes de trabalhadores, os quais foram assentados
sob a proteção do Estado.
História da Escola Primária no Brasil

Muitas famílias se deslocaram para a Colônia, atraídas pelas


propagandas emitidas por Vargas nos veículos de comunicação ofi-
cial, ou chegaram por meio de informações de familiares e amigos
que, ao tomarem conhecimento da doação dessas terras, apressa-
ram-se em avisar os familiares. Em realidade, o projeto estadista de
Vargas voltou-se para a especulação febril da terra, agora valorizada
pela existência de mão de obra disponível e barata. No entanto, esse
processo foi favorecido por alianças empresariais e eleitorais patro-
cinadas por grupos econômicos e políticos, que incidiram sobre o
controle da distribuição das terras (as melhores) devolutas do es-
tado. As terras da Colônia foram cobiçadas e tornaram-se objeto de
desenfreada especulação.
A Colônia Agrícola Nacional de Dourados estabeleceu-se com a
demarcação de 300 mil hectares em duas etapas: na primeira, foram
distribuídos 2.232 lotes de 30 hectares; na segunda etapa, 6.500 lotes
rurais e 6.832 lotes urbanos. A distribuição dos lotes da Colônia seguiu
alguns critérios: eram doados para cidadãos brasileiros, maiores de 18
anos, que se declarassem pobres e se comprometessem a morar nos
lotes rurais. Não poderiam “[...] ser vendidos, hipotecados, alugados,
permutados, alienados ou transferidos, antes da expedição do título
definitivo de posse” (OLIVEIRA, 2013, p. 51). Porém, no processo de
120 ocupação da Colônia era exigida certa iniciativa dos colonos, tendo em
vista a necessidade de um espírito desbravador por parte dos mesmos,
já que deveriam entrar na área e iniciar as roças por meio da abertura
de picadas, estradas e demarcações dos lotes, isentando o Governo dos
gastos com tais tarefas.
Para Abreu (2003), a criação da CAND teve um caráter de po-
voamento com múltiplos objetivos, entre eles: garantir a ocupação
territorial, aumentando o contingente populacional nas áreas de
fronteira; desconcentrar áreas de possíveis conflitos sociais, como o
Nordeste brasileiro; firmar a parte meridional mato-grossense como
extensão do Sudeste, como mercado consumidor e produtor de ma-
téria-prima.
Contudo, esse processo de ocupação e povoamento alterou o ce-
nário rural e urbano dessa região do Sul de Mato Grosso, na medida
em que proporcionou a vinda de um grande número de trabalhado-
res e de famílias extremamente pobres, que acabaram por promover
um significativo aumento populacional. As mudanças trazidas com o
aumento populacional refletiram na área educacional, pois o artigo
22 da legislação referente à Colônia Nacional Agrícola de Dourados
determinava a oferta de “instrução primária” gratuita para os filhos de
colonos, com frequência obrigatória. E o Artigo 38 estabelecia multa
de Cr$ 100,00 para pais de menores não frequentes e “[...] compareci-
Capítulo 3

mento intermédio da autoridade policial [...]”(GRESSELER, 1988, p.


19). Estabelecia-se, assim, a política de oferta e regulação da educação
pública voltada para a área rural.
De fato, as Mensagens de Governadores, na década de 1950, quan-
do a Colônia Nacional Agrícola de Dourados já estava em pleno funcio-
namento na parte Sul de Mato Grosso, permitiram observar os reflexos
propiciados para a área da educação rural nessa região, conforme reve-
lam os dados da tabela seguinte.

Tabela 3 – Relação das Escolas Rurais Primárias do estado de Mato


Grosso, em 1955

Municípios Quantidade Municípios Quantidade


Amambaí 23 Jardim 03
Acorizal 24 Ladário 01
Alto Garças 02 Mato Grosso 08
Arenápolis 02 Maracajú 04
Alto Araguaia 13 Miranda 14
Alto Paraguai 09 Nioaque 06
Aquidauana 20 Nortelândia 02
Nossa Senhora do 121
Aparecidado Tabuado 04 40
Livramento
Barão de
11 Ponte Branca 02
Melgaço
Barra do
17 Porto Murtinho 11
Garças
Bonito 12 12 Ponta Porã 35
Barra do Bugres 05 Poxoréu 33
Bela Vista 22 Poconé 58
Chapada dos Guima-
38 Paranaíba 26
rães
Corguinho 02 Rochedo 08
Coxim 25 Rondonópolis 06
Ribas do Rio
Camapuan 06 03
Pardo
Cáceres 38 Rio Brilhante 17
Campo Grande 59 Rosário Oeste 73
Rio Verde de
Corumbá 33 05
Mato Grosso
Santo Antonio do
Diamantino 16 60
Leverger
História da Escola Primária no Brasil

Dourados 65 Sidrolândia 03
Itaporã 03 Torixoreu 01
Itiquira 01 Tesouro 02
Jaraguai 07 Terrenos 02
Fonte: Mato Grosso – APMT (1955).

Os dados apontam um número significativo de escolas rurais con-


centradas no município de Dourados, quantidade essa que superava
em termos quantitativos o número dessas instituições em municípios
como Santo Antônio de Leverger (60 escolas), Nossa Senhora do Livra-
mento (40 escolas) e Poconé (58 escolas). Em realidade, o município de
Dourados, de acordo com os dados, era somente superado por Cuiabá
(108 escolas) e Rosário Oeste (73 escolas), municípios estes que possu-
íam a maior quantidade de escolas rurais. Certamente o crescimento
no número de escolas rurais em Dourados, nos anos de 1950, pode ser
explicado pela instalação da Colônia Nacional Agrícola de Dourados,
no final da década de 1940, uma vez que os dirigentes da Colônia apre-
sentavam uma preocupação com a instrução primária dos filhos dos
colonos, conforme assinalado anteriormente, poisseus artigos previam
a oferta de “instrução primária” gratuita para os filhos de colonos,
122 com frequência obrigatória.
A imagem a seguir evidencia um dos tipos de escola rural primária,
construída em madeira em uma área rural do município de Dourados,
mais especificamente no Distrito de Indápolis, em uma área pertencente
à Colônia Nacional Agrícola de Dourados, da década de 1940 até o ano
de 1956, situada no Sul do antigo Mato Grosso.
Capítulo 3

Imagem 1 – Escola Primária Rural Mista do Barreirão, Distrito de In-


dápolis, Dourados – MT

Fonte: Acervo do Museu Histórico Municipal de Dourados. 123

Esse modelo de escola rural primária – nesse caso específico, a Escola


Rural Mista do Barreirinho – foi construída na década de 1950, no Distri-
to de Indápolis, em área da Colônia Agrícola de Dourados, com recursos
financeiros do governo federal destinados à instalação da Colônia, ocasio-
nada pela Marcha para o Oeste nessa região do Sul do antigo Mato Grosso.
Como foi possível observar por meio da análise dos documentos,
a expansão da escola primária rural em Mato Grosso ocorreu, princi-
palmente, pela ação do poder público estadual, sobretudo a partir da
década de 1940, motivada, de um lado, pelo ruralismo pedagógico e, de
outro, pela Marcha para o Oeste, que promoveu a criação da Colônia
Agrícola Nacional de Dourados, na parte sul do estado.
Em relação ao Paraná, a regulamentação das escolas primárias no
início da década de 1930 em boa parte ainda estava circunscrita ao Códi-
go de Ensino de 1917, sendo o estado considerado entre os primeiros que
procuraram imprimir unidade e plano aos seus serviços da educação. O
ensino primário, gratuito e obrigatório para crianças de 7 a 14 anos era
ministrado nos grupos escolares e escolas isoladas, estas últimas localiza-
das nas áreas urbanas, suburbanas ou rurais (BRASIL, 1942a).
Nas delimitações desta narrativa, consideramos que a emergência da
expansão do ensino primário rural acompanhou o desenvolvimento eco-
História da Escola Primária no Brasil

nômico do estado e seu processo de interiorização, com a colonização das


regiões Norte, Oeste e Sudoeste. O potencial agrícola do Paraná, o forte
impulso migratório decorrente da cultura do café na região Norte e da pe-
cuária na região Oeste e Sudoeste nos fizeram refletir sobre as particulari-
dades do estado em relação ao país e, internamente, em suas regiões. Nas
mensagens e relatórios de governo pudemos observar os relatos sobre os
processos de colonização, a expansão da malha rodoviária e ferroviária, a
instalação dos municípios e a criação de escolas de forma concomitante.
No ano de 1932, o Paraná contava com 1.136 unidades escolares,
das quais 744 localizavam-se na área rural, número este que recebe
um considerável acréscimo em 5 anos, sendo que do total de 1.438
escolas existentes no ano de 1937, 951 situavam-se na zona rural (BRA-
SIL, 1942b). Os dados permitem identificar, já no início da década de
1930, que a escola situada na área rural representava a maior parte
das unidades escolares do estado, o que se justifica pelo montante da
população que residia no campo: 75,5%. A tabela a seguir, que traz um
resumo dos municípios que ofertavam a modalidade de ensino primá-
rio geral (comum e supletivo), reitera os dados apresentados.

Tabela 4 – Resumo de municípios, segundo as categorias de unidades


escolares neles existentes, 1935–1937
124

Modelos das Unidades Escolares


Número de
Ano Grupos Escolas
Municípios Escolas Isoladas
Escolares Agrupadas
1935 55 37 - 55
1936 56 38 1 56
1937 55 40 - 55

Ano Número de Muni- Localidade das Unidades Escolares


cípios Urbanas Distritais Rurais
1935 55 55 39 55
1936 56 56 41 56
1937 55 55 36 55
Fonte: Sinopse Estatística do Estado do Paraná N. 4 (BRASIL, 1942b).

O resumo dos municípios possibilita identificar que, do total de


municípios paranaenses recenseados nos anos de 1935, 1936 e 1937, to-
dos mantinham unidades escolares nas áreas urbanas e rurais, sendo
que as escolas distritais foram identificadas em parte dos municípios.
Capítulo 3

Observa-se que o modelo de escola isolada figurou na totalidade das


cidades paranaenses, seguido pelo grupo escolar, que em 1935 era man-
tido em 37 municípios; no ano de 1936,em 38; e em 1937, em 40 cidades.
O modelo de escola agrupada/reunida foi identificado somente em um
município, no ano de 1936, como consta na Tabela 5, a seguir.

Tabela 5 – Modelos/Tipos das Unidades Escolares

Grupos Escolares Escolas Isoladas/Singulares


Ano
Unidades Classes Unidades Classes
1932 50 - 1.006 -
1933 50 397 1.031 2.751
1934 50 443 1.154 2.968
1935 52 440 1.144 2.951
1936 54 481 1.228 2.941
1937 60 507 1.378 3.232

Grupos Escolares Escolas Agrupadas/Reunidas


Ano
Unidades Classes Unidades Classes
1932 50 -
1933 50 397 125
1934 50 443
1935 52 440
1936 54 481 2 10
1937 60 507
Fonte: Sinopse Estatística do Estado do Paraná N. 4 (BRASIL, 1942b).

A Tabela 5 nos mostra que, enquanto os grupos escolares de 50 uni-


dades em 1932 passam para 60 no ano de 1937, as escolas isoladas crescem
em maior proporção: de 1.006 unidades para 1.378 no mesmo período.
Em relação à documentação pesquisada, no que se refere às ações
e práticas administrativas governamentais, a denominação “escola pri-
mária rural” é atribuída, inicialmente, às escolas subvencionadas ora
mediante acordo com o governo federal, ora mediante acordo entre es-
tado e municípios. Fato que pode ser observado em mensagem encami-
nhada pelo presidente de estado, Caetano Munhoz da Rocha, referente
ao exercício dos anos de 1924 a 1928, ao indicar a existência de 120 esco-
las primárias rurais subvencionadas pela União7, em conformidade com
o Decreto Federal n.º 13.014, de 13 de maio de 1918 (PARANÁ, 1928).
7 O Decreto Federal n. 13.014, de 4 de maio de 1918, regula o auxílio financeiro por parte do Governo
Federal, mediante a concessão de 1:800$ anuais, para manutenção de cada escola fundada pelos go-
vernos dos Estados, destinadas ao ensino da língua portuguesa, da geografia e história do Brasil, em
municípios constituídos por antigas colônias de europeus (BRASIL, 1919, p. 6525).
História da Escola Primária no Brasil

Essa escola primária rural, subvencionada mediante acordo com o


governo federal, situava-se, sobretudo, nas zonas de colonização e con-
figurava-se alinhada ao modelo de escola isolada, regidas por um único
professor, em salas multisseriadas. Em relatório referente ao exercício de
1932 a 1939, o interventor Manoel Ribas, ao apresentar os dados sobre a
expansão do ensino primário, informou a existência de 254 escolas primá-
rias rurais subvencionadas pelo governo federal (PARANÁ, 1939).
Essa ação supletiva pode ser identificada no Paraná por meio da cons-
trução de 22 grupos escolares rurais durante o governo de Manoel Ribas.
Em relatório referente ao período de 1940 a 1941, o governador registra
a construção dos grupos escolares rurais circunscritos ao que denomina
de “grande plano do governo do Estado”, desenvolvido com o apoio do
governo federal, por intermédio do Ministério da Educação e Saúde, para
construção de escolas nas principais zonas colonizadas do estado, median-
te auxílio financeiro de R$ 3.500:000$000. (PARANÁ, 1941, p. 28).
Apesar de, na história da educação brasileira, o grupo escolar ter sua
configuração marcada pela urbanidade, este modelo de escola primária
também ocupou o cenário rural em alguns estados da federação, dentre
eles o Paraná. Na tabela seguinte estão expostos os dados sobre as locali-
dades dos grupos escolares rurais construídos e em construção, vincula-
dos ao auxílio do governo federal, nos diferentes municípios do estado.
126
Tabela 6 – Grupos escolares rurais construídos e em construção
(1940–1941)

Modelo Localidade Número de salas Observação


Cornélio
Grupo escolar rural 8 salas Concluído
Procópio
Teixeira
Grupo escolar rural 8 salas Concluído
Soares
Marechal
Grupo escolar rural 8 salas Concluído
Malé
Grupo escolar rural Bandeirantes 6 salas e residência Concluído
Cruz
Grupo escolar rural 4 salas e residência Concluído
Machado
Vera
Grupo escolar rural 2 salas e residência Concluído
Guarani
Grupo escolar rural Afonso Pena 2 salas e residência Concluído
Santa
Grupo escolar rural 2 salas e residência Concluído
Bárbara
Em
Grupo escolar rural Dorizon 2 salas e residência
andamento
Capítulo 3

Em
Grupoescolar rural Valinhos 2 salas e residência
andamento
Em
Grupo escolar rural Rio Azul 6 salas
andamento
Em
Grupo escolar rural São Mateus 8 salas
andamento
Em
Grupo escolar rural Guarapuava 8 salas
andamento
Em
Grupo escolar rural Palmas 8 salas
andamento
Em
Grupoescolar rural Ingá 6 salas
andamento
Em
Grupo escolar rural Bom Jardim 4 salas
andamento
Em
Grupoescolar rural Cerro Azul 4 salas
andamento
Em
Grupoescolar rural Porto Vitória 2 salas e residência
andamento
Em
Grupoescolar rural Pato Branco 2 salas e residência
andamento
Em 127
Grupo escolar rural Três Bicos 2 salas e internato
andamento
Em
Grupoescolar rural Laranjeiras 2 salas e internato
andamento
Fonte: Relatório 1940–1941 (PARANÁ, 1941).

Os grupos escolares rurais construídos com recursos do governo


federal obedeceram a um padrão de edificação: em alvenaria, entre duas
a oito salas de aula, com ou sem residência para professor. O padrão da
construção pode ser observado na foto do Grupo Escolar Rural de Ban-
deirantes, município situado na região norte do estado, uma das escolas
edificadas mediante auxílio concedido pelo Ministério da Educação e
Saúde, obra concluída no valor de R$199:328$000 (PARANÁ, 1941).
História da Escola Primária no Brasil

Imagem 2 – Grupo Escolar Rural de Bandeirantes – PR.

Fonte: Relatório 1940–1941 (PARANÁ, 1941).

De acordo com os dados do relatório sobre a concretização do


plano de obras do governo Moysés Lupion, referente ao período de
1947 a 1950, as 30 casas escolares rurais construídas nas regiões Nor-
128 te e Sudoeste do Paraná, principais núcleos de colonização na época,
correspondem ao convênio firmado entre o Inep e os estados (PARA-
NÁ, 1950a).
A construção das casas escolares rurais recebeu destaque no relató-
rio sobre a concretização do plano de obras do governo Moysés Lupion
(como visto na tabela a seguir), no qual foi exposto o quadro das edifica-
ções escolares situadas nos núcleos coloniais, “[...] onde não havia pos-
sibilidade das Prefeituras e das populações construírem casas escolares,
o Governo realizou essa obra de assistência, construindo casas escolares
para que as crianças não ficassem relegadas ao abandono” (PARANÁ,
1950a, p. 370).

Tabela 7 – Quadro de edificações das casas escolares rurais (1947–1950)

Localidade Em construção Planejadas


Abatiá, em Água das Pedras 1 -
Andirá, em Moacyr Correia - 1
Assaí, em Saltinho - 1
Bela Vista do Paraíso - 1
Cambará - 1
Capítulo 3

Cambé, em Saltinho - -
Cambé, Fazenda Santa Cândida - 1
Carlópolis - 1
Clevelândia - região Oeste - -
Foz do Iguaçu - região Oeste - -
Laranjeiras do Sul - região Oeste - -
Mangueirinha - região Oeste 12 -
TOTAL 13 6

Natureza
Localidade Construídas
da obra
Abatiá, em Água das Pedras Madeira -
Andirá, em Moacyr Correia - -
Assaí, em Saltinho - -
Bela Vista do Paraíso - -
Cambará - -
Cambé, em Saltinho Madeira 1
Cambé, Fazenda
- -
Santa Cândida
Carlópolis - -
Clevelândia - região Oeste madeira, c/ 1 sala 7 129
Foz do Iguaçu - região Oeste madeira, c/ 1 sala 8
Laranjeiras do Sul - região Oeste madeira, c/ 1 sala 10
Mangueirinha - região Oeste madeira, c/ 1 sala 4
TOTAL 30
Fonte: Paraná (Relatório, 1950a).

O relatório apresentado ao governador Bento Munhoz da Rocha


Netto, pelo diretor do Departamento Administrativo do Oeste do Para-
ná, Estevam Ribeiro de Souza Netto, em 1951, refere-se à edificação de
casas escolares rurais do convênio federal, mediante contrato com o Mi-
nistério da Educação e Cultura, nas áreas rurais das seguintes localida-
des: Caremã, perto das Cataratas, Santa Helena, Rio das Antas, estrada
Cascavel-Toledo, Santa Tereza, estrada Cascavel-Foz do Iguaçu, Sanga
Funda, estrada velha para Cascavel, Santa Terezinha, a 18 km de Foz
do Iguaçu, Salto, estrada Cascavel-Catanduvas, e Santa Cruz, estrada
Cascavel-Piquiri. (PARANÁ, 1951).
A imagem a seguir retrata o tipo padrão de casa escolar rural, com
uma sala de aula, edificada em madeira na área rural dos municípios de
Foz do Iguaçu, Laranjeiras do Sul, Mangueirinha e Clevelândia, situa-
dos na região oeste do estado. (PARANÁ, 1951).
História da Escola Primária no Brasil

Imagem 3 – Casa Escola Rural, Foz do Iguaçu – PR.

Fonte: Paraná (Relatório, 1951).

130

Ao iniciar a década de 1950, a Mensagem de abertura da sessão


legislativa de Lupion reflete a tônica do Programa de Organização do
Ensino Primário. Ao dar ênfase ao fato de que o Paraná representava o
maior centro agrícola do país e que, se ainda não o fosse, o estado mar-
chava rapidamente para isso, o governador afirmava as ações de seu
governo relacionadas à educação primária, à formação de professores
e, sobretudo, ao ensino rural. Dentre elas, estava o plano de aumento e
ampliação da rede de ensino primário rural, em regime de acordo com
os municípios, mediante o qual o estado assumia a responsabilidade fi-
nanceira pela abertura de escolas na zona rural, pagando os professores,
dotando-as de material e assistindo-as tecnicamente (PARANÁ, 1950b).
Os dados apresentados no relatório indicavam a abertura de cer-
ca de 500 novas escolas na zona rural durante o ano de 1949 e para o
ano de 1950 estimava-se a abertura de 1.200 unidades. O governador
destacava o atendimento de 15 mil crianças beneficiadas com o plano
de ampliação da rede escolar rural do estado e enfatizava a batalha
empreendida em relação à matrícula e frequência nas escolas rurais
(PARANÁ, 1950b).
Como medida paliativa, que denominou de “[...] incipiente forma-
ção da maioria do nosso professorado dessas escolas [...]” (PARANÁ,
1950b, p. 30), distribuiu um total de 25 mil cartilhas “[...] com o objetivo
Capítulo 3

de comunicar-lhes técnica muito simples para o ensino fundamental da


leitura, da escrita e do cálculo do 1º. ano, e para que elas alcancem fazer
a sua escola mais agradável e mais profundamente educativa [...]” (PA-
RANÁ, 1950b, p. 30).
Ao retratar o quadro incipiente da formação da maioria dos profes-
sores das escolas rurais, Lupion reitera o quadro histórico que se estendia
desde a década de 1930 quando os números apontavam, em 1932, para
um total de 1.816 professores, dos quais 749 destinavam-se para a zona
rural e apenas 55 eram normalistas. Passados 5 anos, em 1937, o quadro
não havia sido alterado em relação à formação do professor rural, o esta-
do já contava com 2.596 professores, dos quais 972 atuavam na área rural
e apenas 94 eram normalistas (BRASIL, 1942b).
Esse quadro sofreu uma alteração significativa somente a partir de
meados da década de 1940, com a aprovação da Lei Orgânica do Ensino
Normal que passou a prever a formação de professores para as áreas
rurais. Com o incremento da Lei, o Paraná passou a criar os Cursos Nor-
mais Regionais e a difundi-los em todo o estado.
Em sua gestão, Lupion colocou em evidência a criação de escolas
normais regionais como medida substancial e de maior alcance, no sen-
tido de dar solução ao problema da escola isolada rural, com a formação
do mestre rural na própria região onde residia, uma das grandes temati-
zações da época no tocante à escola primária rural. (MENNUCCI, 1934; 131
PILOTTO, 1952). O trecho da Mensagem a seguir relata a criação de 19
cursos normais regionais, instituídos a partir da Lei Orgânica do Ensino
Normal de 1946:

A mais profunda das medidas de nossa administração no


setor do ensino primário, destinada a dar ao problema que
assim se enfrenta uma solução definitiva dentro dos próxi-
mos anos. De par com a sua criação, baixamos os progra-
mas respectivos, que são uma verdadeira orientação para a
sua vida e o seu espírito e, nesse sentido, talvez tenhamos
nos adiantado alguma coisa sobre o que de melhor possa
estar feito no Brasil. (PARANÁ, 1950b, p. 31).

Quanto à educação da criança da zona rural, o relatório afirma ser


este um dos pontos mais críticos da atividade educacional pública, à
medida que “[...] a criança da zona rural é, inquestionavelmente, das
que mais precisam de uma profunda influência criadora da escola, e,
infelizmente, a escola da zona rural é a mais deficiente de todo o nosso
sistema.” (PARANÁ, 1950b, p. 143).
Ao ressaltar o crescimento vertiginoso do estado, em virtude dos
movimentos migratórios, e constatar que o sistema educacional não
História da Escola Primária no Brasil

acompanhou esse crescimento, Lupion enfatizava os esforços de sua ges-


tão para suprir o déficit de escolas na zona rural, mediante acordo com
os municípios para fornecer auxílio financeiro para a abertura de no-
vas escolas e manutenção da assistência de material e técnica necessária.
Com essa iniciativa, afirmava: “[...] estamos desse modo, satisfazendo
a uma das solicitações mais vivas que encontramos sempre na alma do
povo: a escola. Na verdade, para felicidade nossa, a escola vem cada vez
mais se incrustando na consciência do povo” (PARANÁ, 1950b, p. 144).
A questão educação rural continuou a ser a tônica do estado no
decorrer da década de 1950, em sintonia com os debates nacionais que
culminaram com a aprovação do Plano da Campanha de Educação Ru-
ral8, em dezembro de 1951, pelo ministro da Educação e Saúde, Ernesto
Simões Filho.
Lupion, em seu segundo mandato como governador, momento em
que o estado ocupava o lugar de líder da produção cafeeira do país, des-
tacou as seguintes metas a serem atingidas até 1960: construção de mais
mil casas escolares rurais, aumento do número de professores primá-
rios, criação de 80 cursos normais regionais, em sua maioria, fundados
nas principais zonas de colonização do estado: as regiões Norte, Oeste
e Sudoeste (PARANÁ, 1958). Tais metas evidenciavam a crescente mo-
bilização do estado em torno da expansão da escola primária rural e da
132 formação de seus mestres, de forma a torná-la, como enfatizou Erasmo
Pilotto, “[...] um centro de vida social e educativo de tôda a comunidade
[...]” (PARANÁ, 1952, p. 48).
Ainda em relação à expansão do ensino primário rural no Paraná,
consideramos importante observar que o mesmo foi ministrado tanto
nas Escolas Isoladas9 e Grupos Escolares, localizados nas áreas rurais,
subordinados à Diretoria Geral de Educação da Secretaria do Interior,
Justiça e Instrução Pública e, posteriormente, à Secretaria de Estado da
Educação e Cultura, quanto nas Escolas de Trabalhadores Rurais e de
Pescadores, subordinadas ao Departamento de Agricultura, da Secreta-
ria de Obras Públicas, Viação e Agricultura – Seção de Ensino Profissio-
nal e, posteriormente, ao Departamento de Ensino Superior, Técnico e
Profissional, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado.
Conforme afirmamos em trabalho anterior (SCHELBAUER;
GONÇALVES NETO, 2013), ocorreu o processo de institucionalização
e expansão das Escolas de Trabalhadores Rurais (ETR) e das Escolas
de Pescadores (EP), em meio às tematizações que consideravam a es-
cola rural como locus para a formação do trabalhador do campo e o
seu ensino como fundamental para criar “o homem do campo” e “o
8 O primeiro regulamento da CNER foi aprovado em 1952. Sobre a CNER, consultar os trabalhos de
Barreiro (2010) e Ávila (2013).
9 As escolas isoladas também são retratadas nos documentos oficiais com a denominação de
Escola Singular e Casa Escolar.
Capítulo 3

homem do mar”, de modo que os mesmos não se considerassem infe-


riores, na escala social, em relação “ao homem da cidade”, nas pala-
vras de Mennucci (1934).
As ETR e as EP foram criadas no Paraná às vésperas da implan-
tação do Estado Novo, instituído a partir de 1937. Expressão de uma
preocupação de caráter nacional, como foi evidenciado anteriormente,
a formação do homem do campo e do homem do mar ganhou relevo
específico no governo de Manoel Ribas, no qual a questão agrícola foi
destacada como uma preocupação que passou a envolver a ação conjun-
ta dos governos estadual e federal.
Segundo as análises de Erasmo Pillotto (1954, p. 102), o plano “[...]
era a organização de um internato, constituído em uma verdadeira
granja-escola, para menores de 9 a 18 anos [...]”. O perfil retratado nos
relatórios e mensagens de seu idealizador e criador, Manoel Ribas, ca-
racteriza-as como instituições de ensino profissional destinadas a ór-
fãos e menores desamparados, que expressavam a preocupação de seu
governo desde o ano de 1935 em relação à infância desprotegida e seu
atendimento “[...] sob uma forma mais racional e proveitosa para a nos-
sa economia, como seja a da formação de trabalhadores rurais.” (PARA-
NÁ, 1939, p. 39).
Depois de algumas regulamentações no decorrer das décadas de
1930 e 1940, em outubro de 1953, na gestão de Bento Munhoz da Ro- 133
cha Netto, o Departamento de Ensino Superior, Técnico e Profissional,
vinculado à Secretaria de Agricultura, aprovou duas novas regulamen-
tações específicas para as ETR (Decreto n.º 10.858) e EP (Decreto n.º
10.860), que imprimiram novas diretrizes ao ensino agrícola e ao ensino
de pesca (PARANÁ,1953). Nesta ocasião, o estado mantinha 15 insti-
tuições do gênero: Escola de Agricultura Prática Manoel Ribas Canguiri,
Piraquara; Escola de Trabalhadores Rurais Ernesto Luiz de Oliveira,Foz
do Iguaçu; Escola de Trabalhadores Rurais Augusto Ribas, Ponta Grossa;
Escola de Trabalhadores Rurais Franklin Delano Roosevelt, Santo Antônio
da Platina; Escola de Trabalhadores Rurais Gil Stein Ferreira, Ivaí; Escola
de Trabalhadores Rurais Agrônomo Hintz, Cândido de Abreu; Escola de
Trabalhadores Rurais Lysimaco Ferreira da Costa, Rio Negro; Escola de
Trabalhadores Rurais Getúlio Vargas, Palmeira; Escola de Trabalhadores
Rurais Olegário Macedo, Castro; Escola de Trabalhadores Rurais Assis
Brasil, Clevelândia; Escola de Trabalhadores Rurais Manoel Ribas, Gua-
rapuava; Escola de Trabalhadores Rurais Fernando Costa, Santa Mariana;
Escola de Trabalhadores Rurais de Tibagi, Tibagi; Escola de Pescadores
Antônio Serafim Lopes, Ilha das Cobras – Paranaguá e Escola de Pescado-
res Marcílio Dias, Guaratuba.
As ETR, regidas em conformidade com a Lei Orgânica do Ensi-
no Agrícola, passaram a ter como finalidade precípua cooperar com a
História da Escola Primária no Brasil

educação das populações rurais por meio de cursos sobre agricultura,


zootecnia e indústrias agrícolas, de caráter prático e orientação ruralista,
destinados aos filhos de lavradores, com o objetivo de oferecer conhe-
cimentos úteis para a formação do homem do campo. “O ensino será
completado com excursões de estudo a outras dependências do Estado,
fábricas, propriedades agrícolas, museus, exposições, feiras, mercados,
etc.” (PARANÁ, 1953, p. 21).
Em relação aos cursos, as ETR passaram a ofertar: Curso de Ensino
Rural Primário (CERP); Curso de Ensino Complementar (CERC), em
caráter de iniciação; Curso de Ensino Rural Especializado (CERE), em
nível de maestria e o Curso de Ensino Rural Rápido (CERR). O primeiro
curso, com duração de quatro anos, oferecia o ensino intelectual primá-
rio nos moldes do ensino primário ofertado nos grupos escolares, além
de oferecer o ensino elementar de agricultura e pecuária, certificando
como Trabalhador Rural (PARANÁ, 1953).
Como foi possível observar, por meio da análise dos documentos,
a expansão da escola primária rural no Paraná ocorreu, principalmen-
te, pela ação do poder público estadual, sobretudo a partir da década
de 1930, motivada, de um lado, pelo ruralismo pedagógico e, de ou-
tro, pelo processo de colonização empreendido pelas companhias de
colonizadoras, o que desencadeou um amplo movimento em prol da
134 formação do professor rural, impulsionado pela Lei Orgânica do Ensino
Normal de 1946.
A urgência com a educação primária para a infância se tornava
primordial diante do alto número de analfabetos que vivia nas áreas
rurais. Embora houvesse nas cidades um crescimento da oferta educa-
cional, a elitização do ensino urbano, com a criação dos grupos escola-
res, dificultava o acesso das classes populares ao introduzir a frequência
obrigatória, o uniforme e o uso de materiais pedagógicos. A frequência
irregular da criança trabalhadora seria inconcebível e o espaço escolar
estaria cada vez mais distante da criança da zona rural que participava
dos trabalhos, especialmente em tempos de colheita. Isso levou o gover-
no estadual a intervir, de forma estratégica, na oferta do ensino primá-
rio no meio rural.
Neste contexto, a escola primária rural foi pensada como uma po-
lítica estadual, por dois fatores: o primeiro relacionava-se à demanda
criada, à formação das novas gerações que pudessem garantir a riqueza
do estado associada ao rural; segundo, civilizar a população que habi-
tava no meio rural, ensinar não só a ler, escrever e contar, mas hábitos
de higiene e valorização da vida no campo. Manter o homem do campo
no campo, mas em condições de tornar o campo moderno, de modo a
implementar a economia associada ao rural.
Considerações finais
As ruralidades impressas nos estados de Mato Grosso e Paraná ti-
veram marcas específicas. Enquanto o espaço rural mato-grossense foi
retratado como um local sem acesso, comunicação e infraestrutura, o
paranaense foi apresentado como um espaço a ser desbravado, coloni-
zado, modernizado pela construção das vias de acesso, comunicação e
infraestrutura, sobretudo vinculado à produção agrícola cafeeira, que
era a principal cultura no período.
Em relação aos tipos de escola primária, a escola isolada localizada
na zona rural foi, sem dúvida, o modelo representativo no qual ocorreu
a escolarização da infância mato-grossense e paranaense no período em
foco. Esse modelo de escola primária representou, quantitativamente,
um maior número de unidades escolares em relação aos grupos escola-
res que, geralmente, eram concentrados nas áreas urbanas. Em relação
ao Paraná, além da escola isolada da zona rural, também denominada
casa escolar rural, coexistiram mais dois modelos: a escola de trabalha-
dores rurais e de pescadores e o grupo escolar rural, com programas
semelhantes aos dos grupos escolares urbanos, mas com a oferta de en-
sino agrícola profissionalizante. Assim como São Paulo, o Paraná expe-
rimentou modelos alternativos na oferta do ensino primário rural.
Inquietante foi contemplar as intervenções do Governo Federal nos
estados e municípios, por meio de subvenções e auxílios relacionados
à expansão da escola primária rural, tendo como balizadores a preocu-
pação com a aculturação dos imigrantes e a defesa das fronteiras na-
cionais. Neste sentido, concordamos com Souza, Araújo e Nunes Pinto
(2013, p. 137), quando afirmam que “[...] a municipalização do ensino
parece ser objeto de diversidades nas unidades federativas [...]”, o que
requer, a nosso ver, estudos pontuais para observar os contornos dessa
diversidade e o papel que os municípios tiveram na oferta de escolari-
zação primária nas zonas rurais.
Ainda dialogando com os autores, chama-nos atenção a conside-
ração feita em relação à expansão da escola primária, quanto ao cresci-
mento demográfico desigual entre os estados “[...] em sintonia com as
diferenças no processo de industrialização e ocupação produtiva da ter-
ra e concomitantemente às políticas de imigração que foram efetivadas
de forma distinta nas unidades federativas.” (SOUZA; ARAÚJO; NU-
NES PINTO, 2013, p. 138). Sobre esta questão, a pesquisa evidenciou
que a expansão da escola primária rural, em seus diferentes modelos,
acompanhou o processo de desenvolvimento econômico dos estados.
No caso do Paraná, o potencial agrícola e o forte impulso migratório
decorrente da cultura do café na região Norte foi um dos motores pro-
pulsores do crescimento da escolarização primária rural; enquanto no
História da Escola Primária no Brasil

caso de Mato Grosso, o processo de migração e imigração decorrente da


instalação da Colônia Nacional Agrícola de Dourados na parte Sul des-
se estado, que desencadeou um crescimento demográfico significativo,
constituiu-se no motor propulsor da expansão da escola rural primária.
É importante salientar que nossa análise levou em consideração
questões relativas à história da educação comparada10, tendo em vista as
iniciativas, particularidades e intencionalidades que marcaram as ações
governamentais de cada estado em relação ao processo de expansão da
escola primária rural. As análises feitas até aqui evidenciaram que no
período estudado, a zona rural era objeto de atenção tanto nos discur-
sos dos governadores de Mato Grosso quanto do Paraná. Enquanto para
os mato-grossenses, essa atenção ficava muitas vezes restrita no plano
dos discursos, entre os paranaenses ocorria tanto no plano dos discursos
quanto das práticas.
No Mato Grosso, tal como no Paraná, o desenvolvimento da esco-
la primária rural ocorreu, principalmente, pela ação do poder público
estadual, motivada pelo ruralismo pedagógico quanto pelo processo de
colonização empreendido pelas companhias colonizadoras. No entanto,
nesse processo existem diferenças, pois enquanto a expansão da escola
rural primária no Paraná intensificou-se a partir da década de 1930, no
Mato Grosso ocorreu somente a partir da década de 1940.
136 Observaram-se processos desiguais de expansão da escola primá-
ria e da formação de professores para as zonas rurais nos estados de
Mato Grosso e Paraná, vinculadosa fatores relacionados aos processos
de ocupação da terra e ao desenvolvimento econômico dos estados. No
Paraná desencadeou-se um amplo movimento em prol da formação do
professor rural, impulsionado pela Lei Orgânica do Ensino Normal de
1946, o que não ocorreu em Mato Grosso, uma vez que nenhuma medi-
da foi tomada em relação à formação do professor rural em virtude da
expansão da escola primária no mesmo período. Mas cabe considerar
que apesar desse movimento ter sido intenso no Paraná, o estado ainda
contou, durante anos, com a figura do professor leigo na zona rural,
pois a formação específica não era garantia de que o professor exercesse
sua docência nas áreas rurais, para as quais o deslocamento e as condi-
ções de trabalho nem sempre eram favoráveis.
Desprezado ou não, o que nos fica evidenciado é que o rural, in-
dependente da sua localidade, sempre foi percebido como “atraso” em
contraposição ao urbano, “moderno”. Por isso, algumas localidades,
como no caso do Paraná, investiram no rural, não em respeito ao modo
de vida do camponês, mas para transformá-lo num cidadão “urbaniza-
do”. A quase ausência de investimento em Mato Grosso na educação
rural também não é resultante ao respeito à cultura camponesa, mas
10 Ver Nóvoa (2009).
Considerações Finais

representa o descaso do governo pelo rural, demonstrando que, no pe-


ríodo estudado, a educação rural constituiu preocupação das políticas
públicas mais no universo do discurso do que propriamente das políti-
cas públicas.
Consideramos que a relevância deste estudo para a história da edu-
cação brasileira consiste em apresentar, no cenário da educação nacio-
nal, a escola primária rural. Em cada nova pesquisa concluída, ela emer-
ge como o modelo de escola primária responsável pela escolarização da
infância brasileira a partir dos anos 30 do século XX, momento de vá-
rias iniciativas reformistas em âmbito nacional e nos estados, voltadas à
expansão do ensino público primário.

137
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4.
O ESTATUTO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR PRIMÁRIA FEDERALIZADA:
(Brasil e Rio Grande do Norte, 1937–1961)

Marta Maria de Araújo – UFRN

Introdução

O plano de uma organização nacional da educação visando à


abrangência das políticas públicas de educação escolar, cultura, assis-
tência social e saúde da criança, conduziu o Ministro Gustavo Capane-
ma Filho (1934–1945) a elaborar, em 1935, por solicitação do Presidente
Constitucional Getúlio Dornelles Vargas (1934–1937), um anteprojeto
para reformar o então Ministério da Educação e Saúde Pública (criado
pelo Decreto n.º 19.444, de 1º de dezembro de 1930), sucedido do Minis-
tério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. (Decreto nº 19.402, de
14 de novembro de 1930).
Em face da incumbência, o Ministro Gustavo Capanema (1935, p.
6-7), confiante do anteprojeto de reforma elaborado, tornaria “[...] o Mi-
nistério mais prestigiado com uma projeção maior sobre todo o país,
e entrará a ser, efetivamente, um poderoso instrumento destinado ao
aperfeiçoamento do homem brasileiro [...].”. Enviado ao Congresso Na-
cional foi aprovado, autorizando uma nova organização ao Ministério
da Educação e Saúde (Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937).
As políticas nacionais de educação, especialmente de educação pri-
mária, pela observância de preceitos constitucionais, de premissas polí-
ticas do regime republicano federativo, além de normalização daquele
projeto de organização do Ministério da Educação e Saúde, concorreriam
para uma projeção de maior alcance em todo o país, mediante o trabalho
cooperativo de conselhos técnicos (Conselho Nacional de Educação, por
exemplo); comissões (Comissão Nacional de Ensino Primário); órgãos
de pesquisas (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Diretoria de
Estatística); fundos especiais (Fundo Nacional de Educação); eventos
nacionais (Conferência Nacional de Educação) e de serviços exclusivos
(Propaganda e Educação Sanitária, Rádiodifusão Educativa).
Em virtude do regime republicano federativo (A nação brasileira
é uma República Federativa com a promulgação do Decreto n.º 01, de
15 de novembro de 1889), a União concernente às políticas nacionais da
educação primária essencialmente, exerceria, em regime de colaboração
com os Estados, Municípios e Distrito Federal, ações próprias (instituin-
História da Escola Primária no Brasil

do, mantendo, dirigindo e assistindo os serviços de educação) e ações


supletivas (observando as disposições constitucionais, concedendo às
unidades federativas auxílios financeiros, principalmente).
No parecer de Cury (2010), a República Federativa do Brasil é com-
preendida pelas incumbências impostas à União e às unidades federati-
vas na distribuição de competências legislativas, normativas e financei-
ras. Afinal, formalizar um sistema federal de educação de pressupostos
liberais foi imperativo político legitimado nas Constituições Brasileiras
Republicanas de 1934 e 1946 (promulgadas em 16 de julho de 1934 e em
18 de setembro de 1946).
A distribuição de competências legislativas, normativas e finan-
ceiras –pelas explicações de Cury – é, portanto, o distintivo do regime
federativo. Em face dessa dimensão política, a República Federativa do
Brasil é a união de membros federados formando uma única entidade
soberana: Estado Nacional. Nisso reside o caráter do sistema federal de
educação, distinto de um sistema nacional de educação, mas sob as nor-
mas nacionais, abrangendo ordenamento jurídico, instituições escolares
e órgãos sob a jurisdição direta da União. Conforme Cury:

Trata-se, pois, de um regime em que os poderes de governo


são repartidos entre instâncias governamentais por meio de
148 campos de competências legalmente definidas. A repartição
de competências sempre foi um assunto básico para a eluci-
dação da forma federativa de Estado (CURY, 2010, p. 152).

Ainda segundo esse autor (2007, p. 832 e 833), a educação escolar


pública e gratuita como função e dever do Estado, “[...] pode se revestir
de outras ações como obrigatoriedade, assistência, diretrizes, autoriza-
ção de funcionamento, planejamento e financiamento.” Todavia, tais
ações poderiam se fundamentar em “[...] uma concepção social de Esta-
do tensionada à sua vertente liberal”.
Mediante tais parâmetros metodológicos, este trabalho visa a uma
reflexão histórica acerca das formalizações de ações próprias e de ações
supletivas da União às unidades federativas e delas próprias, particu-
larmente daquelas circunscritas ao estado do Rio Grande do Norte, para
assim apreender as políticas nacionais de educação primária, decorrente
dessas formalizações. O corpus documental (leis, decretos, resoluções,
regimento, mensagens governamentais) delimitou-se do ano de 1937
(quando da organização do Ministério da Educação e Saúde pela Lei n.º
378, de 13 de janeiro de 1937) ao ano de 1961 (quando da aprovação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Mas, para apreender as políticas nacionais de educação escolar
primária decorrentes das formalizações de ações próprias e de ações
Capítulo 4

supletivas da União às unidades federativas e delas próprias, precisa-


mos identificar seus roteiros e seus procedimentos institucionais. Desse
modo, o ponto de partida será a 1ª Conferência Nacional de Educação,
organizada e promovida, em 1941, pelo Ministério da Educação e Saú-
de Pública. Devido à propaganda e ao investimento político, produzi-
ram-se resoluções emblemáticas, com a ideia de se pensar o histórico
da territorialização das políticas nacionais de educação primária, desti-
nadas às crianças, jovens e adultos do Brasil.

Preparativos da 1ª Conferência Nacional de Educação

Passados quatro anos da aprovação da reorganização do Ministério


da Educação e Saúde, o presidente Getúlio Vargas e o Ministro Gusta-
vo Capanema assinaram a convocação da 1ª Conferência Nacional de
Educação e da 1ª Conferência Nacional de Saúde (Decreto n.º 6.788, de
30 de janeiro de 1941). Na Exposição de Motivos dirigida ao presidente
Getúlio Vargas, datada de 21 de junho de 1941, o Ministro Gustavo Ca-
panema declarou o propósito da 1ª Conferência Nacional de Educação
e da 1ª Conferência Nacional de Saúde, que foi o de firmar princípios
e entendimentos de articulação entre governo federal e governos esta- 149
duais e municipais concernentes à estruturação dos serviços públicos
nacionais de educação e de saúde convenientemente funcionais.
Em direção à materialização dos princípios e entendimentos fir-
mados era urgente que se iniciassem estudos das bases de organiza-
ção de um programa nacional de educação, notadamente da educação
primária destinada à criança, ao jovem e ao adulto. Indiscutivelmente,
as circunstâncias preconizavam definições das formalizações das ações
próprias e supletivas da União às unidades federativas referentes à edu-
cação, à cultura, à saúde, à assistência social e, principalmente, à educa-
ção escolar primária.
Portanto – como indica o trabalho de Lourenço Filho (2002) – estu-
dos, pesquisas, inquéritos e dados estatísticos expostos pela Diretoria
de Informações, Estatística e Divulgação do Ministério da Educação e
Saúde (dirigida por Mário Augusto Teixeira de Freitas de 1931–1952) re-
velavam, largamente, as deficiências, as ineficiências e os desequilíbrios
da educação primária no território brasileiro.
Em face dos propósitos almejados às ações próprias e supletivas da
União, o Ministro Gustavo Capanema remeteu (através da Secretaria da
Presidência da República) aos Interventores Federais dois questionários
para conhecimento das autoridades governamentais da situação da edu-
cação, da cultura, da saúde e da assistência social de cada unidade da fe-
História da Escola Primária no Brasil

deração. Ademais, reiterou o prévio conhecimento dos estudos efetivados,


visto que seriam preferencialmente discutidos na 1ª Conferência.
Na abrangência reformista do Ministério da Educação e Saúde – se-
gundo o próprio Ministro Gustavo Capanema (1945) – situava-se o Ins-
tituto Nacional de Estudos Pedagógicos (criado por aquela Lei n.º 378,
de 13de janeiro de 1937), instalado no ano seguinte na então vigência do
Estado Novo (Decreto-Lei n.º580, de 30 de julho de 1938)para funcionar
como Centro de Estudos, Pesquisas e Inquéritos de todos os problemas
atinentes à educação escolar; à organização do ensino, métodos e proces-
sos pedagógicos; à assistência técnica aos serviços estaduais, municipais e
particulares de educação, além de divulgar os conhecimentos relativos às
teorias e às práticas pedagógicas. Segundo o Ministro Capanema,

Todos os problemas foram estudados; para a solução de


cada um deles se organizou necessário plano; as soluções
tentadas e atingidas revestiram-se sempre de significação
nacional; os resultados obtidos foram conquistas definiti-
vas, que serviram de base a empreendimentos novos (CA-
PANEMA, 1945, p. 38-39).

A evidente eficácia do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos


150 como Centro de Estudos, Pesquisas e Inquéritos concorreu para a divul-
gação, nas décadas de 1940 e 1941, dos vinte primeiros inquéritos con-
cernentes à Organização do Ensino Primário e Normal das unidades
federadas, além de dois volumes denominados Situação Geral do Ensino
Primário e Administração dos Serviços de Educação.
No ano de 1944, durante a gestão de Manoel Bergström Lourenço
Filho, é lançada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,órgão de
divulgação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (periodicida-
de quadrimestral), para socializar resultados de pesquisas e estudos so-
bre a eficiência da educação nacional. Nas palavras de Lourenço Filho:

Ainda que modestas essas publicações revelaram aos ór-


gãos de administração do ensino nas unidades federadas a
extensão relativa do seu trabalho na obra comum da edu-
cação nacional, e certos índices de eficiência ou, ao contrá-
rio, de déficit; propunham-lhes, ademais, novas preocupa-
ções quanto à necessidade de planejamento, financiamento
e preparação do pessoal docente e administrativo interme-
diário (LOURENÇO FILHO, 1964, p. 15).

Em texto dedicado ao vigésimo quinto aniversário do Instituto Na-


cional de Estudos Pedagógicos, o pensador Lourenço Filho (1964) recor-
Capítulo 4

dava a insuficiência de quadros técnicos na maioria dos estados para


certos trabalhos especializados, objetivando ordená-los e coordená-los.
Em face das insuficiências, as unidades federadas,

[...] passaram a enviar chefes de serviço, diretores e ins-


petores para estágio em secções do INEP e, logo também,
para cursos de Administração Escolar de que se encarre-
garam o diretor e os técnicos do novo órgão. Tal coope-
ração encontrou maior motivo de ordem prática logo que
se instituiu o Fundo Nacional de Ensino Primário. [...]
Aos estágios e cursos do INEP não concorreram apenas
educadores nacionais, mas de diversos países latino-a-
mericanos, em especial da Bolívia, Chile, Paraguai e Ve-
nezuela (LOURENÇO FILHO, 1964, p. 15).

Plenárias da 1ª Conferência Nacional de Educação e o


representante do Rio Grande do Norte

A 1ª Conferência Nacional de Educação, reunindo dirigentes e téc-


nicos de órgãos públicos federais, além de delegados de todas as uni- 151
dades da federação, foi realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 8 de novem-
bro de 1941. A Conferência planejada pelo Ministro Gustavo Capanema
com a colaboração do Diretor do Instituto Nacional de Estudos Peda-
gógicos, Manuel Bergström Lourenço Filho, concorreria – como antes
referido – para dar início ao estudo das bases de organização de um
programa nacional de educação, notadamente educação primária para
criança, jovens e adultos.
O Rio Grande do Norte, por nomeação do Interventor Rafael Fer-
nandes Gurjão (1935–1943), foi representado pelo Diretor do Depar-
tamento de Educação, professor Antônio da Rocha Fagundes. Em en-
trevista concedida ao Jornal “A República” (maio de 1941), o professor
Antonio Fagundes – com deveras entusiasmo – nomeou o Rio Grande
do Norte como uma das unidades federativas que muito investia na
educação escolar, apesar da crise financeira que atravessava o estado
e de ser bastante custosa. Como prova dos investimentos na educação
escolar primária, demonstrou:

É suficiente compararmos os dados estatísticos para


chegarmos à conclusão dessa grande verdade. Em 1931
tínhamos 339 unidades de ensino primário oficial com
um total de 15.435 alunos, enquanto em 1940 esses dois
História da Escola Primária no Brasil

números se elevaram a 610 e 27.351 respectivamente. Isto


significa um aumento de 271 unidades e 11.916 alunos,
ou sejam 1.191 em média anual. É necessário notar que
nesses dados não estão computados os estabelecimentos
particulares subvencionados e não subvencionados (O
ENSINO NO RIO GRANDE DO NORTE, 1941, p. 1).

Em outra entrevista para o Jornal “A República” (novembro de


1941), após retornar da 1ª Conferência Nacional de Educação, o profes-
sor Antonio Fagundes sublinhou a educação primária apresentando-a
para autoridades educacionais como sendo a chave única para o indiví-
duo desvendar os horizontes da vida política, social e econômica.
Na 1ª Conferência Nacional de Educação, o professor Antonio Fa-
gundes foi autor de três trabalhos: Uniformização das Escolas Nor-
mais e de títulos de professor; Uniformização do período de férias;
Supressão dos cursos complementares para ingresso à Universidade.
Ademais, foi autor principal dos estudos efetivados sobre a situação da
educação escolar no Rio Grande do Norte e, a partir do questionário
remetido pelo Ministro Gustavo Capanema, divulgou para a impressa
escrita do Rio de Janeiro e do estado um dos resultados discutidos na 1ª
Conferência Nacional de Educação:
152
O Estado do Rio Grande do Norte possui setenta (70.000)
mil crianças em idade escolar de 7 a 12 anos. Metade desse
número está sendo atendida pelo Estado, mais ou menos
sete (7.000) na capital e vinte e oito mil (28.000) no inte-
rior. Mas 70% da população escolar é tão pobre que não
pode comprar nem livro nem caderno (1ª CONFERÊNCIA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO. OS PROBLEMAS ESCO-
LARES..., 1941, p. 2).

Dentre os consensos e compromissos firmados na 1ª Conferência Na-


cional de Educação quanto à estruturação dos serviços federais de educa-
ção como ações próprias e supletivas da União às unidades federativas, o
professor Antonio Fagundes limitou-se a designar a resolução de auxílio
financeiro da União às unidades da federação. O trabalho de Horta (2000)
sobre a referida conferência acentuava a cooperação financeira e assistên-
cia técnica da União aos sistemas estaduais de educação a partir do esta-
belecimento de diretrizes. Na 1ª Conferência, o próprio Ministro Gustavo
Capanema sintetizou a seguinte diretriz para a educação primária:

[...] fixando a regra de que ao Estado cabe, primordialmen-


te, dar a educação primária de três anos ou de cinco anos,
Capítulo 4

conforme suas possibilidades. Como ao Estado se atribui


esse dever primordial, a ele se precisam dar recursos ne-
cessários para isso; e como o Estado, no exercício desse
dever primordial, executa uma tarefa que é nacional, para
a qual todas as esferas administrativas devem concorrer,
cria-se um fundo estadual de educação primária, com a
contribuição obrigatória, com um mínimo de sua dotação
orçamentária, do próprio Estado e dos Municípios, colabo-
rando, por outro lado, o governo federal, com uma parcela
conseguida mediante o lançamento de impostos especiais
ou da majoração de impostos (CAPANEMA, 1941 apud
HORTA, 2000, p. 158, grifo nosso).

Essa diretriz para a educação primária formulada pelo Ministro da


Educação e Saúde demandou dele próprio o esboço de uma resolução,
postulando a criação de um fundo estadual e outro federal para a edu-
cação primária. Pelas proposições do Ministro Gustavo Capanema:

Estudar-se-á a possibilidade da constituição imediata, em


cada Estado, de um fundo comum de educação primária, a
ser mantido por determinadas percentagens da renda tribu-
tária estadual e das rendas tributárias municipais. 153
[...]
É considerada de conveniência nacional a constituição de
um fundo federal de educação primária, a ser nutrido com im-
postos e taxas especiais, para ser distribuído às diferentes
unidades federativas de acordo com as suas maiores ne-
cessidades (CAPANEMA, 1941 apud HORTA, 2000, p. 158,
grifo nosso).

A abrangência das políticas nacionais de educação escolar primá-


ria, com fins intrínsecos de aperfeiçoamento do homem brasileiro com
base nas resoluções aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Educação
é, portanto, indissociável de um conjunto de normatizações (preceitos
constitucionais, regulamentos), especialmente no que concerne ao esta-
belecimento de diretrizes nacionais articuladamente com a reformulação
dos sistemas de ensino primário das unidades federadas.
História da Escola Primária no Brasil

Resoluções da 1ª Conferência Nacional de Educação e


formulações das políticas nacionais de
educação primária

Na década de 1940 – sem dúvida – havia inúmeros problemas pe-


dagógicos, demográficos e financeiros que dificultavam a expansão da
educação primária por todos os lugares do território brasileiro. Essa dé-
cada (1940) e a seguinte (1950) foram, respectivamente, de decisões po-
líticas reiteradas do direito à educação primária para todos, de formali-
zações de ações próprias e supletivas da União às unidades federativas;
de enunciação das políticas nacionais de educação; de reformulação dos
sistemas de ensino primário das unidades federadas, bem como da ma-
terialidade institucional das políticas nacionalizadas de educação, de
saúde, de assistência social.
Acrescente-se, ainda, a instauração de um arcabouço normativo es-
truturante da educação primária como direito individual da criança, do
jovem, do adulto. Portanto, para cada política nacionalizada estruturan-
te da educação primária, havia, como assim sucede, várias prescrições
normativas convenientes à União e às unidades federadas.
Assim sendo, a primeira matriz normativa de uma política nacio-
154
nal de educação primária – oficializada um ano após a 1ª Conferência
Nacional de Educação – teria sido o Fundo Nacional do Ensino Primário
(Decreto-Lei n.º4.958, de 14 de novembro de 1942). Para efetivamente
vigorar, o Ministro da Educação e Saúde foi autorizado a oficializar o
Convênio Nacional de Ensino Primário entre a União e as unidades fe-
derativas, assinado no dia 16 de novembro de 1942 pelo Ministro Gus-
tavo Capanema e pelos delegados representantes dos governos. Tal ato
protocolar requereu ratificar o Convênio Nacional de Ensino Primário
(Decreto-lei n.º 5.293, de 1º de março de 1943) como parte integrante
daquele Decreto-Lei n.º4.958, de 14 de novembro de 1942, que instituiu
o Fundo Nacional do Ensino Primário.
Em sua dimensão oficial de uma ação supletiva da União, os recur-
sos para efetivação do Convênio Nacional de Ensino Primário, indubi-
tavelmente dependeriam de alguma forma da receita de tributos nacio-
nais. Assim, a formalização dos recursos federais constante do Fundo
Nacional do Ensino Primário – conforme o Decreto-Lei n.º 6.785, de 11
de agosto de 1944, que lhe instituía – estava assegurada pelo adicional
de cinco por cento (5%) sobre as taxas do Imposto incidido no consumo
de bebidas a entrar em vigor a partir de 1° de janeiro de 1945.
A concessão dos recursos federais para a constituição do Fundo
Nacional do Ensino Primário mereceu, de imediato, uma regulamenta-
ção (Decreto n.º 19.513, de 25 de agosto de 1945) e, assim, prescreveu:
Capítulo 4

i) comprovação dos compromissos assumidos com a União quando da


assinatura, em 16 de novembro de 1942, do Convênio Nacional de Ensi-
no Primário; ii) concessão do auxílio federal para o ensino primário com
cada unidade federativa mediante a proporção do número de crianças
de sete a onze anos de idade não matriculadas em estabelecimento de
ensino primário; iii) auxílios federais provenientes do Fundo Nacional
de Ensino Primário deviam ser aplicados 70% em construções escola-
res, 25% na educação primária de adolescentes e adultos analfabetos,
observado o plano geral de ensino supletivo do Ministério da Educação
e Saúde e 5% em bolsas de estudos destinadas ao aperfeiçoamento pe-
dagógico de professores e técnicos da educação, segundo critérios do
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.
Todavia, a concessão do auxílio federal destinada à educação pri-
mária (como ação supletiva da União às unidades federativas) prove-
niente dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário (assinado
até 31 de dezembro de 1945) dependia, obrigatoriamente, de a unida-
de federativa haver cumprido todas as cláusulas do Convênio Nacio-
nal de Ensino Primário, assinado a 16 de novembro de 1942. Assim,
residia a sensatez das hierarquias normativas nacionais e locais que,
em outra dimensão, presidem a própria estrutura da sociedade. Assim
sendo, o Ministro Gustavo Capanema enviou para cada interventor
federal um ofício (datado de 9 de abril de 1945) solicitando dados refe- 155
rentes à educação escolar primária que possibilitassem estudos e pro-
dução de conhecimentos educacionais por parte do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos:

[...] tenho a honra de solicitar de V. Exc., as necessárias


providências no sentido de que sejam sempre remetidos,
com a devida oportunidade, ao Instituto Nacional de Es-
tudos Pedagógicos, deste Ministério, todos os dados e in-
formações que possibilitem maior estudo e conhecimento
do problema do ensino primário do país (OFÍCIO Nº 145,
09.04.1945, fl. 1).

Indispensavelmente, dentre os dados referentes ao conhecimento


da educação primária em suas regularidades, variantes e particularida-
des locais passíveis de ser apreendidas, exigiam-se: i) súmula dos atos
e fatos da vida educacional do Estado; ii) orçamento de cada exercício
financeiro e respectivas tabelas explicativas em especial as tabelas das
despesas referentes à educação; iii) cópia do conjunto dos decretos-leis
referentes aos serviços da educação; iv) cópia dos relatórios anuais dos
diretores da educação pública; e v) cópia dos projetos de construção es-
colares e respectivos orçamentos, datas de início e conclusão das obras
História da Escola Primária no Brasil

planejadas. Por conseguinte, o caráter oficial do auxílio da União à am-


pliação da educação primária nas unidades federadas procedia do cum-
primento do Decreto-Lei n.º 8.529, de 2 de janeiro de 1946.
Ao ser regulamentada a política nacional de educação primária, du-
rante o Governo Provisório do Presidente do Supremo Tribunal Federal
(29 de outubro de 1945 a 31 de janeiro de 1946), o Ministro José Linhares
convocado pelas Forças Armadas devido à renúncia forçada do presi-
dente Getúlio Dornelles Vargas, a 29 de outubro de 1945 – por orientação
do Ministro da Educação, Raul Leitão da Cunha – decretou a expedição
da Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto-Lei n.º 8.529, de 2 de janei-
ro de 1946). Por esse Decreto-Lei de 1946, referendava-se a distribuição
dos recursos do Fundo Nacional de Ensino Primário pela União às uni-
dades federativas perante seus princípios e convênios acordados.
No governo de Eurico Gaspar Dutra (1946–1951), principalmen-
te na administração do Ministro da Educação Clemente Mariani Bit-
tencourt (1946–1950), para alargar o alcance da aplicação dos auxílios
federais do Fundo Nacional de Ensino Primário (nos termos do De-
creto n.º 19.513, de 25 de agosto de 1945 e da formalização das ações
supletivas da União às unidades federativas), o presidente expediu o
Decreto n.º 2.4191, de 10 de dezembro de 1947 regulamentando: i) o
valor de 70% do auxílio federal destinava-se a construções, reconstru-
156 ções de prédios escolares e à aquisição de equipamentos didáticos; ii)
o valor de 25% do auxílio federal dirigia-se à educação primária de
adolescentes e adultos analfabetos; iii) o valor de 5% do auxílio fede-
ral aplicar-se-ia na concessão de Bolsas de Estudo, na manutenção de
cursos destinados à formação e aperfeiçoamento de pessoal docente e
técnico especializado de ensino primário e normal e no funcionamento
de classes de ensino primário destinadas à demonstração de prática
pedagógica. Todos os planos estariam em observância com os termos
dos planos do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e teriam
sido aprovados pelo Ministro da Educação.
No governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956–1961) e na
gestão do Ministro da Educação Clovis Salgado da Gama (1956–1959),
acresceram-se, ao lado da Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos, a Campanha de Educação Rural e a Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo, qualificadas de Campanhas Extraordi-
nárias de Educação (Decreto n.º47.251, de 17 de novembro de 1959). A
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos destinava-se a pro-
mover a escolarização de adolescentes e adultos para elevação do nível
cultural do povo brasileiro; a Campanha de Educação Rural visava pro-
porcionar o aperfeiçoamento e desenvolvimento dos meios de educação
das populações rurais; a Campanha Nacional de Erradicação de Anal-
fabetismo objetivava aperfeiçoar e desenvolver o ensino primário em
Capítulo 4

áreas municipais preestabelecidas. Afinal, o questionamento, a seguir, é


bastante pertinente: estruturar as políticas nacionais de educação esco-
lar primária às crianças, jovens e adultos não representava levar a efeito
as ações próprias e ações supletivas da União às unidades federativas,
bem como a impulsionar elas próprias?
No governo do presidente João Fernandes Campos Café Filho –
mais uma vez o Fundo Nacional do Ensino Primário foi regulamentado
(Decreto n.º 37.082, de 24 de março de 1955) – visando acrescer novos
critérios a serem cumpridos pelas unidades da federação: i) 45%, inver-
samente proporcionais aos recursos disponíveis para a educação popu-
lar; ii) 30%, diretamente proporcionais ao progresso verificado no índice
de alfabetização apurado e segundo os últimos dados disponíveis; e iii)
25%, diretamente proporcionais ao empenho de cada unidade no cum-
primento dos convênios anteriores de auxílios federais.

Acordos firmados pelo estado do Rio Grande do Nor-


te e seus municípios para a consolidação das políticas
de educação primária

O Rio Grande do Norte – estado signatário do Convênio Nacional 157


de Ensino Primário – ratificou no dia 7 de outubro de 1943 o Decreto-Lei
n.º215, enquanto parte integrante, assinado pelo Ministro da Educação e
Saúde (Gustavo Capanema) e pelo Interventor Federal Antonio Fernan-
des Dantas (1943–1945), no Ministério da Educação e Saúde na cidade
do Rio de Janeiro.
Em suas cláusulas, por um lado, a União, mediante a formalização
das ações supletivas às unidades federadas, cooperava para o desenvol-
vimento do ensino primário por meio da concessão de auxílio federal
dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário. Por outro lado, o
estado do Rio Grande do Norte comprometeu-se em aplicar já no ano
de 1944, pelo menos quinze por cento (15%) da renda proveniente de
seus impostos à melhoria e à manutenção do sistema escolar primário
em bases federativas. A essa percentagem mínima elevar-se-ia o valor
de vinte por cento (20%) no período médio de cinco anos.
No dia 10 de novembro de 1943, o Diretor do Departamento de
Educação professor Severino Bezerra de Melo reunido em Natal com
prefeitos ou delegados autorizados dos quarenta e dois (42) municípios
do estado celebraram a assinatura do Convênio Estadual de Ensino Pri-
mário, nos termos do desenvolvimento da melhoria do sistema escolar
primário em bases federativas (ratificado pelo Decreto-Lei n.º256, de 20
de dezembro de 1943).
História da Escola Primária no Brasil

Por meio daquelas cláusulas, a responsabilidade pedagógica do


município associava-se ao estado na melhoria crescente do sistema es-
colar primário em bases federativas. Nas cláusulas do Convênio cele-
brado, cada município obrigava-se a contribuir a partir do ano seguin-
te (1944), com, pelo menos, dez por cento (10%) da receita ordinária no
auxílio à educação primária.
Essa percentagem mínima elevar-se-ia ao valor de quinze por cento
(15%) no período médio de cinco anos. Indubitavelmente, a concessão
do auxílio federal dos recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário
estava condicionada ao cumprimento dos Acordos firmados pela União
com o estado do Rio Grande do Norte devido à assinatura do Convênio
Estadual de Ensino Primário (16 de novembro de 1942).
No dia 3 de julho de 1946 – passados três anos da ratificação do
Convênio Nacional do Ensino Primário –o então Interventor Federal
Ubaldo Bezerra de Melo (1946–1947) recebeu um telegrama dos depu-
tados federais Monsenhor Walfredo Gurgel, Georgino Alves de Souza
Avelino, Dioclécio Dantas Duarte, José Augusto Varela e Vicente Mota
Neto, informando-o de suas assinaturas no Acordo da transferência da
primeira quota do Fundo Nacional do Ensino Primário para o Rio Gran-
de do Norte, destinada, exclusivamente, à construção de vinte e oito
prédios de escolas primárias em diversos municípios do estado.
158
Após assinatura do Acordo de instalação de vinte e
oito escolas primárias em nosso Estado [...] comuni-
camos que o Ministro da Educação remeteu por in-
termédio do Banco do Brasil a importância de qua-
trocentos mil cruzeiros correspondente à primeira
quota do Acordo solenemente assinado e que pro-
porcionará indiscutíveis benefícios às populações
rurais. Cordiais Saudações [...] (PELO ENSINO PÚ-
BLICO, 1946, p. 8).

Portanto, quatorze dias após a assinatura daquele Acordo, o Depar-


tamento de Educação publicou, no dia 17 de agosto de 1946, o Edital de
concorrência para conhecimento das Normas de construção dos prédios
escolares enviadas pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.

Pelo presente edital ficam convidadas as firmas constru-


toras com atividades comerciais no Estado, para compa-
recerem a este Diretoria, dentro do prazo de trinta dias,
a fim de examinarem as plantas e tomarem conhecimento
das Normas enviadas ao Departamento de Educação, pelo
Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do Rio de Janei-
Capítulo 4

ro, para a construção de vinte e oito prédios destinados à


instalação de escolas primárias em diversos municípios do
interior. Constam dessas normas um memorial descritivo
e as necessárias especificações para a referida construção
[...]. Severino Bezerra de Melo (EDITAL DE CONCOR-
RÊNCIA, 1946, p. 7).

Por conseguinte, no dia 7 de abril de 1947, no gabinete do Ministro


da Educação e Saúde, realizou-se a cerimônia de assinatura do Acordo
entre o governo federal (representado pelo Ministro Clementi Mariani
Bittencourt) e os governos do Rio Grande do Norte (representado pelo
Interventor de Ubaldo Bezerra de Melo) e da Paraíba, para implantação,
nessas unidades federadas, dos Serviços do Plano da Campanha de Jo-
vens e Adultos. Pelo Acordo firmado, “A União concederia auxílios para
a manutenção de 450 classes na Paraíba e 250 no Rio Grande do Norte,
no valor, respectivamente, de 1.080,000 e 600,000 cruzeiros” (ASSINA-
DO O ACORDO PARA A EDUCAÇÃO DE ADULTOS NA PARAÍBA E
RIO GRANDE DO NORTE, 1947, p. 1).
Para coordenar o Plano de Ensino Supletivo da Campanha de Edu-
cação de Adolescentes e Adultos, o presidente Eurico Gaspar Dutra
(1946–1951), por recomendação do Ministro Clemente Mariani Bitten-
court, nomeou o Diretor-Geral do Departamento de Educação, Manoel 159
Bergström Lourenço Filho (Portaria n.º 57, de 30 de janeiro de 1947). O
Plano de Ensino Supletivo da Campanha de Educação de Adolescentes
e Adultos previu a abertura de dez mil classes em cidades, vilas e po-
voados no território brasileiro de acordo com as suas maiores necessi-
dades. A despeito das políticas de educação escolar primária, o censo
populacional de 1940 havia evidenciado 56% dos brasileiros maiores de
15 anos na condição de analfabetos.
Em junho de 1948, mais um Acordo foi assinado entre o governo
federal (representado pelo Ministro Clemente Mariani Bittencourt) e o
governo do Rio Grande do Norte (representado pelo deputado federal
Dioclécio Dantas Duarte) para a efetivação da Campanha de Educação
de Adolescentes e Adultos no estado. Pelo Acordo assinado e as forma-
lizações das ações próprias e supletivas da União às unidades federati-
vas, o Ministério da Educação e Saúde comprometia-se a acompanhar
e orientar técnica e pedagogicamente, fornecer material didático (textos
para a aprendizagem da leitura, educação da saúde, cívica e econômica)
e prestar o auxílio financeiro.
No tocante ao Rio Grande do Norte, o governo de José Augusto Va-
rela (1947–1951) comprometeu-se em distribuir e instalar as 250 classes
de Ensino Supletivo por todo o território dos 450 municípios, devendo
funcionar com a duração mínima de duas horas por dia. O governo de
História da Escola Primária no Brasil

José Augusto Varela assumiu o compromisso de “[...] entrar em entendi-


mento com os municípios, associações ou empresas que se disponham
a colaborar no Plano do Ensino Supletivo, confiando-lhe determinado
número de classes em localidades onde convenham.” (ASSINATURA
DO ACORDO ENTRE O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E O ESTADO
DO RIO GRANDE DO NORTE, 1948, p. 2).
A assinatura do Acordo (julho de 1946) para construção de vinte
e oito prédios de escolas primárias em diversos municípios do estado,
após a primeira inspeção das escolas construídas ou em construção, su-
cedeu no governo de José Augusto Varela. No dia 7 de abril de 1948, che-
gou a Natal o técnico do Ministério da Educação, Dr. Lafayete Pereira
Guimarães, representando o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
para cumprir aquela missão acordada:

Com este fim deverá, o dr. Lafayete Pereira Guimarães viajar


ao interior em companhia do prof. Severino Bezerra, diretor
do Departamento de Educação. A demora do dr. Lafayete
Guimarães será de uma semana, devendo prosseguir viagem
até o Piauí, no desempenho de sua missão (EM NATAL UM
TÉCNICO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1948, p. 8).

160 Vivia-se um tempo de inevitáveis mudanças estruturais suscitadas


pelos progressos da tecnologia, da ciência e da industrialização, pro-
vocando, velozmente, mudanças do estado de aparente normalidade.
Assim, a prosperidade da unidade nacional ligada à equalização das
oportunidades educacionais já exigia a escolarização primária para to-
das as crianças, jovens e adultos.
A educação pública pré-primária e primária estava, de maneira
veemente, a demandar professores bem preparados para o conjunto
do trabalho educacional, igualmente de larga compreensão humana e
social. Exatamente no dia 2 de abril de 1948, o Departamento de Edu-
cação publicou uma nota oficial com título – Bolsistas do Magistério
Primário para o INEP – divulgando os nomes das cinco professoras do
magistério primário selecionadas para cursos de especialização, com
duração de um ano, nas áreas de Medidas Educacionais, Direção de
Escolas Primárias, Inspeção e Orientação do Ensino Primário, receben-
do auxílios federais na forma de uma bolsa de estudo no valor de mil
e oitocentos cruzeiros (Cr$ 1.800,00) mensais.
Pressupondo resultados satisfatórios nos cursos de especialização
e aperfeiçoamento organizados pelo Instituto Nacional de Estudos Pe-
dagógicos (INEP), o Ministro Clemente Mariani autorizou para o ano de
1949, novos cursos de especialização em Administração e Organização
de Serviços de Educação Primária (com ênfase em controle de rendi-
Capítulo 4

mento escolar, cadastros, matrículas), Direção de Escolas Primárias, Ins-


peção do Ensino Primário e Medidas Educacionais. Encontrando-se o
Rio Grande do Norte incluído no Plano de Aperfeiçoamento do Ensino
Primário do INEP, duas funcionárias desse órgão estiveram em março
em Natal, para aplicar uma prova de seleção com as oito (8) professoras
inscritas do magistério primário público que foram aprovadas. (APER-
FEIÇOAMENTO DO ENSINO PRIMÁRIO, 1949).
Frente a um povo cujo analfabetismo relativamente decrescia, as
aspirações liberais democratizantes das oportunidades educacionais
para todos através da ampliação da rede escolar primária nacional-
mente, as ações supletivas da União ao Rio Grande do Norte secunda-
da pelo princípio da cooperação, o auxílio federal do Fundo Nacional
de Ensino Primário para aquele primeiro grupo de vinte e oito esco-
las primárias construídas e instaladas em diversos municípios do Rio
Grande do Norte teria sido correspondente ao valor financeiro de um
milhão e quatrocentos mil cruzeiros (Cr$ 1.400,000,00), sendo cinquen-
ta mil cruzeiros (Cr$ 50.000,00) para cada edifício escolar.
A despeito das dificuldades encontradas no cumprimento das cláu-
sulas do Acordo assinado em julho de 1946, as autoridades políticas e
educacionais reputavam haver recebido exatamente, no dia 31 de julho de
1948 duas quotas relativas ao primeiro grupo das vinte e oito escolas pri-
márias construídas e mais uma quota do segundo grupo de quarenta es- 161
colas primárias construídas e instaladas. Julgando-se protagonistas de um
“Plano de Renovação Educacional”, com base nas ações próprias e suple-
tivas da União, e, para conhecimento público, divulgaram-se os valores
depositados no Banco do Brasil pela União: novecentos e trinta e três mil,
trezentos e trinta e três cruzeiros e trinta e dois centavos (Cr$ 933.333.32)
e oitocentos mil cruzeiros (Cr$ 800.000.00). Por esses valores recebidos, o
professor Severino Bezerra declarou para o jornal A República:

Essas importâncias são remetidas pelo Instituto Nacio-


nal de Estudos Pedagógicos por intermédio do Branco
do Brasil e dali vão sendo retirados por cheques emiti-
dos pelo Diretor do Departamento de Educação a favor
das pessoas encarregadas da construção das referidas
Escolas. Grandes têm sido as dificuldades encontradas
para o andamento normal desses trabalhos, entre elas
as do cumprimento das exigências do acordo firmado.
Mesmo assim, já estão quase concluídas as 28 [escolas]
do primeiro Grupo e iniciados os trabalhos de grande
número do segundo Grupo (A INSTRUÇÃO PÚBLI-
CA E OS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO NO GO-
VERNO JOSÉ VARELA, 1948, p. 4).
História da Escola Primária no Brasil

Decorrido um ano da assinatura do Acordo entre o governo federal


e o governo do Rio Grande do Norte na efetivação da Campanha de
Educação de Adultos e Adolescentes – desta feita em maio de 1949 – o
quinto Acordo foi firmado entre o governo federal (representado pelo
Ministro Clemente Mariani Bittencourt) e o governo do Rio Grande do
Norte (representado, mais uma vez, pelo deputado federal Dioclécio
Dantas Duarte), para ampliação das classes de Ensino Supletivo de 450
para 470. Para a Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes no
Rio Grande do Norte, o governo federal destinou recursos do Fundo
Nacional do Ensino Primário, no valor de um milhão, dezessete mil e
trezentos cruzeiros (Cr$ 1.017,300,00). Em telegrama, o deputado Dio-
clécio Dantas Duarte imediatamente avisou ao governador José Augus-
to Varela que divulgou para a imprensa escrita:

Com as minhas congratulações, comunico prezado ami-


go, tive a honra assinar, qualidade de representante seu
governo, Acordo perante Ministro da Educação, criando
470 cursos destinados alfabetizar adultos. Para esse pa-
triótico objetivo, Governo da União contribuirá impor-
tância um milhão dezessete mil e trezentos cruzeiros,
pagas três prestações, sendo primeira dentro 10 dias,
162 intermédio Banco Brasil. Quanto segunda e terceiro de-
pendem registro Tribunal Contas, possivelmente julho,
mediante prestações Contas Governo Estado. Ministro
determinou remessa cópias ao Diretor Educação (DU-
ARTE, 1949, p. 3).

No governo eleito do presidente Getúlio Dornelles Vargas (1951–


1954) competiu ao Ministro da Educação e Saúde Ernesto Simões da
Silva Freitas Filho (1951–1953) a indicação do Dr. Paulo Duarte (fun-
cionário do Inep) para mais uma inspeção das escolas primárias cons-
truídas ou em construção com os recursos do Fundo Nacional do En-
sino Primário. Em ofício dirigido ao governador Sylvio Pedroza, Dr.
Paulo Duarte indicou as escolas inspecionadas – trinta e nove escola-
res rurais, treze grupos escolares, um jardim de infância, uma escola
normal, um educandário e dois internatos – construídas ou em cons-
trução e que teve boa impressão. (OFÍCIO DO INSPETOR DO INEP
AO GOVERNADOR SYLVIO PEDROZA, 1951).
Em 1° de março de 1951, o governador Jerônimo Dix-Sept Rosado
Maia (1951) nomeou a Comissão de Tomada de Contas dos Recursos do
Fundo Nacional do Ensino Primário relativos ao período de 5 de abril
de 1946 a 7 de dezembro de 1950, correspondendo ao valor total de CR$
19.802.666,00 (dezenove milhões, oitocentos e dois mil e seiscentos e ses-
Capítulo 4

senta e seis cruzeiros). Os trabalhos da Comissão de Tomada de Con-


tas foram assistidos pelo então Diretor do Departamento de Educação,
prof. Francisco Gonzaga Galvão.
O Relatório da Comissão de Tomada de Contas dos Recursos do
Fundo Nacional do Ensino Primário no valor de CR$ 19.802.666,00 de-
talhou meticulosamente a sua aplicação: i) construção de prédios es-
colares e equipamentos = CR$ 896.000,00 (oitocentos e noventa e seis
mil cruzeiros); ii) construção de prédios escolares rurais e equipamentos
= CR$ 7.458.104,00 (sete milhões, quatrocentos e cinquenta oito mil e
cento e quatro cruzeiros); iii) instalação e manutenção de cursos de al-
fabetização de adultos e adolescentes = CR$ 2.678.500,00 (dois milhões,
seiscentos e setenta e oito mil e quinhentos cruzeiros); iv) serviços de
educação de adultos e pagamento de professores dos cursos de alfa-
betização de adultos = CR$ 771.925,00 (setecentos e setenta e um mil
e novecentos e vinte e cinco cruzeiros); v) pagamento de professores
dos cursos de alfabetização de adultos e adolescentes = CR$ 830.550,00
(oitocentos e trinta mil e quinhentos e cinquenta cruzeiros); vi) recur-
sos transferidos para prefeitura municipal de Caicó = CR$ 500.000,00
(quinhentos mil cruzeiros). Os Recursos do Fundo Nacional do Ensino
Primário a prestar contas = CR$ 8.054.127,00 (oito milhões, cinquenta e
quatro mil e cento e vinte e sete cruzeiros).
Outrossim, o governador Jerônimo Dix-Sept Rosado Maia deu ce- 163
leridade à assinatura do sexto Acordo, em junho de 1951, entre o Minis-
tério da Educação e o estado do Rio Grande do Norte destinado à cons-
trução de vinte cinco prédios escolares rurais de notável alcance social:
nove grupos escolares, vinte e cinco escolas isoladas e um ginásio rural.
(REINICIADA A CONSTRUÇÃO DE ESCOLAS RURAIS NO ESTADO,
1951).De fato, dois fenômenos interferem para o equilíbrio dessa asso-
ciação. O primeiro é o resultado do que foi socialmente alcançado, prin-
cipalmente concernente à democratização das oportunidades educacio-
nais. O segundo é o alargamento das políticas nacionais de educação
de conformidade com os resultados atingidos, tanto para conceber as
variações das ações próprias e supletivas às unidades federativas quan-
to para compor as estatísticas nacionais da educação escolar.
Na década de 1950, os governos do Rio Grande do Norte se empenha-
ram para que o estado se mantivesse integrado à diversidade das políticas
públicas federalizadas pelas ações próprias e supletivas da União. Sem
dúvida, indispensável era a divulgação dos números do que foi social-
mente alcançado para assinatura de outros novos Acordos. A mensagem
apresentada à Assembleia Legislativa pelo governador Sylvio Piza Pedro-
za (1951–1955) no ano de 1952 é, desse ponto de vista, comprovadora.
No governo de Sylvio Piza Pedroza (assumiu a administração do
estado por morte do governador Jerônimo Dix-Sept Rosado Maia), tan-
História da Escola Primária no Brasil

to os recursos do Fundo Nacional do Ensino Primário (administrado


pelo Inep) quanto os recursos destinados pelo estado de 20% para a
educação escolar (administrado pelo governo estadual) subsidiaram,
indispensavelmente, a expansão da rede de escolas primária em suas
modalidades de grupo escolar, escolas reunidas, escola isolada e escola
rural, e, por extensão a ampliação da escolarização pública para todos.
No ano de 1952, cerca de seiscentas e uma escolas primárias dos
quarenta e sete municípios do estado estavam amparadas por aque-
le percentual de mais ou menos vinte por cento (20%) provenientes de
impostos. Aproximadamente, trezentas e cinquenta e uma escolas pri-
márias estaduais de quarenta e dois municípios recebiam auxílio, em
média, de quinze por cento (15%) oriundo da receita ordinária da mu-
nicipalidade devido àquela obrigação do Convênio Estadual de Ensino
Primário (1943). Cerca de seiscentos e dois cursos supletivos estavam em
atividades em vilas, povoações, pequenos lugarejos, sítios e em peque-
nas e grandes cidades de todos os quarenta e sete municípios do estado.
Assessorado pelo Diretor do Departamento de Educação, pro-
fessor Severino Bezerra de Melo, o governador Sylvio Piza Pedroza
atualizava aos representantes do povo uma parte dos esforços garan-
tidores da democratização da escolarização primária para crianças, jo-
vens e adultos dos Acordos firmados entre Estado e União: i) criação
164 de mais trezentos e quarenta e três cargos de professor do quadro de
auxiliar; ii) funcionamento de uma rede de setenta e um grupos esco-
lares, trinta e nove escolas reunidas e seiscentas e dez escolas isoladas;
iii) construção de prédios escolares rurais em todos os quarenta e sete
municípios perfazendo um total de duzentas e setenta e cinco escolas
rurais (vinte milhões de cruzeiros foram gastos); iv) quantia superior a
um milhão e trezentos mil (Cr$ 1.300.000,00) de recursos provenientes
do Tesouro do Estado para construção de escolas e aquisição de mate-
riais escolares, além da subvenção a trezentas escolas primárias.
A escolarização primária pública, laica, gratuita haveria de ser o
primeiro direito social, igualmente distribuída para todos. Naquele ano
de 1952 – conforme o governador Sylvio Piza Pedroza – o número de
alunos e alunas matriculados, em escolas primárias públicas e particu-
lares subvencionadas, equivaleria a cinquenta e seis mil, novecentos e
cinquenta e seis. Desse total, quinze mil alunos e alunas estudavam em
escolas municipais.
No conjunto dos quarenta e sete municípios do estado, havia quatro-
centos e setenta cursos supletivos com dezessete mil, setecentos e noventa e
oito jovens e adultos matriculados. Ao todo, era oitenta e nove mil, duzen-
tos e cinquenta e dois o número de alunos e alunas matriculados em esco-
las primárias e cursos supletivos. O número de professores que lecionava
para esse total de alunos e alunas seria de mil trezentos e cinquenta e sete.
Capítulo 4

Não obstante todo esse esforço da extensão da escolaridade pri-


mária para crianças, jovens e adultos, havia um quantum excessivo
de crianças notadamente das áreas rurais sem escolarização; exa-
tamente o primeiro segmento beneficiário da democratização das
oportunidades educacionais:

Em todo o Estado, nas sedes dos munícipios, nos seus dis-


tritos e em grande número de povoações, sítios, fazendas
e praias já existe uma apreciável rede escolar, produzindo
salutares benefícios às suas populações, numa evidente
demonstração de que o poder público está ali presente no
cumprimento de um dos graves deveres que lhe impõe o
regime democrático (MENSAGEM, 1952, p. 73).

A educação escolar, por seus deveres e obrigações inerentes às ex-


periências integradoras e socializadoras, era deveras compreendida pe-
las autoridades públicas como prática complementar de outras práticas
educativas. Se, agora por diante, o postulado do preceito constitucio-
nal (Constituição Brasileira de 1934) de parte dos fundos especiais da
União, dos Estados e dos Municípios fosse aplicado, exclusivamente,
em ações educativas (alimentar, dentária, médica, material escolar, bol-
sas de estudos) poder-se-ia pensar essas ações educativas como direitos 165
públicos sucessivamente educacionais, sociais, assistenciais, políticos?
A concretização desses direitos públicos pode revelar a amplitude das
políticas nacionais de educação primária no Rio Grande do Norte pelo
regime de colaboração da União, Estados e Municípios.
Na interventoria de Rafael Fernandes Gurjão (1937–1943), o Instituto
de Proteção e Assistência à Infância de Natal – fundado em 1917 com o au-
xílio de recursos federais – estenderia seus serviços de assistência social das
crianças-alunas às crianças em geral nos ambientes das clínicas médicas
e cirúrgicas (para exames de olhos, nariz, garganta e ouvidos); gabinetes
dentários e de fisioterapia; laboratórios de análises químicas e microscópi-
cas, além do recebimento de medicamentos de sua farmácia popular.
Devidamente autorizado pelo presidente Getúlio Vargas, o Interven-
tor Rafael Fernandes criou o Serviço Estadual de Reeducação e Assistência
Social – S.E.R.A.S. (Decreto-Lei n.º191, de 12 de março de 1943), a funcionar
articuladamente com o Departamento Nacional da Criança (criado pelo
Decreto-Lei n.º2.024, de 17 de fevereiro de 1940), com a principal incum-
bência de planejar, coordenar e efetuar as políticas sociais de proteção à
infância, à maternidade e à educação de crianças pobres e indigentes.
Na interventoria de Ubaldo Bezerra de Melo (1946–1947), foi criado
o Serviço de Assistência Dentária Escolar (com crédito especial de trinta
e sete mil e duzentos cruzeiros = C$ 37.200,00), para atendimento exclu-
História da Escola Primária no Brasil

sivo a estudantes das escolas primárias de Natal (Decreto-Lei n.º 637, de


23 de novembro de 1946). Por sua vez, no governo de José Augusto Va-
rela (1947–1951), o Serviço de Assistência Dentária Escolar foi ampliado
para algumas cidades interioranas, objetivando oferecer assistência so-
cial para mais alunos,

[...] fazendo com que a população quer rural ou urbana, não


se descuide de encaminhar seus filhos para as escolas pri-
márias, oferecendo amparo àqueles que dispõem de pou-
cas possibilidades econômicas e estendendo a todos sua
proveitosa contribuição desde a manutenção da escola, de
material necessário até a instalação de postos de assistência
médico-dentária. (ASSISTÊNCIA DENTÁRIA, 1949, p. 3).

É possível reconhecer que o equânime direito de a criança do


segmento pobre frequentar, com certa regularidade, a escola primária
pública clamaria, inevitavelmente, pela oficialização de outros direitos
sociais públicos como a assistência à saúde (médica, dentária, exames
laboratoriais), assistência alimentar (merenda escolar) e a assistência
aos estudos (material escolar), para permitir condições objetivas míni-
mas de equalização das oportunidades socioeducacionais como prin-
166 cípio das políticas públicas declarado. Subjacente às políticas públicas
estaria, desse modo, o entendimento dos governantes de que não era
possível educar e formar um povo forte e vigoroso sem uma infância
sadia, nutrida e escolarizada.
No Rio Grande do Norte, de fato, a distribuição de alimentos às
crianças e às gestantes, provenientes da Campanha Nacional de Meren-
da Escolar (Decreto n.º37.106, de 31 de marco de 1955), patrocinada pelo
Ministério da Educação e pelo Fundo Internacional de Socorro à Infân-
cia (Fisi, atualmente UNICEF) foi firmada por Acordo dos governos de
Sylvio Piza Pedroza e do presidente João Café Filho (1955).
Ademais, redimensionar o sistema de ensino primário de base fe-
derativo, público, gratuito, laico, obrigatório e único demandou, por
conseguinte, a instauração da Campanha de Cooperativas Distribuido-
ra de Material Escolar (1952), com o intuito de colocar à venda materiais
escolares, subsidiados pelos governos federal e estadual. Conforme
nota publicada na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, a Cam-
panha de Cooperativas Distribuidora de Material Escolar vinha sendo
conduzida, satisfatoriamente, pelo governo estadual:

No Rio Grande do Norte, a campanha da organização de


cooperativas distribuidoras de material escolar, patrocina-
da pelo Ministério da Educação, vai sendo conduzida em
Capítulo 4

ritmos satisfatório. Levado o assunto ao conhecimento do


governador do Estado, este determinou que, no orçamento
em elaboração, fosse incluída a parcela de Cr$ 100.000,00
como auxílio à nova entidade [...]. O diretor do Departa-
mento de Educação designou uma professora para desen-
volver a propaganda [...] visando explanar os objetivos da
campanha ao professorado e aos alunos [...]. Em resposta,
o Ministro da Educação congratulou-se com as autoridades
estaduais pelo significativo apoio dado a essa campanha
(RIO GRANDE DO NORTE. CAMPANHA, 1952, p. 140).

No governo de Dinarte de Medeiros Mariz (1956–1961), coube ao


estado do Rio Grande do Norte empreender uma reforma educacional
(Lei n.º 2.171, de 6 de dezembro de 1957), preconizando organizar e fixar
as bases da educação primária e da formação do magistério primário,
mediante proposições do Plano de Reconstrução da Educação, sistema-
tizado por Anísio Spínola Teixeira e colaboradores do Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais. No seu discurso de posse (4 de
julho de 1952), Anísio Teixeira participou de uma das diretrizes do refe-
rido Plano de Reconstrução da Educação relativas às funções do INEP:

As funções do [INEP] deverão ganhar, nessa nova fase, 167


amplitude ainda maior, buscando tornar-se, tanto quanto
possível, o centro de inspirações do magistério nacional
[...], que deverá dirigir e orientar a escola brasileira, aju-
dada pelos planos de assistência técnica e financeira com
que este Ministério irá promover e encorajar todos os es-
forços úteis e todas as iniciativas saudáveis [...] (DISCUR-
SO, 1952, p. 77).

Parte integrante do Plano de Reconstrução da Educação, o Progra-


ma de Reconstrução da Educação Primária combinava a ampliação e o
fortalecimento da rede de escolas públicas com o aperfeiçoamento do
magistério (professores, diretores, técnicos) mediante os repertórios das
chamadas Ciências da Educação (Antropologia da Educação, Biologia
Educacional, Psicologia da Educação, Sociologia da Educação, Filosofia
da Educação e História da Educação) e a renovação das práticas relativas
ao emprego de métodos e técnica da Didática, que concorreriam para a
eficiência, a produtividade e a rentabilidade do trabalho de ensinar e
de aprender. A intenção e a motivação do ato de ensinar (professores)
e a aquisição de aprendizagens (alunos) sobremaneira provinham dos
conhecimentos metódicos da Didática – como ensinar, como planejar e
como avaliar satisfatoriamente.
História da Escola Primária no Brasil

Em sua primeira mensagem apresentada à Assembleia Legislativa,


o governador Dinarte Mariz (1957, p. 22) fez sobressair que a

[...] organização pedagógica [estava] a exigir uma refor-


ma fundamental que venha atualizar o ensino e adequá-lo
às modernas tendências e orientações da Didática [...] em
consonância com as diretrizes [Plano de Reconstrução da
Educação] traçadas pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais.

De fato, para elaboração do anteprojeto da reforma educacional de


1957, o Secretário de Estado de Educação e Cultura, Tarcísio de Vascon-
celos Maia, representando o governo estadual acordou com o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “[...] para em companhia
dos melhores especialistas do Centro de Pesquisas Educacionais e técni-
cos do país receber sugestões diárias ao anteprojeto da reforma educa-
cional.” (A REFORMA TARCÍSIO MAIA, 1958, p. 3).
Na permanência de um mês nesse órgão (como parte das ações
próprias da União às unidades federativas), o Secretário Tarcísio de Vas-
concelos Maia assinou um Acordo com o Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais do Rio Grande do Norte conjuntamente com
168 o Rio Grande do Sul tornando “campos” experimentais das reformas
educacionais planejadas, para melhor integrar a escola primária às ne-
cessidades imediatas da comunidade a que se destina.
Para conferir à Pedagogia estatuto de Ciências da Educação, com
seus métodos próprios de observação, experimentação e interpreta-
ção da realidade educativa, cinquenta e três escolas primárias (do Rio
Grande do Norte) e trinta e três grupos escolares (do Rio Grande do
Sul) foram selecionados para observação monitorada considerando a
admissão da faixa de escolaridade (alunos de 7 anos na primeira sé-
rie; 8 anos na segunda série; 11 anos na quinta série; 12 anos na sexta
série); a homogeneização do ano letivo de duzentos dias no mínimo;
a introdução da 5ª e 6ª séries em todas as escolas e de cursos comple-
mentares de dois anos e seis horas de aulas diárias. Assim, presumia-
se “[...] permitir ao mesmo tempo ao educando o mínimo desejável
de cultura geral e de educação prática em artes industriais” (AS ATI-
VIDADES DO INEP E DOS CENTROS DE PESQUISAS EDUCACIO-
NAIS, 1959, p. 40).
O domínio dos repertórios das Ciências da Educação, em sua inte-
ração com as diretrizes do Plano de Reconstrução da Educação, orien-
tou, pois, o temário da política de capacitação do magistério primário
(professores, diretores e técnicos educacionais), elaborado pelos técni-
cos do então Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais da Secretaria
Capítulo 4

de Estado de Educação e Cultura, orientado pelos especialistas do Insti-


tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
No início do ano de 1957 (quinze dias de janeiro e quinze dias de
fevereiro em Natal), sucedeu o Curso de Férias destinado a cento e cin-
quenta professores de grupos escolares da capital e de alguns do interior
do estado, com uma programação constando de Didática da Lingua-
gem, Didática da Matemática, Didática de Estudos Naturais, Medidas
Educacionais e Recreação. O Curso de Férias foi ministrado pela profa.
Lia Campos, por professoras especialistas em currículo de ensino pri-
mário da Escola Normal de Natal, por técnicos da Secretaria de Educa-
ção e Cultura do Estado, além dos professores Evanildo Bechara e Júlio
César de Mello e Souza (Malba Tahan). A profª. Lia Campos – integrante
do Centro Regional de Pesquisa Educacional de Porto Alegre –, por soli-
citação de Anísio Teixeira e com o respaldo institucional do “Programa
Missão Pedagógica” do Ministério da Educação, foi posta à disposição
do governo do Rio Grande do Norte, para dirigir o Centro de Estudos e
Pesquisas Educacionais da Secretaria de Estado de Educação e Cultura.
No primeiro semestre de 1958 (8 de março a 8 de junho de 1958 em
Natal), foi realizado o Curso Intensivo de Aperfeiçoamento em Adminis-
tração Escolar e Orientação Educacional, ministrado por especialistas e
consultores do Inep (Juraci Silveira e Eni Caldeira), além de professoras da
Escola Normal de Natal, para mais ou menos cem diretores e orientadores 169
educacionais de todos os cinquenta municípios do estado. A averiguação
da reciprocidade de repertórios das Ciências da Educação, da Didática
e da Prática de Ensino por parte de todos os “cursistas” foi um módulo
comprovado nas “classes de demonstrações” dos grupos escolares da ca-
pital. Nas explicações de Lia Campos, “[…] as classes de demonstrações
tornaram-se laboratórios onde se realizam experiências e pesquisas levan-
do-se em consideração a criança com suas aptidões e desenvolvimento
socioeducacional” (A REFORMA TARCISIO MAIA…, 1958, p. 3).
No segundo semestre de 1958 (25 de agosto a 9 de setembro de
1958), foi promovido o Curso Intensivo para diretores e professores das
escolas reunidas e escolas isoladas de Natal, ministrado pelas professo-
ras da Escola Normal de Natal, “[...] oportunidade para renovar pro-
cessos Didáticos e elevar o nível cultural e pedagógico [...]” pelo estudo
das matérias Metodologia da Linguagem, Metodologia da Matemática,
Metodologia dos Estudos Naturais e Sociais e Noções sobre o Estudo
da Criança (CURSO INTENSIVO PARA PROFESSORES DE ESCOLAS
REUNIDAS E ISOLADAS, 1958, p. 3). No mês de fevereiro (1959), des-
tinou-se o Ciclo de Técnicas Pedagógicas (centrado nos estudos de
problemas pedagógicos e de técnicas de ensino), para esses mesmos di-
retores e orientadores educacionais, além de professores de Prática de
Ensino das Escolas Normais Regionais.
História da Escola Primária no Brasil

Em 29 de agosto de 1958, o governador Dinarte Mariz empossou o


novo titular da Secretaria de Estado de Educação e Cultura, o advoga-
do Grimaldi Ribeiro de Paiva, que, assessorado pela profª Lia Campos,
elaborou e efetivou o Plano Emergencial denominado “Missões Peda-
gógicas” destinado a atualizar mil professores de todos os municípios
do estado. O Plano do “Missões Pedagógicas” no Rio Grande do Nor-
te foi financiado pelo “Programa Missões Pedagógicas” do Ministério
da Educação e Cultura (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1958). Nesse ano
de 1958, o Secretário Grimaldi Ribeiro instalou, em Caicó, o primeiro
curso de Alfabetização de Adultos, associado à Campanha Nacional de
Erradicação do Analfabetismo, cujo material escolar – lápis, borracha,
caderno e livros – foi distribuído gratuitamente.
Entre meados de 1958 e início de 1960 (5 de setembro de 1958 a 10 de
fevereiro de 1960), o Programa “Missões Pedagógicas” teve a docência
de Lia Campos, de professoras da Escola Normal de Natal e do Cônego
José Celestino Galvão (coordenador do Plano “Missões Pedagógicas” na
região do Seridó) tendo sido promovido o Curso de Atualização para
professores primários nos conhecimentos de Português, Matemática,
Ciências Físicas e Naturais, Geografia e História. Como parte do Progra-
ma “Missões Pedagógicas” teve-se o Ciclo de Estudos em Didática da
Linguagem; Didática da Matemática e Didática dos Estudos Naturais e
170 Sociais. Concomitantemente às aulas, aconteciam as sessões de estudos,
inquéritos e debates sobre aprendizagem das disciplinas do currículo
primário (MISSÕES PEDAGÓGICAS, 1959).
Nos meses de fevereiro e março de 1959 (16 de fevereiro a 7 de
março de 1959 em Natal), a programação do Curso de Atualização seria
aplicada no Curso de Habilitação para professores não diplomados da
capital, “[...] com a intenção de ajustar o professorado primário do Esta-
do às novas técnicas educacionais adotadas pela Reforma Educacional”
(SECRETARIA DE EDUCAÇÃO, 1959, p. 1).
Por sua vez, os professores participantes desse Curso de Habilita-
ção submeteram-se a uma prova de avaliação de rendimento, requisito
para o recebimento do certificado de habilitação da docência primária.
Em julho de 1959, o Plano da Reforma da Educação Primária estendia-
se para onze municípios em todas as suas unidades escolares (Caicó,
Acari, Angicos, Areia Branca, Açu, Carnaúba dos Dantas, Ceará-Mirim,
Currais Novos, Jardim do Seridó, Macau, Pau dos Ferros), com o pro-
pósito de melhorar o rendimento escolar do professorado, “[...] tese de-
fendida por Anísio Teixeira, Diretor do Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos e pelas autoridades educacionais do país [...].” (MENSA-
GEM, 1959, p. 55).
Nos anos de 1958, 1959 e 1960 (ARAÚJO, 2006),cerca de quarenta
professores dos Cursos Normal de Natal, Mossoró, Caicó, Macau; pro-
Capítulo 4

fessores primários de grupos escolares, escolas reunidas e escolas rurais


além de técnicos da Secretária de Educação foram selecionados com di-
reito a bolsas de estudos do Inep, dentre outras, para Curso de Forma-
ção de Especialistas em Educação, Curso de Recreação e Atividades
Artísticas, Curso de Artes Industriais (Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais do Rio de Janeiro); Novo Sistema de Ensino Pedagógico
(Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo); Curso de
Supervisão, Curso de Prática de Ensino (Centro Regional de Pesquisas
Educacionais de Porto Alegre); Curso de Regente de Classe, Estágio
de Aperfeiçoamento do Ensino e Estágio de Arte Infantil (Escola Ex-
perimental Guatemala do Rio de Janeiro);Curso de Especialização em
Ensino Normal (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo); Cursos
de Aperfeiçoamento Currículo e Supervisão, Metodologias de Língua
Pátria, Estudos Sociais, Matemática (Instituto de Educação de Belo Ho-
rizonte pelo Programa de Assistência Brasileiro-Americano do Ensino
Elementar – PABAEE); Curso de Especialização de Métodos Pedagógi-
cos e Currículo do Ensino Primário, Secundário e Normal (Instituto of
Inter American Affairs dos Estados Unidos), dentre outros.
A responsabilidade pedagógica desses professores formados nesses
Cursos de Especialização, organizados pelo Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais, consistia em permanecer por cinco anos
trabalhando no magistério estadual, além de participar de equipes de 171
planejamento e de ensino em Cursos de Atualização, Semanas Pedagó-
gicas e de Ciclos de Técnicas Pedagógicas dirigidos para professores
primários. Por seu turno, os professores primários das zonas rurais esta-
vam pedagogicamente assistidos pelo Programa de Aperfeiçoamento do
Magistério Primário (PAMP), sob o encargo daquele Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais quando institucionalizado em 1960.
Se, em 1952, o número de crianças matriculadas em escolas primá-
rias públicas, particulares e subvencionadas seria de setenta e dois mil; já
em 1958, perto de cem mil alunos e alunas estudavam em mil e quinhen-
tas escolas públicas com seus seiscentos e vinte um professores e profes-
soras diplomados. Todavia, aproximadamente cinquenta mil crianças em
idade escolar estavam, ainda, excluídas da política de expansão da esco-
larização primária pública para todas. O acesso à educação consistia no
direito de cada criança estudar numa instituição escolar, mas o número
de classes de aulas era deveras insuficiente para democratização da edu-
cação primária para todas as crianças.
Devido ao cumprimento dos Acordos firmados com auxílios fede-
rais e dos progressos nos índices da escolarização primária no estado,
mais um convênio foi celebrado entre o estado (representado pelo gover-
no de Dinarte de Medeiros Mariz) e a União(representada pelo Minis-
tério da Educação e Cultura), nos termos do Decreto n.º37.082, de 24 de
História da Escola Primária no Brasil

maio de 1955, competindo ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas


Educacionais prestar “[...] ampla assistência, fornecendo recursos para
construção e equipamentos das unidades de ensino, despesas de instala-
ção e manutenção, bem como suplementação de salários de professores
que trabalham em tempo integral” (AÇÃO DO INEP, 1961, p. 99).
Mais um convênio é celebrado no governo de Dinarte Medeiros Ma-
riz (1957–1960) com o Ministério da Educação e Cultura tendo em vista
a política de expansão da escolarização primária pública para todos me-
diante recursos provenientes do Fundo Nacional do Ensino Primário e
do então Programa de Cooperação Financeira às Unidades Federativas.
Nesse sentido, construíram-se os Institutos de Educação de Caicó e de
Mossoró – duas cidades de maior densidade demográfica do interior –
compreendendo Jardim de Infância, Escola Primária de Aplicação, Cur-
so Ginasial, Escola Normal e Ginásio de Esportes (MENSAGEM, 1957).
No ano de 1958, em sua mensagem dirigida à Assembleia Legislati-
va, o governador Dinarte Mariz atribuía à Secretaria de Educação e Cul-
tura o aumento de, pelos menos, três dezenas sobre “[...] as salas de aulas
que são exigidas pela crescente população escolar que procura todos os
anos, os estabelecimentos oficiais [...]” (MENSAGEM, 1958, p. 137).
Assim, a política de expansão da escolarização primária pública,
mais outros convênios foram oficializados com o Ministério da Educa-
172 ção e Cultura voltados à distribuição da merenda através da Campanha
Nacional de Merenda Escolar. Para isso, os governos federal e estadual
obrigaram-se a transferir verbas a todos os municípios para aquisição
de leite, açúcar e arroz para reforçar a merenda da criança em idade
pré-escolar (vinte e cinco mil alunos) e da criança em idade de escola
primária (trinta e quatro mil alunos), estudantes de grupos escolares,
escolas reunidas, escolas isoladas e escolas primárias mantidas por ins-
tituições religiosas.
Nesse mesmo período do governo Dinarte Mariz, por meio dos re-
feridos convênios oficializados, foram construídos e inaugurados treze
grupos escolares e quatro escolas isoladas em cidades-sede de municí-
pios, dotados de 10 e 6 classes de aula. Ademais, pelo menos, três gru-
pos escolares e setenta escolas isoladas ampliaram o número de classes
de aulas. Em muitas escolas primárias (grupos escolares, reunidas e es-
colas isoladas), distribuíram-se dez mil livros didáticos, vinte e cinco
mil cadernos, lápis e borrachas (especialmente para alunos menos fa-
vorecidos) e mil e quinhentas unidades de carteiras visando melhorar o
rendimento dos alunos e alunas (MENSAGEM, 1959).
Em 1959, o governador Dinarte Mariz (1959, p. 2) enaltecia a refor-
ma da educação escolar primária preconizada, em 1957, por já haver
elevado os índices do rendimento educacional dos alunos e professores
– talvez por isso – a educação primária reformada estava em harmonia
Capítulo 4

com “[...] o mundo atual em que o indivíduo há que se entrosar com


um processo científico e tecnológico galopante [...]”. Assim, a relativa
ampliação das modalidades de escolas primárias graduadas já é um in-
dicativo da contrapartida de uma mudança social.
A educação primária reformada tinha a equalização das oportuni-
dades socioeducacionais como princípio político declarado, imperativo
imprescindível para formalizar um sistema de ensino primário de base
federativa, público, gratuito, laico, obrigatório e único. São esses ele-
mentos, todavia, que podem se mostrar mais reveladores dos preceitos
pedagógicos, sociais e políticos orientadores da reforma da educação
escolar primária.
Em razão do caráter público, gratuito e obrigatório da educação
primária comprova-se a necessidade crescente de expansão. É o ensino
popular, por excelência, a educação de todos. No Regulamento do En-
sino Primário e Normal do Rio Grande do Norte, aprovado em 1960, a
educação escolar primária, prioritariamente, destinada a todas as crian-
ças de 7 a 13 anos era, pois, obrigatória para assim estimular em cada
uma delas o gosto do trabalho laborioso e de atividades socialmente
úteis, assim como a iniciação em técnicas que venham corresponder às
necessidades correntes da vida coletiva.

173
Considerações finais

O educador, pensador e intérprete da educação escolar no Brasil,


Lourenço Filho (1944), com pleno domínio de reformador diligente, or-
ganizador de órgãos estatais e idealizador das políticas educacionais
(1937–1961) reportava-se à educação primária pública, gratuita, obri-
gatória e direito de todos, firmemente concebida para igualar as opor-
tunidades educacionais em toda a parte, para impedir a estratificação
geográfica e a estagnação econômica.
Ademais, as políticas nacionais de educação primária não eram
dissociadas da organização do Estado Republicano Federativo, bem
como de problemas capitais relativos à integração social, ao fortale-
cimento da unidade nacional e à produção da riqueza e dos bens da
cultura renovada. Acontece, para Lourenço Filho (1952, p. 56), que
uma das afirmações básicas dos sistemas públicos de educação em
qualquer país democrático era, pois, a igualdade de oportunidades
para seus cidadãos perante “[...] a necessidade de uma homogenei-
zação da população pela aquisição dos instrumentos elementares
da cultura”.
As políticas nacionais de educação primária de uma nação de re-
gime federativo subentendiam, portanto, um estatuto comum entre a
União, os Estados e Municípios. Segundo Lourenço Filho (1952), elas
subentendiam a formalização de ações próprias e ações supletivas da
União às unidades federativas e delas próprias.
Nesses anos (1937–1961) se vivia uma época de inevitáveis mudan-
ças estruturais, provocando, pela análise de Anísio Teixeira (1952, p. 40),
“[...] deslocamentos econômicos, quebra de padrões de comportamento,
alterações de crenças e certezas que, sem dúvida, constituíam ameaças à
estabilidade e coesão sociais”.
Com pleno domínio da complexidade de um país de progressos
desiguais, criando situações de pobreza e de riqueza excessivamente
desproporcionadas, que cruzava com a industrialização progressiva
da vida humana, Anísio Teixeira (1952, p. 41) qualificava a instituição
escolar como partícipe da direção social então pretendida, “[...] mas o
sentido dessa direção não lhe é próprio, antes decorrente das políticas
públicas socialmente adotadas.”. Sob tal convicção chamava atenção
para os fatores das transformações que atuavam,

[...] com diferente intensidade nas diversas regiões na-


turais do seu território e nas diversas unidades políticas
federadas, fazendo avançar umas e deixando outras es-
tacionárias. As diferenças desses níveis de transformação
História da Escola Primária no Brasil

podem trazer desequilíbrios e, em casos extremos, pode-


riam produzir rupturas (TEIXEIRA, 1952, p. 42).

Em face da extensão das desigualdades nas unidades federadas,


Anísio Teixeira (1952) defendia, veementemente, a educação escolar
como condição precípua para a integração nacional e coesão social. De-
cisivamente, a escola primária pública havia de exercer a função renova-
dora e regularizadora das necessidades da vida coletiva.
No Rio Grande do Norte – 1937 a 1961 – as políticas nacionais de
educação primária formalizadas consoante as ações próprias e suple-
tivas da União e as decorrentes de suas próprias formalizações apre-
sentam-se, antes de tudo, como uma reflexão socioeducativa das au-
toridades políticas e educacionais com esse período histórico, com o
aperfeiçoamento social e produtivo de homens e mulheres urbanos e
rurais e com os poderes públicos intrínsecos à União, a este estado e
aos seus municípios. A ampliação da educação escolar primária nas
áreas territoriais urbanas e rurais, residia, justamente, no potencial de
emancipação socioeconômica que a escolarização vai permitindo a cada
indivíduo e, por extensão, à comunidade local.
Em última instância, o direito público da educação escolar primária
era de natureza política, compatível com os preceitos liberais de equaliza-
176 ção das oportunidades educacionais e sociais; de natureza social, coinci-
dente com as mudanças velozes e desiguais; de natureza constitucional,
equânime com as formalizações de ações próprias e de ações supletivas
da União às unidades federativas, bem como de ações decorrentes dessas
próprias unidades. Todas concordantes com uma nação de regime repu-
blicano e federativo, que, a rigor, deveria assegurar à educação escolar
para todas as crianças, jovens e adultos do Brasil, um direito de liberdade
para a mobilidade social.
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História da Escola Primária no Brasil

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RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador


Dinarte de Medeiros Mariz à Assembleia Legislativa do Estado, em 1 de
junho de 1957. Natal: Departamento de Imprensa, 1957.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador


Dinarte de Medeiros Mariz à Assembleia Legislativa do Estado, em 1 de
junho de 1958. Natal: Departamento de Imprensa, 1958.
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo governador
Dinarte de Medeiros Mariz à Assembleia Legislativa do Estado, em 1 de
junho de 1959. Natal: Departamento de Imprensa, 1959.
184
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5.
HISTÓRIAS CRUZADAS DA
ESCOLA PRIMÁRIA NO
MARANHÃO, ACRE, BAHIA
(1930 a 1960):
Algumas aproximações

Elizabeth Miranda Lima - UFAC


Lucia Maria da Franca Rocha - UFBA
Mariléia dos Santos Cruz - UFMA
Sara Martha Dick - UFBA

O texto aqui apresentado resulta de pesquisas desenvolvidas no


âmbito do Projeto Integrado – História da Escola Primária no Brasil:
investigações em perspectiva comparada em âmbito nacional (1930–
1960), configurado em quatro grupos de trabalho, assim distribuídos:
Institucionalização da escola primária (GT1); Método de ensino (GT2);
Cultura material escolar (GT3); Representações sobre a escola primária
(GT4). No intento de compreensão das temáticas vinculadas ao GT1,
foram priorizadas as temáticas de expansão do ensino primário, repu-
blicanismo, educação e cidadania e modelos e modalidades de escolas
primárias. Assim, no itinerário das pesquisas desenvolvidas pelo GT1,
apresentamos, no presente texto, de forma indiciária, os esforços de
comparação realizados pelos pesquisadores da temática modelos e mo-
dalidades de escola primária.
Nessa empreitada buscou-se viabilizar uma primeira aproxima-
ção das semelhanças, diferenças, singularidades e entrecruzamentos do
percurso de institucionalização da escola primária nos estados da Bahia,
Maranhão e do Acre. Nossa pretensão se volta na direção do não enqua-
dramento fixo de realidades geográficas, culturais, políticas e educacio-
nais distintas, nos estados e no Território Federal do Acre em análise.
O que buscamos é estabelecer relações que nos possibilitem identificar,
ainda que indiciariamente, a tessitura de um modo de organização da
educação primária nessas realidades.
Essa intenção nos colocou diante de questões teórico-metodo-
lógicas de grande envergadura: como realizar um procedimento de
natureza histórico-comparativa de realidades regionais, geográficas
e educacionais tão distintas, de forma a ultrapassar os limites das
comparações usuais que identificam as diferenças, similaridades e
singularidades? Como averiguar de que forma a escola primária bra-
sileira se constrói e se configura a partir de modelos que circulam,
História da Escola Primária no Brasil

incorporados de outros países, mas também, na confluência de prá-


ticas e adaptações e/ou variações que envolvem protagonistas posi-
cionados em lugares distintos? Em que momento e sob qual contexto
o agrupamento de alunos de idades indiferenciadas torna-se classe
e como a classe de alunos, como sala e como grau, torna-se o eixo
central da atividade escolar primária?
Adotando como referência a passagem da organização do modelo
escolar das escolas isoladas ou singulares para o modelo escolar gradu-
ado, consubstanciado em tipos de estabelecimentos como a escola reu-
nida, agrupada e o grupo escolar, o tempo da pesquisa foi delimitado de
1930 a 1960. Tal delimitação é importante para a investigação do objeto
de estudo, posto que, nas primeiras décadas da república, as questões
vinculadas à construção de uma nova ordem social, política e econômi-
ca, baseada no modelo de uma sociedade republicana sob a égide da
modernidade liberal tomou conta de políticos, intelectuais e reformado-
res. O interesse pela construção dessa nova ordem exigiu novas formas
de organização e modernização da escola.
A metodologia utilizada consistiu na análise de fontes primárias de
três estados brasileiros (MA, AC, BA) no método de análise respaldado
na História Comparada, entendida neste caso, como “[...] uma modalida-
de fortemente marcada pela complexidade.” (BARROS, 2007, p. 2). En-
186 quanto método comparativo, utilizaram-se duas formas explicadas por
Barros (2007, p. 5), sendo a primeira voltada para “[...] iluminar um ob-
jeto ou situação a partir de outro, mais conhecido, realizando analogias
e identificando semelhanças e diferenças entre duas realidades, visando
a perceber variações de um mesmo modelo [...]”; e a segunda perspec-
tiva de análise foi a que se respalda em observar “[...] dois objetos ou
realidades dinâmicas em transformação [...]”, verificando como os “[...]
elementos identificados através da comparação vão variando em alguma
direção mais específica de modo que se possa identificar um certo padrão
de transformação no decurso de um tempo” (BARROS, 2007, p. 5).
Embora a História Comparada tenha, por muito tempo, servido à
comparação em escala de grande amplitude, conforme proposto no iní-
cio da formação do campo de pesquisa que se consagrou pela compara-
ção entre sistemas nacionais, a análise que se realiza no presente estudo
utiliza-se de uma escala de menor amplitude, restringindo-se ao espaço
nacional brasileiro, objetivando, assim, uma compreensão da história da
escola primária menos generalista, mais complexa e mais representativa
da diversidade sociocultural que marca a identidade brasileira. Sendo
assim, o modelo de escola primária representa o objeto do presente es-
tudo, o qual será analisado numa perspectiva comparativista, toman-
do-se os estados como os espaços onde se desenrolam histórias que se
cruzam, no contexto de uma unidade nacional.
Capítulo 5

A História Cruzada emerge como uma nova possibilidade de com-


paração influenciada pela Nova História, com a assimilação feita pelo
campo “dos novos objetos” e de “outras possibilidades de escalas”. Sen-
do assim, a História Cruzada torna-se bastante adequada para a compre-
ensão mais ampla da história da educação brasileira, porque consiste na
pesquisa “sobre os cruzamentos” e “pressupõe pontos de intersecção”,
que “[...] rompe com uma perspectiva unidimensional, simplificadora e
homogeneizadora, em benefício de uma abordagem multidimensional
que reconheça a pluralidade e as configurações complexas que daí re-
sultam” (WERNER; ZIMMERMANN, 2003, p. 90).
Será dada ênfase à identificação de como os estados do Maranhão,
Bahia e o Território do Acre, como unidades particulares da nação bra-
sileira, relacionam-se entre si e com o poder central no tocante a suas
histórias da escola primária. Serão observados pontos de intersecção
nas histórias desses estados, ao mesmo tempo identificando, nesses
pontos, a relação que mantêm com as políticas nacionais voltadas para
o combate do analfabetismo, significativamente difundidas no país.

A escola da modernidade e seu papel de incluir as


massas populares
187

A escola adquiriu sua singularidade institucional com a emergência


da sociedade moderna na Europa, mas se propagou para todas as partes
do mundo, em tempos diferenciados. Segundo Nóvoa (1991, p. 111), a
origem da forma escolar moderna, em substituição aos antigos modos
de educar, configurou-se por um longo processo em que, de forma com-
plexa, entrecruzam-se relações sociais, “mudanças de representações e
de orientações normativas com respeito ao mundo e ao homem”. Para o
autor, esse processo relaciona-se ao surgimento de uma nova forma de
relação: com o trabalho, que se opõe à fruição espontânea das riquezas e
promove o desejo de adquirir, propiciando o espírito do capitalismo; com
a emergência de uma civilização dos costumes que normatiza o uso do
corpo e regulamenta os comportamentos sociais, com o estabelecimento
de parâmetros entre adulto e criança, civilizado e natural; como desenvol-
vimento de uma concepção de infância como classe de idade específica e
o progresso de uma sociedade disciplinadora. (NÓVOA, 1991).
Cada sociedade, ao tempo em que o Estado Nacional se estrutu-
ra assumindo uma característica burocratizada, utiliza a forma escolar
moderna como paradigma para a realização da transmissão do saber
escolar, reprodução das normas e valores da vida social, assumindo um
papel anteriormente atribuído à comunidade e à família.
História da Escola Primária no Brasil

O saber escolar (ler, escrever, contar), que é objeto de ensino na


escola elementar da modernidade, teve sua origem nos meios profis-
sionais, onde foram restritos a determinados grupos, sendo incorpora-
dos por essa escola que recebeu a função de transmiti-los a todos os
cidadãos. (HÉRBRARD, 1990). O Estado Nacional torna as atividades
de ensino um prolongamento das ações do próprio Estado, tornando a
escola um espaço público ao assumir, por meio de políticas, a responsa-
bilidade de coordenar a formação das novas gerações.
No Brasil é possível visualizar o papel social delegado à escola,
pela análise do valor que a cada tempo se atribuiu a essa instituição,
demonstrado nos significados e expectativas postas nela pelos inte-
lectuais e pelas autoridades políticas; ou, a partir do que dela espera
a própria população quando investe seus esforços para inserir seus
filhos no espaço escolar.
A escola, na sua forma inventada pela modernidade, é a escola libe-
ral, pública, laica e aberta ao povo, com importante papel no desenvol-
vimento social da nação. Cunha (1985) após examinar o pensamento de
vários teóricos liberais acerca do papel social da educação, afirma que,
para eles:

O principal ideal de educação é o de que a escola não deve


188 estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum privilégio
de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou
político. A instrução não deve estar reservada às elites ou
classes superiores, nem ser um instrumento aristocrático a
quem possui tempo e dinheiro. (CUNHA, 1985, p. 34).

A escola, enquanto instituição aberta e democrática é interpretada


como a promotora da equalização social, como a instituição capaz de
agregar diferentes sujeitos de diversas procedências e contribuir com
o desenvolvimento das aptidões, selecionando, entre os mais capazes,
aqueles que devem originar a elite intelectual.
Os princípios da escola democrática defendidos pelos liberais fo-
ram difundidos no Brasil desde a Reforma dos Estudos, com o Mar-
quês de Pombal; nesse momento inicial, a escola implantada estava
mais voltada para o fortalecimento da sua identidade como uma
instituição particular, concebida como um prolongamento das ações
do Estado. A criação do Estado Nacional brasileiro, após a Indepen-
dência, inicia um processo de constituição de um sistema de ensino
público, em que escola primária torna-se obrigatória nas povoações e
vilas onde houvesse população para constituição das turmas. Com o
período republicano, a escola liberal encontra as condições necessárias
para reprodução do seu corpo teórico. Desde a reforma de Leôncio de
Capítulo 5

Carvalho (1879), passando pelos pareceres de Rui Barbosa (1882–1883)


no final do século XIX, perpassando os primeiros anos do século XX,
a escola democrática foi meticulosamente pensada, defendida e ex-
perimentada. Os pioneiros da escola nova destacaram-se como seus
principais defensores, mas também partiu, deles mesmos, as críticas à
precária eficiência dessa escola no Brasil, conforme declara Anísio Tei-
xeira (1969, p. 389), ao demonstrar em gráfico, a pirâmide indicativa
da seletividade da escola brasileira:

O gráfico revela quanto não está sendo cumprida a função


precípua da escola primária, que é a de ministrar uma cul-
tura básica ao povo brasileiro. O ensino primário vem-se
fazendo um processo puramente seletivo. A ênfase está no
puramente. Com efeito, embora o ensino primário deva con-
tribuir para uma primeira seleção humana, não é esta a sua
finalidade precípua. Se todo ele passar a ser um processo
de seleção, isto é, de escolha de alguns, destinados a pros-
seguir a educação em níveis pós-primários, estará prejudi-
cada a sua função essencial.

Anísio Teixeira denuncia que, embora a função da escola seja sele-


cionar os melhores, o que, de fato, ela vinha fazendo era excluir, pois, 189
segundo ele, “[...] o tipo de adestramento, aparentemente intelectualis-
ta, que a escola primária experimenta fazer não chega a ser seletivo se
quer das boas inteligências teóricas [...]”, pois para ele,

[...] as inteligências que se ajustam ao ensino formal são


as de certo tipo médio, excessivamente plástico e passi-
vo. Os verdadeiramente capazes são desencorajados, e
a grande maioria dos de outro tipo de inteligência – ar-
tística, plástica, prática – é destruída. (TEIXEIRA, 1969,
p. 391).

De fato, a escola primária brasileira, pensada no mais alto padrão


de qualidade, foi executada no seu mínimo, antes deixando de funcio-
nar como equalizadora contribuiu para consagração de desigualdades,
concretizando-se, ao invés de como foi teorizada, como escola única,
como um sistema de escolas múltiplas, diferenciadas e direcionadas a
setores diferenciados da sociedade.
História da Escola Primária no Brasil

Cruzando histórias da escola primária isolada:


Maranhão, Bahia e Acre

A falta de continuidade administrativa como consequência da


constante mudança de lideranças no poder executivo, sobretudo nos
períodos anterior e posterior ao Estado Novo, é uma característica mar-
cante do contexto político das três unidades nacionais enfocadas no pre-
sente estudo, no período de 1930 a 1960. Tal contexto vai influenciar
diretamente a forma de gerenciar as questões educacionais e, muitas
vezes, explica os parcos resultados educacionais atingidos pelos suces-
sivos administradores públicos.
Nos três estados brasileiros observou-se que o sistema regulamen-
tar da instrução pública foi formado por um número pequeno de dire-
trizes estaduais, o que contrasta com a constante mudança de lideranças
no poder executivo. Na maioria das vezes, esses documentos foram pro-
duzidos mais como uma forma de adequação às diretrizes nacionais do
que, propriamente, por um caráter mais autônomo e pelo compromisso
do administrador de estabelecer as diretrizes educacionais adequadas a
sua plataforma de governo.
O fato de ter havido poucos regulamentos voltados para a organi-
190
zação do sistema de ensino primário não significa que, na realidade, as
determinações sobre a organização desse sistema, postas em vigência,
tenham, de fato, sido alcançadas na realidade das unidades federativas.
Tais leis regulavam muito mais o ideal de escola primária que, teorica-
mente, se almejava, conjugado com uma tentativa de trazer para a oficiali-
dade o que, concretamente, como um desvio do padrão estabelecido, fazia-
sena realidade da escola, em razão dos limitados investimentos destinados
ao setor de ensino, em comparação com a real demanda do período.
Inúmeros são os exemplos indicativos dessa situação. Tomaremos
como objeto de análise o caso das escolas isoladas, que permanecem
oficializadas pelos regulamentos de todo o período enfocado, embora
representassem a negação da escola moderna que se almejava para o
Brasil da Nova República e do Estado Novo, ambos bastante afeiçoados
aos ideais da Escola Nova. É a escola isolada a primeira que se concei-
tua nos regulamentos voltados para a organização da escola primária,
quando se reportam aos tipos escolares, tanto no Maranhão (alínea a do
artigo 122, do Decreto n.º 252 de 1932), quanto no estado da Bahia (item
01 referente ao ensino primário elementar, artigo 54, Decreto n.º 4.218,
de 30 de dezembro de 1925) e no Acre (Art. 10 do Regulamento Geral
do Ensino do Território do Acre, o qual normatiza o funcionamento das
escolas isoladas fixas ou ambulantes e Art. 25 do Decreto Lei n.º 42 de
14 de março de 1947).
Capítulo 5

Com o Decreto-Lei federal n.º 8.529, de 02 de janeiro de 1946, que


organizou o ensino primário em nível nacional, mais uma vez a escola
isolada foi oficializada no sistema de ensino brasileiro, sendo a primeira
a ser registrada entre as demais escolas existentes. No Decreto-Lei fe-
deral n.º 8.529, a escola isolada foi conceituada como sendo aquela
que “[...] possua uma só turma de alunos, entregue a um só docente
[...]”(BRASIL. Lei nº 8.529, 1946).Esse conceito foi,literalmente, a partir
de então, reproduzido nos decretos-leis estaduais, conforme ocorre no
Maranhão, em 1946 e no Acre, em 1947.
A escola isolada, enquanto herdeira das práticas de ensino vigentes
no período colonial e imperial permaneceu, por todo o período de 1930
a 1960, como a parte mais atuante do sistema de ensino brasileiro, não
apenas como um caso particular em um ou outro estado, funcionan-
do como exceção em uma área mais carente do território. Era a escola
que se ampliava em maior número no território das unidades enfocadas
nesse estudo. Foi a escola mais barata, de menor tempo de estudo, de
professores menos qualificados; a primeira a funcionar nas áreas mais
distantes da capital, e para a realidade dos povoados, quase sempre, o
único modelo de escola conhecido nessa fase.
Essa escola, que recebeu o acréscimo de muitos qualificativos, como
escola Mínima, Rudimentar, Rural, Urbana, Móvel ou Ambulante, Fixa
e que também foi chamada de escola singular, era a escola de um só 191
docente em todos os lugares, geralmente funcionando em um precário
prédio e quase sempre contando com os esforços de um professor leigo,
com alunos de diversas idades.
No período de 1930 a 1960, a escola primária havia sido pensada
como o mais importante meio para sanear a sociedade brasileira, que de-
veria funcionar como instrumento de combate do analfabetismo, forma-
dora de cidadãos ativos, trabalhadores tecnicamente preparados para os
novos destinos da nação. Nação brasileira assentada na ordem capitalista,
amante da ciência, do progresso, da ordem, enfim, da modernidade.
Caberia à escola nacional o papel de transformar toda aquela mas-
sa humana marcada pela escravidão (negros e seus descendentes), mar-
cada pelo ócio (senhores brancos e seus filhos, que viveram do trabalho
escravo), marcada por identidades nacionais diferenciadas (levas de
imigrantes ou etnias indígenas) em povo brasileiro, segundo os precei-
tos de uma nova sociedade.
Observa-se que a escola isolada, como velha escola, foi oficializada
no contexto novo da Nova República, e no “novo contexto novo” do
Estado Novo. É como se o Brasil tivesse a estranha capacidade de se
reiniciar muitas vezes, repetindo os mesmos erros. A escola isolada era
reconhecidamente a escola pouco eficiente e ainda vista como a escola
do interior, ocorrendo que, algumas vezes, a crítica da escola primária
História da Escola Primária no Brasil

consistia na crítica da própria escola isolada, que se encontrava, de for-


ma preponderante, nas regiões rurais dos estados.
No Relatório do secretário Anísio S. Teixeira, anexo à Mensagem
apresentada pelo Dr. Otávio Mangabeira, Governador do Estado da
Bahia, à Assembleia Legislativa, em 07 de abril de 1949, aparecem des-
crições dos tipos de prédios destinados às escolas isoladas em contrapo-
sição ao determinado para o grupo escolar:

Haverá quatro estágios diversos de instalação, desde


o mínimo que representa apenas um ‘tecto’ para a
classe, até o grupo escolar de doze classes, com to-
das as instalações conexas e anexas. Êste grupo esco-
lar, a ser construído nas grandes cidades do interior,
constituirá, além da escola, um verdadeiro centro da
comunidade, com sua biblioteca, seus salões de cine-
ma e de recreação e suas salas ou clubes de educação
de adultos. Instalada que seja essa rêde de escolas
elementares, desde a rural ou a mínima isolada até
ogrande grupo escolar, teremos o aparelhamento
mínimo de educação comum e fundamental para as
crianças de 7 a 12 anos do Estado. Esse aparelho de-
192 verá funcionar, porém, enquanto fôr assim desigual
e deficiente, como um sistema de seleção dos mais
capazes, a que o Estado, na impossibilidade de dar
a todos irá procurar ministrar a educação mais com-
pleta que lhe fôr possível oferecer. Segundo este pla-
no, desde as escolas rurais até os grupos mais desen-
volvidos, todos procurarão descobrir os alunos bem
dotados e os melhores dentre êles serão encaminha-
dos a educação em escolas de grau mais alto, como
bolsistas do Estado, já nos Centros Regionais, já na
Capital, onde lhes poderá ser oferecida a educação
superior, especializada ou técnica. (BAHIA, Relató-
rio, 1949, p. 8-9).

Na visão de Anísio Teixeira, no rol das escolas o aparelhamento


mínimo de educação comum e fundamental para crianças de 7 a 12
anos era desigual, deficiente e, que deveriam servir como espaços de
seleção dos melhores, a escola isolada é a que se encontra no nível
mais simples. Em 1950, Anísio Teixeira, em seu projeto de construções
escolares, defendia um tipo de edifício para funcionamento de escola
isolada das em pequenas localidades do interior baiano, denominada
“Escola Mínima”:
Capítulo 5

O prédio da Escola Mínima corresponde ao simples tecto


para a escola. Deseja-se dar à escola um tecto. Imaginou-
se, assim, um prédio de tamanha simplicidade que nem
sequer possui janelas. É uma classe com paredes meias e
uma porta. Em torno, uma pequena área coberta. Ao lado,
a instalação sanitária mínima. (TEIXEIRA, 1950, p. 10).

Em 1947, em Mensagem apresentada pelo governador Sebastião


Archer da Silva, resumem-se os motivos que levaram à ineficiência do
ensino maranhense, até aquele período, destacando, como a parte mais
afetada, o interior do estado:

À falta de possibilidades financeiras não possui o


Maranhão o aparelho educacional que suas glorio-
sas tradição e cultura estão a reclamar [...]. Certos,
através das várias épocas da história administrativa
do Estado, não se haveriam descuidado os gover-
nantes de tentar solucionamento do magno pro-
blema, mas a considerável extensão do território,
aliado a irregularíssima distribuição das manchas
populacionais terão, com certeza, concorrido, com
a carência de recursos pecuniários, para dificultar 193
uma melhor e mais eficiente divisão do ensino,
principalmente no interior. (MARANHÃO, Mensa-
gem, 1947, p. 79).

No Território do Acre o quadro não foi muito diferente, com um


número de escolas isoladas largamente superior ao número de es-
colas reunidas e de grupos escolares. No ano de 1947, a Diretora da
Educação e Cultura, Maria Angélica, destaca as maiores deficiências
da educação acreana, alegando ainda permanecer uma “[...] carência
de professores hábeis, competentes, assíduos e entusiastas e falta de
prédios que atendam, pelo menos, aos requisitos básicos de limpeza,
arejamento e espaço” (CASTRO, 1947 apud GINELLI, 2008, p. 139).
Estando oficializada a escola isolada, argumentava-se, em favor da
sua precária existência, como única forma de difundir e expandir o ensi-
no nos lugares mais interioranos do Brasil. Era essa escola considerada,
por ser a mais barata, a mais adequada para a maior parte do país.
Será também essa a escola dos professores leigos, conforme pode
ser constatado nos contextos maranhense, acreano e baiano. No caso
maranhense, pela ausência de professores normalistas, foi realizado, em
1942, o concurso de habilitação para professores leigos do interior mara-
nhense. Esse concurso visava a
História da Escola Primária no Brasil

[...] levantar o padrão do professorado leigo em exercício


no interior do Estado. Havia o desejo de substituir os pro-
fessores leigos, que correspondiam a quase toda a rede
dos municípios, pelos professores normalistas. Contudo,
entendia-se que a substituição dos leigos pelos professo-
res normalistas era algo que só poderia ocorrer “progres-
sivamente”, já que não havia condição de remunerar os
normalistas, que ganhavam mais. (MARANHÃO, 1943,
p. 38).

O cenário de baixa qualificação docente que se observa no início


dos anos 40, mantém-se até o final da década no Maranhão, pois os da-
dos estatísticos relativos ao ano de 1947 indicam que “[...] dos 1178 ele-
mentos integrantes do quadro de professores públicos primários, 678
são leigos [...]” (MARANHÃO, 1948, p. 90).
No caso baiano, chama atenção também, o número majoritário
de leigos nas escolas da zona rural, conforme descrito pela Revista da
Campanha Nacional de Educação Rural:

Na Bahia, como em todos os Estados do Brasil, sobretudo


no Norte, as escolas de zona rural estão sendo regidas por
194 professôras “de emergência” ou “leigas”, quase sempre,
mantidos pelos municípios e sem preparo pedagógico.
Foram realizados convênios com vários municípios bahia-
nos, visando a melhoria da escola rural. Em função dêsses
convênios, o Estado dá um auxílio financeiro ao município
para cada nova escola criada, concede uma suplementação
de salário às professôras municipais diplomadas e às leigas
que tiverem aproveitamento nos cursos de Treinamento;
fornece mobiliário para os prédios escolares que o municí-
pio construir, designa um supervisor preparado, para ser-
vir ao município como orientador do ensino municipal e
auxilia, técnica e financeiramente, a realização de curso de
férias para regentes municipais. (CNER, 1956, p. 26).

No caso acreano, quanto à contratação de professores, o Regula-


mento geral do Ensino de 1934 facultou para as escolas isoladas fixas
ou ambulantes a contratação de professoras leigas. Essas assumiriam,
também, a função de diretoras das escolas, além de: manter a ordem e
a disciplina da classe, elaborar e submeter a aprovação o programa de
ensino das diferentes cadeiras, comparecer às solenidades, controlar o
recreio e, ainda, serem assíduas e pontuais (Art. 50, do Regulamento
geral do Ensino do território de 1934).
Capítulo 5

Posteriormente, o Regulamento do Ensino Primário de 1947, no ar-


tigo 31, estabeleceu como critérios para o exercício do cargo de profes-
sor do ensino primário a nacionalidade brasileira, ser maior de dezoito
anos, boas condições de saúde física e mental. Foi estabelecida, também,
a exigência de “preparação conveniente em cursos apropriados”, ou o
candidato deveria se submeter aos exames de habilitação no Departa-
mento de Educação e Cultura. A contratação de professores habilitados
para atuarem no Ensino Primário constituiu um dos grandes desafios
dos dirigentes educacionais do período. No ano de 1944, consoante ma-
téria publicada no Jornal O Acre, de 16 de julho de 1944, foram contra-
tados, no mês de janeiro, 54 professores para o cargo de professores
catedráticos permanentes e, em julho mais 26 foram efetivados.
Iniciativa voltada para a capacitação de professores também se tor-
nou matéria de grande destaque no jornal O Acre, de 14 de março de
1948: “Aparelha-se o professorado acreano para as suas altas responsa-
bilidades de preparar os homens do futuro responsáveis pela grandeza
do Brasil [...]”. Com esse projeto, o Governo do território assumiu como
sua responsabilidade a capacitação dos professores, embora, nas escolas
isoladas ainda prevalecesse o quadro de leigos. As professoras passa-
ram a receber bolsas de auxílio para que pudessem cursar e adquirir,
na capital da república e de alguns outros estados, novos e modernos
conhecimentos pedagógicos. 195
O programa do governador Major Guiomard dos Santos consistia
em aprimorar os conhecimentos do professorado acreano por meio de
cursos, mas também agia no sentido da construção de prédios escolares
e da elevação do índice de matrículas. Em parceria com o Instituto Na-
cional de Estudos Pedagógicos, uma série de cursos de capacitação foi
realizado, priorizando aspectos como noções de administração e inspe-
ção, orientação e direção de ensino primário. Esses cursos aconteciam no
período de férias dos professores e os conteúdos abordados nos mesmos
versavam sobre: português, aritmética, geografia e história do Brasil, ci-
ências naturais e higiene.
Sobre a questão da precariedade dos edifícios em que as escolas
isoladas costumavam funcionar, é bom lembrar que, algumas vezes,
nem mesmo os grupos escolares possuíam prédios próprios, construí-
dos com a finalidade de funcionamento das classes e com espaços ade-
quados ao emprego das práticas da moderna pedagogia. Contudo, o
período em que se verifica maior ampliação do número de escolas pri-
márias, seguido da ampliação também em número de prédios, inicia em
1947, em todas as unidades nacionais enfocadas neste texto, em razão
da efetivação de políticas em cooperação com o Governo Federal. As
principais características dessa fase foram a ampliação do número de
escolas em áreas de povoados e vilas mais interioranas do país e a ofer-
História da Escola Primária no Brasil

ta da escola supletiva, com menor número de anos de estudo, as quais


funcionavam no modelo de escola isolada, conforme se pode identificar
abaixo na Bahia, no Maranhão e no Acre.
Na Bahia, em 1948, destacam-se os convênios de educação de adul-
tos e construção de escolas primárias para zonas rurais. Com relação a
esses prédios escolares, o convênio com o Ministério da Educação garan-
tiu a construção de 258 prédios, contribuindo com a rede de penetração
da escola primária nas regiões mais distantes e de população dispersa,
como na zona rural, em 119 municípios, com total de 201 distritos.
No Maranhão, será a partir de 1947 que se verifica a fase mais sig-
nificativa de expansão da escola primária maranhense, em consequência
da política nacional de expansão do ensino primário, que visava à cons-
trução, em todo o país, de “[...] seis mil escolas rurais, duas centenas de
grupos escolares e cinquenta escolas normais rurais [...]” (COSTA, 1952,
p. 217). Dentro dessa política, o Maranhão foi contemplado com recursos
para construção de 112 prédios escolares para funcionamento de esco-
lares rurais a serem implantadas em povoados, em regiões interioranas
dos municípios que haviam por muito tempo, sido preteridas, em rela-
ção à capital, ou às sedes dos principais municípios. No mesmo plano de
expansão do Governo Federal, o Estado do Maranhão foi contemplado
com recursos para construção de 26 prédios para implantação de grupos
196 escolares nas sedes de alguns municípios (COSTA, 1952, p. 221).
Em 1948, ocorrem três congressos de prefeitos visando adesão
maranhense à Campanha de Combate ao Analfabetismo, com a parti-
cipação de 66 representantes municipais que se comprometeram a con-
templar, no orçamento para 1949, recursos para custeio da educação
primária. No ano de 1949, identifica-se uma real ampliação da rede de
escolas primárias no interior do estado, alcançando o índice de 663 uni-
dades escolares supletivas com igual número de professores dissemi-
nados nos 75 municípios do Maranhão (MARANHÃO, 1950, p. 96-98).
No Acre, em 23 de abril de 1948, no aniversário da segunda admi-
nistração do governador Guiomard dos Santos, foi publicado no jornal O
Acre, edição nº 868, um balanço dos feitos na área da educação pública,
com destaque para a criação de nove escolas rurais, construídas com o au-
xilio do Fundo Nacional do Ensino Primário: uma nos municípios de Rio
Branco, Xapurí, Tarauacá, Feijó, Brasiléia; e duas escolas nos municípios
de Sena e de Cruzeiro do Sul. Algumas escolas primárias foram reestru-
turadas de forma a ofertarem o ensino primário e normal de acordo com
a Lei orgânica desses ensinos.
O investimento na construção de novas escolas não estava foca-
do apenas nas sedes dos municípios e capital do Território, também os
governantes manifestaram preocupação com a situação da zona rural
acreana. No jornal O Acre de 1949, edição N. 906, de 16 de janeiro, des-
Capítulo 5

tacou em matéria a construção de novos prédios, alguns desses na zona


rural do município de Rio Branco, situando-se: um no Engenho Inde-
pendência, outro em terreno da Fazenda Nemaia e outras localidades
como: na fazenda Sobral, no Riozinho, na Cruz Milagrosa e Porto Acre.
Nos anos de 1947 e 1948 se acentuam o número de escolas manti-
das com recursos do governo federal. Já no que se refere às municipais
notou-se uma diminuição nos dois últimos anos. O ano de 1948 apresen-
tou o maior registro de unidades de ensino. Em Relatório de 1952, do di-
retor do Departamento de Educação e Cultura, José Jerônimo Ferrante,
fez referência a 40 cursos de alfabetização de adultos, distribuídos pelos
diversos municípios do Território. Os professores do Ensino Supletivo
recebiam a gratificação de 350,00, por sete meses de trabalho. O Ministé-
rio da Educação repassava um montante de Cr$ 7.000,00 cruzeiros para
despesas de administração. A baixa frequência nesses cursos, a deserção
dos alunos, as condições climáticas e até mesmo a precariedade na ilu-
minação das escolas noturnas explicam o pouco êxito dessas iniciativas
A tendência à ampliação de unidades escolares no meio rural em
áreas mais interioranas dos estados, pouco ou nunca contemplados
com a abertura de escolas, se fortalece no período a partir de 1950. Foi
nesse período que se observou maior ampliação da rede de escolas no
meio rural maranhense, baiano e acreano. As escolas rurais criadas na
década de 50 representaram, de fato, uma ampliação da rede e isso 197
ocorria em consequência da implementação da Campanha Nacional
de Educação Rural (CNER)1. Deve-se reforçar ainda, que a escola ru-
ral, objeto principal dessa expansão, era a escola isolada, que passava
a chegar em áreas mais distantes dos povoamentos urbanos.

Comparação da escola graduada: Bahia, Maranhão e


Acre, primeiras aproximações

Com o objetivo de comparar a escola primária graduada dos es-


tados da Bahia, Maranhão e Acre, buscaremos problematizar as seme-
lhanças e diferenças existentes, a partir do cruzamento dos elementos
comuns à escola graduada.
Dos três estados aqui analisados, somente a Bahia não teve, du-
rante as primeiras décadas do estudo em questão, uma legislação ou
regulamentação sobre a instrução da escola primária. Enquanto o Ma-
ranhão realizou reformas em 1932 e 1946 e o Acre em 1934, 1947 e 1951,
1 Iniciada em nove de maio de 1952, a CNER era “[...] estruturada por meio de Missões Rurais, Centros
Regionais de Treinamento de Educação de Base, Centros de Treinamento de Professores e de Auxiliares
rurais, Centros Sociais de Comunidade, Orientação de Líderes Locais e Centros de Treinamento de Coo-
perativismo [...]” (BARREIRO, 2010, p. 72).
História da Escola Primária no Brasil

a Bahia continuou com a Lei 1846, de agosto de 1925, durante todo o


período de 1930 a 1960. Apesar dos esforços de Anísio Teixeira para
que fosse aprovada uma lei orgânica para o ensino no estado da Bahia,
compatível com a lei nacional (8.529/1946), ele não obteve êxito. As-
sim, organizou um plano de construção de escolas a fim de implantar
e expandir a escola primária pública em todo o estado, sendo que sua
instalação ocorreria de forma gradual, imprimindo uma especificida-
de à escola primária graduada na Bahia.
De acordo com a legislação dos estados, a escola primária graduada
compreendia: escolas reunidas, escolas combinadas, grupos escolares e
escolas primárias especiais de aplicação.
As escolas reunidas baianas estão regulamentadas em alguns arti-
gos do Decreto n.º 4.218/25 que regulamentou a Lei n.º 1.846/25. Essas
instituições, de acordo com a legislação acima citada, estavam locali-
zadas nas vilas ou cidades onde existiam de 2 a 4 escolas, funcionando
simultaneamente, em um mesmo prédio e sob a direção única de um
dos professores. A direção era cargo de confiança, nomeado e demiti-
do pelo Diretor Geral. No caso de não haver prédio que comportasse
as escolas da localidade, elas podiam funcionar como escolas combi-
nadas, sob o regime das escolas reunidas. Existindo somente duas es-
colas, uma delas atenderia os alunos do primeiro e do segundo ano
198 do curso e a outra, os do terceiro e do quarto ano. A distribuição dos
alunos por cada série seria modificada na hipótese de existência de
três ou mais escolas.
Embora a escola reunida não seja citada na legislação educacional
do Maranhão em 1932, de forma mais clara no artigo 122, quando se faz
referência às categorias de escola, esse tipo escolar intermediário já se
encontrava em vigência no estado, sobretudo no interior. Nesse senti-
do, nos artigos 124 e 125, estão presentes as características desse tipo de
escola quando se determina que “Onde houver num raio de 2 kilôme-
tros população em idade escolar, para a matrícula mínima de 90 alunos,
o Governo criará tantas escolas quantas forem necessárias para que a
frequência média não ultrapasse a 45 alunos em cada uma [...]” (Artigo
124) e ao definir que essas escolas poderiam funcionar em um mesmo
prédio (artigos 124 e 125, Regulamento da Escola Primária, 1932).
Observando-se o Regulamento do Maranhão, de 1932, verifica-
se também que a implantação de um tipo de escola está subordinada
à quantidade de alunos e à proximidade espacial existente entre eles.
Nesse regulamento só era obrigatória a escolarização para os alunos
que estivessem localizados até dois quilômetros da escola existente (art.
120). Por outro lado, dependendo do número de alunos e da distân-
cia entre eles, a escola poderia ser isolada, reunida ou grupo escolar.
A escola reunida seria então, aquela organizada pela junção de várias
Capítulo 5

escolas isoladas em um mesmo prédio, desde que essas escolas se en-


contrassem localizadas em um raio de dois quilômetros e desde que
não houvesse impedimento para as crianças frequentarem esse mesmo
espaço, o qual não poderia possuir menos de 90 crianças; enquanto que
o grupo escolar seria aquela que, no raio de dois quilômetros, reunisse
até 300 crianças em idade escolar (art. 123 e 126).
Tal situação ocorre de forma semelhante na Bahia. A legislação
de 1925 também disciplina a frequência dos alunos e a existência de
escolas num raio de dois quilômetros, indicando a necessidade de, no
mínimo, 30 alunos matriculados e, no mínimo 20 frequentando, para o
funcionamento de uma escola primária. Nas localidades onde as matrí-
culas excedessem a frequência média de 50 alunos, o governo poderia
desdobrá-lo em dois períodos de 4 horas nas escolas isoladas, reunidas
e grupos escolares e os regentes das classes receberiam uma gratificação
determinada por lei.
No Território do Acre, as escolas reunidas que já aparecem em 1942
no Relatório do diretor do Departamento de Educação e Cultura, em nú-
mero pouco expressivo de 03 escolas, têm o seu funcionamento estabele-
cido pelo Regulamento da Instrução Pública de 1947: “São consideradas
Escolas Reunidas quando houver de duas a quatro turmas de alunos, e
números correspondentes de professores.” (Cap. III, Art. 25, II). No refe-
rido ano de publicação do Regulamento, o número de escolas reunidas 199
totalizou 06, distribuídas nos municípios de: Rio Branco e Xapuri, cada
um com duas escolas reunidas e Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, cada
um com uma escola reunida.
Os grupos escolares, definidos pelo Regulamento de 1947 como
um agrupamento de cinco ou mais turmas e número igual ou superior
de docentes, funcionavam em prédio próprio, em instalações construí-
das especificamente para a oferta do ensino primário elementar e com-
plementar, sendo apenas o primeiro obrigatório às crianças de 7 a 12
anos. No ano de 1947, esses estabelecimentos de ensino totalizavam 09
unidades, das quais três funcionaram no município de Rio Branco, e o
mais representativo deles situava-se no centro da cidade de Rio Bran-
co contando com um número significativo de matrículas – 437 alunos
distribuídos em 11 classes de dois turnos. Castro assim descreveu o
Grupo Escolar Presidente Dutra:

Possui o prédio deste estabelecimento de ensino sete sa-


las de aula, além de sala destinada à biblioteca bastante
ampla e arejada, gabinete dentário, hall de entrada espa-
çoso, largas varandas circulando o prédio, instalações sa-
nitárias, extensa área jardinada e bom pátio para recreio.
(CASTRO, 1947 apud GINELLI, 2008, p. 135).
História da Escola Primária no Brasil

Maria Angélica de Castro, diretora do Departamento de Educação


e Cultura, apresentou ao governo do Território uma descrição detalha-
da ao término do primeiro ano de mandato, em 1947,do quadro edu-
cacional vigente: 09 grupos escolares, 03 escolas reunidas, 75 escolas
isoladas, 03 escolas noturnas, 10 escolas profissionais, 01 ginásio e 02 es-
colas técnicas profissionais. Além dessas escolas mantidas pelo governo
territorial, existiam, ainda, 65 escolas primárias e normais regionais sob
a responsabilidade dos municípios. Em relatório circunstanciado, Maria
Angélica sintetizou os resultados de seus esforços à frente da educação
do Território:

Não descuramos no ano passado (1947) dos interesses


educacionais do Território. Procuramos, dentro do possí-
vel, desenvolver o processo educativo em seus diferentes
aspectos: a) físico, com a cooperação da Sociedade Pestalo-
zzi; b) social, através das diversas instituições escolares; c)
cívico, aproveitando-nos de todas as oportunidades que a
vida nacional oferece para a formação de uma consciência
brasileira empenhada no que há de mais elevado e digno
no país. Mais precisamos ter coragem para dizer que as
maiores deficiências no ensino do Território permanecem:
200 carências de professores hábeis, competentes, assíduos, e
entusiastas, e falta de prédios que atendam, pelo menos,
aos requisitos básicos de limpeza, arejamento e espaço.
(CASTRO, 1947apud GINELLI, 2008, p. 138-139).

No ano de 1950, sob a vigência de outro Regulamento da Instrução


Pública, Decreto-Lei n.º 54, de 16 de janeiro de 1951, o caráter graduado
da escola foi assumido como um dos princípios organizadores do Ensi-
no Primário do Território do Acre: “O ensino Primário deverá desenvol-
ver-se de modo sistemático e graduado, segundo os interesses naturais
da infância”. (Art. 13, alínea “a” do Regulamento da Instrução Pública
de 1951). Esse seria desenvolvido em estabelecimentos como os jardins
de infância, as escolas isoladas, as escolas reunidas, os grupos escolares
e as escolas supletivas.
Pode-se identificar, no referido regulamento, uma preocupação do
legislador em definir critérios para a criação de escolas reunidas, a saber:

Nas localidades em que houver duas ou mais escolas iso-


ladas, o governo territorial poderá convertê-las em escola
reunida, que funcionará no mesmo prédio e sob uma só
direção; também poderão ser criadas escolas reunidas nos
lugares em que a densidade demográfica atingir 80 crian-
Capítulo 5

ças em idade escolar. (REGULAMENTO DA INSTRUÇÃO


PÚBLICA DO TERRITÓRIO DO ACRE, de 1951, art. 58).

No que se refere à organização didática pedagógica do ensino pri-


mário que se consolidou ao longo da década de 50, no Território do
Acre, constatou-se uma forte influência do movimento de renovação
pedagógica, em especial nas orientações aos professores e no direcio-
namento metodológico a ser adotado. Quanto à duração de cada etapa
e público escolar atendido, foi dedicado um título inteiro do Regula-
mento de 1951 para disciplinar a questão. No ensino pré-primário ou
jardim de infância com duração de 03 anos, denominados de períodos,
recomendou o legislador que os professores trabalhassem com base
nos seguintes princípios: trabalho espontâneo e criador; vida social;
vida econômica; brinquedos e jogos; canto, ritmo e instrumentos mu-
sicais; cuidados higiênicos e de saúde; excursões; experiências com
plantas, animais. (Título II, Cap. I, art. 9º do Regulamento da Instrução
Pública de 1951).
O Curso primário elementar funcionaria em quatro anos, nos quais
os professores trabalhariam as disciplinas:

I – leitura e linguagem oral e escrita; II – iniciação matemá-


tica; III – geografia e história do Brasil; IV – conhecimentos 201
gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e
ao trabalho; V – desenho e trabalhos manuais; VI – canto
orfeônico; VII – educação física. (Cap. II, art. 10º do REGU-
LAMENTO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA de 1951).

O Curso primário complementar, com duração de um ano, oferta-


do apenas nos grupos escolares, organizava-se a partir das disciplinas:
leitura e linguagem oral e escrita; aritmética e geometria; geografia e
história do Brasil e noções de geografia geral e história da América; ci-
ências naturais e higiene; conhecimentos das atividades econômicas da
região; desenho; trabalhos manuais e práticas educativas; canto orfeô-
nico e educação física (Cap. III, art. 11º do Regulamento da Instrução
Pública de 1951).
Na Bahia, os grupos escolares seriam constituídos de, pelo menos,
quatro escolas elementares e uma escola superior, sob a direção de um
professor, que também exercia as funções do magistério, nomeado pelo
Diretor Geral, sendo esse um cargo de confiança.
A legislação baiana previa, também, a existência, nos Grupos Esco-
lares, de “classes para anormais”, com programas e horários especiais,
organizados pela Diretoria da Instrução e Conselho Superior de Ensino.
Apesar de a legislação normatizar sobre os grupos escolares, na Bahia, os
História da Escola Primária no Brasil

dados consultados nos informam que essas instituições tinham número


reduzido, concentrando-se no interior do território baiano. Quanto às es-
colas primárias especiais de aplicação, seriam aquelas anexas às escolas
normais, com objetivo de exercitarem as práticas das alunas normalistas.
No caso do Maranhão, aparecem, na legislação da instrução pública
de 1932, os tipos de escolas primárias públicas graduadas, denominadas
grupos escolares e curso de aplicação, indicados no art. 122 do Regula-
mento da Instrução Pública.
Conforme se observa, o grupo escolar apresentava características
distintas das dos outros tipos. Era a única escola onde funcionava o curso
completo do ensino primário com quatro anos destinados ao ensino fun-
damental e um ano equivalente ao complementar, distribuídos em cinco
classes, sendo cada uma delas ministrada por uma professora normalista.
A escola agrupada ou reunida é descrita como aquela voltada para
o ensino do curso primário completo, sendo o fundamental desenvol-
vido em três anos e o complementar, em dois. Apesar de essa escola
ser ministrada por professoras normalistas, funcionava com apenas
duas professoras, sendo uma para cada curso, respectivamente. Com
exceção do grupo escolar, que era uma escola diurna, os demais tipos
poderiam funcionar tanto durante o dia quanto à noite, com a diferen-
ça de que quando diurna, a carga horária era de quatro horas por dia,
202 enquanto que, quando a escola funcionava à noite, as atividades de
ensino decorriam em apenas duas horas.
Com relação à duração dos cursos da escola primária baiana, a le-
gislação de 1925 normatiza que seria de quatro anos para a escola urba-
na e três anos para a escola rural. Entretanto, durante a gestão de Isaias
Alves na Secretaria de Educação (1937–1942), o ensino primário passou
a ter cinco anos de duração, voltando a ter duração de quatro anos no
período de Anísio Teixeira (1947–1951).
Os dois documentos que regulamentam a escola primária do Ma-
ranhão no período de 1930 a 1960, demonstram uma diminuição da
idade escolar das crianças que deveriam cursar a escola primária, a
qual no regulamento de 1932, estabelecido pelo Decreto n.º 252, de 2
março contemplava as crianças de sete a 14 anos de idade e, no De-
creto-Lei de n. 1462 de 31 de dezembro de 1946, passa a alcançar os
alunos de sete a 12 anos. Similar à diminuição da idade definida como
obrigatória ao curso primário, o tempo do curso também sofreu uma
transformação. Em relação ao tempo de duração do curso primário, o
Maranhão, ao contrário da Bahia, com o passar do tempo apresentou
tendência a diminuir o número de horas dedicadas aos cursos. No De-
creto-Lei de n. 1462 de 31 de dezembro de 1946, o curso ministrado no
grupo escolar, que era de cinco anos, passa a ser oferecido em quatro;
o curso oferecido nas escolas isoladas e reunidas passou a funcionar
Capítulo 5

em três anos; e a escola noturna, que em 1932 era ofertada em três


anos, passa a sê-lo em dois, sendo denominada, desta vez, escola su-
pletiva, destinada a maiores de 13 anos.
No que se refere à “obrigatoriedade” da escola primária no Mara-
nhão, apesar de defender-se que o ensino seria obrigatório e gratuito,
contando com facilidade para matrícula, o que se verifica é que tal obri-
gatoriedade não atingia os alunos que morassem além de dois quilôme-
tros da escola, os que não encontrassem vagas nas escolas próximas, os
que padecessem de doenças contagiosas, os portadores de deficiências
e os indigentes, para os quais não fossem fornecidos vestuários adequa-
dos. Tal fato demonstra, mais exatamente, como esse sistema de ensino
primário público, apesar de se orientar por uma filosofia que defendia
o direito a todos de acessarem a escola pública, realizava uma inver-
são entre quem deve ser o sujeito da obrigatoriedade, que deixa de ser
o estado, no que diz respeito à oferta, para se deslocar ao aluno que
possuísse condições físicas e materiais para frequentar a escola. Dessa
forma, determinava-se que as autoridades municipais deveriam, após
a realização do recenseamento escolar, publicar uma lista dos alunos
obrigados à escola, na imprensa ou em editais, afim de que fosse possí-
vel executar a obrigatoriedade escolar (art. 36).
Diferentemente do Maranhão, na Bahia não se verificou uma pre-
ocupação com relação à obrigatoriedade escolar, exceção feita à Lei n.º 203
1846/25, durante a gestão de Anísio Teixeira, que normatizou a questão
da obrigatoriedade em um capítulo. Segundo essa legislação, as crian-
ças de sete a 12 anos ficavam obrigadas a frequentar a escola gratuita,
exceção feita às crianças desta faixa etária que apresentassem certificado
de realização do curso primário elementar. Estavam isentos desta obri-
gação: quando não houvesse escola pública em área de dois quilômetros
de raio; alunos com incapacidade física ou mental, ou que sofressem de
moléstia contagiosa; quando fossem indigentes e o poder público não
fornecesse vestuário necessário; os que recebessem instrução em casa
ou estabelecimento particular.
Ainda de acordo com essa lei, os pais ou responsáveis eram obri-
gados a enviar as crianças para as escolas primárias. Para o descumpri-
mento de tal obrigatoriedade, várias seriam as penalidades aplicadas.
Apesar de a Lei de 1925 dedicar atenção à obrigatoriedade escolar,
nas Constituições do estado da Bahia o mesmo não ocorreu. Antes da
Constituição de 1935, não havia, nas constituições baianas, uma parte
específica sobre educação. Em 1935, apesar da existência de um título
específico sobre educação na Constituição, ainda é genérico e não regu-
lamenta a obrigatoriedade. Somente na Constituição baiana de 1947, no
capítulo específico sobre educação, a obrigatoriedade é regulamentada,
nos moldes da Lei Orgânica do Ensino Primário para o país, determi-
História da Escola Primária no Brasil

nando no seu art. 120 que o ensino primário deve ser obrigatório com
gratuidade de material escolar, inclusive livros, para alunos reconheci-
damente pobres.
Na Bahia, na gestão de Anísio Teixeira como Secretário da Educação,
no ano de 1947, o anteprojeto da Lei Orgânica de educação do estado, que
não foi aprovado, regulamentava que toda criança entre sete e 12 anos de
idade ficaria obrigada a frequentar a escola pública em que for matricu-
lada pela autoridade escolar, durante o período de cinco anos, sob a res-
ponsabilidade dos pais ou responsáveis, sob pena de multa ou até mesmo
suspensão do pátrio poder, no caso de descumprimento.
Quanto à proporção entre as escolas isoladas e grupos escolares
observa-se, nos três estados, que os grupos escolares apareciam em nú-
mero sempre inferior ao de escolas isoladas. Observando a situação ma-
ranhense em 1942, dos 44 municípios sobre os quais a Diretoria da Ins-
trução Pública dispunha de informações, contabilizava-se a existência
de 28 grupos escolares, sendo 12 deles localizados na capital e 16 em 14
municípios. Sendo assim, do universo de 44 municípios apresentados,
29 deles não possuíam nenhum grupo escolar, estando, portanto, des-
providos da escola colocada como o padrão ideal de qualidadeno Ma-
ranhão, desde o início do século XX. Bom lembrar que se comparamos
esses dados com o universo real de número de municípios do Maranhão
204 no período, a disparidade torna-se ainda maior. Nessa época, o Mara-
nhão possuía 652 municípios, o que indica ausência desse tipo escolar na
grande maioria do estado. Do total de municípios que possuíam grupos
escolares (15, excluindo a capital), apenas Caxias possuía dois grupos
escolares, enquanto que os demais (14 restantes) possuíam apenas um
grupo por município. Em 1947, o percentual de grupos escolares sofreu
significativa ampliação, atingindo o número de 60 escolas, enquanto
que havia 91 escolas reunidas, e 579 escolas isoladas. (MARANHÃO,
Mensagem, 1948).
Esse quadro é peculiar também no Acre. No ano de 1942, em sete mu-
nicípios acreanos (Rio Branco, Xapuri, Brasília, Sena Madureira, Cruzeiro
do Sul, Feijó e Seabra) havia oito grupos escolares. Somente o município de
Rio Branco, capital do Território, possuía duas dessas escolas, em contra-
partida, funcionavam 104 escolas isoladas distribuídas no Território (COS-
TA, 1942apud GINELLI, 2008). Em 1947, observa-se uma diversificação de
escolas, embora as escolas isoladas ainda permanecessem como maioria,
sendo em número de 75, 09 grupos escolares, 03 escolas reunidas, 03 es-
colas noturnas. Além dessas, não podem ser desconsideradas 65 escolas
primárias e normais regionais, mantidas pelo governo territorial sob a res-
ponsabilidade dos municípios (CASTRO, 1947 apud GINELLI, 2008).

2 O total de 65 municípios no estado do Maranhão é uma informação do recenseamento de 1940 (COS-


TA, 1950, 59-62).
Capítulo 5

A Bahia, ao longo do período em destaque, apresentou especifi-


cidades na constituição do seu sistema público de ensino primário, as
quais se devem realçar. Além dos modelos mais comuns de escola pri-
mária (isolada, reunida e agrupada) que vigoram na história da educa-
ção do período, destacaram-se outras formas de organização da escola,
em consequência principalmente dos esforços de Anísio Teixeira e pre-
vistos em seu plano de construção de escolas. O Plano de Anísio previa
a escola permanente, comportando vários tipos de prédios, desde o mí-
nimo, em pequenos povoados com 3 salas,o nuclear com pelo menos 6
salas e a escola compreensiva, com, no mínimo, 12 salas de aula, uma
biblioteca, salas para cursos de adultos, salas para agências de infor-
mação, para professores, para administração, além de instalações para
educação física e jogos recreativos.
A escola compreensiva seria aquela destinada aos centros urbanos
de mais de cinco mil habitantes, sendo, de certa forma uma primeira ideia
dos Centros Educacionais. Para Anísio Teixeira, na escola compreensiva é
que a escola primária pode se desdobrar em todos seus aspectos, poden-
do se processar o que denomina de recuperação da escola primária.
Ainda de acordo com o Plano de expansão de Anísio Teixeira, o seu
planejamento tinha quatro estágios, que iam do mínimo até o grupo
escolar. Esse plano previa seu início a partir de pequenos módulos que
denominou de “construção extensível”, por comportar a sua expansão. 205
As escolas extensíveis ficariam organizadas em escolas mínimas,
escolas nucleares e grupo escolar. A escola mínima – para as localidades
rurais mais dispersas, com projeto elaborado em conjunto com o Minis-
tério da Educação, assim descrita por Anísio Teixeira, correspondendo
ao simples teto para a escola. Essa poderia ser ampliada para duas, três,
seis, doze e catorze salas, de acordo com os recursos e necessidades da
localidade. Escola nuclear – para as vilas e povoados com população
mais densa, a escola deveria possuir três salas, atendendo o que chama
de três graus de ensino, além de biblioteca, diretoria, residência do zela-
dor e uma área coberta para recreio.
O Grupo Escolar Médio seria construído nas pequenas cidades e
compreendendo seis salas de aula, salas de administração, uma boa bi-
blioteca, disposições para clubes escolares, auditório, salas especiais de
desenho, artes industriais e ciências e largas áreas cobertas para recreio.
(TEIXEIRA, 1950).
O Grupo Escolar completo, localizado em cidades maiores e mais
populosas, possuindo 14 salas, sendo seis salas do Grupo Escolar Médio,
mais seis salas de aula primária, além de mais duas salas de jardim da
infância, ginásio, cantina, teatro e centro de informações para adultos.
Anísio Teixeira concebeu para a capital baiana, Salvador, uma
nova escola primária que preconizava uma educação integral, voltada
História da Escola Primária no Brasil

para a formação do indivíduo em todas as suas dimensões. Era uma


escola completa, rica, formativa. Suas atividades compreendiam a ins-
trução propriamente dita, ministrada na “escola classe” que funciona-
va em um turno, e, no segundo turno, as crianças recebiam a autoe-
ducação com atividades diversificadas oferecidas na “escola parque”.
De acordo com essa proposta foi criado o Centro Educacional – um
Centro de Educação Integral que compreendia essas duas escolas.
No ano de 1949, Otávio Mangabeira noticia a construção, em fase
de andamento, do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, que ficou co-
nhecido por Escola Parque, composto por quatro grupos escolares para
1.000 crianças cada um e, na escola parque, o atendimento previsto era
para 4.000 alunos.
No discurso de inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribei-
ro, o secretário Anísio Teixeira (1959), ao tratar do funcionamento da esco-
la primária integral ressaltava que essa instituição escolar estava dividida
em dois setores: um setor voltado para a instrução propriamente dita, que
era a antiga escola primária e o outro setor de educação que correspondia
à escola ativa. No setor de instrução, as crianças aprendiam o ensino da
leitura, da escrita, da aritmética e das ciências físicas e sociais. O setor de
educação se dedicava às atividades socializantes, à educação artística, ao
trabalho manual, às artes industriais e à educação física.
206 O Centro Educacional Carneiro Ribeiro previu outros espaços físi-
cos para o funcionamento da biblioteca infantil, dormitórios para aten-
der de 200 a 400 crianças, serviços gerais e de alimentação. Também
estava previsto um serviço de assistência em razão das condições sociais
das crianças, um semi-internato no qual recebiam educação e assistên-
cia alimentar e, para cinco por cento destas crianças, um internato para
as crianças órfãs.
Considerações finais
A escola primária isolada republicana, enquanto escola de um só
mestre, foi considerada a mais viável para a realidade brasileira, por
ser a mais barata, a de menor exigência quanto a adequados edifícios e
a mais fácil para se ministrar o ensino, tornando-se, durante o período
em evidência, a forma mais adequada para difusão do ensino primário
entre as populações mais empobrecidas.
Por outro lado, a escola reunida como uma variação escolar in-
termediária entre duas formas diferentes (escola isolada e escola gra-
duada) surge a título de “arranjo”, numa maneira de adaptar as novas
características à velha realidade, como uma adequação justificada pela
ausência das condições econômicas necessárias para investir no modelo
escolar considerado ideal no período.
Se as normas expedidas pelos reformadores da instrução pública,
no Território do Acre e nos estados do Maranhão e Bahia, demonstram
o interesse na demarcação da escola como um projeto de escolarização
imposto, e nesse particular os decretos lei da obrigatoriedade escolar
comprovam essa intenção, outros interesses e/ou ambivalências entram
em conflito com o disposto na norma e no discurso dos reformadores
e dos gestores da instrução pública. O desafio da frequência escolar,
tanto nas escolas isoladas como nos grupos escolares, as questões de
organização interna dos grupos escolares, a situação da formação dos
professores foram questões que nos remeteram à relação entre normas e
práticas, prescrições e apropriações.
O movimento da pesquisa nos possibilitou identificar arranjos di-
ferenciados na organização da escola primária, nos formatos da pouco
prestigiada escola isolada ou dos festejados grupos escolares, estando
tais aspectos relacionados ao lugar a partir dos quais essas instituições
foram organizadas e a partir dos sujeitos envolvidos ativamente nessa
organização. A exemplo, se pode citar a figura de Maria Angélica de
Castro, diretora do Departamento de Educação e Cultura, que, no pe-
ríodo de 1946 a 1950, tendo à frente do Território do Acre Guiomard
Santos, teve destacado papel na implantação dos grupos escolares e da
chamada “modernidade pedagógica” da escola acreana.
Essa modernidade pedagógica, materializada na organização do gru-
po escolar, que contava com uma concentração de crianças num mesmo
prédio, distribuídas em salas de aula, com os conteúdos de ensino hierar-
quicamente estruturado, com os alunos avaliados e agrupados homogene-
amente, demandou um patamar de investimento econômico e administra-
tivo que os Estados e a União não estavam comprometidos em arcar.
Durante a pesquisa, pudemos constatar que o ideário da escola
nova estava presente na organização do sistema escolar, principalmente
História da Escola Primária no Brasil

quando educadores se preocupavam com a construção de prédios esco-


lares adequados ao funcionamento da escola primária – como ocorreu
na gestão de Anísio Teixeira na Bahia –, no sentido de desenvolver o
projeto pedagógico que tal concepção preconizava.

208
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210 BAHIA. Relatório do Secretário de Educação, Dr. Anísio S. Teixeira, ane-


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213
6.
EXPANSÃO DA ESCOLA PRIMÁRIA,
HISTÓRIA COMPARADA ENTRE
SERGIPE E PARANÁ (1930–1961):
Entrecruzando olhares

Ilka Miglio de Mesquita - UNIT


Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do Nascimento - UNIT
Rosa Lydia Teixeira Corrêa- UFPR
Rony Rei do Nascimento Silva - UNIT

Introdução
É preciso que a Educação Comparada seja um meio de compreender
o outro [...] a comparação em educação é uma história de sentidos e
não de arranjo sistematizado de factos: os sentidos que as diferentes
comunidades dão às suas acções e que lhes permitem construir e
reconstruir o mundo. (ANTÓNIO NÓVOA, 2009, p. 83.).

Educação Comparada é método. É método que une dois ou mais


pela abertura do diálogo relacional. É ponte e cruzamento, proporciona
encontros pela observação atenta, criteriosa. Procura romper com isola-
mentos e diluir fronteiras pela relação estabelecida entre um mesmo ob-
jeto de estudo, porém em escalas, lugares diferentes. (BARROS, 2007).
Assim, para entrecruzar dados parece-nos sumamente necessário
situarmos os dois locus, as escalas de observação sobre as quais incidem
nosso objeto, afim de que melhor possamos demarcar, neste caso, a ex-
pansão da escola primária em dois estados da federação brasileira, onde
se localizam geograficamente e, como unidades federativas, também si-
tuarmos, embrionariamente, algumas de suas características históricas
no momento no qual o estudo da institucionalização da escola primária
no Brasil foi realizado.
Com efeito, considerando que a comparação se faz de troca de olha-
res, nas primeiras impressões deste olhar visualizamos dois estados bra-
sileiros situados geograficamente em regiões distintas e, por assim dizer,
em localização. As capitais dos dois estados, respectivamente, Aracaju e
Curitiba distam em linha reta, aproximadamente 2.066 km, situando-se
nas regiões nordeste e sul do Brasil. O estado de Sergipe limita-se com
o oceano atlântico e com os estados da Bahia e Alagoas, é o menor dos
estados brasileiros, ocupando uma área total de 21.915 km². Por sua vez o
História da Escola Primária no Brasil

estado do Paraná, como indicado, está situado na região do Sul do Brasil,


compondo com Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o conjunto que per-
faz essa região. Faz fronteira com Santa Catarina, ao sul, com São Paulo
ao norte e, a oeste com Mato Grosso do Sul. Sua área é de 199.880 km².
Com o olhar voltado para o passado sergipano visualizamos sua
emancipação da Bahia em 1820, sendo elevada a categoria de província
quatro anos mais tarde. Embora bem depois, o Paraná emancipa-se do
estado de São Paulo no ano de 1853 quando deixa de ser sua 5ª Comar-
ca. Sergipe tem até os anos de 1930 sua economia sobremaneira calcada
da produção pecuária e canavieira, o Paraná na erva-mate. Mas, como o
restante do Brasil, esse estado passa a viver os efeitos da industrializa-
ção, como os demais estados brasileiros no pós-segunda guerra. Neste
aspecto econômico temos então algo em comum, a agricultura.
Indicar a área territorial dos dois estados é imprescindível para
compreendermos o processo de expansão da escola primária no perío-
do que estamos estudando, tendo em vista os aspectos de compreensão
qualitativa e não absolutamente quantitativo da expansão dessa escola
entre os dois estados. Neste olhar mútuo, entrecruzado, elegemos como
objetivo identificar as similitudes e divergências da expansão da escola
primária em Sergipe e no Paraná na linha do tempo que compreende
1930–1961. Para desinstalar certezas e inserir novas interrogações, per-
216 guntamos: por que comparar esses dois estados em termos de expansão
da escola primária? Como compreender a expansão da escola primária
em Sergipe e no Paraná? Que elementos mobilizar para compreender
este processo? Quais “distâncias e vizinhanças” circunscrevem Sergipe
e Paraná? Parecem-nos questões desafiadoras. Talvez devamos justa-
mente não tentar explicá-las antecipadamente, mas deixar as evidências
emergirem, compreendendo cada situação em seu espaço e em relação
uma com a outra.
Nossa primeira interrogação pode ser respondida dizendo que este
faz parte do projeto integrado de pesquisa sobre a História da Escola
Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito
nacional (1930–1961), coordenado pela Profª. Dra. Rosa Fátima de Sou-
za. Este projeto compreende um dos quatro eixos que dispõem sobre a
análise da institucionalização da escola primária, tendo como foco “[...]
a atuação dos Poderes Públicos, por meio de programas, reformas edu-
cacionais e expansão do ensino e as diferentes modalidades de escolas
primárias existentes nas zonas urbanas e rurais” (SOUZA, 2010, p. 3).
A segunda pergunta nos remete em primeiro lugar, ao projeto na-
cionalista principalmente no período Vargas de 1932 a 1954 que atri-
bui coerência à comparação entre dois estados distintos, com pouca ou
nenhuma similitude geográfica e populacional, que justificariam em
princípio um exercício de comparação como esse. Em segundo lugar
Capítulo 6

e, certamente em decorrência do primeiro, nos remetem à exigência de


expansão e fortalecimento industrial postos para o Estado, tanto pela
crise de 1929, quanto pelos imperativos do pós-segunda guerra mun-
dial.1 Nesse sentido, temos um duplo comparativo que se inscreve num
campo de observação e relação nacional e regional mutuamente.
A terceira e quarta perguntas tencionamos dar conta nos itens que
se seguem que tratam respectivamente das “ferramentas” metodológi-
cas das quais nos valemos para o exercício comparativo e as duas cate-
gorias básicas sobre as quais se assentam a comparação, a expansão em
sua dupla dimensão: por meio de unidades escolares e de matrículas.
Por meio dessas duas dimensões, procuramos nos valer de uma terceira
categoria que entendemos por “lógica” tanto da expansão em unidades,
como em matrículas. Desta, derivando “subterraneamente” a não per-
manência na escola primária daqueles que a ela tem acesso. Assim, a
lógica da expansão acha-se presente nos dois estados e, por assim dizer,
os aproxima nessas dimensões por tornar-se comum entre ambos como
veremos nos dois subitens que seguem.

A abordagem/orientação metodológica e fontes


217
Trazemos para análise sobremaneira dados numéricos referentes
à expansão das unidades escolares nos dois estados. Para tanto foram
fundamentais documentos oficiais como anuários estatísticos do IBGE,
mensagens e relatórios de governadores, relatório de instrução pública
e também de sinopses do próprio estado, no caso, o Paraná, referen-
tes ao período indicado para o estudo. Para operarmos com tais fontes
recorremos às instruções deixadas por Le Goff (1990). Segundo ele, os
documentos se constituem monumentos dados às suas permanências
no tempo e em decorrência dos “testemunhos” que contém. Contudo,
entendemos que eles devem ser interrogados (BLOCH, 2001) pelo pes-
quisador da História.
No caso do Paraná as mensagens de governo, em torno de dez,
mesmo quando se originam de um mesmo governo, poucas vezes apre-
sentam relação de continuidade, neste caso especialmente aquelas que
contêm informações sobre a educação. Exemplo são as mensagens de
períodos relativamente longos, como, de 1932 a 1937 e 1937 a 1942 dei-
xam de incluir dados contidos no anterior. No caso sergipano encontra-
mos uma lacuna ainda maior, pois 15 mensagens não foram apresen-
tadas durante três períodos, a saber: 1932 a 1934, 1938 a 1947 e 1954 a

1 Neste aspecto há espaço, embora não possamos aprofundar, para diálogo intradisciplinar (BARROS,
2007), com as modalidades históricas econômica e demográfica.
História da Escola Primária no Brasil

1955. Por quê? Outro aspecto se refere à continuidade de referência de


dados de uma gestão de governo para outra diferente. Porque também?
Não nos cabe problematizar neste momento, embora tenhamos clareza
de outros propósitos. Contudo, torna-se um problema central pelo fato
de que informações importantes deixaram de ser trazidas à sociedade e,
por assim dizer, à sua memória, por serem documentos oficiais.
Ao realizarmos a operação historiográfica comparada, atentamos
para algumas recomendações feitas por Barros (2007), que nos alertam
quanto a armadilhas deste esforço intelectual delicado e complexo. Se-
gundo o autor, o anacronismo, o etnocentrismo, a analogia enganadora,
a generalização indevida, a indução mal encaminhada, estes são alguns
percalços e precipícios que se encontram dispostos no caminho desta
pesquisa. Assim mesmo assumimos os riscos. Pois, ao fazê-lo, enrique-
ceremos o conhecimento do outro e de nós mesmos. Assim, aludiu Nu-
nes (1998, p. 02):

Isto significa que a comparação é fundamental instru-


mento para escaparmos ao etnocentrismo, já que o conta-
to com o diferente nos coloca questões antes impensadas
e cria a possibilidade de um novo olhar. Assim, compara-
mos com o intuito não de nos reconhecermos no outro ou
218 nos diferenciarmos dele, mas, sobretudo para entender
as próprias singularidades construídas historicamente, as
influências comuns, as soluções específicas, o que redun-
daria na superação de três ideias muito caras ao senso
comum e ao senso comum acadêmico: supor a absoluta
homogeneidade dos processos latino-americanos; supor
a absoluta originalidade dos processos nacionais; priori-
zar as fronteiras políticas nacionais.

Pelo olhar entrecruzado visualizamos distâncias e aproxima-


ções, pontos que unem e separam. Para percebemos as singularida-
des e pluralidades, queremos um olhar semelhante ao descrito por
Nóvoa (2009, p. 37-38): “[...] um olhar que atribui sentido e que ins-
creve maneiras de agir, sentir, falar e encarar o trabalho científico – e
não apenas descrever uma situação”. Ainda segundo ele: “O outro é
a razão de ser da educação comparada: o outro que serve de mode-
lo ou referência, que legitima as ações ou que impõe silêncios [...]”
(NÓVOA, 2009, p. 24). Tomamos de empréstimo suas palavras para
posicionar ângulos de visualização. Assim, por um olhar que vai
para além da descrição do aparente, continuamos a atentar para as
sugestões deixadas pelo autor, quando afirmou ser necessário olhar
o mundo como um texto:
Capítulo 6

A Educação Comparada deve olhar o mundo como um tex-


to buscando compreender como os discursos fazem parte
dos poderes que partilham e dividem os homens e as so-
ciedades que alimentam situações de dependência e lógicas
de discriminação, que constroem maneiras de pensar e agir
que definem nossas relações com o saber e a pesquisa. (NÓ-
VOA, 2009, p. 82).

O repertório metodológico desta pesquisa está circunscrito sob o


signo da Educação Comparada, no campo da História da Educação. Ao
nos apropriarmos da perspectiva da comparação, como recurso para a
produção de sínteses ou estudos articulados de caráter mais abrangente
como este, nos instamos a enfrentar desafios, pois operar historiografi-
camente, tendo como método a Educação Comparada, reclama do pes-
quisador maturidade e fôlego.
É evidente e unânime que o conhecimento científico se amplia por
meio da comparação e do diálogo com outras experiências de pesquisa.
A comparação tornou-se, portanto, uma operação metodológica impor-
tante “[...] pois comparar não só se apresenta como uma forma adequa-
da de ampliação da empiria, como também um procedimento conceitu-
al” (SCHRIEWER, 2002, p. 14).
Por sua vez, trazemos as contribuições dadas por Catani (2007), 219
que diante de suas intervenções nos levam a fazer reflexão sobre a ne-
cessidade de conhecer bem o outro:

A produção de estudos brasileiros no espaço histórico edu-


cacional tem demonstrado, nos últimos anos, os efeitos
desse esforço de ‘olhar para os lados’, também no sentido
de buscar refazer a interpretação à luz das múltiplas confi-
gurações que a extensão territorial, no caso brasileiro, im-
põe-nos. [...] A propósito do caso brasileiro e da extensão
territorial, vale lembrar que persiste, em nosso caso, o fato
de que se é necessário conhecer bem as peculiaridades dos
processos regionais, resultados das condições nas quais se
desenvolvem sistemas de ensino estaduais muito hetero-
gêneos, após a instauração da República no final do século
XIX. (CATANI, 2007, p. 174-175).

Seguiremos as referidas recomendações para entender as particula-


ridades de cada um dos estados sem termos socioculturais, econômicos
e políticos. Estamos também considerando que a História Comparada
e, neste caso a História da Educação Comparada, parafraseando Barros
(2007), nos permite a possibilidade de analisar sistematicamente como
História da Escola Primária no Brasil

um mesmo problema atravessa duas realidades histórico-sociais distin-


tas e também distintos repertórios.

Entrecruzando olhares na expansão em unidades


escolares de Sergipe e Paraná

O Paraná foi dos primeiros Estados que procuraram imprimir


unidade e plano aos seus serviços de educação. [...] de um lado
as novas conquistas de organização pedagógica e, de outro, à
própria expansão da rêde escolar do Estado. (INEP, 1942, p. 7).

O pequenino Estado de Sergipe, encravado no leste brasi-


leiro, é um exemplo típico do que se pode realizar a boa ad-
ministração educacional, ainda que os recursos financeiros
não exprimam um per capita elevado. E essa afirmação é
comprovada pela análise dos dados da estatística educa-
cional no período de 1932 e 1950. (INEP, 1950, p. 5).

As palavras descritas acima compõem o documento “Organização


220 do Ensino Primário e Normal” enviado ao Ministério da Educação e Saú-
de pelos governos do Paraná e Sergipe. Tais descrições nos ajudam a olhar
o processo de expansão da educação primária no período de 1930 a 1961.
Em textos que constam de relatórios enviados ao Ministério da Educação
e Saúde e publicados a partir desse órgão, como também nas mensagens
de governadores de estado, é possível perceber a preocupação com a es-
colarização primária. Tais preocupações apontam para o enaltecimento
do estado em prol da educação primária, escamoteando, por vezes, fra-
gilidades. Assim evidenciamos sobre a expansão no estado de Sergipe:

Apesar de sua relativa inferioridade financeira em compa-


ração aos centros nacionais de maiores recursos, Sergipe
não se deixou ficar na retaguarda do movimento renova-
dor que alviçareiramente se vem processando na maioria
dos Estados brasileiros, no sentido de aperfeiçoar os méto-
dos de ensino e de introduzir na organização educacional
os melhoramentos de que mais urgentemente carecem. (O
ENSINO Primário em Sergipe, 1934, p.175).

Não é cousa que ainda esteja por firmar o valor da ins-


trucção. Por isto conforta, sobremodo, constatar e repetir
mais uma vez que Sergipe, pequenino como é, marcha na
Capítulo 6

vanguarda entre os mais adiantados Estados da Federação,


que luctam em prol dos alevantados ideaes da instrucção
do nosso povo. (SERGIPE, Mensagem, 1930, p. 30).2

É possível perceber nas mensagens de governadores e relatórios de


Diretoria Geral da Instrução Pública e comunicados enviados ao Minis-
tério da Educação, a argumentação para justificar o tamanho do estado
de Sergipe em relação à preocupação e investimentos na instrução pú-
blica. As práticas discursivas para evidenciar as políticas de expansão da
escolarização primária iniciam com uma justificativa para depois apon-
tar as estatísticas referentes ao número de matrículas, de frequência e
de escolas. Neste momento trazemos apenas os números de unidades.
No ano de 1930, o estado de Sergipe contava com 309 unidades de
escolas primárias, com 13 grupos escolares (Quadro 1), 05 instalados na
capital (Aracaju) e 08 no interior; com 247 escolas isoladas (como pode-
se ver no Quadro 2), divididas por sexo, sendo 34 masculinas, 36 femini-
nas e 177 mistas; com uma escola reunida, chamada de Escola Reunida
“Esperidião Monteiro”. Foram ainda registradas 48 escolas municipais,
divididas em 23 municípios.

Quadro 1 – Distribuição de Grupos Escolares no Estado de Sergipe


em 1936 221

Nome do Grupo Nome do Grupo


Escolar Escolar
Grupo General Siqueira Grupo General Siqueira
Grupo General Valadão Grupo Gumersindo Bessa
Grupo Barão de
Interior do Grupo Vigario Barroso
Capital Maroim
estado
Grupo Dr. Manoel Luiz Grupo Sylvio Romero
Grupo A. Ferraz Grupo Olympio Campos
Grupo Fausto Cardoso
Grupo João Fernandes
Grupo Severiano Cardoso
TOTAL 5 TOTAL 8
Fonte: Sergipe (Mensagem, 1930, p. 36).

2 Mantivemos a ortografia original dos documentos aqui trabalhados.


História da Escola Primária no Brasil

Quadro 2 – Distribuição de Escolas Isoladas e Escolas Reunidas em


1930

Escolas Isoladas Escolas Reunidas


Nº na Capital 20 -

Nº no Interior 227 01
Total 247 01
Fonte: Sergipe (Mensagem, 1930, p. 37).

Pelo até então enunciado, Sergipe e Paraná guardam algo em co-


mum, pois no que se refereaos discursos governamentais, o enaltecimen-
to do estado e sobremaneira da Instrução Pública é um denominador
comum na época. Tal evidência se revela nos discursos do governador
paranaense, Affonso Alves de Camargo, em mensagem destinada à As-
sembleia Legislativa no ano de 1930, na qual destaca o caráter promissor
do estado entre as unidades da federação brasileira, considerando sua
posição geográfica, clima e variedade de produção. Nesse documento
também refere que essa unidade federativa tem resistido à crise eco-
nômica que abalou o mundo e em particular o Brasil. Sobre a instrução
222 pública manifesta ser um dos setores que mais preocupa seu governo,
destacando a difusão da educação popular. Sobre o ensino primário
traz os seguintes dados sobre as unidades escolares existentes por de-
nominação: na capital localizam-se as seguintes unidades de grupos
escolares: “Anexo à escola Normal Secundária”, “Dr. Xavier da Silva”,
“Tiradentes”, “Dezenove de Dezembro”, “Barão do Rio Branco”, Pro-
fessor Brandão”, “Professor Cleto”, “Conselheiro Zacarias”, “Presiden-
te Pedrosa”, “D. Pedro II”3. Nesse documento consta a existência de 10
grupos escolares, na capital Curitiba, no ano de 1930. No interior estão
descritas as seguintes unidades de Grupos Escolares que totalizam 39
com 357 classes4. No ano de 1930 temos em resumo o seguinte (Quadro
3), em termos de número de unidades escolares.

3 A esses dados está contida, no texto da mensagem referencia à existência de dois grupos escolares
noturnos para operários que funcionam nos prédios dos grupos escolares Tiradentes e Xavier da Silva.
Tudo indica tratar-se de duas classes, por isso não os consideramos como unidades escolares propria-
mente ditas, por funcionarem no interior de duas unidades existentes, ainda que no texto haja indica-
ção de 12 unidades de grupos escolares na capital.
4 Contava o Paraná nessa época com 58 municípios, significando dizer que, em dezenove deles não
havia Grupo Escolar.
Capítulo 6

Quadro 3 – Número de Grupos Escolares, Escolas Isoladas


e Escolas Complementares por localização em 1930

Localização Modelos Total Nº de Classes


Grupos Escolares 10 171
Escolas Isoladas 82 246
Capital
Escolas Complementares
11 11
Primárias
Grupos Escolares 39 357
Escolas Isoladas 1215 -
Interior
Escolas Complementares
21 21
Primárias
Total de Unidades Escolares 1.378 -
Fonte: Paraná (Mensagem, 1930, s/p).

Para o ano seguinte, ou seja, em 1931, já sob os efeitos iniciais de in-


tervenção federal, o executivo, então comandado pelo interventor federal
Mario Tourinho, ao apresentar mensagem à Assembleia Legislativa do
estado, refere à aguda crise financeira do mesmo que lhe cabe solucionar
em meio à missão de recuperá-lo moral e politicamente.5 Em se tratando 223
da Instrução Pública alega o interventor que, dadas as precárias condições
financeiras estaduais não foi possível até aquele momento fazer o que dese-
java segundo as necessidades da população e do próprio estado. Indica ter
mantido a organização do ensino até então existente, procurando melhorar
as suas condições ao primar por “[...] uma escrupulosa seleção de professo-
res e uma melhor distribuição, no interior do Paraná, das escolas primárias,
mantidas pelo estado [...]” (cf. PARANÁ, Mensagem de Affonso Alves de
Camargo, 1931, p. 34).6 Os dados sobre unidades escolares diferem dos
existentes na mensagem do ano de 1930. Veja o quadro a seguir.

Quadro 4 – Distribuição de Grupos Escolares, Escolas Isoladas e Esco-


las Complementares em 1931

Modelos Número de Unidades


Grupos Escolares 52
Escolas Isoladas 972
Escolas complementares Primárias 09

Fonte: Paraná (Mensagem, 1931, p. 36 e 37).


5 Indica terem sido suspensos todos os serviços de construção e de conservação de estradas. (cfr. PARA-
NÁ, Mensagem, 1931, p. 7-10)
6 Nessa Mensagem há o Decreto nº 589, que institui concurso público para professores primários, art. 1º.
História da Escola Primária no Brasil

Ao visualizarmos as mensagens, bem como os dados numéricos


que elas revelam nos chamou atenção o registro de menor número de
unidades escolares em relação à mensagem anterior. Na mensagem de
1931 há indicação da existência de nove grupos escolares. Na anterior
são dez. Nesta (1930) totalizam, entre capital e interior, 1.297, na men-
sagem de 1931, acima, 972. Naquela as escolas complementares somam
32 e, nesta, apenas nove.
Por um entrecruzamento voltamos o nosso olhar para Sergipe. No
ano de 1931, deparamos com o Relatório Anual da Diretoria Geral de
Instrução Publica e Normal, diretor geral Dr. Helvécio de Andrade,
apresentado ao Governo Interventorial, representado por Augusto Mai-
nard Gomes. Nas estatísticas7 apresentadas pelo Dr. Helvécio de Andra-
de, encontramos o seguinte quadro:

Quadro 5 – Número de unidades escolares pelo tipo e por entrâncias,


em 1931

Tipo Localidade Nº
Escolas Públicas Isoladas 1ª entrância (Povoados) 164
2ª entrância (Vilas) 52
224 3ª e 4ª entrância
39
(Cidades Capital)
Escolas Municipais 48
Escolas Particulares 53
Colégios na capital com cur-
5
sos primários
Total de Unidades Escolares 361

Fonte: Andrade (Relatório, 1931, p. 19).

No estado de Sergipe houve uma lacuna temporal entre 1932 e 1935.


Foram encontradas três mensagens de governadores referentes aos anos
de 1935, 1936 e 19378. Em relação ao ano de 1936, existiam no ensino esta-
dual 294 unidades escolares, 48 escolas no ensino municipal e 58 escolas
particulares, que somavam o montante. Dr. Eronides Ferreira de Carvalho
ressaltou, em sua mensagem, que a Instrução Pública teria foco especial
no seu governo, ao mencionar o peso que essa política tem no orçamento
estadual. Esse peso estava diretamente relacionado às obras de infraes-
trutura referentes às unidades escolares. Tais números serão detalhados a
seguir em formas de quadro.
7 Não referiu ao número de grupos escolares e escolas reunidas, o que se pressupõe que tenha continu-
ado com o mesmo número. Aumentou, portanto, o número de escolas isoladas em relação aos dados
de 1930.
8 Desse período, dados de matrículas serão trazidos no item seguinte, correspondente a esse assunto.
Capítulo 6

Quadro 6 – Número de unidades escolares pelo tipo e pelo


modelo, em 1936

Tipo Modelos Nº
Grupos Escolares 15
Escolas Agrupadas Urbanas 4
Ensino Público
Escolas Urbanas Nocturnas 7
Estadual
Escolas Rurais Diurnas 160
Escolas Districtaes 13
Escolas Urbanas Diurnas 20
Ensino Escolas Urbanas Nocturnas 5
Público Municipal Escolas Rurais Diurnas 17
Escolas Rurais Nocturnas 4
Escolas Districtaes diurnas 2
Escolas Agrupadas Urbanas 3
Escolas Urbanas Diurnas 35
Ensino Particular
Escolas Urbanas Nocturnas 16
Escolas Rurais Diurnas 3
Escolas Rural Nocturna 1
Total de Unidades Escolares 400 225

Fonte: Sergipe (Mensagem, 1936, p. 31).

Em relação ao ano de 1937, a mensagem se restringiu em apresen-


tar a existência de 681 escolas primárias, com 27.341 matrículas para
uma frequência de 22.860. Pelo espaço temporal de 1938 a 1945, sem
apresentação de mensagens pelo interventor federal, chegamos ao final
do Estado Novo (1937–1945) em Sergipe com 20 Grupos Escolares, 04
Escolas Reunidas e 594 Escolas Isoladas. Dos 18 Grupos Escolares de
1930, somaram-se apenas mais 02 nos 15 anos de governo interventorial
em Sergipe. Por sua vez, quadriplicaram as Escolas Reunidas e as Esco-
las Isoladas aumentaram em 140%. Os dados nos levam a questionar a
suposta expansão e infraestrutura anunciadas, sendo que houve cresci-
mento de Escolas Isoladas e Reunidas. Pelos estudos, sabemos que esses
dois modelos não expressaram o que preconizava o ideal de escola em
tempos de modernização.
Cruzando o olhar com o Paraná, nos deparamos com um relatório
de governo referente ao período de 23 de janeiro de 1932 a 31 de dezem-
bro de 1939, enviado ao então Presidente da República Getúlio Vargas. O
interventor Manuel Ribas destaca a recuperação das contas do estado de
“caos financeiro” por ele encontrado quando assumiu o governo, para
História da Escola Primária no Brasil

o resultado de expressivo crescimento econômico por meio de constru-


ção de obras rodoviárias, bem como do controle fiscal e de arrecadação
de impostos, efeitos da moralidade do sistema administrativo do estado.
(PARANÁ, Relatório, 1932 e 1939).
O interventor Manuel Ribas refere-se à construção de edifícios pú-
blicos destacando a edificação escolar, que praticamente não existia no
estado. Excluindo alguns prédios de real valor em Curitiba, Ponta Gros-
sa e Paranaguá, nada mais havia em todo o vasto território do estado.
Foi construído mais um edifício na capital, que se destinava também a
uma Escola Agrícola, mas que por necessidade do serviço federal foi
cedido ao 5ª regimento de aviação. Custou esse prédio a importância de
R$ 247:873$200. (PARANÁ, Relatório, 1932 e 1939).
Constata-se a preocupação com a construção de unidades educa-
cionais agrícolas, que são trazidas naquele relatório como sendo oito
escolas, assim distribuídas: 2 em Curitiba, 2 em Paranaguá, 1 em Cas-
tro, 1 em Ponta Grossa, 1 em Palmeira e 1 em Rio Negro. (PARANÁ,
Relatório, 1932 e 1939). Além disso, há menção à construção na zona
norte do estado, de mais 13 edifícios públicos, sendo um ginásio e 12
grupos escolares; na região central do estado, a construção de impo-
nentes prédios para grupos escolares de Castro e Palmeira e o Ginásio
Regente Feijó, em Ponta Grossa. Além da ampliação ou construção de
226 nada menos de 17 prédios para grupos escolares em outras cidades, na
região sul, indica a construção dos grupos escolares Irati, Rio Negro e
Lapa. No relatório também há indicação do total de unidades escolares
existentes no período de 1932 a 1939, na gestão do interventor Manoel
Ribas. Vejamos o quadro a seguir:

Quadro 7 – Número de unidades escolares por modelo

Número de Número
Modelos
Unidades de Classes
Grupos Escolares 71 518
Escolas isoladas 1.288
Escolas Complementares Primárias 34 36
Escolas Municipais 264 -
Escolas Particulares 107 -
Escolas de Trabalhadores Rurais - -
Fonte: Paraná (Relatório, 1932 e 1939, p. 54).

Consta-se nesse período sensível expansão da rede de unidades


escolares destinadas ao ensino primário do Paraná, em relação aos
anos iniciais da década de 1930 indicados anteriormente. Mas, em re-
Capítulo 6

latório denominado de Realizações do Governo Manoel Ribas, do


período de 1937 a 1942, incluindo apenas dois anos do anterior, pude-
mos ter acesso a outros dados sobre a expansão das unidades escolares
primárias no estado do Paraná. Nesse relatório está indicada a dotação
orçamentária do estado para Educação Pública que foi destinada no
período de 1938 a 1942.
Embora a era Manoel Ribas abranja o período de 1932 a 1945, não
há, tudo leva a crer, mensagens e tampouco relatório de governo dos
três últimos anos de gestão. Em relatório apresentado pela Secretaria
de Agricultura, Indústria e Comércio por meio do Departamento de
Ensino Superior, Técnico e Profissional referente ao exercício de 1945,
constam as onze unidades escolares destinadas à formação técnica/
profissional, sendo nove rurais e duas de pescadores. (PARANÁ, Re-
latório, 1945). Com efeito, tomamos dados dos quadros acima para
podermos objetivamente constatar o avanço numérico no que tange
a dois modelos, ou seja, Grupos Escolares e Escolas de Trabalhado-
res Rurais, considerando-se os anos de construção destas escolas, que
ocorrem depois de 1930, isto é, entre 1940 e 1942. Por isso é possível
compor o Quadro 8 do seguinte modo em termos apenas de unidades
de modelos:

Quadro 8 – Número de unidades escolares por modelo, 1937 a 1942 227

Modelos Número de Unidades


Grupos Escolares 136
Grupos Escolares Rurais 011
Escolas Isoladas 1.299
Escolas Complementares Primárias 34
Escolas Municipais 264
Escolas Particulares 107
Escolas de Trabalhadores Rurais 11

Fonte: Paraná (Relatório, 1937 a 1942).

Entreolhando as singularidades, percebemos distanciamentos en-


tre Sergipe e Paraná uma vez que os números de 1930–1945 mostram
que havia um pequeno número de escolas no estado de Sergipe, res-
saltando ainda que, deste número, a maioria era de escolas isoladas.
No entanto, no estado do Paranáos números revelam uma acentuada
expansão da escola primária. Vale ressaltar que há lacunas deixadas pe-
los registros, quando estes não são encontrados ou as mensagens de
governadores de ambos os estados não foram produzidas.
História da Escola Primária no Brasil

Como no Paraná, também em Sergipe alguns anos depois, há novos


dados para a educação primária. A intenção de fazer expandir o ensino
público entre 1945–1960 foi tônica governamental nesse período. Assim,
José Rollemberg Leite, emblematicamente discursou:

O índice de uma civilização está mais do que todo no maior


ou no menor número de seus analfabetos. Educação gene-
ralizada, ampla, sem restrições é o programa a que meu
Govêrno se entregaria acima de qualquer outro. (SERGIPE,
Mensagem, 1949, p. XI).

Generalizar, ampliar e não restringir... Eram esses os pressupostos


em que se alicerçavam o programa de governo de José Rollemberg Leite.
Os trechos da mensagem acima, enviada à Assembleia Legislativa Esta-
dual, datada de 2 de março de 1949, em muito revela sobre as tentativas
governamentais de expandir o ensino primário em Sergipe. O discurso
estava banhado pelos ideais de civilização que circulavam em tempos
em que a escola assumia no discurso político o signo do progresso. Por
este viés, o nível de civilização de um povo era mensurado pelos nú-
meros dos seus analfabetos. Desse modo, as representações numéricas
serviam para legitimar discursos e planos de governo.
228 O programa de governo de José Rollemberg Leite deu ênfase à ex-
pansão quantitativa da escola primária alcançada no seu governo. Assim,
encontramos nas páginas amareladas pelo tempo, o seguinte trecho: “Na
missão educacional conferida ao Estado de Sergipe, pelo meu govêrno,
posso destacar os seguintes aspectos: aumento da rêde escolar ––ensino
rural – aparelhamento das escolas – melhoria na formação de pessoal do-
cente” (SERGIPE, Mensagem, 1948, p. VII). A preocupação com a expan-
são da escola se ateve em torno de alguns eixos, que, sobretudo, privile-
giavam o aumento das unidades escolares.
É de conhecimento geral que o referido governo investiu na expan-
são da Escola Rural. Vale ressaltar que tais medidas estavam atreladas
em âmbito nacional com uma forte tendência em expandir o acesso ao
ensino escolarizado à população rural. Os documentos evidenciaram
que em aproximadamente 15 dias foram construídas 100 Escolas Rurais.
Esse processo acelerado é apontado na mensagem de 1950:

Pelo sistema de acordos entre este estado e o Ministério de


Educação e Saúde foram construídos até o ano próximo
passado quatro (4) grupos escolares rurais e cento e qua-
renta e oito (148) escolas rurais. Os grupos estão localiza-
dos nas cidades de Itabaianinha, Frei Paulo, Nossa Senhora
das Dores e Japoatã. (SERGIPE, Mensagem, 1950, p. 46).
Capítulo 6

Tal crescimento, segundo a prática discursiva, não seria possível


sem reunir esforços por parte do estado junto ao governo federal.
Dentre os mais diversos esforços, podemos aqui elencar a forte co-
missão da Instrução Pública, à época presidida pelo professor Acrísio
Cruz. Em sua gestão manteve contatos com grandes nomes do Instituto
Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), a saber: Anísio Teixeira e
Murilo Braga, apoiando seus projetos de educação rural. Esta interlocu-
ção entre Acrísio Cruz e os intelectuais da educação no cenário nacional
oportunizou a construção de mais de 200 escolas rurais. As respectivas
realizações foram enumeradas em tom de contentamento na mensagem:

Foram construídos Grupos Escolares Rurais nos municípios


de Frei Paulo, Itaporanga d’Ajuda, Campo do Brito, Itabaia-
ninha, Japoatã e Nossa Senhora das Dores. Em construção se
encontram nos municípios de Propriá, Ribeirópolis, Darcile-
na e Arauá. (SERGIPE, Mensagem, 1951, p. 75).

E prosseguiu relatando suas realizações nas páginas seguintes em


forma de quadro:

Quadro 9 – Número de escolas criadas em 1951


229
Realizações Números
Escolas Rurais 218
Escolas Normais Rurais 2
Grupos Escolares Rurais 7
Casas para funcionários no Posto Fiscal 2
Posto de Higiêne no interior do Estado 6
Posto de Puericultura em Aracaju Colégio
1
Estadual de Sergipe

Fonte: Sergipe (Mensagem, 1951, p. 16).

Os algarismos e os discursos políticos dessa época evidenciam os


investimentos na difusão das Escolas Rurais. Este modelo de escola se
sobressai em relação aos outros modelos: Desse modo, o governador
José Rollemberg Leite, em sua última mensagem, fez um balanço da
expansão da Escola Rural e constatou que tinham concluído: “[...] 218
escolas rurais, 7 Grupos Escolas Rurais, 10 grupos escolares e duas
importantes Escolas Normais Rurais” (SERGIPE, Mensagem, 1951, p.
19). Além do aumento do número de classes, também foi usada pelo
governador a representação numérica das matrículas, que por sua vez
evidenciou o alargamento da Escola Rural. Assim reafirmou: “O ensino
História da Escola Primária no Brasil

primário comum e rural tomou o desenvolvimento extraordinário, ele-


vando-se a matrícula de 23.613 em 1947 a 29.634 em 1950” (SERGIPE,
Mensagem, 1951, p. 21). Vale ressaltar que o processo de expansão não
se deu de forma linear e tranquila, tendo em vista gargalos e percalços
que foram surgindo na medida em se avançava na ampliação da escola
primária em Sergipe. Assim, relatou José Rollemberg Leite:

Sob todos os aspectos essas dificuldades se apresen-


tam: pessoal docente primário mal remunerado, nú-
mero de escolas reduzidos, falta de grupos escolares
em diversos municípios, além dos limites em que se
encontrava o nosso sistema educativo, sem o ensino
superior. (SERGIPE, Mensagem, 1951, p. 18).

Com a eleição de 1951 assumiu o governo Arnaldo Rolemberg Gar-


cez. Em seu governo, os avanços já alcançados foram mantidos e as esta-
tísticas superadas. Assim, elucidou em sua mensagem em 1952: “Claro
que ainda muito resta a fazer. Porém, antes de prosseguir na extensão
da obra começada, cumpre examinar-lhe os fundamentos, reforçar-lhe as
bases, consolidando os ganhos adquiridos” (SERGIPE, Mensagem, 1952,
p. 13). Arnaldo Rolemberg Garcez e o seu antecessor possuíam a mes-
230 ma filiação política e, por isso, não houve distorções entre seus discursos.
Desse modo, os números continuaram a subir. Como evidenciou: “O apa-
relho educacional no Estado, em gráu primário, abrange duzentos e qua-
renta e seis (246) escolas e onze (11) grupos rurais. [...] A matrícula geral
no curso primário, ascendeu a vinte e oito mil seiscentos e vinte (28.620)
alunos” (SERGIPE, Mensagem, 1953, p. 12). E continuou:

Ninguém desconhece a luta sem tréguas do magistério ser-


gipano em elevar o ensino público em Sergipe. Há insu-
ficiência de recursos materiais e deficiência de elementos
humanos para melhorar seus objetivos.
O Departamento conta com uma equipe de 1.072 de profes-
soras, distribuídas em todas as localidades, que há unidades
escolares do Estado.
O quadro é pequeno, para as responsabilidades na difu-
são do ensino, sabido que milhares de crianças deixam de
ser matriculadas por deficiência do aparelhamento escolar.
(SERGIPE, Mensagem, 1956, p. 61).

Leandro Maynard Maciel, assim como outros governadores, bus-


cou trazer em seu discurso político números que legitimassem a ex-
pansão educacional. Como foi anunciada anteriormente, a expansão da
Capítulo 6

Escola Primária era mensurada pelo número de matrículas realizadas.


Por isso, a preocupação de Leandro Maynard Maciel em registrar os
seguintes algarismos: “A matrícula nos estabelecimentos estaduais, em
1956, atingiu em Aracaju, 6.544 alunos e, no interior, 28.255, no total de
34.799 matriculados” (SERGIPE, Mensagem, 1957, p. 61). E prosseguiu
detalhando: “Os grupos Escolares e Rurais, Escola de aplicação e Jardim
de infância, nessa Capital, alcançaram uma matrícula de 4.797 alunos,
apresentando uma referência de 4.086 matriculados” (SERGIPE, Mensa-
gem, 1957, p. 61). Além da expansão dos Grupos Escolares e Rurais, da
Escola de aplicação e do Jardim de infância, 27 Escolas Isoladas foram
beneficiadas com reparos e, no mesmo ano, o número de matrícula atin-
giu 1.947. Assim foram edificadas as unidades escolares em suas respec-
tivas localidades:

Grupo Escolar Prof. Artur Fontes, na cidade de Cari-


ra; Grupo Escolar Alcebides Paes, na cidade de Cum-
be; Escola Rural de Ponta dos Mangues, município
de Pacatuba; Escola Rural de Garatuba, município de
Pacatuba. [...] Escolas Rurais – O Estado de conserva-
ção das Escolas Rurais, como relatei a Vossa Excelên-
cia em nossas primeiras mensagens, correspondente
ao ano de 1955, era o pior possível; construção de 231
segunda classe, como são todas elas, exige uma con-
servação dispendiosa e, dada sua quantidade, êsse
serviço requer despesas consideráveis. (SERGIPE,
Mensagem, 1958, p. 43).

No ano de 1958, Luiz Garcia foi eleito governador e no ano seguinte


cuidou em registrar numericamente a situação encontrada: “Atualmen-
te, há em funcionamento no Estado de Sergipe, esses os dados estatísti-
cos de 1958: 1.116 unidades escolares de ensino primário, fundamental
comum” (SERGIPE, Mensagem, 1959, p. 87). E prosseguiu:

Em nosso Estado, na sua competência da vida brasileira,


não obstante, as nossas dificuldades de ordem econômica
financeira, o ensino público não tem sido deseurado, pre-
valecendo no meu governo a mística de estímulo, o primei-
ro elemento da ordem administrativa: levar a instrução a
tôdas as camadas sociais. É fato que ninguém ignora o cres-
cimento da população em idade escolar, exigindo a criação
de novas unidades escolares e a ampliação da rêde de defê-
sa da saúde e dos hábitos de higiene em tôrno dessas novas
escolas. (SERGIPE, Mensagem, 1959, p. 59).
História da Escola Primária no Brasil

Continuou dizendo que:

A difusão do ensino primário está sendo a constante


preocupação do Govêrno, que não poupa esforços no
sentido de multiplicação das escolas. Ativos têm sido
os serviços de conservação, aparelhamento e renova-
ção dos próprios e seus instrumentos de trabalho es-
colar, em todo o Estado. Novos grupos foram incorpo-
rados à rede, com os requisitos indispensáveis ao seu
funcionamento. (SERGIPE, Mensagem, 1959, p. 87).

As palavras acima descrevem a constante preocupação do governo


de Luiz Garcia em expandir a Escola Primária. O quadro abaixo é reve-
lador da soma das unidades escolares construídas e já existentes, perten-
centes ao Ensino Público Estadual:

Quadro 10 – Número por tipo e modelo de escolas, em 1959

Tipo Modelos Número


Jardim de Infância 1

232 Grupo Escolar 25


Ensino Público Estadual Grupo Escolar Rural 15
Escola Reunida 6
Escola Isolada e Rural 609
Total 656
Fonte: Sergipe (Mensagem, 1959, p. 61).

O quadro acima revela os números, que juntos totalizam um mon-


tante de 656 Escolas Estaduais, que evidenciam tentativas da adminis-
tração púbica em fazer aumentar o número de escolas. Vale ressaltar
que não só a Escola Primária fez parte desse processo de expansão, pois
segundo ele: “O meu governo trabalha pelo crescimento do ensino, em
todos os graus.” (SERGIPE, Mensagem, 1960, p. 07). Outros aspectos
que nos chamaram atenção foram as medidas de conservação, apare-
lhamento e renovação das unidades escolares já existentes. Luiz Garcia,
tendo em vista o crescimento da população em idade escolar, destacou
a importância da ampliação e qualidade da rede de ensino:

A influência, cada vez mais acentuada, de crianças


em idade escolar e de jovens aos estabelecimentos de
ensino, que se tratam, por sua vez, acanhados e até
mesmo insuficientes, está suscitando providências
Capítulo 6

de reorganização material e de melhoria nos quadros


magisteriais, para elevar o nível de qualidade de
educação a cargo do Estado. (SERGIPE, Mensagem,
1960, p. 07).

Consideramos que entre os anos de 1945–1960 houve investimen-


tos principalmente na expansão da Escola Rural, preocupação essa en-
contrada nos discursos dos governadores do período. Fazendo um ba-
lanço da expansão da escola primária em Sergipe no período referido:
em 1945 evidenciamos 20 Grupos Escolares, 04 Escolas Reunidas e 594
Escolas Isoladas. Em 1959 foram apresentados dados de 25 Grupos Es-
colares, 15 Grupos Escolares Rurais, 06 Escolas Reunidas, 609 Escolas
Isoladas e Rurais. Por esses dados, podemos perceber que a expansão
se deu em maior número na construção de Escolas Rurais, ressaltando
o surgimento da denominação Grupo Escolar Rural, não existente no
período anterior a 1945.
Mas em se tratando do Paraná, em relatório denominado de “Reali-
zações do Governo Manoel Ribas” do período de 1937 a 1942, incluindo
apenas dois anos do anterior, pudemos ter acesso a outros dados sobre a
expansão das unidades escolares primárias no estado do Paraná. Nesse
Relatório será indicada a dotação orçamentária (Quadro 11) do estado
para Educação Pública que foi destinada no período de 1938 a 1942, 233
qual seja:

Quadro 11 – Dotações orçamentárias no período de 1932 a 194

Ano Dotação Orçamentária Cr$


1932 4.854.424,00
1933 5.105.486,00
1934 5.542.981,00
1935 5.671.183,00
1936 6.538.508,00
1937 8.072.464,00
1938 10.831.660,00
1939 11.465.356,00
1940 13.139.810,00
1941 14.831.631,00
1942 16.293.747,00
Fonte: Quadro elaborado com dados obtidos do documento Realizações do Governo Manoel
Ribas do período de 1937 a 1942, p. 15.
História da Escola Primária no Brasil

Essa dotação nos parece importante para avaliarmos o potencial


de investimento do estado na expansão de unidades educativas. A par-
tir de 1932, quando o interventor Manoel Ribas assume o governo do
estado há, tudo indica, aumento gradativo de investimento no setor
educativo como podemos observar no quadro acima. Para reforçar essa
ideia o documento traz ainda os seguintes dados sobre o Ensino Pri-
mário especificamente: em 1932, havia 1.136 unidades escolares e em
1942, 1.966. Verifica-se o aumento de 830 unidades em relação ao ano de
1932. Os grupos escolares que somavam em 1932, 50 unidades, em 1942
atingiram a soma de 87, com trinta e sete unidades a mais. (PARANÀ,
1937 a 1942, p.15). Verifica-se ainda a referida expansão em unidades
por meio do seguinte quadro, também composto desde aquele docu-
mento, de onde extraímos apenas as unidades educativas destinadas ao
ensino primário, com apenas três na capital.

Quadro 12 – Demonstrativo de construção de edifícios de escolas pú-


blicas 1937 a 19429

Município Nome do grupo escolar Valor Cr$


Curitiba Grupo Escolar “Professor Cleto” 27.254,00
234 Curitiba Grupo Escolar “Dr. Pedrosa” 22. 185,00
Ponta Grossa Grupo Escolar “Júlio Teodorico” 193.037,00
Ponta Grossa Grupo Escolar “Gal. Osório” 60.000,00
Escola de Trabalhadores Rurais
Ponta Grossa 200.000,00
“Augusto Ribas”
Senges Grupo Escolar 99.212,70
Wenceslau Braz Grupo Escolar 135.971,40
Tomazina Grupo escolar de Barra Bonita 102.429,90
Tomazina Grupo Escolar de Pinhalão 57:822,80
Tomazina Grupo Escolar de Jabotí 28.632,60
Santo Antonio
Grupo Escolar 46.095,50
da Platina
Joaquim Távora Grupo Escolar de Guatiguá 125.625,50
Ribeirão Claro Grupo Escolar 76.026,60
Cambará Grupo Escolar 59.035,30
Sertanópolis Grupo Escolar 47.458,00
Londrina Grupo Escolar 120.076,60
Londrina Grupo Escolar de Itaporã 47.000,00

9 Quadro composto a partir do original denominado “QUADRO DEMONSTRATIVO DAS CONSTRU-


ÇÕES DE EDIFÍCIOS DE ESCOLAS PÚBLICAS 1938 a 1942”, do qual mantivemos apenas as constru-
ções de unidades destinadas à educação primária.
Capítulo 6

Londrina Casa Escolar de Rolândia 27.341,00


Londrina Casa Escolar de Nova Dantzig 22.061,30
Campo Largo Grupo Escolar 179.929,80
Palmeira Grupo Escolar 250.063,20
Casa Escolar de
Palmeira 13.824,80
Papagaios Novos
Palmeira Casa Escolar de Porto Amazonas 19.300,00
Palmeira Casa Escolar de Rôxo Retz 3.573,20
Palmeira Casa Escolar de Rio Dareia 3.715,70
Irati Grupo Escolar 399.500,00
Irati Casa Escolar de Gonçalves Junior 17.632,50
Clevelandia Casa Escolar 16.575,00
Antonina Grupo Escolar 150.000,00
Escolas de Trabalhadores Rurais
Paranaguá 184.250,00
de Guaratuba
Lapa Grupo Escolar 305.000,00
Rio Negro Grupo Escalar 333.000,00
Grupo Escalar de
Rio Negro 34.983,00
Campo Tenente 235
Casa Escolar do Distrito
Rio Negro 18.043,00
de Pien
Grupo Escalar de
Lapa 29.323,00
Engenheiro Bley
Tibagi Grupo Escalar de Caetê 5.000,00
Guarapuava Grupo Escalar de Rio Batista 9.639,000
Guarapuava Grupo Escalar de Rio das Cobras 10.375,00
Guarapuava Casa Escolar de Rocinha 18.561,00
Guarapuava Casa Escolar de Catanduvas 11.375,00
Male Grupo Escolar Rural da Sede 142.290,00
Grupo Escolar Rural de
Male 80.000,00
Vera Guarani
União da Grupo Escalar Rural
91.000,00
Vitória de Porto Vitória
União da Grupo Escalar Rural de Santa
113.000,00
Vitória Bárbara
União da Grupo Escalar
111.751,70
Vitória Rural deDorizan
Teixeira Grupo Escalar
111.751,70
Soares Rural de Valinhos
História da Escola Primária no Brasil

Grupo Escalar Rural


Clevelândia 127.650,00
de Pato Branco
Bandeirantes Grupo Escalar Rural da Sede 199.328,00
Serro azul Grupo Escalar Rural da Sede 129.000,00
Reserva Grupo Escalar Rural de Três Bicas 176.000,00
Grupo Escalar Rural de
Ipiranga 150.000,00
Bom Jardim

Fonte: Quadro elaborado com dados obtidos do documento “Realizações do Governo Manoel
Ribas”. (PARANÁ, Realizações, 1937 a 1942, p. 23-25).

Seguindo a lógica da expansão para o interior e, ao que tudo indi-


ca, visando criar condições para o desenvolvimento agrícola do estado,
o governo cria entre 1936 e 1940, onze unidades escolares, sendo nove
destinadas à formação rural e duas para pescaria. Assim temos o se-
guinte quadro:

Quadro 13 – Escolas de trabalhadores rurais e de pescadores criadas e


mantidas pelo estado do Paraná

Localização
236 Denominação da Escola Capacidade
Município
Escolas de Trabalhadores Rurais
Piraquara 85 alunos
de Canguiri
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Curitiba 60 alunos
Dr. Carlos Cavalcanti
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Ponta Grossa 110 alunos
Guaratuba Augusto Ribas
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Castro 100 alunos
Olegário Macedo
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Palmeira 100 alunos
Getúlio Vargas
Escolas de Trabalhadores Rurais de Rio
Rio Negro 60 alunos
Negro
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Curitiba 30 alunos
Campo Comprido
Escolas de Trabalhadores Rurais de Ivai Ipiranga 60 alunos
Escolas de Trabalhadores Rurais de
Reserva 60 alunos
Três Bicos
Escola de Pescadores A.
Paranaguá 75 alunos
Serafim Lopes
Escola de Pescadores de Guaratuba Guaratuba 60 alunos
Capítulo 6

Ano de
Denominação da Escola Matrícula
instalação
Escolas de Trabalhadores
1936 65
Rurais de Canguiri
Escolas de Trabalhadores
Rurais de Dr. 1937 60
Carlos Cavalcanti
Escolas de Trabalhadores
Rurais de 1938 110
Guaratuba Augusto Ribas
Escolas de Trabalhadores
Rurais de 1938 90
Olegário Macedo
Escolas de Trabalhadores
1940 100
Rurais de Getúlio Vargas
Escolas de Trabalhadores
1940 60
Rurais de Rio Negro
Escolas de Trabalhadores
Rurais de 1941 30
Campo Comprido
Escolas de Trabalhadores 237
1942 60
Rurais de Ivai
Escolas de Trabalhadores
1942 60
Rurais de Três Bicos
Escola de Pescadores
1936 80
A. Serafim Lopes
Escola de Pescadores de
1940 60
Guaratuba
Fonte: Quadro elaborado com dados obtidos do documento “Realizações do Governo Manoel
Ribas” do período de 1937 a 1942, p. 46.

Observa-se a quase totalidade de correspondência entre matrícula


e número de vagas ofertadas nas escolas rurais. Embora Manoel Ribas
tenha governado o Paraná no período de 1932 a 1945, não há, tudo leva a
crer, mensagens e tampouco relatório de governo dos três últimos anos
de sua gestão. Em Relatório apresentado pela Secretaria de Agricultura,
Indústria e Comércio por meio do Departamento de Ensino Superior,
Técnico e profissional referente ao exercício de 1945, constam as onze
unidades escolares destinadas à formação técnica/profissional, sendo
nove rurais e duas de pescadores (PARANÁ, Relatório, 1945).
À gestão Manoel Ribas segue-se a de Moysés Lupion realizada
de 1947 a 1951, primeiro período desse governo. O segundo período
História da Escola Primária no Brasil

compreende os anos de 1956 a 1961. Há, portanto um intervalo de


quatro anos no qual o estado do Paraná foi governado por Bento
Munhoz da Rocha, considerado opositor de Lupion. Traremos a se-
guir dados de expansão de unidades escolares primárias do primeiro
período de governo de Lupion. Este, em Mensagem à Assembleia
Legislativa do estado na abertura do ano legislativo de 1948, após
saudar os nobres deputados destaca ter assumido o governo ainda
sob os efeitos da crise econômica dos fins dos anos vinte,início dos
trinta. Refere-se à pujança de desenvolvimento econômico do norte
do estado, atentando para o fato de que mais estradas ainda precisa-
riam ser construídas. Diz ele:

[…] os olhos do Paraná todos se voltam para o norte do


estado, que nos apresentava o quadro de uma produção
de prodigiosa abundância, com uma extraordinária re-
alidade e a mais promissora anunciação para o futuro;
mas, ao mesmo tempo que isso, o víamos todos lutando
contra a mais acabrunhante falta de transporte apesar de
termos mercado, não apenas certo, mas sequiosos. Pou-
cos quadros nesse domínio poderiam ser mais inquietan-
tes. Na véspera de atingirmos uma excepcional posição
238 no plano econômico nacional, era como se disséssemos
ao homem criador da riqueza e da abundância que pa-
rasse sem seu esforço. (PARANÁ, Mensagem, 1948, p. 2).

Após um ano de governo exalta o sucesso na arrecadação de impostos:

Tendo obtido uma arrecadação perto de cem milhões de


cruzeiros mais do que o orçado, pudemos, não só cobrir
aqueles trinta e seis milhões de despesas irregulares, como
ainda pudemos adquirir uma relativa, apesar de insufi-
ciente, liberdade de movimentos. (PARANÁ, Mensagem,
1948, p. 4).

Nessa Mensagem Lupion demonstra dotar-se de visão moderna de


administração do estado, chamando atenção para a necessidade de plane-
jamento e da realização de conferências como a que realizou com os pre-
feitos do estado. No âmbito educativo fala sobre a necessidade de melhor
formação profissional dos professores primários, o que resultaria em me-
lhor desempenho dos alunos, ainda que no ano anterior os investimentos
tenham atingido soma considerável (PARANÁ, Mensagem, 1948).
Nessa mensagem, que tudo indica se constituiu de modo geral
numa carta de intenções, o governador Moisés Lupion não apresenta
Capítulo 6

dados sobre unidades escolares e modelos trazendo apenas uma tipifi-


cação de educação sob a compreensão de que:

Num sistema escolar, temos de considerar a existência de


instituições de educação ordinária, de educação emenda-
tiva e de educação supletiva, entendendo-se como ordiná-
ria a que é dada aos indivíduos normais, e aqui teremos
de considerar, sobretudo, os anormais dos sentidos, os
normais da inteligência e os anormais de caratês; e enten-
de-se como supletiva, a educação dada a indivíduos que
ainda que anormais, não recebem a formação comum na
época adequada. (PARANÁ, Mensagem, 1948, p. 84).

A educação primária nessa compreensão insere-se no âmbito da


Educação Ordinária. Além disso, traz dados sobre matrícula que serão
objeto de exploração no próximo item deste trabalho. Mas, em Relatório
correspondente ao período de 1947 a 1950, sob o título “A Concretização
do Plano de obras do Governo Moysés Lupion 1947–1950”, sob a indi-
cação da Secretaria de Viação e obras Públicas, Departamento de Edi-
ficações, constam dados sobre diversas obras realizadas nesse período,
entre elas aquelas destinadas às escolas primárias. Selecionamos para
compor o quadro abaixo apenas as que atendem às finalidades deste 239
trabalho e que nos servirão como referência para estabelecermos com-
paração com os dados já indicados sobre a gestão de Manoel Ribas:

Quadro 14 – Síntese de unidades escolares construídas, em construção


e planejadas, apresentadas pela secretaria de obras, 1947–1950

Em
Modelos Construídos Planejados Total Parcial
construção

Grupos 40 45 54 139
Escolares
Casas 145 55 159 359
Escolares
Casas
Escolares 02 - 03 05
Rurais
Escola
profissional - - 01 01
Feminina
História da Escola Primária no Brasil

Escolas de
Trabalhadores - 10 15 25
Rurais
Grupo Escolar - - 03 03
Rural
187 100 235
TOTAL 532
GERAL

Fonte: Quadro elaborado com dados obtidos do documento “A Concretização do Plano de obras
do Governo Moysés Lupion 1947–1950”(p. 13-327).

A primeira gestão de Moysés Lupion demonstrou que a expan-


são se deu em distintos municípios e localidades. Assim, do total de
76 municípios existentes no estado, 74 foram contemplados em maior
ou menor número com edificações escolares e no âmbito destes, mais
de duzentas localidades foram atendidas com escolas. O Departamento
Administrativo do Oeste do Paraná traz naquele Relatório dados sobre
as edificações públicas erigidas no mesmo período, ou seja, de 1947–
1950. O total da expansão, que chamaremos de prevista, é de 618 unida-
des, porém se subtrairmos a previsão de unidades a serem construídas
240 sob a condição de planejamento temos a expansão efetiva que totaliza
297 unidades a mais que as realizadas no período de 1937 a 1942. Assim,
somando-se os números deste período temos com as referidas 297 uni-
dades efetivas (1947 a 1950) de unidades/modelos:

Quadro 15 –Total de unidades escolares construídas no período de


1932 a 1950

Modelos Número de Unidades


Grupos Escolares 227
Grupos Escolares Rurais 16
Escolas Isoladas 1.581
Escolas Complementares Primárias 34
Escolas Municipais 264
Escolas Particulares 107
Escolas de Trabalhadores Rurais 22

Fonte: Paraná (Relatório, 1947 a 1950, p. 13-327).

Nota-se que, em menos de vinte anos há uma significativa expansão


da rede escolar de ensino primário no estado do Paraná, com destaque
Capítulo 6

para aquela emanada do poder público estadual com importante auxí-


lio federal, manifestado sobremaneira por meio de acordos do governo
estadual com o ministério da Educação em se tratando da construção
de casas escolares. Ao ler a mensagem enviada à Assembleia Legislativa
pelo governador Moysés Lupionno ano de 1956, por ocasião da sessão
legislativa ordinária, no bojo de outras informações sobre assuas realiza-
ções, consideramos o seguinte quadro:

Quadro 16 – Modelos e níveis de ensino, 1956

Níveis de Ensino
Modelos Ensino Ensino Primário Ensino
Primário Supletivo Normal
Grupos Escolares 226 - -
Escolas Isoladas *
1.712 - -
Estaduais
Escolas Isoladas** 2.617 - -
Cursos Noturnos ***
- 768 -
Escolas Normais ****
- - 66
TOTAL 4.552 768 66
* Escola de aplicação anexa às Escolas Normais.
241
** Das quais 1.036 eram Escolas Primárias Rurais Subvencionadas com verba do governo estadual, median-
te acordo firmado com 116 municípios para a ampliação da rede de Ensino Público Rural.
*** Dos quais 605 localizados, na maioria, nas zonas rurais, 120 salas na capital e 43 no interior, estas
mantidas exclusivamente pelo Estado.
**** 39 Escolas Normais Regionais, 17 Escolas Normais Secundárias, 10 Escolas Normais Particulares.

Fonte: Paraná (Mensagem, 1956, p. 157).

Diferentemente do ano de 1956, em mensagem à Assembleia Le-


gislativa do estado do Paraná, datada do ano de 1958, Moysés Lupion
apresenta os seguintes dados sobre a expansão da escola primária, ape-
nas pelo estado, com 84 unidades de escolas isoladas estaduais a mais
do que em 1956. Os grupos escolas também tiveram aumento em 42
unidades, como se pode ver no quadro a seguir:

Quadro 17 – Modelos e unidades escolares em 1958

Modelos Nº de unidades
Grupos Escolares 288
Casas Escolares 08
Escolas Isoladas 1.796

Fonte: Paraná, (Mensagem, 1958, p. 149).


História da Escola Primária no Brasil

Ao compararmos dados desse quadro com o de nº 19 existem 61 gru-


pos escolares a mais, presumivelmente construídos de 1947 a 1957, já que
os dados apresentados à Assembleia correm no início da legislatura anu-
al. Chamamos atenção para o número de grupos escolares e o expressivo
de escolas Isoladas, 215 unidades a mais que os existentes no quadro de nº
18, demonstrando então nesses dois modelos, que nos parecem nucleares
ao nível de ensino destinado, uma significativa expansão. Mas, além das
Mensagens e Relatórios de Governo, Sinopses Estatísticas tanto do IBGE,
como do estado do Paraná, nos foram de grande valia para demonstrar
o avanço da expansão da escola primária no estado do Paraná, inclusive
um ano após aquele que abrange nosso estudo, ou seja, 1962.
O conjunto de dados tanto do Paraná como de Sergipe nos insta a
fazer outras apreciações visando saber até que ponto a expansão quan-
titativa de unidades escolares primárias pode ou não se manifestar tam-
bém em termos quantitativos de matrícula e, ao mesmo tempo qualita-
tivos, o que será tratado no item a seguir.

A controvertida face da expansão: números em matrí-


culas versus acesso e permanência na escola
242
Na nossa troca de olhares percebemos o desdobramento de uma re-
alidade, pois os dados estatísticos sobre matrículas no período dedicado
a investigação revelam acentuação de evasão. Novamente procuramos
indicá-los por década na medida do possível. A dinâmica de matrículas
torna-se fundamental para acompanhar o processo de efetivação das
diferentes ações governamentais que foram levadas a cabo concernentes
à escola primária, no período deste estudo.
Com efeito, em 1930, o governador de Sergipe, Manuel Correia
Dantas, publicou na sua mensagem enviada à Assembleia legislativa, a
matrícula geral do estado, sendo matriculados 16.834 alunos (masculino
– 8.326 e feminino – 8.508), com uma frequência de 13.299, contabilizan-
do uma evasão escolar de 3.535 alunos, ou seja, 21% dos alunos matri-
culados abandonaram a escola. O governador justificou que o número
estava longe de alcançar o que se desejava, comparando essa situação
do analfabetismo do estado de Sergipe com a do Distrito Federal e es-
crevera ainda que “[...] o incentivo desses dados numéricos nos anima a
trabalhar com mais ardor” (SERGIPE, Mensagem, 1930, p. 31).
Esse combate estava relacionado à Liga Sergipense contra o Anal-
fabetismo10, sendo um projeto do estado apoiado pelos municípios pela
10 O Estado entrava com o auxílio de 3:600$000, assimilando 572 alunos no total e dividido em 5 escolas
na capital e 5 escolas no interior. Apesar da ação ser bastante reduzida, acabou por se tornar uma po-
lítica de combate ao analfabetismo existente no Estado.
Capítulo 6

implantação de novas escolas, com a intenção de aumentar o número


de matrículas. Por assim discursar, convidou os professores a exercer
o combate à situação e culpou os pais pela baixa frequência dos alunos
na escola:

Procurando-se a razão de ser desta irregularidade, encon-


tramo-la, por vezes, na desídia dos Paes de família mal
avisados, que, quando não dispensam facilmente seus
filhos da escola, della os desviam sob o menor pretexto,
sem attentar no mal que disto decorre para elles e até mes-
mo para o Estado. (SERGIPE, Mensagem, 1930, p. 35).

No quadro 10 reproduzimos os dados referentes aos modelos es-


colares presentes no estado de Sergipe, apresentados na mensagem do
governador Manuel Correia Dantas enviada à Assembleia Legislativa,
em 1930. Agora consideremos o seguinte quadro:

Quadro 18 – Matrícula e frequência – Sergipe, em 1930

Modelos Mat. Mat. Freq. Freq. Total Total


Masc. Fem. Masc. Fem. Mat. Freq.
243
Grupos
Escolares da 401 910 299 710 1.311 1.009
Capital
Escolas
696 569 522 451 1.265 973
Municipais
Grupos
Escolares do 530 700 412 546 1.230 958
Interior
Escolas Isoladas 4.783 5.205 3.725 4.231 9.988 7.956
Escolas
29 34 21 25 63 46
Reunidas

Fonte: Sergipe (Mensagem, 1930, p. 36).

Nota-se que há diferença entre matrícula e frequência, sendo esta


menor em relação àquela, ainda que a diferença não seja substancial,
como se pode ver tanto intermediária entre os diferentes sexos, quanto
na sua totalidade. Mas, ao apresentar os dados das matrículas de 1931
referentes ao ensino primário, o governador indicou os modelos: Esco-
las isoladas, Grupos escolares, Ensino primário de outra natureza (Insti-
tuto C. e Campos, Penitenciária do Estado, Patronato de menores), Mu-
nicipais e Particulares. Reclamou ainda sobre a diferença entre o total de
História da Escola Primária no Brasil

matrículas (17.390) e a frequência (13.582): “A diferença numérica entre


a matrícula e a frequência média seria menor se, na época dos plantios,
esta não baixasse, quanto se observa, nas escolas rurais (164).” (SERGI-
PE, Mensagem, 1931, p. 19).
Após a lacuna temporal entre 1932 e 1935, foram encontradas três
mensagens de governadores referentes aos anos de 1935, 1936 e 1937.
Nesse período, o interventor federal era o Dr. Eronides Ferreira de Car-
valho. Na mensagem de 1935 existe uma pequena prática discursiva re-
ferente à educação primária, mencionando apenas a População escolar
do Estado em 1935, que se resume em apresentar o número de matrí-
culas (17.457) nas escolas estaduais, municipais e particulares e as fre-
quências das mesmas (14.234). Em relação ao ano de 1937, a mensagem
se restringiu em apresentar a existência de 681 escolas primárias, com
27.341 matrículas para uma frequência de 22.860.
Quanto ao aumento das matrículas da escola primária, em 1930, Ser-
gipe apresentou matrícula geral de 16.834 alunos e em 1945 somou 36.860
alunos, crescendo em 118,96%. Por assim verificar, é possível afirmar que
houve uma expansão tímida da escolarização primária em Sergipe, essen-
cialmente se observarmos o pequeno crescimento de grupos escolares em
relação às escolas isoladas e pela configuração dos números de matrículas
gerais nos 15 anos de governo interventorial.
244 Nos anos de 1940 já com o uso de estatísticas objetivava-se avaliar
e divulgar os rumos da política educacional. Os números radiogra-
favam uma situação educacional e, a partir deles era possível traçar
planos futuros. Nessa perspectiva, José Rollemberg Leite lançou mão
de números que evidenciaram a expansão da escola primária no seu
governo, a saber: “Segundo dados sujeitos a retificação, a matrícula
geral nas escolas públicas primárias do Estado foi de 26.791 alunos, o
que representa um aumento considerável na população infantil que
estudou.” (SERGIPE, Mensagem, 1948, p. IV). Muito embora esses nú-
meros, como recomendou o autor da mensagem, estivessem sujeitos a
incertezas, eles, ainda assim, representavam a aproximação de uma re-
alidade. Tais ocorrências nos fazem lembrar as palavras de Gil (2008),
quando nos alerta sobre possíveis lacunas, imperfeições e ambiguida-
des dos dados numéricos.
Sobre o Paraná, considerando ser uma estratégia que nos permite
ver os dados contidos nos Relatórios, Mensagens de governo e Sinopses
do IBGE, optamos por fazer uma exposição inicial por década em três
quadros, considerando que os dados são diferentes entre as fontes usa-
das como referência.
Capítulo 6

Quadro 19 – Ensino primário – matrícula geral, 1930–1939

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E


EFETIVA (ME)
1930 1931 1932 1933 1934
Mensagens e Não há da-
Relatórios de dos específi-
Governo cos. Podem
62.529 56.134 63.8951 69.1632
constar na
mensagem
de 1939
69.140
69.140
63.894 (MG)
IBGE (MG)
(MG) 68.588
58.588 (ME)
(ME)

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E


EFETIVA (ME)
1935 1936 1937 1938 1939
Não há Não há
Mensagens e
dados dados
Relatórios de 245
específicos. específicos.
Governo
75.167³ 61.9944 Podem Podem 86.0085
constar na constar na
mensagem mensagem
de 1939 de 1939
75.167 76.429
(MG) (MG) 81.597 (MG)
IBGE - -
67.986 58.012 63.488 (ME)
(ME) (ME)
Fonte: Relatórios, Mensagens de governo de 1930 a 139 e Sinopses do IBGE de 1932 a 1937.
1.... Realizações do Governo Manoel Ribas, de 1937 a 1942, p. 15.
2.... Valor aproximado apenas para o Ensino Fundamental Comum. (Mensagem, 1935, p. 19). Além desses
dados há o registro de matrícula geral.
entre outros para: Escolas Distritais (6.591), Urbanas(33.510), Rurais (34.800), Municipais (1.050), Estadu-
ais (64.617).
3.... Mensagem (1937, p. 37).
4....Mensagem (1936, p. 48). Embora essa mensagem traga esse número de matrícula, ele não é o mesmo
que consta na p. 37
para esse mesmo ano, que é de 83.632, ao que tudo indica, incluindo além do ensino primário, o secundário.
5.... Foram subtraídas 9.890 matrículas do ensino particular.

Os dados oriundos de fontes distintas podem corroborar a ideia


do fenômeno da progressiva expansão da escola primária por meio das
matrículas. Elas contribuem sobremaneira para uma apreciação objetiva
desse fenômeno, considerando tratar-se de registros de demonstrativos
História da Escola Primária no Brasil

do acesso da população à qual aquele tipo de escola se destinaria. Em


poucos anos, por exemplo, 1932 e 1934, os dados apresentam aproxima-
ção entre as duas fontes indicadas, e somente em um deles(1935) a ma-
trícula geral coincide entre as duas fontes. Além disso, chama atenção já
nessa década o fato de a matrícula geral não acompanhar a efetiva, in-
dicando para a não relação de equivalência entre acesso e permanência
de alunos na escola. O governo do estado parecia não ignorar esse dado.
No Relatório apresentado ao Presidente Getúlio Vargas, correspondente
ao exercício de 1932 a 1939, o interventor federal Manoel Ribas assim se
manifesta após indicar os dados de matrícula (ver quadro acima, ano
de 1939):

Dado o plano a ser desenvolvido no ano que tão


promissoramente se inicia com a criação de novas
unidades escolares, esperamos elevar a matrícula
geral do Estado a 110.000 alunos contando para isso
com a próxima lei sobre o Ensino Primário e sua
obrigatoriedade cujo importante ante-projeto elabo-
rado pela ilustre Comissão nacional do Ensino Pri-
mário já foi entregue ao Snr. Ministro da Educação e
Saúde. Com as medidas que esse ante-projetoalvira
246
podemos obrigar compulsoriamente os pais a man-
dar seus filhos para escola e exigir também a perma-
nência deles durante 4 anos nas Escolas Urbanas e
3 anos nas Rurais. (PARANÁ, Relatório, 1932 a1939,
p. 54, grifo nosso).

O interventor, ao indicar o ante-projeto certamente estaria se refe-


rindo ao das Leis Orgânicas do Ensino Primário que, sob o Decreto-Lei
n.º 8.529 de janeiro de 1942, instituiria a obrigatoriedade e permanência11
dos alunos na escola.
É importante notar que as bases pedagógicas nas quais se assenta a
educação desse período mostra nuances dos princípios escola novistas
presentes tanto nas mensagens de governo à Assembleia Legislativa de
1936 como na de 1937. Na de 1936, consta:

O governo acompanhando de perto os modernos proces-


sos pedagógicos e certo de que o desenvolvimento das
faculdades físicas, intelectuais e morais da criança, deve
constituir uma das maiores preocupações da Administra-

11 “O ensino primário elementar é obrigatório para todas as crianças nas idades de sete a doze anos,
tanto no que se refere à matrícula como no que diz respeito à frequência regular às aulas e exercícios
escolares.” (BRASIL, Decreto-Lei nº 8.529, Leis Orgânicas do Ensino Primário, Título V, Capítulo II).
Capítulo 6

ção pública, não tem poupado esforços no sentido de dotar


a Diretoria Geral de Educação, competentemente dirigida
pelo ilustre paranaense Bacharel Gaspar Velozo, de todos
os recursos precisos ao seu bom funcionamento. (PARA-
NÁ, Mensagem, 1936, p. 45).

Na mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado em


primeiro de setembro de 1937, o então governador Manoel Ribas desta-
cou sensível melhora no coeficiente de produção e no aspecto cultural e
técnico da educação paranaense, ao destacar a atuação do Bacharel Gas-
par Duarte Velozo.
Naquela mensagem considerou como aspectos fundamentais
para a reconstrução educacional do estado, a reforma dos métodos e
processos de ensino, a elaboração do Código da Educação, a raciona-
lização administrativa, a difusão das novas doutrinas pedagógicas no
seio do magistério, a série de modernas experiências levadas a efeito
em várias instituições de ensino público, a criação de novos serviços,
entre outros.
No âmbito das ações realizadas e desejadas, explicita as orientações
metodológicas que, tudo indica, se pretendia que orientassem, naquele
momento, as ações pedagógicas nas escolas primárias:
247
[...] a experimentação de programas, elaborados segundo
as lições da psicologia diferencial e experimental dos níveis
de aproveitamento e escolaridade e da melhor adaptação
do conhecimento as tendências e instintos da criança, da
aplicação de métodos atuais de ensino, criados pelos expo-
entes da ciência educacional da atualidade: Decroly, Mon-
tessori, Dervey, Ferriére, Kirchensteirner, Kailpatrick, e os
brasileiros Isaias Alves, Lourenço Filho e Fernando de Aze-
vedo, cujos métodos, divulgados em larga escala, sofrem a
necessária adaptação ao meio e as possibilidades culturais
do magistério. (PARANÁ, Mensagem, 1935, p. 30).

Na sequência o interventor traz ainda algumas especificações ar-


ticuladas àquelas orientações pedagógicas que julgamos importante
situar, pois indiciam medidas visando à melhoria do ensino/aprendi-
zagem e rendimento escolar dos alunos:

[...] a liberdade didática que se concedeu ao professo-


rado o que lhe permitiu a reforma técnica do ensino,
enquadrando-a nas exigências dos métodos de mais
comprovada eficiência, tais como: método de projetos,
História da Escola Primária no Brasil

centros de interesse, jogos educativos, “Systema Pla-


toon”, em experiência no Grupo Escolar D. Pedro II da
capital do Estado e outros recursos educativos de notá-
vel alcance; as medidas observadas no desenvolvimento
das lições a serem transmitidas e a consequente flexibi-
lidade dos horários e programas mínimos, a introdução
do sistema rotativo semanal das lições; a adoção de exa-
mes práticos semanais, como medida de capacidade de
aproveitamento didático; a intensificação do trabalho
associativo nas escolas com a criação de novas institui-
ções sócias, visando o total desenvolvimento da criança
sob o aspecto do trabalho coletivo e assegurando seu
maior contato com a vida escolar [....]. (PARANÁ, Men-
sagem, 1935, p. 30).

A seguir trazemos dados de expansão em matrículas da déca-


da de 1940, verificando-os de modo expressivo por meio da matrí-
cula geral em relação à década anterior, acompanhando, tudo leva
a crer, o crescimento de unidades educativas primárias. O mesmo
não acontece em relação à matrícula geral e matrícula efetiva, onde o
descompasso se mantém. As duas fontes trazidas no quadro abaixo,
248 quando nos foi possível fazer a demonstração ano a ano, corroboram
esta afirmação:

Quadro 20 – Matrículas ensino primário 1940–1949

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E


EFETIVA (ME)
1940 1941 1942 1943 1944

Mensagens/
Relatórios Não há dados es-
de Governo pecíficos. Podem 112.009 123.776*
- -
constar na mensa- (MG) (MG)
gem de 1941.

IBGE - - - - -

* Realizações do Governo Manoel Ribas, de 1937 a 1942, p. 15.


Capítulo 6

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E


EFETIVA (ME)
1945 1946 1947 1948 1949
Mensagens/
Relatórios 108.158
297.816
de Governo (MG)
(MG) 108.158
- -
78.955 (MG)
78.955
(ME)
(ME)
114.746 119.588 145.661
(MG) (MG) (MG)
155.472
IBGE -
(MG)
84.749 90.148 93.056
(ME) (ME) (ME)

Fonte: Mensagens e Relatórios de Governo. Dados do IBGE correspondentes aos anos indicados no quadro.

A figura abaixo, retirada do Relatório de governo enviado ao


presidente Getúlio Vargas, pelo interventor federal Manoel Ribas
no início da década de 1940, sintetiza esse processo de descompasso
entre matrícula geral efetiva e aprovações. Embora não haja dados
discriminados sobre o ensino primário é possível depreender e, ao 249
mesmo tempo reafirmar que, naqueles dois anos iniciais da década
de 1940, a diferença entre a matrícula geral e o número de aprova-
ções para o sexo masculino é significativa. O mesmo não se pode di-
zer sobre o sexo oposto. A situação adquire ainda maior importância
quando comparados os dados de conclusão de curso em relação ao
número de entrada no sistema de ensino estadual.
História da Escola Primária no Brasil

Figura 1 – Matrículas de 1940 a 1941

250

Fonte: PARANÁ, Relatório Apresentado ao Presidente da República Getúlio Vargas, pelo Inter-
ventor federal no estado do Paraná Manoel Ribas, 1940- 1941, p. 39

Outro dado não menos importante diz respeito à formação de profes-


soras normalistas e não normalistas. Em 1940, das 1701 unidades escolares,
com 4.601 classes, a quantidade de professoras sem o curso normal é maior
do que do que a quantidade de professores que tem esse curso, ou seja,
1841 e 1395 respectivamente. No ano seguinte essa característica se man-
tém, saltando para 2092 os professores sem formação normalista em com-
paração aos 1.495 com curso normal, havendo aumento maior daqueles
em relação a estes. Certamente isso de deveu à preparação de professores
que era feita em apenas três escolas normais situadas uma capital, uma em
Paranaguá e outra em Ponta Grossa. Além disso, outro fator pode ter sido
a pouca procura pela carreira do magistério. Nesse ano, essas três unida-
des somaram 215 alunos matriculados.12 (PARANÁ, Mensagem, 1941).
12 O Interventor indica que para o ano de 1943 estaria funcionando a escola de professores de Jacarezinho.
Esta viria “resolver o problema no norte do estado”. (PARANÁ, Mensagem, 1941, p. 37.) Há que referir
ainda com relação à formação de professoras, o seguinte que consta dessa mensagem de governo: “É
do programa de realizações no corrente exercício, além de outros empreendimentos, a criação e a cons-
trução da Escola Normal Rural Feminina, numa grande área de terreno nas proximidades desta capital,
para formação de perfeitas educadoras, para as zonas rurais do estado. Estamos apenas aguardando a
Capítulo 6

Embora o estado pareça reconhecer a necessidade de formação de


mais professores, tudo leva a crer que as medidas mais efetivas tomadas
com o fito de amenizar a problemática da diferença entre matrícula ge-
ral, efetiva e aprovação estariam no controle e/ou fiscalização do ensino.

A inspeção escolar que nestes dois últimos anos exerceu-se


mais intensamente foi executada pelos cinco delegados de
ensino existentes, cinco inspetores auxiliares e quarenta e
oito inspetores escolares municipais, tendo dado os melho-
res resultados com o número elevado de aprovações que se
verificou no fim do ano. (PARANÁ, Mensagem, 1941, p. 36).

Vale lembrar que a atuação interventora de Manoel Ribas no Pa-


raná, que ocorre de 1932 a 1945, se articula ao projeto nacionalista de
Getúlio Vargas. Assim,

[...] o aumento do número de escolas, peça importante


da Campanha de Nacionalização, iniciada em 1936 pelo
governo federal, com o intuito de integrar, por meio do
aprendizado do idioma e dos valores nacionais, os imi-
grantes, vistos como ‘estrangeiros’ foi política daquele
período.13 (MAGALHÃES, 2001, p. 49).
251

Mas os anos de 1940 também são marcados pelo fim da interven-


ção federal. O primeiro governador eleito foi Moysés Lupion que, ao
assumir a administração do estado refere-se à difícil condição econô-
mica mundial devida às consequências da segunda guerra. Contudo,
em se tratando do Paraná “[...] os olhos se voltam para o norte do es-
tado, que nos apresenta o quadro de extraordinária realidade e a mais
promissora anunciação para o futuro [...].” (PARANÁ, Mensagem,
1948, p.3). Ao lado disso, o estado luta contra a falta de transporte
para escoamento da produção, apesar dos mercados certos e sequio-
sos, quadro inquietante. (PARANÁ, Mensagem, 1948).
Além disso, também destaca o processo de reintegração do esta-
do na ordem democrática, com a promulgação da Constituição Esta-
dual, com o funcionamento da Assembleia Legislativa e com as elei-
ções municipais. Refere a criação de 23 novos municípios em todas
as regiões do estado, prova do movimento sincrônico de seu cresci-
aprovação por V. Ex.ªdo projeto da lei básica desse ensino, apresentado ao ilustre Diretor do Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos, para baixarmos o respectivo Regulamento, cujo esboço já foi organi-
zado pela secção técnica da Diretoria Geral de Educação.” (PARANÁ, Mensagem, 1941, p. 35)
13 Para Magalhães (2001), Ribas dá continuidade aos trabalhos de colonização, incorporando o Norte,
o Oeste e o Sudoeste, por meio da distribuição de pequenos lotes visando a pequena produção para
abastecimento dos centros urbanos. Medidas favorecidas pelo crescimento da produção do café no
estado. (cfr. Obra citada, p. 49).
História da Escola Primária no Brasil

mento. (PARANÁ, Mensagem, 1948). Situa dados específicos sobre a


educação como indicado no Quadro nº23, números de matrícula geral
num total de 108.158 e efetiva de 78.955. Completa destacando existir
uma diferença de 29.208 alunos, ou seja, 27,2% sobre o total. Para ele,
sem os dados que permitam saber para onde vão os alunos, se para o
ensino privado, seria difícil indicar uma causa. Situa ainda que, dos
78.955 alunos matriculados efetivamente, foram aprovados 41.179, ou
seja, a média de 52,3% do total. Aponta que o melhor índice apresenta
Curitiba com 68,5 % de aprovações, seguindo a zona norte do estado
com 60%. O índice mais baixo ainda oferece, segundo ele, a zona de
Guarapuava, Prudentópolis e Pitanga, com uma média de 35,5%. Vin-
te e trêsmunicípios assinalam 44 a 47%, os demais entram na casa dos
50%. (PARANÁ, Mensagem, 1948).
Menciona que esses números de reprovações se dão principalmen-
te nas séries iniciais do ensino primário, sobretudo no primeiro ano,
de modo que a porcentagem aí toma vulto maior. Desse modo e, con-
siderando-se essa situação, pouco seriam os alunos que concluiriam o
ensino primário. (PARANÁ, Mensagem, 1948).
No quadro abaixo se acham dados sobre matrícula no ensino pri-
mário no estado do Paraná na década de 1950:

252 Quadro 21 – Matrículas ensino primário 1950–1959

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG)


E EFETIVA (ME)
1950 1951 1952 1953 1954

Não há
Mensagens/Relató- 125.927 indicação de
rios de Governo (MG) nº de
matrícula

Album
1º Centenário da
136.717
Emancipação
Política do Paraná

158.880
153.316 (MG) 164.612 172.065
IBGE*
(MG) 117.240 (MG) (MG)
(ME)

* Os dados são referentes ao ensino primário e público, no caso do Paraná, estadual


e municipal.
Capítulo 6

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E EFETI-


VA (ME)
1955 1956 1957 1958 1959

Mensagens/Relató- 154.286 297.816


,
rios de Governo (MG) (MG)

Album 1º
Centenário da
Emancipação
Política do Paraná

252.277 301.715** 292.024


(MG) (MG) 330.013 (MG) 281.515 (MG)
IBGE*
207.652 253.055 182.162 (ME) (MG) 282.515
(ME) (ME) (ME)

* Os dados são referentes ao ensino primário e público, no caso do Paraná, estadual


e municipal.
253
** Foram subtraídos 21.699matrículas correspondentes ao ensino particular. Para o Paraná não há dados
sobre matrícula para o ensino primário federal.
Estão listadas matrículas de 189.152 estaduais e 21.699 municipais. (BRASIL. IBGE, Ensino Primá-
rio no Brasil, 1955/1956, p. 358).

Fonte: Mensagens/Relatórios de Governo. Album 1º Centenário da Emancipação Política do Para-


ná. IBGE, nos anos correspondentes indicado no quadro.

Observa-se no quadro acima, referente à década de 1950, que a ló-


gica de expansão em matrículas se mantém, bem como a diferença entre
matrícula geral e efetiva.
Na Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado por
ocasião da abertura legislativa de 1950, Moysés Lupion retoma atemá-
tica sobre a situação econômica do estado assinalando que se este não
se constituía no maior centro agrícola do país estava próximo de o ser.
No bojo da ampliação das unidades educativas de ensino primário,
indicadas no item dois deste trabalho e, em decorrência das realizações
do governo Lupion, ele assim se manifesta no trecho a seguir que, em-
bora longo contribui para situar a problemática de acesso e de perma-
nência na escola, no seu entender:

As escolas da zona rural, com uma frequência alarmante,


eram escolas apenas de primeiro ano primário e as nossas
História da Escola Primária no Brasil

crianças da zona rural só tinham, na maioria das vezes, as-


sim, uma formação do primeiro ano primário. Assim é que,
em 1948 ainda, para 32.000 alunos matriculados no primeiro
ano em todo o estado na zona rural tínhamos apenas 7.000
alunos aproximadamente, no segundo ano, ou seja, uma
porcentagem de menos de 22% de aluno de segundo ano em
relação à matrícula de 1º ano. Iniciamos uma verdadeira ba-
talha nesse domínio e hoje a nossa porcentagem, encerrando
ao ano, é de 32% naquele mesmo sentido. Leve-se em conta
que a criação de numerosíssimas classes em lugares onde se
abria a escola pela primeira vez ou onde há muito não havia
escola, forçando a matrícula no primeiro ano exclusivamen-
te, diminuiu aquele importante índice, fazendo com que ele
apenas em parte exprima a realidade do que foi atingido tão
auspiciosamente. Se encontramos os números referentes às
novas escolas criadas que, por força, na grande maioria das
vezes, só podiam ter alunos de primeiro ano, chegamos ao
fato muitíssimo satisfatório de que aquele índice de 32%
exprime apenas uma parcela da vitória alcançada que, na
verdade, é muito mais significativa ainda. (PARANÁ, Men-
sagem, 1950, p. 30).
254
Tudo indica haver preocupação por parte do estado senão em re-
verter, pelo menos em amenizar o problema da reprovação escolar.
Outras medidas foram anunciadas na mesma mensagem pelo gover-
nador. Convém indicar mais um trecho da mensagem, desta feita no
que concerne à formação de professores para a escola rural, tônica em
relação à escola primária:

Na batalha do rendimento dessas mesmas escolas organi-


zamos para os professores das escolas isoladas da zona ru-
ral cursos com o objetivo de comunicar-lhes técnicas muito
simples para o ensino fundamental da leitura, da escrita e
do cálculo do 1º Ano e, para eles alcançarem fazer sua esco-
la mais agradável e mais profundamente educativa. Esses
cursos foram assistidos em todo o estado por mais de 1.000
professoras, e foram ministrados nas sedes dos municípios
pelos inspetores de ensino, segundo um plano que estes
aprenderam, por sua vez, em cursos, nas sedes das regiões,
lecionados pelo próprio Secretário da Educação e Cultura
(Erasmo Piloto). Temos a convicção plena de que tais cursos
darão, para o ano de 50, os melhores resultados em rendi-
mento das nossas escolas rurais, pelos índices de aprovei-
Capítulo 6

tamento manifestados pelos professores que os cursaram.


(PARANÁ, Mensagem, 1950, p. 30).14

Vale mencionar ainda que em relação à preparação do professor da


zona rural, o governador ao discursar na Assembleia Legislativa, tam-
bém no ano de 1950, assim se manifesta:

Como medida substancial, e sem dúvida a de maior alcan-


ce no sentido de dar solução ao problema da escola isolada
rural, procuramos formar o mestre rural na própria região
onde reside, como a única solução para se chegar a possuir
um corpo de professores rurais tecnicamente preparados
para a sua função. E, nesse sentido, criamos dezenove (19)
Cursos Normais Regionais, quando anteriormente não tí-
nhamos nenhum, e essa é a mais profunda das medidas de
nossa administração no setor do ensino primário, destina-
da a dar ao problema que assim se enfrenta uma solução
definitiva dentro dos próximos anos. (PARANÁ, Mensa-
gem,1950, p. 31).

Vale lembrar que a modalidade de Curso Normal Regional foi uma


determinação da Lei Orgânica do Ensino Normal, Decreto-Lei n.º 8.530 255
de 2 de janeiro de 1946. No Título I intitulado “Das bases da organiza-
ção do ensino normal”, no capítulo III, Art. 4º, refere que haverá três
tipos de estabelecimentos de ensino normal: o curso normal regional, a
escola normal e o instituto de Educação. O Normal Regional correspon-
de ao primeiro ciclo do Ensino Normal (o primeiro destinado a regentes
do ensino primário de quatro anos e o segundo de curso de formação de
professores primários com duração de três anos, Art. 2º). (cfr. BRASIL,
Leis Orgânicas do Ensino Normal, 1946). Assim não poderia ter havido
cursos similares antes desse período como assinala o governador.

14 Destaque-se que a noção de escola democrática proposta por Dewey (CUNHA, 1994) parece estar
presente no discurso do governador, por meio da seguinte passagem na qual anuncia a iniciativa de
relação escola família: “Procurando aproximar a escola das populações adultas.”
História da Escola Primária no Brasil

Quadro 22 – Matrículas ensino primário 1960–196

ANOS/MATRÍCULA GERAL (MG) E


EFETIVA (ME)
1960 1961

Mensagens/Relatórios de
- -
Governo

398.619(MG) 410.776(MG)
IBGE*
340.623 (ME) 355.815 (MF)

* Os dados são referentes ao ensino primário e público, no caso do Paraná, estadual


e municipal.
Fonte: Mensagens, Relatórios de Governo e IBGE, 1960 a 1961.

A mesma tendência de crescimento das matrículas se mantém no


início dos anos 1960 e, na mesma perspectiva a diminuição da matrícula
efetiva em 1961 em relação ao ano anterior (Quadro 22 acima).
Na figura a seguir poderemos visualizar melhor a situação de ma-
trícula no ensino primário no Paraná no início da década de 1960. Em-
bora um ano depois do limite do período que abrange este estudo nos é
oportuno tanto para seguirmos constatando, talvez o que a estas alturas
256
poderemos chamar de consolidação da expansão de oferta e acesso de
representativo número da população em idade escolar no estado à es-
cola, ao mesmo tempo e contraditoriamente, um pouco mais da metade
consegue dela sair.
Capítulo 6

Figura 2 – Ensino Primário no Paraná, 1962

257

Fonte: Paraná, (Sinopse Estatística. 1965, p. 68).

Para finalizar, trazemos a seguir um quadro síntese contendo da-


dos gerais de matrículas dos dois estados objetos de comparação, com
o fito de reafirmarmos a lógica de expansão entre os dois, guardadas as
devidas proporções e características de cada um deles.
História da Escola Primária no Brasil

Quadro 23 – Síntese dos dados gerais de matrículas, Sergipe e Paraná

SERGIPE

Índice de Evasão:
Ano Unidades Matrícula Matrícula
Frequência Matrícula Efetiva/
Escolares Geral Efetiva
Frequência (%)
1930 - - - - -
1931 - - - - -
1932 387 21.029 19.113 13.797 27,9%
1933 449 21.124 19.731 14.785 25,1%
1934 445 22.295 20.982 15.885 24,3%
1935 397 19.615 18.562 14.634 21,2%
1936 426 21.220 20.053 16.023 20,1%
1937 486 23.538 22.428 17.330 22,8%
1942 640 34.394 - - -
1943 - 35.486 33.732 26.356 21,9%
1944 626 35.518 33.591 26.150 22,2%
1945 648 37.570 35.611 28.744 19,3%
1946 662 38.588 36.860 29.753 19,1%
258
1947 672 40.253 38.012 31.338 -
1948 747 43.552 41.319 32.740 -
1952 750 45.700 43.880 36.800 -
1953 814 48.049 45.987 - -
1954 885 51.523 49.911 - -
1955 901 51.614 50.190 - -
1956 1.020 58.259 56.443 - -
1957 1.069 61.753 59.867 -
1958 1.102 62.524 60.637
1959 1.217 68.077 66.591
1960 1.241 70.387 68.882
1961 1.254 73.963 71.946
Capítulo 6

PARANÁ

Índice de Evasão:
Ano Unidades Matrícula Matrícula
Frequência Matrícula Efetiva/
Escolares Geral Efetiva
Frequência(%)
1930 - - - -
1931 - - - -
1932 1.136 61.179 45.460 35.798 22,3%
1933 1.081 63.662 47.961 36.050 24,9%
1934 1.204 69.163 54.592 42.598 22%
1935 1.196 68.877 53.348 43.239 19%
1936 1.284 76.429 56.199 46.406 17.5%
1937 1.438 81.597 61.672 48.795 20,9%
1942 1.813 119.184 - - -
1943 - 121.685 90.455 75.314 16,8%
1944 1.722 115.218 86.482 72.931 15,7%
1945 1.676 - 84.684 70.464 16,8%
1946 1.632 114.746 84.749 71.999 15,1%
1947 1.525 119.588 90.148 75.142 -
1948 1.618 125.688 93.056 79.802 - 259
1952 1.682 140.858 117.240 103.500 -
1953 1.960 162.314 131.920 - -
1954 2.070 170.170 139.873 - -
1955 4.171 271.558 225.729 - -
1956 5.054 332.414 272.338 - -
1957 5.366 350.473 292.546 - -
1958 5.534 367.206 304.112
1959 5.603 387.951 316.095
1960 5.816 398.619 340.623
1961 5.985 410.776 355.815

Fonte: Brasil (Anuários Estatísticos do IBGE, 1932 a 1961).


Considerações finais

Não olhamos um ao outro como forma de exemplificação, mas,


como se disse, a História da Educação comparada é também uma his-
tória das relações entre espaços diversos, sujeitos e práticas, um la-
cinante jogo de constatações sobre presenças e ausências, citações e
apropriações, traduções, viagens e circulação. (CATANI, 2000). No tra-
balho de buscar pelo olhar marcas semelhantes em lugares diferentes,
a perspectiva comparada nos ajudou a escrever parte de uma “história
de sentidos” da escola primária em Sergipe e no Paraná (1930–1961),
desinstalando certezas e inserindo novas interrogações. Assim, para
além de apontar “distâncias e vizinhanças” nos termos propostos por
Catani (2000), quisemos também subsidiar a análise e compreensão
desta construção de sentidos. Nos diversos entreolhares, podemos
aqui dizer que no Paraná, entre os anos de 1932 e 1939, foi eviden-
te a expansão da escola primária, principalmente no que se refere ao
aumento de Grupos Escolares e Casas Escolas, em contrapartida no
estado de Sergipe houve um tímido aumento de Grupos Escolares.
Esta característica se manteve até o início dos anos de 1960. Em ambos
estados a escola rural foi em diferentes modalidades (grupos escolares
rurais, escolas de trabalhadores rurais, escolas de pescadores, casas
escolares rurais) compuseram um importante lugar de disseminação
de saberes com vistas a dotar esses estados do mínimo possível de
escolarização, principalmente desde o interior de cada um deles, que,
sob a perspectiva de fazer parte da nação brasileira integra-se a ela
como parte de um projeto político em curso.
Assim, os sentidos e significados da expansão que, nos dois casos
não se constituem particularidades, porém partes de uma lógica comum
de expansão do ensino primário, se inserem concomitantemente, tudo
leva a crer, na correspondente lógica nacional de modernização para a
qual a escola primária constituiria fator fundamental.
As singularidades entre cada um dos estados certamente seriam
muitas a indicar: a título de exemplo, uma delas decorreria das diferenças
territoriais que, em se tratando do Paraná impulsionaria um maior volu-
me de escolas para o interior do estado simultaneamente ao imperativo
político ideológico nacionalista, principalmente sobre as colônias de imi-
grantes, bem como da própria política de loteamento do estado enquanto
medida colonizadora.No caso de Sergipe, mesmo sendo um estado de
territorialidade pequena em relação àquele,o movimento de expansão
também se deu para o interior, sem considerar a distribuição de terras
por constitui-se num estado que naquela época esteve marcado pelo lati-
fúndio canavieiro.
História da Escola Primária no Brasil

Por fim, nos parece que a categoria “lógica” tomada como cons-
tructo para pensar a relação entre a expansão da escola primária entre
os dois estados, pareceu-nos deveras apropriada para entender uma
espécie de movimento muito similar na mesma direção, ainda que em
proporções diferentes. Significa pensar também qualitativamente e cui-
dar para não enaltecer este ou aquele, mas entender que a lógica está
em cada particularidade (Sergipe e Paraná) mediada subterraneamente
pelas razões que fazem com que ela se manifeste: instruir para moder-
nizar, nacionalizar pela prosperidade, sobretudo econômica, tônica dos
discursos dos governadores do período.

262
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1956, pelo Sr. Moysés Lupion, Governador do Paraná, Curitiba, Pa-
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Rocha Netto à Assembleia Legislativa do Estado, por ocasião da abertu-
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Ribas à Assembléia Assembleia Legislativa do Estado, ao instalar-se a
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PARANÁ, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado


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GRANDE DO NORTE
E NO MARANHÃO (1930–1961)
Diomar das Graças Motta- UFMA
José Mateus do Nascimento - IFRN
Kilza Fernanda Moreira de Viveiros - UFRN
Maria das Dores Cardoso Frazão - UFMA
Marlúcia Menezes de Paiva - UFRN
Olívia Morais de Medeiros Neta- IFRN

Este estudo faz parte do projeto de pesquisa intitulado: História da


Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em
âmbito nacional (1930–1961). No âmbito deste projeto, orientamo-nos
pela observação e análise dos dispositivos que nortearam a expansão da
escola primária no Rio Grande do Norte e no Maranhão, entre os anos
de 1930 e 1961.
O período delimitado para o estudo compreende o início da Era
Vargas até a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (Lei 4.024/61), época de ampliação significativa do aten-
dimento ao ensino primário, de renovação pedagógica e de redefini-
ção do papel da União na difusão da escola pública brasileira. Trata-se,
também, de um período marcado pela discussão de novos padrões de
organização da escola elementar (SOUZA, 2010).
No período em destaque, várias iniciativas políticas de atenção a
esse nível de ensino foram tomadas, com repercussão em todo o país,
a exemplo da Lei Orgânica do Ensino Primário, do Convênio Nacional
de Ensino Primário, da criação do Fundo Nacional do Ensino Primá-
rio e da realização de Conferências Nacionais de Educação, que pro-
blematizaram vários aspectos políticos e pedagógicos relacionados à
educação básica.
Investigar a história da escola primária no Brasil no século XX, par-
ticularmente no Rio Grande do Norte e no Maranhão, compreende temá-
tica de grande relevância para a história da educação, pois diz respeito a
questões sociais, culturais e políticas candentes na sociedade brasileira,
que precisamos melhor conhecer. Refere-se tanto ao problema do direito
à educação, quanto ao da atuação do Estado; das expectativas e signifi-
cados da escola para a população brasileira, como das tentativas de nor-
matização e disciplinarização dessa população.
Este estudo vincula-se ao projeto História da Escola Primária no
Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional
(1930-1961), anteriormente citado, sendo este composto por quatro ei-
História da Escola Primária no Brasil

xos de investigação1. Especificamente, este trabalho está circunscrito


ao primeiro eixo de investigação, o qual congrega pesquisadores que
investigam a institucionalização da escola primária nos vários estados
do Brasil, considerando as diferentes modalidades de escola, a organi-
zação pedagógica e a expansão das instituições escolares, cotejando os
programas do governo federal com as reformas educacionais propostas
e normatizadas em âmbito estadual.
A organização interna da pesquisa delimitou para os quatro sub-
grupos, ou eixos temáticos, estudos de aspectos diversos que eviden-
ciam a organização e consolidação da escola primária republicana. A
dinâmica da pesquisa associou os pesquisadores dos estados do Rio
Grande do Norte e do Maranhão, neste trabalho comparativo, compo-
nentes do primeiro eixo de investigação, cujos estudos deram ênfase à
expansão da escola primária. Outros pesquisadores, dos estados de Ser-
gipe, Piauí, Paraná e Bahia, que também participam desse eixo de inves-
tigação, voltaram suas pesquisas para outros aspectos.
Para o desenvolvimento desses estudos utilizamos os pressupostos
da história comparada da educação, abordagem decorrente da interface
entre a educação comparada e a história comparada. Nessa perspecti-
va, optamos pela abordagem da história cruzada, que segundo Werner e
Zimmermann (2003, p. 90) é uma abordagem que pertence à família dos
272 procedimentos relacionais que, “[...] tal como a comparação, os estudos
de transferência e, mais recentemente, da Connected e da SharedHistory,
pergunta pelos elos, materializados na esfera social ou simplesmente
projetados, entre diferentes formações historicamente constituídas”.
O presente exercício de história cruzada propõe a intersecção entre
a história da escola primária no Brasil e a que foi materializada, especi-
ficamente, nos estados no Rio Grande do Norte e no Maranhão, conside-
rando os aspectos sociais, culturais e políticos desses estados.
Nesse sentido, a perspectiva que norteia este trabalho é integradora
tanto no que diz respeito ao aprofundamento do conhecimento em âm-
bito regional e nacional, como no sentido de articulação dos processos
políticos inscritos na institucionalização da escola, com respeito à atu-
ação estatal, projetos, reformas educacionais, prescrição e dispositivos
de expansão.
Com vistas à sistematização e melhor disposição deste trabalho
em história comparada, estabelecemos uma formação interna de orga-
nização textual, que abrange as seguintes categorias de análise: as mo-
1 Os eixos de investigação do projeto são: a) a institucionalização da escola primária nos vários estados do
Brasil considerando as diferentes modalidades de escola, a organização pedagógica e a expansão das ins-
tituições escolares, cotejando os programas do governo federal com as reformas educacionais propostas e
normatizadas em âmbito estadual; b) o significado, as iniciativas, as práticas e o alcance da renovação pe-
dagógica fundamentada nos princípios da Escola Nova; c) a composição material das escolas primárias
tendo em vista a intensificação da expansão de vagas, a inovação educacional e a circulação de modelos
pedagógicos; d) as representações sociais sobre a escola primária.
Capítulo 7

dalidades de escolas e suas nomenclaturas, as faces da expansão como


localidade e localização, matrícula e frequência, reformas de ensino e
formação docente.

Comparando modalidades de escolas no Rio Grande


do Norte e no Maranhão

A expansão da escola primária no Brasil, e especificamente nos es-


tados do Rio Grande do Norte e do Maranhão, não foi uníssona, há
aproximações e distanciamentos na história dessa expansão, por isso, a
comparação possibilita a compreensão da circulação e da apropriação
de modalidades de escola.
A circulação e apropriação dos modelos de escola no Rio Grande
do Norte e no Maranhão se cruzam na legalização da instrução públi-
ca, uma vez que consideramos a representação da cultura estadual e
regional na intersecção com a nacional, respeitando a problemática da
reciprocidade e da reversibilidade que estão no princípio da história
cruzada, rompendo a perspectiva unidimensional simplificadora e ho-
mogeneizadora. (WERNER; ZIMMERMANN, 2003).
273
Os dispositivos concernentes à expansão da escola primária no Rio
Grande do Norte e Maranhão, no período de 1930 a 1961, cruzam-se com
a regulamentação da instrução pública nesses estados. Foi no período das
décadas de 1930/40, que se intensificou a expansão do ensino primário no
Rio Grande do Norte. Esse processo foi forçado pela obrigatoriedade de
uma regulamentação proveniente da Reforma de Ensino de 19162 (RIO
GRANDE DO NORTE, 1930), pois a carência de uma regulamentação era
premente devido à diversidade de modalidades de estabelecimentos de
ensino funcionando, muitas vezes, em prédios mal conservados, sem as
mínimas condições exigidas para a segurança dos regentes e dos alunos, a
exemplo das escolas rudimentares. No Maranhão a instrução pública, na
década de 1930, foi regulamentada pelo Decreto n.º 46, de 23 de fevereiro
de 1931 e pelo Decreto n.º 250, de 25 de fevereiro de 1932(MARANHÃO,
1931, 1932). De acordo com esses decretos a instrução pública compreendia
o ensino primário, o ensino secundário e o ensino profissional e comercial.
Nos dois estados, por força de Lei, a organização é similar e a escola
primária foi circunscrita como laica, gratuita e obrigatória. No entanto,
a obrigatoriedade poderia tornar-se sem efeito em função dos seguintes
impedimentos: se não existisse escola num raio de dois quilômetros da
residência da criança; quando não houvesse vaga naquela situada den-

2 A Lei n.º 405, de 29 de novembro de 1916, reorganizou o ensino primário, secundário e profissional no
Rio Grande do Norte. (RIO GRANDE DO NORTE, 1917).
História da Escola Primária no Brasil

tro desse perímetro; em caso de limitação física ou mental e, ainda, de


moléstia contagiosa da criança.
Pela Reforma de Ensino de 1916, no Rio Grande do Norte, o ensi-
no primário seria ministrado “[...] nos grupos escolares e nas escolas
isoladas, por meio de cursos graduados: infantil, elementar e comple-
mentar; de modo rudimentar, sem a graduação dos Grupos, nas escolas
nocturnas e ambulantes” (RIO GRANDE DO NORTE, 1917, p. 8). No
Maranhão, pelo Decreto n.º 250/1932 o curso primário seria realizado
em escolas isoladas, reunidas, grupos escolares, curso de aplicação e
curso noturno. Observamos pequena diferença entre os dois estados, no
Maranhão não está explícito as escolas ambulantes, nem as rudimenta-
res e no Rio Grande do Norte não se faz referência a curso de aplicação.
O tempo de formação nos grupos escolares no Rio Grande do Nor-
te teria a duração de seis anos, distribuídos em dois anos para curso
infantil misto, dois anos para o curso elementar e dois anos para o curso
complementar. Conforme Artigo 6º do Regimento Interno dos Grupos
Escolares, esses deveriam ser formados pela reunião de no mínimo três
e no máximo dez escolas/classes, sob a regência de professores diploma-
dos em escola normal (RIO GRANDE DO NORTE, 1925c). E no Mara-
nhão os grupos escolares teriam a duração de 5 anos e sua instalação era
condicionada à existência de 300 crianças em idade escolar na localida-
274 de. Cada classe ficaria sob a regência de uma professora, não podendo
haver mais de dez classes. Estes já haviam sido criados, através da Lei
Estadual n.º 323 de 26 de março de1903.
Em terras potiguares, para a criação das escolas isoladas era exigi-
do no máximo quarenta alunos em classe mista e no mínimo sessenta
alunos para turmas de cada sexo. Esta modalidade de escola primária
contava com a prerrogativa de serem elevadas à condição de Grupo Es-
colar, quando atingissem a marca de cento e vinte matrículas e acima
de noventa alunos frequentando as aulas. (RIO GRANDE DO NORTE,
1925b). No entanto, poderiam ser fechadas se apresentassem menos que
vinte matrículas e abaixo de quinze alunos assíduos. No Maranhão as
Escolas Isoladas seriam instaladas num raio de 2 quilômetros onde hou-
vesse, pelo menos, 30 crianças em idade escolar, até o limite de 45 crianças
nestas escolas. A duração do curso nas Escolas Isoladas maranhenses era
de 4 anos.
As escolas reunidas, tanto no Rio Grande do Norte quanto no Ma-
ranhão, tinham curso com duração de três anos, com programa próprio
e estavam distantes até dois quilômetros de locais em que funcionavam
três ou mais Escolas Isoladas com a frequência mínima de 80 alunos.
As escolas noturnas no Rio Grande do Norte eram consideradas
de natureza rudimentar, tinham programas e horários especiais restri-
tos, acomodados a sua natureza e condições locais. (RIO GRANDE DO
Capítulo 7

NORTE, 1917). Somente poderiam ser criadas na condição de atender no


mínimo cinquenta analfabetos nos bairros, povoados ou fazendas plei-
teantes. (RIO GRANDE DO NORTE, 1925a). Essa modalidade de escola
no Maranhão tinha duração de três anos, destinada aos alunos com mais
de 14 anos. O poder público cria as primeiras escolas dessa modalidade,
para o sexo masculino, em cada distrito da capital através da Lei n.º 573
de 6 de abril de 1911.
Verificou-se que na legislação da primeira metade do século XX, a
modalidade escola rudimentar no Rio Grande do Norte tem mais realce
do que no Maranhão, ou melhor, essa não era uma nomenclatura pre-
sente na legislação maranhense. As escolas rudimentares no Rio Gran-
de do Norte ofereciam um ensino baseado num currículo simplificado,
com a duração de dois anos, contendo apenas cinco matérias: leitura,
escrita, linguagem materna, contabilidade e noções gerais. Essa moda-
lidade de escola primária apresentava-se sob a forma de fixas, ambulan-
tes e noturnas (RIO GRANDE DO NORTE, 1925a).
É oportuno ressaltar a variedade das nomenclaturas anteriormente
apresentadas, seja nas mensagens do executivo, reformas de ensino ou
relatórios da instrução pública.
No Rio Grande do Norte, ao lado dos Grupos Escolares, das Escolas
Isoladas e do modo rudimentar de escola, às vezes também havia refe- 275
rência à modalidade Escola Reunida em estatísticas e falas do executivo.
No Maranhão, às Escolas Isoladas, reunidas, grupos escolares, curso de
aplicação e curso noturno, presentes no Decreto n.º 250/1932, constata-se
o uso de denominações como Escola Singular, Escola Agrupada, Grupo
Escolar Rural e da Capital. Essas variações de nomenclatura são mais fa-
cilmente localizadas nos relatórios dos inspetores.

(De)marcações da expansão da escola primária


potiguar e maranhense

No Rio Grande do Norte e no Maranhão a expansão da escola pri-


mária cruza elementos referentes ao número de escolas e suas modali-
dades e frequências, bem como a organização do ensino primário.
A expansão da escola primária no Rio Grande do Norte, no período
em estudo, apresentou aumento no número de unidades de Escolas Isola-
das, Reunidas e Grupos Escolares. Sendo a expansão das Escolas Isoladas
a que expressou maior percentual de crescimento (579 %). No Maranhão
também ocorreu o aumento do número de Escolas Isoladas e de Escolas
Reunidas entre os anos de 1930 e 1961. No entanto, ressaltamos o aumen-
to do número de Grupos Escolares, principalmente nas décadas de 1940 e
História da Escola Primária no Brasil

1950. Nesses termos, a expansão da escola primária maranhense no perí-


odo em estudo deu-se por meio da instalação dos Grupos Escolares e das
Escolas Isoladas, conforme podemos observar no quadro abaixo.

Quadro 1 – Expansão da escola primária no Rio Grande do Norte e no


Maranhão

Unidades escolares no
Ano Rio Grande do Norte
Escola Isolada Escola Reunida Grupo Escolar
1930 - 37 21
1935 167 - 32
1936 181 45 34
- - - -
- - - -
- - - -
1952 610 39 71
- - - -
1955 789 48 74
- - - -
276
1957 705 60 81
- - - -
1960 1135 69 105

Unidades escolares no Maranhão


Ano
Escola Isolada Escola Reunida Grupo Escolar
- - - -
- - - -
1936 - - 21
1942 - - 37
1949 151 67 65
1951 197 54 79
- - - -
1954 180 57 71
- - - -
1956 254 29 99
1957 254 29 99
1958 246 31 100
1960 334 36 128
Fonte: Mensagens dos governos do Rio Grande do Norte e Maranhão às respectivas Assembleias
Legislativas no período de 1930 a 1961.
Capítulo 7

De forma específica, no período de 1945 a 1961, a ênfase na expan-


são da escola primária no Rio Grande do Norte esteve na modalida-
de Escola Isolada. Em 1960, o Maranhão apresentava número maior de
Grupos Escolares que o Rio Grande do Norte, e um número bem infe-
rior nas modalidades de Escolas Isoladas e escolas reunidas, mesmo que
à época o Maranhão possuísse um quantitativo de habitantes superior
ao do Rio Grande do Norte: o Maranhão possuía 2.038.000 e o Rio Gran-
de do Norte 1.225.000 habitantes.
A ênfase da expansão da escola primária no Rio Grande do Norte
deu-se pela Escola Isolada; no Maranhão ocorreu pelas Escolas Isola-
das e, também, pelos grupos escolares. O fomento à expansão da escola
primária, em ambos os estados, ocorreu pela subvenção a essas duas
modalidades de escolas, tanto em nível municipal, como estadual, nas
capitais ou cidades do interior dos referidos estados.
Nesse processo de expansão da escola primária, muitas variáveis
podem ser realçadas. Uma delas é a relação entre matrícula e frequên-
cia. Em 1935, no Rio Grande do Norte, a frequência no ensino primário
destacava-se pela participação majoritária da mulher, de forma que nos
Grupos Escolares, nas Escolas Reunidas e Isoladas, a matrícula e a fre-
quência feminina apresentam-se maior do que a masculina, com exce-
ção da Escola Operária. Nas Escolas Isoladas encontravam-se o maior 277
número de matrículas (8.285) e de alunos frequentando (6.543). (RIO
GRANDE DO NORTE, 1935).
Conforme Anuário Estatístico do Brasil, para esse mesmo período,
de forma específica o ano de 1933,o estado do Maranhão apresentava
uma frequência de 21.940 alunos, dos quais 21.658 no ensino comum e
282 no ensino supletivo. Das vinte e duas unidades federativas do Bra-
sil, à época, possuíam frequência inferior a do Maranhão: os estados de
Sergipe, com 17.062; Mato Grosso, com 16.776; Goiás, com 16.625; Piauí,
com 10.158; e o, naquele momento,Território do Acre com 2.598 alunos.
No Rio Grande do Norte e Maranhão, em decorrência da Lei Orgâ-
nica e das reformas de ensino primário, foram implementadas políticas
de formação docente. Com a Lei Orgânica do Ensino Primário para o es-
tado do Rio Grande do Norte – conforme as normas estabelecidas pelo
Decreto-Lei federal n.º 8.529, de 2 de janeiro de 1946 –o ensino primário
abrangia duas categorias de ensino: a) o ensino primário fundamental,
destinado às crianças de sete a doze anos; b) o ensino primário supleti-
vo, destinado aos adolescentes e adultos. O ensino primário fundamen-
tal era ministrado em dois cursos sucessivos: o elementar e o comple-
mentar. O ensino primário supletivo tinha um só curso.
Outra demarcação da Lei Orgânica do Ensino Primário do Rio
Grande do Norte referiu-se aos estabelecimentos de ensino primário
mantidos pelos poderes públicos. Assim, seriam mantidas pelo poder
História da Escola Primária no Brasil

público as escolas que apresentassem as especificidades: escola isolada,


quando possuísse uma só turma de alunos e um docente; a escola reuni-
da, quando houvesse de duas a quatro turmas de alunos, e número cor-
respondente de professores; e o grupo escolar, quando possuísse cinco
ou mais turmas de alunos e número igual ou superior de docentes. (RIO
GRANDE DO NORTE, 1948).
Na perspectiva de organização do ensino e de atenuar a presença
de professores leigos, em terras Potiguares, ocorreu, principalmente, a
partir do governo de Sylvio Pedroza, a criação dos Cursos Normais Re-
gionais, instituídos pela Lei Estadual n.º 204, de 1949. (RIO GRANDE
DO NORTE, 1949). Esses cursos foram destinados à formação de regen-
tes de Ensino Primário e implantados em cidades do interior do estado
como: Açu, Alexandria, Angicos, Apodi, Ceará Mirim, Florânia, Macau,
Martins, Nova Cruz e Pau dos Ferros.
No mesmo período em que o Rio Grande do Norte, pela Lei Orgâ-
nica do Ensino Primário, reorganizava os estabelecimentos de ensino
primário mantidos pelos poderes públicos, o Maranhão, pelo Decreto-
-Lei n.º 1462, de 31 de dezembro de 1946, reformava sua organização
escolar, deliberando sobre os cursos normal e primário que, rigorosa-
mente, deveriam ser adaptados à pedagogia moderna, com vistas a ga-
nhar em “[...] extensão e profundidade [...]” (MARANHÃO, 1947, p. 79).
278 Antes do Decreto-Lei n.º 1462, com a criação do Instituto de Edu-
cação do Maranhão, por meio do Decreto Estadual n.º 186, de 19 de
janeiro de 1939, num contexto de considerável número de professores
leigos, intensificou-se a criação de cursos para formação docente. Es-
sas ações de formação se concentraram na capital, São Luís, e visavam
atender as demandas da escola primária, particularmente as do Grupo
Escolar, para o qual era exigido o diploma de normalista. Assim, com a
expansão dos Grupos Escolares para o interior do estado, ocorreu, tam-
bém, a necessidade da implementação de ações para formação docente,
a exemplo das escolas normais regionais criadas pelas irmãs francisca-
nas, a partir dos anos 1950.
O pós-Estado Novo foi um período de reorganização do ensino pri-
mário para ambos os estados. Essa reorganização sinalizava, particular-
mente, à necessidade de formação docente na perspectiva da diminuição
do número de professores leigos.
Pelo fato da expansão da escola primária no Rio Grande do Nor-
te ter ocorrido, prioritariamente, por meio das escolas isoladas, que se
localizavam, em sua maioria, no interior do estado, por isso também se
encontrava no interior do estado o maior número de professores leigos.
Nesse contexto, a criação de cursos normais regionais em cidades polos
do interior potiguar funcionou como estratégia para a formação de no-
vos professores.
Capítulo 7

Como a ênfase da expansão da escola primária maranhense


ocorreu por meio dos Grupos Escolares e das Escolas Isoladas, a for-
mação docente concentrou-se, primeiro, nas escolas normais e no
Instituto de Educação do Maranhão na capital; depois, nas escolas
normais regionais de responsabilidade das irmãs franciscanas no in-
terior do estado.
Apesar da reorganização escolar comum aos estados do Rio
Grande do Norte e do Maranhão nos anos 40 do século XX, se fez
necessário nas décadas seguintes reformar o ensino primário. Foi nes-
se contexto que o governador do Rio Grande do Norte, Dinarte de
Medeiros Mariz, instituiu a Reforma do Ensino Primário, pela Lei n.º
2.171, de 6 de dezembro de 1957. A reforma educacional havia sido
anunciada em sua Mensagem à Assembleia Legislativa do estado, em
1º de junho de 1957, num contexto de denúncia de problemas no sis-
tema educacional do estado. Essa reforma apontava para a resolução
de problemas educacionais relativos à escola primária, tais como: pre-
sença de professores leigos, superlotação de Grupos Escolares, estabe-
lecimentos de ensino fechados e improvisação das instalações físicas
das Escolas Isoladas.
A reforma do ensino primário no Maranhão ocorreu paralela à Lei
n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, uma vez que era assinalada desde o 279
final da década de 1950, que no

[...] ensino primário, 58,1% das crianças de 7 a 14 anos


deixam de ser atendidas. Enquanto nas zonas urbanas e
suburbanas a taxa de escolarização é da ordem de 82,1%,
nas zonas rurais se reduz a 30,9% [...] o ‘déficit’ de pro-
fessores em relação à população infantil ascende a 6.555,
número superior ao atualmente existente em função no
Estado, com as professoras leigas compondo esse quadro
num percentual de 70% agravando-se a situação com a
evasão anual verificada no ensino primário. (MARA-
NHÃO, 1966, p. 39).

Com isso, o cruzamento do dispositivo de formação docente com


a expansão primária aponta para repercussões assimétricas nos estados
do Rio Grande do Norte e Maranhão, pois “[...] entidades, pessoas, prá-
ticas ou objetos cruzados ou afetados pelo cruzamento não permane-
cem forçosamente intactos ou idênticos a si mesmos.” (WERNER; ZIM-
MERMANN, 2003, p. 96).
História da Escola Primária no Brasil

Cruzando interpretações ou considerações sobre a ex-


pansão da escola primária nos estados do Rio Grande
do Norte e do Maranhão

A temporalidade de 1930 a 1961 não é uniforme no que concerne


às ações de expansão da escola primária no Rio Grande do Norte e no
Maranhão. Múltiplos tempos e práticas foram aí assinalados, com parti-
cularidades referentes a nomenclaturas, reformas de ensino, matrícula e
frequência, formação de professores e outros elementos.
Ressaltamos que diferenças e semelhanças estão na base do mo-
vimento de expansão nesses estados. As semelhanças se assentam nas
linhas da história política no Brasil, momentos como o período das in-
terventorias (1930–1945) e o da (re)democratização (1945–1964), e nas mo-
dalidades predominantes na expansão do ensino primário: Escolas Isola-
das e Grupos Escolares, esta última com especial destaque no Maranhão.
A história comparada da expansão da escola primária no Rio Gran-
de do Norte e no Maranhão identificou, portanto, relevante contribuição
para o campo da história da educação brasileira, uma vez que permitiu
cruzar interpretações e identificar semelhanças e diferenças, estabelecer
categorias de análise e a prática da investigação envolvendo pesquisa-
280
dores de diversas instituições.
Referências

MARANHÃO, Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do


Estado por ocasião da abertura da sessão ordinária de 1947 pelo
governador Sebastião Archer da Silva. São Luís: Imprensa Oficial,
1947.

MARANHÃO. Decreto n.º 250, de 25 de fevereiro de 1932.

MARANHÃO. Decreto n.º 46, de 23 de fevereiro de 1931.

MARANHÃO. Mensagem à Assembleia Legislativa do Governo José


Sarney Costa. 1966, p. 39-40.

RIO GRANDE DO NORTE, Exposição apresentada ao Ex. Snr. Dr. Ge-


túlio Vargas, M. D. Presidente da República, pelo Interventor Federal
do Rio Grande do Norte Mario Leopoldo Pereira da Câmara. Natal: Im-
prensa Official, 1935.

RIO GRANDE DO NORTE. Decreto n.º 683, 10 de fevereiro de 1947.


Excede a Lei Orgânica do Ensino primário para o Estado do Rio Grande
do Norte, dentro das normas estabelecidas pelo decreto-lei federal n.º.
8.529, de 2 de janeiro de 1947. Atos legislativos e decretos do governo.
Natal: Departamento de Imprensa, 1948. p. 7-13.

RIO GRANDE DO NORTE. Decreto-Lei n. 204, de 7 de dezembro de


1949. Cria o curso normal regional junto às escolas Normais de Natal e
Mossoró e dá outras providências. Atos legislativos e decretos do go-
verno. Natal: Departamento de Imprensa, 1949.

RIO GRANDE DO NORTE. Lei n.º 405, de 29 de novembro de 1916. Re-


organiza o Ensino Primário, Secundário e Profissional. Natal: Tipografia
d’A República, 1917.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada à Assembleia Le-


gislativa, em 1º. de outubro de 1930, pelo Presidente Juvenal Lamartine
de Faria. Natal: Imprensa Oficial, 1930.
História da Escola Primária no Brasil

RIO GRANDE DO NORTE. Regimento Interno das Escolas Rudimen-


tares. Natal, RN: Typ. d’A República, 1925a.

RIO GRANDE DO NORTE. Regimento Interno das Escolas Isoladas.


Natal: Typ. d’A República, 1925b.

RIO GRANDE DO NORTE. Regimento Interno dos Grupos Escolares.


Natal: Typ. d’A República, 1925c.

SOUZA, Rosa Fátima de. História da Escola Primária no Brasil:inves-


tigação em perspectiva comparada em âmbito nacional (1930–1961).
Projeto Integrado de Pesquisa apresentado ao CNPq para solicitação de
Auxílio à Pesquisa – Edital Universal MCT/CNPq n.º 014/2010. 2010.

WERNER, M.; ZIMMERMANN, B. Pensar a história cruzada: entre ex-


periências e reflexividade. Textos de História.Revista do Programa de
Pós-Graduação em História da UnB, Brasília, v. 11, n. 1-2, p. 89-127, 2003.

282
8.
QUE ESCOLA PRIMÁRIA?
UM ESTUDO COMPARADO DAS MARCAS E
LEMBRANÇAS DE UM NÍVEL
DE ESCOLARIZAÇÃO

Antônio de Pádua Carvalho Lopes - UFPI


Antonio Carlos Ferreira Pinheiro - UFPB
Miguel André Berger - UFS/UNIT
Fernanda Mendes Resende - PUC Minas, Campus Poços
de Caldas

Considerações iniciais
Esse estudo é parte do projeto de pesquisa História da escola pri-
mária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito
nacional (1930–1961) e tem como objeto de estudo as representações da
escola primária em um período de abrangência que, embora procure
centrar-se entre 1930 e 1961, faz recuos e avanços nesse recorte conside-
rando o que se deseja compreender.
Tomando as representações de escola primária para análise, esse
trabalho pretende realizar um estudo comparado do modo como esse
nível de escolaridade foi pensado nos discursos veiculados em escri-
tos de autobiografias e nos livros de história dos municípios/cidades. A
comparação, considerando o objetivo e o mesmo tipo de fonte, envolve
os estados da Paraíba, Piauí, Sergipe e Minas Gerais. Para Sergipe, além
dos livros de memórias, foram utilizadas entrevistas biográficas1 publi-
cadas em jornais.
Com esse estudo, procuramos continuar uma reflexão iniciada no
texto Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo
comparativo das marcas da escolarização primária (PINHEIRO et al.,
2013). Contudo, diferentemente do que realizamos ali, aqui não nos
restringimos ao estudo dos grupos escolares, embora estes continuem
sendo objeto de nossa análise como uma variação de escola primária,
mas procuramos perceber as diferentes formas como a escola primária
aparece nos documentos analisados.
Considerado o objetivo de compreender o modo como a escola pri-
mária é pensada nos escritos produzidos por diferentes sujeitos e vei-
1 Apesar dessa fonte ser diferenciada em relação àquelas utilizadas pelos pesquisadores dos outros es-
tados (Piauí, Paraíba e Minas Gerais), são consideradas relevantes para a nossa análise, uma vez que as
entrevistas remetem à memórias e representações sobre o passado educacional e escolar sergipano.
História da Escola Primária no Brasil

culados em suportes diversos, definimos como fontes as autobiografias,


incluindo algumas entrevistas que foram publicadas em um jornal ser-
gipano e os livros de história das cidades/municípios. Utilizando essas
fontes, nos interessavam os escritos que tivessem como característica
comum um lugar de produção que não se localizasse na gestão oficial
da educação ou resultassem de análises produzidas por órgãos de pes-
quisas ou vinculados ao ensino superior.
Assim, permanecemos com o critério utilizado na pesquisa ante-
riormente realizada de excluirmos livros escritos por autores vincula-
dos às universidades e centros de pesquisas que os escreveram como
parte de seu trabalho nesses lugares, bem como os textos que resultam
de estudos de conclusão de curso de graduação, especialização, mes-
trado ou doutorado. Considerando nosso objetivo, continuamos nos
concentrando na compreensão da produção textual produzida fora das
regras do fazer acadêmico científico (PINHEIRO et al., 2013).
Com esse critério para a definição das fontes, procuramos compre-
ender o processo de constituição da imagem da escola primária a partir
de um lugar: daqueles que a experimentaram ou viram sua presença no
espaço em que viveram, proximamente ou à distância e que sobre ela se
manifestaram em seus escritos.
Assim, utilizamos como fontes os discursos produzidos por pessoas
284 que narram a presença da escola primária nas localidades e sobre ela escre-
veram, buscando compreender as experiências escolares a partir da ótica
desses sujeitos. Que lugar é pensado para essa instituição escolar? De que
maneira é lembrada? Que projetos são apresentados para ela? Como ela é
posta na narrativa construída sobre os municípios/cidades? Que disputas
em torno dela aparecem nesses discursos? Que momentos são escolhidos
para falar sobre ela? Como seus sujeitos são apresentados? Como são des-
critos os espaços onde foram instaladas as escolas primárias?
Como indicadores utilizados na análise, elencamos: o léxico sobre
a escola primária; o ato fundador de escolas primárias; as descrições,
reivindicações e desejos relativos aos espaços físicos dessas escolas; e o
modo como os sujeitos relacionados à escola primária são apresentados.
Com a observação desses indicadores, desejamos estabelecer a
comparação de como esse nível de escolaridade foi representado nos
estados envolvidos na pesquisa, procurando compreender as vivências
de escolarização primária e a circulação de ideias que nos ajudem a situ-
ar os sentidos construídos para essa escola e as lutas de representações
travadas em torno dela.
Com a análise do léxico em torno da escola primária, procuramos
perceber as variações de como a escola primária foi nomeada e as ad-
jetivações que recebeu no intuito de compreender os efeitos de sentido
que essas ações continham para a constituição de uma representação
Capítulo 8

dessa escola. Procuramos perceber, ainda, o modo como essa nomeação


é construída e como aparece nas fontes analisadas.
Com a análise do modo como o ato fundador de escolas primárias
aparece nas fontes pesquisadas, desejamos compreender os discursos
sobre a necessidade dessas escolas; as prescrições sobre o seu funcio-
namento; os efeitos esperados com sua instalação; a formação escolar
desenhada como necessária, possível ou desejada; a relação da escola
com seu entorno e os efeitos esperados com sua presença.
Discutimos, ainda, o modo como os espaços escolares são descritos
nas fontes pesquisadas procurando compreender as marcas desses
espaços na constituição das representações sobre a escola primária.
Nesse aspecto, consideramos tanto a descrição de espaços existentes,
como a de espaços idealizados, presentes, sobretudo, nas reivindicações
e críticas aos lugares em que as escolas estavam estabelecidas.
Por fim, procuramos analisar o modo como os sujeitos que atua-
ram nesses espaços são representados, observando como foram caracte-
rizados e classificados; as prescrições quanto ao modo de agir, vestir-se,
relacionar-se. Os diferentes sujeitos vinculados à escola primária são
analisados, procurando compreender as representações que em torno
deles se constituíram.
Como categorias de análise, em continuidade à pesquisa anterior-
mente realizada (PINHEIRO et al., 2013), trabalhamos com os concei- 285
tos de representação, lugar “na” memória e escolarização.
O conceito de representação foi definido por Chartier (1990, p. 17)
como “[...] esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às quais o
presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço
ser decifrado”. O conceito de representação ajuda-nos, aqui, a compre-
ender o lugar ocupado pela educação e pela escola no imaginário da
população brasileira, a partir da leitura e análise das autobiografias e
dos livros de história de cidades. Neste sentido, Chartier (1990, p. 27)
articula três dimensões da experiência, permitidas a partir da compre-
ensão do conceito de representação:

O trabalho de classificação e de delimitação que produz


as configurações intelectuais múltiplas através das quais a
realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes
grupos; as práticas que visam fazer reconhecer uma identi-
dade social, exibir uma maneira própria de estar no mun-
do, significar simbolicamente um estatuto e uma posição;
por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças
às quais uns ‘representantes’ (instâncias coletivas ou pes-
soas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a
existência do grupo, classe ou comunidade.
História da Escola Primária no Brasil

As discussões sobre a escola primária no Brasil remontam ao pe-


ríodo Imperial, todavia, caracterizadas mais como diagnósticos do que
como resultantes de análises na perspectiva histórico-educacional. En-
tre outros estudos, podemos destacar os de José Liberato Barroso (1867),
o de Aureliano Cândido de Tavares Bastos (1870 [1996]), o de Antonio
de Almeida Oliveira (1873 [2003]) e o estudo de José Ricardo Pires de Al-
meida (1889). Já no período Republicano, essa discussão avolumou-se
enormemente, considerando que as questões educacionais e escolares
passaram a ser discutidas de forma mais intensa entre intelectuais, pro-
fessores e administradores públicos. Essas discussões, inclusive, não ra-
ras vezes, apontavam a educação e os processos de escolarização como
um dos principais fatores para a consolidação do novo regime político
que se implantara no Brasil, em 1889.
Nesse sentido, enumerar aqui esses estudos seria deveras exausti-
vo e demandaria um cuidado especial com as produções que circularam
de forma mais restrita nas diversas unidades da Federação. Se, nas três
primeiras décadas do século XX, os institutos históricos e geográficos
tiveram um papel fundamental no processo de construção de conheci-
mentos históricos e histórico-educacionais, a partir da segunda metade
daquele século, as Faculdades de Filosofia e Ciências Humanas torna-
ram-se os principais locus de emanação destes novos conhecimentos.
286 Todavia, foram os cursos2 de pós-graduação, instaurados agora nas uni-
versidades, que passaram a “conduzir”, prioritariamente, a produção
histórico-educacional. Nesse sentido, podemos afirmar, grosso modo,
que as instituições escolares de nível primário, especialmente os grupos
escolares, tornaram-se objeto de investigações. Assim, trata-se de uma
produção marcada pelo “lugar social” que ocupam os seus estudiosos.
Associado a isso, podemos ainda destacar que uma

[...] outra característica de amplo espectro refere-se à


não adoção de estudos comparativos sobre os diver-
sos tipos de escolas, inclusive os grupos escolares no
Brasil. Muito pelo contrário a sua produção historio-
gráfica emergiu em um momento em que se tornava
mais forte o movimento de deslocamento das expli-
cações pela via das grandes estruturas para se priori-
zar o papel e ações dos sujeitos nos micro-espaços e
micro-poderes. Voltaram-se os estudos e pesquisas,
para tentar compreender o que acontecia na sala de
aula, no cotidiano escolar e, finalmente, na constru-
ção da história da educação pelo viés das culturas e
práticas escolares. (PINHEIRO et al., 2013, p. 62).
2 O termo programa de pós-graduação somente será adotado a partir do início dos anos de 1990.
Capítulo 8

Esses condicionantes que emergiram em função do próprio movi-


mento historiográfico brasileiro acerca de sua história da escolarização
terminaram por influenciar o lugar, ou melhor, os lugares que ocupa-
ram (e que ocupam!) “na” memória social e coletiva. Todavia, para além
das possíveis influências que essa produção possa exercer no processo
de construção (invenção!) e manutenção de memórias acerca das es-
colas na vida social e na vida particular dos indivíduos, não podemos
desconsiderar outros agentes sociais que também contribuíram e ain-
da contribuem para fixação de representações sobre elas, ou seja, sobre
o processo de escolarização. Esse movimento de fixação termina, pois,
por garantir um lugar na memória coletiva e/ou social.
Em estudo que realizamos, anteriormente, ficou evidenciado o
lugar que ocuparam e ocupam os grupos escolares nas memórias de
professores, escritores, memorialistas e historiadores. Entretanto, já tí-
nhamos muitos indícios de que, apesar de os grupos escolares terem
ocupado um lugar de proeminência, isso não significou que outros tipos
de escolas também não estivessem presentes na memória coletiva, tais
como os liceus, as escolas normais, as escolas profissionalizantes e to-
das as variantes de escolas primárias, inclusive as escolas rurais. Assim
sendo, continuamos com a perspectiva que trabalhamos anteriormente,
atentando que
287
[...] a expressão ‘lugar na memória’ inspirada nas ideias
que envolvem a discussão sobre ‘lugar(res) de memória(s)’
que foi amplamente debatida por muitos intelectuais e,
mais especialmente, por Nora (1993). Nesse trabalho, o re-
ferido autor discute a memória como meio de se conhecer
o passado, isto é, as relacionadas às heranças de povos e
culturas antigas. Entretanto, a partir da modernidade e do
avanço dos meios de comunicação ocorreu ‘o impulso con-
quistador e erradicador da história’. Assim, ‘não estamos
mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da histó-
ria’, adverte o nosso autor. (p. 8-9). Nesse sentido, por ter
perdido a sua proeminência no processo de transmissão de
saberes e experiências vividas no passado, foi necessário
a constituição de lugares de memórias. (PINHEIRO et al.,
2013, p. 63, grifos dos autores).

A partir dessa compreensão propomo-nos a entender de que maneira


os diversos e variados processos de escolarização estão representados nas
autobiografias e nos livros de história dos municípios/cidades analisados.
Os processos de escolarização precisam ser compreendidos de ma-
neira mais ampla do que somente a entrada de crianças na escola ou do
História da Escola Primária no Brasil

que significa o estar na escola. Segundo Faria Filho (2002), a escola não
surge no vazio deixado por outras instituições, ela inventou e também
produziu o seu lugar próprio, no complexo diálogo com outras esferas
da vida social, modelando, assim, a sua tarefa de atuar de maneira cen-
tral na formação de novas gerações.
Faria Filho (2002) chama a atenção para a necessidade de se per-
ceber a escola e os processos dela advindos a partir de um período de
longa duração. Em duzentos anos (do início do século XIX até o início do
século XXI), podemos perceber as mudanças significativas sofridas pela
escola e as mudanças sociais sofridas a partir da escola. Essa instituição
ajudou a configurar uma série de mudanças sociais como tempos fami-
liares e acordos entre empregados e patrões, além de outros nuances co-
tidianos que regulam a vida de parte significativa da população brasilei-
ra. Neste sentido, Faria Filho (2002, p. 22) afirma que a mudança de uma
sociedade não escolarizada para uma sociedade escolarizada modifica
não somente a escola e seu entorno, mas também toda a sociedade: “A
escola é tanto produtora quanto produto da sociedade como um todo.”
Vidal e Biccas (2008, p. 28) retomam a questão, afirmando que es-
colarização é

[...] tanto os modos como o Estado quanto as maneiras como


288 os grupos sociais organizam e produzem a escola como ins-
tituição social de controle das populações e de transmissão
cultural. A essa acepção se combinam os processos pelos
quais a sociedade constitui o escolar como referência sim-
bólica, o que implica o jogo tenso de reinvenção das iden-
tidades sociais e das representações sobre o lugar social da
escola. [...] Enfatizamos a percepção da escolarização como
uma estratégia instaurada pelo Estado, mas não apenas.
Para nós, evidencia-se como importante atentar para os vá-
rios projetos educativos colocados em jogo por movimentos
ou grupos sociais (movimento negro, igreja católica, lojas
maçônicas, imigrantes, dentre outros) na criação de escolas,
na definição de modelos educacionais e no funcionamento
de iniciativas em permanente diálogo e negociação com os
investimentos oficiais.

Faria Filho reflete sobre dois sentidos para o termo escolarização,


estando ambos intimamente relacionados:

Num primeiro, escolarização pretende designar o estabele-


cimento de processos e políticas concernentes à ‘organiza-
ção’ de uma rede, ou redes, de instituições, mais ou menos
Capítulo 8

formais, responsáveis, seja pelo ensino elementar da leitu-


ra, da escrita, do cálculo e, o mais das vezes, da moral e da
religião, seja pelo atendimento em níveis posteriores e mais
aprofundados.
Em outra acepção, estamos entendendo por escolariza-
ção o processo e a paulatina produção de referências so-
ciais tendo a escola, ou a forma escolar de socialização e
transmissão de conhecimentos, como eixo articulador de
seus sentidos e significados. Nesse caso, nossa atenção es-
tará voltada para o que temos chamado de consequências
sociais, culturais e políticas da escolarização, abrangendo
questões relacionadas ao letramento, ao reconhecimento
ou não de competências culturais e políticas dos diversos
sujeitos sociais e à emergência da profissão docente no Bra-
sil.(FARIA FILHO, 2002, p. 16, grifos do autor).

As publicações das obras de história das cidades/municípios po-


dem ser compreendidas como parte de um (re)viver político e cultural
de uma determinada cidade/município: é criado para a cidade um lu-
gar, uma forma de “dar a ver” seu povo, suas produções, sua geografia,
suas arquiteturas, a política e, enfim, a educação. Considerando isso,
compreendemos as autobiografias e os livros de histórias das cidades/ 289
municípios como fontes importantes para a história da educação, pro-
curando analisar como os diversos processos de escolarização estão ne-
les representados.
Apontados os principais conceitos com os quais trabalhamos nes-
te estudo, se faz necessário tecermos algumas considerações acerca das
fontes a partir das quais foi possível perceber o lugar que essas institui-
ções escolares primárias ocuparam “na” memória, bem como as suas
representações no processo de escolarização brasileira, tomando como
referência os estados de Minas Gerais, Paraíba, Piauí e Sergipe.

Caracterização das fontes utilizadas

Dando continuidade ao estudo desenvolvido como parte do primeiro


projeto de pesquisa – Por uma teoria e uma história da escola primária no
Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870–1950),
utilizamos, nesta pesquisa, as mesmas fontes com as quais havíamos
trabalhado. Para tanto, recorremos aos livros de memórias e/ou autobio-
grafias, além dos livros sobre os municípios/cidades. Todavia, conforme
informamos anteriormente, no caso específico do estado de Sergipe, fo-
História da Escola Primária no Brasil

ram utilizadas entrevistas biográficas publicadas no Jornal da Cidade, na


década de 1990 e no ano de 2001. A importância dessas entrevistas reside
no fato de nelas serem indicadas as modalidades de escola primária fre-
quentadas pelos sujeitos e certo ideal de escola primária nelas implícitas.

a. Os livros de memórias/autobiografias

O uso de livros de memórias e/ou de autobiografias possibilitou a


compreensão do modo como a escola primária era lembrada como parte
da vivência dos sujeitos e do espaço social em que ela se constituiu. Nesse
aspecto, é importante caracterizar esse tipo de escrita para uma melhor
compreensão do aparecimento (ou não) dessa escola no acervo trabalhado.
Que escola é lembrada por esses autores? Que aspectos dessa esco-
la são apresentados? Que sujeitos aparecem nessas narrativas?
O período de publicação dessas obras não se situa, necessariamen-
te, no recorte temporal analisado. A data de publicação pode ser poste-
rior ao período analisado, considerando o fato de que desejamos perce-
ber o modo como foi se constituindo e materializando a representação
em torno da escola primária, em sua permanência e mudança.
290 Assim, para os livros de memória, embora tenhamos procurado
observar o critério da temporalidade recortada na pesquisa, não nos
restringimos ao período analisado, por ser esse tipo de obra permea-
do de temporalidades diversas e pelo que indicam em relação ao que
desejamos saber, quais sejam, aspectos relevantes de continuidades e
mudanças na leitura que fazem da escola primária.
Consideramos como livro de memórias aquele em que há, confor-
me Lejeune (1994), uma coincidência entre autor, narrador e persona-
gem do escrito, que é válida, como esse autor mesmo afirma, para a
literatura de foro íntimo de maneira geral. Consideramos, também, que
“[...] os gêneros existem não apenas como modos de se escrever ou falar,
mas também como de ler e ouvir” (BRUNER; WEISSER, 1995, p. 143).
Como afirmam Fentress e Winckham (1994, p. 20), a memória é, ao
mesmo tempo, subjetiva e social, por ser “[...] estruturada pela lingua-
gem, pelo ensino e observação, pelas ideias coletivamente assumidas e
por experiências partilhadas com os outros”.
No caso específico da Paraíba, até o ano de 2012, havíamos encon-
trado apenas 11 livros de memórias e/ou autobiográficos, discriminados
no Quadro 2 do capítulo segundo do livro organizado por Souza, Silva
e Sá (2013, p. 72). Entretanto, um ano depois, isto é, em 2013, passamos
a contar com 34 obras, das quais trabalhamos tão somente com onze. Os
critérios de exclusão dos outros 23 livros foram: a) alguns relataram as
Capítulo 8

suas memórias, referindo-se a períodos posteriores ao delimitado nessa


pesquisa, ou seja, escreveram as suas memórias a partir de meados dos
anos de 1960 até o final dos anos de 1990; b) outros se remetem qua-
se que exclusivamente ao ensino secundário e superior; c) há, também,
aqueles que trazem relatos pouco substanciais (memórias nebulosas),
ou melhor, informações não muito claras, como, por exemplo, não indi-
cam os lugares, as datas, os períodos e os níveis de escolarização a que
se referem; e, finalmente, d) procuramos não reutilizar as obras com as
quais já havíamos trabalho anteriormente. Contudo, esse critério não foi
seguido rigorosamente, uma vez que, eventualmente, a elas voltamos
com o intuito de checar dados ou até mesmo em relação a outras escolas
primárias, para além dos grupos escolares, que foi o tipo de organização
escolar com a qual havíamos trabalhado no projeto anterior. De qual-
quer forma, quando isso ocorreu, a obra foi devidamente referenciada.
Em relação ao estado do Piauí, foram identificadas 41 obras. Acres-
centamos ao número de achados da pesquisa anterior nove livros novos.
Desse total, considerando nosso interesse de pesquisa, trabalhamos com
dezenove obras. O principal critério de escolha remete-se à presença da
escola primária nas narrativas, já que muitos enfatizam outros níveis
de escolarização ou mesmo não se referem ao processo de escolariza-
ção vivido pelo autor. Procuramos ainda, sempre que possível, incluir,
de preferência, os textos ainda não trabalhados na pesquisa anterior. A 291
identificação desse corpus documental resultou de levantamento feito
em livrarias, bibliotecas, academias de letras e, como é o caso da maio-
ria desses escritos, com particulares, já que a edição, tiragem e circula-
ção desses escritos são pequenas e restringem-se, em sua maioria, a um
público formado especialmente por amigos e parentes do autor. Bus-
camos, ainda, concentrarmo-nos em obras que remetessem ao período
recortado pela pesquisa.
Como afirmamos anteriormente, Sergipe utilizou quarenta e qua-
tro entrevistas autobiográficas publicadas, em 2001, no Jornal da Cida-
de, e três livros de memória.
Quanto a Minas Gerais, vivenciamos uma situação bastante diferen-
ciada dos outros estados, em relação à possibilidade de acesso às obras.
Em Belo Horizonte, na biblioteca do Instituto Cultural Amilcar Martins
(ICAM), encontram-se catalogados e organizados, na Coleção Mineiria-
na, mais de 11.000 volumes de livros sobre Minas Gerais, que abrangem
mais de 250 cidades mineiras. Segundo o diretor do Instituto3,

[...] muitas obras são edições pequenas, fora do comér-


cio e com circulação muito restrita. [...] Como os novos
3 Consultar o Catálogo Coleção Mineiriana do Instituto Cultural Amilcar Martins. O referido Catálogo foi
impresso em 2001 e está bastante desatualizado. Tivemos a informação que está sendo refeito e uma nova edição
será lançada em 2014.
História da Escola Primária no Brasil

municípios mineiros são na verdade distritos que ao lon-


go do tempo foram se emancipando dos municípios mais
velhos, a coleção cobre virtualmente todo o território do
Estado. (MARTINS FILHO, 2001, p. 46).

O ICAM é uma organização da sociedade civil de direito privado,


de natureza cultural e sem fins lucrativos. De acordo com seu site na
Internet, sua principal finalidade é estudar, preservar e divulgar a his-
tória e a cultura de Minas, por meio de projetos de pesquisa, de cursos
e seminários, da celebração de convênios com entidades públicas e or-
ganizações não governamentais, da criação de uma coleção mineiriana
e de um centro de referências bibliográficas e de integração de acervos
sobre Minas, da publicação de novos estudos mineiros e reedição de
obras raras e outras atividades e iniciativas.
Entre os livros catalogados no ICAM, encontram-se diversos tipos
de obras, como histórias de cidades, biografias e autobiografias, efe-
mérides4, livros que narram um fato (um milagre, um desastre natural,
uma epidemia)5, os que elegem uma profissão ou instituição como obje-
to de estudo6 ou os que se ocupam de um aspecto arquitetônico7. Como
essas obras não se ocupam (porque não é seu objetivo) da educação e de
seus movimentos, não foram analisadas.
292 Para esta pesquisa, separamos nove autobiografias, entre as mui-
tas encontradas no ICAM. O que justifica a análise desses livros, neste
momento, é a maneira como a educação e a escola aparecem retratadas
nessas obras.
Assim, foi analisado um total de quarenta e duas obras. Além dis-
so, consideramos ainda necessário tecermos alguns comentários sobre
os livros de memórias e/ou autobiográficos produzidos por aqueles
que, mesmo não tendo nascido na região da qual suas memórias fa-
lam, nela viveram experiências significativas, tanto como aluno quan-
to como professor, que relatam em suas obras. Esse foi o caso de Frei
Inocêncio, que nasceu na cidade de Jaboatão, em Pernambuco, mas vi-
veu 25 anos no município de Mamanguape, na Paraíbae nele realizou
e participou de várias experiências no campo educacional:

Tudo quanto foi narrado até aqui aconteceu antes de


eu ter a ventura de chegar para ficar nesta querida
terra de Mamanguape, de cujo povo agora me sinto
um elemento integrante, porque recebi no dia 14 de
novembro de 1991, o título de cidadão. (INOCÊN-
CIO, 1993, p. 11).
4 A título de exemplo, consultar Vianna (1964).
5 Ver: Assis [1974?].
6 Consultar: Bilharinho (1983) e Bastos (1982).
7 São exemplos as obras de Carvalho, [1935?] e Carvalho (1991).
Capítulo 8

Outro exemplo refere-se ao poeta, professor e promotor de justiça


Arlindo Ugulino, que, apesar de ter nascido em Santa Luzia, tornou-se
filho por adoção de Pombal, ambas cidades localizadas no sertão parai-
bano (UGULINO, 2000).
Dos oito autores que escreveram sobre suas memórias vividas em
Minas Gerais (são nove obras, duas do mesmo autor), um deles, o profes-
sor Tabajara Pedroso, nasceu em Campinas, São Paulo, em 1897. Casou-se
com uma mineira de São Sebastião do Paraíso e, por causa deste enlace,
foi para Minas Gerais depois de 1922. Em sua biografia, encontramos:

Tabajara Pedroso formou-se Engenheiro Geógrafo e veio


para Minas Gerais para dirigir o Ginásio de São Sebastião
do Paraíso, por quase dez anos. Lecionou em Batatais, SP,
e se instalou em 1934 em Belo Horizonte. Na capital do
estado de Minas Gerais, o professor Tabajara Pedroso foi
vice-reitor do Ginásio Mineiro, diretor do Colégio Mar-
coni, diretor da Escola Normal Modelo, atual Instituto de
Educação, professor na Escola da Fazenda do Rosário, pro-
fessor dos Colégios Santo Agostinho, Dom Silvério e An-
chieta. Foi professor emérito, professor catedrático, diretor
e fundador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FAFICH) da UFMG, fundador da Faculdade Santa Maria
293
(ministrou a primeira aula), que depois se transformou em
parte da atual Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, onde também ministrou aulas. Foi reitor e profes-
sor catedrático do Colégio Estadual, Chefe Censitário –
Censo 1970 – IBGE, Chefe da Comissão Estadual de Moral
e Cívica, dentre outros. (PEDROSO, 2002. p. 50).

Há, também, os livros de memórias e/ou autobiográficos que se


limitam a tratar de uma instituição específica. No caso da Paraíba,
temos três livros de memórias sobre o Patronato Agrícola Vidal de
Negreiros, localizado no município de Bananeiras (SILVA, M., 1994,
2004, 2009)8; dois livros sobre o Ginásio Diocesano de Patos, muni-
cípio localizado no Alto-Sertão paraibano (VIEIRA, 2004; FERNAN-
DES, 2008); e um livro de memória sobre o Colégio Nossa Senhora
de Lourdes (CUNHA, 2000), localizado no município de Cajazeiras,
também no Alto-Sertão paraibano. Em todos esses livros, os seus au-
tores reportam-se aos anos que se encontram dentro da periodicidade
estabelecida pela pesquisa.
8 O livro de 2009 é escrito em versos: Colégio Agrícola Vidal de Negreiros: sua história ‘em poemas’. Há,
também, outro livro de memória, escrito por José Vicente Filho, sobre a mesma instituição e publicado
em 1977, entretanto, o autor rememora os anos de 1973 a 1975, quando fora aluno da escola. Essa obra,
portanto, não foi incluída nas nossas análises.
História da Escola Primária no Brasil

Para o Piauí, os autores dos textos analisados nasceram no estado,


alguns deles tendo realizado migrações para outras regiões, em diferen-
tes momentos de suas vidas.

b. Os livros sobre municípios/cidades

Outra fonte que utilizamos para basear nossa comparação foram as


histórias dos municípios/cidades escritas por autores locais. Como fize-
mos com os livros de memórias, restringimo-nos àqueles que apresen-
taram conteúdos relativos ao recorte temporal definido pela pesquisa.
No total, foram consultadas 175 obras do estado de Minas Gerais,
71 da Paraíba e 50 do Piauí9. Para cada um dos estados, selecionamos 20
obras, perfazendo um total de 60 obras.
Os números apresentados são resultantes de escolhas e procedimen-
tos metodológicos adotados durante a fase de levantamento de dados.
Ao indicarmos o número de obras selecionadas, estamos informando ao
nosso leitor que nem todas as obras consultadas oferecem informações
que consideramos relevantes para a nossa análise. Por exemplo, ao con-
sultarmos algumas obras, encontramos a indicação da existência de um
294 determinado grupo escolar na cidade ou de uma escola rural no muni-
cípio, entretanto, a mesma não traz qualquer outro tipo de informação
relevante sobre a referida instituição escolar, não possibilitando a inclu-
são da obra no nosso estudo. Ao mesmo tempo, o simples fato de termos
encontrado a indicação da existência de uma instituição significou para
nós uma importante informação para o nosso estudo. Nesse sentido, essa
breve informação foi computada no quadro das instituições (ver Quadro
2) e o seu autor, no quadro das profissões (ver Quadro 1).
Essa escrita caracteriza-se por não seguir os padrões da historio-
grafia acadêmica, tendo um papel importante na constituição de uma
narrativa sobre as localidades, servindo, muitas vezes, de referência
para atividades escolares e como suporte para a manutenção da me-
mória sobre o município/cidade. Normalmente os seus autores não são
historiadores de ofício. Alves (2006) denomina autores que escrevem
obras com essas características de historiadores diletantes. Para ele esses
autores “[...] produziram com prazer e espontaneidade, ao que pare-
cem, pois nunca foram tangidos a escrever por obrigações ligadas ao
exercício profissional.” (ALVES, 2006, p. 14). Essa é uma característica
importante da autoria dessas obras, embora, em muitos casos, o dever
da escrita se relacione ao lugar que ocupam nas academias e agremia-
9 Segundo o professor Miguel André Berger, responsável pelo levantamento dos dados referentes ao es-
tado de Sergipe, foram encontrados alguns livros sobre os municípios de Estância, Larajeiras e Itabaia-
na, além de folhetins do IBGE, que, contudo, não apresentavam dados de interesse para a pesquisa.
Capítulo 8

ções de letras das localidades em que vivem e o modo como, no interior


delas, constroem sua posição.
Segundo Chartier (1991), a primeira preocupação do historiador,
ao ler uma obra historiográfica, não deve ser com os fatos que ela con-
tém, mas, acima de tudo, com aquele que a produziu. Os fatos não che-
gam diante de nós de modo objetivo, mas perpassados pelo olhar do
historiador que, na realidade, os seleciona. Em várias obras, encontra-
mos biografias que nos chamam a atenção, seja pela tentativa de inserir
o autor no importante (e desejado) mundo dos intelectuais, seja pela
falsa modéstia em relação aos seus próprios currículos. A maioria das
biografias foi escrita pelo próprio autor, mas encontramos aqueles que
foram apresentados pelos filhos, amigos, por outros escritores ou pela
própria editora.
Dos 175 livros sobre a história dos municípios/cidades mineiras
consultados para esta investigação, a grande maioria foi escrita por um
único autor (164 obras – 93,7%); oito por dois autores (4,6%) e 3 por três
autores (1,7% do total de livros). São 141 autores (79,2%) e 37 autoras
(20,8%), num total de 178 autores. Em 50 obras, não encontramos infor-
mações sobre o(s) autor(es).
Em relação às obras escritas sobre os municípios/cidades parai-
banos, do conjunto de 71 livros, três foram escritos por dois autores
e quatro foram escritos por mulheres, ou seja, apenas 2,1% e 2,8% do 295
total, respectivamente. Em apenas 12 livros não encontramos infor-
mações sobre as atividades dos autores. Semelhantemente a Minas
Gerais, há livros em que encontramos a foto do autor, mas nenhuma
informação sobre ele. Tanto para os livros mineiros quanto para os
produzidos na Paraíba, as biografias variam muito entre si em sua for-
ma de apresentação. Há currículos extensos e as biografias resumidas
em uma linha; há os textos ufanistas e os simplificados.
Com relação ao Piauí, há a predominância da escrita da obra por
um só autor, sendo apenas um dos livros escrito por dois autores. Isso
pode ser atribuído ao fato de que a autoria dessas obras marca a relação
do autor com a cidade, que toma para si o trabalho de escrever a história
do município, no geral seu município de origem ou marcante em sua
vida. Com isso, há a pretensão do registro da história da cidade, evitar
o esquecimento dos acontecimentos e das pessoas da localidade, como
podemos observar na justificativa apresentada para a escrita em diver-
sos desses textos. Ao mesmo tempo, eles ajudam a situar o município/
cidade na região. Quanto à presença de autoras, do total temos oito mu-
lheres, caracterizando, portanto, esse tipo de produção como predomi-
nantemente masculina. Nem todos trazem indicações biográficas sobre
os autores, sendo elas muitas vezes situadas nas apresentações, quando
essas obras as possuem.
História da Escola Primária no Brasil

O Quadro 1 nos informa mais especificamente as profissões e/ou


atividades que os nossos autores realizam. É importante salientar que
a soma das profissões não será a soma da quantidade de autores, estes
podendo se definir com mais de uma profissão ou ramo de atuação.

Quadro 1 – Profissões dos autores

quantidade de autores (as)


profissão minas
paraíba piauí total
gerais
Professor(a) 47 23 08 78
Político (prefeito, deputado
18 10 01 29
e/ou vereador)
Membro de Academias de Letras e/ou
Comissões de Cultura e/ou Institutos 17 10 04 31
Históricos
Advogado(a) / Bacharel em Direito 10 05 05 20
Funcionário público 07 07 01 15
Jornalista 07 06 - 13
Médico 09 01 02 12
296 Contador/Técnico em Contabilidade/
07 03 - 10
Contabilista/ Economista
Historiador(a) (formado em curso supe-
04 04 02 10
rior de História)
Historiador(a) (sem informações sobre
03 07 - 10
formação superior)
Pedagogo(a) 08 01 - 09
Escritor 03 03 03 09
Padre / Monsenhor 05 02 - 07
Filósofo(a) 05 01 - 06
Aluno de curso superiorde História 01 05 - 06
Pesquisador(a) 05 - - 05
Juiz e Juiz de Paz 04 01 - 05
Inspetor(a) 04 - - 04
Licenciado em Letras 04 - - 04
Dentista 03 01 - 04
Geógrafo(a) 03 01 - 04
Poeta 03 01 - 04
Secretária(o) Municipal da Educação ou
04 - - 04
do Trabalho e Ação Social
Diretor(a) de escola 03 - - 03
Capítulo 8

Farmacêutico 03 - - 03
Maestro / Músico 03 - - 03
Bancário 02 - 01 03
Relações públicas 02 - - 02
Coletor Federal 02 - - 02
Promotor de Justiça 01 01 - 02
Teólogo 01 01 - 02
Formado em Educação Física - 01 - 01
Formado em Biologia - 01 - 01
Agricultor 01 - - 01
Agrimensor 01 - - 01
Analista técnico na Acesita 01 - - 01
Aposentado 01 - - 01
Bibliotecária 01 - - 01
Comerciário 01 - - 01
Diácono da Assembleia de Deus 01 - - 01
Escriturário 01 - - 01
Escrivão de Polícia 01 - - 01
Marceneiro 01 - - 01
Psicólogo 01 - - 01 297
Publicista 01 - - 01
Publicitário 01 - - 01
Radialista 01 - - 01
Sacristão 01 - - 01
Secretário Municipal do
01 - - 01
Trabalho e Ação Social
Veterinário 01 - - 01
Sem informações 50 12 26
Fonte: Dados da pesquisa

É importante salientarmos que, para a montagem dos dados do


Quadro 1, adotamos o procedimento de registrar as informações a
partir daquelas que se encontram na própria obra, ou seja, não recor-
remos a outras fontes de informação, como a Internet, ou dicionários
biográficos, por exemplo. Assim, observando-se os referidos dados,
podemos perceber que as atividades profissionais desenvolvidas pe-
los autores são diversificadas, todavia é expressiva a participação de
professores, políticos, membros das academias municipais e/ou esta-
dual de Letras, funcionários públicos, jornalistas e médicos. Um dado
que nos chamou a atenção foi a significativa auto-denominação como
historiadores, sejam eles formados ou não em cursos superiores, espe-
História da Escola Primária no Brasil

cialmente na Paraíba. Outro aspecto que nos chama a atenção é uma


maior diversidade de profissões e/ou atividades em relação ao estado
de Minas Gerais, mesmo considerando uma única ocorrência.
No Piauí, também, predominam professores, advogados e
membros de academias de letras. Contudo, parece ser importante
ressaltarmos a não presença dessa informação nas obras, indicando
mais a importância para a memória local e o vínculo do autor com a
cidade/município.
As edições das obras foram custeadas, em sua grande maioria, ou
pelos próprios autores ou tendo o poder público por mecenas, quase
sempre pelos prefeitos e, mais raramente, por vereadores. Seus autores
assumem um papel de referência para a cidade/município sobre a qual
escrevem e vinculam-se, muitas vezes, às academias e institutos históri-
cos municipais ou estaduais, conforme salientamos anteriormente.
Nesses relatos, encontramos desde aqueles centrados na mera in-
formação de fatos selecionados e apresentados, até textos que, tomando
o período de vida do autor na localidade, falam do município/cidade.
A partir da análise do conjunto dessas obras, elencamos catego-
rias para compreender o modo como a escola primária foi represen-
tada. Foi, portanto, em torno dessas categorias que desenvolvemos a
análise comparativa.
298

O léxico em torno da escola primária

A análise do léxico em torno da escola primária foi um dos eixos


considerados pela pesquisa para a realização da comparação. Que no-
mes são dados à escola primária? Qual a relação desses nomes com a
organização interna, a estruturação e a localização da escola? Que senti-
dos possui essa nomeação?
A primeira observação mais geral que podemos fazer é que a escola
de nível primário, ao longo de toda a primeira metade do século XX, re-
cebeu muitas denominações, especialmente se considerarmos cada esta-
do aqui estudado. Nesse sentido, elas refletem certa heterogeneidade no
tocante à forma de organização escolar que cada estado brasileiro reali-
zou ao longo dos anos. Entretanto, também não podemos desconsiderar
que guardam alguns elementos comuns entre si. Na verdade, a grande
mudança irá ocorrer com a criação das escolas reunidas ou agrupadas e,
especialmente, com a implantação dos grupos escolares, que passaram a
ser comuns em quase todos os estados brasileiros, mesmo considerando
as particularidades locais, no tocante ao tipo de arquitetura utilizada ou
na sua organização didático-pedagógica. Assim, para que tivéssemos um
Capítulo 8

quadro mais claro de como a escola de nível primário foi lembrada pelos
nossos autores, ou seja, o léxico utilizado, organizamos o seguinte quadro:

Quadro 2 – Léxico utilizado para identificar as escolas primárias e sua


frequência na documentação analisada (autobiografias e livros de his-
tórias dos municípios/ cidades)

estados total de
PI PA SE MG
léxico frequência
Grupo escolar 25 44 47 22 138
Escola primária
42 31 - 19 92
particular/escola paroquial
Escola Primária Pública 01 - - 26 27
Cadeira ou escola isolada, ca-
deira primária, cadeira 04 17 - 06 27
rudimentar, singular
Escola rural 08 09 - 08 25
Escolas
Reunidas/Escolas Agrupadas/ 10 07 - 07 24
Escolas Combinadas
Escola primária noturna/escola 299
01 05 - 02 08
rudimentar/escola elementar
Externato Municipal - - - 02 02
Patronato (instituição
02 - - - 02
confessional)
Mestre escola (professor
02 - - - 02
particular itinerante)
Escola de primeiras letras* 01 - - 01 01
Patronato (instituição federal) - - - 01 01
Fonte: Dados da pesquisa
*No caso da Paraíba e do Piauí, essa nomenclatura é encontrada para as escolas do período impe-
rial e primeiros anos do período republicano, ainda no século XIX.

A partir do Quadro 2, podemos observar que a instituição que al-


cançou o maior número de citação nas obras por nós consultadas foi o
grupo escolar (138 vezes), especialmente nos estados da Paraíba e de
Sergipe. Portanto, é o tipo de instituição que mais está presente nas
memórias dos nossos autores e nos indica a importante representação
social que ela tem no âmbito da história da educação brasileira. Essa
importância pode ser atribuída, também, no caso do Piauí, à expansão
que essa modalidade de escola vinha tendo no período analisado, em
disputa com o ensino primário particular.
História da Escola Primária no Brasil

Em seguida vêm as escolas primárias particulares, juntamente com


as escolas paroquiais (92 vezes), essas últimas especialmente para os
estados de Minas Gerais e Piauí. Em seguida, vem a escola primária
pública (27 vezes) e as cadeiras ou escolas isoladas, bem como as suas
variações entre cadeiras primárias e cadeiras rudimentares aparecem
com maior frequência na Paraíba, também referenciadas 27 vezes. To-
davia, é importante destacarmos que o léxico “escola primária públi-
ca” apareceu, predominantemente, no estado de Minas Gerais e apenas
uma única vez no estado do Piauí, o que sugere alguns indícios sobre
as diferenças e ritmos distintos das políticas educacionais que foram
sendo implementadas em cada um dos estados aqui em discussão. In-
dica uma possível maior tradição da escola pública no estado de Minas
Gerais. Melhor explicando, o referido estado constituiu-se em uma das
unidades da federação mais ricas economicamente, principalmente se
compararmos com os estados da Paraíba, do Piauí e de Sergipe, que
ocuparam posições muito aquém, economicamente, inclusive na pró-
pria região Nordeste.
Talvez esse aspecto tenha levado a uma maior pressão da socieda-
de civil pela oferta de uma educação escolar pública e, portanto, mais
presente nas memórias dos nossos autores aqui pesquisados. Ao mesmo
tempo, a utilização de tal léxico pelos autores mineiros pode sugerir a uti-
300 lização da denominação escolar de forma mais vaga, ou melhor, menos
precisa, já que nela poderão estar implícitos os tipos de escolas, tais como
os grupos escolares ou as escolas isoladas. Esse aspecto podemos inferir,
se considerarmos as referências às escolas reunidas/escolas agrupadas/
escolas combinadas (24 vezes) e às escola primária noturna/escola rudi-
mentar/escola elementar (8 vezes).
Em Sergipe, os termos cadeiras ou escolas isoladas também aparecem
com certa frequência. A escola isolada ofertava o ensino multisseriado até
a terceira série, sendo que, para a conclusão do ensino primário e obtenção
da certificação, o aluno tinha que concluir os estudos no grupo escolar.
Outro aspecto que merece destaque são as referências sobre as es-
colas rurais que foram citadas nove vezes para o estado da Paraíba e
oito para Minas Gerais e Piauí. Esse baixo número de vezes de ocorrên-
cias pode ser explicado em virtude de os autores dos livros terem a sua
origem no mundo urbano, mesmo considerando que parte significativa
deles não tenha nascido na capital de seus respectivos estados, ou seja,
são originariamente de pequenas cidades ou de localidades menores,
do ponto de vista populacional e/ou econômico. Os que tiveram expe-
riência com a escola rural, onde iniciaram sua escolarização, são os que
dela lembram, especialmente em suas memórias.
Não raras vezes, o modo como a escola era nomeada marcava as
diferenciações existentes em sua organização e funcionamento. Na do-
Capítulo 8

cumentação analisada, encontramos a indicação, em muitas delas, dos


aspectos mais importantes implicados na transformação de uma forma
de escola para outra, como foi o caso específico da Paraíba e do Piauí,
onde algumas escolas reunidas passaram a ser denominadas grupos es-
colares. Entretanto, há também um único caso que temos conhecimento
de ter ocorrido o inverso, ou seja, de um grupo escolar, que durante
alguns anos, passou a ser classificado pelo poder público estadual de
escola reunida10. Assim, nomear a escola de uma forma ou de outra sig-
nificava indicar as suas características básicas e situá-la em um conjunto
de instituições escolares existentes.
No que concerne à escola isolada, Fernando Barreto Nunes, em en-
trevista publicada no Jornal da Cidade, de Sergipe, assim caracteriza
esse tipo de escola:

Escola isolada era uma escola em que a professora ensina-


va a todo o curso primário, com 50 alunos. Era uma escola
pública. Depois chegaram os grupos escolares, onde cada
professor ensinava um ano. O interessante, nesse tipo de
escola, é que os alunos mais adiantados ajudavam a profes-
sora a tomar as lições e ensinar os alunos mais atrasados.
Isso desenvolvia em muitos alunos, sua verdadeira voca-
ção para o magistério. (NUNES, 1991, p. 1).
301

Convém destacar que o caráter isolado da escola era definido


pela ação unitária da professora na condução de todo o curso pri-
mário. Há uma adoção da nomenclatura presente na legislação para
caracterizar a forma escolar e o destaque dado ao fato de nessa for-
ma de escolarizar, a professora recorrer aos alunos mais adiantados
para auxiliarem-na na tarefa de ensinar. Essa característica nos faz
lembrar o funcionamento das antigas escolas mútuas, que existiram
durante muitos anos no período imperial brasileiro. Seria isso um
vestígio, um aspecto da cultura educacional brasileira, ou seja, uma
memória escolar que sobreviveu até os dias atuais, ou melhor, até os
anos noventa do século XX, conforme ano de publicação do relato
acima transcrito.
Ressaltamos que os grupos escolares são demarcados, na oposição
à escola isolada, pelo fato de que cada série ficava sob responsabilidade
de um único professor. Entretanto, a diferença não se fazia tão somen-
te por esse aspecto. Para Santos (2001, p. 160) o Grupo Escolar Elydio
Sobreira de Carvalho, fundado em 1948 e localizado na cidade de São
Sebastião de Lagoa de Roça, no agreste paraibano,

10 Trata-se do Grupo Escolar Padre Ibiapina, localizado na cidade de Itabaiana, agreste paraibano. Para
maior aprofundamento dessa peculiaridade local, consultar E. Silva (2011).
História da Escola Primária no Brasil

[...] foi uma das primeiras escolas a transferir aos alunos no-
ções de civismo, saúde e boas maneiras. Os alunos cantavam
o Hino Nacional e, sempre que passava um cortejo fúnebre
diante da escola, levantavam-se, em sinal de respeito. No
estabelecimento de ensino imperava o respeito dos funcio-
nários para com os seus colegas, para com os alunos e para
com a própria diretora, e vice-versa. E todos efetuavam suas
atividades com denodo, criatividade e perseverança, de
modo que os trabalhos não fossem interrompidos.
Viu-se através de um importante trabalho a formação de
uma instituição de ensino, com o objetivo primordial de
atender o aluno no seu aspecto sócio-educacional e que
desde a sua fundação desenvolveu atividades dentro dos
moldes regidos por leis, decretos e resoluções, possibilitan-
do beneficiar aqueles que oportunamente se utilizaram de
seus serviços.

Outra significativa passagem sobre essa questão encontra-se no li-


vro de memórias de Araújo, I. e Araújo, J. (2010) que recorda a experi-
ência vivida no Grupo Escolar João da Mata, localizado na cidade de
Pombal, no sertão paraibano:
302
O Grupo Escolar João da Mata [...], por ser uma unidade
educacional de ensino público, era um ambiente democrá-
tico, pois ali compareciam jovens de quase todas as famí-
lias da cidade sem distinção de classe, de renda, de cor e re-
ligião. [...] Quando ingressei no Grupo escolar, na primeira
série, passei a fazer parte de uma diversidade de classes
sociais, que caracterizava muito bem o perfil sócio-econô-
mico da cidade naquela época.
Demorei apenas um semestre na primeira série, pois era
regra no Grupo escolar que os cinco alunos que conseguis-
sem as melhores notas, no fim do primeiro semestre, po-
diam matricular-se na série seguinte. O ambiente era ale-
gre e divertido. (ARAÚJO, 2010, p. 143-144).

Esse movimento de reorganização da escola ocasionado pelo gru-


po escolar pode ser percebido, ainda, nos livros analisados, no que diz
respeito aos processos de organização da escola em séries e idade, como
lembra Rufino (1997, p. 53), falando do município de Ipiranga do Piauí
:
Esse prédio foi denominado de Escolas Reunidas, Singular,
Mista. Esta escola, entretanto, não oferecia certificado esco-
Capítulo 8

lar ao aluno. As turmas eram mistas, tanto considerando as


séries, quanto as idades e sexos. No ano de 1960, passou a
denominar-se Grupo Escolar Monsenhor Lopes, através de
decreto apresentado por Lucas Cortez Rufino. Com essa
estruturação, as turmas foram organizadas por série e faixa
etária e , ao concluir o curso, o aluno recebia o certificado.

Outro aspecto a destacar é a crescente importância, no período re-


cortado pela pesquisa, que a certificação escolar passou a ter para a con-
tinuidade do processo de escolarização.
A força da organização da escola torna o tempo vivido no grupo
escolar lembrado como um tempo contado em séries, como faz Vascon-
celos (2006, p. 52), lembrando seus tempos de aluno do Grupo Escolar
Valdivino Tito, em Campo Maior, Piauí: “o tempo ia passando e a gente
mudando de ano. 1º ano (A, B, C), 2º, 3º e 4º”.
Outro tipo de escola pública lembrada pelos autores aqui selecio-
nados foram as escolas reunidas ou agrupadas. Entretanto, no caso de
Minas Gerais, apareceu também o léxico escola combinada.
Sales (1990) e Sousa (2008), analisando o processo de organização
escolar nos municípios de Alagoa Nova e de Serra Branca, destacam:

303
As salas de aulas eram localizadas nas residências das pro-
fessoras e não ofereciam satisfatórias condições de escola-
ridade. Sensível ao problema, o Dr. João Tavares, quando
prefeito municipal (1905–10), construiu um prédio destina-
do às aulas. Bem planejado para a época em que foi cons-
truído, abrigou até 1945 as escolas reunidas da localidade.
(SALES, 1990, p. 150-151).

Foram criadas as Escolas Reunidas, divididas em turmas


do sexo masculino e feminino. Essas escolas funcionavam
nos salões do Sr. Antero da Cunha ou em casas de famí-
lia. Os professores eram nomeados pelo Estado. (SOUSA,
2008, p. 59).

O relato apresentado sobre a escola reunida de Serra Branca guarda


informações não muito claras sobre o seu funcionamento. Não sabemos
se são resultantes apenas de lapsos de memória ou se de fato aquela
escola funcionou da forma como está descrita.
A produção historiográfica sobre as escolas reunidas, normal-
mente, aponta para a existência de um prédio específico (construído
ou adaptado) destinado a “agrupar” ou “reunir” cadeiras ou escolas
isoladas já existentes, sem, contudo, apresentar uma organicidade no
História da Escola Primária no Brasil

seu funcionamento, ou seja, sem a seriação ou qualquer outro tipo


de hierarquização didático-pedagógica, conforme passou a vigorar
de forma majoritária nos grupos escolares. Nesse sentido, as salas
de aula, nas escolas reunidas, mantinham independência e autono-
mia no funcionamento entre si, ou seja, as aulas bem como as suas
atividades administrativas eram conduzidas, exclusivamente, pela/o
própria/o professora/or. Assim, a escola de Serra Branca tinha a orga-
nização mais próxima das tradicionais cadeiras/escolas isoladas do
que de escolas reunidas.
Vale ainda ressaltarmos que, no caso específico da Paraíba, segun-
do estudo realizado por Pinheiro (2002, p. 136):

[...] as escolas reunidas eram encaradas pelos administra-


dores da instrução pública como uma organização escolar
transitória, já que, paulatinamente, se transformariam em
grupos escolares, à medida que aumentasse a demanda
por escolas nas diversas localidades.

Ou seja:

A princípio, o futuro grupo será apenas escola isolada; de-


304 pois, escolas reunidas, e, por fim grupos escolares. Assim,
penso, irá o Estado provendo a instrucção pública de pré-
dios escolares na altura das suas posses e na conformidade
das exigencias inilludíveis da pedagogia experimental. [...]
Os grupos escolares são a única solução racional que nos
tem sido dado offerecer ao desistimulo com que, em regra,
se arrastam as escolas isoladas. (MENSAGEM, 1926apud
PINHEIRO, 2002, p. 136).

No que concerne às escolas noturnas, as informações sobre as mes-


mas, na Paraíba, são sempre muito rápidas e foram referenciadas tão
somente cinco vezes, enquanto que, nas obras de Minas Gerais, apenas
duas vezes, e, no Piauí, uma vez (Quadro 2). Vejamos duas breves pas-
sagens: “Durante anos, funcionou no [Grupo Escolar] Félix Daltro uma
escola noturna” (TERCEIRO NETO, 2002, p. 113). “O ensino noturno
era ministrado por Celita Gondim no prédio das Escolas reunidas e pelo
professor Clodomiro Leal no Educandário Epitácio Pessoa, de sua pro-
priedade” (SALES, 1990, p. 151).
Segundo estudo realizado por B. Paiva (2010), esse tipo de “ar-
ranjo” foi muito comum na Paraíba, a partir de 1916, com a criação
do primeiro grupo escolar na cidade da Parahyba (atual João Pessoa),
uma vez que esse tipo de instituição escolar não funcionava no turno
Capítulo 8

noturno, mas dispunha de energia elétrica. Esse recurso da moderni-


zação urbana veio muito a facilitar a aprendizagem dos alunos que
estudavam à noite e que era constituída prioritariamente por sujeitos
oriundos dos segmentos populares. Muitas dessas escolas noturnas
foram organizadas pelos próprios diretores dos grupos escolares.
Algumas tinham caráter privado, seguindo o modelo dos mestres
escola e funcionando por um curto período de tempo, como relembra
Santos (1996, p. 26), que implantou uma dessas escolas no Piauí:

Ao chegar na nova residência, em pouco tempo conquistei


um espaço. Dentre uns sessenta e cinco meninos, mais ou
menos da mesma idade, eu era o único que sabia assinar
o nome. Criei uma escola noturna, a pedido dos pais dos
menores, na base da lamparina de querosene. Gostava do
meu trabalho, me sentia realizado. Mensalidade de um mil
réis. A escola teve vida efêmera, mas alguns conseguiram
aprender a assinar o nome, creio que valeu.

Quanto ao léxico escolas primárias públicas, somente foi encontrada


essa referência nos estados de Minas Gerais e Piauí.
Afastando-nos do universo das escolas públicas, outra escola
muito lembrada pelos autores foram as escolas primárias particulares 305
e as escolas paroquiais. Juntas foram citadas 31 vezes nos livros refe-
rentes à Paraíba, 19 nas obras de Minas Gerais e 42 vezes nas obras do
Piauí (ver Quadro 2).
Por situarem-se fora do aparato público escolar, essas escolas são,
muitas vezes, lembradas pelo nome do docente que nela exercia seu
ofício ou da congregação ou ordem religiosa que a mantinha.
No caso da Paraíba, são muitas as referências da participação de
religiosos na vida educacional e escolar dos municípios, que, quase
sempre são lembrados como benfeitores que extrapolaram as suas ati-
vidades de catequese ou “[...] das funções regulares de ministro de
Deus, para cuidar da vida social e cultural dos seus paroquianos. Mais
do que pároco, benfeitor, mestre e amigo”, recorda Burity (1989, s/p),
ao prefaciar o livro de Torres (1989), que analisou a atuação do Padre
Ruy Vieira na paróquia da cidade de Areia, localizada no Brejo11 parai-
bano. Ressaltou ainda Burity (1989, s/p) que a missão a que se propôs
Padre Ruy foi a de “[...] dar ao povo de Areia, ao trabalhador rural, ao
operário urbano e aos filhos, a catequese para a sobrevivência, o cami-
nho para levar a Deus sem desespero. E o campo e a cidade encheram-
se de escolas paroquiais”.

11 No Nordeste, o termo “brejo” não tem, como no Sudeste, o sentido de terreno alagado, mas de região
com altitude elevada e úmida.
História da Escola Primária no Brasil

Em relação à cidade de Serra Branca, Sousa (2008, p. 59) destaca


que as suas primeiras escolas “[...] foram criadas pela Igreja Católica.
Não existiam prédios públicos. As escolas funcionavam na sacristia ou
em casa de particulares e os professores ensinavam por conta própria
(particular) ou eram remunerados pela Paróquia.”
Isso ocorre, por vezes, com a escola isolada pública, embora nesta,
o termo escola isolada ou professor público preceda o nome do docente.
Muitas escolas particulares, paroquiais ou também conhecidas como re-
sultantes de trabalhos filantrópicos são apresentadas como espaço para
a iniciação na cultura escrita, sendo o que era definido pelos autores
como curso primário realizado em instituições escolares oficiais.
A trajetória escolar primária de Jackson Barreto de Lima, realizada
em Sergipe, é relembrada nesses termos:

Jackson veio para Aracaju e aprendeu o ABC na esco-


la da saudosa professora Dona NINI, que funcionava na
Rua Permínio de Souza com Riachão do Dantas, no bair-
ro Cirurgia. Depois foi estudar na Tebaída, uma conheci-
da escola de meninos pobres no Oratório Nossa Senhora
Auxiliadora. O professor Acrísio CRUZ, que era o diretor
do Departamento de Educação do Estado, junto com o pro-
306 fessor Leite Neto, trouxe minha mãe a Aracaju. Eles ajuda-
ram muito nossa família, dando fardas e livros para mim e
todos os meus irmãos. O curso primário foi feito no Grupo
Escolar Manuel Luiz. (LIMA, 1998, p. 1).

A trajetória escolar dos sujeitos ocorria de diferentes formas, em


escolas com diferente organização ou em espaços domésticos. O deslo-
camento dos sujeitos por diferentes escolas primárias indica que a no-
menclatura a elas dada significava, muitas vezes, os limites de sua ação
em termos da titulação dos sujeitos por relacionar-se aos seus níveis,
possibilidades de continuação na vida escolar. Assim, a escola vincula-
va-se a legitimação e a certificação. Esse parece ter sido o caso de Sílvio
Santos, de Sergipe:

As primeiras letras aprendeu em casa com sua mãe, mas


oficialmente, sua primeira professora foi Dona Laurita na
escola municipal Alda Souza, ainda no povoado Lagoa do
Meio. Como esta escola só ensinava até o terceiro ano pri-
mário, seus pais o mandaram para a cidade para dar conti-
nuidade aos estudos no Grupo Escolar Coelho e Campos.
(SANTOS, 2001, p.1).
Capítulo 8

Na Paraíba, também encontramos algumas referências à aprendi-


zagem das primeiras letras no ambiente doméstico e à passagem em
escolas particulares. Esse aspecto foi recordado pelo menos dezessete
vezes pelos autores paraibanos; no caso de Minas Gerais, seis vezes; e,
no Piauí, quatro vezes. Acompanhemos as seguintes passagens:

[...] primeira escola de Simone foi com sua tia Delma custou
a gravar as letras mas depois ficou uma menina estudiosa
uma letrinha linda, aprendia tudo. (PALITOT, 1985, p. 68).

Fui aluna de Dona Roseta, como a chamávamos, de 1939 a


1942. Eta! Professorinha exigente[...].
Pois Dona Roseta, com a sua rigidez no ensino, agia como
um ‘carrasco’; Ah! Como eu a odiava, na hora das saba-
tinas de Tabuada; nos exercícios orais, quando nos man-
dava conjugar os verbos – das quatro terminações – todos
os seus tempos, modos e pessoas; das análises léxicas, de
períodos imensos, quando tínhamos que ‹dissecar› cada
palavra, com todos os itens: números de sílabas, catego-
ria gramatical, número, gênero e grau. E as intermináveis
lições de História do Brasil e de Geografia, na base da ‹de-
coreba› sem direito a gaguejar. 307
Mas o bicho-papão, mesmo, eram as quatro operações arit-
méticas, matéria que sempre detestei. (NUNES, M., 2003,
p. 138).

Ao reconstruir a história de Santo Antônio do Amparo, município


localizado no estado de Minas Gerais, Aguiar (1973, p. 99-100) relembra
uma das primeiras escolas particulares da cidade:

Falando de instrução, em Santo Antônio do Amparo, não


podemos deixar de mencionar o nome tradicional e res-
peitado do professor J. Damiani. Durante 40 anos, ou tal-
vez mais, foi quase o único professor de Santo Antônio do
Amparo. Contava, entre seus alunos, meninos vindos de
outros municípios e de cidades vizinhas. José Damiani foi
um dos nossos primeiros mestres, e embora os processos
daquela época fossem rudes e antiquados, ele concorreu
de maneira extraordinária com sua escola particular, para
a maior difusão do ensino em nossa terra, sendo merece-
dor de um lugar de honra na galeria dos velhos professores
amparenses. É preciso ressaltar que viveu sempre em sé-
rias dificuldades financeiras, nunca desanimado, cioso de
História da Escola Primária no Brasil

sua profissão tão nobre, elevada e digna.


Sousa (2011, p. 58) relembra da Escola Maria Auxiliadora, de
Campo Maior, Piauí: “A história da educação de Campo Maior regis-
tra, com reconhecimento, os bons serviços educacionais prestados,
desde 1933, pela Escola Maria Auxiliadora, dirigida por sua proprie-
tária professora Josefa Lima”. Chico Barbosa (1994, p. 7) relembra sua
alfabetização como resultado de passagem por escolas particulares e
no espaço doméstico:

Quanto aos meus estudos só freqüentei três meses de aula


particular com os professores Joaquim Albano da Silva e
Joaquim Leite de Oliveira com quem aprendi as sílabas e
memorizei a tabuada de multiplicar. Depois com a vinda
de uma professora que viera a mando do Senhor Prefei-
to de Picos-PI para lecionar nos lugares Baixio, Varginha e
Cristovinho foi quando pude desarnar mais minha leitura.
Mesmo sem ir a escola a professora passava-me as lições e
depois corrigia os deveres. Foi com muita força de vontade
que aprendi.

Outro tipo de escola que aparece nas obras são as escolas rurais. Fo-
308 ram referenciadas em quantidade diminuta, ou seja, nove vezes nas obras
paraibanas, oito nas mineiras, oito nas piauienses e sem qualquer indica-
ção, como já referimos anteriormente, em relação ao estado de Sergipe.
Essas escolas, no caso do Piauí, muitas vezes funcionavam na casa
de moradores da região. J. Oliveira (1997, p. 38) relembra uma que fre-
quentou: “Pouco tempo depois, começou a funcionar uma escolinha
na casa do Antônio Pedro, com a professora Susa, e lá estava eu para
aprender a ler e escrever”. Moura (2009, p. 84) relembra que: “durante a
década de 1940 foi passar um tempo na casa do avô, com a finalidade de
freqüentar as aulas do pai, agora na casa de Izac Pereira, no lugar Diogo
(do outro lado do rio)”.
No caso da Paraíba, elas são apresentadas, normalmente, como
aquelas que simplesmente se situavam no meio rural12, quase sempre
próximo a sede de uma grande propriedade rural. Sobre essa caracte-
rística em termos de localização temos o exemplo da escola do profes-
sor Gastão Estelita de Barros, que funcionava em uma dependência nos
fundos da casa-sede da Fazenda Santa Maria, localizada no município
de Taperoá, Sertão paraibano e que fora construída pelo seu proprietá-
12 Fazemos essa ressalva porque aqui não estamos pensando em uma escola que tenha como suporte
para o seu funcionamento a cultura rural, com uma estrutura didático-pedagógica baseada na hete-
rogeneidade de escolarização e que disponha de uma estrutura organizativa e administrativa singu-
lar, adaptada às características e necessidades inerentes aos contextos onde se encontram instaladas.
(BOIX, 2004).Assim, normalmente essas escolas, apesar de se encontrarem no meio rural seguem os
padrões de ensino definidos, majoritariamente, para o meio urbano.
Capítulo 8

rio, Melquíades Vilar, entre os anos de 1929 e 1930. (TERCEIRO NETO,


2002). Outra importante referência é a Escola Rural de Campinas, locali-
zada no município de Mamanguape, no litoral norte paraibano:

Especialmente convidado pela senhorita Julieta Fonseca


Lima, professora da escola Rural de Campinas, deste mu-
nicípio, lá estiveram os Drs. Sabiniano Maia, Prefeito; Cló-
vis Lima, Promotor Público e João Batista, Advogado.
Recebidos gentilmente pela professora, penetram os visitan-
tes no salão, ao som do hino de ‘João Pessoa’, cantado pelos
alunos, depois do que usou da palavra o Dr. Clóvis Lima,
para encerrar o ano escolar. Revelou o orador conhecimen-
tos pedagógicos, mostrando verdadeiro interesse pela ins-
trução. Frisou ainda, o orador a sua admiração, os aplausos
pelo gosto da professora Julieta Lima, mantendo sua escola
em perfeita ordem disciplinar, asseio apurado e uniformida-
de no aproveitamento de cada aluno. (MAIA, 1981, p. 106).

Escolhemos propositadamente essas duas passagens, pois, apesar de


se tratarem de escolas rurais, apresentam origem e manutenção distintas.
A primeira foi organizada com recursos privados, ou seja, pelo proprietá-
rio da fazenda e a segunda era mantida com recursos municipais.13 309
Esse aspecto também nos remete a outro indicativo com o qual aqui
também trabalhamos, ou seja, o ato fundador de escolas primárias, as-
pecto esse que passamos a discutir.

O ato fundador de escolas primárias e os


espaços escolares

Com a análise do modo como aparecem os atos de inauguração


das escolas na documentação analisada, procuramos perceber o modo
como a instalação de escolas primárias é representada pelas adjetiva-
ções e descrições das solenidades que marcavam a abertura das esco-
las primárias.
Freire (1997, p.35) relembra a abertura da escola primária pública fe-
deral denominada Patronato, em 1930, na cidade do Serro, Minas Gerais:

O Patronato: sob esse nome pomposo, abriu-se, um dia,


13 Há, no entanto, na obra de Torres (1989), diversas páginas destinadas ao desenvolvimento ruralis-
ta, envolvendo a participação da Igreja Católica (Ação Católica Rural) no sindicalismo rural (Ligas
Camponeses) e na organização, em 1952, da I Semana Ruralista de Areia, em parceria com a Escola de
Agronomia do Nordeste.
História da Escola Primária no Brasil

largo sorriso de esperança na alma serrana! Instituição


federal, criada pelo governo da República, com a finalida-
de de amparar, sustentar e educar meninos da nossa re-
gião. Foi, sem dúvida, acontecimento de vicentinos amo-
res para a gente católica dos Serros-do-Frio. A sociedade
serrana, de modestas feituras, viu-se, de momento, enri-
quecida com o crescimento, em seu meio, de portentosa
burocracia, frondosa e esgalhada, na listagem de diretor,
vice, chefes, mestres, professores, agrônomos, auxiliares,
porteiros, zeladores, faxineiros, bedéis e outros tantos.
Também mestre-cozinheiro, com ajudantes, para fazer co-
mida farta, em fogão de lenha. Bom demais, importante
demais para uma região pobre e desprotegida, perdida
por essas bandas das nossas Gerais! Alumiaram-se consi-
derações de sociais feituras, com sonhados e fulgurantes
dias de real progresso, nas oficinas das letras, das artes e
dos ofícios. Menores até então desamparados, sem as mí-
nimas possibilidades de melhores dias, teriam finalmente
um abrigo, um amparo, uma definição, quanto aos vati-
cínios dum futuro melhor! E o povo serrano, iluminado,
batia palmas de alegria, rendido do mais justificado sen-
310 timento pátrio.

Nas obras consultadas referentes à Paraíba, também encontramos


muitas passagens referentes ao ato de fundação de vários tipos de es-
colas primárias, especialmente relacionados aos grupos escolares.14 As
referências contêm uma grande variedade de informações relaciona-
das aos atos de fundação que vão desde a indicação oficial, ou seja, o
número do decreto, da lei, passando pela nomeação dos benfeitores,
normalmente o chefe político da cidade (prefeitos, vereadores, “coro-
néis”), às vezes contando com a presença de governadores e deputados
estaduais, além das “autoridades ilustres”, tais como religiosos (páro-
cos e madres), juízes, médicos, farmacêuticos, professores, também re-
conhecidos como pessoas relevantes na vida social e cultural da cidade/
município. Ligados a essas informações encontramos relatos sobre as
festividades propriamente ditas, as solenidades de inaugurações, os
discursos, as poses para as fotografias oficiais.
Nesse sentido, transcrevemos abaixo dois relatos: um primeiro, es-
crito por Rodrigues (2008), referente à escola rural na zona rural de Ma-

14 Nas obras consultadas, também encontramos um número significativo de relatos obre a criação, inau-
guração de ginásios, colégios (confessionais e não confessionais), escolas de 1º e 2º graus, institutos,
escolas profissionalizantes, incluindo as normais e faculdades, universidades e/ou cursos superiores
específicos. Contudo, todos esses tipos de instituições estão fora do universo de nossa pesquisa, que
se restringiu, conforme já ressaltado anteriormente, à escolarização primária.
Capítulo 8

manguape; e um segundo, escrito por Lucena (1996) sobre o grupo esco-


lar e o seu respectivo pavilhão infantil, localizado na cidade de Araruna:

A Escola Rural de Campinas foi instalada em 15 de setem-


bro de 1933. A história desta Escola é interessante: a) foi
criada pelo Interventor Federal, Dr. Gratuliano Brito; b) foi
construída pelo povo de Campinas; c) o mobiliário: 10 ban-
cos (para os alunos), mesa e 1 cadeira de braço (para a pro-
fessora) e 1 quadro negro foram fornecidos pela Prefeitura.
Com a ampliação ocorrida em dezembro do mesmo ano, a
escola ficou com um salão de 9 metros de comprimento por
5 de largura, além de um apartamento para a residência da
professora. (RODRIGUES, 2008, p. 179).

A cidade dispunha de luz elétrica e já possuía o Grupo Es-


colar Targino Pereira, irmão de José Targino. O nome do
educandário era uma homenagem a Targino Pereira da
Costa (Coronel Gino) genitor do prefeito.
Em 1937, para atender ao grande número de alunos, foi
construído, na administração Luciano Morais, o Pavilhão
Infantil do Grupo Escolar Targino Pereira, um anexo que
311
passou a ocupar o único terreno vago que ainda existia em
frente ao Largo da Matriz. (LUCENA, 1996, p. 120).

Os atos inaugurais relativos a escolas, também se fazem presentes


na documentação analisada para o Piauí, referindo-se, especialmente,
às instituições oficiais ou com maior número de alunos.
Para além da descrição dos atos de fundação de escolas primá-
rias, verificamos também que a memória da localização dos espaços
escolares aparece na documentação analisada, possibilitando perce-
ber a dinâmica da instalação das escolas no município e observar
uma cartografia dos lugares onde a escola é lembrada como marco
espacial importante.
Assim, Chagas (1990, p.1) lembra a localização do Grupo Escolar
General Siqueira, em Aracaju, Sergipe: “[...] o Grupo Escolar General
Siqueira funcionava na Avenida Ivo do Prado, no prédio onde fun-
cionou a Secretaria da Educação e onde hoje se encontra o Museu do
Homem Sergipano”.
A localização da escola aparece, igualmente, como referência para
outros espaços, como faz Monteiro (1995, p. 1) sobre Laranjeiras, Sergi-
pe: “[...] das recordações da infância em Laranjeiras, lembro dos jogos
de bola que participava na Praça da Matriz e na Praça do Grupo Es-
História da Escola Primária no Brasil

colar.”. Assim como a da Matriz, a praça em frente ao grupo escolar é


lembrada tendo como referência esse estabelecimento escolar.
Em Curvelo, Minas Gerais, Cardoso (1968, p. 21-22) relembra:

Tínhamos de fazer uma longa caminhada até chegarmos


à rua Direita, onde se achava a escola. Era a rua me-
lhor e mais elegante da cidade, morando nela as pessoas
mais ricas e importantes da terra, inclusive o nosso mé-
dico, Dr. Antonico, irmão de vovó. Almoçávamos cedo
e saíamos com as nossas cestas cheias de livros e cader-
nos. Foi o meu melhor tempo. [...] Não demorou muito
e a escola mudou-se para um prédio melhor, num pon-
to mais sossegado, apesar de menos elegante. Era uma
casa baixa, situada numa esquina, de janelas amplas e
bem ventilado.

Em relação à Paraíba, Araújo (2010, p. 143) destaca que ele passou


a perceber a importância que tinha a rua na qual havia crescido em vir-
tude da construção da

[...] Escola Normal Arruda Câmara, o Grupo Escolar João


312 da Mata e ainda o posto de Puericultura e o Posto Médico,
que antecederam ao hospital Sinhá Carneiro. Todavia, a
construção dessas importantes obras fez com que as aten-
ções da população voltassem para nossa rua.

Na mesma perspectiva, Rodrigues (2008, p.180), ressalta que o Gru-


po Escolar Professor Luiz Aprígio

[...] foi criado e construído pelo Governador Argemiro de


Figueiredo de acordo com o Decreto-Lei de 01 de abril
1939. Está localizado à Rua Presidente João Pessoa, na par-
te baixa da cidade. Este Grupo Escolar foi, durante mais de
vinte anos, o único estabelecimento público de ensino da
cidade de Mamanguape.
Em 1956, o autor fez a primeira série primária neste Grupo,
apesar de já estar alfabetizado.

Para o Piauí, os livros analisados lembram os locais de funcionamen-


to da escola e a estrutura física dos prédios e das primeiras construções de
espaços físicos para o funcionamento de escolas, uma novidade importan-
te no espaço das cidades, espalhadas, especialmente, em maior quantida-
de depois de 1930.
Capítulo 8

Vasconcelos (2006, p. 49) relembra os espaços do Grupo Escolar


Valdivino Tito, de Campo Maior, Piauí:

Era um prédio relativamente grande, composto de cinco


salas de aula com capacidade para 40 alunos e demais de-
pendências. Construído em bom terreno (uma quadra),
tinha espaço suficiente para as aulas de educação física, es-
portes, pistas de corrida, instrumentos de ginástica e tudo
mais que era exigido para receber um batalhão de meninos.

Rufino (1997, p. 53) também lembra o processo de construção de


prédios escolares em Ipiranga, Piauí:

Convém lembrar que, até 1956, as aulas eram efetuadas em


salões doados pelo grupo político dominante do momento.
Quanto a manutenção do professor, se esse fosse de outra
cidade, quem mantinha era o grupo político. A partir de
1957, foi construído o prédio do grupo escolar que cons-
tava de uma sala de aula, uma área coberta para recreação
e casa do vigia, sendo que esta servia também de sala de
aula, quando não era utilizada como residência por algu-
ma família.
313

Rever esses espaços e os atos ligados à sua inauguração é demarcar


um lugar para a escola na cidade em relação a outros marcos que ela
possui, bem como revela-se importante para pensar a expansão dos pré-
dios e os usos do espaço escolar, em diferentes momentos.

Os Sujeitos

São os sujeitos vinculados à vida escolar, especialmente aos primei-


ros professores, que mais são recordados pelos autores, tanto dos livros
de memórias quanto dos livros sobre a história dos municípios/cidades.
Poderíamos arriscar que boa parte das lembranças sobre as instituições
educacionais e escolares são perpassadas pela recordação do trabalho
desenvolvido pelos docentes, incluindo as atividades de direção, princi-
palmente quando se trata dos grupos escolares. Isso ocorre, mesmo con-
siderando as transformações proporcionadas pelo grupo escolar quando
da junção de um maior número de docentes no espaço escolar. É o ter es-
tudado com determinado professor que aparece de modo mais frequente
em praticamente todos os textos analisados dos quatro estados.
História da Escola Primária no Brasil

Todavia, os amigos e colegas dos tempos de escolarização, bem


como outros sujeitos que pertencem ao cotidiano escolar, são também
fartamente lembrados.
No caso de Sergipe, selecionamos os seguintes trechos:

No Grupo Escolar Vigário Barroso conheci a professora


Rosita Madalina. (SILVEIRA, 1995, p. 1).

O primário aconteceu no Grupo Escolar Tobias Barreto,


com a professora Dona Senhora. E, depois passou a ser
aluno da professora Mariana. (LYRA, 1998, p. 1).
Com minha tia Rosa, aprendi as primeiras letras no balcão
da loja de meu pai [...] Em 1924, vim estudar em Aracaju
no Grupo Escolar Barão de Maruim onde conclui o curso
primário. Tive uma professora extraordinária, a professora
Marieta Fraga, disciplinadora e competente (GARCIA FI-
LHO, 1990, p. 1).

No Grupo Escolar Fausto Cardoso, na cidade de Simão


Dias recebeu os ensinamentos da competente professora
Agnor Hora da Fonseca (MOREIRA FILHO, 1993, p. 1).
314
No Grupo Escolar Fausto Cardoso lembro com muito cari-
nho da minha professora Dona Aliete, talvez deva a ela a
persistência de querer fazer sempre bem feito, tudo a que
me proponho. Apesar das palmatórias que ela me dava,
ficou a lição da determinação. Outra professora de quem
tenho boas lembranças é Dona Joselice (VALADARES
NETO, 2001, p. 1).

No Grupo Escolar General Valadão, com a professora Pu-


reza, aprendi a somar, multiplicar e dividir, além de ou-
tros conhecimentos.[...]
No Grupo Escolar General Valadão teve uma boa base
escolar passada pela velha mestra, responsável por todas
as lições do curso primário que realizou com dedicação e
muito entusiasmo. Interrompeu os estudos tão logo termi-
nou o 4º. Ano primário pela necessidade de trabalhar [...].
(SANTIAGO,1999, p. 1).

O curso primário aconteceu no Grupo Escolar Manoel Luis


em Aracaju, com a professora Possidônia. Passou a conhe-
cer as letras, sempre acompanhado pelo olhar firme de
Capítulo 8

dona Carlota, diretora do grupo, que não descuidava de


nenhum de seus alunos. Diz ser uma pessoa muito impor-
tante na sua vida. “Dona Carlota me marcou muito e por
ela tenho uma grande atenção”. Um aluno que saía bem
nos deveres e pelo esforço na aprendizagem conseguia es-
capar da corretiva régua nas mãos, dada pelos professores
da época. (ALMEIDA, W., 2012, p. 1).

Entre os livros de memória relativos a Minas Gerais, aqui desta-


camos Botelho (1976, p.74) que inicia as lembranças de seus tempos de
escola da seguinte maneira:

Naquele tempo Leopoldina era atraso só, não havia in-


dústria, colégio, a não ser as escolas públicas, regidas
por professores não diplomados e mais burros do que
eu. O professor ensinava na base da palmatória e do
caroço de milho. Eu frequentei essas escolas, mas feliz-
mente a maioria regida por mulher; só tive um professor
homem, era Sô Olímpio – Olímpio Clementino de Paula.
As minhas professoras foram D. Elvira Fraga e Lourdes
Perlingeiro (solteira e bonita), que era mais instruída e
humana. D. Elvira, já velha, brava, me conhecia bem, eu 315
era de amargar.

O mesmo autor menciona a relação com os colegas:

D. Elvira me chamou e me deu muitos conselhos para


que eu não fizesse mais aquelas coisas e estudasse, senão
ela mandava carta à mamãe contando o que eu fazia. Aí
eu melhorei bem, mas o que me melhorou mesmo foi
uma boa sova que os colegas me deram. (BOTELHO,
1976, p. 75).

Semelhantemente ao que foi descrito em relação aos estados de Ser-


gipe e Minas Gerais, na Paraíba esses personagens educacionais são far-
tamente apresentados, inclusive com dados biobibliográficos, ou seja, os
autores não apenas os qualificam como dóceis, meigos, enérgicos, violen-
tos, mal humorados, competentes, qualificados, mas também descrevem
os seus aspectos físicos, morais, religiosos e amorosos. Relatam, também,
a prática de apadrinhamento para a contratação de professores, pelas pre-
feituras ou pelo governo do estado, denunciando. Não raras vezes, rela-
tam que nem sempre aquele determinado professor estava qualificado/a
para exercer a função de educador. Acompanhemos alguns relatos:
História da Escola Primária no Brasil

Em 1939, chegou à fazenda Santa Maria o professor Gastão


Estelita de Barros, do Recife. Solteirão, austero, magro alto,
orelhudo, sizudo [sic], nunca ria. Desligou-se da família pa-
rece que por divergências políticas, tornando-se empregado
da empresa construtora da linha férrea Campina Grande -
Patos, no trecho Areia de Baraúna - Salgadinho. À noite, sob
barracas dos acampamentos, ele desasnava os cassacos de
mãos grossas. Pequenos proprietários na serra próxima, le-
varam-no para ensinar à meninada em escolas improvisadas
nos seus sítios. O mestre tinha depressões e ingeria aguar-
dente em dosagens excessivas. Foi aos poucos abandonando
o vício e dedicando-se ao magistério. (TERCEIRO NETO,
2002, p. 109).

Clodomiro Leal foi um mestre escola à antiga. De aspecto


doentio, descarnado, rosto anguloso e expressão amargu-
rada, apresentava deformidade física de possível etiologia
remastimal anquilosante, que limitava sua capacidade de
andar e o mantinha quase sempre preso à sua mesa de tra-
balho. Buscava compensar as deficiências somáticas com
exigências de aprendizagem, firmadas no antigo método
316 de sabatinas e aplicação de castigo corporal aos que apre-
sentavam menor agilidade de raciocínio ou deficiência de
memorização de conhecimentos. (SALES, 1990, p. 151).

Dentre os professores que contribuíram de forma significa-


tiva para formação dos jovens remigenses, existe um nome
de mulher. Mulher com nome de flor – Dona Rosinha. Ex-
traordinária dama, cuja memória precisa ser preservada
como ornamento de nossa história.
Durante trinta e sete anos alfabetizou crianças, ao tempo
em que as preparava para a “primeira comunhão”. Era um
tipo franzino de estatura baixa, pele clara, cabelos pratea-
dos. Suas vestes eram limpas de cores discretas e as mangas
compridas como eram convenientes para sua religiosidade.
Falava alto, com sotaque nordestino pronunciado. Pigarrea-
va com frequência e para melhorar, valia-se de sementes de
erva-doce que nunca faltavam sobre sua mesa de professora.
Estava sempre em movimento, andar apressado e passo fir-
me. Excessivamente religiosa sem a inutilidade da clausu-
ra, dava-me a impressão que desperdiçava seus momentos
quando, ajoelhada e silenciosa deixava correr as contas de
seu rosário para um instante de intimidade com Deus. O tra-
Capítulo 8

balho foi sua verdadeira oração e o convento teria certamen-


te frustrado sua santidade. (SERAFIM, 1992, p. 97).

Dona Dorinha, como era conhecida, chegou na Lagoa do


Remígio em 1935 acompanhada do Padre João Coutinho
que a recomendou à pequena sociedade do povoado.
[...] em todas as turmas, contava com mais de cem alunos
o que era uma tarefa pesada para a jovenzinha de físico
delicado. O espírito porém, impregnado de religiosidade
fê-la cumprir a missão em toda sua plenitude.
Lagoa do Remígio lhe marcou a vida, não só pelo primeiro
impacto com a atividade profissional, mas também, porque aí
conheceu a Manoel Guedes Pereira, o homem com quem ca-
sou para formar uma união feliz e duradoura. Deixou Remí-
gio em 1942, transferida para Areia. (SERAFIM, 1992, p. 102).

Para o Piauí, os primeiros professores, a forma de acesso à pro-


fissão, as disputas por espaço entre normalistas e leigos, listagem de
professores de estabelecimentos escolares e práticas pedagógicas es-
tão presentes de forma marcante nesses textos, como ilustram os tre-
chos seguintes:
317
Outra escola foi a de Da. Estefânia Conrado, que funcio-
nou à rua São João, também: velha de braços finos e de
bolos seguros, doedores. O caboclo prá aguentar 4/6 bo-
los de palmatória dela era preciso ter tutano. (NUNES,
1993, p. 89).

A escolha de professores para Ipiranga era realizada ten-


do em vista a facção partidária dominante em Oeiras, ora
os Ribeiro de Carvalho, ora os Rocha Neto, havendo, por-
tanto, sempre um rodízio dos professores que atendiam
Ipiranga nas décadas de 1940, 1950 e 1960. (RUFINO,
1997, p. 53).

Aos sete anos fui estudar em escola pública para cursar o


primário com aulas ministradas por professoras enérgicas
e qualificadas, como dona Cotinha Carvalho e dona Guio-
mar Fialho. (OLIVEIRA, S. 2002, p. 20).
Começávamos o primário sempre no Miranda Osório
(Grupo Escolar). Que saudades de D. Alda e D. Elda, lin-
das e filhas e famílias influentes e por quem todos nós sus-
pirávamos. (ARAKEM, [1988?], p. 13).
História da Escola Primária no Brasil

Da. Rosinha tinha uma escolinha. Sem livro, sem biblio-


teca, sem quadro de giz, sem mapa-múndi, sem carteiras
escolares. (MELO, [1999], p. 49).

Tive o privilégio de estudar os dois últimos anos do


curso primário com a prof.ª Luisa Oliveira, conside-
rada uma das melhores da capital. Era uma professo-
ra muito competente, com excelente didática e muito
dedicada à sua profissão (FURTADO, [2007], p. 20).

As lembranças de colegas e ações realizadas na escola estão pre-


sentes nesses escritos sobre a escola no Piauí, demarcando a interação
desses sujeitos com o espaço e os outros nele presentes:

Aos seis anos fui matriculado no primeiro ano primário.


A escola de D. Maria Edite Sales junto com a da dona Edi-
méia, quase uma em frente da outra, eram as melhores, e
nós, os alunos disputávamos quem era a melhor, havia dis-
cussão e, às vezes, até briga nos intervalos. Dessa turma me
318 lembro do Albertinho Furtado, da Rita de Sousa, do pato
Donald que morava na casa do Ronaldo Mavinier. Nunca
esqueci a palmatória de madeira que ficava na carteira dela
(profa. Maria Edite) e do sinal que tinha no queixo com um
cabelo comprido na ponta, acho que era de estimação pois
nunca o cortava. Ela colocava a gente de frente a frente e
fazia uma pergunta para um e para o outro, o que errava,
levava um bolo do que acertava [...].
Ali fiz bons amigos: Ferdinand Portela, Edmar Portela,
Daltro Ibiapina (todos sobrinhos de D. Dulcila), Amin-
tas Castelo Branco, seu irmão Valter, Nonon, Audi,Vasco
Andrade, Edmar e DePaula Piau, Afonso, Anísio,Mil-
ton Bacurau, Geraldo Raulino e muitos outros, amiza-
des que algumas se mantêm até hoje. (VASCONCELOS,
2006, p. 31; 52).

Se compararmos as descrições feitas dos professores com aque-


las das professoras, podemos perceber que os primeiros são quase
sempre adjetivados como ásperos, grosseiros, sisudos, enquanto que
para as professoras, mesmo quando utilizam castigos físicos, são res-
saltadas as características relacionadas à competência, delicadeza e à
Capítulo 8

religiosidade. Essas representações serviram (e ainda servem!) para


justificar e estimular a participação das mulheres como as mais bem
qualificadas para serem professoras nas séries iniciais, contribuindo,
inclusive, com o processo de “feminização” da educação hoje conhe-
cida como fundamental.

319
Considerações finais

O trabalho com livros de história de municípios/cidades e autobio-


grafias possibilitou uma compreensão dos processos de constituição da
rede escolar a partir do esforço de memorialistas e historiadores locais
de inventariar os modos como essa escolarização ocorria e de relacionar,
para conhecimento especialmente dos munícipes, a história da cidade.
Ao escrever essas histórias, fortemente ocasionadas pelos vínculos
com a cidade/município historiada, os autores registram aspectos do
desenvolvimento educacional que apontam sujeitos, espaços e intera-
ções importantes para a compreensão da dinâmica da vida escolar.
Criação, extinção, consolidação de escolas são nelas apontadas
em suas relações com a cidade e os sujeitos. Temporalidades escolares
e relações de diferentes grupos sociais com a escola aparecem nessas
histórias e memórias. Os diferentes sujeitos da escola e suas ações são
apresentados, indicando modos de viver o papel de docente e diretor de
diferentes maneiras.
Os espaços escolares, suas regras e usos surgem em narrativas de
comparação, muitas vezes implícitas, com o hoje, indicando as mudanças
e permanências na ação educativa da escola.
Em que pesem especificidades entre os estados aqui comparados,
as obras analisadas apontam semelhanças relacionadas a ações educa-
tivas, atos inaugurais, instalações, sujeitos e léxico em torno da escola.
Isso nos leva a pensar em uma circularidade de ideias em torno da es-
cola, especialmente considerando o processo de maior centralização do
período histórico por nós analisado.
O exercício de comparação aqui esboçado, como já afirmamos, é
árduo, e ainda estamos aprendendo a fazê-lo. Compreendemos, porém,
que conseguimos traçar, em nossos trabalhos iniciais, caminhos impor-
tantes para a comparação.
Outra questão fundamental a ser observada é que nosso trabalho
apenas inaugura uma importante possibilidade para um novo campo
de discussão para a história da educação, a partir do estudo e da análise
dos livros de histórias de cidades e/ou municípios, fonte farta em vários
estados brasileiros, porém muito pouco ou quase nada investigada pe-
los historiadores brasileiros da educação.
Referências

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9.
MÉTODOS DE ENSINO E RENOVAÇÃO EDU-
CACIONAL NA PRODUÇÃO
EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Vera Teresa Valdemarin - UNESP


Heloísa Helena Pimenta Rocha - UNICAMP

Um dos eixos de investigação do projeto de pesquisa Por uma


teoria e uma história da escola primária no Brasil1 dedicou-se ao es-
tudo do método de ensino intuitivo, o que permitiu aferir a grande
importância que lhe foi atribuída na constituição da escola primária
brasileira desde meados do século XIX e, particularmente, a sua cen-
tralidade na definição do que era considerado moderno em termos
educacionais. A documentação coligida e analisada atestava sua cir-
culação em diferentes províncias e estados brasileiros até as primeiras
décadas do século XX, sendo possível constatar o uso recorrente da
prescrição legal para fazer “[...] do método de ensino a figura da mu-
dança, elemento pedagógico que deveria se materializar em leis, ges-
tos, práticas, procedimentos e materiais didáticos” (VALDEMARIN;
TEIVE; HAMDAN, 2013, p. 246).
Com a instauração da República, que preconizava a instrução como
um dos principais pilares de sustentação do regime político, diferen-
tes estados atuaram para a criação de sistemas educacionais condizen-
tes com tais propósitos. Conforme apontaram os estudos de Carvalho
(1989) e Souza (1998) sobre o estado de São Paulo, as iniciativas repu-
blicanas fizeram da visibilidade a estratégia para afirmação dos símbo-
los de suas realizações. Prédios monumentais, localizados em regiões
centrais, construídos com técnicas avançadas e materiais de qualidade
tornaram as escolas referências para as cidades então nascentes. A or-
ganização interna do trabalho docente, potencializada pela arquitetu-
ra, fez dos grupos escolares o modelo educacional a ser conquistado.
A formação de professores observada e praticada nas escolas normais
e escolas modelo anexas tornou-se exemplo de novos padrões formati-
vos e o conjunto de materiais necessários ao desenvolvimento do méto-
1 O projeto de pesquisa Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil – investigações
comparadas sobre a escola graduada (1870–1930) foi coordenado por Rosa Fátima de Souza, recebeu
financiamento do CNPq e reuniu 27 pesquisadores de 17 Programas de Pós-Graduação em Educação
de 15 estados brasileiros. A pesquisa foi organizada em quatro eixos temáticos: 1) significados, iniciati-
vas e práticas articuladas ao método de ensino intuitivo; 2) cultura material escolar; 3) representações
sociais sobre os grupos escolares; e 4) institucionalização da escola graduada nos estados brasileiros.
Ver Souza, Silva, Sá (2013).
História da Escola Primária no Brasil

do de ensino conferiu conotações positivas às escolas que o possuíam.


Nesse processo, entrelaçavam-se, com base nas mesmas justificativas,
princípios doutrinários, pretensões políticas, profissionalização dos
professores e prescrições para a prática pedagógica, todos voltados para
a modernização da sociedade, embora houvesse variações no sentido
atribuído a essa expressão.
Quando esse modelo educacional adotado no início do período
republicano começou a evidenciar, de diferentes formas, o não cum-
primento dos ideais pretendidos – insuficiência de escolas para todos
devido ao aumento da população infantil, inexistência dos recursos
financeiros necessários, recrudescimento das demandas advindas da
transformação das cidades – novas concepções pedagógicas emergiam
no cenário educacional internacional como possibilidades para o en-
frentamento desses problemas. Em decorrência das investigações da
psicologia experimental sobre o desenvolvimento infantil, bem como
de mudanças dos ideais formativos e da função social atribuída à es-
colarização, as prescrições metodológicas para o ensino também foram
reorientadas no sentido de dar sustentação prática a essas novas con-
cepções. Tais transformações instauram o que Escolano (2006, p. 23) ca-
racterizou como “[…] un nuevo conjunto de prácticas, discursos y mo-
dos de organización que afectarán a la configuración de las instituciones
332 educativas, del arte de la enseñanza y del oficio de docente”.
Há, no entanto, diferenças quanto ao ritmo de elaboração das con-
cepções teóricas (mesmo daquelas amparadas na experimentação) e de
sua disseminação e apropriação. Escolano (2006, p. 30) adverte que, na
introdução de inovações educacionais, nem sempre se levam em conta
“[...] los hábitos y códigos de los docentes encargados de aplicarlos en
las aulas, y la escuela real siguió en buena medida atada a sus rutinas
tradicionales”; na mesma direção, Julia (2001, p. 23) afirma que:

[...] no momento em que uma nova diretriz redefine as fi-


nalidades atribuídas ao esforço coletivo, os antigos valores
não são, no entanto, eliminados como por milagre, as anti-
gas divisões não são apagadas, novas restrições somam-se
simplesmente às antigas.

Assim, a investigação de questões relacionadas aos processos de


ensino, sobretudo quando incide sobre mudanças e tentativas de ino-
vação, não pode desconsiderar as tensões a elas inerentes. Há agentes e
um sistema de apoios e dispositivos envolvidos com os valores e con-
cepções designados como novos que encontram resistências de outros
agentes e sistemas imbuídos da validade das concepções e dos procedi-
mentos sancionados pelo uso, que se constituem como polos de embate
Capítulo 9

e mesmo de contradição e, justamente por isso, apontam a necessidade


de novas pesquisas.
É sobre esse contexto de transformações que incide a proposta de
continuidade das investigações reunidas no projeto História da esco-
la primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada (1930–
1961)2, cujos resultados gerais são agora apresentados.
Reconhecendo que nessas mudanças estão indissociavelmente im-
bricados diferentes âmbitos do conhecimento educacional, a análise fo-
caliza particularmente questões relacionadas ao processo de ensino, aos
modos prescritos para por em funcionamento novas práticas pedagógi-
cas e viabilizar, por meio delas, novos valores e concepções. À retórica
da inovação deveriam juntar-se procedimentos para gerir os trabalhos
escolares diários, arranjos temporais e graduados de conteúdos, que se
constituiriam como mediação entre as inovações pretendidas e a ação
escolar cotidiana.
Assim, o método de ensino permanece como um dos eixos temáti-
cos, buscando-se, por meio de sua análise, examinar as mudanças rela-
cionadas à renovação pedagógica, tendo em vista a inflexão desencade-
ada a partir da difusão de um conjunto de proposições que podem ser
reunidas sob a denominação de Escola Nova. É possível mesmo afirmar
que as concepções da Escola Nova não definiram um método de ensi-
no específico (com as conotações simbólicas que o método de ensino 333
intuitivo possuía, por exemplo), mas, assentadas em proposições me-
todológicas gerais e nos processos cognitivos da infância, tais concep-
ções admitiam uma grande variedade de práticas pedagógicas. Nessa
chave de análise, os investimentos de pesquisa objetivaram contribuir
para a reflexão acerca dos significados, das iniciativas, das práticas e do
alcance da renovação fundamentada nas concepções educacionais que
se tornaram preponderantes entre os anos de 1930 e 1961 na educação
brasileira, de modo a oferecer elementos para a compreensão dos senti-
dos adquiridos pelas preocupações em relação aos processos de ensino,
articuladas aos novos ideais formativos.
Frente à dificuldade para examinar essas questões nos diferentes
estados brasileiros, optamos por recenseá-las na produção de Progra-
mas de Pós-Graduação e em periódicos nacionais de grande circulação.
Nessa abordagem, a comparação, estratégia de análise que anima todo
o projeto, é um recurso mobilizado para examinar os deslocamentos
temporais do próprio tema que, na produção examinada, pode estar
articulado ao estudo de instituições educacionais, de formação de pro-
fessores e do ensino de conteúdos específicos.
O recenseamento da produção brasileira sobre o tema foi realiza-
do a partir do Banco de Teses da CAPES (1987–2012) e de periódicos
2 Foram mantidos os eixos temáticos e novos pesquisadores a eles se agregaram.
História da Escola Primária no Brasil

especializados em História da Educação publicados no país3: História


da Educação (1997–2013)4, Revista Brasileira de História da Educação
(2001–2013)5, Cadernos de História da Educação (2002–2013)6 e Revis-
ta Histedbr On-line (2008–2013)7. Com base nesse levantamento, pre-
tende-se caracterizar como a renovação metodológica foi focalizada nos
estudos, discutir as interfaces com outros aspectos educacionais e pe-
dagógicos, compreender seus deslocamentos e as novas configurações
assumidas, bem como indicar sua presença nos estudos realizados em
diferentes estados brasileiros.

O método de ensino nas teses e dissertações

O levantamento no Banco de Teses da CAPES foi realizado em me-


ados de 2013 e no início de 2014 e, portanto, baseou-se em diferentes
configurações do Banco de Dados que passa, atualmente, por remode-
lações. Considerando a ausência de padrões para indexação e eleição de
palavras-chave, foi utilizada na busca a expressão “escola nova”, isto é,
a referência de maior amplitude do tema em todos os campos. Os resul-
tados, quantificados no Quadro 1, mostram uma grande variedade de
334 estudos sobre essa concepção doutrinária.

Quadro 1 – Teses e dissertações (1987–2012)


Período Dissertações Teses Total
1987–2000 28 7 35
2001–2012 79 16 95
Totais 107 23 130

Fonte: Elaborada pelas autoras.

A simples quantificação aponta o crescimento expressivo dos es-


tudos sobre a Escola Nova na última década, principalmente no que

3 As autoras agradecem à bolsista Rafaela Cremasco, pelo trabalho de levantamento e organização dos
dados dos periódicos nacionais.
4 Periódico mantido pela Associação Sul-Rio-Grandense de pesquisadores em História da Educação –
Asphe/RS. Publicada desde 1997, a Revista História da Educação teve periodicidade semestral até
2006, quando passou a ser quadrimestral.
5 A Revista Brasileira de História da Educação é a publicação oficial da Sociedade Brasileira de História da
Educação (SBHE). Entre 2001 e 2006, foi publicada semestralmente, passando em 2007 a ter periodicidade
quadrimestral.
6 Publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Criado em 2002, o periódico teve periodicidade anual até
2008, passando a partir de então a ter periodicidade semestral.
7 Periódico publicado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” –
HISTEDBR da Faculdade de Educação/UNICAMP.
Capítulo 9

diz respeito ao Mestrado, provavelmente como decorrência do fortale-


cimento dos Programas de Pós-Graduação. Quando analisados, ano a
ano, os dados indicam que o aumento numérico de trabalhos teve início
no ano de 2004 e, desde então, apresenta tendência de ampliação.
Foram analisados os 130 resumos de trabalhos selecionados e ela-
borado um quadro com entradas referentes ao ano e ao nível da produ-
ção, ao tema, às fontes e à região estudada, de acordo com as informa-
ções ali contidas. A maior dificuldade desse tipo de mapeamento reside
na classificação do tema, uma vez que os resumos, como é de se esperar,
procuram deixar evidentes para o leitor todas as relações e implicações
presentes no estudo e, nesses casos, o título do trabalho foi utilizado
como guia para possíveis delimitações. O resultado final dessa opera-
ção assemelhou-se mais a uma listagem e menos a um quadro classifi-
catório, motivo pelo qual a releitura dos resumos acompanhou todo o
processo de análise.8
O conjunto dos procedimentos adotados indica que, nos estudos
sobre o tema da Escola Nova, há grande diversidade nas perspectivas
de investigação e de interpretação, sendo possível, entretanto, perce-
ber o fortalecimento de algumas tendências.
Entre 1987 e 2000, a Escola Nova foi analisada majoritariamente na
perspectiva das relações entre educação e sociedade, enfatizando-se ora
os aspectos políticos, ora os aspectos econômicos, ora os aspectos sociais. 335
Na dimensão política, sobressaem o contexto autoritário e conservador
do Estado Novo liderado por Getúlio Vargas e o florescimento da concep-
ção escolanovista de cunho liberal, que marcaram, não sem contradições
e ambiguidades, a formulação legal desse período. As relações entre os
aspectos econômicos e sociais, tais como o desenvolvimento capitalista
brasileiro e a aceleração da industrialização com novas demandas para
a formação do trabalhador, foram cotejadas com os desdobramentos e o
alcance das reformas educacionais. Na maioria das pesquisas, diferentes
aspectos abordados entrelaçam-se à questão da modernização da socie-
dade para a qual a concepção pedagógica contribuiria com proposições
sobre a ciência e a técnica a serviço da formação e da instrução. Há tam-
bém trabalhos específicos sobre o embate religioso suscitado a par da di-
fusão dessa concepção pedagógica, abordado principalmente, mas não
exclusivamente, tendo o catolicismo como antagonista. As contribuições
da Psicologia e da Psicanálise imbricadas na renovação educacional tam-
bém são analisadas, embora em menor proporção.
Nesse conjunto de estudos, a menção a alguns intelectuais e a aná-
lise de suas obras são recorrentes, destacando-se entre eles: Lourenço
Filho, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Carneiro Leão, Paschoal
Leme, John Dewey, Everardo Backheuser, Ulisses Pernambucano, Lysi-
8 Procedimento semelhante foi adotado para o tratamento dos artigos publicados em periódicos.
História da Escola Primária no Brasil

maco Ferreira da Costa e Sampaio Doria. Em geral, reforça-se o prota-


gonismo que os autores tiveram na construção do ideário educacional e
das obras que se tornaram marcos da renovação, apontando-se impas-
ses, alinhamentos e desdobramentos práticos. Observa-se, além disso,
que as obras de cunho doutrinário são cotejadas com a legislação pro-
mulgada no período e, desse modo, constituídas como importante fon-
te documental para grande parte das análises produzidas, podendo-se
mencionar, ainda, a recorrente utilização de alguns documentos síntese
do movimento, como o Inquérito sobre a educação, realizado em 1926 por
Fernando de Azevedo, e o Manifesto dos Pioneiros da Educação. Dado que
a abordagem da maioria dos trabalhos é conceitual, o recorte mais re-
corrente é a educação brasileira tomada como um todo. No entanto, há
alguns que analisam reformas ou desdobramentos mais específicos que
incidem sobre os estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, então Distrito Federal e São Paulo.
As questões relativas aos processos de ensino – objetivo do levan-
tamento realizado – estão presentes em poucos trabalhos e anunciam,
pela ausência, que a expressão método de ensino não foi incorporada ao
léxico da Escola Nova. Mesmo que de forma crítica, as análises tendem
a pautar-se pelas questões mais enfatizadas nas fontes documentais e,
por isso, a renovação pedagógica é cotejada com as mudanças políticas,
336 econômicas e sociais pretendidas no período e com o arcabouço concei-
tual orientador dessas inovações.
No entanto, não se pode afirmar que o tema tenha simplesmente
desaparecido das pesquisas, mas sim que sofreu uma inflexão e foi arti-
culado a outros aspectos da educação. Com base nos dados das teses e
dissertações aqui analisadas, parece ser possível assinalar duas perspec-
tivas dessa inflexão. A primeira delas decorre do fato de que os textos
mais emblemáticos produzidos no período – tomados como fonte dos
estudos – não associaram a renovação a um método de ensino especí-
fico, mas apontaram várias possibilidades quanto aos procedimentos
didáticos com potencial para implementar os novos objetivos educacio-
nais; a segunda decorre do fato de que os estudos começaram a focalizar
o que se convencionou denominar de perspectiva interna da escola e os
processos de ensino foram articulados a instituições e sujeitos postos
no centro da cena pela validação teórico-metodológica de novas fontes
documentais. Dito de outro modo, a particularização das fontes revela
a presença das questões sobre como ensinar articuladas ao trabalho do-
cente, à organização das instituições escolares, aos periódicos educacio-
nais e aos indícios contidos em registros cotidianos.
Entre essas abordagens, deve-se mencionar o trabalho de Miguel
(1992), que analisa a pedagogia da Escola Nova, no âmbito da forma-
ção de professores primários no estado do Paraná, e descreve as trans-
Capítulo 9

formações curriculares decorrentes da legislação ocorridas entre 1920 e


1961, de modo a evidenciar as diferentes tendências que compuseram a
orientação de novas práticas formativas. Nery (1994) analisa um perió-
dico educacional paulista, publicado entre 1925 e 1927, e nele destaca a
presença de artigos sobre procedimentos de ensino e metodologias di-
vulgadas aos professores, contribuindo para a validação dessa tipologia
documental, que revela movimentos de difusão do debate educacional
e contempla aspectos do trabalho docente mais diretamente vinculados
aos procedimentos práticos. O trabalho de Schmidt (1995) também in-
vestiga a formação de professores no Instituto de Educação do Distrito
Federal e descreve as práticas renovadoras ali desenvolvidas que trans-
formaram a escola em campo de experimentação, com destaque para
a realização de inquéritos, investigações, seminários, novos métodos e
materiais para uso de alunos e professores, contribuindo para a com-
preensão das possibilidades práticas e metodológicas aliadas às novas
diretrizes pedagógicas. Beiser (1997) analisa a reforma educacional pela
ótica das transformações ocorridas no estado do Rio Grande do Sul e,
principalmente, do Instituto de Educação General Flores da Cunha, com
ênfase na atuação da professora Florinda Tubino Sampaio, consideran-
do suas ações para a renovação do ensino no estado. Casagrande (1998)
estuda o processo de modernização educacional ocorrido nos anos de
1930, focalizando especificamente a Escola Normal de Porto Alegre e o 337
curso de formação de professores, para detectar o arranjo estabelecido
entre elementos tradicionais do ensino e as inovações pretendidas; Brito
(1999) investiga especificamente a formação de professores desenvolvi-
da na Escola Normal de Patos de Minas e também constata a simbiose
entre elementos mais tradicionais e as novas diretrizes passível de ser
detectada em planos de ensino, pesquisa e no trabalho coletivo; o traba-
lho de Medina (2000) tematiza justamente a questão metodológica, ana-
lisando o método de ensino intuitivo como precursor das propostas es-
colanovistas e as articulações possíveis de serem estabelecidas entre as
duas concepções educacionais. Ainda no que diz respeito à renovação
dos recursos didáticos, deve-se apontar estudos sobre o rádio educativo
(D’ANGELO, 1994) e sobre o uso de audiovisuais no ensino da história
(MORAES FILHO, 1993), como recursos incentivados pelas políticas go-
vernamentais para a renovação pedagógica em curso no período.
Assim, o levantamento realizado indica que as diretrizes metodo-
lógicas sobre como ensinar começam a aparecer, nos anos de 1990, em
pesquisas cujo tema mais amplo é a concepção da Escola Nova, princi-
palmente em estudos sobre formação de professores e sobre instituições
educacionais, criadas ou transformadas em polos disseminadores da
nova concepção. O predomínio na utilização da legislação e dos textos
mais doutrinários como fonte documental é representativo do amplo uso
História da Escola Primária no Brasil

que esses dispositivos adquiriram na educação brasileira. A adoção de


novas fontes (periódicos, biografias, relatos, etc.) amparada na reflexão
sobre novas tendências historiográficas (NUNES; CARVALHO, 1993; RE-
VEL, 2009) permitiu que as questões vinculadas aos processos de ensino
próprios da Escola Nova fossem articuladas a questões mais amplas, tais
como os processos formativos e a institucionalização da doutrina.
Os dados coletados no Banco de Teses da CAPES sobre o período
subsequente (2001–2012) evidenciam a sedimentação de algumas ten-
dências, o enfraquecimento de outras e uma grande variedade de obje-
tos de investigação sobre a mesma temática. Os estudos que analisam
a relação entre escola e sociedade, preponderantes no período anterior,
diminuíram numericamente e restringiram o âmbito de abrangência,
antes nacional, para focalizarem esse processo, especificamente, em al-
guns estados ou reformas.
As reformas educacionais desencadeadas sob influência da renova-
ção pedagógica do então Distrito Federal foram consideradas na pers-
pectiva da gestão Pedro Ernesto, das contribuições de Cecília Meireles
e da criação do Serviço de Ortofrenia e Higiene Mental; no estado de
Minas Gerais, na perspectiva das práticas disciplinares, bem como da
introdução da educação especial e da reforma Francisco Campos; no
estado do Maranhão, sob a atuação de Luis de Moraes Rego; no estado
338 de Mato Grosso, na perspectiva das mudanças legais; no estado de San-
ta Catarina, na perspectiva das semanas educacionais; nas cidades de
São Paulo e Brasília, tendo como objeto a arquitetura e os princípios da
educação progressiva; no estado do Piauí, na perspectiva dos discursos
da elite intelectual; no estado do Paraná, sob a atuação de Erasmo Pilot-
to; no Acre, a partir da introdução de concepções que preconizavam o
método ativo; no Ceará, com base na cultura material e na arquitetura
escolares; em Goiás, na perspectiva do ruralismo. Esses estudos contri-
buíram para a compreensão da variedade de processos desencadeados
e das conotações adquiridas pela mesma concepção em contextos espe-
cíficos e para a amplitude de sua abrangência.
Pode-se apontar que nesse período cresceu também o número de
trabalhos que se dedicaram à análise da obra de John Dewey, seja na
perspectiva da compreensão de seu arcabouço conceitual, seja cotejan-
do-o com autores brasileiros ou com autores estrangeiros ou mesmo
examinando sua contribuição sobre aspectos específicos do ensino. Ou-
tros intelectuais que permaneceram como referência para diversas aná-
lises foram Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Gustavo Capanema e João
Roberto Moreira. O embate entre confissões religiosas ou a interpreta-
ção católica das concepções escolanovistas teve ampliado o número de
trabalhos, assim como a contribuição da Psicologia e da Psicometria
na renovação do pensamento pedagógico. A produção dos intelectuais
Capítulo 9

vinculados ao movimento mostra-se bastante fértil na reflexão brasilei-


ra, dada sua permanência no estudo de questões ou de princípios que
permanecem informando as discussões atuais.
Diferentes instituições irradiadoras das concepções renovadas
também foram analisadas, tais como o Instituto de Educação do Distrito
Federal; o Instituto Rui Barbosa, de Sergipe; o Colégio Santa Inês, de São
Paulo; a Escola Experimental Guatemala, do Distrito Federal; a Escola
Normal de Pirassununga; a Escola Regional do Meriti; Escolas Normais
do Paraná e o Instituto de Educação da Paraíba, corroborando para a
compreensão de sua importância na disseminação das novas ideias e de
sua criação como estratégia de difusão da mudança educacional.
Ampliou-se também o número de estudos que incidem sobre conte-
údos específicos articulados à concepção ou às práticas renovadas, como
por exemplo, a escolarização da dança no estado de Minas Gerais; as lei-
turas literárias para a infância na Argentina e no Brasil; o cinema escolar;
livros didáticos relacionados ao ensino do desenho, da geografia, da his-
tória e da alfabetização, assim como diferentes séries graduadas de leitu-
ra; as práticas de escrita e as atividades relacionadas ao escotismo e à arte
foram objeto de diferentes estudos em diferentes contextos.
Muito provavelmente, o maior volume de estudos sobre o tema
está vinculado ao aumento do número de programas de pós-graduação
no Brasil que contribuiu para o conhecimento de feições mais regionali- 339
zadas, as quais se impuseram frente às análises sobre a educação brasi-
leira em âmbito mais geral. Os estudos sobre as conotações específicas
adquiridas pelo ideário ou pelos dispositivos postos em circulação em
diferentes regiões decorrem, principalmente, de dissertações de mestra-
do e estão inseridos em grupos de pesquisa coletiva.
Embora a produção bibliográfica seja a fonte documental predomi-
nante, com destaque para a legislação, programas de ensino, periódicos
educacionais ou diários, fontes orais e iconográficas ganham destaque,
assim como os manuais didáticos e pedagógicos.
De modo particular, as questões relativas aos modos de ensinar ou
às práticas pedagógicas implementadas nas salas de aula foram tema-
tizadas no trabalho de Pinto (2001) que, privilegiando os saberes psico-
lógicos na formação de professores primários, evidencia a estreita arti-
culação entre meios, métodos e princípios, desenvolvida no Instituto de
Educação do Rio de Janeiro entre 1932 e 1938, para estruturar os proces-
sos de aprendizagem; a dissertação de Campos (2005) toma um manual
didático e periódicos educacionais utilizados no estado de São Paulo
para descrever as práticas pedagógicas recomendadas como capazes de
romper com aquelas adjetivadas como tradicionais, investigando a pers-
pectiva dos agentes produtores de discursos modernizadores; Bombas-
saro (2006) analisou os processos de ensino disseminados no estado de
História da Escola Primária no Brasil

Santa Catarina por meio das Semanas Educacionais, eventos significa-


tivos para a instauração de uma cultura pedagógica consoante com os
propósitos da Escola Nova e com a conjuntura urbana e industrial que
se iniciava; Cabral (2009) evidenciou dispositivos utilizados para a re-
novação das práticas pedagógicas dos grupos escolares sergipanos, tais
como os cursos de formação de professores, a inspeção escolar e as reu-
niões pedagógicas; Marangon (2011) comparou, entre outros aspectos, o
arcabouço conceitual das representações sobre métodos de ensino pau-
tados nos princípios da Educação Nova no Brasil e em Portugal, entre os
anos de 1930 e 1940, tendo como fonte periódicos educacionais dos dois
países; Hervatini (2011) analisou as práticas pedagógicas vinculadas a
duas Escolas Normais Regionais, localizadas nas cidades de Apucarana
e Maringá, no estado do Paraná, sob as influências da Escola Nova e das
orientações oficiais; Fin (2012) investigou a apropriação de novos co-
nhecimentos no curso de formação de professores mantido pela Escola
Normal de Cuiabá, principalmente aqueles voltados para a divulgação
de novas metodologias de ensino e de bibliografia específica; Eto (2012)
analisou comparativamente uma escola argentina e uma do estado do
Mato Grosso e, amparada em fontes documentais, focalizou legislação e
práticas pedagógicas na conformação do ideário renovador das escolas
eleitas para o estudo.
340 Os dados coletados no Banco de Teses da CAPES, portanto, evi-
denciam a pequena expressividade que o tema métodos de ensino tem
assumido nos estudos sobre a Escola Nova, indicando simultaneamente
seu caráter periférico nessa concepção pedagógica e sua articulação com
instituições e materiais utilizados no ensino.

O método de ensino nos periódicos educacionais

Criados entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000,


em um cenário marcado pela crescente vitalidade da produção na
área de História da Educação e pela organização dos pesquisadores
da área em grupos de pesquisa e associações de distintos níveis de
abrangência, os periódicos examinados confirmam algumas das ten-
dências observadas na análise das teses e dissertações. Pondo em cir-
culação os resultados das pesquisas desenvolvidas nos Programas de
Pós-Graduação em Educação do país, por pesquisadores em diferen-
tes níveis de formação, além de estudos de pesquisadores estrangei-
ros, os periódicos especializados em História da Educação têm publi-
cado artigos sobre a temática, os quais podem ser recuperados pelas
expressões “método(s) de ensino” e “Escola Nova/Escolanovismo”,
Capítulo 9

sobressaindo-se esta última entrada como forma de acesso aos artigos


que enfocam a educação, no período recortado pela investigação.
O Quadro 2 a seguir permite visualizar a presença dos artigos
nos periódicos, considerando os termos de busca utilizados, cabendo
atentar para o fato de que um número expressivo de artigos pode ser
recuperado por ambas as entradas adotadas.

Quadro 2 – Artigos publicados por periódico (1997–2013)

Método(s) de
Periódico/ Método(s) Escola Nova/ ensino
Termo de busca de ensino Escolanovismo Escola Nova/
Escolanovismo

História da Educa-
ção (1997–2013) 29 38 28
(39 artigos)

Revista Brasileira de
História da Educa-
03 12 02
ção (2001–2013)
(13 artigos) 341
Cadernos de His-
tória da Educação 01 02
0
(2002–2013)
(03 artigos)

Revista Histedbr
On-line (2008–2013) 05 09 01
(13 artigos)

Totais 38 61 31

Fonte: Elaborada pelas autoras.

A pesquisa com base nos termos “método(s) de ensino” e “Escola


Nova/ Escolanovismo” permitiu recuperar 68 artigos, publicados entre
os anos de 1997 e 2013, distribuídos nos periódicos da área conforme o
quadro a seguir:
História da Escola Primária no Brasil

Quadro 3 – Artigos publicados por ano por periódico (1997–2013)

Revista
Cadernos de Revista
História da Brasileira de
Ano História da Histedbr Totais
Educação História da
Educação On-line
Educação
1997 02 - - - 02
1998 - - - - -
1999 02 - - - 02
2000 01 - - - 01
2001 01 - - - 01
2002 03 - - - 03
2003 - 01 - - 01
2004 - - - - -
2005 02 02 - - 04
2006 - - - -
2007 02 02 - - 04
2008 - 02 - - 02
2009 03 02 - 02 05
2010 07 01 - - 08
342
2011 05 - - 01 06
2012 02 01 03 04 10
2013 09 02 06 17
total 39 13 03 13 68
Fonte: Elaborada pelas autoras.

A quantificação exibe um expressivo e contínuo crescimento da


produção sobre a temática a partir de 2007, cabendo notar que, do con-
junto de artigos levantados por meio dos instrumentos de pesquisa
disponíveis nas páginas eletrônicas dos periódicos, 31 enquadram-se,
simultaneamente, nos parâmetros de busca “método(s) de ensino” e
“Escola Nova/Escolanovismo”, o que exige uma análise mais acurada
das questões abordadas pelos pesquisadores, ou seja, dos modos como
a dimensão metodológica do ensino é abordada no período delimitado
por este estudo.
O corpus composto pelos 68 artigos levantados a partir desses es-
critores reúne um pequeno número de artigos que recortam os seus ob-
jetos de estudo a partir de uma perspectiva centrada nos condicionantes
políticos, econômicos e sociais da educação. Tematizando a educação
nacional no período, as reformas dos sistemas de ensino e o ideário que
dá sustentação a tais iniciativas de reforma, esse conjunto de estudos in-
Capítulo 9

terroga as propostas de renovação educacional como expressão do qua-


dro de transformações da sociedade capitalista, de constituição de uma
sociedade urbano-industrial, de modernização e aparelhamento do Es-
tado, bem como de legitimação de um regime político discricionário. As
reformas educacionais do período e o ideário escolanovista em que tais
reformas se fundamentaram são lidos, nesse conjunto de artigos, em
função dos intentos de racionalização, disciplinamento e controle social.
Um volume mais amplo da produção divulgada nos periódicos da
área aborda a difusão da Escola Nova, por meio de análises que têm
como foco os educadores e suas iniciativas, os autores que serviram de
base às suas reflexões, as concepções que orientaram a sua atuação, o
lugar da Psicologia nas iniciativas de renovação educacional, as dispu-
tas com o pensamento católico. É significativa, no corpus examinado,
a presença de artigos que põem em cena as ações de educadores en-
volvidos nos processos de reforma. Nesse sentido, nomes consagrados,
como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Almeida
Júnior, comparecem nas análises, a partir de diferentes abordagens.
O pensamento educacional de Fernando de Azevedo é perspectiva-
do a par da indagação sobre as influências da pedagogia e cultura norte-
-americanas, como também do exame da sua atuação na formulação de
políticas educacionais, por meio da análise das suas iniciativas nos qua-
dros do processo de construção de um sistema nacional de ensino. Por 343
sua vez, as ideias e a atuação de Anísio Teixeira no início da década de
1930 são objeto de estudos que indagam o lugar da Psicanálise na reno-
vação educacional no Brasil. Numa outra dimensão, são examinadas as
iniciativas do educador voltadas para o enfrentamento do problema da
melhoria do rendimento escolar, bem como aspectos da sua participa-
ção na discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A
sua atuação em conjunto com Lourenço Filho no Instituto de Educação
do Rio de Janeiro é tematizada a par da indagação sobre a construção da
memória da obra de renovação educacional. Almeida Junior, conjunta-
mente com Fernando de Azevedo e Sud Mennucci, figuram em estudos
que examinam discursos e propostas voltados para o ensino rural.
O estudo dos personagens envolvidos nas disputas em torno da
difusão do ideário escolanovista não se restringe, no conjunto de ar-
tigos examinados, aos intelectuais mais conhecidos e que tiveram um
papel proeminente nas reformas implementadas em diferentes estados,
nem tampouco às indagações sobre as suas iniciativas, as concepções
em que se fundamentam e o modo como concebem a Escola Nova. O
estudo de Marcus Cunha e Tatiane Silva (2013) interroga as concepções
que orientaram a atuação de Renato Jardim, detendo-se nos argumentos
do intelectual em relação ao governo Vargas, bem como nas suas refle-
xões sobre o conceito de Escola Nova e a introdução da Psicanálise nas
História da Escola Primária no Brasil

práticas pedagógicas. Martins e Diógenes (2013) examinam as concep-


ções pedagógicas do educador alagoano João Craveiro Costa, fundadas
nos princípios escolanovistas, as quais se expressam na obra escrita em
1931, para responder a uma solicitação do ministro da Educação e Saú-
de Pública, Francisco Campos. A atuação de Armanda Álvaro Alberto
na Comissão de Intercâmbio Intelectual Brasil–Uruguai é estudada por
Mignot (2010a), que examina a visão da educadora em relação às refor-
mas educacionais em curso no Brasil, a par de uma postura de admira-
ção pelas experiências vizinhas. A trajetória da signatária do Manifesto
dos Pioneiros, Armanda Álvaro Alberto, também é examinada por Mo-
raes (2013), que indaga sobre a sua atuação nos campos educacional e
político, nos anos 1930, procurando nuançar a repressão política de que
foi alvo. Mignot (2010b) examina também o papel de Cecília Meireles
no debate educacional dos anos 1930. As propostas de Scaramelli para
uma Escola Nova “brasileira” são objeto de estudo de Arce (2013). Pi-
nheiro (2012), por sua vez, analisa a trajetória de João Toledo, educador
paulista que, por meio de livros e artigos, defendia uma proposta de
educação pautada nos modelos de lição, contrapondo-se às proposições
de renovação educacional.
Numa outra dimensão, as fontes em que beberam esses educa-
dores também têm sido objeto de interrogação, destacando-se entre
344 elas as obras de Dewey, examinadas tanto do ponto de vista da sua
influência sobre o pensamento educacional, como das críticas de que
foram alvo. A concepção de infância e de educação na obra de Dewey
foi estudada por Oliveira e Quillici Neto (2012). A obra do autor é
também lida do ponto de vista dos dispositivos editorias e tipográfi-
cos que participam da construção de sentido, por meio do exame das
várias edições de uma tradução que compõe a coleção Atualidades Pe-
dagógicas, utilizada nos cursos de formação docente (TOLEDO, 2013).
Quanto às disputas com os católicos, Cunha M. V. e Cunha V. (2002)
examinam as críticas ao pragmatismo de Dewey e às proposições re-
novadoras, publicadas em um importante periódico católico, durante
a década de 1930. Tomando como fontes obras escritas por autores
católicos, Costa (2007) examina as posições desses autores em relação
à Escola Nova e, particularmente, às proposições de Dewey. Soares
et al (2011) analisam essas disputas por meio do estudo de uma obra
didática anônima, produzida em conformidade com as diretrizes do
papado e publicada pela FTD.
Igualmente importante, no conjunto de artigos estudados, é o exa-
me do lugar da Psicologia na constituição das formulações escolano-
vistas e dos seus impactos no trabalho educacional, por meio de estu-
dos que põem em relevo o papel assumido pelos testes. Figuram, entre
esses, o já citado estudo sobre as concepções que orientaram a atuação
Capítulo 9

de Renato Jardim, o qual interroga sobre a introdução da Psicanáli-


se nas práticas pedagógicas (CUNHA; SILVA, 2013). Ruchat (2008)
examina a troca de correspondência entre Claparède, considerado o
criador da Psicologia de Genebra, e Hélène Antipoff, procurando com-
preender as iniciativas dessa educadora em Belo Horizonte. Oliveira
e Arce (2012) examinam obras que compõem a coleção Biblioteca de
Educação, procurando detectar o peso da Psicologia na constituição
das concepções de criança e desenvolvimento infantil, o que lhes per-
mite afirmar o papel reservado aos testes mentais na orientação do
trabalho pedagógico.
O interesse pela dimensão material dos processos de produção, cir-
culação e apropriação do conhecimento pedagógico é evidenciado em
estudos que tomam como fontes revistas pedagógicas e manuais des-
tinados aos cursos de formação de professores. Nessa direção, Carva-
lho (2001) estuda as revistas pedagógicas como veículos que permitem
analisar as relações entre a pedagogia científica, o Estado e a escola de
massas, indagando sobre o seu papel na difusão de modelos de mo-
dernização e na construção do saber especializado. Xavier e Mogarro
(2011) detêm-se nas redes de intercâmbio entre Brasil e Portugal, no
contexto da difusão do escolanovismo, atentando para as (re)leituras
de obras produzidas por professores/autores, tornadas possíveis a par
dos contatos entre professores dedicados à formação docente. A coleção 345
Biblioteca de Educação é objeto do estudo de Carvalho (2013), que exa-
mina as estratégias editoriais que organizam a repartição e apresenta-
ção dos volumes da coleção, definindo os temas nucleares do programa
de renovação educacional e constituindo aquilo que deveria ocupar um
lugar periférico. Oliveira e Beltran (2013) analisam as iniciativas refor-
madoras, a par da indagação sobre as práticas de produção, circulação
e apropriação dos saberes sobre a educação do corpo, detendo-se nas
experiências da Argentina, Brasil, Colômbia e Espanha.
Na perspectiva adotada por este investimento analítico, que visa
contribuir para a compreensão das dimensões assumidas pelas preo-
cupações no que diz respeito aos métodos e processos de ensino, no
âmbito do movimento de renovação educacional fundado nos princí-
pios da Escola Nova, que se difundiu no Brasil, entre os anos 1930 e
1961,cabe atentar para os estudos sobre currículos, disciplinas, práticas
escolares, modos de ensinar e cultura escolar, que evidenciam a ênfase
que tem sido conferida ao funcionamento interno da escola, nos arti-
gos publicados nos periódicos da área. Voltando-se tanto para os cursos
de formação de professores como para a escola primária, esses estudos
permitem uma aproximação dos modos de ensinar prescritos ou postos
em marcha, a par da difusão da Escola Nova. Nessa linha, Bombassaro
(2007) examina as ações do Departamento de Educação de Santa Cata-
História da Escola Primária no Brasil

rina com vistas à reforma dos modos de ensinar; Teive (2009) analisa
o currículo dos primeiros grupos escolares desse mesmo estado; Wer-
le (2011) estuda o rádio como veículo de difusão de propostas de mo-
dernização do mundo rural, como também do ruralismo pedagógico;
Valdemarin (2008) examina um manual didático publicado entre 1940 e
1966, indagando sobre o processo de incorporação das concepções esco-
lanovistas nas prescrições para a prática pedagógica; Filgueiras (2013)
detém-se sobre os processos de avaliação dos livros escolares realizados
na década de 1940, em suas relações com os intentos de atualização de
conteúdos e métodos de ensino, com base nos programas em vigor e nas
pesquisas científicas. As orientações pedagógicas oferecidas aos profes-
sores também são objeto do estudo de Gualtieri (2013), que se debruça
sobre os artigos publicados em um impresso oficial publicado em São
Paulo na década de 1930, a Revista Escola Nova. O estudo de Kreutz
(2007) examina um periódico sobre o livro escolar, indagando sobre as
propostas pedagógicas postas em circulação por meio da imprensa pe-
dagógica e sobre a produção e uso de livros escolares, especialmente
nas escolas de imigração do sul do país.
As práticas escolares foram objeto de estudos que buscam possibi-
litar uma aproximação do trabalho cotidiano do professor em classe e
dos modos como os alunos se apropriam e dão sentido aos conteúdos e
346 práticas. Com vistas a apreender essa dimensão, Peres (2012) analisa ca-
dernos escolares de crianças em fase de alfabetização, indagando sobre
a materialidade dos cadernos e a proposta pedagógica de alfabetização,
num período que vai de 1940 ao final de 2000; Grazziotin e Gastaud
(2010) estudam um caderno de caligrafia, tomando-o tanto do ponto de
vista da sua materialidade como dos conteúdos escolares e das práticas
de exercício que registra; Bastos e Ermel (2013) examinam as escritas
dos alunos do ensino primário de uma instituição do Rio Grande do Sul,
publicadas em um jornal estudantil, por meio do qual procuram aden-
trar no cotidiano da escola. É também por meio de um jornal produzido
por alunas do ensino primário que Cunha (2013) analisa a circulação
dos preceitos higienistas e cívicos no interior de uma instituição reli-
giosa feminina catarinense. Rabelo (2013) também examina um jornal
estudantil, indagando sobre a sua contribuição para a cultura escolar
constituída na instituição, como também as práticas e saberes estudan-
tis. Silva (2013) toma o jornal escolar como fonte para o acesso ao projeto
político de nacionalização em Santa Catarina e às práticas escolares.
Passos e Pavan (2010) lançam mão de entrevistas e do diário de aula
de uma professora para analisar os modos de transmissão dos saberes
escolares. A indagação sobre as práticas escolares também se expressa
nos estudos sobre livros escolares: Maciel (2002) estuda as cartilhas em
suas articulações com a história da alfabetização; Silva e Flores (2010)
Capítulo 9

analisam uma coleção didática, distribuída pela rede de ensino de Santa


Catarina até meados da década de 1950, em seus vínculos com o ideário
nacionalista; Nery e Stanislavski (2011) examinam a circulação de mo-
delos de vida urbana em um livro de leitura. O interesse pelas práticas
de formação de professores se expressa em trabalhos como o de Pessa-
nha e Araújo (2009), que procuram compreender tais práticas por meio
do exame de livros didáticos e dos “pontos” registrados nos cadernos
de alunos das Escolas Normais. As marcas do movimento renovador
na formação de professores também são examinadas por Lopes (2005),
que toma o periódico Arquivos do Instituto de Educação como supor-
te de memória, produzido com o intento de legitimar esse movimento;
Hervatini e Schelbauer (2012) indagam sobre as práticas pedagógicas
adotadas nas Escolas Normais Regionais do Norte do Paraná.
Para responder às suas indagações, os estudiosos têm lançado mão
de fontes oficiais, como os textos legais produzidos no âmbito dos proces-
sos de reforma dos sistemas de ensino, documentos como o Manifesto
dos Pioneiros, como também de uma gama de impressos que inclui as
revistas pedagógicas, livros escolares destinados tanto à formação de pro-
fessores como aos alunos das escolas primárias, coleções didáticas. Alguns
trabalhos têm tomado como fontes cadernos escolares, periódicos produ-
zidos pelos estudantes e, em menor escala, fontes orais. Os investimentos
no sentido de compreender as dimensões cotidianas do trabalho escolar 347
evidenciam-se também nas iniciativas de constituição de arquivos, como
exemplifica o estudo de Gatti e Pessanha (2010), voltado para a indagação
sobre a cultura escolar de instituições criadas no processo de urbanização
e modernização das cidades brasileiras, o qual incluiu atividades de cons-
tituição e arranjo de arquivos escolares.
O exame dos periódicos põe em cena, nesse sentido, a presença de
um conjunto de questões articuladas em torno da preocupação sobre o
como ensinar, as quais se desdobram no exame dos modos de organi-
zação das instituições, das práticas escolares, dos conteúdos escolares e
das propostas pedagógicas, avançando para a dimensão das formas de
apropriação que podem ser deduzidas quer das prescrições, quer dos
registros da vida cotidiana.

As inflexões nos processos de ensino sob o ideário da


Escola Nova

O levantamento realizado e aqui caracterizado em termos gerais


evidencia que, no estudo sobre a Escola Nova, alguns autores e determi-
nados textos deixaram uma marca indelével no pensamento educacio-
História da Escola Primária no Brasil

nal brasileiro: tiveram atuação decisiva, ocuparam posições estratégicas


no sistema educacional e produziram obras que se mantêm como fonte
de investigação e reflexão, além de conformar campos de conhecimento.
Os estudos mais recentes e particularizados, no entanto, acrescen-
tam atores e documentos para a compreensão da renovação pedagó-
gica aqui delimitada. Por meio deles, desenha-se a atuação de profis-
sionais cujas atividades, desenvolvidas em âmbito regional ou local,
foram decisivas para a efetivação dos propósitos educacionais então
pretendidos e, com isso, ampliaram repertórios práticos e conceituais,
ganhando visibilidade por meio do trabalho dos pesquisadores que,
por vezes, são também depositários da documentação coligida em di-
ferentes instituições.
Os resultados dos estudos apontam para grande variação no pro-
cesso de apropriação de uma mesma vertente doutrinária pedagógica
mediada pelas condições políticas, econômicas, institucionais e assenta-
das sobre os mesmos princípios e sobre o mesmo arcabouço conceitual,
o que desautoriza interpretações uniformizadoras, instigando ao avan-
ço das pesquisas que permitam apreender os vários sentidos atribuídos
às proposições escolanovistas no fazer cotidiano de professores e alu-
nos, em sua difusão em diferentes regiões do país.
O tratamento dado pelas pesquisas ao tema dos métodos e pro-
348 cessos de ensino indica constatações e reflexões. Num grande conjun-
to de pesquisas foram focalizados prioritariamente os aspectos polí-
ticos, econômicos e sociais dessa concepção, de modo a marcar seu
vínculo com a sociedade brasileira do período e tornar evidentes as
determinações externas sobre a educação. Nessa perspectiva analíti-
ca, os procedimentos didáticos e metodológicos ou o desdobramento
dos objetivos educacionais foram pouco detalhados e, de modo geral,
encontraram seu limite na legislação e nos regulamentos oficiais. O
conjunto de pesquisas mais recentes, numericamente mais expressivo
e de maior abrangência espacial, apresenta dados sobre os processos
internos da escolarização e, por meio deles, pode-se perceber as dife-
rentes iniciativas, os sujeitos e as instituições que colaboraram, não
sem ambiguidades e contradições, para estabelecer práticas pedagógi-
cas consoantes com a renovação pretendida.
A produção posta em circulação nos periódicos da área de Histó-
ria da Educação evidencia que o tema tem sido objeto de um signifi-
cativo conjunto de estudos, os quais, incidindo sobre fontes diversas,
permitem observar as múltiplas facetas assumidas pelas disputas em
torno da renovação educacional fundada nos princípios escolanovis-
tas. Cabe atentar, no conjunto da produção, para a ênfase nos estudos
que se voltam para o currículo, as disciplinas escolares, as práticas de
escrita e de alfabetização, bem como para a mobilização de um corpus
Capítulo 9

documental que se volta para a compreensão das dimensões internas


do trabalho escolar.
No entanto, é preciso apontar que nos estudos há uma mudança
léxica significativa, qual seja, o declínio do uso da expressão “método
de ensino” e sua substituição pela expressão “práticas pedagógicas”.
Além da conotação mais redutora da primeira, a denominação “práti-
cas pedagógicas” parece ser mais coerente com a concepção pedagógica
focalizada, que admite um leque amplo de procedimentos didáticos. No
entanto, é preciso considerar também a hipótese de que as interpreta-
ções mais recentes fundamentam-se nas proposições teóricas da história
cultural que, entre outros méritos, indicou a importância do estudo das
práticas culturais cotidianas – entre elas, as educacionais – para a com-
preensão dos processos históricos de mudança e permanência. As mes-
mas proposições amparam os estudos sobre conteúdos escolares especí-
ficos, indicando a pertinência das análises sobre o ensino de geografia,
de história, de linguagem e escrita, entre outras disciplinas.

349
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10.
CIRCULAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ESCOLA
NOVA NO ENSINO DA LEITURA E NOS
LIVROS ESCOLARES DE
SANTA CATARINA
(1930 a 1960)

Gladys Mary Ghizoni Teive -UDESC


Maria Teresa Santos Cunha - UDEC

Introdução

Investigar aspectos da circulação das ideias da Escola Nova em


Santa Catarina, no período de 1940 a 1960, tendo como foco a análi-
se das prescrições curriculares para o ensino da leitura e de livros de
leitura adotados nos grupos escolares em Santa Catarina é a proposta
deste artigo, fruto de nossa inserção na pesquisa. Num primeiro mo-
mento, será discutida a circulação, pela via das prescrições legislativas,
das ideias da Escola Nova e, num segundo momento, através da análise
crítica do discurso de Norman Faircloug (ACD), são analisados como
alguns dos princípios da Escola Nova consubstanciados na Lei Orgâni-
ca do Estado de Santa Catarina (1946) foram incorporados à disciplina
de “Leitura, Linguagem Oral e Linguagem Escrita”. Tal disciplina fazia
parte do Programa para os Estabelecimentos de Ensino Primário no Es-
tado de Santa Catarina de 1946 e seus preceitos se fizeram presentes nos
textos da Série de Leitura Graduada “Pedrinho”, de autoria de Louren-
ço Filho, adotada no Grupo Escolar Modelo Dias Velho, um tipo de “Es-
cola de Aplicação” para as alunas do Instituto Estadual de Educação, de
Florianópolis, nas décadas de 1950/60.
Fairclough propõe uma análise tridimensional do discurso: o dis-
curso como texto, o discurso como prática discursiva e o discurso como
prática política. O “discurso como texto” refere-se à produção ou inter-
pretação textual. Questões sobre forma e significado do texto são toma-
das na análise, considerando aspectos de vocabulário (palavras indivi-
duais), gramática (combinação de palavras em frases), coesão (ligação
entre frases) e de estrutura textual (organização geral do texto). O “dis-
curso como prática discursiva” envolve processos de produção, distri-
buição e consumo textual, partindo-se da premissa de que o consumo
de textos se dá diferentemente em contextos sociais diversos. Embora
dependa também dos aspectos formais do texto, esta análise diz respeito
História da Escola Primária no Brasil

à força dos enunciados ou tipos de falas (pelo ato de promessas, pedi-


dos ou ameaças, etc.), a coerência e as intertextualidades, estabelecida
esta última, pela relação dialógica dos textos a partir de sua historicida-
de. O “discurso como prática política” é entendido como prática social,
analisado em relação à ideologia e ao poder como forma de hegemonia
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 36).

A Escola Nova em Santa Catarina

Em Santa Catarina, as ideias da Escola Nova começaram a ser dis-


seminadas a partir da participação do inspetor escolar Adriano Mosi-
mann, como delegado, na “IV Conferência Nacional de Educação”, rea-
lizada no Rio de Janeiro em 1931. Promovida pela Associação Brasileira
de Educação e com patrocínio do Governo federal, o evento teve como
tema geral “As grandes diretrizes da educação popular: generalização
do método da Escola Nova ou Escola Ativa nas escolas brasileiras” e
congregou os principais nomes do Movimento da Escola Nova brasilei-
ro, tais como Lourenço Filho e Anísio Teixeira.
No relatório que apresentou ao interventor do estado de Santa Ca-
360 tarina, General Ptolomeu de Assis Brasil, Mosimann mostrou-se verda-
deiramente empolgado com as conferências assistidas no evento, mas
ponderou que, na sua avaliação, a escola primária catarinense não pos-
suía, naquele momento, as condições objetivas para a aplicação do novo
método, “[...] científico por natureza, [...]” o qual abrira “[...] horizontes
nunca sonhados pelos nossos melhores predecessores, em matéria de
educação.” (MOSIMANN, 1931, p. 19). A primeira delas, estaria relacio-
nada ao despreparo dos professores, sendo, na sua opinião:

[...] antes de tudo preciso adaptar as escolas normais, das


quais terão que sair os pioneiros das novas idéias, que tan-
to vem preocupando a pequena minoria de educadores
que atualmente se vem batendo pela evolução dos proces-
sos educativos nacionais. (MOSIMANN, 1931, p. 20).

Convicto da supremacia do “método da Escola Nova” em relação ao


tradicional, o inspetor Mosimann, todavia, entendia que este não deveria
ser generalizado no estado enquanto não tivéssemos professores forma-
dos segundo seus postulados, escolas em número suficiente e devidamen-
te aparelhadas, o que denota uma oscilação entre o que ele considerava,
digamos, ideal em termos de método de ensino e a realidade da instrução
pública catarinense. Por conta disso, propunha uma solução salomônica:
Capítulo 10

[...] até então, pensamos, não devemos senão nos aproximar


desse método, com justiça tão preconizado. Naturalmente,
atendendo sempre as circunstâncias e a outros múltiplos
fatores, que podem aconselhar a adoção deste em alguns
casos, e o emprego do método dogmático e tradicional, em
outros (MOSIMANN, 1931, p. 20).

A reforma da escola normal catarinense, colocada pelo inspetor


como condição sine qua non para a mudança do método de ensino na
escola primária, seria concretizada quatro anos após o seu relatório, em
1935, inspirada nas diretrizes traçadas pelo VI Congresso de Educação,
realizado em Fortaleza e na reforma empreendida por Fernando de
Azevedo, em 1928, no Rio de Janeiro. Conhecida como “Reforma Trin-
dade”, em homenagem ao professor Luiz Sanchez Bezerra da Trindade,
diretor da Instrução Pública, ela re-estruturou a Escola Normal trans-
formando-a em Instituto de Educação e incluiu em seu currículo as “Ci-
ências Fontes da Educação”: Sociologia, Psicologia, Biologia, Filosofia e
História. Re-estruturou, também, a Diretoria da Instrução Pública, que
passou a chamar-se Departamento de Educação1, subordinado à Secre-
taria dos Negócios, Interior e Justiça.
Paralelo a esta reforma, os técnicos do Departamento de Edu-
cação lançaram mão da publicação de periódicos e da realização de 361
grandes congressos regionais – as Semanas Educacionais – as quais
objetivavam a disseminação dos postulados da Escola Nova entre o
professorado primário do estado. Além disso, em sintonia com a polí-
tica autoritária do Estado Novo (1937–1945), o Departamento intensi-
ficou a centralização e o formalismo na condução da educação escolar
catarinense, multiplicando o número de dispositivos legais, informes
e circulares que objetivavam padronizar e normatizar todos os aspec-
tos da vida escolar. Segundo os estudos de FIORI, (1991, p.159), as
escolas foram obrigadas a apresentar minuciosos relatórios acerca de
todas as atividades realizadas, de modo a “[...] evitar a aventura de
uma ordem que não se coadune com o nosso modo de pensar [...]”. A
justificativa para este rígido centralismo foi justificada pelo Departa-
mento pelo argumento de que, na época, 2/3 do professorado primário
não tinha formação pedagógica especializada.
Estas estratégias objetivavam contribuir para sepultar os resquí-
cios da pedagogia tradicional, a qual eram imputados todos os vícios
e negações dos ideais da Escola Nova. Assim, a cada princípio escola-
novista apresentado pelos técnicos era apresentada uma característica
negativa da Escola Tradicional: atividade x passividade; compreensão x
1 Do Departamento de Educação faziam parte: O Instituto de Educação e sete sub diretorias: adminis-
trativa, técnica, de cultura e divulgação, de educação física, de recreação e jogos, de educação musical
e artística, de bibliotecas, museus e rádio-difusão e de saúde e higiene escolar (FIORI, 1991, p. 146).
História da Escola Primária no Brasil

memorização; autonomia x autoritarismo; liberdade x disciplina etc. Ou


seja, de um lado a velha e arcaica escola tradicional e, de outro, “[...] a
alegre e produtiva Escola Nova na qual, a iniciativa e a oportunidade, a
estima recíproca e a atividade, vão imperar harmoniosamente” (SEMA-
NA DA EDUCAÇÃO, 1936, s.p.).
Compactuando com este entendimento, os professores participan-
tes das Semanas Educacionais, em seus depoimentos, criticavam a es-
cola primária em vigor no estado, afirmando que após o seu término,
os alunos encontravam-se completamente inaptos a estabelecer conexão
entre os conhecimentos adquiridos na escola e as questões demandadas
pelo seu cotidiano, tal como pode ser observado no relato da professo-
ra Leonor Olivet: “Não têm iniciativa, não sabem como aplicar os seus
conhecimentos, não possuem atividade porque foi atrofiada na escola,
são os verdadeiros aleijados implorando o auxilio das muletas para se
movimentarem” (BOMBASSARO, 2006, p. 161).

Em busca do consenso em torno da supremacia da


pedagogia da Escola Nova: a Lei Orgânica Estadual do
Ensino Primário Catarinense
362
A Lei Orgânica do Ensino Primário do Estado de Santa Catarina, implan-
tada pelo Decreto Estadual n.º 298, de 13 de novembro de 1946, referendou as
normas da Lei Federal do Ensino Primário, re-estruturando o ensino primário
catarinense nos moldes da Escola Nova, passados onze anos da reforma da
Escola Normal, de base escolanovista. A Lei Orgânica Federal do Ensino Pri-
mário – Lei n.º 8.529, de 02 de janeiro de 1946 – parte de um conjunto de leis
baixadas de 1942 a 1946 que ficaram conhecidas como “Reforma Capanema”,
reorganizou toda a estrutura educacional brasileira na tentativa de estabelecer
uma política nacional única para a educação no país, haja vista que até 1946 o
ensino primário era de responsabilidade dos governos de cada estado. O ensino
primário foi desdobrado em Ensino Primário Fundamental e Ensino Primário
Supletivo. O Fundamental foi dividido em Curso Elementar, de quatro anos,
direcionado para as crianças de 7 a 12 anos e o Curso Complementar, com um
ano de duração, constituía-se em um preparatório ao exame de admissão ao
ginásio. O Ensino Primário Supletivo, por sua vez, foi indicado para jovens e
adultos e tinha a duração de 2 anos (BRASIL, 1946, p. 1).
Apesar de seu objetivo de unificar a política educacional brasileira,
esta lei, promulgada num período de redemocratização política, era
mais aberta à flexibilização e à diferenciação, permitindo adaptações re-
gionais, com o intuito de quebrar o excessivo formalismo legal que do-
minou o campo da educação no Estado Novo, o qual, dizia-se, não co-
Capítulo 10

adunava com o espírito da Escola Nova, gerando, segundo o professor


José Roberto Moreira,“[...] uma confusão entre o espírito da escola ativa
e a tendência centralista e autoritária da administração dos serviços da
educação [...]” (FIORI, 1991, p.160).
Conhecida como “Reforma Elpídio Barbosa”, em homenagem ao en-
tão diretor do Departamento de Educação, a Lei Orgânica catarinense na-
turalizou a prática discursiva da Lei Federal, aceitando-a como forma de
hegemonia, reproduzindo, com raras alterações, seus capítulos, artigos e
parágrafos, o que denota o modo como os dirigentes da instrução pública
catarinense se posicionaram frente à hegemonia discursiva no que se refere
à Escola Nova. Tal alinhamento revela, segundo Fiori (1991, p. 149), “[...] o
alto espírito de colaboração das autoridades educacionais do Estado com a
União [...]”. De modo que na perspectiva da intertextualidade, pode-se afir-
mar que a Lei catarinense constituiu-se numa reprodução da Lei Federal.
Para colocá-la em prática, menos de um mês após a sua promulga-
ção, foram elaborados pelo Departamento de Educação o “Regulamen-
to para os Estabelecimentos do Ensino Primário” – Decreto n.º 3.735, de
17 de dezembro de 1946 – um detalhado documento composto de 761
artigos, que dispôs sobre as bases de organização, a estrutura e os tipos
de estabelecimento de ensino, período letivo, férias, regime de aula,
critérios para promoção de alunos, atribuições do corpo docente, admi-
nistração, disciplina e escrituração escolar, instituições complementa- 363
res da escola, entre diversos outros; o “Regulamento para o serviço de
Inspeção Escolar” – Decreto n.º 3.733, de 12 de dezembro de 1946 – e os
“Programas para os Estabelecimentos de Ensino Primário” – Decreto
n.º 3.732, de 12 de dezembro de 1946.

O novo programa para o ensino


primário elementar – como a escola nova foi
apresentada aos professores catarinenses

Se comparado com o programa proposto pela “Reforma Orestes


Guimarães,” em 1911, o Programa de 1946 é excessivamente enxuto,
composto das seguintes disciplinas: Leitura, Linguagem Oral e Escri-
ta, Iniciação Matemática, Geografia e História do Brasil, Conhecimen-
tos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao traba-
lho, Desenho e Trabalhos Manuais, Canto Orfeônico e Educação Física
(SANTA CATARINA, 1946b). O de 1911, de viés enciclopédico, possuía
18 disciplinas (TEIVE; DALLABRIDA, 2011).
Este enxugamento objetivava deslocar a excessiva ênfase dada pela
Pedagogia Moderna aos conteúdos curriculares em direção a uma di-
História da Escola Primária no Brasil

nâmica educacional que propiciasse o contato dos alunos com conhe-


cimentos úteis à vida em sociedade, a partir da inclusão de vivências
sociais dentro da própria escola, tal como rezavam os princípios do en-
sino primário fundamental, nas Leis Orgânicas, Federal e Estadual: a)
desenvolver-se de modo sistemático e graduado, segundo os interesses
naturais da infância; b) ter como fundamento didático as atividades dos
próprios discípulos; c) apoiar-se nas realidades do ambiente em que se
exerça, para que sirva a sua melhor compreensão e mais proveitosa uti-
lização; d) desenvolver o espírito de cooperação e solidariedade social;
e) revelar as tendências e aptidões dos alunos, para o seu melhor apro-
veitamento no sentido do bem estar individual e coletivo; f) Inspirar-se,
em todos os momentos, na unidade nacional e na fraternidade humana
(SANTA CATARINA, 1946a).
Estes princípios se sustentavam nos principais avanços científicos
da biologia, da medicina, da psiquiatria, da psicologia, da fisiologia e
da sociologia desde finais do século XIX na Europa e nos EUA, os quais
pautaram o modo como a Pedagogia lidou com o trabalho no século XX,
considerado o século da sociedade do trabalho, aquele em que a vida dos
indivíduos é pautada quase que exclusivamente pela maneira como o
trabalho é organizado. Amparados por estes estudos, os escolanovistas
defendiam que a aprendizagem só ocorreria em situação de atividade e,
364 por conta desse entendimento propuseram a escolarização do trabalho,
na forma de atividades, através do apelo aos métodos de aprendizagem
ativos, contraponto aos métodos passivos, defendidos pela Pedagogia
Tradicional (GHIRALDELLI JR., 2012) e pela Pedagogia Moderna.
Interessa-nos aqui compreender como estes princípios, sobretudo os
quatro primeiros, foram operacionalizados no Programa da disciplina de
“Leitura, Linguagem Oral e Linguagem Escrita”. Privilegiaremos, portan-
to, questões relacionadas à graduação do ensino, interesses naturais da
infância, realidade das crianças, atividade dos alunos e espírito de coope-
ração, aqui considerados como o discurso oficial, desejando compreender
qual o significado que lhes foi dado no Programa para o ensino elemen-
tar catarinense. Na tentativa de evidenciar aspectos da circulação dessas
prescrições, buscamos encontrar fragmentos em lições e exercícios na Sé-
rie de Leitura Graduada Pedrinho, escrita por Lourenço Filho, como for-
ma de destacar possibilidades de modelização do social pela linguagem
e pela leitura.
Capítulo 10

A graduação do ensino

A graduação do ensino não parece ter sido motivo de maiores


preocupações para os produtores do texto analisado. Talvez pelo fato
de tratar-se de uma questão já incorporada à cultura da escola primária
catarinense, haja vista que a abordagem indutiva baconiana a ela subja-
cente, fazia parte do método de ensino intuitivo, carro-chefe da Refor-
ma Orestes Guimarães, segundo a qual o ensino deveria ser organizado
a partir do simples para o complexo, do concreto para o abstrato, do
particular para o geral, do conhecido para o desconhecido. Assim, por
exemplo, para “Linguagem Oral”, na 1ª série, são propostos pequenos
relatos de fatos da vida cotidiana das crianças.
Para a “Leitura e Linguagem Escrita” são previstos “[...] exercícios
variados que permitam a associação de palavras a desenhos de objetos
de uso familiar e vice-versa e a relação escrita de nomes de colegas e de
pessoas da família da criança” (SANTA CATARINA, 1946b, p.1-2), e para
“Leitura”, a preocupação com a graduação aparece no que diz respeito ao
cuidado na escolha dos livros de leitura, sobretudo dos livros de leitura
suplementares. Nas “indicações” para a 3ª série, é sugerido que os livros
para a leitura suplementar estejam à altura do adiantamento dos alunos
365
(SANTA CATARINA, 1946b). Esta indicação é reiterada na 4ª série, quan-
do é destacada a importância da “[...] escolha judiciosa do livro de leitura
[...]” pelo professor, cujos assuntos precisariam estar “[...] a altura do en-
tendimento do aluno, que só pode ler bem o que consegue bem compre-
ender [...]”. (SANTA CATARINA, 1946b, p. 9).
Ainda em relação aos livros, mais precisamente sobre os compên-
dios, nas indicações para as aulas de “Leitura” da 4ª série, é advertido que
ao empregá-los, o professor “[...] não retorne ao antigo sistema de marcar
lição, de tal a tal página, sem a devida explicação oral, prática condenável
que deu motivo a supressão de compêndios no curso primário [...]”, mas,
“[...] que os escolha com o máximo cuidado, pois deverão adaptar-se ao
adiantamento dos alunos [...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 9).
Esta última advertência, colocada na forma negativa, merece des-
taque. Segundo Fairclough (2001, p.156-157), as frases negativas são fre-
quentemente usadas com finalidades polêmicas. Ela pressupõe a propo-
sição, em algum outro texto, de que os professores da escola primária
continuavam utilizando em suas aulas de leitura o “[...] antigo sistema
de marcar lição [...]”. Ademais, acoplada à palavra “antigo” e à expres-
são “prática condenável”, carrega um tipo especial de pressuposição
que também funciona intertextualmente (FAIRCLOUGH, 2001, p. 156),
remetendo o leitor a outros textos, em que o antigo é comparado com o
novo e, tacitamente, colocado como anacrônico, atrasado.
História da Escola Primária no Brasil

“O interesse natural da infância”

Esta questão é tratada de forma ambígua, como um sentimento


a ser suscitado pelo professor na criança, para que esta queira apren-
der. Assim, por exemplo, no sumário das matérias, em “Linguagem
Oral” é proposta a “[...] narração de contos pelo professor, que pos-
sam interessar a criança, na idade em que frequenta esta série escolar
[...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 1), em “Linguagem Escrita”, 2ª
série, ao propor a realização de composições escritas no quadro ne-
gro, são aconselhadas “[...] poucas frases, a propósito do assunto e
ao alcance da mentalidade da criança, para que possam diretamente
interessá-la [...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 3). E nas “Sugestões
Práticas”para a 3ª série, o professor é instado a “[...] lançar mão de
recursos variados que estimulem o gosto pela boa leitura e concor-
ram para interessar o aluno em enriquecer a sua bibliografia particular
e a da escola” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 4, grifos nossos). Este
significado dado ao conceito parece ainda distante do preconizado
pela Escola Nova, relacionado aos interesses subjetivos da criança.
Na verdade, esse entendimento parece estar mais relacionado com os
interesses predeterminados pela lei natural da evolução biológica da
366
espécie, tal como defendia a Pedagogia Moderna.
Este modo como o conceito foi apresentado aos professores certa-
mente teve impacto no entendimento que tiveram sobre a questão. Não
sem razão, nos 618 relatórios das reuniões pedagógicas realizadas nos
grupos escolares do estado, nos anos de 1946, 1948 e 1949, encontrados
no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (DE PAULA, 2013), os
temas mais escolhidos foram “interesse da criança” e “disciplina/auto-
ridade”. Nos grupos escolares, nas diferentes regiões do estado, discu-
tiu-se, nesse período, repetidamente, o tema do “Interesse”, com peque-
nas variações: Interesse e entusiasmo; Interesse e motivação; Interesse e
premiação; Interesse e atenção; O interesse e o método; Vantagens dos
centros de interesse; Interesse como base do ensino; Interesse como des-
pertar? Ou simplesmente, interesse.
Também sob diferentes títulos, como por exemplo:

Disciplina como base para a boa aprendizagem; Ordem e


disciplina; Disciplina escolar, Valor pedagógico da liberda-
de em classe, Disciplina espontânea; A liberdade da crian-
ça; A disciplina escolar; Liberdade e Autoridade; A criança
e a disciplina; Disciplina e Liberdade; Disciplina; Governo
da classe; Liberdade produtiva e disciplinada; Disciplina na
classe; Liberdade da criança no ensino; Disciplina, interesse e
Capítulo 10

liberdade; Indisciplina; Disciplina: métodos modernos; Dis-


ciplina e atenção. (DE PAULA, 2013, p.1-64).

Os conceitos de disciplina e de autoridade foram objeto de discus-


são nas reuniões pedagógicas dos grupos escolares o que, salvo melhor
juízo, indica preocupação de diretores e professores com a questão.
Tal preocupação não era desmesurada, haja vista que no Programa
os professores são advertidos de que muitas vezes
,
[...] pensando estar respeitando o interesse ou a persona-
lidade da criança quando esta se apresenta desordenada
em seu trabalho ou dando largas a expansões impróprias
da vida escolar. [...] estarão,... respeitando apenas as más
influências, estímulos, sugestões e exemplos de outros
meios, que não o da família e o da escola, dignas desse
nome (SANTA CATARINA, 1946b, p. 28).

Enunciados desse tipo parecem indicar, de um lado, insegurança


sobre as novas formas de relação entre professores e alunos, que não
mais deveriam ser baseadas no medo e no autoritarismo, mas na con-
fiança mútua, na amizade e na concepção da autonomia e liberdade da
criança e, de outro, o receio da perda de autoridade moral e relaxamen- 367
to dos costumes por parte do professor, o que poderia atentar contra a
urbanidade e os bons modos dos alunos. Como uma forma de prevenir
este risco foram incluídos no Programa da disciplina de “Conhecimen-
tos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao trabalho
[...]”, hábitos e atitudes a serem desenvolvidos nos alunos, como por
exemplo, os de ordem, respeito, civilidade e boas maneiras (SANTA
CATARINA, 1946b).

Ensino a partir da realidade da criança

Este princípio foi compreendido em “Leitura, Linguagem Oral e


Escrita” como um modo de facilitar a adaptação da criança à escola, na
1ª série. Assim, sugestões do tipo: “Exercícios frequentes que levem o
aluno a relatar pequenos fatos de sua vida cotidiana, através dos quais
se procederá a correção e a ampliação do vocabulário”, em Linguagem
Oral, e “Exercícios variados que permitam a associação de palavras a
desenhos de objetos de uso familiar e vice-versa [...]”, ou ainda,“[...] a
relação escrita de nomes de colegas e de pessoas da família da crian-
História da Escola Primária no Brasil

ça[...]”, todos na 1ª série (SANTA CATARINA, 1946b, p.1-2), deveriam


contribuir para que a criança não se sentisse “[...] deslocada pela diver-
sidade de aspectos de processos, ao passar do ambiente familiar para o
da escola e,desse modo, pudesse [...] viver na escola da maneira mais
natural possível [...]”. Para tal, é ainda sugerido que as crianças tragam
para a escola objetos e animais de estimação, que o professor converse
com as crianças sobre a sua família e casa, além da realização de jogos
e brinquedos. Pouco a pouco, o professor deveria ir aproveitando es-
sas oportunidades para exercer maior ação educativa, o que, todavia,
deveria realizar com tato, “[...] a fim de que a criança vá recebendo as
necessárias influências como que por si mesma, alegre e naturalmente
[...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p.24).
Distante, portanto, da proposta da Pedagogia da Escola Nova, so-
bretudo da Pedagogia Progressista de John Dewey, que via na valori-
zação das experiências reais das crianças a primeira fase do “Método
de Problemas”, uma adaptação do método científico na escola. Não en-
contramos no Programa vestígios das demais fases, tal como proposto
por Dewey: identificação de algum problema e dificuldades suscitadas a
partir dessas experiências, ou seja, um obstáculo na experiência sobre a
qual seria trabalhado para tentar estudá-lo e solucioná-lo; inspeção dos
dados disponíveis, assim como busca de soluções viáveis (nessa etapa,
368 os materiais escolhidos e trabalhos deveriam converter-se em partes do
programa escolar); formulação de hipóteses de solução, que funcionaria
como idéia condutora para solucionar o problema e, por fim, comprova-
ção da hipótese pela ação, pois a prática seria a prova do valor da refle-
xão feita pelo aluno com objetivo de resolver o problema (TRILLA, 2012).
A atividade da criança foi certamente o princípio que mereceu
mais atenção no Programa de Leitura, Linguagem Oral e Escrita. Na
1ª série, é estimulada mediante uma variedade de sugestões práticas.
Para a aprendizagem simultânea da leitura e da escrita, por exemplo,
é sugerida a confecção do livro da classe, “[...] o que implica em exce-
lente exercício de treinamento e em freqüentes e variadas pesquisas”
(SANTA CATARINA, 1946b, p. 2). Para a decomposição de palavras em
sílabas, composição e organização em pequenas sentenças é proposta a
atividade de recorte e colagem com o “[...] aproveitamento de tesouras,
caixas, envelopes sacolas e tesouras, em situação de jogo [...]” (SANTA
CATARINA, 1946b, p. 2); para a fixação de fonemas, distinção de letras
maiúsculas e minúsculas, ordenação ou sequência das letras do alfabe-
to, é sugerida a elaboração de um dicionário ilustrado pelas crianças,
com a coletânea dos vocábulos aprendidos na classe.
Na 2ª série, dentre as matérias sumarizadas para “Linguagem
Oral”, figuram palestras sobre brinquedos, animais domésticos, pas-
seios, festividades, assuntos de natureza escolar, nas quais seriam dadas
Capítulo 10

oportunidades à criança “[...] não só de responder, como de perguntar


[...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p .2). São previstas também drama-
tizações de histórias e fábulas pelas crianças, transmissão de recados e
recitação de pequenas poesias. Nas “indicações”, o professor é estimu-
lado a incentivar colóquios com os alunos sobre os assuntos de diferen-
tes lições, exigindo que “[...] respondam com algum desenvolvimento,
empregando os termos próprios [...].” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 2)
e a levar o aluno, em caso de erro na leitura oral, a descobrir e corrigir a
sua falta por seu próprio esforço. (SANTA CATARINA, 1946b).
Em “Leitura”, é sugerida a leitura diária oral ou silenciosa no
quadro-negro, em cartazes, revistas e livros da biblioteca da classe, de
frases, trechos ou historietas, em prosa e em verso (SANTA CATARI-
NA, 1946b, p. 29). Em “Linguagem Escrita”, o professor é estimulado
a preparar com as crianças listas de feira, elaborar programas para
festividades, bilhetes simples e a registrar observações referentes a
condições atmosféricas, jardinagem, criação de animais, etc., tudo de-
vidamente ilustrado pelas crianças, no livro da classe, documento das
atividades realizadas (SANTA CATARINA, 1946b). Como “sugestão
prática”, é proposta a realização de composições escritas coletivamen-
te no quadro negro (SANTA CATARINA, 1946b, p. 3).
Em “Linguagem Oral”, a exposição de [...] “fatos e narrações de ce-
nas que as crianças tenham presenciado [...]”, “[...] reprodução de histo- 369
rietas e fábulas lidas ou narrações pelos próprios alunos ou pelo professor
[...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 3), bem como “[...] palestras ou pe-
quenas exposições, aproveitando assuntos de outras matérias do progra-
ma – preparo de uma horta, construção de um galinheiro ou de uma casa
de pássaros – assuntos de preferência relacionados com o trabalho manu-
al, disciplinador por excelência [...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 3-4).
Nas “indicações” o professor é estimulado a levar as crianças a narrar,
descrever e contar o que vêem e o que sentem e a redigir cartas, escolhen-
do motivos práticos e fáceis, que sejam reais ou pelo menos verossímeis,
relacionando-se com o meio em que vivem (SANTA CATARINA, 1946b,
p. 8). Em “Leitura”, é indicada a “[...] leitura silenciosa de trechos de re-
vistas e jornais da atualidade e em livros adequados à série [...]”, para que
as crianças tenham “[...] perfeita compreensão [...]” (SANTA CATARINA,
1946b, p. 5).
Como “sugestões práticas”, exercícios de leitura dialogada em que
a parte de cada personagem é confiada a uma criança, leitura comenta-
da de letras dos cantos escolares, uso do dicionário, exercícios de com-
posição oral e escrita no quadro negro, individual e coletivamente. E
quanto às noções gramaticais, novamente aparece a opção dos produ-
tores do texto por uma frase negativa: “Nada de regras que sejam me-
morizadas [...]” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 5), a qual na perspectiva
História da Escola Primária no Brasil

da intertextualidade, pressupõe a proposição de que os professores da


escola primária catarinense levavam os alunos a memorizar regras sem
aplicação imediata, a qual já havia sido proibida em 1911 pela Reforma
Orestes Guimarães.

Desenvolvimento do espírito de cooperação


entre as crianças

Na 3ª e, sobretudo, na 4ª série – último ano do ensino primário


elementar e, para muitos alunos tanto dos grupos escolares quanto das
escolas isoladas, derradeira experiência escolar antes do ingresso no
mundo do trabalho – encontramos, mais amiúde, o princípio relaciona-
do ao trabalho coletivo e de cooperação entre as crianças e a uma “maior
integração social”. Em “Linguagem Escrita”, na 3ª série, são propostas
atividades de intercâmbio escolar, mediante a redação de bilhetes sobre
assuntos comuns da vida do aluno e endereços. A escrita coletiva no
livro da classe, onde são registrados os principais acontecimentos é tam-
bém estimulada nesta série (SANTA CATARINA, 1946b). Nas “indica-
ções”, é sugerida a redação de cartas, “[...] escolhendo motivos práticos
370 e fáceis, que sejam reais, ou pelo menos verossímeis [...]” relacionando-
se com o meio que as crianças vivem (SANTA CATARINA, 1946b, p. 8).
Na 4ª série, é sugerido um maior aproveitamento da biblioteca da
classe e da escola, bem como o do noticiário dos jornais, tendo em vis-
ta o enriquecimento do vocabulário, o desenvolvimento do gosto pela
boa leitura, o despertar do desejo de conhecer a vida e a obra dos gran-
des vultos nacionais que contribuíram para o progresso científico e in-
dustrial do país, o conhecimento sobre o que se passa no grupo social
a que pertence e consequente interesse pelas atividades econômicas e
profissionais (SANTA CATARINA, 1946b). Em “Linguagem Oral” su-
gere-se que o aluno seja estimulado a exprimir o seu pensamento mais
livremente. Nas “indicações” a narração de acontecimentos da vida do
aluno, ocorridos em casa, no recreio, na sala de aula, etc. (SANTA CA-
TARINA, 1946b). Em “Linguagem Escrita”, a redação de programas e
convites para festividades, elaboração de artigos simples para jornal
manuscrito da classe ou da escola e de relatórios que expressem as im-
pressões colhidas em visitas a fábricas, oficias, chácaras e casas comer-
ciais. Nas “indicações” para as aulas de “Leitura” são reforçados os es-
tímulos, iniciados na 2ª série, para que o professor proponha trabalhos
em cooperação, como por exemplo, a organização de “[...] concurso de
leitura e declamação entre alunos da mesma ou de classes paralelas”
(SANTA CATARINA, 1946b, p. 9).
Capítulo 10

O discurso da Escola Nova do “aluno e da escola ativos” – uma


contraposição ao aluno passivo – foi operacionalizado no Programa
como um modo de “tornar viva” a lição dos professores, “a melhor
de todas as lições” (SANTA CATARINA, 1946b, p. 30). Mediante a in-
clusão de jogos, relatórios de excursões, confecção do livro da classe
ou de dicionários pelos alunos, intercâmbio entre classes, construções,
prometia-se aos professores, que seus alunos não ficariam presos “[...]
ao mecanismo árido e fastidioso – mera decifração de símbolos – mas
preocupar-se-á com o sentido que os textos encerram” (SANTA CATA-
RINA, 1946b, p. 2). Nesse sentido, aos professores era prometido que
promovendo “atividades vivas” em classe, estariam quebrando a rotina
e o excessivo intelectualismo do programa anterior, transformando, tal
como afirmou o professor Orlando Ferreira de Melo (1955, p. 14) “[...]
a sala de aula, de ‘escritório de informações’ em laboratório de ‘forma-
ção e educação’ [...]” afastando-se, definitivamente, da velha escola e de
seus tão apregoados malefícios.
Não obstante, na maioria dos enunciados apresentados, a atividade
parece ter sido compreendida como sinônimo de exercício ou de fazer
coisas, tal como na Pedagogia Moderna, para a qual uma boa atividade
era, em última instância, esforço, e onde o principal dever do mestre
seria o de estimular o esforço do aluno, ou seja, todo o seu trabalho não
teria outro objetivo senão o de fazer trabalhar o aluno. Assim, as suges- 371
tões práticas e indicações propostas para a realização de atividades nos
levam a imaginar as imensas dificuldades encontradas pelos professo-
res para realizar o ideal ativo nas escolas catarinenses, tal como havia
sido proposto pela Escola Nova.
Ademais, para confundi-los ainda mais, as normatizações acerca da
organização e funcionamento da escola primária definidas no Regula-
mento para os Estabelecimentos de Ensino Primário de Santa Catarina,
de 1946, mantiveram-se praticamente as mesmas do regulamento da Re-
forma Orestes Guimarães, tal como concluiu Fiori (1975), em um estu-
do comparativo entre ambos. Com pequenas inovações, passados quase
quarenta anos, o novo Regulamento referendou as rigorosas normas de
seu antecessor no que se refere a organização do ensino e do programa,
critérios de avaliação, disciplina escolar e deveres dos alunos, frequência,
período letivo e férias, trabalhos de fim de ano, etc., as quais distancia-
vam-se, sobremaneira, da concepção de “escola laboratório” e da apren-
dizagem como um processo de descoberta, indagação e experimentação.
Por conta disso, o professor catarinense José Roberto Moreira, em
sua avaliação sobre a educação em Santa Catarina, quando ocupava
um alto cargo no MEC, afirmava não ter havido nenhum progresso
qualitativo no sistema de ensino catarinense após a Reforma Elpídio
Barbosa, muito pelo contrário, “[...] é hoje apenas uma certa massa
História da Escola Primária no Brasil

quantitativa, pobre se a escola for considerada de um ponto de vista


intelectualista, má se tivermos em consideração as modernas exigên-
cias educacionais [...]”. Aludia a isso, a confusão gerada “[...] entre o
espírito da escola ativa e a tendência centralista e autoritária de ad-
ministração dos serviços da educação [...]” (MOREIRA, 1954, p. 86),
uma clara alusão à condução da Reforma de base escolanovista pelos
técnicos do Departamento de Educação.
Mais do que isso, avaliamos que tal confusão pode ser explicada,
salvo melhor juízo, por uma justaposição do discurso da Pedagogia
da Escola Nova com os da Pedagogia Moderna, sobretudo os de ati-
vidade, interesse, disciplina, autoridade. Na verdade, apesar das ve-
ementes críticas à escola em vigor no estado, que colocava em prática
os princípios da Pedagogia Moderna, os técnicos liam a Escola Nova
pelas suas lentes, ou seja, a partir de um modelo de conhecimento
onde ainda não existia lugar para o sujeito ativo, apenas para o ensino
ativo. Para a Pedagogia Moderna conhecer era observar, lema dos em-
piristas, assentado no entendimento da transparência absoluta entre
as palavras e as coisas. Nessa perspectiva, pensar seria operar com as
imagens das coisas e expressá-las. (TEIVE, 2008).
Desse modo, no discurso de Orestes Guimarães, o mentor da re-
forma de 1911 e dos pedagogos modernos em geral, são encontradas,
372 com frequência, alusões aos interesses dos alunos, à ação e à ativi-
dade das crianças, mas num sentido diferente do proclamado pela
Escola Nova. Atividade para os modernos era quase um sinônimo
de exercício, de fazer coisas, um movimento do ser para o exterior,
longe, portanto, de produzir o que os partidários da Escola Nova
denominaram de subjetivação e objetivação, ou seja, a transformação
mútua do objeto e do sujeito, muito bem sintetizada no conceito de
“adaptação do organismo ao meio”. A Pedagogia Moderna e Psico-
logia Clássica concebiam a inteligência como uma faculdade dada
de uma vez para sempre e suscetível de conhecer o real, bem como
um sistema de associações mecanicamente adquiridas mediante as
lições de coisas. A Escola Nova e Psicologia Experimental, por sua
vez, reconheciam a existência de uma inteligência que estaria acima
das associações e lhe atribui uma atividade e não exclusivamente a
faculdade de saber.
Com tais entendimentos, tornava-se difícil a concretização em ter-
ras catarinenses do projeto de transformar as salas de aula da escola
primária em um “[...] laboratório de formação e educação [...]” como
apregoava a Escola Nova. Não sem razão, a escola primária continuou
sendo eminentemente “[...] intelectualista, mais ou menos modificada
(vitalizada) pelos ideais da escola nova [...]”, como avaliara o professor
Orlando Ferreira de Melo, nos anos 1950 (1955, p.7).
Capítulo 10

A Série de Leitura Graduada “Pedrinho” de Lourenço


Filho no Grupo Escolar Modelo Dias Velho,
em Florianópolis

Conforme já foi dito, em 1955, o professor catarinense Orlando


Ferreira de Melo indicava em seus escritos a importância de se trans-
formar a sala de aula em um ambiente moderno, pleno de informa-
ções como forma de afastar-se do que se convencionou chamar de
“[...] velha escola e de seus tão apregoados malefícios [...]”. Naquele
mesmo ano já circularam, modestamente, na capital catarinense os
dois primeiros volumes da Série de Leitura Graduada Pedrinho, de
autoria do Professor Manoel Berströen Lourenço Filho que seriam
adotados, posteriormente, pelo Grupo Escolar Modelo Dias Velho
que funcionava, à época, como uma espécie de escola de aplicação e
campo de estágio para a prática docente às normalistas do Instituto
Estadual de Educação Dias Velho.
A presença deste material merece atenção tendo em vista a impor-
tância de seu autor no movimento conhecido como Escola Nova2. Um
dos signatários do Manifesto de 1932, o professor Manoel Bergström
Lourenço Filho se notabilizou, entre tantas outras atividades, por seus
373
estudos sobre a leitura nas escolas. Segundo Vidal (2000), Lourenço Fi-
lho, evidenciou seu interesse, desde a década de 1920, pelo tema da lei-
tura e sua presença como um saber escolarizado.
Em 1922, Lourenço Filho foi nomeado Diretor da Instrução Pública
do Estado do Ceará e implantou na Escola Normal de Fortaleza pro-
cedimentos que sinalizavam mudanças, tais como: o método intuitivo
ou lições de coisas, escola modelo, aulas práticas, medição de acuidade
visual. Fundou também um pequeno laboratório de psicologia, discipli-
na de sua predileção e formação. Data de 1928 a primeira incursão de
Lourenço Filho na escrita de livros para a escola, quando elabora a Car-
tilha do povo, considerada um sucesso duradouro (RAZZINI, 2005),
chegando à 2.204ª edição em 1994.
Muito atuante na década de 1930 nas batalhas pela educação públi-
ca, laica e gratuita, Lourenço Filho foi incumbido, em 1938, de organizar
o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), onde trabalhou até
1946. Em 1944 fundou a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Em
1947, pela segunda vez, ocupou a direção do Departamento Nacional de
Educação, cargo em que permaneceu até 1951. Neste mesmo ano retor-
2 A expressão “Escola Nova”, largamente difundida, é polissêmica e abriga de modo impreciso diferentes
propostas para a renovação escolar, produzidas no século XX. Aqui se consideram as propostas que es-
tavam amparadas em experimentos científicos, tomavam o desenvolvimento infantil como determinan-
te para o processo educativo e a atividadee experiência como elementos centrais do processo cognitivo
(VALDEMARIN, 2010).
História da Escola Primária no Brasil

nou ao exercício do magistério como professor de Psicologia Educacio-


nal na Faculdade de Filosofia, atuando até março de 1957, ano em que
se aposentou (LOURENÇO FILHO, 1997).
Foi justamente na década de 1950, concomitantemente ao seu re-
torno ao magistério, que Lourenço Filho iniciou, mais precisamente em
1953, a produção da Série de leitura graduada Pedrinho em cinco vo-
lumes – e seus respectivos “Guias do Mestre”: Pedrinho – livro I, em
janeiro de 1953; Pedrinho e seus amigos – livro II, em janeiro de 1954;
Aventuras de Pedrinho – livro III, em janeiro de 1955; Leituras de Pe-
drinho e Maria Clara – livro IV, em 1956 e Pedrinho e o mundo – livro
V. Este último, apesar de mencionado nas propagandas e descrições da
série, nunca foi publicado. A cartilha Upa, cavalinho! cuja primeira edi-
ção é de 1956–1957, faz parte da série e chegou à 12ª edição em 1970 com
cerca de dois milhões de exemplares (BERTOLETTI, 2006).
Em sua fase inicial, destinada ao ensino da leitura e da escrita às crian-
ças das escolas brasileiras, a série foi saudada como esforço de renovação
e marco de uma nova fase na história do livro de leitura brasileiro, alcan-
çando tiragens de mais de dois milhões de exemplares entre 1953 e 1970
(MORTATTI, 2000). Segundo seu próprio autor escreveu na contracapa do
livro I – Pedrinho, o mérito da Série era “[...] estimular o desejo de ler, e
de ler com compreensão, de forma produtiva. É a primeira série de leitura
374 escolar a cuidar dos problemas das relações humanas no lar, na escola, na
vida social” (LOURENÇO FILHO, 1955, contracapa).
A Série de Leitura Graduada Pedrinho, editada pela Companhia Me-
lhoramentos3, se apresentava aos leitores como uma das séries mais im-
portantes de leitura escolar organizada para as crianças brasileiras, adotada
nacionalmente na década de 1950. Em seus livros encontravam-se modelos
educativos de caráter moral e político que tentavam imprimir novos hábi-
tos para legitimar ações e configurar comportamentos desejáveis aos jovens
leitores escolares. De meados da década de 1950 até o início da década de
1970, esses livros de leitura foram utilizados em grupos escolares do esta-
do de Santa Catarina, capitaneados, em Florianópolis, pelo Grupo Escolar
Modelo Dias Velho, já citado. A Série visava normatizar comportamentos,
internalizar regras e preceitos para a formação do bom cidadão e contribuir
para a formação do caráter, em um período em que a vida nas cidades se
firmava e regras para o controle e contenção de sentimentos e ações eram
definidas, produzindo a experiência do civilizado, polido e educado.
3 Fundada em 1890 por Antonio Prost Rodavalho, a Companhia Melhoramentos mantinha vínculos, des-
de as primeiras décadas do século XX, com professores da Escola Normal Caetano de Campos, como
Lourenço Filho, que foi convidado a orientar diferentes coleções que a editora publicou dedicadas à
ficção para crianças, obras escolares e textos sobre educação, inclusive os seus próprios. Desde 1915 como
propriedade dos Irmãos Weiszflog, a Companhia Melhoramentos abrigava uma parte dos chamados
escolanovistas, como o próprio Lourenço Filho, em concorrência com a Companhia Editora Nacional
(Disponível em: <www.melhoramentos.com.br/> Acesso em: 24 maio 2013. Márcia Razzini destaca a im-
portância da Companhia Melhoramentos na produção de livros didáticos, em 1915 (p. 106)).
Capítulo 10

Salienta-se, ainda, que ela foi concebida como série didática por
sua proposta lúdica (imagens e personagens) e psicológica (obedien-
te aos princípios etários básicos do processo de aprendizagem), sendo
também uma forma de literatura infantil. Gradativamente personagens
e situações são apresentados desde o primeiro volume, Pedrinho – livro
I, cuja primeira edição é de 1953, que apresenta o personagem em seu
ambiente familiar com pais, irmãos, parentes e sua entrada na escola, e
corresponde à passagem da literatura hesitante para a leitura corrente
(MARINS, 1997, p. 88-89). Indicado para crianças de 7 e 8 anos com o
intuito de criar ou reforçar no aluno o gosto de ler, este primeiro volume
discorre, em suas 64 lições (ou histórias), de uma maneira geral, sobre
família e escola. Segundo o próprio autor o livro se destinava à:

[...] delicada fase de transição entre o período de aprendiza-


gem inicial, a da cartilha, e o dos primeiros ensaios de leitura
corrente, de especial relevância na fixação de hábitos e atitu-
des, ou disposições favoráveis ou não ao perfeito desenvolvi-
mento do processo. Poderá e deverá este livro tal seja o nível
de maturidade dos alunos e adiantamento alcançado, ser logo
utilizado ao fim dos primeiros meses de estudo no primeiro
ano escolar, ou então, no primeiro semestre do segundo ano.
(LOURENÇO FILHO, 1964, p. 125).
375

Como iniciador da série, encontram-se na contracapa do livro I –


Pedrinho, seus princípios metodológicos e seu propósito, o já referido
investimento no ato de ler:

Atende às exigências da evolução psicológica da criança a


aos objetivos dos programas de ensino. Estimula o desejo
de ler, e de ler com compreensão, de forma produtiva. É
a primeira série de leitura escolar a cuidar dos problemas
das “relações humanas” no lar, na escola, na vida social.
É também a primeira a graduar o vocabulário, as formas
de construção e as gravuras, segundo os resultados de
pesquisas realizadas com crianças brasileiras. Concorre,
por tudo isso, para que o trabalho escolar transcorra num
ambiente de verdade, alegria e beleza. (LOURENÇO FI-
LHO, 1964, s.p.)

Pedrinho e seus amigos, o segundo volume da Série, era indicado


para crianças entre 8 e 9 anos e nele a criança é apresentada à comu-
nidade, à vizinhança, às profissões, aos modos de vida rural e urbano
e aos animais e plantas. No volume seguinte, intitulado Aventuras de
História da Escola Primária no Brasil

Pedrinho, para crianças de 9 e 10 anos, a ênfase recai em histórias que


atiçam a imaginação e as aventuras infantis.
No quarto volume, Leituras de Pedrinho e Maria Clara, encon-
tra-se uma seleção de textos de autores variados visando a iniciação li-
terária e, ao mesmo tempo, mostrando diferentes aspectos do ato de
ler, fazer livros, escrevê-los e até como guardá-los. Neste volume, há
instruções mais densas sobre leitura e formação de leitores, a começar
pelo próprio título que se inicia com a palavra Leituras, sinalizando que
este será o mote do volume. Antes, porém, convém ressaltar que, em
toda a série, ao final de cada história (lição), há propostas de atividades,
geralmente vinculadas aos textos lidos. Ao lado das lições intercalam-se
poesia, prosa e música. Dessa forma parece afirmar-se o método intui-
tivo ou lições de coisas, que previa o ensino partindo do simples para
o complexo, do particular para o geral, do concreto para o abstrato, da
síntese para a análise, do conhecido para o desconhecido, em que des-
crições detalhadas dos seres e acontecimentos, bem como a utilização
de desenhos ou gravuras, evidenciavam a relação de contiguidade de
sentido dos textos.

Ressonâncias:4 Postulados escolanovistas na Série de


376 Leitura Graduada Pedrinho

A Série de Leitura Graduada Pedrinho, através de textos em suas


lições, fez circular estes postulados escolanovistas, fato que constituiu
um traço distintivo ao uso desta Série. As prescrições que simbolicamen-
te circularam nos livros e nas leis foram, certamente, trabalhadas pelos
professores que iam desenhando um modelo de formação para os alu-
nos em que as enunciações dos discursos tinham grande visibilidade.
Estudos anteriormente citados (MORTATTI, 2000) mostram que a
Série de Leitura Graduada Pedrinho alcançou altas vendagens e re-
presentou um marco na história do livro didático brasileiro. Cuidado-
samente editada para os padrões da época, a Série em estudo atingia
comunidades de leitores que frequentavam a escola primária pública e
exibia determinados protocolos de leitura: tamanho, editoração, formas
de encadernação (no caso, tipo brochura), imagens e textos que forma-
vam uma ordem, “[...] fosse a ordem de sua decifração, a ordem no in-
terior da qual ele deve ser compreendido ou, ainda, a ordem desejada
pela autoridade que o encomendou ou permitiu sua publicação [...]”
(CHARTIER, 1994, p. 8).
4 Por ressonância entende-se a capacidade, o poder de um objeto ou uma proposta atingir um universo
mais amplo, para além de suas fronteiras formais, o poder de evocar outros pertencimentos [...] (GRE-
ENBLATT, 1991, p. 42-56 apud GONÇALVES, 2005, p. 18-20).
Capítulo 10

No que diz respeito ao atendimento de um preceito básico do dis-


curso da Escola Nova relativo ao papel ativo do aluno, conforme pres-
crito em nossa legislação estadual, variados exemplos de lições presen-
tes nos livros da Série investem nesta ação. As viagens, as excursões,
os jogos e a confecção de livros em classe são ambientados em situação
que envolvem o protagonista – Pedrinho –, sempre de forma lúdica. A
Série inteira pode ser considerada a biografia de Pedrinho, que através
de seu dia a dia, de ações em seu cotidiano vai ensinando os leitores as
mais diversas lições educacionais. Viajar para conhecer o Brasil, conhe-
cer e cantar os hinos e poemas patrióticos e comemorar as festividades
cívicas foram considerados como ritos significativos para os leitores da
Série e os exemplos se fazem presentes em todos os volumes.
No terceiro volume da Série, o autor dedica várias lições a mostrar o
país aos pequenosleitores através de viagens. Vistas como uma atividade
ritual, as viagens do protagonista Pedrinho pelo Brasil mostravam para
os leitores a diversidade do país e também os incentivava a conhecer e
viajar pelas localidades brasileiras. Pedrinho e sua irmã Maria Clara saem
de suas rotinas e partem para viajar passando, de capital em capital, pelo
litoral do país como em uma espécie de ritual patriótico onde o conheci-
mento das peculiaridades das cidades encontradas faz com que os via-
jantes sintam-se pertencentes à nação. Em cada parada, muitas interações
e atividades materializadas em visitas a locais que caracterizam aquele 377
espaço do país. Esses locais podem ter um monumento, uma construção,
um parque e serão alvo de passeios e questionamentos. O interessante a
observar é que em cada cidade visitada há o que ser admirado como im-
portante patrimônio regional e brasileiro.
No quarto volume da Série, o próprio título – Leituras de Pedrinho
e Maria Clara – é o da 3ª edição, publicada em 1958 e a importância da
temática se faz sentir, por exemplo, nas várias imagens que traduzem
de forma emblemática o investimento do autor na leitura, pois desde a
capa até suas folhas internas encontram-se lições e propostas de ativida-
des que articulavam os conteúdos às leituras.
Desde a capa mostra-se uma cena de leitura: o protagonista da
Série, o menino Pedrinho e sua irmã Maria Clara aparecem sentados à
mesa, tendo como pano de fundo uma estante cheia de livros bem dispos-
tos como se fosse o espaço de uma biblioteca. Na mesa há uma tesoura
grande, um vidro de cola (goma arábica) e um tinteiro, objetos que serão
utilizados na confecção de um livro artesanal, tarefa a que se entregarão
ao longo das páginas do livro e que aparecerá descrita minuciosamente
em várias lições. Pela lição intitulada Como este livro foi preparado, os
irmãos irão mostrar como se faz um livro, organizado em textos escritos
por eles mesmos por meio de pesquisas em outras obras e revistas e por
outros autores, tudo realizado artesanalmente, sem estímulos materiais
História da Escola Primária no Brasil

nem compensações financeiras. Esta atividade de uma forma de escrita


coletiva é mais uma prática incentivada na legislação catarinense de 1946
(SANTA CATARINA, 1946b), o que parece reforçar o investimento na
proposição escolanovista em nosso estado.
Este quarto livro é apresentado aos alunos como um incentivo à
leitura, bastante compreensível se levarmos em consideração as pala-
vras do próprio autor, para quem “[...] não há cultura sem o exame do
pensamento dos outros, de muitos outros, quer dizer, não há cultura
sem leitura [...]” (MONARCHA apud MARINS, 1997, p. 87). Dessa for-
ma, as lições, os temas, a seleção de autores configuram senhas dessa
identidade, perceptíveis nos motivos que aludem às letras, aos autores,
aos livros, à escrita, ao saber, à civilização, signos de uma nova cultura
material escolar, associada à experimentação e à criatividade, que pro-
curavam fazer da descoberta a razão de aprender e, pelo apelo à imagi-
nação, permitir à criança uma forma de aprender a ler bem, respeitando
os livros, conforme o próprio autor explicita:

Desde a primeira lição, que se intitula Como este livro foi


preparado (p. 7-8) é possível encontrar regras escritas que
ensinam a fazer o livro, em casa: primeiro, compramos
uma porção de folhas de papel almaço – dessas pautadas,
378 vocês sabem. Depois, com caligrafia caprichada e sem er-
ros de ortografia, começamos a copiar. Deixávamos uma
boa margem no papel. Copia que copia, o maço foi cres-
cendo... Numeramos as páginas, fizemos um índice [...].
(LOURENÇO FILHO, 1958, p.7-8).

As lições prosseguem com abordagens de temas relacionados ao


ato de ler, em títulos como “Os livros”, ou como conservar os objetos de
leitura na “Nova moda de encapar os livros [...]” e em “O que merece
ser feito merece ser bem feito [...]”, onde os irmãos empenham-se em
montar um índice para evitar que os “[...] assuntos fiquem misturados.
(LOURENÇO FILHO, 1958, p.7-8).
Por meio de estratégias que valorizam o trabalho manual dos
protagonistas, grande parte das lições oferecidas à leitura indicavam
modos peculiares de edição, maneiras de organizar a disposição dos
assuntos, possibilidades artesanais de encadernação que poderiam
fazer do livro um utensílio atrativo ao toque das mão se da leitura
uma possibilidade de aprendizagem silenciosa que poderia ser feita
pelos olhos.
Todas as lições se apresentavam ornadas por ilustrações coloridas
e, muitas delas, mostravam o envolvimento com o ato de ler e de es-
crever por meio de situações agradáveis e edificantes, em consonância
Capítulo 10

com o propósito do livro, que entre seus objetivos buscava “[...] o ler e o
escrever deforma autônoma, em que o aluno deveria caminhar sozinho,
instruir-se e compreender os pontos de vista dos autores” (MONAR-
CHA apud MARINS; 1997, p. 88).
As questões da escrita também constituíam preocupação na Série
e estão sinalizadas principalmente no volume IV, na explicação de final
de livro na página onde está descrito como um de seus objetivos: “[...]
despertar o gosto pelo emprego das formas claras, corretas, elegantes,
no falar e no escrever [...]” (MONARCHA apud MARINS, 1997, p. 173).
Tal atividade está materializada em atividades de cópia propostas, em
geral, ao final das lições e cujo teor privilegiavam conteúdos de apelo
moral, cívico-patriótico, disciplina e autoridade, bem ao molde das pres-
crições emanadas pela legislação catarinense.
Um exemplo:

Lição 10. O Carlinhos

Carlinhos é colega de escola de Pedrinho. [...] Carlinhos


tem dez anos e está no terceiro ano da escola. Escreve com
uma bonita letra [...]é educado e bem disciplinado*.

*Disciplinado quer dizer que sabe receber e cumprir or-


379
dens.
Sem disciplina nada mais anda bem, nem nas casas, nem
nas escolas, nem nas fábricas, nem em parte alguma. Deve-
mos saber obedecer para mais tarde saber mandar.

Copie em seu caderno: Um menino disciplinado é sempre


estimado.5

Utensílio de trabalho do professor, material escolar do aluno, livro


didático para editores, produção cultural para o autor, a Série de leitura
graduada Pedrinho indubitavelmente se impôs na escola pública catari-
nense e brasileira desde seu aparecimento em 1953 até o final da década
de 1960, como nos informam suas altas vendagens, comprovadas pelo
número de suas edições e sua adoção por uma escola modelo é sinal
bem característico de atendimento das prescrições legislativas em Santa
Catarina, em consonância com os “Programas para os Estabelecimentos
de Ensino Primário” – Decreto n.º 3.732, de 12 de dezembro de 1946.
O conjunto dos quatro livros que compõem a Série evidenciou
como a leitura e a escrita deveriam fazer parte do universo simbólico
da escola pelo envolvimento com o objeto livro, materializado na sua
5 Volume I, 11ª edição. 1961, p. 24 - 25.
História da Escola Primária no Brasil

própria confecção e na seleção de autores que a ela se referiam. Por meio


de imagens visuais e discursivas, apresentadas nas gravuras, nos textos
e nos exercícios, forjava-se, no imaginário dos leitores, o poder do livro,
da leitura e da escrita, tão caros às propostas escolanovistas que estavam
em implantação gradativa no estado de Santa Catarina. De igual manei-
ra, foi possível perceber que as lições, ilustradas ou não, colocavam em
cena o imperativo escolar de saber ler/escrever, processo que supunha o
contato constante do estudante com o mundo do livro e da leitura.
Ter como autor um nome consagrado no campo educacional como
o professor Manuel Bergström Lourenço Filho agregando valor à série, à
autoridade do autor e à sua trajetória profissional, qualificava sobrema-
neira as propostas para a leitura e a escrita, firmando-as como paradig-
ma, como modelo positivo de identificação para professores e alunos.
Ao materializar representações variadas de cenas de leitura e do ato de
escritura e, igualmente, dar destaque aos livros e ao ato de escrever,
em textos de prosa ou em exortações poéticas, a seleção de excertos, em
conjunto com as imagens que evocavam tais, conferiam maior valor aos
atos de ler e escrever bem como ao objeto livro de leitura e anunciavam o
benefício de êxito escolar ao jovem aluno curioso, proposta afinada com
os pressupostos da Escola Nova. Lourenço Filho, como autor didático,
conciliou antigos e novos procedimentos e se apropriou de experiências
380 cotidianas para solidificar a crença no poder da leitura, da escritura e dos
livros para a evolução do pensamento e buscou, sempre, reforçar a ati-
vidade da criança na leitura e na linguagem oral e escrita, princípio esse
que se encontrava, ao menos, prescrito na legislação em Santa Catarina.
Considerações finais

A análise crítica do discurso (ACD), na perspectiva de Norman


Fairclough (2001), nos permitiu concluir que, apesar dos propósitos dos
técnicos do Departamento de Educação no sentido de buscar um con-
senso em torno da supremacia da Escola Nova no estado, os significa-
dos por eles atribuídos a alguns de seus princípios mais caros, tal como
o “interesse natural da criança”, a “atividade” e “experiências” prévias
foram, regra geral, fruto de um bricoleur e/ou justaposição destes com
os da Pedagogia Moderna. Isso certamente teve impacto no entendi-
mento que os professores da escola primária tiveram sobre a questão,
sobretudo no que diz respeito ao tão decantado discurso do “sujeito
ativo”, reiteradamente confundido no programa da disciplina de “Lei-
tura, Linguagem Oral e Linguagem Escrita”, na perspectiva do “ensino
ativo”ou o princípio da “atividade da criança”, via de regra compre-
endido como sinônimo de exercício ou de como fazer coisas. Aliada
a estas confusões acerca do espírito da “escola ativa” havia, ainda, a
tendência centralista e autoritária do Departamento de Educação, que,
no que se referia à administração da escola primária, manteve pratica-
mente intactas as prescrições do Regulamento para os Estabelecimentos
de Ensino Primário, de 1914, organizado segundo os pressupostos da
Pedagogia Moderna, de caráter “peremptório e irrevogável”, as quais,
segundo João Roberto Moreira (1954) se cumpridas à risca, anulariam
qualquer trabalho de renovação, destruindo pela base o poder criador
e as iniciativas dos professores. De modo que, apesar de acreditarem e
defenderem a superioridade da Escola Nova em relação à Tradicional e
à Pedagogia Moderna, a operacionalização da Lei Orgânica do Ensino
Primário no programa da escola primária de Santa Catarina foi realiza-
da pelos técnicos do Departamento de Educação, sobretudo pelas lentes
desta última.
Concluímos, pois, que os postulados da Escola Nova circularam
na Legislação, no Programa, no Regulamento da escola primária cata-
rinense e até nas lições da Série de Leitura Graduada Pedrinho menos
como um modelo e muito mais como uma bricolagem de ideias desta
e da Pedagogia Moderna, as quais tentavam responder a condições
especiais do contexto onde se encontravam. Como aponta Carvalho
(2011, p. 188) “[...] falar em modelo como ferramenta de análise no
campo da pesquisa historiográfica [...] exige que os elementos que o
compõem sejam situados na rede de relações que o constituem [...]” e
não são meras transposições deles para uma determinada realidade.
Na tentativa de encontrar fragmentos para esta análise buscamos tra-
zer enunciações dessas práticas que tiveram visibilidade nas leis e nos
História da Escola Primária no Brasil

livros. O estudo evidenciou que as prescrições e as propostas que, sim-


bolicamente, circularam nos regulamentos legislativos e nos livros de
leitura, tiveram uma forma de ressonância nos discursos e nas práticas
dos educadores e contribuíram para reforçar concepções de escola e
educação no período estudado.

382
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386
11.
A CIRCULAÇÃO DOS LIVROS DE LEITURA
COMO CULTURA MATERIAL ESCOLAR NA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
ESCOLA PRIMÁRIA:
Maranhão, São Paulo e Sergipe na primeira metade
do século XX.

Samuel Luis Velázquez Castellanos - UFMA


Claudia Panizzolo - UNIFESP
Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas - UFS

Introdução

Este texto é o resultado de um conjunto de pesquisas no âmbito do


projeto História da Escola Primária no Brasil: investigação em pers-
pectiva comparada em âmbito nacional (1930–1961) financiado pelo
CNPq e de um itinerário regular de discussões e reflexões promovidas
pelo GT-3 (formado por pesquisadores de diferentes estados, no campo
da História da Educação), na tentativa de analisar, discutir e apresentar
em diferentes eventos e reuniões, questões pertinentes à cultura mate-
rial escolar (intensamente atrelada aos conceitos de cultura escolar e de
cultura da escola) que pudessem ajudar no entendimento do passado
da escola brasileira e permitissem construir e compreender por meio
dos objetos inseridos nos espaços de ensino, mediados pela comparação
estabelecida entre os estados de Maranhão, São Paulo e Sergipe numa
experiência em curso1, indícios que apontassem para algumas perma-
nências na escola graduada como variação escolar de escolarização, in-
dependentemente das especificidades do lugar, e rastros que ajudassem
a delinear as transformações implícitas no processo de institucionaliza-
ção da escola primária independentemente da zona de observância, não
só articulando a diversidade e as particularidades que demarcam um
sentir, uma identidade e um saber local, que “[...] são inevitavelmente
locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros [...]” (GE-
ERTZ, 2009, p. 11),como também categorias gerais de longo alcance que
permitissem reconhecer indicativos da unidade na diversidade, quando
refletimos sobre a gramática da escola; embora nesta ginástica reflexiva
tenhamos que fazer escolhas no que se refere ao referencial teórico uti-
lizado, aos conceitos propostos para análise e aos procedimentos meto-
1 Ver Souza (2013b).
História da Escola Primária no Brasil

dológicos de uma forma não neutra, que dependem em última instância


do posicionamento do historiador e de sua experiência na pesquisa his-
tórica, tendo ela como objeto de estudo e não como referente.
Tomar a história cruzada como procedimento teórico-metodoló-
gico norteador desta discussão, significa inserir uma problemática que
contemple os três estados referidos como tentativa iniciática e utilizar
categorias que permitam compreender desde uma perspectiva singular,
o cenário da institucionalização da escola primária a nível nacional; seja
pelas políticas implantadas na instrução pública que de alguma forma
se configuraram diferentemente nas unidades territoriais político-ad-
ministrativas; seja pela circulação de modelos e ideias, e as maneiras
de apropriação dos dispositivos reguladores e de controle no cerne da
escola graduada que se acoplaram num plano de conexões onde as de-
pendências humanas estavam postas e foram variáveis, marcando de
alguma forma a interação entre estados que induzem à pluralidade de
sentidos e à multiplicidade de efeitos, concomitantemente, à interde-
pendência dos próprios estados com a nação.
Em sendo assim, nosso questionamento baseia-se em analisarmos
em que medida a adoção do livro de leitura nos espaços de ensino foi
influenciada pela figuração estabelecida pelos autores, intelectuais e/
ou autoridades no cenário político e educacional estabelecendo inter-
388 dependências funcionais de posições que interferiram nos processos de
aprovação, indicação e veto (prescritos nos Regulamentos da Instrução
Pública) no decorrer da institucionalização da escola primária; se con-
sideramos a figuração como uma formação social, com dimensões va-
riáveis “[...] em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um
modo específico de dependências recíprocas e cuja reprodução supõe
um equilíbrio móvel de tensões [...]” (ELIAS, 2001, p. 47).
Nesse sentido, reconhecer o livro de leitura como material da cul-
tura escolar que esteve presente nas culturas escolares, considerar sua
função como dispositivo regulador, que inculca regras a cumprir e
comportamentos a seguir por meio da sua organização, da seleção dos
conteúdos e dos métodos utilizados, e identificar não só o lugar que
ocupou no circuito do livro, como também compreendê-lo no nível da
difusão cultural, a partir de seu emprego na instrução primária devido
às tendências metodológicas que o caracterizaram como uma produção
modelada, que estaria em constante reformulação segundo as reformas
da instrução pública e as mudanças nos programas de ensino, se faz
necessário e imprescindível na construção de sua historicidade, para
termos uma pequena aproximação de um dispositivo real que teve pre-
sença (legal ou não) em quase todos os ambientes de ensino, a partir de
1860, quer nos estados contemplados (Maranhão, São Paulo e Sergipe),
quer no resto da nação, obrigando-nos este procedimento investigativo
Capítulo 11

a definir e inverter a escala de observação. Em outras palavras, a utili-


zação desta estratégia metodológica de olharmos o nacional a partir do
local, não existindo privilégio de uma escala sobre a outra, ajuda-nos a
ampliar o escopo da problematização, por meio de novas fontes, novos
achados e novas situações, e possibilita que o cotejo entre elas possa be-
neficiar o nível de compreensão sobre o livro de leitura a nível estadual
e nacional; embora os livros escolares e os não-escolares utilizados na
instrução no Império, independentemente de não serem concebidos e
produzidos para o ensino da leitura, para este fim regularmente foram
utilizados. (CASTELLANOS, 2012).
Mortatti (2010a), ao pensar sobre a história da alfabetização, esta-
belece relações entre o campo pedagógico, os autores e a produção dos
manuais de leitura, afirmando que para sua análise, faz-se necessário a
garimpagem das fontes que permitam o acesso a três níveis de enten-
dimento: da tematização, da normatização e da concretização, embora
seu principal foco esteja sustentado no último nível, ao analisar o livro
de leitura como objeto concreto para ser pensado, descrito, comparado
e criticado. Os dois primeiros níveis ou estados de reflexão não podem
ficar fora desse julgamento, uma vez que, para se entender e conceber
este artefato, na sua totalidade nos espaços de ensino, é necessário e
indispensável compreender o processo de normas que o restringia e o 389
mosaico de temas propostos que o determinava e legitimava. Quer dizer,
entre a documentação que orientava os processos de aprovação e veto
sustentada nos critérios impostos pelos agentes governamentais no nível
das normatizações e entre os artigos publicados em jornais e discutidos
nos espaços de sociabilidade, nos quais as concepções sobre o ensino e as
orientações didático-pedagógicas aconteciam no nível das tematizações;
os livros escolares e os livros de leitura postos em circulação por meio
da sua produção, divulgação, distribuição e consumo, constituíram-se
em “[...] formas de concretização das normatizações e de acordo com
tematizações cuja formulação e implementação também participavam.”
(MORTATTI, 2010b, p. 337).
Se para Choppin (2004, p. 553), quando faz referência aos livros
escolares, esclarece que estes artefatos “[...] assumem conjuntamente ou
não múltiplas funções [...] que podem variar consideravelmente segun-
do o ambiente sociocultural, a época, as disciplinas, os níveis de ensino,
os métodos e as formas de utilização [...]”, isto é, a função referencial, a
instrumental, a ideológica, cultural e a documental, que se fazem pre-
sentes nas análises feitas sobre o livro escolar (neste caso, o livro de
leitura) dependendo dos objetivos propostos pelo pesquisador, do eixo
investigativo do trabalho como foco de inferências, bem como das con-
dições reais de acesso à documentação que auxilie no fazer histórico e,
à própria localização e identificação dos exemplares, deteriorados ou
História da Escola Primária no Brasil

em face de desaparecimento, especificamente aqueles que foram usados


no século XIX e na primeira metade do XX; por outro lado, para Frade
e Maciel (2006, p. 19), o estudo do livro de leitura produto de diversas
materialidades “[...] depende de ‘por as mãos’ nos livros e poder anali-
sá-los não apenas como fontes, mas também como objeto material [...]”,
examinando as instruções dadas aos professores e aos leitores nos para-
textos2, identificando os autores e os lugares estratégicos que ocuparam
no tecido societal, os quais enveredam por tendências metodológicas
carregadas de questões ideológicas e mesmo do entendimento das con-
figurações textuais e das ilustrações implícitas nas lições referentes a
um período; fazendo-se necessário também reconhecer os lugares que
ocuparam essas obras no circuito do livro, os estudos da edição que
permitem indagar sobre as diferentes condições reais que favoreceram
sua produção, divulgação, distribuição e consumo, explicando sua difu-
são e seu emprego na instrução, não só pelas tendências metodológicas
que o livro traz na sua concepção e fabrico, como também pela rede
editorial da qual ele faz parte, isto é, “[...] com suas técnicas e jogos que
comportam a captação de autores de possível sucesso e penetração, das
posições de uma editora no cenário da edição e também os aspectos ma-
teriais do livro [...] aqueles relacionados à fabricação, à matéria prima
[e] a seu formato [...]” (FRADE; MACIEL, 2006, p. 37).
390 Nesse sentido, para Escolano Benito (1977, p. 15):

Os manuais são fontes imprescindíveis para desvelar al-


guns dos ‘silêncios’ da intra-história da escola, isto é, das
chaves internas que podem elucidar a ‘gramática’ que or-
dena a vida da instituição educativa. Eles são um espaço
de memória no qual se tem objetivado, ao mesmo tempo,
os programas da cultura escolar de cada época, as imagens
dominantes na sociedade que as têm produzido e utiliza-
do, e os modos de apropriação das disciplinas acadêmicas.

Dessa forma, apresentarmos o livro de leitura como uma categoria


concreta de longo alcance, partindo dos dispositivos legais e dos agentes
envolvidos para sua tramitação, no intuito de compreender o processo
de institucionalização da escola primária no Brasil, não só analisando
este artefato como objeto da cultura material escolar presente nos espa-
ços de ensino, como também tratar de desvendar a sua repercussão na
instrução específica de públicos alvos peculiares (segundo as variações
da escola graduada presente nos estados em foco no decorrer da primei-
ra metade do século XX) pode apontar para indicativos que nos mostre
2 Conjunto de protocolos textuais inscritos no livro que antecedem ao texto principal. Orientações ins-
critas nas advertências, nas dedicatórias, nas apresentações, nas normas de uso, nos comentários finais,
nos posfácios, na quarta capa posicionando o livro no plano editorial. (FRADE; MACIEL, 2006).
Capítulo 11

os sentidos da implantação e expansão da escola de massas e possibilite


a constatação das representações construídas sobre o livro de leitura
em contextos de ensino distintos, seja pelo lugar que ocupavam seus
autores no cenário político e educacional, seja pelo lugar que ocupou
este livro específico na difusão cultural, segundo os métodos e práticas
pedagógicas latentes na sua concepção, produção e consumo.

O ensino no Maranhão e os processos de aprovação e


adoção dos livros de leitura

No que se refere ao Maranhão, a expansão do ensino já vinha


ocorrendo desde a aprovação da Lei de 15 de outubro de 1827, primeira
e única lei geral sobre a instrução primária no Brasil imperial, que
determinava a criação de escolas em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos do Império, aumentando de 14 para 24, o número de
escolas nesse período (VIVEIROS, 1953)3. Contudo, nas estatísticas
apresentadas por Barroso (1867), em A Instrução Pública no Brasil,
fica explícito o lugar que ocupava o Maranhão, se comparado ao Nor-
te, ao Nordeste e, mesmo com o Município Neutro4, num total de vinte
391
províncias expostas5. Segundo o autor, ao calcular o número de alunos
por habitantes livres nessas regiões, o Maranhão encontrava-se entre
as oito primeiras, das quais o Norte e o Nordeste estavam representa-
dos somente por três Províncias6.
Por outro lado, se comparado com o número de alunos nas es-
colas públicas e particulares de todas as províncias contempladas, o
Maranhão ficou entre as nove primeiras, atendendo a mais de 10% da
população escolar juntamente com Alagoas, não se podendo explicar
unicamente, por meio dos aspectos econômicos e da imigração, “[...] o
maior ou menor atendimento escolar provincial; [já que] em algumas
províncias [...] homens públicos se interessaram mais pelo problema de
3 Viveiros, em trabalho divulgado em diversas edições, em 1937, no jornal O combate, encontrou no
livro de anotações do Liceu escriturado, em 1838, que “de 14 escolas que tínhamos, passamos a 24:
duas na capital e uma em Alcântara, Arari, Brejo, Caxias, Guimarães, Icatú, Mearin, Monção, Paço do
Lumiar, Pastos-Bons, Pinheiro, Itapecuru, Rosário, S. Bento, S. João de Côrtes, S. Antonio das Almas, S.
Vicente Férrer, S. Miguel, Tutóia, Vinhais, Viana e Vargem Grande” (VIVEIROS, 1953, p. 7).
4 Estatísticas copiladas,“segundo o trabalho publicado recentemente pela Commissão Directora da
Exposição Nacional, e intitulado O Império do Brasil na Exposição Nacional de 1867 em Paris,
[onde] o total de alumnos de instrução primária em todas as Províncias, menos a de Matto Grosso,
[era] de 107, 485” (BARROSO, 1867, p. 35, grifo do autor).
5 Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Bahia, Espírito Santos, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás,
Minas Gerais, Município Neutro.
6 Entre as primeiras províncias contempladas está o Paraná com 1 aluno a cada 31 habitantes (1/31) e o
Município Neutro com 1/39; seguindo Espírito Santo e Rio Grande do Sul com 1/42 e 1/44 respectiva-
mente, Santa Catarina com 1/51, e o Maranhão, o Pará e Alagoas com 1/55. (BARROSO, 1867).
História da Escola Primária no Brasil

ensino que em outras [...]” (PAIVA, 1987, p. 69); embora o número de


indivíduos com idade escolar capazes de receber instrução em todo o
país fosse de 1.190.000, só recebendo-a 104.025, para uma população de
981.808 fora da escola, isto é, no Brasil Imperial não se chegou a atender
“[...] nem mesmo 9% da população escolar calculada sobre os habitantes
livres” (PAIVA, 1987, p. 67).
No entanto, se a pretensa autonomia dada às Assembleias Provin-
ciais para poderem legislar sobre a Instrução Primária, a partir do Ato
Adicional, em 1834, que descentraliza o ensino elementar foi desigual
ao comparar-se a situação econômica, social e política de cada região,
embora estimulasse o estabelecimento de políticas específicas voltadas
para as particularidades educacionais locais; por outro lado, a norma-
tização e o controle (mesmo com a descentralização instituída em lei)
estiveram presentes nas nomeações dos presidentes pelo Governo Cen-
tral; na abertura de várias escolas públicas e particulares, regidas por
dispositivos legais similares em todas as províncias; nas exigências de
livros escolares por meio de critérios avaliativos que respondiam aos
programas específicos de ensino focalizados nos princípios de morali-
dade e de civilidade; assim como, por meio das leis e dos regulamentos
estabelecidos no cenário maranhense em concordância com os preceitos
legais de outras províncias e do Município Neutro. Contudo, se para
392 Faria Filho (2007, p. 138), a diversidade e a forma desigual como se de-
senvolveu o processo de escolarização primária “[...] não devem nos le-
var a acreditar que a descentralização político-administrativa pelo Ato
Adicional de 1834 acabou por impedir o desenvolvimento da instrução
primária no Brasil imperial [...]”, para Bittencourt (2008, p. 54), quanto
à inserção dos livros escolares na instrução, às reformas, aos programas
de ensino, isto é, aos “[...] assuntos educacionais, a partir de 1834, nunca
deixaram de ser controlados de forma centralizada, apesar da aparente
descentralização legal [...]”.
Nesse sentido, abordar o livro de leitura como um instrumento
da cultura material escolar a ser analisado, desde uma perspectiva es-
pecífica (a local), para entendermos não só o fato de sua existência,
mas o sentido construído e o significado que teve seu uso para a esco-
la primária de diferentes ordens, níveis e momentaneidades, segun-
do seus lugares de pertencimento e do contingente social de alunos
atendidos em lugares peculiares, partindo-se dos dispositivos legais
(que amparavam sua indicação, aprovação, adoção e veto) e confron-
tá-lo enquanto produção e circulação nos espaços de instrução a nível
estadual olhando para o nacional, nos ajuda a entender o processo
de escolarização da escola primária, as permanências que legitimam a
forma escolar que permeia a escola graduada, embora tenha mudado
a relação pedagógica e o próprio uso do livro de leitura, seja pela qua-
Capítulo 11

lidade de sua produção e edição, seja pelas tendências metodológicas


inovadoras que o caracterizam ou pelo lugar ocupado por seus autores
e defensores no espaço público.
Escripta Rudimentar de Barbosa de Godóis é uma cartilha destina-
da à educação da mocidade, que deveria aprender a ler pelos princípios
do método analítico, prescritos no programa de ensino elaborado pelo
fluminense João Köpke para a Escola-Modelo Benedito Leite7 (anexa à
Escola Normal), a qual foi destinada à escolarização primária de alunos
e alunas, proposta para os exercícios práticos e direcionada a conde-
nar o ensino e aprendizagem apoiados na memorização. No entanto,
em defesa de uma escola representativa da pedagogia moderna que se
caracterizava pelo ensino simultâneo e graduado, pela aplicação do mé-
todo intuitivo que tinha como premissa a aprendizagem por meio dos
sentidos e pela análise apurada da aprovação, adoção e usos do livro
didático, especialmente, aqueles destinados à leitura (CASTELLANOS,
2011b), o Inspetor da Instrução Pública, Antônio Lobo, a indefere sus-
tentando seu discurso nas divergências existentes nas formas de inter-
pretação e apropriação do método para a iniciação da leitura, uma vez
que o livro apresentava “[...] para ao início da língua materna, processo
oposto ao indicado pelo programa da citada escola”8; ou seja, o método
prescrevia a escolha criteriosa das frases utilizadas para o leitor iniciante 393
(como aspecto relevante a ser considerado no ensino da leitura) que res-
peitasse as fases da criança e a sua capacidade de assimilação gradativa,
exigindo das professoras tirar “[...] os elementos para os seus exercícios
do meio escolar ou dos alunos [...]”9, os quais, por meio das sentenças
propostas deveriam “[...] traduzir idéas e fatos que lhes [fossem] fami-
liares e que lhes [atraíssem] a atenção, pelo estimulador interesse que
nos seus espíritos, [pudessem], com segurança, despertar [...]”10,procu-
rando assim estratégias que estimulassem a leitura inteligente versus a
leitura mecânica, contraindicada esta pelo programa oficial11. Contudo,
na contramão, determinava por portaria os exemplares aprovados, que
em dita variação de escola se deveriam adotar, entre eles: a Cartilha
Analytica, de Arnaldo Barreto, para a iniciação da leitura no primeiro
ano12, o 1º e 2º Livro de leitura, de João Köpke, para o segundo ano, e
o 3º Livro de leitura (do mesmo autor) e o 3º Livro de Maria Guilher-
mina Loureiro de Andrade, para o terceiro ano; já para o quarto ano, o
4º Livro, de Felisberto Carvalho e o 4º Livro, de Köpke; para o quinto
o Florilégio Contemporâneo (deste autor) e a História da América, de
7 Criada pela Lei n.º 155, de 6 de maio de 1896, pelo governo de M. I. Belfort (1895), mas instalada somente em 1900.
8 Diário do Maranhão, 17 abr. 1911.
9 Parecer, Diário do Maranhão, 22 abr.1911.
10 Parecer, Diário do Maranhão, 22 abr.1911.
11 Decreto n.º 7, de março de 1900, que regulamentava o funcionamento da Escola-Modelo, recomendando o
ensino intuitivo nas escolas públicas primárias e prescrevia o método analítico para a iniciação da leitura.
12 Diário Oficial, 05 de fev. 1911.
História da Escola Primária no Brasil

Rocha Pombo; indicando para o sexto ano, a Antologia Nacional, de F.


Barreto e Carlos Laet13.
A disputa travada durante meses, entre Barbosa de Godóis (diretor
das escolas Normal e Modelo) e Antônio Lobo (diretor do Liceu Mara-
nhense), sobre o método analítico versa em decidir se este livro seria
utilizado ou não na iniciação da leitura dos alunos do 1º ano, uma vez
que a cartilha já tinha sido adotada no mesmo estabelecimento para o
ensino da escrita, quando o seu diretor cumpria a função de inspetor
em exercício, antes da reforma da educação primária, em 1910, realiza-
da por Benedito Leite. Dessa forma, se Godóis recorre ao Governador
do Estado, Luís Domingues (1910–1914), para que Lobo justificasse seu
parecer contrário, afirmando de antemão que enquanto a questão não
se resolvesse continuaria a utilizar o livro14, uma vez que na introdução
explicava (segundo o programa oficial) que para o ensino da leitura se
partisse “[...] da sentença para a palavra e desta para syllaba e letras
[...]”15, por outro lado, o inspetor da instrução pública se posiciona afir-
mando que essa simples interpretação do método não justificava sua
aprovação e adoção, indicando aspectos desfavoráveis que interfeririam
na compreensão e interesse das crianças pelas lições expostas, entre eles:
1) a falta de clareza e atração (fundamentais na elaboração das sentenças
de uma cartilha analítica) na qual o entendimento das metáforas utiliza-
394 das, como “a flecha corta o espaço” e “O céu é um escrínio de beleza”,
fugiam até da própria compreensão dos adultos16; 2) o uso de passagens
duvidosas, como “a gula é o pecado de tua avó”17, opostas à formação
do caráter, fazia da escola primária um espaço que se devia transformar
cada vez mais “[...] num factor poderozo de cultura moral continuando
e amparando o trabalho do lar [...]”18, por meio da escolha de frases que
induzissem à educação moralizante; 3) a absoluta correção do português
“[...] tornando-se inadmissível que um livro destinado à iniciação da lei-
tura contivesse erros gramaticais ou ortográficos [...]” (LICAR, 2012, p.
78) e os vícios graves de linguagem como a cacofonia, concretizada nas
frases “Vi a uva e a viúva” e “A ave vê a Eva”19, inapropriada para um li-
vro de leitura; 4) por fim, a própria falta de imagens representativas que
concretizassem a compreensão dos objetos, não concebendo reconhecer
um livro de leitura analítica “[...] digno desse nome, dezamparado das
competentes gravuras reprodutoras dos objetos e cenas descritos ou exi-
bidos nas sentenças que o compõem [...]”20, foram elementos criticados
13 Diário do Maranhão, 17 de abri. 1911.
14 Ofício de 18 de abril de 1911.
15 Diário do Maranhão, 19 abr.1911.
16 Parecer, Diário do Maranhão, 24 abr. 1911.
17 Parecer, Diário do Maranhão, 25 abr. 1911.
18 Parecer, Diário do Maranhão, 22 abr. 1911.
19 Parecer, Diário do Maranhão, 26 abr. 1911.
20 Parecer, Diário do Maranhão, 24 abr. 1911.
Capítulo 11

e publicados na imprensa periódica, na qual Lobo reafirmava que a car-


tilha se iniciava no lugar onde deveria terminar, assemelhando-se mui-
to mais ao método de marcha sintética que vai das partes para o todo,
mascarando desta forma uma “[...] bolorenta, imprestável e antiqualha
pedagogia [...]”21, que vai da aprendizagem das letras para as sílabas,
palavras e sentenças com base na memorização e na repetição, portanto
reprovada enquanto vigorasse o programa de ensino em execução.
Nesse sentido, o uso da história cruzada, ao mesmo tempo em que
evoca histórias interceptadas no plural em escala nacional, analisando
as formações sociais, culturais e políticas, neste caso cotejando o livro
de leitura como categoria de longo alcance por estar presente de algum
modo nos diferentes espaços de ensino em temporalidades distintas,
independentemente da forma escolar de escolarização e das variações
conduzidas e legitimadas pelos diferentes estados do modelo de escola
graduada partindo das políticas locais, por outro lado se constitui em
uma abordagem reflexiva que não só permite ao pesquisador questionar
sobre a historicidade do objeto em construção, como também interrogar
os procedimentos de análise, constituindo-se “[...] um empreendimento
auto-reflexivo gerador de sentidos [...]” (SOUZA, 2013, p. 3), que auxilia
a desvendar as diversas representações construídas sobre o livro de lei-
tura e seus múltiplos significados culturalmente construídos num espa- 395
ço e num tempo situado. Lugar em que as lutas de representações têm
tanta importância como as lutas econômicas “[...] para compreender os
mecanismos pelos quais um grupo se impõe, ou tenta impor, a sua con-
cepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio”
(CHARTIER, 2002, p. 17).
Em sendo assim, no que se refere à coerência, clareza e atração que
deveria estar presente nestes livros específicos e à formação do caráter
implícita na seleção dos conteúdos, embora o método utilizado para a
leitura iniciante se diferenciasse do proposto por Köpke no método ana-
lítico, podemos fazer remitência aos preceitos já defendidos por Abílio
César Borges (1867), no Segundo Livro de leitura, da sua série graduada
adotada nas escolas maranhenses no período imperial. Para esse autor,
estes livros deveriam ser elaborados com vocabulário familiar ao aluno,
precisariam ser concebidos para o ensino da leitura inicial na sua elabo-
ração evitando as adaptações, necessitariam constituir-se com frases e
períodos curtos que garantissem o reconhecimento e a compreensão do
aluno no desenvolver da lição, assim como deveriam estar centrados em
ideias de efeito moral e de civilidade que disciplinassem os comporta-
mentos das crianças em formação leitora e os conduzissem a um mode-
lo de homem esperado; mesmo que para defender seus critérios, tenha

21 Parecer, Diário do Maranhão, 28 abr. 1911.


História da Escola Primária no Brasil

criticado severamente o Thesouro de meninos, de Blanchard22, no qual


bastaria “[...] ao acaso um trecho [e] comprehender-se-iaim mediata-
mente que nem o estylo, nem a linguagem, nem os assumptos, [eram]
apropriados para meninos de nove a onze anos” (BORGES, 1867, VIII).
Outro exemplo que mostra as “pendengas” a serem resolvidas, en-
tre os vários agentes envolvidos na instrução nos espaços de ensino pú-
blico e privado, no que se refere aos livros utilizados para a leitura, pode
ser encontrado quando a disputa entre Domingos Feliciano Marques
Perdigão (diretor do Colégio Nossa Senhora dos Remédios) e Casemiro
José M. Sarmento (Inspetor da Instrução Pública) ganhou maior desta-
que na imprensa maranhense do Oitocentos. Se Perdigão passa a não
adotar nenhum “[...] dos livros, compêndios e translados [pelo Inspe-
tor] designados [...] para serem lidos em todas as Escolas da província
[...]”23, alegando que o inspetor perseguia o seu estabelecimento, im-
pedindo-o de adotar os compêndios que achasse mais adequados para
os diferentes níveis de aproveitamento dos alunos e de estabelecer um
plano de estudo que estivesse ao interesse deles, ao denunciar que a
insistência na adoção do Catecismo, de Fleury pelas escolas maranhen-
ses públicas e privadas para o ensino da leitura não se fundamentava
em aspectos pedagógicos essencialmente, e sim no fato de ser Casemiro
Sarmento o tradutor da obra, obtendo autorização para adotá-la em to-
396 das as aulas de primeiras letras da Província, consequentemente tendo
lucrado com sua divulgação, adoção e consumo; Sarmento recorre aos
dispositivos legais que “[...] regulam a instrução pública sob as penas
fulminadas contra os seus contraventores, que no caso vertente são de
desobediência e de se lhe mandar fechar a aula [...]”24.
Nesse sentido, segundo o Inspetor da Instrução Pública, caso
não recuasse da sua decisão, não adiantaria que o diretor se quei-
xasse ao delegado literário de que os pais não queriam comprar os
ditos compêndios, quando a lei assim o exigia, advertindo-lhe que
depois de oito dias, visitaria e examinaria o Colégio para verificar se
suas instruções tinham sido cumpridas, do contrário as aulas seriam
fechadas como o legitimava o Regulamento da Instrução Pública,
exigindo que as obras adotadas nas demais escolas da província tam-
bém fossem usadas no Colégio de Nossa Senhora dos Remédios25,
22 Pedro Blachard, autor do Thesouro dos meninos, obra publicada pela Imprensa Régia e adotada na
instrução até as décadas de 1860 ou 1870.
23 Correspondência do Inspetor de Instrução Pública Casemiro José de M. Sarmento, ao Presidente da
Província, Ângelo Carlos Muniz sobre a recusa do professor e proprietário do Colégio Nossa Senhora
dos Remédios, Domingos Feliciano Marques Perdigão em atender as determinações do Inspetor, data-
da em 2 de outubro de 1844.
24 Id. Ibid.
25 Correspondência do Inspetor de Instrução Pública, Casemiro Jose de M. Sarmento, ao Presidente da
Província, Ângelo Carlos Muniz sobre a recusa do professor e proprietário do Colégio Nossa Senhora
dos Remédios, Domingos Feliciano Marques Perdigão em atender as determinações do Inspetor, data-
da em 31 de dezembro de 1844.
Capítulo 11

uma vez que já tinha informado ao Presidente da Província Ângelo


Carlos Muniz, que:

De todos os professores particulares que há na Província,


Domingos Feliciano Marques Perdigão é o único que tem
constantemente recalatrando as ordens, que em desempe-
nho do meu cargo e em execução das Leis e Regulamentos,
lhe hei transmitido, vindo somente a cumpri-la depois de
grandes delongas e de polêmicas e constatações, nas quais
ele tem sempre excedido as raias do decoro, do respeito e até
da urbanidade, que ele me deve, como Inspetor da Instru-
ção e por conseqüência seu superior, visto que pela Lei sou
obrigado a velar na sua conduta, método de ensino, e bem
assim no tocante a matricula, compêndios, remessa de ma-
pas e castigos [...]. Isto que é publico e notório nesta cidade
bastava para dar a conhecer aquele Diretor, mas ele não quis
dar uma prova contra si e por isso tem continuado a mos-
trar-se insubordinado, rebelde e descomedido contra a lei e
contra a quem em seu respeitável nome se lhe tem dirigido26.

No que diz respeito à réplica de Godóis, em resposta à polemica 397


estabelecida com Lobos sobre A questão dos livros na Escola-Mode-
lo (como foi publicado na imprensa), o diretor da Escola-Modelo em
defesa da Escripta Rudimentar tenta demonstrar que o Inspetor da
Instrução Pública era um principiante nos assuntos referentes a méto-
dos de ensino e, especificamente, ao ensino da leitura, quando coloca
fundamentando-se em vários clássicos, que seu ditame confundia os
métodos de pesquisa com os métodos didáticos, o método de ensino
com os processos, assim como aplicava conceitos equivocados do mé-
todo analítico27. Lobo, em resposta, assegura que a separação radical
entre métodos de pesquisa e métodos de didática e a distinção estabe-
lecida entre método e processo, eram conceitos ultrapassados no início
do século XX, uma vez que, se na primeira, a lógica se circunscrevia
no homem formado e a didática considerava o homem em formação, a
segunda era de natureza secundária e perfeitamente dispensável para
qualquer pedagogo. Ao referir-se ao método analítico como a conquis-
ta recente da pedagogia moderna, zomba do bacharel (autor da carti-
lha) que teria provocado uma discussão teórica desnecessária por não
conseguir compreender o que lia, já que “[...] toda gente que compre-
26 Correspondência do Inspetor de Instrução Pública Casemiro José de M. Sarmento, ao Presidente da
Província, Ângelo Carlos Muniz, sobre a recusa do professor e proprietário do Colégio Nossa Senhora
dos Remédios, Domingos Feliciano Marques Perdigão em atender as determinações do inspetor, data-
da em 16 de outubro de 1844.
27 A questão dos Livros na Escola-Modelo. Diário do Maranhão,2 de maio de 1911.
História da Escola Primária no Brasil

ende o que lê veria logo que o método fecundo a que [se] referia era
[ao] método analítico de leitura [...]”28.
Se para Godóis o método analítico se baseava (segundo o progra-
ma da escola) na regressão da sentença para a palavra e desta para
a letra “[...] por processo de mestre [...]”29 mostrando uma distinção
entre método e processo, ao afirmar que a educação moralizante no
era um de seus elementos constitutivos, para Lobo não era a simples
regressão da sentença à letra a única particularidade do método, no
qual a seleção de frases era um fator essencial, o que não legitimava a
educação moral como parte integrante do mesmo, embora ela se cons-
tituísse uma meta na sua aplicação, na medida em que se “[...] a cul-
tura moral [era] o fim por excellencia de toda educação; então, todos
os métodos utilizados [deveriam] contribuir, a seu modo, para a con-
secução desse fim”, segundo a defesa do próprio diretor30. Portanto,
embora Köpke recomendasse que os elementos para os exercícios fos-
sem recolhidos do ambiente escolar pelo professor (ou pelo processo
do mestre) sem fazer menção à utilização de livros no primeiro ano
da Escola-Modelo e não responsabilize exclusivamente aos exercícios
orais pela educação moral; por outro lado, o inspetor afirma que “[...]
nem por tal teria, de certo, que a fins diametralmente opostos fossem
os mesmos exercícios consagrados a frases de conteúdo duvidosas,
398 como a que os filhos vaiem os pais e outros gracejem as avós [...]”31.
Desta forma, fica nítido que a troca de ofícios no interior da ad-
ministração pública e a exposição a público por meio de diferentes
críticas e réplicas, via jornais em diferentes momentaneidades, se mos-
tram como permanências que tonalizam a arenga pedagógica em que
a instrução maranhense se foi constituindo até chegar à instituciona-
lização da escola primária na primeira metade do século XX, na qual
os problemas teórico-metodológicos que norteiam os livros aprovados,
adotados e vetados no ensino, regidos pelos diferentes regulamentos
da instrução32, parecem ficar reféns das interpretações e decisões de
professores, intelectuais e políticos enredados na maia de confrontos
políticos latentes entre os diferentes setores do poder público e seus re-
28 A contestação do Bacharel Godóis. Diário do Maranhão, 22 de maio de 1911.
29 Ver Regulamento (1900).
30 A contestação do Bacharel Godóis. Diário do Maranhão, 22 de maio de 1911.
31 A contestação do Bacharel Godóis. Diário do Maranhão, 22 de maio de 1911.
32 Regulamentos da Instrução Pública no Império (1844, 1854, 1874 e 1877). Regulamentos da Instrução
Pública na Primeira República: Regulamento do Ensino Primário, de 24 de novembro de 1894; Regula-
mento Geral da Instrução Pública do Estado do Maranhão de 1896 – para execução das Leis n.º 56, de
15 de maio de 1893 e 119, de 2 de maio de 1895; Regimento Interno dos Grupos Escolares –Decreto n.º
38, de 19 de julho de 1904; Regulamento para a Reforma do Ensino Primário – Decreto n.º 616, de 15 de
fevereiro de 1923; Regulamento para o Curso Normal do Lyceu Maranhense – Decreto n.º 689, de 29
de junho de 1923; Regulamento Geral de Ensino – Decreto n.º 1141, de 8 de abril de 1927; Regulamento
do Lyceu Maranhense – Decreto n.º 1142, de 8 de abril de 1927; Regulamento da Instrução Pública –
Decreto n.º 46, de 23 de fevereiro de 1931 e Regulamento para o Ensino Secundário – Decreto n.º 253,
de 9 de março de 1932.
Capítulo 11

presentantes (CASTELLANOS, 2011a), as quais produziram diferentes


sentidos e múltiplos significados na implantação da escola de massa a
nível local (CATANI, 2013). Tal situação se deu por meio de políticas es-
pecíficas que apontaram para o vir-a-ser da instrução pública primária
maranhense, trazendo consigo múltiplas variações no que se refere à
forma escolar de socialização, entre elas: a cadeira ou escola de 1º, 2º e 3º
grau para meninos, meninas e mista33; os grupos escolares da capital34
e do interior35; a Escola-Modelo36; as escolas de 1º e 2º grau37, as esco-
las isoladas, transformadas em escola de regime masculina, femininas e
mistas38; as escolas urbanas e rurais39; e o ensino primário dividido em
três cursos40: curso pré-escolar ou jardim da infância, curso elementar
concebendo a Escola-Modelo e os grupos escolares e o curso elementar
(escolas urbanas e rurais).
Mas, se por um lado a implantação de políticas locais que tem
institucionalizado o ensino primário como forma escolar de sociali-
zação tem norteado os projetos de escola graduada por meio das re-
gularidades organizacionais e da gramática do ensino (resultantes
dos debates sobre a modernização educacional atrelada aos melhores
meios da universalização da Educação Popular), na qual os alunos se
classificaram em grupos homogêneos para facilitar o ensino simultâ-
neo, o currículo foi fragmentado em graus, e a especialização e divisão 399
do trabalho docente se incrementaram, constituindo-se nos aspectos
pedagógicos implícitos na variação de escola no plural; pelo outro,
os programas de ensino, as formas de apropriação dos métodos e os
modos de ensinar (individual, simultâneo, mútuo e misto) segundo
o público alvo, foram afetados pelo nível de erudição de seus inter-
locutores, pelo lugar que ocuparam na administração pública e pelas
ideologias latentes nas suas convicções, na medida em que, ao criticar
e dispor sobre os aspectos a serem avaliados na aprovação e adoção
dos livros usados na instrução, especificamente aqueles destinados à
leitura inicial, se cruzam, se fundem e se confundem com um interes-
se maior: a demonstração de poder e de uma ação particular sobre
uma política pública que interfere num órgão público ultrapassando
as fronteiras do pedagógico, e impondo o político, num público espe-
cífico, singular e local.
33 Decreto n.º 15, de 15 de abril de 1890 que determina a expansão da Instrução ou Ensino Primário para
as povoações, vilas e cidades, e a Lei n.º 119, de 2 de maio de 1895, estabelecida pelo Governo de Mano-
el Ignácio Belfort (1895), a qual exigia a obrigatoriedade da Escola Primária Pública para toda criança
de 8 a 12 anos.
34 Lei n.º 323, de 26 de março de 1903, cumprida pelo Decreto n.º 36, de 1º de junho de 1904.
35 Lei n.º 363, de 31 de março de 1905.
36 Instalada em 1900 e legitimada pela Lei n.º 155, de 6 de maio de 1896.
37 Lei n.º 666, de 28 de abril de 1914.
38 Decreto n.º 55, de 4 de fevereiro de 1918.
39 Decreto n.º 616, de 15 de novembro de 1923.
40 Decreto n.º 1.153, de 4 de junho de 1927.
História da Escola Primária no Brasil

O ensino em São Paulo: inovador e gerador


de inovações

O ensino paulista, durante a transição do Império para a Repúbli-


ca, abrigou um modelo de instituição diferenciada, inovadora e gerado-
ra de inovações, sendo o resultado do trabalho de um grupo de homens
que se tinha formado na Academia de Direito mantendo-se ligado por
laços de amizade, coleguismo e defesa de um ideário comum, quer seja
na imprensa e nas conferências, quer seja nas iniciativas educacionais.
João Köpke como figura-chave que contribuiu na definição de um novo
campo pedagógico alicerçado no ensino intuitivo, científico, seriado, si-
multâneo e leigo atuando na abertura e manutenção de escolas entre
fins do XIX e início do XX, não só foi pioneiro na divulgação do méto-
do analítico para o ensino da leitura, dedicando-se à produção destes
livros, como também foi réu e juiz diante dos dispositivos reguladores
que aprovavam ou vetavam estes artefatos na escola.
O Método rápido para aprender a ler publicado pela Laemmert,
em 1874, foi a sua primeira obra, ainda quando estudante, na qual,
além de propor a substituição dos silabários tradicionais, apresenta o
método da silabação41, constituindo-se este um verdadeiro guia que,
400
se seguido, levaria os alunos por um caminho “[...] manso, suave, fácil
e cheio de luz”42. A cartilha a princípio destinava-se ao uso exclusivo
dos alunos da Escola Americana de São Paulo, mas em 1875, Köpke
solicita ao Inspetor Geral da Instrução Pública, o Sr. Francisco Aurélio
de Souza Carvalho que fosse adotada nas escolas públicas da Provín-
cia. Junto à solicitação encaminha dois pareceres favoráveis, um as-
sinado pelo Dr. Paulo do Vale e outro pelo Professor Olímpio Catão.
Sem êxito, a cartilha é vetada pelo mandatário da Instrução, por ser
de natureza inferior, se comparado às cartilhas do Dr. Freire, do Dr.
Abílio e do Renault, justificativa que se agrava com o desaparecimento
da documentação anexada43.
A resposta não só desencadeou uma verdadeira campanha con-
tra o inspetor, na Seção Livre do jornal A Província de São Paulo
(1875 a 1876), acusado por Gabriel Franzen (professor público) e por
Mechíades da Boa Morte Trigueiro (professor da Escola Normal) pela
incompetência e inépcia para lidar com os assuntos educacionais,
como também o protesto do Köpke na procura de valorizar sua pro-
dução, publica as manifestações de apoio que recebera da Academia
de Direito no jornal, no qual “[...] os estudantes [...] assinaram uma
41 De acordo com o Dicionário da alfabetização organizado por Theodoro L. Harris e Richard E. Hodges
(1999, p. 244) o método da silabação consiste na divisão de palavras em suas sílabas.
42 A Província de São Paulo, Seção Livre, (19.03.1879, p. 2).
43 Id. Seção Livre, (30.05.1875, p. 2).
Capítulo 11

representação à Presidência da Província a favor da adoção, nas es-


colas públicas, do método de leitura do distinto acadêmico Sr. João
Köpke [...]”44e recorre aos elogios divulgados pela Gazeta de Cam-
pinas sobre a estruturação da cartilha e do bem que tinha prestado
à instrução: “O livrinho [...] nos pareceu de suma vantagem para as
aulas primárias. O sistema nele adotado é simples, e de tal modo nele
se estabelecem as regras, que parecem-nos como degraus lógicos para
a subida do espírito na escala dos primeiros estudos45.
Para além desta tática de defesa como réu, o pedagogista dedica
inúmeros artigos para explicar os princípios metodológicos que nor-
teiam a escrita de seu método e não poupa argumentos para desqua-
lificar as escolhas de outros livros de leitura feitas pelo inspetor. Se
o primeiro princípio se justifica pela apresentação do maior número
possível de aplicações, para que os alunos fossem capazes de deduzir
uma regra geral e o segundo baseava-se em amenizar o estudo, na
tentativa de despertar a curiosidade das crianças, sendo este um ele-
mento facilitador da aprendizagem (princípios pelos quais se regia a
cartilha proposta) utilizando a denominação das letras pelo seu valor
e por meio da silabação; na contramão apresenta as fragilidades do
Novo Método, de A. Freire da Silva, como uma enciclopédia, que além
de ensinar a leitura por meio da escrita (grande erro metodológico), 401
trata do sistema métrico, do catecismo, entre outros assuntos; introduz
críticas paralelas ao modo como Abílio César Borges (Barão de Macaú-
bas) concebe o método para o ensino da leitura; além de afirmar que
estas contradições foram superadas pelo Terceiro Livro de V. Renault,
que era o pior dos três “[...] ressentindo-se da pouca prática de ensino
ou da nenhuma observação no seu exercício”46.
Aproveitando as palavras de Abílio sobre o seu Primeiro livro de
leitura, que não era o melhor que se podia fazer nesse gênero, o critica
porque usa:

[...] princípio errôneo, primeiramente, porque con-


funde a inteligência tenra das crianças com a apre-
sentação de dois sinais diferentes para represen-
tar um mesmo som (inconveniente e que me levou
a adiar, no meu livro, o ensino das maiúsculas até
completo conhecimento das minúsculas); princípio
errôneo, ainda porque as pequenas idades não se de-
vem, nem se podem, como pensa o dr Abílio, dedicar
ao estudo dos exercícios caligráficos. Além disso, o
método em questão não especula com a curiosidade
44 Id. Noticiário (02.5.1875).
45 Id. Seção Livre (30.04.1875).
46 Id. Seção Livre (30.04.1875, p. 2).
História da Escola Primária no Brasil

infantil e torna-se inconveniente pelo desprezo do


ritmo, que muito proveitoso é na inculcação das pri-
meiras noções47.

Por outro lado, em artigo publicado anos mais tarde e com parecer
contrário aos anteriores, fazia referência à Cartilha Maternal ou Arte da
leitura, de João de Deus, como um método conveniente para facilitar
à infância e ao analfabeto a aprendizagem da leitura, mas alerta que
essa cartilha fora precedida no Brasil, por um livro que, “[...] visando os
mesmos fins, e ferindo de frente a rotina, foi, entretanto bruta, insolente
e estupidamente reprimido do ensinamento oficial [...]”48, fazendo refe-
rência a seu Método rápido para aprender a ler, que não foi aprovado.
Nesse artigo, esclarece que a não autorização da adoção de seu livro nas
escolas públicas primárias, para além de não ter libertado as crianças
do terrível sofrimento imposto pelos velhos silabários, também o tinha
prejudicado duplamente, na medida em que teria ocultado o pioneiris-
mo da sua cartilha, na qual apresentava aspectos vantajosos, se compa-
rada à de João de Deus. Embora desde 1º de novembro de 1892, num
relatório enviado à Instrução Pública, o professor Luiz Cardoso Fran-
co, responsável pela Escola pública do 17º distrito da capital, ao prestar
contas a respeito dos métodos e materiais empregados para o ensino da
402 leitura, já elencasse as referências para o ensino de acordo com o mé-
todo sintético da palavração utilizado na época, citando João de Deus,
Hilário Ribeiro e João Köpke, o que demonstra que o método analítico
era difundido pelos discursos pedagógicos desde o final do século XIX
e já estava incorporado ao Programa do Curso de Língua Nacional na
formação dos professores normalistas, além de apresentar indícios da
importância atribuída ao material de Köpke, enquanto referência para
o ensino baseado no método analítico pela palavração (PANIZZOLO,
2006, s.p.):

No ensino da leitura elementar adoptamos o methodo de


palavração “que consiste na leitura reflectida e analytica
das letras na syllaba e da syllaba na palavra; leitura reflec-
tida, analytica e verdadeira”, como diz o erudito senhor
“João de Deus”. Para a leitura corrente e expressiva con-
tinuamos a adoptar os 2º, 3º e 4º livro de Hilário Ribeiro.
Entretanto se não se tornasse oneroso para os paes de nos-
sos alunos, em geral paupérrimos, substituiríamos de bom
grado os 2º e 3º pelos 1º e 2º de João Köpke, que são, in-
contestavelmente, muito melhores. Para exercício de analy-

47 Id. Seção Livre (30.05.1875, p. 2).


48 Id. Seção Livre (19.03.1879, p. 2).
Capítulo 11

sephonetica em geral, possuímos um extracto da Cartilha


Maternal, o qual é conforme com o Programa do Curso de
Língua Nacional do nosso ex-professor, Drº. Silva Jardim49.

Em que pese, se a Cartilha Maternal foi concebida para ensinar


a ler uma das filhas do autor50e, com sua produção intentou-se subs-
tituir os abecedários usuais em função do ensino da leitura, apesar
das críticas e polêmicas que suscitou, sobretudo, por parte do Apos-
tolado Positivista, ganhando grandes tiragens e difusão, sendo decla-
rada como método nacional a ser adotado pelo governo português,
em 1888; no Brasil, desde o final da década de 1870, já era conhecida
e utilizada nas províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, “[...] certa-
mente em decorrência da divulgação efetuada por Antônio Zeferino
Cândido, professor de Matemática da Universidade de Coimbra e
positivista ativo [...]” (MORTATTI, 2010a, p. 60), devendo-se a ele a
relação estabelecida entre a Cartilha Maternal e a lei dos três estados
da filosofia comtiana, “[...] analogia que foi apropriada e posta em cir-
culação por Silva Jardim, seu ardente propagador [...]” (MORTATTI,
2010a, p. 59-73).
Para Köpke, não restava dúvida da supremacia de seu método
se comparado ao livro de João de Deus, ao menos em dois aspectos: o 403
primeiro, porque não apresentava apenas palavras, mas também fra-
ses, consideradas por ele fundamentais para o ensino da leitura, ou
seja, frases acomodadas à idade das crianças “[...] que são chamadas a
lê-las e com isso não só lhes inocula a consciência do que fazem como
também lhes aguça a curiosidade, lhes desperta a vontade e, sem que
o sintam, as leva ao fim de sua não fácil viagem [...]”51; o segundo,
porque seu método não imiscuía “[...] as sílabas de diversos graus,
[subindo] de uma a outra, das mais fáceis às mais difíceis [...]”52. En-
tretanto, não só espera que essas ponderações não se compreendessem
como medida de desconcerto, como arma de defesa de lucro próprio
ou de ataque ao merecimento alheio, “[...] mas como expressão de um
sentimento que os homens entendidos [poderiam] decidir se [era] bem
ou mal fundado [...]”53; como também garante de não tratar-se de ciú-
mes e sim de demonstrar que “[...] no Brasil também [tinha] quem se
[interessasse] pelo mísero bando de criancinhas que afluem às escolas
[...]”54, quando manifesta sua esperança no espírito público que lhe
faria justiça:
49 Arquivo do Estado de São Paulo, Relatórios da Instrução Pública, 1889 – 1896; Ordem: CO4931.
50 Publicada a pedido de Cândido J. A. de Madureira (Abade de Arcozelo), livreiro e amigo do poeta
(HILSDORF, 1986).
51 A Província de São Paulo, Seção Livre, 19.03.1879, p. 2.
52 (Id. Ibid.).
53 (Id. Ibid.).
54 (Id. Ibid.).
História da Escola Primária no Brasil

[...] e aqueles aos quais consagramos o nosso livro hão de


recebê-lo nas escolas, apesar da má vontade, da oposição
infundada e dos caprichos maliciosos do inspetor geral da
instrução pública, impotente para vedá-lo, como foi para
tolher que o público esgotasse a 1a edição, galardoando o
nosso esforço com seu acolhimento. O estigma que esse
funcionário, a quem não qualificaremos, do alto do seu
cargo, lançou sobre um livro, cujo merecimento a sua im-
pugnação, longe de prejudicar, recomendou, o que conse-
guiu foi deixar-lhe na consciência mais uma úlcera para
recompensa de seu ato, e na sua vida pública mais um
marco, que eloqüentemente confirma a justiça do grito,
que contra si, de todos os ângulos, prorrompe, e que, tal-
vez em breve, seja ouvido pelos ouvidos que a compaixão
tem por longo tempo ensurdecido55.

Nesse sentido, se como autor e réu foi duplamente prejudicado,


parece que como juiz (conhecedor e representante do método analítico
de leitura) a justiça foi duplamente feita. Por um lado, o Método rápido
para aprender a ler é adotado não só nas escolas públicas paulistas, sen-
do autorizada a publicação de uma nova edição, em 1879, pela Garraux,
404 titulado Método racional e rápido para aprender a ler sem soletrar; pelo
outro, Puiggari e Barreto o convidam a analisar o Primeiro e o Segundo
livros da Série, ao qual faz uma crítica de nove páginas para a Revista
de Ensino (1904),agradecendo pela tarefa de emitir sua opinião sobre
a produção de dois “[...] mestres de reputada competência no mundo
oficial desse Estado [...]”56, e justificando a honra dessa encomenda por
ser ele também autor de livros didáticos do mesmo gênero, organizados
de acordo com os princípios pedagógicos, em grande parte divergentes
desses autores, colocando a juízo sua total imparcialidade nesse gesto.
Inicia ressaltando a seriedade de se compreender as implicações do
termo leitura, ao afirmar que, “[...] na multiplicidade de questões, que
a pedagogia versa, não há, talvez, nenhuma que sobreleve em impor-
tância à que entende com o que na linguagem comum se chama leitura
[...]” (KÖPKE, 1904, p. 589), a qual, do ponto de vista técnico significava
algo a mais que a simples arte de ler; ou seja, mas que uma habilidade
mecânica e uma escada a subir, era um instrumento a manejar, sendo
necessário considerar a leitura de outro modo e de outro modo a dirigir,
explicando a seguir, como fazê-lo:

Psicológica e pedagogicamente, na expressiva dis-


tinção do eminentíssimo Parker; por que ler é pen-
55 (Id. Ibid.).
56 Revista de Ensino (1904, p. 588).
Capítulo 11

sar tanto quanto observar e ouvir o são, e a leitura


há de contribuir para o desenvolvimento da capacidade de
expressão, como um órgão que é desta. Se ler é pensar, o
discurso e a palavra são a realidade para o que aprende, e do
discurso e da palavra – não da silaba, nem da letra, se há de
subir à arte da leitura; se ler é provocar o desenvolvimento
de expressão – é da emoção congenial ao espírito e do in-
teresse, que acorda a vontade, que se há de esperar a
leitura proveitosa; não da mecânica inconsciente, não
da consciência agilitada num manejo sem utilidade.
(KÖPKE, 1904, p. 589)

Em sendo assim, propõe que antes de verificar se os livros da Sé-


rie Puiggari-Barreto se regem por tais preceitos, combinaria os ante-
cedentes com os consequentes; isto é, analisaria a Cartilha das Mães,
de Arnaldo Barreto e o livro de Galhardo, modificado por Puiggari,
para então prosseguir com a Série. Da primeira, afirma que o seu autor
ainda não se tinha emancipado dos processos do passado, “[...] ligan-
do fonética e palavração, em vez de fazer da ideia, do pensamento, o
grande eixo, como o requer a prática, e aconselha a pedagogia do sécu-
lo [...]” (KÖPKE, 1904, p. 587); da segunda, era o método silábico, cujos 405
resultados admiráveis, atestados e exaltados no prefácio após Puiggari
ter reeditado a obra, Köpke totalmente rejeita, na medida em que os
métodos e processos “[...] que emaranham a atenção do aprendiz em
formas verbais e análises de palavras, são tantas outras obstruções ao
desenvolvimento do poder mental e não ajudam economicamente a
pensar por meio das palavras impressas” (KÖPKE, 1904, p. 589).
A análise da Série, partindo da influência desses métodos em Puig-
gari e em Barreto, faz que a classifique como um livro de leitura corrente
e sinalize algumas contradições e omissões: 1) ao mesmo tempo em que
os autores esperavam do método que “[...] o faça vibrar, comunicando
essas vibrações à alma das crianças [...]” (KÖPKE, 1904, p. 590), por outro
lado, orientam no prefácio ao professor para que detenha os alunos em
um único capítulo, esmiuçando-o, comentando-o e analisando-o, o que
de certo não contribuiria para estimular o entusiasmo e a vontade das
crianças para o aprendizado da leitura, segundo o método analítico; 2)
a falta de graduação didática comprometeria o duplo intuito do livro de
leitura corrente, na medida em que, aprimorar o ato de ler e servir como
base para a inclusão dos exercícios de linguagem, não seria possível, já
que o texto ao ser composto por uma única história, com personagens,
baseada no enredo e no diálogo, não só eliminava o aumento gradual
das dificuldades, como também renunciava à variedade de estilos de
linguagem ou escrita, contrário a outros livros do mesmo gênero, que
História da Escola Primária no Brasil

não possuem o mesmo enredo para todas as lições e incluem facilmente,


além da narrativa dialogada, a descrição e a poesia.

O plano dos vossos livros, ou a orientação italiana porven-


tura neles refletidos, falha a primeira condição. Se o tex-
to, de parte em parte do mesmo livro e de livro em livro
da mesma serie, é trama ou enredo, a gradual adaptação
da linguagem e crescente facilidade da leitura e a gradu-
al adaptação do assunto à crescente intensidade da evo-
luinte capacidade assimilatória – é impossível. A prova?
...Confrontai a 1ª lição do 1º livro com a última do 2º livro,
o aprendiz que lê e entende aquela, lê e entende imediata-
mente esta; seria de todo indiferente que começasse pelo
segundo ou pelo primeiro, se o enredo ou trama não obri-
gasse a precedência. (KÖPKE, 1904, p. 589).

Deste modo, se por um lado Köpke afirma que apesar da Série Pui-
ggari-Barreto, no sentido pedagógico, não se constitui num curso de
leitura graduada e sim em livros de leitura complementar, que devem
ser apresentados aos alunos, quando estes tenham a oportunidade de
aprender com livros intermediários, com os quais gradativamente se
406 aperfeiçoem na “nova arte”, a fim de alcançar a leitura corrente, sendo
esta a finalidade do Primeiro Livro desta série, embora “[...] primeiro
na série, esse livro não [poderia ser] o primeiro [a ser lido] depois da
Cartilha [...]” (KÖPKE, 1904, p. 591). Por outro, não só sugere que os
cavaletes com quadros negros para as lições de cálculo e as estampas de
bicho sintercaladas nos textos sejam excluídos, como também elogia os
seus autores quanto à adaptação do assunto e da linguagem à capacida-
de de assimilação das crianças, afirmando que esta é a melhor qualidade
que pode observar nos livros da Série, fato que o levaria a adotá-la no
ensino de seus próprios discípulos, como leitura suplementar, já que os
textos preocupam-se com as necessidades da natureza emotiva e que,
dando à contemplação dos jovens leitores assuntos a sua altura, se podia
perceber a influência benéfica que teriam sobre o desenvolvimento do
caráter, educando ao mesmo tempo, a mente e o coração.
Aparentemente a crítica fora bem recebida pelos autores e a compa-
ração do Primeiro livro com os demais livros da Série confirmam algu-
mas mudanças no modo de configuração. Se no prefácio não aparecem
mais indicações dessa natureza para os professores, sendo a escrita do
primeiro livro a impressa vertical, existindo variedade de gêneros textu-
ais, ao utilizar além da narrativa dialogada, algumas poesias e uma fábula
contada pela vovó; no segundo, além de aparecerem dois tipos de escrita
––a impressa vertical e a manuscrita, tanto as poesias criadas pelos pró-
Capítulo 11

prios autores para a Série, como as poesias conhecidas de autores diver-


sos são mais frequentes, além de estar implícita a gradação no tamanho
das histórias e na complexidade dos termos de acordo com o volume, ou
seja, todas as edições modificadas e ampliadas por Arnaldo Barreto (uma
vez que Romão Puiggari faleceu antes de sair o quarto volume da série)
tiveram influência da experiência de Köpke, o que o glorifica como inte-
lectual respeitado por sua vida/obra, por sua clareza no que se refere ao
ensino da leitura e pela sua criticidade enquanto reformador.

A modernização da escolarização primária


em Sergipe

Nas primeiras décadas do século XX, aconteceu a modernização


da escola primária em Sergipe, aliada à criação e expansão dos grupos
escolares não apenas na capital como também no interior do Estado,
trazendo consigo não só a ampliação do acesso das meninas e dos me-
ninos à educação pública, como também permitiu maior espaço às pro-
fessoras para o exercício do magistério. Nesse sentido, entender como
a modernização escolar foi sendo implantada mediada pela circulação 407
dos livros e dos manuais para os professores produzidos por autores
sergipanos, bem como pelos intelectuais de outros estados brasileiros,
se faz indispensável para entender o livro didático como um elemento
da cultura material escolar que a partir de seus usos pode subsidiar o
processo de ensino e aprendizagem e dinamizar a cultura escolar.

Conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizam


a escola como organização. Incluem práticas e condutas,
modos de vida, hábitos e ritos, a história cotidiana do fa-
zer escolar – objetos materiais –, função, uso distribuição
no espaço, materialidade física, simbologia, introdução,
transformação, desaparecimento [...] – e modos de pensar,
bem como significados e ideias compartilhadas. (FRAGO;
ESCOLANO, 1998, p. 12).

Se em Sergipe, em 1860, existiam 66 escolas públicas de primeiras


letras, 23 femininas e 43 masculinas, que atendiam a um total de 2.636
alunos e das 10 escolas particulares de primeiras letras, que atendia a
423 alunos, somente uma era feminina; em 1870, enquanto estavam em
funcionamento no Brasil 2602 escolas públicas de primeiras letras, 100
delas eram sergipanas, 69 masculinas e 31 femininas (NUNES, 1984).
Esta realidade converge, com outras províncias, na medida em que a co-
História da Escola Primária no Brasil

educação nas cadeiras do ensino primário, como medida de economia,


foi um fator preponderante para a opção pelas professoras e a conse-
quente expulsão dos homens dessa ocupação, tendo como fundamento
“[...] a construção do ideal de professora como um misto de mãe afetu-
osa e moralizadora oficial, além também, de que com elas poderia se
rebaixar ainda mais os salários da profissão” (LOPES, 1999, p. 100).
No entanto, se no ano da Proclamação da República, Sergipe já
contava com 172 escolas de primeiras letras, sendo 78 masculinas, 20
femininas e 74 mistas, e em relação ao número de alunos atendidos,
se percebe que a presença das alunas já correspondia quase à metade:
2.550 meninas para 2.569 meninos, totalizando 5.119 matriculados (NU-
NES, 1984); a coeducação continua condenada durante toda a Primeira
República por muitos educadores e legisladores, geralmente baseados
em argumentos morais, tendo em vista os riscos de aproximação en-
tre os sexos, embora esta medida acabe sendo adotada muito mais por
questões econômicas e em escolas localizadas em municípios distantes
da capital e dos centros urbanos mais importantes, observando-se, no
entanto, a ampliação das oportunidades de escolarização para crianças
e jovens ao longo das primeiras décadas do século XX e se consolidando
ensino público a partir do final da década de 1920, com a criação dos
grupos escolares na capital e no interior.
408 As Mensagens Presidenciais e Governamentais do início do sécu-
lo XX, em sua maioria, relatavam aspectos relacionados aos estabeleci-
mentos públicos de ensino, como reformas na estrutura física, a compra
de equipamentos e material didático, a contratação e nomeação de do-
centes, as alterações na estrutura curricular ou mesmo na duração dos
cursos, iniciando-se geralmente pelas mazelas do ensino local, recorren-
tes das críticas à política de apadrinhamento dos professores, que eram
nomeados por indicação, sem muitas vezes possuírem as qualificações
necessárias, além da falta de compromisso com o nobre sacerdócio do
magistério e terminavam mostrando que apesar da falta de recursos e
de todas as dificuldades, ainda assim foram possíveis grandes realiza-
ções, como por exemplo, o aumento da matrícula nas aulas públicas, em
1900, que totalizava 7.023 alunos, 3.357 do sexo masculino, para 3666 do
feminino (SERGIPE, Mensagem, 1900), se bem que nas aulas particula-
res, dos 290 matriculados, 208 fossem alunos, para 82 alunas.
Em termos da ampliação do ensino público primário, se o Presi-
dente Josino Menezes (SERGIPE, Mensagem, 1903) indicava que das
197 aulas distribuídas pelo estado, 86 eram do ensino misto, 56 do sexo
feminino e 55 do masculino, sendo 22 nas cidades, 54 nas vilas e 77 em
povoados, nas quais a matrícula era de 6.747, sendo 3.247 alunos para
3.500 alunas, sendo frequentada por 4.498, na medida em que na Esco-
la Normal, 15 alunas estavam no primeiro ano, 18 no segundo e 35 no
Capítulo 11

terceiro, para 106 estudantes matriculados no Atheneu; na mensagem


do Presidente José Rodrigues da Costa Dória (SERGIPE, Mensagem,
1910), não foi encontrada estatística detalhada, mas foram feitas muitas
referências à falta de recursos para melhorar o ensino no estado, sinali-
zando duas necessidades prementes: a contratação “[...] fora do Estado
de pessoa competente que viesse remodelar o nosso ensino, atrasado
em methodos, o que inutilisa grande parte os esforços dos dedicados.”
(SERGIPE, Mensagem, 1910, p. 7-8) e a construção de grupos escolares
ao menos na capital.
Neste período de consolidação da República, a criação de grupos
escolares estava vinculada à tentativa de renovação da escola primária,
tendo em vista os ideais republicanos de democratização do acesso à
leitura e à escrita, aspectos estes necessários e cada vez mais valoriza-
dos nas sociedades urbanas, representando São Paulo, neste período,
a vanguarda do pensamento pedagógico brasileiro, como indicam os
estudos de Souza (2000), não só porque havia começado a criação destas
escolas modelares ainda no final do século XIX, mas porque conseguiu
implantar com sucesso iniciativas de educação popular de repercussão
social e política, que terminou influenciando Sergipe no que se refere à
remessa de livros produzidos por autores paulistas e de outros estados,
comercializados em Aracaju, pela Livraria Brazileira: 409

A Livraria Brazileira acaba de receber variado sortimen-


to de livros para instrucção primaria, todos adoptados em
São Paulo e outros estados do Sul. São Livros que merecem
bem o fim a que se destinam e com certeza o professor não
os recusará em sua aula. 1º, 2º e 3º livros de Leitura de Ar-
naldo Barreto e R. Puiggari a 1$500; 2$000 e 2$500; 1º, 2, 3º,
4º e 5º Livros de Leitura de João Cöpke (série Rangel Pes-
tana) a 1$500; 2$000 (2º e 3º), 3$000 e 4$000; Livro de exer-
cícios de João Ribeiro, organisados para servirem no curso
elementar primario da Grammatica Portuguesa do auctor,
1$200; Leitura Manuscrita, por B.P.R, 1$500; Cartilha das
Mães, por Arnaldo Barretto (primeiras lettras, 1$000); Car-
tilha Infantil por Arthur Thiré, $500. Arithmetica dos Prin-
cipiantes, por Arthur Thiré, 1$500; Geographia Elementar,
por Arthur Thiré, 2$000; Minha primeira viagem à volta
ao mundo, com 222 gravuras, traduzido por Carlos de
Laet, de leitura fácil e instructiva, 3$500. Também temos
sortimento de todos os livros para a instrucção primaria e
secundaria adoptados neste Estado. Fazemos grandes re-
ducção aos srs. Revendedores. Rua da Aurora, 65. Aracaju.
(CORREIO DE ARACAJU, 13.02. p.3).
História da Escola Primária no Brasil

Este mesmo anúncio se repetiu no Correio de Aracaju, em núme-


ros subsequentes nos meses de fevereiro e março de 1908, sendo bem
provável que o investimento feito pela Livraria Brazileira para comprar
os exemplares, teria como retorno a aquisição de alguns livros pelas fa-
mílias sergipanas, preocupadas com a boa formação de seus filhos, além
da busca por revendedores para enviá-los para outras cidades do estado,
constituindo-se esta referência a São Paulo e o apelo à adoção dos livros,
indicativos das representações referentes à modernização pedagógica
fora e dentro de Sergipe, na medida em que, nas décadas de 1920 e 1930,
alguns professores foram enviados a conhecerem as novas experiências
pedagógicas paulistas e aprimorarem seus conhecimentos, para podê-
-los colocar em prática quando retornarem ao estado, entre eles: Abdias
Bezerra, José Augusto da Rocha Lima e Penélope Magalhães dos Santos,
os quais nos seus relatórios de viagem fazem referência à compra de li-
vros didáticos e a outros materiais.
Em Sergipe, as informações do General José Siqueira de Menezes
(1913) ofereceram um quadro sobre a evolução do sistema de ensino da
época, no qual o primário foi organizado por grupos escolares e esco-
las singulares. Na capital, encontrava-se em funcionamento um Grupo
Escolar Modelo, anexo à Escola Normal, um Grupo Escolar Central e
uma escola singular modelo, além de 11 escolas singulares. Nas outras
410 cidades do estado, eram 62 escolas singulares e nas vilas 43, somando 98
nos povoados. Na Escola Normal, 116 alunas matriculadas, do primeiro
ao terceiro ano, para 47 alunos do curso integral no Atheneu. (SERGIPE,
Mensagem, 1913). Já no início da década de 1920, mais quatro grupos
escolares estavam em funcionamento na cidade de Aracaju, atendendo
alunos e alunas: o Grupo Escolar General Valladão, o Grupo Escolar
Barão de Maruim, o Grupo Escolar Dr. Manuel Luiz e o Grupo Escolar
Augusto Ferraz.
Remetem ao ano de 1912 os registros que dão conta do entusiasma-
do discurso assumido por alguns intelectuais da educação, defensores
da nova ordem republicana em Sergipe, que propuseram a bandeira
da Pedagogia Moderna como alternativa possível à solução dos proble-
mas educacionais locais. Ao elaborar o programa dos grupos escolares,
o professor Balthazar Góes (Diretor da Instrução Pública do Estado de
Sergipe, em 1905, e dos Grupos Modelo e Central, anexos à Escola Nor-
mal, em 1911) estabelece a obrigatoriedade do uso do Método Intuitivo,
embora o seu encantamento datasse de 1905, quando publicou o livro
Pedagogia: Apostilas de Pedagogia precedidas de algumas noções de
Psicologia colhida de bons mestres, no qual explicita a influência que
recebeu de Norman Alisson Calkins, com a edição do livro, Primeiras
Lições de Coisas, havendo indícios de que seu manual tenha sido usado
na Escola Normal do estado.
Capítulo 11

Nos anos seguintes, a proposta de Balthazar Góes ganhou outros


defensores como Helvécio de Andrade, José Augusto da Rocha Lima,
Acrísio Cruz e José Antonio Nunes Mendonça, certamente o mais im-
portante contingente de entusiastas da Escola Nova; professores oriun-
dos da Escola Normal de Sergipe, influenciando sobremodo na formação
dos jovens professores das décadas de 30, 40, 50 e 60 do século XX. Nos
depoimentos das ex-alunas da Escola Normal Rui Barbosa (renomeado
de Instituto de Educação Rui Barbosa, em 1947), que se formaram no pe-
ríodo de 1920 a 1950, a busca pela renovação dos métodos pedagógicos,
por meio de diferentes práticas, fazia parte do cotidiano da formação,
segundo Freitas (2003)57. Nos discursos locais da maior parte dos intelec-
tuais da educação que defendiam o novo ideário, é possível observar o
encantamento com o método intuitivo, embora não descaracterizassem
os elementos legados pela chamada Pedagogia Moderna, não sendo ob-
jeto deste texto, discutir as convergências e divergências existentes entre
a Pedagogia Moderna e a Escola Nova. Entretanto se faça importante
pontuar que um dos principais articuladores do movimento escolano-
vista no estado, o médico Helvécio de Andrade, (Diretor da Instrução
Pública58 e professor e diretor da Escola Normal Rui Barbosa) discute
essa questão, ainda nos primeiros anos do século XX, para acrescentar
à Pedagogia Moderna elementos que entendia como escolanovistas, a 411
exemplo do Método Ativo, quando publica, em 1913 o Curso de Pedago-
gia: lições práticas elementares de Psicologia, Pedologia, Metodologia
e Higiene Escolar, professado na Escola Normal de Aracaju.
Toda a incorporação do discurso reformista passou pela forte me-
diação das viagens que estes intelectuais fizeram principalmente a São
Paulo e ao Rio de Janeiro e do diálogo permanente com os reforma-
dores baianos, como também da importação de técnicos de São Paulo
que atuaram em Sergipe, como Carlos da Silveira (Diretor da Instrução
Pública ––1909 a 1911), sob o governo do Presidente Rodrigues Dórea,
que propôs um plano prevendo “[...] a construção de grupos escolares, a
organização do serviço de inspeção escolar, a adoção de novos métodos
de ensino e a remodelação dos ensinos normal e secundário” (NASCI-
MENTO, 2006, p. 153). Na contramão, uma das viagens de maior reper-
cussão para o processo das reformas educacionais locais foi realizada,
em 1931, pelo professor José Augusto da Rocha Lima, o qual contata o
professor Lourenço Filho (em São Paulo) e outros intelectuais, conhece
importantes instituições escolares e literatura especializada de impor-
tantes pedagogos europeus e norte-americanos como Ferriére, Claparè-
de, Dewey, Decroly e Montessori, demonstrando entusiasmo com as
reformas paulistas; embora defenda que Sergipe, pelas diferenças cultu-

57 Ex-alunas entrevistadas por Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas (2003).


58 Nos períodos de 1914 a 1918; de 1926 a 1927 e de 1930 a 1935 (VALENÇA, 2006).
História da Escola Primária no Brasil

rais e econômicas existentes entre os dois estados, deveria incorporar de


modo parcimonioso alguns elementos fundamentais do projeto, entre
eles: a difusão das bibliotecas pedagógicas, principalmente a Biblioteca
Pedagógica que funcionava em anexo à Diretoria de Instrução Pública,
propondo adotar um programa de conferências pedagógicas destinadas
aos professores, a fim de que eles se aderissem ao projeto de reformas59.
No entanto, desde 1920, o Conselho Superior da Instrução Pública já
indicava entre os exemplares que deveriam ser adotados nas escolas,
conforme a Mensagem do Presidente do Estado, Pereira Lobo, livros de
autores paulistas e do Rio de Janeiro, mostrando-se aqui não só a circu-
lação de ideias, da cultura material escolar e dos modos de ensino, como
também as formas diferenciadas de apropriação:

Para o Primeiro Ano:


Cartilha Analytico-Synthetica - de Marianno Oliveira
Leitura Preparatória – de Ritta Macedo Baretto
Primeiro Livro – Corações de Crianças – de Ritta Macedo
Baretto
Primeiro Livro – de João Kopke

Para o Segundo Ano:


412 Segundo Livro – Corações de Crianças – de Ritta Macedo

Baretto
Segundo Livro – de João Kopke

Para o Terceiro Ano:


Terceiro Livro– Corações de Crianças – de Ritta Macedo
Baretto
Terceiro Livro – de João Kopke
Leituras Moraes – de Arnaldo Barretto

Para o Quarto Ano:


Quarto Livro– Corações de Crianças – de Ritta Macedo Ba-
retto
Poesias Infantis – de Olavo Bilac
Livro de Elza – de João Lúcio

59 Elas aconteceram em diversos períodos do sistema educacional sergipano, era uma das exigências
do Regulamento da Instrução Pública do Estado de Sergipe, reformado por vários Presidentes do
Estado, nas três primeiras décadas do século XX. Na ata de 05 de maio de 1919, do Conselho Superior
da Instrução Pública foi organizado o Programa de Conferências para aquele ano, constituídos pelas
temáticas e oradores seguintes: Educação e seus fins – Dr. Carvalho Neto (julho); Métodos de Ensi-
no – Dr. AscendinoArgollo (julho); Da Metodologia Pedagógica – Dr. Ávila Lima (agosto); O médico
e a Escola–– Dr. Augusto Leite (setembro); Estudo da Geografia e da História – Dr. Alcebiádes Paes
(outubro). Em 1945, foram regulamentadas em Sergipe as Reuniões Pedagógicas, as quais deveriam
acontecer bimestralmente nos grupos escolares e serviriam de instrumento para a difusão do ideário
escolanovista em Sergipe. Ver Almeida (2009) e Nascimento e Freitas (2011).
Capítulo 11

Através do Brasil – de Bilac e Bomfim.(SERGIPE, Mensa-


gem, 1920. p. 14).

A concepção assumida por Rocha Lima era a de que a instrução


estava articulada à vida quotidiana, servindo para o aluno conhecer o
meio no qual vivia. “A escola [deveria] preparar para a vida, em vez de
se limitar ao aprendizado de técnicas (leitura, escrita, ortografia, cálcu-
lo) e ao ensino verbal de geografia, história, e de outra ciência morta
[...]” (LIMA, 1931, p. 12 apud NASCIMENTO; FREITAS, 2011, p. 87),
identificando-se com o projeto proposto por Ovídio Decroly matizado
pelas observações de John Dewey, o qual advertia que “[...] desde que
se separe a atividade do interesse, [se criará] uma luta entre dois polos
da atividade [...]” (LIMA, 1931, p. 13 apud NASCIMENTO; FREITAS,
2011, p. 87). Dessa forma, é possível afirmar que a apropriação dos pa-
drões do movimento da Escola Nova em Sergipe foi ajustada ao con-
junto de necessidades e possibilidades existentes no âmbito local, não
apenas em face da compreensão que tiveram os intelectuais sergipa-
nos que se entusiasmaram pelo movimento, mas também consideran-
do os conflitos e resistências enfrentados pela proposta. Certamente, a
estratégia da inspeção escolar como tecnologia de estado adotada para
a difusão dos princípios da Pedagogia da Escola Nova, juntamente com
413
as reuniões pedagógicas foram fundamentais para a modernização dos
métodos pedagógicos.
Considerações finais

Mais que respostas para serem sintetizadas numa reflexão que


exige a procura da unidade na diversidade, que decreta a busca das
distâncias e das vizinhanças quando se confrontam diferentes espaços,
tempos, práticas, objetos, ideias e sujeitos (CATANI, 2013), a metáfora
do cruzamento ao evocar histórias cruzadas no plural nos direciona
não só a articular Maranhão, São Paulo e Sergipe com o nacional me-
diante uma inversão na escala de observação, como também a realizar-
mos este exercício de síntese, que se faz um tanto complexo, quando
em vez de se compreender as várias formas de ser e de fazer (CERTE-
AU, 1984) locais, na contramão, emana um leque de questionamentos
que pulsam no interior do problema colocado, na interação instituída
entre os sujeitos citados e situados, nas próprias apropriações e repre-
sentações defendidas com respeito aos livros de leitura consideran-
do as diferentes concepções impostas para sua produção, aprovação,
adoção, consumo e veto, seja na própria compreensão da prescrição
legal, seja no papel estratégico que os legisladores (professores, jorna-
listas, intelectuais e políticos) fizeram uso do espaço público para um
público específico, permitindo-nos dessa forma a tentativa de abordar
não só o livro de leitura, como também analisar sua função na insti-
tucionalização da escola primária e os elementos que traz consigo: as
políticas locais impostas, o projeto que o sustenta, os sujeitos que o
produzem, o legalizam e o consumem, os destinos determinados se-
gundo o público alvo, que num constante questionar nos autoriza a
analisá-lo, compreendê-lo e avaliá-lo em diferentes situações, contex-
tos e práticas; ginástica que por diferentes caminhos e por diversas
conjunturas tentamos.
Em sendo assim, iniciaremos nossa comparação pela ambiguidade/
paradoxo em que está inserido o livro de leitura como objeto da cul-
tura material escolar, na medida em que ao mesmo tempo em que foi
em início concebido, produzido, divulgado e posto em circulação para
orientar os docentes no seu cotidiano pedagógico, servindo como guia
de aplicação dos conteúdos nas aulas (pela precariedade na formação
da maioria dos professores em exercício), gradativamente foi utilizado
pelos próprios alunos como livros de consulta ou como manuais de es-
tudo nos ambientes de leitura, nos espaços de sociabilidade e no âmbito
da instrução. O vínculo que se estabelecia diretamente com a prática do
professor na primeira metade dos Oitocentos, paulatinamente foi deslo-
cando-se para o diálogo que se estabelecia entre os alunos e o autor na
Primeira República e na primeira metade do século XX, mediado pela
concretização deste artefato da cultura material da escola, ao se modifi-
História da Escola Primária no Brasil

carem os estilos da escrita para uma melhor compreensão do leitor e ao


se variar as referências e as formas explicativas para um entendimento
mais próximo do que queria transmitir o autor.
Paradoxo porque, ao mesmo tempo em que o livro escolar era con-
siderado como uma “leitura marginal” ou como “o primo pobre da li-
teratura” por alguns intelectuais desinteressados em sua produção no
Império, com o gradual crescimento das vagas no ensino público, com
o projeto brasileiro de nacionalização, com a criação da Inspetoria Geral
da Instrução Pública, com o projeto da Pedagogia Moderna na Primeira
República, com a implantação da escola de massa, a aplicação de novos
métodos e modos de ensino inovadores e a defesa do método intuitivo,
a presença do livro escolar foi tomando um lugar de destaque no mer-
cado, aumentando sua produção, circulação e uso. Consequentemente,
foi constituindo-se em um canal de divulgação para que autores anô-
nimos e de renome na literatura brasileira transformassem seus estilos,
concebessem novas formas de interagir com os escolares, procurassem
o reconhecimento nos espaços de instrução, estabelecendo assim, novas
estratégias de venda nos espaços de comercialização na garantia de que
suas obras fossem adquiridas pelo governo como primeiro consumidor
legal e distribuídas para os alunos declaradamente pobres presentes na
instrução pública.
416 Ambiguidade, porque as constantes mudanças nos programas de
ensino em consonância com as reformas da instrução pública dificul-
taram a comercialização e uso dos livros escolares já publicados por
estarem defasados nos seus conteúdos e nas suas concepções teórico-
metodológicas. Esses artefatos da cultura escolar (já produzidos e edi-
tados) foram considerados objetos totalmente descartáveis, a não ser
que acrescentassem às obras já consolidadas, outros conteúdos afinados
com os novos dispositivos regulamentares e com os novos programas
das disciplinas, que visavam outras concepções didático-pedagógicas
em construção no final do século XIX e consolidadas na metade do XX,
as quais nortearam as práticas dos professores, os métodos de ensino
aplicados, os pontos de vistas sobre a aprendizagem dos alunos, assim
como as variações de escola primária que se estabeleciam no cerne da
forma escolar de socialização já legitimada e os diversos níveis de for-
mação escolarizada que se pretendia e esperava dos indivíduos nos di-
ferentes espaços de ensino. Por outro lado, as regulares modificações
nos critérios de aprovação, adoção e uso dependentes das reformas na
instrução, ao mesmo tempo em que estimulou a atualização das obras
escolares já concretizadas, contribuiu para que novos livros de leitura
fossem editados, concebidos e direcionados para o ensino primário e
para disciplinas específicas, o que provoca que as aparentes limitações
postas e as estratégias controladoras, em realidade incrementassem gra-
Considerações Finais

dualmente a produção, distribuição e consumo, e a concorrência acirra-


da, entre os livros escolares estrangeiros e pátrios, com aqueles escritos
por autores locais a nível estadual e nacional.
A história cruzada como referencial teórico-metodológico na com-
paração dos três estados se mostrou como farol que aponta indicativos
sobre a presença/ausência de determinado livro de leitura e cartilha
em diferentes programas de ensino que corresponde às variações lo-
cais da forma escolar de socialização, assinala a dinâmica estabelecida
na circulação de ideias referente à apropriação e uso dos métodos nos
diversos espaços escolares e marca a permanência de autores, profes-
sores, intelectuais e políticos de referência nacional e estadual no cerne
de lutas pela manutenção do poder em lugares estratégicos, que inter-
feriram nos processos de seleção, adoção, aquisição e veto dos livros
didáticos, neste caso, os livros de leitura, permeados pelos conflitos
latentes entre os representantes da política educacional e a margem de
manobra das suas ações, segundo as figurações específicas estabeleci-
das na cadeia de interdependências que estiveram inseridos (ELIAS,
2001). As disputas pela indicação, aprovação e adoção dos livros e seu
uso nas variações de escolas instituídas por lei no Maranhão, São Pau-
lo e Sergipe, envolvendo inspetores da Instrução Pública, diretores da
Escola Normal, da Escola Modelo e de diversos Colégios, os membros 417
dos Conselhos da Instrução, Governadores de Estado, e mesmo os pro-
fessores (representados por intelectuais locais ou não) se centraram
não apenas na atualização dos métodos e nas justificativas pedagógi-
cas, mas também nas questões comerciais, financeiras e políticas; isto
é, os confrontos estabelecidos em muito ultrapassaram as questões pe-
quenas, simples e estritamente metodológicas, mostrando-se ao longo
das décadas, em diferentes cenários e por vários sujeitos, demarcações
em torno dos projetos sociais e pedagógicos de educação da infância,
entre diferentes formas possíveis de ordenação, explicação, sistemati-
zação e hierarquização do cenário escolar, promovendo desta forma o
controle e a regulação dos discursos, como também instituindo e or-
ganizando as ações, as reações e as posições do e no universo escolar.
Dessa forma, embora seja visível a circulação de ideias, dos arte-
fatos da cultura material escolar, dos modos e dos métodos de ensi-
no, representada pelos autores de livros de leitura e pelos intelectuais
atuantes que transitaram e decidiram no cenário educacional em nível
de estado e nação, uma vez que aparecem registros nas indicações re-
gulamentares ou nos programas institucionais para serem utilizados
nas diferentes escolas primárias (independentemente da natureza da
sua variação), pode-se dizer que nos três estados em foco, se aparecem
livros de leitura semelhantes ou diferentes em momentaneidades di-
versas, com respeito aos autores, alguns deles prevalecem mais regu-
História da Escola Primária no Brasil

larmente que outros, dependendo da variação da forma escolar que se


referenda na garimpagem da documentação e das tramas políticas que
emaranharam os processos de aprovação e adoção. Se no Maranhão,
nas primeiras décadas do século XX, os neoatenienses ou operários da
saudade criticam veemente os “livros vindos de fora”, tentando recu-
perar com seus livros de leitura, livros escolares e de outra natureza,
o epíteto de Atenas Brasileira do século XIX (CASTELLANOS, 2010),
embora nem todas as propostas educativas se equacionassem com os
pressupostos metodológicos em voga para o ensino inicial da leitura;
o estado de São Paulo, na contramão, investe na produção e circulação
destes exemplares em grande escala, direcionados por novos métodos
de aprendizagem e novos modos de aplicação, aspectos que influen-
ciam vários estados como Sergipe, embora intelectuais locais, para
além do consumo destes livros, traçassem estratégias que visavam
não só a sua divulgação e uso por meio das conferências pedagógicas,
como também procuraram a cooptação de sujeitos que defendessem
a construção de bibliotecas escolares para o incentivo das práticas de
leitura e de escrita.
Nesse sentido, se exemplares como a Cartilha Maternal ou a Car-
tilha das Mães de Arnaldo Barreto transitaram por esses estados, en-
tre outros livros mencionados no decorrer deste trabalho, não se pode
418 negar que João Köpke e seus Livros de Leitura, marcaram o ensino
primário a nível local e nacional. Se inicialmente o 1º e 2º Livro de
Leitura deste pedagogo, em 1911, aparece em programas de ensino ou
em anúncios de livrarias, mais tarde a Série Pestana (1º, 2º, 3º, 4º e 5º de
Livros de Leitura), nas três primeiras décadas do século XX se foram
constituindo eixos de referência, seja pelo método de leitura propos-
to e pela natureza dos conteúdos escolhidos, seja pela organização e
gradação sugerida para o leitor iniciante; embora as múltiplas inter-
pretações e apropriações do método analítico trouxessem implícitas as
demarcações intelectuais e políticas de seus defensores que formaram
entre si figurações específicas, em virtude das suas interdependências.
Figurações que “[...] tem uma relativa independência em relação a in-
divíduos singulares, mas não aos indivíduos em geral [...]” (ELIAS,
2001, p. 51), para além da querela do método60.
Desse modo, pode-se afirmar que João Köpke é uma figura chave
quando fazemos referências aos livros de leitura utilizados nos cenários
locais de ensino, para se compreender as reformas da instrução pública
republicana, os saberes considerados elementares para a escola primá-
ria brasileira, a discussão acerca do método sintético e do analítico para
a leitura iniciática, e a constituição e aplicação do método intuitivo nas
60 Tomamos de empréstimo a expressão de Berta Braslavsky ao referir-se às disputas em torno dos mé-
todos de ensino, que seriam muito mais do que disputas sobre os métodos, envolvendo disputas pela
hegemonia de projetos para a nação. Ver Braslavsky (1968).
Considerações Finais

escolas para a infância de fato, na medida em que, desde as décadas de


70 e 80 do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, de-
senvolve uma atuação intensa, coerente, que abrangia experiências com
o ensino elementar e o secundário, com a produção de métodos para
ensinar a ler e escrever, bem como com a produção de leituras voltadas
a instruir e moralizar, produzindo e adaptando peças de teatro, fábulas,
músicas e histórias infantis; além de se dedicar à divulgação de seus
ideais através das conferências e artigos. Por outro lado, como mem-
bro da vanguarda liberal e republicana, envolveu-se ativamente com as
escolas que almejavam a emancipação cultural da mulher, a educação
científica das elites e o ensino leigo e anticlerical, contrastando com a
situação precária das escolas públicas primárias da época, o que segu-
ramente fornece pistas para o levantamento de outras hipóteses acerca
de sua presença em diferentes estados do Brasil e da presença de seus
livros de leitura. Embora quando nos perguntamos sobre a qualidade
destas obras, sobre os métodos inovadores para o ato de ler e sobre a
sua implantação e aplicação nas escolas isoladas maranhenses ou nas
escolas rurais destinadas a outro tipo de escolarização; nas escolas am-
bulantes paulistas61, no curso primário preliminar noturno para crian-
ças operárias e nas escolas isoladas urbanas e rurais diurnas62; como
também nas escolas reunidas e nas escolas isoladas sergipanas, como 419
forma de alargamento da variação de grupo escolar, duvidemos de sua
influência direta e indireta, a não ser que outros indícios surjam em pes-
quisas futuras e nos ajudem a compreender as modificações das figura-
ções estabelecidas, as estratégias de condutas de seus interlocutores e a
margem de manobras dos protagonistas nestes espaços diferenciados
com públicos alvos específicos, indicando os critérios de seleção para a
escolha de qual livro aprovar, que obra adotar ou vetar e que exemplar
consumir nas outras variações da forma escolar de socialização primá-
ria constituídas na primeira metade do século XX.

61 São Paulo. Lei n.º 930, de 13 de agosto de 1904.


62 São Paulo. Decreto n.º 4104, de 14 de dezembro de 1926.
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425
12.
ARQUITETURA ESCOLAR:
Entre construções e adaptações

César Augusto Castro - UFMA


Samuel Luis Velázquez Castellanos - UFMA

Introdução

A arquitetura escolar vem sendo objeto de estudo e investigação dos


historiadores da educação, já algum tempo, pelo poder de representação
social, política, econômica, cultural que as construções prediais exerceram
e exercem no espaço – urbano ou rural – e, também, pelo caráter inter-
disciplinar que a temática envolve:engenharia, arquitetura, urbanismo,
medicina e educação, por exemplo. Nesse sentido, este trabalho insere-se
no promissor esforço de pesquisadores brasileiros em compreender a es-
cola primária no Brasil. Pesquisadores que gravitaram em torno do projeto
História da escola primária no Brasil: investigação em perspectiva com-
parada em âmbito nacional (1930–1961)1, coordenado pela Profa. Dra.
Rosa Fátima de Souza, a qual compreendeu quatro eixos de investigação:

[...] a) a análise da institucionalização da escola ele-


mentar para a população infantil envolvendo a atu-
ação dos Poderes Públicos, por meio de programas,
reformas educacionais e expansão do ensino e as di-
ferentes modalidades de escolas primárias existentes
nas zonas urbanas e rurais; b) a organização pedagó-
gica das escolas primárias com ênfase nos métodos
de ensino; c) o estudo da cultura material escolar; d)
a problematização das representações sociais sobre a
escola elementar [...] (SOUZA, 2012, p.21).

Este ensaio vem ao encontro do eixo: o estudo da cultura material


escolar, que envolveu sete pesquisadores de cinco estados (Maranhão,
Sergipe, São Paulo, Santa Catarina e Paraná)2, que se centraram em três
1 Esta investigação deu continuidade ao projeto temático “Por uma teoria e uma história da escola primária
no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada”. Resultados desta primeira fase da pesquisa
podem ser obtidos na obra que traz o mesmo titulo; projeto que foi organizado pelas autoras Rosa Fátima
de Souza, Vera Lucia Gaspar da Silva, Elisabeth Figueiredo de Sá e publicado pela EDUFMT (Cuiabá, 2013).
2 Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas (UFS), César Augusto Castro (UFMA), Claudia Panizollo (UNI-
FESP), Gizele de Souza (UFPR), Samuel LuisVelázquez Castellanos (UFMA), Valdeniza Maria Lopes
da Barra (UFG) e Vera Lúcia Gaspar (UDESC).
História da Escola Primária no Brasil

temáticas: livros escolares e utensílios da escrita, o mobiliário e o espa-


ço escolar. Portanto, objetiva-se mostrar algumas produções publicadas
em diferentes veículos de divulgação científica, que descrevem e anali-
sam em diversas localidades brasileiras a arquitetura escolar, levantan-
do para sua escritura os materiais publicados na Revista Brasileira de
História da Educação, no Caderno de História da Educação, na Revista
História da Educação, nos Anais do Congresso Brasileiro de História da
Educação (de forma mais lacunar) e em alguns livros; garimpagem na
qual adotamos as seguintes palavras-chave: arquitetura escolar, espaço
escolar e prédios escolares, embora não se pretenda fazer uma análise
quantitativa do que foi produzido sobre essa temática, apenas selecionar
estudos que nos pudessem auxiliar na construção de um panorama par-
cial de diferentes estados brasileiros, para em seguida, numa inversão
de escala de observância, nos centrar na realidade local, a maranhense.
Para abordarmos o Maranhão, direcionamos nosso olhar na legis-
lação, nos relatórios e nas mensagens dos Presidentes da Província e
dos Governadores do Estado, constituindo-se as correspondências dos
inspetores às autoridades da Província/Estado, uma das fontes mais
relevantes, na medida em que trazem um conjunto de pedidos, reivin-
dicações, desejos e aspirações dos professores com relação à melhoria
das condições das escolas “improvisadas” ou construídas durante o
428 período imperial e a primeira metade do século XX. Dessa forma, par-
tindo de que a história “[...] é feita e refeita por uma prática e, o his-
toriador, um operário intencional, imerso e presente nesta construção
do histórico [...]” (CERTEAU, 1982, p. 67); embora a realidade se faça
opaca e esparsa, quando analisamos a produção de outros estados,
desde uma perspectiva local, no cerne destas fontes, “[...] existem zo-
nas privilegiadas ‒ sinais, indícios ‒ que permitem decifrá-la.” (GINZ-
BURG, 1989, p. 177).
Em sendo assim, adotamos como referente teórico a ideia de que
“[...] o espaço escolar tem de ser analisado como um construto cultural
que expressa e reflete, para além da sua materialidade, determinados
discursos [...]” (FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 26), que tem uma inten-
cionalidade específica para um grupo singular de sujeitos, como tam-
bém se constitui num “[...] programa [...] um sistema de valores como
os de ordem, disciplina, e vigilância, para a aprendizagem sensorial e
motora, e [...] uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos,
culturais e também ideológicos [...]” (FRAGO; ESCOLANO, 2001, p. 26),
que merecem ser julgados na perspectiva da história cruzada, por meio
da qual somos intimados a tentar estabelecer relações entre relações,
procurando os nexos implícitos entre os espaços escolares, as práticas,
os sujeitos, os conteúdos, os discursos, as correlações de força e poder
latentes e em constante interação, no meio de políticas nacionais e es-
Capítulo 12

taduais que impactaram e intervieram na configuração do sistema de


ensino e na expansão da instrução, para problematizar e compreender
as configurações e transformações pelas quais passou a escola primária,
como também as figurações estabelecidas pelos atores atuantes nesse
processo de legitimação da forma escolar de socialização, na qual a de-
pendência entre os indivíduos e sua esfera de atuação são correlatas às
condutas pessoais e aos espaços decisórios que lhe conferem atuar no
meio de uma figuração específica, ou seja, “[...] indivíduos singulares
[...] orientados para a reciprocidade, ligados por interdependências dos
mais diversos tipos e que formam entre se figurações específicas em vir-
tude de suas interdependências” (ELIAS, 2001, p. 51).
Para Souza (2005), os estudos sobre a arquitetura se constitui uma
das vertentes de investigação sobre a cultura material escolar, por ser no
interior das instituições onde ocorre a dramaturgia pedagógica com seus
diferentes cenários, textos e atores, sendo no exterior onde estão guarda-
das e marcadas as especificidades do lugar e as estratégias sociais, histó-
ricas, políticas-econômicas e urbanísticas do lugar de quem as construiu.

Considerado como território, o espaço-lugar escolar impli-


ca uma triplica dialética entre o interno e o externo – o que
é a escola e o que fica fora dela, o que está na sala de aula
ou em outro espaço escolar e o que está fora dele – o fecha-
429
do e o aberto – estruturas cortantes ou herméticas frente a
estruturas de transição ou porosas –, e o próprio, o comum
e o alheio – ‘minha’ ou ‘nossa’ sala de aula, ‘minha’ carteira
etc. A partir dessa perspectiva a instituição escolar cons-
titui um território demarcado, de limites mais ou menos
demarcado, de limites mais ou menos estabelecidos, com
diversos graus de porosidade em relação com o meio exte-
rior [...] e internamente segmentado ou dividido e a função
dos distintos usos ou tarefas a realizar-se nele. O espaço
escolar torna-se, assim, em sua configuração interna, em
espaço segmentado onde o ocultamento e o fechamento se
opõem, em geral por razoes de controle, à visibilidade, à
abertura e à transparência. Daí, a utilidade e a importância,
para o conhecimento da cultura escolar, de uma instituição
educativa determinada, de analisar tal segmentação e, jun-
tamente com ela, a distribuição e usos dos espaços-lugares
que dela resultam. (VINÃO, 2005, p. 18).

Como dito anteriormente, este artigo traz a mostra alguns traba-


lhos que versam sobre a arquitetura escolar, realizados por pesquisado-
res de várias instituições e lugares brasileiros, como forma de situarmos
História da Escola Primária no Brasil

as perspectivas teóricas e metodológicas sobre o debate e na medida do


possível, tecermos algumas comparações com e sobre a realidade mara-
nhense por meio de fontes locais, as quais são concebidas como feixes
de relações, por se materializarem a partir dos conflitos e das negocia-
ções, o que possibilita não só tornar visíveis diferentes questões, certos
acontecimentos ou diversas formas de pensar do lugar no que se refere
à escola, como também permite inverter a escala de observação, quando
se faz referência às temáticas que giram em torno da forma escolar de
socialização e dos espaços escolares como representação estadual, re-
gional e nacional.

Um debate sobre arquitetura escolar

Lembranças, recordações, sentimentos de vazio ou de pertencimento


são certamente as sensações de todos quando buscam em seus baús pes-
soais as suas trajetórias escolares. De maneira clara ou turva vão lenta-
mente surgindo nomes, datas, práticas, relações, fatos inusitados da vida
escolar. Dentre essas reminiscências, uma vem sempre à tona, os espaços
escolares, com seus corredores, pátios, salas de aula e bibliotecas.
430 A este respeito Buffa e Pinto (2002), na obra Arquitetura e Educa-
ção: organização do espaço e propostas pedagógicas dos grupos esco-
lares paulistas, 1893–1971, dizem que é:

Impossível não distinguir com clareza, na paisagem da ci-


dade, um edifício imponente onde funcionava um grupo
escolar construído nos primeiros tempos do regime repu-
blicano. O grupo escolar, com todos os seus rituais, está
ainda saudosamente presente na memória de muitos de
nós: fachada grandiosa, hall de entrada primoroso, esca-
darias, duas alas, uma para meninos, outra para meninas,
eixo simétrico, pátio interno, acabamento com materiais
nobres, portas com bandeiras, janelas verticais grandes e
pesadas, carteiras para dois alunos, relógio redondo com
algarismos redondos e pêndulo, professores competentes,
diretor severo, recreio, exames escritos e orais, entrada e
saída da escola, festas cívicas com hino nacional, hastea-
mento de bandeiras e declamação de poesias, uniforme
azul e branco, caixa escolar, boletim com nota de compor-
tamento de aplicação, medalhas de honra ao mérito aos
melhores alunos, orfeão, cartilha, livro de leitura, brinca-
deiras, medo, alegria. (BUFFA, PINTO, 2002, p. 18-19).
Capítulo 12

Segundo estes autores, os estudos sobre arquitetura escolar, até


2002, eram escassos, restritos a algumas teses e artigos científicos, escri-
tos na sua maioria por arquitetos, a exemplo de Hélio Duarte, Lina Bo
Bardi e Vilanova Artigas, Avany Ferreira, Mirela Mello e Hélia Neves,
Maria Elisazath Corrêa e Hugo Sagawa; no entanto, com relação aos
historiadores da educação, poucos estudos referenciavam esta temática,
a não ser Templos de Civilização de Rosa Fátima de Souza (1998) e o
trabalho de “[...] Carlos Monarcha sobre a Escola Normal da Praça e nos
livros que Paulo Nosella e eu escrevemos sobre as instituições escolares
de São Carlos [...]” (BUFFA; PINTO, 2002, p. 22). Nesse sentido, se por
um lado, havia carência de pesquisas acadêmicas sobre o tema, por ou-
tro se “proliferavam” um conjunto de fontes legislativas, relatórios e es-
tudos acerca das diretrizes para a construção de prédios escolares como
se depreende da obra Novos prédios para grupos escolares,publicada
pela Diretoria de Ensino em parceria com a Diretoria de Obras Públicas
do Estado de São Paulo (1936) e, de Novos Prédios Escolares para o
Brasil, publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em
1948, onde é descrito que:

Um dos fatores que mais concorrem para a atual deficiên-


cia do ensino primário no Brasil é a inexistência do prédio
adequado para o funcionamento da escola. Os prédios que
431
se contam na rêde, em número muito inferior ao necessário,
carecem de acomodações apropriadas e não apresentam,
em sua maioria, os requisitos essênciais para funcionamen-
to de uma escola pública (NOVOS prédios, 1948, p. 4).

Desde a publicação do texto “clássico” de Buffa e Pinto (2002), a


produção sobre a arquitetura escolar tem se mostrado uma temática de
crescente interesse pelos historiadores da educação; trabalhos estes que
tratam de diferentes instituições em tempos e espaços diversos, como
representa o seguinte quadro.
História da Escola Primária no Brasil

Quadro 1 – Lista de alguns autores e obras sobre arquitetura escolar

AUTOR(A)(ES)(AS) TÍTULO
Arquitetura Escolar de “escolas exem-
Eurize Caldas Pessanha; plares” em quatro cidades brasileiras:
Ângelo Marcos Vieira de Arruda expressão de projetos de modernização
e escolarização de 1880 a 1954.
Silvia Alicia Martinez; Marcelo Arquitetura, Escola e Memória: O edifí-
Carlos Gantos; Maria Amélia de cio do Liceu de
Almeida Pinto Boynard Humanidades de Campos.
Escolas e Cidades do Sertão (1933–
Rubia-Mar Nunes Pinto
1945): espaço, endereço, arquitetura.
Das escolas de improviso às escolas
Terciane Ângela Luchese; planejadas: um olhar sobre os espaços
Lúcio Kreutz. escolares da Região Colonial Italiana,
Rio Grande do Sul.
A materialidade física e jurídica da
Cleide Maria Maciel de Melo; Ana
Escola Normal oficial de Dores de
Maria Casasanta Peixoto
Indaiá-Minas Gerais (1928-2002).
O espaço escolar como objeto da História
Luciano Mendes de Faria Filho
432 da Educação: algumas reflexões.
Pesquisa sobre arquitetura e educação:
Ester Buffa
aspectos teórico-metodológicos.
Elisabeth Gottschalg Raimann; Arquitetura e espaço escolar na produção
Cristiane Raimann de subjetividades.
A arquitetura escolar como fonte para a
Fábio Luiz da Silva
História da Educação.
História & Arquitetura Escolar: em busca
Ana Paula
da construção de Escolas “modernas” no
Pupo Correia
Paraná (1943–1953).
Espaços Escolares:
Cristianne Maria Famer Rocha
modernizações produtivas
Museu Escolar: sentidos, propostas e
Marilia Gabriela Petry; Vera Lucia
projetos para a Escola Primária
Gaspar da Silva
(séculos XIX e XX).
Maria Rosa Os espaços escolares e a constituição de
Chaves Kunzle um programa anti-disciplinar.
Glaucia de Cássia Magalhães da Inter-Relação entre espaço escolar e
Silva Cavaliere currículo.
Propagandas das instituições de ensino
Helena de Araujo Neves de Pelotas-RS: visibilidade ao espaço
escolar (1875–1910).
Capítulo 12

Uma reflexão sobre o contexto e concep-


Zilsa Maria
ção do espaço-escola nas décadas de
Pinto Santiago
1920–30 em Fortaleza.
Arquitetura e grupos escolares em Sergi-
Crislane Barbosa
pe: uma relação entre espaços e educação
de Azevedo
na escola primária.
Arquitetura moderna e espaços mo-
Marcus Levy delares para as práticas esportivas em
Albino Bencosta ambiente escolar: o exemplo do Colégio
Estadual do Paraná (Curitiba,1943–195).
Arquitetura Escolar em Mato Grosso
Ângelo Marcos Vieira de Arruda
(1890–1930).
História e arquitetura escolar: a expe-
Marcus Levy Albino Bencosta; riência dos regulamentos franceses e
Marina Fernandes Braga brasileiros para os edifícios escolares
(1880–1910).
Projetos de escolas primárias do arquite-
Carlos Monique to Raul Lino durante
a I República Portuguesa.
História da Educação, arquitetura e espa-
Marcus Levy Albino Bencosta (Org).
ço escolar. São Paulo: Cortez, 2005. 433
Culturas escolares, saberes e práticas
Marcus Levy Albino Bencosta (Org).
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Grupos Escolares: cultura escolar primá-
Diana Goncalves Vidal ria e escolarização da infância no Brasil
(1893–1971).
Cultura material escolar: a escola e seus
César Augusto Castro (Org.) artefatos (MA, SP, PR, SC e RS,
1870–1925).
César Augusto Castro; Samuel Luiz A escola e seus artefatos culturais.
Velázquez Castellanos São Luis: EDUFMA, 2013

As fontes utilizadas nesses trabalhos são variadas, permitindo no-


vas perspectivas e novos olhares sobre a arquitetura escolar brasileira,
entre as quais encontramos: a imprensa, os relatórios dos presidentes
das Províncias, as mensagens dos governadores, os livros de portarias,
os livros de cadastro e de atas, as fotografias, os relatórios de cônsules
e intendentes, as plantas baixas, os relatórios dos inspetores e professo-
res, a legislação, álbuns e anuários, os regimentos das instituições, os re-
gulamentos e os termos de visita. Fontes que se encontram, segundo os
autores, armazenadas em diferentes espaços, públicos, privados e par-
História da Escola Primária no Brasil

ticulares, tendo os arquivos como a principal referência e os materiais


coletados e depositados nos Centro de Documentação dos vários nú-
cleos e grupos de estudo e pesquisa de Instituições de Ensino Superior.
Entretanto, são unânimes as denúncias sobre a falta de preservação nas
instituições de seus documentos (arquivos, bibliotecas, museus, etc.), o
que dificulta em certa medida o alargamento dos estudos; recorrendo
nesse caso, os pesquisadores, aos “baús de papéis” de professores, alu-
nos, diretores que salvaguardaram atas, fotografias, cadernos, ou aos
“baús de memória”, das pessoas que viveram e/ou atuaram nas insti-
tuições escolares.
Em que pese, se nos trabalhos arrolados, temáticas como a discipli-
na escolar, as relações/diferenças de gênero, o currículo, a distribuição
de espaços (salas de aula, bibliotecas, pátios, etc), o estilo arquitetônico,
a cultura escolar, a urbanização e a escolarização são as mais relaciona-
das quando se aborda a arquitetura escolar; por outro lado, os teóricos
que sustentam os argumentos dos estudiosos nesta área, que aparecem
com maior frequência, são: Antonio Viñao Frago, Augustin Escolano,
Dominique Julia, Michael Foucault, Ester Buffa e Gelson de Almeida
Pinto, Roger Chartier, Marcus Levy Bencosta, Justino Magalhães, Lucia-
no Mendes de Faria Filho, encontrando-se entre os textos mais citados:

434 FRAGO, Antonio Viñao, ESCOLANO, Augustin. Currí-


culo, espaço e subjetividades: a arquitetura escolar como
programa. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
ESCOLANO, Augustin. El espacio escolar como escena-
rio y como representación. Teias, Revista da Faculdade de
Educação, Rio de Janeiro, n.1, jun. 2000.
MAGALHÃES, Justino. Um apontamento metodológico
sobre a história das instituições educativas. In: SOUSA,
Cyntia Pereira de; CATANI, Denice B. (org.). Práticas edu-
cativas, culturas escolares, profissão docente. São Paulo:
Escrituras, 1998.
BENCOSTA, Marcus Levy. História da educação, arquite-
tura e espaço escolar. São Paulo: Cortez, 2005.
JULIA, D. Cultura escolar como objeto histórico. Revista
Brasileira de História da Educação, SBHE, Campinas; Au-
tores Associados, n.1, abr/jun, 2001.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Dos pardieiros aos
palácios: cultura escolar em Belo Horizonte na Primeira
República. Passo Fundo: UFP, 2000.

Contudo a incidência ou não de determinado autor depende da


relação que é feita com o espaço escolar. Se o texto trata de disciplina
Capítulo 12

e do controle, Michael Foucault predomina, se o assunto gira em tor-


no das instituições escolares, os textos de Justino Magalhães se fazem
presentes; embora outros autores sejam utilizados por apresentarem
diversas concepções teóricas e perspectivas metodológicas sobre a
arquitetura escolar, como Vinão Frago e Augustin Escolano, inde-
pendentemente da temática tratada. Por outro lado, na verificação
do tipo de instituição mais abordada, nas análises realizadas entre
Grupos escolares, Universidades, Escolas Normais, profissionais, re-
ligiosas, secundárias, escolas primárias (para o sexo feminino, mas-
culino, ou mistas), as mais representativas são os grupos escolares ou
escolas modelares, os quais foram construídos no momento em que
no Brasil se estabeleceram políticas mais sistemáticas e incisivas so-
bre os prédios destinados para o ensino primário como símbolos de
modernidade, progresso e civilidade e como uma forma de demarcar
o lugar da República; sendo nessa direção que Faria Filho (2000), ao
tratar da criação dessas instituições na realidade mineira, termine
afirmando que:

A construção da escola e da sua cultura estará intimamen-


te ligada à construção física e simbólica da cidade e da
reformulação possível da República. É impossível pensar
o processo de escolarização de saberes e de conhecimen-
435
to na escola pública belorizontina daquele momento se
não levar em conta a inserção da escola no mundo urbano
e a contribuição que dela se esperava na transformação
de seus habitantes, notadamente das famílias pobres [...]
(FARIA FILHO, 2000, p. 23).

No que diz respeito aos diferentes tipos de disposição espacial


das instituições educativas, reportados pelos autores, surgem duas
perspectivas. A primeira descreve o lugar ocupado pela escola no
mapa urbano, notadamente os estudos que se reportam ao século
XIX e às primeiras décadas republicanas. Nesses dois períodos as
construções escolares se somam a outros ambientes que representam
o poder das elites locais e seus projetos de modernização, higieni-
zação e organização da cidade, onde a escola assumia nesse cenário
uma “[...] gramática discursiva arquitetônica.” (BENCOSTA, 2005,
p.31) de relevância, como demonstra o trabalho de Pessanha e Ar-
ruda (2008) ao fazerem uma análise de quatro instituições “exem-
plares”: o Liceu de Humanidades de Campos de Goytacases (Rio de
Janeiro), a Escola de Conde de Parnayba (Jundiaí – São Paulo), a Es-
cola Estadual de Uberlândia e o Colégio Estadual Campo-Grandense
(Mato Grosso).
História da Escola Primária no Brasil

Por sua vez, Souza (1998, p. 94-95), ao tratar da realidade paulista,


destaca que o processo de modernização a partir da criação dos gru-
pos escolares:

[...] fazia parte de um conjunto de melhoramentos urba-


nos, tornando-se denotativo do progresso de uma loca-
lidade. Ele era um símbolo de modernização cultural, a
morada de um dos mais caros valores urbanos – a cultura
escrita [...]. Eles representavam também sinal de prestigio
para a cidade [...]. Por isso, a sua criação era vista como
uma vitória política decorrente dos esforços das autorida-
des locais, mediadas pelo jogo político. [Sendo assim era]
preciso ver os grupos escolares no interior dos projetos de
modernização e de construção das novas formas de ges-
tão das cidades e de seus habitantes implementados pelo
poder público no estado de São Paulo, no final do século
passado [o oitocentos].

Esse processo de modernização das cidades e sua vinculação com


as instituições educativas, não ficou restrito aos centros urbanos (Belo
Horizonte, São Luís, São Paulo e Rio de Janeiro), ampliaram-se pelo in-
436 terior dos estados, a exemplo da chamada Região Colonial Italiana, no
Rio Grande do Sul (LUCHESE; KREUTZ, 2012), nas cidades de Cáceres,
Paconé, Rosário do Oeste e outras cidades de Mato Grosso, como trata
Arruda (2011) e nas cidades de Codó, São Bento e Rosário (SILVA, 2011).
Na segunda perspectiva ao tratarem sobre a disposição dos am-
bientes no interior das instituições educativas (pátios, salas, bibliote-
cas, museus, laboratórios), os autores tomam como referência as plan-
tas baixas, os regulamentos e os relatórios dos inspetores de ensino,
como fonte documental que possibilitam o entendimento da relação
estabelecida entre o espaço e o currículo, os sujeitos e suas interdepen-
dências, os conteúdos e seus planos de execução, a distribuição das
atividades docentes, discentes, técnico administrativas e os projetos
de formação, o controle e a disciplinarização nas diferentes variações
de escola, que se regiam pela forma escolar de socialização primária;
ou seja, na tentativa de revelarmos os nexos implícitos nos espaços
destinados ao ensino, poderemos compreender gradualmente não só
o papel da estrutura da escola, como também o uso social que esse
espaço imputava aos públicos alvos específicos (ELIAS, 2001).
Sendo assim, para Escolano (2001, p. 26):

A arquitetura escolar é também, por si, um programa, uma


espécie de discurso que institui na sua materialidade um
Capítulo 12

sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilân-


cia, marcos para a aprendizagem sensorial e motora [...] é
um elemento significativo do currículo, uma fonte de expe-
riência e aprendizagem.

Ao descrever os diversos ambientes das escolas paranaenses cons-


truídas nas décadas de 40 e 50 do século XX, Correia (2014) afirma que
as escolas em formato de “U” apresentavam os espaços para o museu,
a biblioteca, as salas de aula, os banheiros, a cantina e as salas admi-
nistrativas (diretoria e secretaria). Faria Filho (2000, p. 7) ao tratar dos
grupos escolares mineiros, afirma que os mesmos dispunham de aco-
modações que possibilitavam o controle e as diferenças de gênero e um
cenário próprio que afastava a escola da rua, por meio de muros, o que
contribuiu para a criação do pátio escolar como espaço de transição
que permitia ao mesmo tempo “[...] fazer com que os(as) alunos(as) sa-
íssem das ruas, dando-lhes maior segurança e afastando-os(as) de sua
influência maléfica, mas também permitia evitar que os(as) mesmos(as)
adentrassem à sala-de-aula no mesmo ritmo que vinham das ruas [...]”.
Por outro lado, na perspectiva de Raimann, E. e Raimann, C. (2008), a
distribuição espacial das escolas objetivava o exercício do controle, da
disciplina e dos atos de punição, sendo suas acomodações concebidas
e planejadas para garantir a visibilidade de todas as ações cotidianas 437
dos alunos e professores, limitando assim seus exercícios de poder e
saber; embora não negligenciemos nesta análise, as múltiplas inventivi-
dades que estão intrínsecas nos indivíduos “[...] nas formas de fazer e de
ser[...]” (CERTEAU, 1994).

A este respeito, Escolano (2001, p. 27-28) afirma que:

A espacialização disciplinar é parte integrante da arquite-


tura escolar e se observa tanto na separação das salas de
aula (graus, sexos, características dos alunos) como na dis-
posição regular das carteiras (com corredores), coisas que
facilitam, além disso, a rotina escolar das tarefas e a econo-
mia do tempo. Essa espacialidade organiza minuciosamen-
te os movimentos e os gestos e faz com que a escola seja um
‘continente de poder’.

Essa espacialização (interna e externa) nos possibilita compreender


as diversas perspectivas que a escola e os seus artefatos culturais ocu-
param em tempos e espaços diversos e as formas de esquadrilhamento
dos corpos e das formas de ensinar e de aprender; por outro lado, os di-
versos modelos arquitetônicos que demarcaram uma simbologia e um
História da Escola Primária no Brasil

poder de representação, não só nos auxiliam a entender o papel que a


instituição educativa assumia no imaginário da sociedade onde estava
inserida, como também nos ajuda a apreender um conjunto de disposi-
tivos materiais, legais e ideológicos que davam à escola e a seus atores
uma posição privilegiada que se estruturava e se corporificava median-
te os artefatos culturais, as disciplinas escolares, o nível de ensino (pri-
mário, secundário, profissional) e a separação dos alunos por sexos e
idade. Portanto, a arquitetura escolar é mais do que uma construção
com suas fachadas e acomodações, é na realidade um designo intelectu-
al de quem a projetou, é o cruzamento utópico de ensinar todo o saber
produzido pela humanidade e as suas restrições técnicas e espaciais.

Arquitetura escolar maranhense: a possibilidade


de uma cartografia

Na segunda parte deste texto, pretendemos incursionar de forma


“panorâmica e lacunar” sobre a arquitetura das instituições escolares
maranhenses em diferentes tempos, lugares e variações. Para sua escrita,
recorremos a um conjunto de fontes (bibliográficas e documentais) com
438 a intenção de abrirmos outras possibilidades de investigação, na medida
em que não existem estudos maranhenses referentes a esta temática, na
qual nós, desde uma perspectiva da cultura material escolar, atrelada à
cultura da escola e à cultura escolar, por meio da história cruzada (como
fundamentação teórico-metodológica), aspiramos a abrir novos cami-
nhos por meio de uma inversão de escala de observação (a local) e colocar
em relevo novos objetos que podem mobilizar o alargamento de pesqui-
sas direcionadas à forma escolar de socialização e às variações de escolas
primárias no estado na primeira metade do século XX, trazendo a arqui-
tetura escolar e suas implicações para o primeiro plano na História da
Educação e especificamente, na História da Educação maranhense, como
indicativos de diferentes práticas, relações, sujeitos e projetos inseridos na
trama do ensino local, num triplo procedimento de historicização: ques-
tionamentos que norteiam a arquitetura escolar como objeto de investi-
gação, as categorias de análises em uso para tecer e compreender a trama
implícita nesses espaços escolares, assim como a própria relação de nós
pesquisadores com o objeto. Em outras palavras, partindo de avaliações
autônomas que não sejam obliteradas por juízos preconcebidos, tentamos
enxergar estas construções ou adaptações de prédios e espaços de ensino,
tanto a partir da “perspectiva-eles”, quanto a partir da “perspectiva-nós”,
ou seja, “[...] vista como uma figuração de outros homens a respeito dos
quais dizemos ‘eles’; ao mesmo tempo, [...] vista da maneira como aque-
Capítulo 12

les homens a viam, como eles viam a se mesmos, quando diziam ‘nós’.”
(ELIAS, 2001, p. 80).
Nesse sentido, os primeiros vestígios identificados na documenta-
ção pesquisada no Maranhão, sobre espaços para o funcionamento do
ensino, encontram-se na obra História da Companhia de Jesus na ex-
tinta Província do Maranhão e Pará, escrita pelo Padre José de Moraes,
em 1759, na qual descreve que:

Constava o pequeno colégio de um corredor [...] com cubí-


culos por baixo e por cima, e junto uma pequena igreja que
servia em outro tempo à edificação pelo asseio [...] [onde]
foram abertas duas salas, por ordem do Padre Vieira, uma
que se ensinassem os primeiros rudimentos da puerícia de
ler escrever e contar, eoutra em que se aprendessem os pre-
ceitos da gramática, cousa nunca vista no Maranhão [...] e
como na terra não haviam os instrumentos necessários para
o exercício dos novos estudos, mandou o superior que pelos
estudantes artes e cartapácios, e pelos meninos traslados e
papel repartissem os mestres, o que parecesse preciso para a
sua instrução (MORAES, 1987, p. 191-192).

Observamos que para além de uma sumária descrição do espaço fí- 439
sico é possível identificarmos a presença de livros que serviram para as
atividades dos docentes e discentes, compreendendo-se em certa medida
a natureza do ensino; entretanto, na obra Crônica da Missão dos Padres
da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, Bettendorff (2010) traz
maiores informações sobre este Colégio3 e sobre o de Nossa Senhora da
Luz4, cujos corredores eram amplos, suas janelas altas, o piso de lajotas e
as salas estavam circundadas por um amplo jardim onde os estudantes
e os padres nos dias mais quentes podiam desfrutar de uma brisa suave
que vinha do mar.
Mais tarde, com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal,
não temos evidencias da construção de edifícios escolares para meninos
ou meninas, situação que se prolonga até a década de 40 dos oitocentos,
quando é adaptado um prédio para alojar as salas do Liceu Maranhen-
se, que desde a sua criação, em 1837, as aulas foram ministradas pelos
professores em suas residências, tal como acontecia com a instrução pri-
mária. Situação reclamada por Vicente Thomaz Pires de Figueiredo Ca-
margo, Presidente da Província no discurso apresentado à Assembleia
3 Nos Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil, Antônio Henriques Leal informa que os
Jesuítas construíram no Maranhão quatro colégios: São José e São Miguel, São João Batista em Vinhais
e o Conceição da Virgem, no Pindaré.
4 A casa jesuítica de Nossa Senhora da Luz, fundada pelo padre Luis Figueira, em 1622, foi depois ele-
vada à categoria de Colégio por volta de 1670, quando o cronista João Felipe Bettendorff era então o
superior da Missão do Maranhão.
História da Escola Primária no Brasil

Provincial, em 3 de maio de 1838, sugerindo aos deputados que arbitras-


sem “Algumas quantias para [a] construção e arranjo, pelo menos nas
cabeças das Comarcas, de edifícios com as acomodações precisas, para se
manterem escolas, segundo todo o rigor do plano de estudo do sistema
Lancasteriano [...]” (MARANHÃO, Discurso, 1838, p. 12).
Esse problema se faz presente durante todo o século XIX, na medi-
da em que é “lugar comum” nas correspondências dos professores para
os inspetores da instrução as reclamações sobre a falta de edifícios apro-
priados para funcionamento das escolas de primeiras letras, escolas que
funcionavam em casas alugadas ou nas residências dos professores, que
algumas vezes não atendiam às condições higiênicas, nem apresentavam
espaços adequados para alojar os objetos destinados ao ensino, entre eles:

Um armário, três cadeiras (para o professor e pessoas que


visitarem as escolas) uma mesa para o professor e as que fo-
rem precisas para os alunos, bancos para estes, um relógio,
uma campainha, um quadro preto de madeira, espoja, espoja
e giz para os exercícios aritméticos, uma coleção de pesos e
medidas do sistema métrico decimal, traslados, lápis, cane-
tas, penas, réguas para escrita, cabides para chapéus, potes e
vasilhas menores para água, dois livros para matrículas dos
440 alunos e para registro dos inventários dos objetos das escolas
[...] duas esferas, um mapa mundi, uma carta do Brasil e ou-
tra do Maranhão [...]. Nas escolas de sexo feminino cadeiras e
utensílios para costura. (REGULAMENTO para as escolas...
apud CASTRO, 2009. p. 415).

Ao fazermos um mapeamento da localização geográfica das escolas


de primeiras letras maranhenses constatamos que, quanto mais distante
da capital da província (São Luís), piores eram as condições de funcio-
namento dos estabelecimentos e maior era o déficit de objetos para o
ensino da leitura e da escrita; daí a relutância dos pais em matricularem
seus filhos (apesar da obrigatoriedade exigida por lei), o fechamento de
escolas e a transferência de cadeiras de um lugar para outro, registrada
nas correspondências dos professores, dos delegados literários, para as
autoridades provinciais. Por outro lado, se as escolas de primeiras letras,
públicas e particulares, em toda a Província do Maranhão apresentavam
toda espécie de entraves para o seu funcionamento, especialmente com
relação aos espaços físicos, não podemos dizer o mesmo em relação às
instituições que tinham por objetivo o atendimento às crianças pobres e
desvalidas, como a Casa dos Educandos Artífices, a Escola Agrícola do
Cutim e o Asilo de Santa Teresa, para os quais foram construídos edifí-
cios que atendiam as condições higiênicas e materiais para formar mão
Capítulo 12

de obra indispensável para o Maranhão atender suas necessidades de


“progresso e de civilidade”.
O prédio que abrigou a meninas de Santa Teresa (foto a seguir) foi
edificado no período colonial pelo Frei Malagrida para instalar o Recolhi-
mento de Nossa Senhora de Anunciação e Remédios, com a finalidade de
recolher e assistir moças que tinham intenções de seguir a vida religiosa ou
de viverem sobre a proteção da igreja. Durante o seu ciclo de vida passou
por inúmeras reformas para atender as demandas crescentes das ingressas,
sem perder a sua característica principal, a construção em formato de “U”,
com salas de aula, dormitórios, refeitórios, banheiros, oficinas de bordados
e costura, com janelas altas de frente para o mar, amplo jardim, portões e
muros que separavam as reclusas da cidade5 e em anexo ao edifício cen-
tral, uma capela onde se realizavam as atividades religiosas das internas e
as “missas públicas”, nas quais as educandas, por momentos, mantinham
contato com o mundo exterior, sob a olhar vigilante da regente.

Foto 1 - Prédio do Asilo de Santa Teresa

441

Fonte: Álbum de Gaudêncio Cunha (1908).

5 Este prédio no tempo presente pertence às irmãs Dorotéias que mantêm o tradicional Colégio de Santa
Teresa, cuja arquitetura traz marcas da construção original.
História da Escola Primária no Brasil

Foto 2 – Prédio da Casa dos Educandos Artífices.

Fonte: Álbum de Gaudêncio Cunha (1908).

A Casa dos Educandos Artífices (foto acima), instituição criada, em


442 1841, com o objetivo de abrigar crianças pobres e desvalidas do sexo
masculino, de oferecer-lhes o ensino das primeiras letras e lhes propor-
cionar uma instrução manual (sapateiro, alfaiate, carpinteiro, marcenei-
ro, etc.), esteve alojada6 no antigo armazém de pólvora que havia sido
construído desde o século XVII, com paredes de barro, teto alto e portas
pesadas de jutaí e bacuri7, tendo a vantagem de gozar de um ambiente
de ares agradáveis, com a liberdade própria do campo, com uma vista
aprazível e “fora do reboliço da cidade”; isto é, situada entre o Campo
de Ourique e o Alto da Carneira, segundo a descrição de Antonio Falção
(diretor do estabelecimento). Entretanto, a necessidade de reformas e
adaptações físicas para instalar os alunos nas salas de aula e nas ofici-
nas e, ainda pelo terreno estar localizado em uma região alagada que
contribuía para a proliferação de doenças, como as febres intermitentes,
outros inconvenientes se acentuavam no inverno, já que as chuvas ame-
açavam derrubar as paredes e o aparecimento de goteiras e infiltrações
molhavam a roupa, os calcados e as redes dos educandos. Dessa forma,
se o espaço escolar geograficamente estava bem situado, por outro lado,
estruturalmente o prédio estava arruinado, carecendo de atijolamento
das coxias, aumentando o número de infiltrações pelas rachaduras das
6 O prédio onde funcionou a Casa dos Educandos Artífices, ainda permanece com as mesmas disposições
espaciais, na medida em que as suas escadarias, janelas e grades da prisão continuam em perfeito estado
de conservação, embora funcione atualmente a sede do Ministério da Agricultura no Maranhão.
7 Madeiras abundantes no Maranhão na época.
Capítulo 12

paredes, sendo preciso não só a abertura de portas e janelas, como tam-


bém a troca do telhado arruinado pela ação do tempo e dos cupins, e a
construção de cloacas8 para as necessidades fisiológicas dos alunos.

Mesmo em dia de chuva esta pratica abusiva continuava


causando terríveis e fatais consequências; não pude supor-
tar esta falta por tanto tempo e mesmo às expensas da casa
mandei construir dois quartos para o mencionado fim den-
tro do estabelecimento, sendo um para os educandos meno-
res e o outro para os maiores[...] (RELATÓRIO, 1867, p.2).

Os problemas relatados com que diziam respeito às condições do edi-


fício se agravavam pelo aumento do número de educandos, pela criação
de oficinas e pela incorporação de outras aulas, além das primeiras letras,
como por exemplo, a aula de desenho e escultura aplicada às artes, ge-
ometria e francês. Daí, as constantes reformas realizadas no período de
1841 a 1889 (ciclo de vida da instituição), que contemplava a ampliação
dos dormitórios, os refeitórios e as salas de aula, a troca de assoalhos, o
atijolamento do pátio interno e da abertura dos fundos de modo a facilitar
a entrada de carroças e animais, construindo-se uma praça em frente ao
estabelecimento. Vinte e duas janelas foram construídas no edifício (ala
direita e esquerda) divididas pela sala do diretor que compreendia dois 443
andares, possibilitando uma visão maior do interior e do exterior do pré-
dio, cujo acesso dava-se por uma ampla escada e porta privada.
Se as salas de frente para a rua eram destinadas para as aulas de
primeiras letras, as outras disciplinas eram ministradas num lado do
prédio oposto às oficinas de aprendizagem profissional, existindo ain-
da um refeitório, seis amplos espaços para os dormitórios dos alunos,
divididos por idade e uma sala destinada exclusivamente à banda de
música. Já na parte dos fundos foram construídos banheiros (cloacas),
uma estrebaria para os animais, um depósito para armazenar alimentos,
hortas e uma roça onde eram plantados arroz, feijão, milho e macaxeira,
galpões para criação de galinhas, porcos, bodes e carneiros que ajuda-
ram no sustento dos alunos, um pátio interno amplo e atijolado para o
recreio dos alunos, para as apresentações musicais abertas à sociedade
maranhense e para a exposição anual dos trabalhos manuais dos edu-
candos e, uma prisão para punir os alunos indisciplinados.
Por sua vez, a Escola Agrícola do Cutim (Foto 3 mais adiante), cria-
da com as mesmas finalidades das instituições anteriores destinava-se a
preparar jovens para o trabalho agrícola, por meio das modernas técni-
cas adotadas na França, nos Estados Unidos e em Cuba; em especial, o

8 Cano de limpeza das imundícies da cidade; sentina (MORAES, Antônio de. Diccionario da língua portuguesa,
v.1, 1831).
História da Escola Primária no Brasil

cultivo do arroz, do algodão e da cana de açúcar. Para tanto, o governo


provincial do Maranhão adquiriu um amplo terreno, com três prédios
que foram reformados para atender as necessidades educativas da insti-
tuição, no qual um deles circundando por uma ampla varanda e as suas
colunas ornadas com pés de flores, murtas e outras plantas aromáticas,
que dava “um ar bucólico e agradável”9 ao edifício, era disposto para as
aulas de primeiras letras, francês e para as aulas teóricas de agricultura,
servindo-se de uma biblioteca com acervo predominantemente em língua
francesa, na medida em que o método aratório era originário da Escola de
Grignon. O segundo servia de alojamento aos alunos, professores, mes-
tres e diretores, que por determinação legal, deveriam fixar residência
na instituição; o terceiro era destinado para as estrebarias dos cavalos,
bois e burros, para a guarda dos materiais agrícolas, sementes e alimentos
(farinha, feijão, arroz, carne de seca, etc.) e para três amplos galpões para
a criação de animais de pequeno porte e aves; ou seja, as adaptações e
construções que foram realizadas neste estabelecimento em formato de
“U”, cercado por um grande muro, tal qual a Escola Agrícola de Grignon,
em termos de espaços das salas de aulas, dos dormitórios, do refeitório e
da biblioteca.

Foto 3 – Estrada que dava acesso à Escola do Cutim.


444

Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Outra instituição com edificação arquitetônica diferenciada é a Socie-


dade Onze de Agosto, criada, em 1870, pela iniciativa privada de políticos
e professores maranhense10, com a finalidade de ofertar não só o ensino
noturno a trabalhadores, como a abertura de uma Escola Normal (segunda
9 Descrição que se encontra nos documentos sobre a inauguração da instituição, em 7 de abril de 1858.
10 Antonio de Almeida Oliveira, Roberto Hall, João Antônio Coqueiro, Manoel Jansen Pereira, Agostinho
Autran, dentre outros.
Capítulo 12

tentativa de implantação no cenário maranhense), instalada em 1874, pela


qual seus idealizadores recorreram aos donativos dos comerciantes de São
Luís e Caxias, dos fazendeiros de Itapecuru, Viana e Pindaré para a compra
e adaptação de um prédio para alojá-la (CASTELLANOS, 2011). Sobre o
assunto, Gomes de Castro, dizia que:

Em quase todas as províncias do Império se tem construí-


do casas para escolas por meio de donativos particulares.
E esta é a melhor prova de quanto é simpática a ideia de
derramar a instrução nas classes menos favorecidas. Não
podia o Maranhão ser indiferente a tão grandioso pensa-
mento e de forte apelo que a esse respeito dirigir aos meus
concidadãos vai encontrando o mais lisonjeiro acolhimen-
to. Desejando levantar em nesta cidade um edifico mo-
desto, mas cômodo, onde pudessem funcionar as aulas da
sociedade 11 de agosto e outras quaisquer que no futuro
se abrirem e ao mesmo tempo estabelecer uma biblioteca
popular e um museu de história natural da província. Di-
rigi circulares solicitando donativos para tal útil empresa
[...] (MARANHÃO, Relatório, 1871, p. 24).

Os donativos arrecadados viabilizaram a compra de um prédio 445


amplo e situado na Rua do Egito11, onde reformas, mudanças e adapta-
ções foram realizadas sob a responsabilidade do engenheiro/arquiteto
Agostinho Autran. No salão principal, no andar superior (destinado às
conferências públicas e aos atos solenes) todo o espaço foi decorado e
preparado pelos alunos da Casa de Educandos Artífices sob a super-
visão de Domingos Tribuzzi, “[...] Conferências Pedagógicas [e] Con-
ferências Populares [que] transformaram-se em espaços de sociabili-
dade onde se discutia, divulgava e comercializava os livros e outros
suportes [...]” (CASTELLANOS, 2012). Na abóbada em pintura fina
destacavam-se vários medalhões, simetricamente dispostos, contendo
figuras representativas da arte, da lavoura, da indústria e do comércio
e “[...] no alto das paredes desse mesmo salão, artisticamente inscritos,
liam-se, em belos relevos, os nomes dos maiores vultos da antiguida-
de, e dos que tornaram o Maranhão a Athenas no Brasil.” (FERREIRA,
1933, p. 15). Segundo a Revista Elegante (1898, p. 2) “[...] o todo do
edifício [era] elegante, e segundo construído não só com muita solidez
como subordinado às exigências da arte [...]”, apresentando o nome de
“Escola Popular” na fachada do edifício (no segundo andar), e acima

11 Este prédio pertencia ao Desembargador Francisco Xavier Coutinho. Atualmente aloja um Departamento
do Tribunal de Justiça do Estado e ainda mantém a mesma estrutura frontal.
História da Escola Primária no Brasil

das janelas superiores os nomes de Gonçalves Dias12, Sotero dos Reis13,


Gomes de Sousa14, do General Falção15, de João Lisboa16, como se pode
observar na foto abaixo:

Foto 4 – Prédio da Sociedade 11 de Agosto.

Fonte: Jornal O Novo Mundo, New York, v.5, n.53, 22 fev. 1875.

446 Em 1884 por determinação do governo provincial, a Sociedade é


fechada, e em suas dependências são instaladas várias repartições pú-
blicas como a Inspetoria da Higiene Pública, a Assembleia Legislativa e
o Tesouro Provincial. Dessa forma, encerra-se no Maranhão uma inicia-
tiva de professores, escritores e políticos em atender a clientela menos
favorecida e, principalmente, uma proposta de formar professores para
a instrução primária e secundária, na perspectiva de que pudessem me-
lhorar o ensino.
Sobre o seu término afirma Ferreira (1933, p. 24):
Acabou-se assim a existência tão útil da Sociedade 11 de
Agosto. Todavia, as energias ali dispensadas, semelhante
ao que se passa nos domínios da mecânica, não se consu-
miram, senão se transformaram, não somente construindo
cidadãos instruídos que abraçaram várias profissões em
que denotaram a cultura de nossa terra, mas ainda legando
este edifício que, perpetuando a memória dessa Sociedade,
12 Poeta maranhense de maior expressão
13 Primeiro diretor do Liceu Maranhense e Inspetor da Instrução Pública. Autor de vários livros didáticos
com destaque para a Gramática Portuguesa, adotada em várias escolas brasileiras.
14 Matemático.
15 Primeiro diretor da Casa dos Educandos Artífices. Durante a sua administração (1841–1862) a insti-
tuição foi reformada, regulamentada e muito das suas atividades de ensino foi empreendida por José
Antonio Falcão.
16 Um dos mais importantes e expressivos jornalistas maranhenses.
Capítulo 12

forma um patrimônio do ensino, nesta Capital, vastamente


conhecida por Escola Noturna, Escola do Povo, Escola Po-
pular 11 de Agosto [...] (FERREIRA, 1933, p. 24).

Com a proclamação da República, os debates sobre a necessidade


de mudanças no ensino maranhense se fazem presentes, sendo neces-
sária a melhoria das condições físicas das escolas e a formação dos pro-
fessores, para serem aplicados os “princípios modernos da pedagogia”,
como defendia José Thomaz de Porciúncula, Governador do Estado, em
1890. Para tanto, cria uma Comissão com a finalidade de propor um pla-
no de reformas para a instrução primária e secundária. Nessa direção,
se a instrução secundária centrada no Liceu “[...] funcionava no prédio
particular à Rua Formosa, alugado a razão de 75$000 reis mensais, por
carecerem de grandes concertos os compartimentos generosamente ce-
didos para esse fim, no Convento do Carmo [...]” (MARANHÃO, Rela-
tório, 1890, p. 105); com relação à instrução primária e à forma escolar
de socialização, em todo o estado, apenas seis, das 173 escolas existen-
tes17, tinham prédios próprios e adequados (duas em São Luís, uma em
Caxias, uma em Itapecuru, uma Viana e outra em São Bento), as ou-
tras funcionaram em edifícios improvisados ou na casa dos professores,
sendo preciso, segundo este governador, um investimento no sentido
de melhorar a estrutura física das instituições, inclusive obedecendo 447
aos princípios da higiene, persistindo ainda pela criação de uma Escola
Normal18 e de uma Escola Modelo, as quais se constituíam numa “ne-
cessidade a muito reclamada” como declarou em seu relatório Mano-
el José Ribeiro da Cunha, Inspetor Geral Interino da Instrução Pública.
(MARANHÃO, Relatório, 1896, p. 79).
A Escola Modelo, criada pela Lei n.º 155, de 6 de maio de 189619,
anexa à Escola Normal, destinava-se à educação de crianças de ambos
os sexos e aos exercícios práticos dos alunos e alunas normalistas, como
resultado da Reforma Educacional de 1895 empreendida no governo de
Benedito Leite, que tinha como finalidade dar novos rumos à educação
por meio da formação de professores e da melhoria da instrução primá-
ria; embora por problemas de ordem econômica do estado e de espaço
físico, somente se efetiva em 1900, trazendo no seu ideário a noção de
modernidade e de progresso que tanto carecia a instrução pública e par-
ticular maranhense, como anunciava o jornal A Pacotilha:

17 Das 173 escolas em funcionamento no Maranhão, em 1890, 91 eram do sexo masculino, 60 do sexo
feminino e 3 mistas (todas públicas). As particulares eram 10 do sexo masculino, para 6 do sexo femi-
nino.
18 A Escola Normal foi criada pelo Decreto n.º 21 de 15 de abril de 1890.
19 A partir de 1899, por meio do Decreto n.º 2 passou a ser denominada de Escola-Modelo Benedito Leite
em homenagem ao governador que a criou, permanecendo até a presente data com o mesmo nome.
História da Escola Primária no Brasil

Está designado o dia 1 de março para a abertura da Esco-


la Modelo, cujas matrículas foram hoje abertas na Escola
Normal, em virtude da determinação do governo. Era uma
instituição de que a nossa organização escolar sentia falta e
que de grande proveito será para a instrução da mocidade.
Principalmente para os que se dedicam à carreira do ensino
e pretendem cursar a Escola Normal, é a Escola Modelo de
uma incalculável vantagem (A PACOTILHA, 1900, p. 2).

O maior proveito esperado era de que por meio das normalistas


fossem adotados métodos modernos, no caso o analítico para o en-
sino da leitura elementar e o intuitivo nos exercícios práticos, tendo
como referência o programa elaborado pelo educador fluminense João
Köpke, que incluía mobiliário, laboratórios, materiais didáticos, mu-
seus e outros espaços e materiais precisos para que a maquinaria esco-
lar moderna funcionasse efetivamente. Entendemos que a criação da
Escola Modelo e as propostas de ensino nela planejadas, representou
o primeiro movimento político e pedagógico em torno da melhoria do
ensino público na história do Maranhão republicano, que não se des-
tinava somente a uma elite, como afirma Saldanha (2008), mas trazia a
possibilidade de que a renovação pedagógica se estendesse a todas as
448 escolas de ensino primário, atingindo todas as camadas sociais; por-
tanto, uma variação de escola contemplando métodos e modos de en-
sino variáveis segundo o público alvo, diferentes formas de exercício
profissional, de matérias, de distribuição espacial e temporal das ati-
vidades, a ser seguido por todas as instituições escolares que na época
compunham o vasto território do estado. Uma renovação pedagógica
empreendida por Benedito Leite, Governador do Estado, que teve à
frente Barbosa de Godóis20.
Godóis, ao avaliar esse movimento em prol da educação, na obra O
mestre e a escola (1911), afirma que:

Começara-se um movimento e, dado o espírito progres-


sista do seu idealizador, certamente este não ficaria onde
ficaria, logo que, liberto dos embaraços financeiros que

20 Foi um educador, escritor, poeta, historiador e político. Formou-se em Direito pela Faculdade do Recife, exer-
ceu, no Maranhão, o cargo de procurador da Justiça Federal. Como político, foi Deputado Estadual do Ma-
ranhão e Vice-Presidente do Estado do Maranhão. Exerceu o magistério, tendo lecionado como professor da
cadeira de História e Instrução Cívica, entre outros, dirigido (entre 1900 e 1905) a Escola Normal do Estado do
Maranhão e na Escola Modelo “Benedito Leite”, publicado inúmeras obras na área de educação. Participou
ativamente na imprensa de sua época e, aliado a intelectuais de expressão, que então se empenhavam em
resgatar a cultura e a literatura maranhense, fundou a Academia Maranhense de Letras, tendo ocupado a
cadeira n.º 1, cujo patrono foi o Professor Almeida Oliveira. Publicou várias obras tratando da educação, a sa-
ber: Instrução cívica (Resumo Didático) (1900), História do Maranhão – Maranhão, (1904, 2 volumes), Escrita
rudimentar (1904), O mestre e a escola (1911), Higiene pedagógica (1914),Os ramos da educação na Escola
Primária (1914). Como poeta, destaca-se sua composição da letra do Hino do Estado do Maranhão.
Capítulo 12

lhe tolhiam os passos, pudesse continuar a seguir para a


frente. Para ele, a instrução do povo não era uma ques-
tão de interesse privado ou que indiretamente afetasse o
Estado; era uma questão de interesse coletivo, presa dire-
tamente ao bem estar público e à ordem política. Foi pou-
co, não há duvida, mas considerando-se o meio que ele
agiu, às resistências com que lutou [...] esse pouco toma
vulto e basta para por-lhe em destaque a individualidade
superior [...] fomos amigos durante muitos anos, embo-
ra militássemos sempre em campos políticos opostos; e,
aproximados por essa cordialidade antiga, trabalhamos
juntos, no terreno neutro da instrução pública, em que, a
seu instante pedido, lhe prestamos o nosso pequeno con-
curso [...](GODÓIS, 1911, p. 4-5).

À frente dessas instituições, Barbosa de Godóis tinha como res-


ponsabilidade a fiscalização das atividades dos professores e alunos,
a melhoria das condições físicas, a aquisição de material para as dis-
ciplinas e a contratação de docentes, como se depreende da quantida-
de de ofícios que encaminhava aos Governadores do Estado. Para ele,
um prédio escolar deveria oferecer as melhores condições de higiene
e para tanto, deveriam ser instalados em lugares salubres, distante de 449
áreas alagadas, dos hospitais, dos quartéis, das fábricas e dos merca-
dos, para evitar perturbações no trabalho do professor e procurar que
os alunos não se distraíssem nas atividades de ensino, ou seja, brigava
por tudo o que fosse:

[...] preciso para as suas necessidades, como lavatório, o


depósito de água potável, dejetórios etc, ter um pátio, sala
espaçosa de espera, para os alunos, salão para os jogos e
outros exercícios de educação física, um jardim com con-
dição higiênica e para o estudo objetivo de botânica, salão
para o trabalho manual e um gabinete ou sala para a recep-
ção de visitas e autoridades (GODÓIS, 1911, p. 160).

Enquanto esteve na direção da Escola Modelo e da Escola Normal,


Barbosa de Godóis procura aplicar, na medida das condições financei-
ras dos cofres estaduais, suas concepções teóricas e práticas sobre a edu-
cação por meio da utilização da cultura material escolar que correspon-
dia aos métodos inovadores e modos de ensino, inclusive atingindo as
condições prediais, notadamente, quando reforma o edifício do largo
de São João, para alojar estas instituições, justificando as vantagens de
adquirir este prédio com recursos do estado, para os deputados provin-
História da Escola Primária no Brasil

ciais e para o governador João Gualberto Torreão da Costa, na sessão da


Assembleia Legislativa, em 13 de fevereiro de 1901:

No curto período em que tem funcionado este insti-


tuto já se pode conhecer os inúmeros benefícios que
ele prodigalizará à instrução primária do Estado,
pois em algumas visitas que fiz a tão útil estabeleci-
mento tive a satisfação de verificar o adiantamento
dos alunos [...]. Asseguro-vos, que é empenho espe-
cial da Administração fazer prosperar cada vez mais
esta instituição, em tão boa hora criada nesta capital,
para o que não poupará esforços, procurando divul-
ga-la o mais que poder em todo o Estado [...]. É es-
cusado expor-vos que as vantagens que virão com a
aquisição para o Estado desse importante prédio, o
qual sofrendo os reparos indispensáveis, poderá se
prestar para a instalação da Escola Normal e da Mo-
delo “Bendito Leite”, as quais as experiências têm de-
monstrado não encontram as precisas acomodações
no prédio em que atualmente funcionam. (MARA-
NHÃO, Mensagem, 1901, p. 18).
450
As reformas incluíam as mudanças e ampliação dos espaços
para as salas de aula, dos professores, da direção, da secretaria, dos
laboratórios e a instalação de um museu escolar e de uma bibliote-
ca atendendo o funcionamento da escola graduada, no que se refere
às regularidades organizacionais e à gramática do ensino, na qual os
dispositivos reguladores que intervêm na classificação dos alunos por
níveis de conhecimentos, as salas de aula com um só professor, os
programas de ensino divididos em matérias e as práticas de avaliação,
se configuraram como o resultado da experimentação dos modos de
organização da escola primária, norteados pelos debates sobre a mo-
dernização educacional e sobre a expansão da escola de massa; sendo
preciso também adaptações na fachada com portão e gradis em todo
o muro do edifício.
Capítulo 12

Imagens 1 e 2: Fachada da entrada principal da Escola Modelo e os gra-


dis do prédio.

451

Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão.

O Prédio da Escola Modelo (como visto nas imagens acima e na


foto 5 e na imagem 3) pela sua arquitetura chamava atenção dos ma-
ranhenses e dos visitantes como J. Higgins na sua obra Impressões de
Viagens, o qual faz a seguinte descrição da instituição:

Visitei a Escola-Modelo. Fiquei simplesmente entusias-


mado! Essa escola não se envergonharia de se achar em
qualquer centro civilizado do mundo! Lembrei-me das
escolas americanas, da high school dos Estados Unidos.
Nada lhe falta, a não ser um edifício mais amplo e mais
apropriado, onde se exponham mais comodamente suas
numerosas coleções de zoologia, mineralogia, botânica,
e onde se arrumem, com mais fácil acesso, seus enge-
nhosos aparelhos destinados a concretizar o ensino do
desenho, das mathematicas e da astronomia. (HIGGINS,
apud SALDANHA, 2008, p. 127).
História da Escola Primária no Brasil

Arquitetura escolar que por meio da organização espacial do pré-


dio, do próprio local geográfico no qual foi construído ou adaptado
e das especificidades dos espaços, pode-se ter uma interpretação dos
aspectos fundamentais inseridos na relação pedagógica instaurada,
as características dos indivíduos (enquanto classe de pertencimento,
sexo, idade e tipo de escolarização), como também a interrelação es-
tabelecidas no âmbito do intercâmbio social, no qual, a ordenação do
tempo e do espaço escolar, a adoção sistemática do ensino simultâneo,
a fragmentação do currículo em graus, a divisão do trabalho docente
e a classificação ordinária dos alunos por formação de classes, corres-
ponde aos aspectos pedagógicos e arquitetônicos da escola graduada
da primeira metade do século XX, que consolidaram uma nova econo-
mia moral do ensino.

Foto 5: O Prédio da Escola Modelos depois da reforma.

452

Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão.


Capítulo 12

Imagem 3: Planta dos espaços internos da Escola Modelo.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Para Saldanha (2008), a Escola Modelo, descrita por J. Higgins, não


retratava a realidade das demais escolas públicas primárias maranhenses,
que ao contrário desta, não dispunham de um quadro docente habilitado,
de materiais didáticos e recursos sofisticados, de um currículo diversifica- 453
do. Era, portanto, uma escola destinada, segundo a autora, para atender
aos filhos das famílias abastadas de São Luís; por outro lado, a situação
das escolas públicas maranhenses sofreu alterações quando da criação dos
grupos escolares, em 1904, no governo de Colares Moreira Junior, a partir
da conversão das seis escolas localizadas no centro de São Luís, em duas21
dessas “Casas de Ensino”.22

Art.1 Ficam instituídos nesta cidade dois grupos escolares,


compondo-se cada um deles por três escolas de instrução
primária, mantidas pelo Estado.
Art.2 Os grupos escolares serão em regime misto e deno-
minar-se-ão Primeiro Grupo Escolar e Segundo Grupo
Escolar, e funcionarão nos edifícios que pelo governo
lhes forem designados.
Art.3 O programa do ensino que nele será ministrado
abrangerá, como na Escola Modelo Benedito Leite, os Cur-
sos Elementar, Médio e Superior, e será lecionado obser-
vando-se os métodos seguidos neste último Instituto.
Art.4 Além desses cursos terão os Grupos Escolares um ou-
21 O primeiro instalado no Bairro de Sant´Aninha e o segundo, no Bairro de São Pantaleão, para os
quais foram nomeadas as professoras Baselina Galvão e Zila Angela Reis, respectivamente.
22 Expressão adotada pelo Governador do Estado Alexandre Colares Moreira Junior.
História da Escola Primária no Brasil

tro especial, consagrado ao trabalho manual para as alunas


e executarão jogos e exercícios ginásticos próprios a formar
e desenvolver a educação física.
Art.5 As cadeiras que constituem os grupos escolares deno-
minam-se primeira, segunda e terceira cadeira, correspon-
dendo a primeira ao curso elementar, a segunda ao médio
e a terceira ao curso superior (MARANHÃO, Decreton.º
36, 1 de julho de 1904).

Para organização e direção dessas escolas modelares foi desig-


nado Barbosa de Godóis que já ocupava a gestão da Escola Modelo
e da Escola Normal, o que de certa maneira trazia a possibilidade
de uniformizar as políticas de ensino se não em todo o estado, pelo
menos na capital e nas cidades de Rosário, São Bento e Codó, onde
foram implantados grupos escolares no período de 1904 a 1912. Em
princípio, os grupos escolares da capital foram instalados em anti-
gos prédios que não atendiam as determinações estabelecidas para
estas instituições, o que dificultava, em certa medida, o alcance dos
objetivos esperados pela sociedade, pelos políticos e intelectuais23,
que acreditavam que os mesmos poderiam renovar e modernizar o
ensino público primário. Ressaltamos que os prédios,deveriam aten-
454 der ao Código Sanitário (1904), que estabelecia os seguintes critérios
para sua construção:

Art.155 Deverão ficar longe de hospitais, asilos, cemitérios,


hospícios, quartéis, fábricas, prisões.
Art.116 Deverão ser construídas nos centros de população
condensada, contudo será de rigor
escolher ruas ou praças
pouco concorridas e onde não haja aglomeração urbana.
Art.117 Deverão ficar sempre bem isoladas das casas
mais próximas, evitando receberem influência.
Art.118 Na escolha do local para construção de um edifício
escolar deve merecer muito cuidado a corrente dos ventos
reinantes. (MARANHÃO, 1904, p.5)

23 Bendito Leite, Antônio Lobo, Barbosa de Godóis, Ribeiro do Amaral, João Nepomuceno de Sousa Ma-
chado, dentre outros.
Capítulo 12

Foto 6 – Primeiro Grupo Escolar da Capital, São Luís.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Maranhão.

Se na capital do estado a situação predial desses estabelecimentos


não atendia o esperado, no interior a situação era mais grave: o gru-
po escolar de Rosário funcionava em uma pequena casa alugada que 455
não permitia sequer acomodar os móveis (cadeiras e bancadas) para os
alunos. Em São Bento e Codó, o quadro era o mesmo, os edifícios não
apresentavam condições higiênicas e pedagógicas para funcionar, oca-
sionando um descrédito com relação à eficiência do ensino ministrado,
levando tal situação à extinção dos grupos escolares maranhenses, que
somente foram reabertos em 1919, pelo Decreto n.º 209, de 17 de julho,
no governo de Urbano Santos, ou seja, embora se mantivesse a forma es-
colar de socialização, os espaços destinados às escolas modeladas, longe
de terem as características tradicionais dos grupos escolares, na realida-
de se constituíram em escolas reunidas, para melhorar a qualidade do
ensino primário, constituindo-se esta, outra variação da escola primária
maranhense, entre outros tipos de escolas.

Art.1 São criados na capital, nove grupos escolares.


§ 1– Ficam suprimidas todas as escolas isoladas que há
atualmente no município da capital, com exceção das se-
guintes: Centro Artístico, Aluízio Azevedo, Anil (mista e
do sexo masculino), Jussatuba, Bacanga, Furo e Turu.
§ 2–Fica criada, para funcionar à noite no bairro do dester-
ro, uma escola do sexo feminino;
§ 3‒ Serão aproveitadas na organização dos novos grupos
escolares todas as professoras das escolas extintas, confor-
História da Escola Primária no Brasil

me portaria que a secretaria do interior baixar.


§ 4 – Os grupos escolares ora criados serão distribuídos
pelos bairros da cidade e terão cada um cinco professores;
§ 5 – Servirão de diretora e secretária de cada grupo as pro-
fessoras respectivamente do 5º e 4º ano;
Art.2 As professoras da capital receberão 1:800$000 annu-
aes, cabendo as que forem diretora e secretaria do grupo
mais a importância de 600$000 annuaes importância essa
que fará parte integrante de seus vencimentos.
Art.3 Serão criados grupos escolares nas localidades do in-
terior a critério do secretário do interior, uma vez que essa
medida não resulte aumento de despesas;
Art.4 O secretário do interior providenciará sobre a insta-
lação dos grupos escolares criados aplicando para aqueles
que não forem localizados em [prédios] estaduais a verba
destinada a aluguel de casas para escola. (MARANHÃO,
Decreto n.º 209, p.1).

Segundo Silva (2011), a instalação desses grupos escolares ainda ocor-


reu em casas improvisadas pela instabilidade financeira do estado ocasiona-
da, dentre outros fatores, pela decadência da indústria fabril e as constantes
456 epidemias que acometiam a população da ilha de São Luís; mas, lentamen-
te, a partir da década de 1920, começam a sua expansão e a construção de
edifícios para atender a crescente demanda escolar, cujas inovações come-
çam pela edificação de um novo prédio para alojar a Escola-Modelo Benedi-
to Leite, com amplas salas, janelas altas, bibliotecas, salas para laboratórios e
atividades administrativas e pátio amplo, como vemos na foto abaixo:

Foto 7: Escola Benedito Leite (Curso Primário).

Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (Maranhão) - 1953


Capítulo 12

A partir da expansão pelo estado dos grupos escolares ou escolas


modelares, estes passam a apresentar uma arquitetura diferenciada
(Modelo A, B, C e D) pela fachada e ambientes internos (ver imagem
4 e 5 e a foto 8), que dependia, dentre outros fatores, da quantidade
da população escolar a ser atendida e do público alvo específico a ser
instruído e educado. Todavia, sem exceção, esses edifícios foram cons-
truídos nos centro das cidades, nas principais praças e ao lado dos
principais monumentos, passando a ser o cartão postal do local e um
símbolo do progresso e da modernidade “[...] constituindo-se um ele-
mento de poder, juntamente com o religioso, o judiciário, o legislativo
e o executivo [...]” (MOTTA, 2006, p. 151).

Imagem 4 e 5: Planta interior do Grupo Escolar Sotero dos Reis.

457

Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (Maranhão) – 1953.

Foto 8: Fachada do Grupo Escolar Sotero dos Reis.

Fonte: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (Maranhão) - 1953


História da Escola Primária no Brasil

De acordo com Silva (2011), a criação de prédios para os grupos es-


colares vai se expandir e em 1950 haviam sido criados 54 em diferentes
cidades do estado do Maranhão, coabitando com outras variações de
escolas: as agrupadas, isoladas, religiosas, singulares, os colégios, os gi-
násios e os jardins de infância; sendo preciso destacar, neste cenário do
ensino maranhense, o processo de ruralização das escolas primárias, a
partir de 1937, em São Luís, e posteriormente a sua expansão por todo o
estado, para atender não só um público específico, como também evitar
por meio da política educacional o êxodo rural que poderia interferir na
demanda escolar nos centros urbanos. Nesse sentido, se originou este
processo a partir do Curso de Especialização Rural criado na gestão do
prefeito da capital, José Otacílio Saboya Ribeiro, por meio do Decreto n.º
236 de 2 de abril desse ano, no qual se propunha a partir dessa capaci-
tação docente,

[...] a ruralização das escolas municipais de São Luís, onde


não se continuará a prosperar apenas as luzes da leitura,
da escrita e do cálculo, mas também se ensinar a trabalhar
melhor a terra, a adubar inteligentemente o solo, a selecio-
nar as sementes, a semear sem desperdiçar, a reconhecer
as vantagens das florestas e dos rios, dos enxertos e das
458 podas, a analisar o valor das pequenas indústrias, com o
aproveitamento das matérias primas da indústria agrope-
cuária. (RURALIZAÇÃO, 1937, p. 5).

Para a concretização do processo de ruralização são criados na ilha


de São Luís 18 escolas e 20 prédios escolares, segundo as especificações
da Diretoria de Serviços Municipais, que determinava que as salas de
aulas deveriam ser amplas para atender trinta alunos, mesas e cadeiras
para os professores, janelas amplas para favorecer a entrada da ventila-
ção e iluminação natural, espaços para os laboratórios de química, hor-
ticultura, sericultura, dentre outros que se fizessem necessários levando
em consideração as especificidades do povoado onde a instituição fosse
instalada. Na parte externa, deveriam ser criados campos experimentais
agrícolas para as atividades práticas dos alunos, instalando-se amplas
cozinhas, para atender a formação feminina, com “[...] tudo que nele
fosse preciso [...]” (RURALIZAÇÃO, 1937, p. 9), para a aprendizagem
da economia doméstica.
Essa iniciativa de Saboya Ribeiro se expande no Maranhão a partir
da iniciativa do INEP na década de 40, ao constatar a necessidade de me-
lhoria das condições físicas para atender “[...] as exigências do ensino no
interior [...]” (NOVOS prédios ..., 1948, p.16) com: salas de aula, recreio
coberto, salas de estar, quartos, cozinha e banheiros, em edifícios cons-
Capítulo 12

truídos em uma área nunca inferior a um hectare de modo que os alunos


pudessem exercitar os conhecimentos rurais e do ensino fundamental.
Dessa forma, ao estabelecer-se a distribuição geográfica nas unidades fe-
deradas foram previstas para o estado do Maranhão 243 escolas.
Escolas que foram construídas em vários municípios e que aten-
diam as especificações estabelecidas por esse órgão, sendo denominadas
de escolas rurais, grupos escolares rurais e escolas de praia, como ou-
tras variações maranhenses da escola primária. As escolas de praia foram
construídas em várias localidades de São Luís (Praias de Ponta da Areia,
Olho D´Água, Aracagy) e em cidades litorâneas (Guimarães, Cururupu,
Turiaçu, etc.), apresentando especificidades arquitetônicas diferenciadas
(como podemos ver nas Fotos 9 e 10 a seguir), na medida em que elas
eram elevadas no chão em função do fluxo das marés, cujas aulas eram
ministradas nos horários em que os alunos e professores pudessem fre-
quentá-las sem prejudicar o processo de ensino e aprendizagem. Nesse
sentido, seus espaços eram constituídos de duas salas de aula, uma para
meninos e outra para meninas, uma sala para a administração (diretoria e
secretaria), cantina e banheiro, totalmente reduzidos, se comparadas com
outras escolas do mesmo gênero.

Fotos 9 e 10: Prédio de uma escola rural e de um grupo escolar de “praia”.


459

Fonte: Enciclopédia dos


Municípios Brasileiros
(Maranhão).
História da Escola Primária no Brasil

As escolas criadas no Maranhão republicano, como os grupos es-


colares e as escolas rurais não eliminou a presença de outras variações
de escolas. Espaços escolares que funcionavam nas casas dos professo-
res, denominadas de escolas domésticas (com autorização do governo)
e tantas outras variações de escolas primárias, como as escolas agrupa-
das e as escolas isoladas. Desse modo, é possível entendermos que no
decorrer desse período, houve no estado do Maranhão um conjunto
de estabelecimentos escolares que poderíamos denominar de escolas
de verdade, com condições prediais que atendiam os princípios de hi-
giene e os aspectos modernos, destacando-se no cenário urbano e ru-
ral pela sua arquitetura escolar; embora outras permanecessem como
“pardieiros”, sem as mínimas condições concretas de funcionamento,
mas pela ausência de espaços escolares adequados funcionassem para
garantir que meninos e meninas pobres aprendessem a ler, escrever
e contar. No entanto, a existência de grupos escolares, com especifi-
cidades correlatas ao lugar, pode mostrar que não só os problemas
econômicos, a falta de política educacional, a ingerência dos gestores
e o público alvo específico em idade escolar a que eram destinadas
algumas escolas nortearam sempre a arquitetura escolar, na medida
em que o espaço em que foram criadas algumas escolas e a situação
geográfica também foram indicativos de construções e adaptações que
460 corresponderam a uma variação de escola singular e local.
Capítulo 12

Considerações finais
A arquitetura escolar como tratado no decorrer deste trabalho
mostra-se como um campo fértil de estudo pela variedade de percur-
sos e possibilidades investigativas que os pesquisadores podem per-
correr como constatamos na garimpagem das fontes e da bibliografia
para a tessitura deste texto. O levantamento sobre a temática na pro-
dução brasileira, mesmo sob uma perspectiva panorâmica possibi-
litou verificarmos que há um crescente interesse dos historiadores
da educação em investigarem o modo pelo qual em determinados
períodos os edifícios foram construídos ou adaptados para atender
às demandas escolares, ao ideário político e às necessidades de in-
serção do Brasil no processo de modernidade e progresso, no qual a
forma escolar de socialização ocupava um espaço privilegiado para a
concretização desses objetivos, que começaram no período imperial
e se consolidaram na república.
Esses estudos têm contribuído para desvelar as diferentes for-
mas de inserção das culturas escolares e da cultura material escolar,
do modo de ensinar e aprender, das estratégias de controle e regu-
lação usadas, dos conteúdos ministrados, da criação de disciplinas
escolares e dos métodos de ensino, segundo as novas concepções
461
didático-metodológicas. Portanto, ao enveredarmos pelo campo da
construção dos prédios escolares é preciso entendermos que, para
além das salas de aulas, pátios, jardins, muros e fachadas havia todo
um direcionamento voltado para a formação de indivíduos específi-
cos, na qual está latente o privilégio de determinadas classes sociais e
gêneros, em detrimento de outras. Enfim, prédios, arquitetura esco-
lar e espaços de ensino que demarcam lugares, perfis, características
e variações da escola primária a serem seguidos no âmbito nacional,
regional e estadual.
Com relação às fontes adotadas nos trabalhos levantados, eviden-
ciamos que os pesquisadores no campo da História da Educação têm
feito uso de diferentes expressões, como os manuscritos, as plantas ar-
quitetônicas, os relatórios, as cartas e as descrições memorialistas de
atores sociais que participaram no processo de construção, de atuação e
vivências no interior das instituições escolares, oportunizando com isso
novos olhares sobre a educação brasileira e um desvio da atenção para
outros espaços, recursos materiais e artefatos que possibilitam uma re-
visão e reescrita dos discursos consolidados no âmbito nacional.
Se por um lado os estudos, em princípio, centravam-se nos gran-
des centros urbanos, nas capitais das unidades federadas, constatamos
pelo levantamento que realizamos que o panorama foi ampliado para a
expansão nos interiores dos estados (cidades, vilas, povoados) e para as
História da Escola Primária no Brasil

comunidades específicas (imigrantes, indígenas, quilombolas, etc.) que


oportunizam uma compreensão mais alargada sobre as diversas dimen-
sões das construções escolares brasileiras, como das variações da escola
primária. Entretanto, apesar das diferenças entre as diversas localida-
des, temporalidades, dinâmicas escolares e das variações da escola pri-
mária, alguns aspectos indicam permanências. Quando se compara os
prédios, suas construções trazem as marcas e as projeções sociais dos
homens e mulheres que seriam instruídos e educados, na medida em
que uma construção é um processo que envolve vários agentes sociais
e um movimento político e econômico; aspectos que contribuíram para
uma edificação mais humilde ou uma mais “palaciana”, segundo o pú-
blico alvo e a sua inserção no conjunto de melhoria ou ocupação dos
espaços rurais ou urbanos.
No Maranhão, a construção ou a proposta para a melhoria das con-
dições físicas das instituições de ensino trazem indícios desde o período
da colonização, notadamente nos Colégios fundados pelos jesuítas. Pro-
cesso que não difere de outras localidades brasileiras, como se depreen-
de da obra de Serafim Leite (1938), ao tratar das instituições criadas em
São Paulo, Salvador e Recife. No período imperial, as escolas de primei-
ras letras funcionavam predominantemente nas casas dos professores,
sem as condições objetivas de funcionamento; situação reclamada pelos
462 docentes e inspetores da instrução pública às autoridades provinciais,
não diferindo esse quadro maranhense de outras realidades brasileiras.
Em contraposição a estas instituições outras se destacaram pelas
suas condições físicas e localização geográfica, como a Casa dos Edu-
candos Artífices e a Sociedade Onze de Agosto, que vão marcar um
diferencial pela sua proposta de atender às populações excluídas da
instrução pública como os trabalhadores e as crianças pobres e des-
validas; ressaltando-se que as construções dos edifícios onde foram
alojados estes estabelecimentos passaram no decorrer do seu ciclo de
vida por diversas mudanças físicas de modo a atender as demandas
dos ingressos, principalmente as referentes às condições de salubrida-
de e de higiene.
Com a instalação da república ocorreram mudanças na arquite-
tura das escolas, notadamente com a criação dos grupos escolares que
vão trazer uma proposta da “renovação pedagógica” e uma “nova”
representação da escola primária no Brasil. Por isso, acreditamos que
dentre as várias instituições estudadas pelos pesquisadores da história
da educação, essas são as que aparecem com maior frequência, como
constatamos no levantamento realizado. Esses estabelecimentos vão
se destacar no cenário arquitetônico de várias cidades, assumindo um
lugar de referência e de privilégio para quem neles estudava ou en-
sinava. A construção de prédios para alojar os grupos escolares e o
Capítulo 12

tempo em que foram criados em diferentes estados, estiveram na de-


pendência da prosperidade econômica, da vontade política, embora
nem sempre, como aconteceu com a implantação dos grupos escolares
de praia maranhenses.
No estado do Maranhão a criação dos grupos escolares foi uma
tentativa de melhoria do ensino primário, que vinha ao encontro de
todo um empreendimento com essa finalidade, iniciando-se com a
criação da Escola Normal e a Escola Modelo, nos primeiros anos da
década republicana, e paulatinamente com a instalação dos grupos
escolares em prédios alugados ou reformados pelo governo estadual
com algumas adaptações para atender as novas diretrizes do ensino,
regulamentadas pelas mudanças curriculares. Essa expansão ocorre
efetivamente a partir dos anos 20, momento em que há uma série de
investimentos para a construção de prédios cujos critérios giravam
em torno do número da população escolar a ser atendida, resultan-
do, por conseguinte, em diferentes modelos de construções prediais
que se diferenciavam pela fachada e pela quantidade de comparti-
mentos internos; ou seja, diferentes espaços, para diferentes públicos
que dependiam, dentre outros aspectos, das especificidades geográ-
ficas do local.
Com a necessidade de ampliar o acesso ao ensino primário e for-
mar mão de obra para a agricultura maranhense, na década de trinta 463
e quarenta é criada uma rede de escolas rurais como exemplo de ou-
tro “modelo” da escola primária, estabelecendo-se uma diversidade de
instituições como os grupos escolares rurais e as escolas de praia, que
vão apresentar uma forma arquitetônica e uma proposta curricular di-
ferenciada; isto é, a forma escolar de socialização se mantém, embora
a variação escolar de escola primária mude e o nível de escolarização
dos sujeitos envolvidos dependa do fim para o qual a escola tenha sido
concebida, construída e colocada em funcionamento.
Entendemos que este estudo traz uma importante contribuição
para as pesquisas em História da Educação, em especial as que se cen-
tram na arquitetura escolar. Como dito na introdução deste trabalho,
não tivemos a pretensão de fazer uma busca ou análise exaustiva sobre
a produção em torno da temática. Ao analisarmos a contribuição de
diferentes autores, buscamos entender quais os recortes teóricos e me-
todológicos que os mesmos usam em suas investigações, apontando
em seguida para as iniciativas ocorridas no Maranhão no que se refere
à construção e/ou adaptações de prédios para as escolas modelares e
para as variações de escola primária maranhenses na primeira meta-
de do século XX. Nesse sentido, essa cartografia foi tecida a partir de
um conjunto de fontes bibliográficas e documentais que nos deu uma
imagem de que independentemente do período histórico, iniciativas
História da Escola Primária no Brasil

para melhorar o ensino primário sempre existiram, cujos edifícios es-


colares eram partes integrantes desse processo, o qual dependia de
quem estava na gestão pública, do papel dos intelectuais da época e
das condições reais de materialização dos espaços de ensino. Por fim,
este trabalho evidencia a fertilidade dos estudos sobre a arquitetura
escolar e das múltiplas possibilidades que o mesmo traz para o cam-
po da história da educação ao evidenciar que em diferentes tempos
e localidades ocorreram iniciativas que traziam modelos e padrões
nacionais, mas que assumiram feições diferenciadas de acordo com
as condições econômicas, políticas, sociais e geográficas das cidades
brasileiras como ocorreu no Maranhão.

464
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469
13.
PERCURSOS E RECURSOS DE UMA
EXPERIÊNCIA FORMATIVA EM
PESQUISA SOBRE CULTURA
MATERIAL ESCOLAR

Vera Lucia Gaspar da Silva - UDESC


Gizele de Souza - UFPR

Introdução

A tarefa de discutir provisão material da escola primária, entrecru-


zando diferentes experiências educativas, nos provoca acerca do ofício
do historiador e da sua capacidade de narratividade. Para Prost (2012,
p. 213) o historiador, na sua mesa de trabalho, “[...] comporta-se como o
marceneiro que nunca vai juntar dois pedaços quaisquer de madeira: ao
construir um móvel, ele escolhe um pedaço com entalhes para as gave-
tas e um outro pedaço com pino para o forro”. Continua o autor a defen-
der que essa “metáfora do artesanato” encontra o sentido distinto do da
indústria, com peças padronizadas, pois “[...] o artesão nunca concebe
uma peça independentemente de um conjunto” (PROST, 2012, p. 213).
A proposição de Prost assenta na ideia de que a “[...] história, efeti-
vamente, não procede das partes até o todo: ela não se constrói pela reu-
nião dos elementos, chamados fatos, a serem explicados em uma fase
subsequente, a exemplo do pedreiro que constrói um muro com tijolos.”
(PROST, 2012, p. 212). Desse modo, poderíamos pensar que o coteja-
mento de diferentes experiências educativas na constituição material da
escola primária não se desenha no esforço de juntar as partes, informa-
ções isoladas e desconexas, para dar um sentido mais ou menos coe-
rente. Baseamos-nos na ideia de que “[...] a matéria histórica nunca se
apresenta como uma sequência de pedrinhas distintas.” (PROST, 2012,
p. 213) à “[...] semelhança das pérolas enfiadas em um colar.” (PROST,
2012,p. 212), diferentemente ela se configuraria como um repertório de
possibilidades históricas no sentido proposto por Davis (1987).
Um trabalho coletivo de pesquisa, no percurso de muitos anos,
que congrega vários pesquisadores e seus esforços de estudo, pos-
sibilita produzir e reunir um repertório empírico e um inventário
teórico-metodológico significativo para se pensar a matéria histórica
e a própria constituição da investigação em história da educação que
se vem escrevendo. Neste texto, nos desafiamos a apresentar uma es-
pécie de balanço das atividades desenvolvidas entre 2010 e 2013 pelo
História da Escola Primária no Brasil

GT3 – Estudos comparados sobre a materialidade da escola primária


no Brasil1. A opção se ancora na premissa de que, ao construir uma
espécie de memória das ações de um grupo se possa refletir sobre
desafios, avanços e limites nesta difícil, mas instigante tarefa de pro-
dução coletiva.

Modos de Organizar: constituição do trabalho de


pesquisa e referenciais

O desafio dos grupos organizados a partir de eixos temáticos do pro-


jeto História da Escola Primária no Brasil: investigação em perspectiva
comparada em âmbito nacional (1930–1961) seria, a partir da colocação
de um problema (ou problemas) posto em sua historicidade, destrinchar
como foi enfrentado em cada lugar tendo por base um conjunto de fontes
que precisa ser diversificado para possibilitar a apreensão de uma dada
narrativa. O título do Projeto Nacional já traz a inscrição do primeiro
desafio: o ajuste para avançar na temporalidade posto que, na primeira
edição do projeto (2007 e 2010), a equipe ocupada da temática cultura
material escolar2 esteve constituída por pesquisadores cujos trabalhos se
472 concentram entre finais do século XIX e início do século XX. Nesta pri-
meira edição o objetivo geral acordado para guiar os trabalhos do GT foi
reunir, identificar, discutir aspectos da provisão material da escola primá-
ria brasileira (século XIX para XX), tendo por referências os estados de SC,
PR, RS, MA e SP. Assim, como parte das atividades, fez-se um grande le-
vantamento de dados que ficaram por ser trabalhados e a expectativa era
de poder retomá-los numa segunda edição. Esta questão não foi de todo
resolvida, tendo algumas equipes regionais avançado mais que outras
no levantamento de informações que pudessem apresentar um quadro
geral até os anos sessenta do século XX. Contudo, um conjunto de ações
– que serão relatadas ao longo deste texto – indicou potencialidades para
trabalhos de equipes que reúnem pesquisadores em diferentes estágios
– iniciação científica, mestrado, doutorado e seus orientadores – e que,

1 Integraram o “Grupo Temático G3 ––Cultura Material Escolar: A materialidade da escola primária


graduada pelo estudo da cultura material escolar (SE, MA, PR, GO e SC)” Gizele de Souza (vice-co-
ordenadora) (FPR), Vera Gaspar (coordenadora) (UDESC), Anamaria Bueno de Freitas (UFS), César
Castro (UFMA), Samuel Velázquez (UFMA) e Valdeniza da Barra (UFG). Posteriormente passaram a
integrar o GT Giani Rabelo (UNESC) e Claudia Panizzolo (UNIFESP), acompanhados por seus respec-
tivos orientandos e bolsistas de IC.
2 Trata-se do Grupo Temático G2 – “Cultura Material Escolar: investigações comparadas sobre a escola
graduada (1870–1950)”, que funcionou de forma articulada com o projeto de pesquisa “Por uma te-
oria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada
(1870–1950)”. Integraram o Grupo Temático G2: César Castro (UFMA), Diana Vidal (coordenadora)
(USP), Eliane Peres (UFPel), Gizele de Souza (UFPR) e Vera Gaspar (vice-coordenadora) (UDESC),
acompanhados por seus respectivos orientandos e bolsistas de IC.
Capítulo 13

por isto mesmo, constroem reflexões mais acuradas no interior de disser-


tações, teses e artigos científicos3.
Na segunda edição do projeto nacional as atividades do GT ocu-
pado da cultura material escolar foram conduzidas tomando por nor-
te os objetivos de refinar procedimentos teórico-metodológicos para o
trabalho acerca da provisão material da escola em perspectiva histórica
e comparada e examinar o material empírico produzido na primeira
edição, agregado à segunda fase.
O segundo desafio, que não se coloca como secundário, foi o de
afinar bases conceituais que guiassem a leitura das fontes (para não se
cair na armadilha da “simples reunião de elementos”), particularmente
acerca do conceito de cultura material escolar, um conceito polissêmico,
fácil de visualizar mas difícil de precisar e operar.
Se por um lado o GT foi organizado tendo por critério a afinidade
com a temática e formas de fazer, por outro isto não assegura, a priori,
uniformidade de procedimentos, o que impôs uma espécie de constan-
te vigilância teórica e metodológica. A estratégia acionada pela equipe
para ir se ajustando ao longo do percurso foi a organização de várias
edições de seminários – sobre os quais falaremos mais adiante –, além
de acordar um repertório teórico comum. Esta mobilização repercutiu
em um conjunto de produções, algumas internas das próprias equipes
regionais, outras resultantes de parcerias favorecidas pelos encontros4. 473
Os esforços de reuniões e espaços de formação entre pesquisa-
dores e estudantes no desenvolvimento de projetos de pesquisa têm
crescido na área da educação e viabilizado múltiplas funções. André
(2001), ao examinar a situação de pesquisa em educação nos anos 2000,
as condições de produção de conhecimento e o papel da pós-gradua-
ção, entende que:

[...] o envolvimento em grupos de pesquisa poderia não só


trazer uma rica contribuição para a formação do pesquisa-
dor, mas permitir a consolidação de linhas de pesquisa, o
que certamente reduziria as temáticas fragmentadas muito
comuns e frequentemente muito criticadas na área. (AN-
DRÉ, 2001, p. 62).

Por fim, o trabalho coletivo do GT dedicado ao tema da cultura


material reforçou o sentido formativo em pesquisa das linhas de inves-
tigação dos grupos vinculados à pós-graduação e favoreceu a produção
de sínteses e reflexões teóricas tomando por referência questões afetas a
materialidade da escola primária e aos estudos comparados.
3 Mais adiante o leitor poderá ver uma representação quantificada desta produção.
4 Mais adiante retomaremos este assunto e apresentaremos um relato pormenorizado dos seminários e
um quadro aproximado dos produtos do GT.
História da Escola Primária no Brasil

Entendemos que investir em estudos sobre a provisão material da


escola brasileira é percorrer arquivos e estudos que nos tragam indícios
materiais da vida escolar e dos sujeitos e instituições adensadas e cor-
porificadas por tal materialidade. Os arquivos (escolares ou não) estão
carregados de ações e atitudes de homens, mulheres, crianças, sendo que
cada uma dessas manifestações é sempre uma prática cultural e social.
Cultural – apesar da fluidez que o conceito provoca – na perspectiva
da antropologia de Geertz (2008) como aquilo que as pessoas fazem, ou
seja, as teias de significados e sua análise. E a dimensão social porque
pressupõe que tais práticas são exercidas sempre em relação a alguém e
socialmente referidas.
Falar de provisão material da escola primária no Brasil é falar de
desigualdades, de representações em disputa, de diferentes suportes
materiais para o desenvolvimento de práticas educativas. Os vestígios
materiais, apurados de diferentes formas, podem oferecer à historiogra-
fia da educação informações preciosas acerca de um passado apagado
pelo discurso político-pedagógico que prima por uniformizar o que, na
estrutura material, é muito desigual e, por vezes, distinto.
A publicação de livros e dossiês, a organização de mesas, a apre-
sentação de trabalhos em eventos científicos, o desenvolvimento de
pesquisas e a elaboração de dissertações e teses articuladas à temática
474 expressam parte das potencialidades que o tema agrega. Mas, estas po-
tencialidades também revelam limites e desafios, entre eles os de ordem
conceitual5. Aqui recorremos a Ulpiano Meneses que, embora não trate
de cultura material escolar, oferece bases conceituais importantes para
as investigações que tomam as materialidades da escola como fonte. Se-
guindo a reflexão proposta por este autor e trazendo-a para a cena esco-
lar, poderíamos dizer que a cultura material “[...] teria que ser estudada
não como um conjunto de coisas e contextos materiais de que se serve o
homem na vida social [...]” – e, acrescentaríamos aqui, de que se serve a
escola –“[...] mas como a dimensão física, empírica, sensorial, corporal,
da produção/reprodução social [...]” (MENESES, 2003, p. 25). Para este
autor, a materialidade não pode ser o problema de pesquisa, o proble-
ma deve vir do social, a materialidade é um recurso para estudá-lo.
Para Carvalho e Toledo, “[...] com os conceitos de forma e culturas
escolares, são postas em foco as práticas constitutivas de uma sociabi-
lidade escolar e de um modo, também escolar, de transmissão cultural
[...]” (2007, p. 89, grifo nosso). Se é dado, e disso parece não haver dú-
vidas, que a escola transmite culturas, as formas de transmiti-las são
atravessadas por materialidades: “impressos de destinação pedagógi-
5 Sobre a temática e já ao abrigo do projeto de pesquisa em pauta foi publicado o texto “Materialidade
Escolar em Cena: um pouco da produção na História da Educação” de autoria de Vera Lúcia Gaspar
da Silva e Marília Gabriela Petry. Este trabalho integra a coletânea organizada por Castro e Castellanos
(2013, p. 35-59).
Capítulo 13

ca6”, o banco escolar, as carteiras, o quadro negro, a palmatória, a louça


digital, são artefatos que imprimem marcas em corpos e lugares. Aliás,
J. Augusto Coelho tratara disso em publicação de 1891– o manual peda-
gógico de Princípios de Pedagogia – quando, em dado momento, fala
da sensação que o contato com os objetos provoca no indivíduo e as
marcas que imprimem na consciência. São dados que corroboram a tese
de que os objetos educam, sejam eles investigados em perspectiva histó-
rica ou não, atravessados por vertentes teóricas distintas. Isto posto fica-
nos a tarefa de contribuir na construção de modos de fazer a leitura das
informações advindas de fontes documentais que trazem dados sobre
a provisão material da escola, que possam ser problematizadas numa
abordagem inscrita e afinada com a cultura material escolar.

Modos de fazer: da operação com as fontes/arquivos


à realização de seminários

Cada docente-pesquisador integrante do Projeto Nacional vin-


culado ao GT organizou uma forma de trabalho nas instituições de
origem, envolvendo orientandos de doutorado, mestrado e Iniciação
Científica. Estas atividades se pautaram em acordos, entre eles, que 475
privilegiaram determinados tipos de fontes. Assim, foram priorizadas:
a legislação educacional dos estados de referência; cartas (como as de-
monstradas nas imagens a seguir, produzidas pela equipe paranaen-
se), ofícios de professores, inspetores e presidentes de províncias/esta-
dos; relatórios de professores, inspetores e presidentes de províncias/
estados; listas e orçamentos de material escolar; plantas arquitetônicas
de instituições escolares; jornais; livros e cartilhas.
As equipes de pesquisa se debruçaram em localizar e sistematizar
dados primários relativos à materialidade escolar em arquivos diversos,
especialmente públicos, que possuem normas de funcionamento e ar-
quivamento específicos, assim como apresentam acervos documentais
diversos. No caso do Paraná, por exemplo, há de meados do século XIX
às primeiras duas décadas do XX um acervo muito volumoso contendo
cartas, ofícios, listagem de material escolar, enfim uma documentação
potente reveladora tanto da presença como da circulação de objetos e
práticas relativas à cultura material da escola primária.
Embora visualizemos a potencialidade da documentação acima
descrita, é necessário ter em mente as ações e arbitrariedades produ-
zidas anteriormente na organização e arquivamento documental, bem
como das incongruências do próprio momento da consulta e do tra-
6 Expressão utilizada por Marta Carvalho e Maria Rita Toledo, 2007.
História da Escola Primária no Brasil

balho realizado pelo pesquisador, pois sabemos que o conhecimento é


produzido nesta zona de lacunas e incertezas.
Um caminho interessante de reflexão acerca da relação entre pesqui-
sador e arquivos foi proposto por Souza, Anjos e Barbosa (2013, p. 627-643),
quando apostam em quatro enfrentamentos:

1)Um arquivo, em função dos documentos que retém ou


contém, testemunha relações de poder e interesses vividas
pelos sujeitos e instituições que os produziram, mas tam-
bém por aqueles que os selecionaram e os preservaram.
Assim, no espaço entre aquilo que foi preservado e o que
foi descartado, cabem questionamentos da parte do pes-
quisador. (SOUZA; ANJOS; BARBOSA, 2013, p. 631) [...]
2) A prática da pesquisa no arquivo se faz não apenas no
recurso ao quantitativo – nas séries documentais que per-
mitem acompanhar determinadas questões ou permanên-
cias e mudanças na história da escola em um período de
tempo – mas, também, no mote qualitativo, por meio do
diálogo com o singular. Tal situação ocorre quando, em
meio a séries e lacunas, encontram-se documentos únicos e
de difícil encaixe nas categorizações preestabelecidas tanto
pelo arquivista como pelo historiador. (SOUZA; ANJOS;
476 BARBOSA, 2013, p. 632) [...]
3) Arquivos não guardam pessoas, mas revelam pessoas
flagradas em suas relações sociais. É tão somente por essa
razão que eles são matéria-prima para o conhecimento
histórico. Se neles, no mais das vezes, encontramos do-
cumentos, devemos tentar, com certa dose de imaginação
histórica ou habilidade imaginativa (DAVIS, 2000, p. 108),
pensar nas atitudes que seus autores precisaram assumir
no momento em que os fabricaram e nas relações que no
ato de sua produção mantinham entre si. (SOUZA, ANJOS,
BARBOSA, 2013, p. 632) [...]
4) Arquivos não fornecem provas do que foi o passado.
São laboratórios de possibilidades históricas. Quanto a
esse aspecto, ressaltamos que talvez a maior ilusão em
torno do arquivo (e não tão ingênua como muitos podem
supor) seja a de que, ao vasculhá-lo e esmiuçá-lo, de pon-
ta a ponta sempre dentro dos limites daquilo que outros já
escolheram anteriormente à operação do historiador, pos-
sam emergir provas da existência de um outro passado.
(SOUZA; ANJOS; BARBOSA, 2013, p. 633).

Atentas a tudo isso e afinadas com a proposição das “possibilida-


des históricas” (DAVIS, 1986, p.10) lidamos neste trabalho com os dados
Capítulo 13

empíricos na esteira do paradigma indiciário, entendendo que o “[...] co-


nhecimento histórico é indireto, indiciário, conjetural [...]” (GINZBURG,
1989, p.157) e desta forma, nos pautamos na “[...] proposta de um méto-
do interpretativo centrado sobre resíduos, sobre dados marginais, consi-
derados reveladores [...]” (GINZBURG, 1989, p. 149).
Para sistematizar os dados e organizar as recolhas foram elabora-
dos alguns instrumentos. Num primeiro momento7 (1ª edição do Proje-
to) nos aventuramos a levantar dados sobre 13 itens que consideramos
representativos do provimento material da escola. São eles: a) Mobília:
armários, cadeira, mesa, estrado, sofás, carteiras, bancos, banca;b) Uten-
sílios da escrita: lápis, papel, caneta, pena, giz, tinteiro, caneta de latão,
tinta, esponja, caderno, lousa, quadro negro, régua;c) Livros e revistas
escolares: contos infantis, manuais de civilidade, livros didáticos;d) Ma-
teriais visuais, sonoros e táteis para o ensino: mapas, globos, cartazes,
quadros parietais, museus, gabinetes, discos, toca discos, instrumentos
da banda, material dourado, ábaco, piano, e) Organização/escrituração
da escola: livro de inventário, correspondências, sineta, relógio, palma-
tória, quadro de horários, quadro de avisos, livros de visita, livro negro,
livro ponto, livro de matrícula, atas de exames, fotografias de registro;f)
Prédios escolares:divisão de salas, plantas, pátio, entorno, aluguéis, re-
forma;g) Material de higiene: capacho, talha, copo, urinóis, escarradeira,
cuspideira, etc.;h) Material de limpeza:vassoura, pano, balde, esponja, 477
espanador; i) Trabalhos dos alunos:cartazes, maquetes, trabalhos manu-
ais;j) Indumentária:uniforme escolar, roupa de desfile, roupa de banda,
guarda-pó do professor, maleta, sapato;k) Ornamentos:bandeira, cruci-
fixo, vaso, quadros de retratos, flâmulas;l) Honrarias:medalhas, troféus,
prêmios em geral;m) Jogos e brinquedos: quebra-cabeça e outros que
possam ter sido adquiridos pela escola.
Os dados foram registrados em tabelas, cujos modelos seguem
abaixo, buscando-se com isso dar certa organização e favorecer análi-
ses comparativas.

A – MOBÍLIA
Descrição
Tipo de Tipo de Referência da
Ano N Mat Marca Quant do Docu- Obs.
Fonte Escola Fonte
mento

7 Registro desta etapa foi publicado no artigo “Cultura Material Escolar: Fontes para a História da Esco-
la e da Escolarização Elementar (MA, SP, PR, SC e RS / 1870–1925)” de autoria de Castro,Vidal, Peres,
Souza e Gaspar da Silva e no livro organizado por Souza, Gaspar da Silva e Sá (2013, p. 273-315).
História da Escola Primária no Brasil

A – MOBÍLIA
Nº Paraná Rio Grande do Sul Santa Catarina São Paulo

Um dos pontos relevantes desta etapa foi a identificação de que ma-


terialidade é esta que organiza o projeto de escolarização, representada
nos itens elencados. Deparamo-nos com um conjunto muito maior de
objetos do que supúnhamos a princípio, diversidade que tem inscrições
regionais e que revela diferentes formatos: de artefatos de caráter mais
rústico e artesanal a sofisticados exemplares das inovações tecnológicas
oferecidos pela emergente indústria.
Na segunda etapa do Projeto nacional (2010–2013), com apoio nas
experiências acumuladas, optamos por operacionalizar os trabalhos a
partir de 3 eixos: Mobília; Materiais de leitura: livros e cartilhas; Espa-
ços escolares. Esta organização levou em conta a familiaridade dos in-
tegrantes da equipe com os diferentes objetos. Ao longo dos trabalhos
fomos registrando o estágio da pesquisa em quadros como o que segue.

478

Ao longo dos anos de desenvolvimento do Projeto de Pesquisa


o GT ocupado das questões da cultura material escolar fez a escolha
de organizar seminários sediados nas cidades dos integrantes, a fim
de discutir procedimentos de pesquisa e aprofundar as reflexões em
bases teóricas.
O I Seminário (realizado em abril de 2009 em Florianópolis, nas
dependências da FAED/UDESC) teve como principal pauta estabelecer
um recorte temporal a partir do proposto pela pesquisa nacional, definir
categorias de análise e procedimentos metodológicos, bem como acor-
dar um “vocabulário-repertório comum” para compor o levantamento
de dados e análises preliminares.
Capítulo 13

Entre o primeiro e o segundo seminário foram realizadas reuni-


ões intermediárias, uma no Rio de Janeiro (em novembro de 2009, por
ocasião do CIHELA8), uma em Belo Horizonte (em abril de 2010, por
ocasião do XV ENDIPE9) e uma em São Paulo (em maio de 2010, na
FEUSP), com intuito de aprofundar algumas formas de encaminhamen-
tos, particularmente no tocante ao levantamento de dados.
O II Seminário, já na segunda fase da Pesquisa (realizado em
Curitiba em dezembro de 2011, nas dependências do Setor de Educa-
ção da UFPR) foi dedicado à redefinição de procedimentos em função
da experiência acumulada e encaminhamentos que redundassem em
aprofundamento das análises, no esforço de superar a “prática de in-
ventariar” e alcançar, ainda que em parte, o desafio de abordar a ma-
terialidade escolar na perspectiva da cultura material. Neste evento,
os integrantes do grupo realizaram exposições dos seus achados de
pesquisas e reflexões acerca do tema conforme consta da programação
divulgada através do cartaz cuja imagem segue abaixo.

479

8 CIHELA - Congreso Iberoamericano de Historia de la Educación Latinoamericana.


9 ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino.
História da Escola Primária no Brasil

Imagem 1 – Cartaz do II Seminário.

480

Fonte: Imagem do cartaz do II Seminário.

Conforme se pode visualizar na Imagem 1, neste seminário houve


lançamento de livros com destaque para Cultura Material Escolar:a es-
cola e seus artefatos (MA, SP, PR, SC e RS, 1870–1925), organizado por
César Augusto Castro e publicado em 2011, primeira produção interna
do GT e que reúne um conjunto de artigos de diferentes integrantes. A
aceitação deste livro, cuja imagem de capa segue abaixo, levou à publi-
cação, em 2013, de uma segunda edição.
Capítulo 13

Imagem 2 – Capa do Livro “Cultura Material Escola...”.

Fonte: Imagem da capa do Livro “Cultura Material Escolar...”. 481

O III Seminário aconteceu em maio de 2012 na Universidade Fede-


ral do Maranhão (paralelo ao V Encontro Maranhense de História da
Educação) e foi dedicado ao debate acerca do que cada estado reuniu
de dados e análises sobre: Espaço, Mobiliário e Utensílios de Leitura e
Escrita, eixos definidos como organizadores desta etapa dos trabalhos.
O IV Seminário e último foi realizado em dezembro de 2012 na
cidade de Petrópolis, tendo por sede o Museu Imperial. Este seminário
foi organizado em três momentos:
1 - O primeiro momento foi dedicado à discussão sobre “Ba-
ses teóricas para a análise comparada” sob coordenação de
Rosa Fátima de Souza;
2 - O segundo momento deu-se através de Mesas-redondas
destinadas a apresentação dos trabalhos por eixo, além de
uma especialmente programada para a exposição de tra-
balhos de discentes;
3 - O terceiro momento foi reservado para avaliação e encami-
nhamentos.
História da Escola Primária no Brasil

Imagem 3 – Verso do folder do IV Seminário com a Programação.

Fonte: Verso do folder do IV Seminário com a Programação.

A realização destas edições de seminários foi fundamental para a


articulação do Grupo, para o reconhecimento da diversidade material
que constrói a história da escola primária brasileira, bem como para o
enfrentamento teórico metodológico do tema que ficou registrado em
482 diferentes suportes como se pode ter uma ideia aproximada com a visu-
alização do quadro inserido abaixo.

Quadro 1- Registro da Produção do GT.

Trata-se de uma representação aproximada dos dados, sistematiza-


da a partir das informações enviadas por cada equipe. Para os estados
do Maranhão, Paraná e Santa Catarina foram consideradas as produções
Capítulo 13

desde a primeira edição. No caso do estado de São Paulo, considerando


que houve mudança completa na equipe computou-se apenas o infor-
mado pelo grupo participante no momento de elaboração deste quadro,
em setembro de 2013. Goiás e Sergipe também têm produção referente
àsegunda edição, quando da inserção no GT.
Este quadro foi produzido para apresentação no II Seminário de
Pesquisa “A institucionalização da escola primária no Brasil: inves-
tigações comparadas”, reunião de encerramento do Projeto Integra-
do História da Escola Primária no Brasil: investigações em perspec-
tiva comparada em âmbito nacional (1930–1961). Os números têm
a intenção de dar uma dimensão do impacto do desenvolvimento
da pesquisa nas instituições de origem dos pesquisadores-docentes.
Além disso, registra-se que o uso do método comparativo foi um
argumento eficaz para reunir pesquisadores de diversas partes do
país e suas equipes num movimento que resultou em muitos avanços
acerca do conhecimento histórico em educação, do desenvolvimento
de parcerias e no fomento a produções articuladas e localizadas. In-
vestir no trabalho coletivo, ensaiar parcerias, desafiar a “quebra” de
autonomia com a qual estamos mais habituados no desenvolvimento
tanto de projetos de pesquisa quanto – e principalmente – na escrita
a várias mãos é uma contribuição que se deve destacar. No âmbito
do GT dedicado a cultura material escolar isto se deu de várias for- 483
mas e na reunião de encerramento do Projeto Integrado História da
Escola Primária no Brasil: investigações em perspectiva comparada
em âmbito nacional (1930–1961) foi anunciado o lançamento de mais
uma produção coletiva, trata-se do livro A Escola e seus Artefatos
Culturais, organizado por César Castro e Samuel Velázquez cuja
imagem da capa segue abaixo.
História da Escola Primária no Brasil

Imagem 4 - Capa do Livro “A Escola e seus Artefatos Culturais”.

Fonte: Reprodução da Capa do Livro “A Escola e seus Artefatos Culturais”.

Prescrições e provisão material para a escola primária:


modos possíveis
484

Construir uma proposta metodológica para o estudo dos componen-


tes materiais do projeto educativo ainda é um desafio. Um dos caminhos,
como anteriormente indicado, é a elaboração de problemas de pesquisa
que possam ser enfrentados pela via da materialidade como intentamos
fazer no interior do GT. Como aponta Meneses (2011, p. 422-423):

O artefato está no jogo social, e esse jogo social tem que ser
entendido em todas as dimensões e a dimensão material é
uma delas. [...] O estudo da cultura material não é o estudo
das fontes materiais. A natureza do problema histórico é
que vai configurar a materialidade a ser trabalhada. Para
isso, supõe-se que as fontes materiais tenham alguma coisa
de específico a dizer, mas não se trata de fazer história dos
documentos, história de fontes.

O mapeamento dos objetos que apoiam as práticas educativas é


fundamental, é a partir desta visibilidade que se pode enfrentar a ques-
tão, mas esta tarefa, embora árdua e exaustiva, não é suficiente.

A gente não escapa das coisas materiais, mas elas não


têm valores intrínsecos, não têm nada de imanente que
Capítulo 13

não sejam as propriedades físico-químicas. No entanto,


elas têm propriedades de natureza material que permi-
tem externalizar ideias, expectativas, ideologias, me-
mórias, identidades; elas funcionam como mediadoras,
como combustível para a intervenção no mundo real.
(MENESES, 2011, p. 429-430).

Numa espécie de balanço poderíamos afirmar que, se do ponto de


vista dos procedimentos houve maior aproximação e certa concordân-
cia entre os trabalhos, do ponto de vista da elaboração de análises com-
parativas houve um aprofundamento a partir dos dados empíricos lo-
calizados nos estados de referência. Todavia, no momento do exercício
de cotejamento entre os diferentes estados a dificuldade se sobressaiu,
seja pelos diferentes estágios de pertencimento ao grupo, seja pela fami-
liaridade com procedimentos de comparação, ou ainda, pelos desafios
próprios de empreendimentos desta natureza. Contudo, as dificuldades
não obscurecem os dados a que se chegou, entre eles:

1 - A identificação de existência de uma grande diversidade


no provimento material da escola primária brasileira, que
contrasta com certo discurso homogeneizador;
2 - A existência de grande diversidade nas condições, quan- 485
tidade e proporção dos materiais nos diferentes tipos de
escolas; a variação desses objetos se estende intra e extra
locus regional;
3 - A identificação de desigualdades na destinação dos objetos
em função de quem destina (qual é a autoridade, ou esfera)
e para quem se destinam (sujeitos, lugares, etapas de ensi-
no, instituições...);
4 - A qualificação dada para o provimento material pelas autoridades
escolares e professores, em geral anunciado como “obra funda-
mental”, mas estes mesmos discursos indiciam o peso dado à
figura do professor acerca do sucesso do trabalho escolar;
5 - A tímida relação apurada entre o provimento material esco-
lar e as propostas pedagógicas em seus métodos de ensino.

Observa-se grande circulação de objetos entre as escolas, entre es-


tados, entre o nacional e o regional e fica registrada a necessidade de se
identificar com mais precisão o círculo de fornecedores, representantes
e estabelecimentos. Informações desta ordem são fundamentais para se
aprofundar a reflexão em torno da escola como mercado consumidor.
Neste aspecto, dado importante é a confirmação de que, particularmen-
te a partir dos anos de 1920 a provisão material se atrela com muita for-
História da Escola Primária no Brasil

ça ao projeto de industrialização e à força do mercado. Se para os anos


iniciais do século XX é comum encontrarmos orçamentos de marcenei-
ros que fornecem mobiliário para as escolas, por exemplo, nos finais da
primeira metade deste mesmo século a indústria moveleira já se estabe-
lece como a grande fornecedora. Reflexão bastante densa nesta direção é
apresentada por Klaus Dittrich (2013) em texto recentemente publicado
na Revista História da Educação (da ASPHE). Trata-se do artigo “As
Exposições Universais como Mídia para a Circulação Transnacional de
Saberes Sobre o Ensino Primário na Segunda Metade do Século 19”, no
qual o autor toma como problema a circulação transnacional de saberes
sobre o ensino primário na segunda metade do século XIX, patrocinada
pelas Exposições Universais, tendo por referência Japão, França, Esta-
dos Unidos e Alemanha. A análise deste autor recupera uma narrativa
política fundamental para a compreensão desta circulação e de suas for-
mas de apropriação.
E, por fim, mas não menos importante, é possível advogar acerca de
diferentes formas de expressão da cultura escolar que se estabelecem no
cruzamento de uma dada materialidade.
É forçoso reconhecer que, por mais que se invista, ainda nos prende-
mos numa forma de comparação pautada na justaposição. Isto de certa
maneira faz parte de nossa formação afinal, é muito comum nos depa-
486 rarmos com esta forma de comparar. Fazê-lo através de problemas que
evidenciem processos de transferência, circulação e apropriação como re-
comenda António Nóvoa (2009), ainda é uma tarefa desafiadora. E, mais
que isto, o autor, assim como Denice Catani (2000), insiste na necessidade
de se apreender sentidos nestas transferências, circulações e apropriações.
Como adverte Souza (2013, p. 5, mimeo), apoiada em Werner e
Zimmermann (2003), “[...] seja qual for a escolha do nível da compara-
ção (região, Estado-Nação, civilização), nenhuma dessas escalas é rigo-
rosamente unívoca ou generalizável. Por isso, a definição das escalas
provoca efeitos sobre a definição dos objetos de comparação.”
Aqui encontramos outro desafio: como definir e mobilizar as esca-
las? Obviamente que isto não significa, necessariamente, “estabelecer”
a comparação entre espaços e tempos diferentes. Por vezes, é possível
fazê-lo construindo e colocando o problema num mesmo tempo e lugar
e talvez seja este um dos exercícios mais férteis da comparação.
Talvez possamos localizar aqui um dos nós de nossos trabalhos. Es-
tamos mais habituados a tratar a representação da cultura regional uti-
lizando como unidade balizadora uma cultura nacional. Num país de
dimensões como o nosso talvez tenhamos que rever estas balizas. Uma
escola da fronteira do Amazonas talvez se constitua mais impregnada
pela cultura colombiana que por aquela que convencionamos chamar
de cultura brasileira.
Capítulo 13

Sobre esta questão Souza (2013, p. 6, mimeo), ao analisar diferentes


perspectivas para os estudos comparados enfatiza que:

[...] a abordagem da História Cruzada está preocupada


com fenômenos de transferência cultural, circulação de
ideias, pessoas e práticas. Trabalhamos no projeto com a
circulação de modelos educacionais e com a elaboração de
políticas públicas para o ensino primário. Resta questionar,
se podemos tratar políticas como transferência de modelos.

Consideramos que há aqui um dos indicativos mais férteis para nos-


sa reflexão entendendo que a colocação deste “problema” pode, de fato,
funcionar como elemento bastante produtivo. Para fazê-lo é imperativo
reconhecer aspectos como:

1 - Os diferentes estágios da produção acerca das histórias da


educação locais;
2 - Nossa literatura está bastante marcada por uma historio-
grafia de base que se firmou primando por uma análise
que coloca São Paulo num quase absoluto lugar de refe-
rência. O máximo que se observa é Rio de Janeiro e Minas
ocupando, por vezes, este lugar. Este alerta deve estar em 487
nossos horizontes quando lemos, analisamos, interpreta-
mos. Desestabilizar esta forma de interpretação talvez seja
uma tarefa instigante para nossos estudos;
3 - Por fim, se colocamos um modelo dentro do Estado-Nação
como referente, trabalhamos com os demais como “meno-
res”, derivados ou ressonâncias o que pode levar a uma
espécie de miopia de nossas interpretações.

Retomando a pergunta que nos foi colocada por Rosa Fátima de


Souza na reunião de encerramento do Projeto Integrado: “Qual é a con-
tribuição da investigação comparada que estamos realizando para a
compreensão da história do ensino primário no Brasil?”, arriscaríamos
dizer que:

1 - Passamos a nos conhecer melhor;


2 - A lidar com os referentes colocando neles outros pesos;
3 - Descobrimos no olhar para outro, aspectos próprios de nos-
sos lugares de origem;
4 - Compreendemos melhor que investir na construção do
problema é um dos maiores desafios de uma pesquisa;
5 - Fortalecemos objetos de pesquisa que ganharam maior visi-
História da Escola Primária no Brasil

bilidade na produção acadêmica (incluindo-se aqui IC, dis-


sertações e teses), na agenda dos eventos e nas prateleiras
das livrarias.

As informações localizadas na documentação preservada são regis-


tros que informam acerca de um projeto material para a escola (e aqui
nos debruçamos sobre a escola primária), que revelam desigualdades e
investimentos diferentes embora se anuncie uma escola cujo funciona-
mento estaria pautado numa única forma do ponto de vista pedagógico;
já que do ponto de vista administrativo as diferenças são mais claras. Se
as prescrições pedagógicas são semelhantes, e isto pode ser visto nos
regimentos e na legislação, por exemplo, as condições materiais de ope-
racionalização são diferenciadas seja isto anunciado ou não. Estas dife-
renças se devem à localização geográfica, à população que se destina, a
hábitos regionais.
A tensão que se coloca aqui, e que nos interessa sobremaneira, é
problematizar um discurso que toma a escola primária como uma só,
seja no norte, no nordeste ou no centro oeste do país. Um discurso dis-
ponível em documentos de variados formatos que ganhou força como
representação desta instituição, uma maneira de “falar” das escolas e
esta comunicação se dá, em grande parte, através do que se preservou
488 para “narrar”, preservação que também guarda intencionalidades.
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2014.
Sobre os Autores

Alessandra Cristina Furtado


Graduação em História pela UNESP/ Franca (1998) e mestrado em
História pela Faculdade de História, Direito e Serviço Social, pela mes-
ma Universidade (2001). Doutorado em Educação pela Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (2007). Atualmente é professo-
ra da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Grande Dou-
rados. Líder do GEPHEMES (Grupo de Estudo e Pesquisa em História
da Educação, Memória e Sociedade), desde 2010.

Analete Regina Schelbauer


Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá
(1986), Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(1997) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2003).
Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual de Maringá
e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM.

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas


Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciências e Le-
tras “Imaculada Conceição”, Santa Maria-RS (1989), Mestrado em Edu-
cação pela Universidade Estadual de Campinas (1995) e Doutorado em
Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2003). Atualmente
é professora Adjunta IV do Departamento de Educação da Universida-
de Federal de Sergipe (UFS).

Antonio Carlos Ferreira Pinheiro


Licenciado em História pela UFPE, Mestre em Geografia pela mes-
ma Universidade, Doutor em História da Educação pela Universidade
Estadual de Campinas; Professor Associado III e membro permanente
do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal
da Paraíba. Fundador e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas
História da Educação da Paraíba, vinculado ao HISTEDBR. Membro
fundador (em 2004) e participante do Grupo de Pesquisa História da
Educação no Nordeste Oitocentista - GHENO. Fez parte da Diretoria da
Sociedade Brasileira de História da Educação - SBHE (Tesoureiro), no
período de 2009 a 2013.
História da Escola Primária no Brasil

Antônio de Pádua Carvalho Lopes


Possui graduação em Licenciatura em Pedagogia pela Universida-
de Federal do Piauí (1990), além do Bachalerado em Ciências Sociais pela
mesma Universidade (1989). Mestrado em Sociologia pela Universidade
Federal do Ceará (1996) e doutorado em Educação pela Universidade Fe-
deral do Ceará (2001). Atualmente é professor adjunto, vinculado ao Pro-
grama de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal do Piauí.

César Augusto Castro


Graduado em Biblioteconomia pela UFMA; Mestre em Ciência da
Informação pela PUC-CAMPINAS; Doutorado em Educação pela USP;
Pós-Doutorado pela USP. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesqui-
sa em História da Educação e da Leitura; Professor titular da UFMA no
Programa de Pós-Graduação em Educação e no Curso de Graduação
em Biblioteconomia. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Claudia Panizzolo
Graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo (1991),
Especialização em Educação Infantil pela Universidade Metodista de
494 São Paulo (1998, Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001) e Doutorado
em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2006). É professora Adjunta II do Curso de Peda-
gogia, na área de Educação Infantil e do Programa de Pós Graduação
em Educação da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Con-
selheira da Associação Brasileira de Brinquedotecas. Pesquisadora com
projetos em desenvolvimento financiados pelo CNPq.

Diomar das Graças Motta


Graduada em Pedagogia pela UFMA, Mestre em Educação pelo
IESAE (Instituto de Estudos Avançados em Educação) pela FGV; Dou-
torado em Educação pela Universidade Federal Fluminense, UFF. Pro-
fessora adjunta da Universidade Federal do Maranhão. Bolsista de Pro-
dutividade em Pesquisa do CNPq.

Elizabeth Figueiredo de Sá
Graduada em Pedagoga, Mestre em Educação pela Universidade
Federal de Mato Grosso (2000) e Doutora em Educação pela Univer-
sidade de São Paulo (2006). Participou do estágio de doutoramento na
Sobre os Autores

Universidade do Porto (2004). Em 2009 concluiu o pós-doutorado na


Faculdade de Educação da USP. Atualmente é professora adjunta no
Instituto de Educação e no Programa de Pós-graduação da UFMT.

Elizabeth Miranda de Lima


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Acre (1991),
especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade
Federal do Acre (1994), mestrado em Educação: História, Política, Socie-
dade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996) e douto-
rado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo (2002). Atualmente é Professora adjunta da
Universidade Federal do Acre.

Ester Fraga Vilas-Boas Carvalho do Nascimento


Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergi-
pe. Diretora de Pesquisa da Universidade Tiradentes; Professorado
Programa de Pós-graduação em Educação – UNIT. Líder do Grupo
de Pesquisas História das Práticas Educacionais/UNIT. Membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação: Intelectuais 495
da Educação, Instituições Educacionais e Práticas Escolares/UFS.

Fernanda Mendes Resende


Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (1997) e Mestrado em Educação pela Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (2002). Atualmente é Professora Assistente III da Pon-
tifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Campus Poços de Caldas.

Gizele Souza
Possui doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com Estágio ‘Bolsa San-
duíche’/Capes em História da Infância na Università Degli Studi Di Pa-
via. Pós-Doutora pela Università degli Studi di Firenze, com bolsa Sê-
nior/CAPES. É professora efetiva do Setor de Educação da Universidade
Federal do Paraná e da Linha de História e Historiografia da Educação
do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Edu-
cação, História da Infância e Educação Infantil, atuando principalmente
nos seguintes temas: história da educação primária, história da infância,
História da Escola Primária no Brasil

história da assistência à infância, história da educação infantil, cultura


escolar, cultura material escolar.

Gladys Mary Ghizoni Teive


Possui graduação em Pedagogia e Mestrado em Educação pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutorado em
Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Pós Douto-
rado pelo Centro de Investigación en Manuales Escolares - MANES
- da UNED, Espanha. Professora Associada do Departamento de Pe-
dagogia/FAED/UDESC, onde atua no Programa de Pós-Graduação
em Educação.

Heloísa Helena Pimenta Rocha


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão
(1985), Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campi-
nas (1995), doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo
(2001), com estágio de pós-doutorado na Universidad de Buenos Aires
(2008). Atualmente é professora doutora da Universidade Estadual de
Campinas. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e pesquisa-
496 dora associada do Centro de Investigación MANES.

Ilka Miglio de Mesquita


Pós-doutora em História da Educação pela FAE/UFMG; Douto-
ra em Educação pelo Grupo Memória da Universidade de Campinas
(Unicamp); membro do Grupo de Pesquisa Historiar do GEPHE-FAE-
-UFMG; Professora do Programa de Pós-graduação em Educação –
UNIT; Vice-líder do Grupo de Pesquisa História das Práticas Educa-
cionais/UNIT.

José Carlos Souza Araújo


Graduado em Filosofia pelo Instituto Estigmatino de Campinas,
IEC e História pela PUC-CAMPINAS; Graduado em Teologia. Facul-
dade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, FACTE; Mestrado em
História Social pela USP; Doutorado em Educação pela UNICAMP.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Uni-
versitário do Triângulo, e Professor-Colaborador do Programa em Edu-
cação da Universidade Federal de Uberlândia.
Sobre os Autores

José Mateus do Nascimento


Graduado em Pedagogia, possui Doutorado em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006). Pesquisador
do NUPED (Núcleo de Pesquisa em Educação) do IFRN - Campus
Natal Central. É Vice-Coordenador do PPGEP - Programa de Pós-
Graduação em Educação Profissional do IFRN. Coopera com o Gru-
po de Estudos Fundamentos da Educação e Práticas Culturais (CE
-UFRN) e também colabora como vice-lider do GEPeeeS - Grupo de
Estudos e Pesquisas Educação, Etnias e Economia Solidária (UFPB -
CCAE - Campus IV).

Kilza Fernanda Moreira de Viveiros


Possui doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e mestrado em Pedagogia Profissional pelo Centro
Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (1999). Atualmente é do-
cente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Lucia Maria da Franca Rocha


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal da
Bahia (1969), mestrado em Educação pela Universidade de Brasília 497
(1984) e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Atualmente é pesqui-
sadora da Universidade de Brasília, Professor Adjunto da Universidade
Federal da Bahia e Membro de corpo editorial da Revista Brasileira de
História da Educação.

Maria das Dores Cardoso Frazão


Possui Licenciatura em Pedagogia (2005) e Mestrado em Edu-
cação (2009), ambos pela Universidade Federal do Maranhão. Atuou
como supervisora escolar da Secretaria de Estado da Educação do
Maranhão (2006-2010). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Educação, Mulheres e Relações de Gênero - GEMGe, ligado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA, desde o ano
de 2003, onde desenvolve estudos e pesquisas. Integrou a equipe de
pesquisa sobre as contribuições do Curso Gênero e Diversidade na
Escola - GDE para a formação de professores (as). Participou da Co-
missão de estudos para a Implantação do Núcleo de Educação In-
fantil na Universidade Federal do Maranhão - NEI/UFMA. Integra a
equipe do NEI/UFMA.
História da Escola Primária no Brasil

Maria Teresa Santos Cunha


Possui graduação em História e Mestrado em História pela Universi-
dade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutorado em Educação – His-
tória e Filosofia - pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Asso-
ciada V do Departamento de História/FAED/ UDESC – SC onde atua no
Programa de Pós-Graduação em História e no Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação.É Coordenadora do Laboratório de Patrimônio Cultural
da FAED/UDESC. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq- nível 2.

Mariléia dos Santos Cruz


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão
(1996), Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Jú-
lio de Mesquita Filho (2000), Campus de Marília/SP e Doutora em Edu-
cação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (2008), Campus de Araraquara. Atualmente é professora da Uni-
versidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz.

Marlúcia Menezes de Paiva


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio
498 Grande do Norte (1969), doutorado em Educação: História e Filosofia
da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1992)
e pós-doutorado em educação na Ècole des Hautes Études en Sciences
Sociales e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000-2001).

Marta Maria Araújo


Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Doutora em Edu-
cação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
de São Paulo (USP); Pós-Doutoramento em História das Ideias Con-
temporâneas pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, Professora
do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN);
Coordenadora da Base de Pesquisa Estudos Histórico-Educacionais e
Editora Responsável da Revista Educação em Questão do Departamen-
to e Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.

Miguel André Berger


Possui Graduação em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Ciên-
cias e Letras de Rio Claro (1973), Mestrado em Tecnologia Educacional
Sobre os Autores

pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1977), Doutorado em


Educação pela Universidade Federal da Bahia (1998) e Pós-Doutorado
em Educação sob a supervisão do Prof. Dr. Bernard Charlot (2009). Atu-
almente é professor Titular do Programa de Mestrado em Educação da
Universidade Tiradentes e Professor Associado Aposentado da Univer-
sidade Federal de Sergipe. Exerceu cargo de Chefe do Departamento
de Educação da UFS, Coordenação e Vice-coordenação do Núcleo de
Pós-Graduação em Educação.

Olívia Morais de Medeiros Neta


Possui graduação em História (Licenciatura e Bacharelado), mes-
trado em História e doutorado em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Atualmente é professora do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Programa
de Pós-Graduação em Educação Profissional. Foi professora temporária
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Rony Rei do Nascimento Silva


Mestrando em Educação pela Universidade Tiradentes - UNIT,
formado em Serviço Social pela Universidade Tiradentes - UNIT 499
(2013), membro do Grupo de Pesquisa Sociedade, Educação, História
e Memória- GPSEHM. Bolsista da CAPES.

Rosa Fátima de Souza


Mestre em Educação pela UNICAMP (1991); Doutora em Educação
pela USP (1997); Estágio no Exterior na Universitat Autônoma de Barce-
lona (1994/95); Pós-Doutorado na University of Wisconsin – EUA (2001) e
na Universidad de Santiago de Compostela – Espanha (2009); Livre-Do-
cente (História da Educação Brasileira) pela FCL – UNESP/Araraquara
(2006); Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Educação da
FCL- UNESP/Araraquara e do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da UNESP de Marília. Coordenadora do Núcleo de Documentação e
Memória da Unesp de Araraquara; Coordenadora do Grupo de Estudos
e Pesquisas sobre Cultura e Instituições Educacionais (GEPCIE); Bolsista
de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Rosa Lydia Teixeira Corrêa


Pós-doutora em História da Educação de Universidade de Sala-
manca/Espanha, Doutora em História pela Universidade de São Pau-
História da Escola Primária no Brasil

lo. Vice-líder do Grupo de Pesquisa História das Disciplinas Escolares


(GPHDE)/PPGE/PUCPR, Professora Titular do Programa de Pós-Gra-
duação em Educação, Mestrado e doutorado da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.

Rubia-Mar Nunes Pinto


Com formação inicial em Educação Física, fez pós doutorado na
Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 2013. Doutorado na Uni-
versidade Federal Fluminense em 2009 e Mestrado em Educação pela
Universidade Federal de Góias em 2002. Atualmente é docente da Fa-
culdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás e do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação/UFG.

Samuel Luis Velázquez Castellanos


Graduado em Artes pelo Instituto Superior de Artes de Havana
(1996). Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade
Atenas Maranhense. Mestrando em Educação no Programa de Pós-gra-
duação em Educação da Universidade Federal do Maranhão. Douto-
rando em Educação pela UNESP/Campus de Araraquara. Professor da
500 Universidade Federal do Maranhão.

Sara Martha Dick


Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católi-
ca do Rio de Janeiro (1980), mestrado em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (1991) e doutorado em Educação pela Universidade
Federal da Bahia (2001). Atualmente é professora adjunta da Universi-
dade Federal da Bahia.

Vera Lúcia Gaspar Silva


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina –
UFSC. Doutora em Educação: História da Educação e Historiografia pela
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Feusp com Dou-
torado Sanduíche na Universidade de Lisboa. Pós-Doutora em Educa-
ção: História da Educação e Historiografia pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo – Feusp com inserção em instituições internacio-
nais. Professora do Departamento de Ciências Humanas e do Programa de
Pós-Graduação em Educação Linha de Pesquisa História e Historiografia
da Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina - Udesc. Pes-
quisadora do Observatório de Práticas Escolares - OPE da UDESC. 
Sobre os Autores

Vera Teresa Valdemarin


Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Ciências e Letras de
Araraquara/UNESP (1980), mestrado em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (1986), doutorado em Educação pela Universida-
de de São Paulo (1994) e Livre-docência em Filosofia da Educação pela
UNESP (2001). É professora adjunta do Departamento de Ciências da
Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara/UNESP. Bolsista de Pro-
dutividade em Pesquisa do CNPq.

501
Tiragem 450 exemplares
Formato 17x25,5cm
Tipologia Palatino Litotype, 11

Papel Off-set 75g/m² (miolo)


Cartão Triplex 250g/m² (capa)

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