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Psicologia como Ciência: Transformações

Históricas

Conteudistas: Prof. Me. Pascoal Ferrari | Prof.ª Dra. Rosana Tosi Costa


Revisão Textual: Esp. Camila Colombo dos Santos
Revisão Técnica: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro

Objetivos da Unidade:

Estudar algumas observações a respeito da conceituação da Psicologia;

Observar as formulações dos filósofos antigos;

Compreender as formulações do período patrístico;

Entender as relações entre a Ciência Moderna e a Contemporânea com a


consolidação da Psicologia como uma área do saber e da prática clínica.

ʪ Contextualização

ʪ Material Teórico

ʪ Material Complementar
ʪ Referências
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ʪ Contextualização

O filósofo Aristóteles afirma que “Nada melhor para compreendermos um tema em sua
extensão do que historicizá-lo”. Compartilhando esse pensamento, vamos iniciar nosso estudo
sobre Psicologia, analisando a evolução histórica dessa ciência. 

Essa é uma boa maneira de entender um pouco mais da Psicologia. 

Então, vamos agora percorrer essa história


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ʪ Material Teórico

O que é Psicologia?
Longe de esgotarmos essa pergunta com uma ou algumas repostas definitivas, nesse primeiro
momento, apresentaremos uma reflexão importante do teórico George Canguilhem a respeito
do assunto. 

Etimologicamente a palavra “psicologia” quer dizer ciência da alma, e isso já nos coloca diante
de uma questão importante que será fruto de muitos debates: é possível produzir ciência a partir
da alma, ou sobre a alma? Segundo Canguilhem (1958), na Antiguidade grega, a alma era
entendida como um ser natural. Nesse sentido, os sistemas filosóficos compreendiam a alma
em instâncias biológicas e físicas. 

Para Aristóteles, por exemplo, em seu tratado “Da alma”, a organização da alma não está
dissociada da matéria; sendo assim, é tratada como física, como forma do corpo vivo. Essa
categorização organiza a alma como um objeto de estudo da teoria da natureza, em que suas
formas e manifestações não se distinguem das formas biológicas e físicas, como, por exemplo,
o desempenho dos sentidos humanos ou mesmo de elementos internos de nossa constituição,
como memória e fantasia. 

De acordo com Canguilhem (1958), essa concepção aristotélica, embora não considerasse a
Psicologia como área de saber independente, ganha ressonância em experiências modernas do
conhecimento psicológico, como a Psicofisiologia e a Psicopatologia, ambas compreendidas
como disciplinas médicas. 

Ainda segundo Canguilhem (1958), no final do século XVII, a Psicologia entendida como parte
das ciências naturais pede força e emerge uma Psicologia como ciência da subjetividade. 
Esse tipo de Psicologia tem estreita relação com os físicos mecanicistas do século XVIII. Para
esses pensadores, a razão matemática e a mecânica são os instrumentos da verdade, são esses
os paradigmas que balizam o conhecimento e suas consequentes epistemologias. 

Nesse esquema de pensamento, a Psicologia aparece como a ciência que tenta explicar aquilo
que desvia o espírito do caminho da verdade, aquilo que falsifica o real, ou seja, a Psicologia
aparece como uma ciência de validação da razão matemática e mecânica. Os paradigmas dela
partem do princípio de que o espírito, por natureza, atrapalha os sentidos e sua compreensão do
real para aceder ao conhecimento racional. Nesse sentido, a Psicologia é uma espécie de ciência
da explicação do engano, na qual seus parâmetros estão atrelados aos parâmetros físicos para a
explicação da realidade. Desse modo, sua validação epistemológica se dá na medida interna da
validação da própria Física e na sua capacidade científica de validar suas proposições de verdade. 

Para Canguilhem (1958), essa Psicologia é uma Psicofísica por dois motivos: primeiro porque ela
não se desvincula da Física para ser aceita como ciência; e segundo porque os seus critérios de
validação científica estão na natureza; nesse caso, no corpo humano, que é a sede de resíduos
que devem ser detectados para o acesso ao conhecimento da realidade. 

Pode parecer que essa concepção psicológica se oriente pelos princípios aristotélicos, pelo fato
de ainda se vincular à Física, contudo essa Psicologia subjetiva tende a proceder como a Nova
Física, na qual os padrões de conhecimento são balizados por cálculos. 

Esses elementos são aprofundados, sobretudo, com René Descartes, e a capacidade da


Psicologia se perfaz como a de estabelecer as diferenças qualitativas entre dados sensoriais a
partir de figuras geométricas. O procedimento de atribuição de sentido para esses dados
sensoriais é feito por analogia, em que sua manifestação é convencionada num corpo figurado
alheio. Desse modo, o seu sentido está sempre fora de si, o sentido dessa Psicologia subjetiva
está sempre fora dela, em algum corpo ou em alguma referência já conhecida. 

Assim como determinadas características aristotélicas se espraiaram, mesmo com diferenças,


pelo tempo, essa perspectiva epistemológica da Psicologia como ciência subjetiva com seu
sentido externo também será desenvolvida posteriormente, sobretudo por Wilhem Wundt na
estruturação de uma Psicologia experimental na qual os “fatos da consciência” apareceriam
como leis semelhantes àquelas da Mecânica e da Física para a validação de sua verdade.
Embora a Psicologia como ciência subjetiva tenha tido um importante referencial nessa linha do
sentido externo, segundo Canguilhem (1958), ela não se reduziu a essa perspectiva. Houve
também outro tipo de desenvolvimento; nele, a Psicologia subjetiva se apresenta como a ciência
da consciência de si ou a ciência do sentido interno. 

É no século XVIII que essa perspectiva ganha força e que o próprio termo Psicologia passa a
aparecer, como sendo a ciência do eu. Essa ciência tinha como influência, em tensão e oposição,
o trabalho “As meditações”, de René Descartes. 

A meditação tem um sentido fundamental para Descartes, porque é por meio dela que o sujeito
consegue se concentrar para acessar o interior. E é nesse processo de interiorização que se pode
conectar com a alma, porque o interior cartesiano é a condição para o pensamento e o
conhecimento que alma tem dela mesma. 

Esse conhecimento da alma é importante, e ele se dá por reflexão. A epistemologia cartesiana faz
alusão ao olho e ao espelho para explicar seus paradigmas: a alma, assim como olho, pode ver
tudo; contudo, só pode ver a si mesma através do espelho. Desse modo, a alma, para Descartes,
só consegue se conhecer por meio de seu reflexo e pelo reconhecimento de seus efeitos.

Os preceitos cartesianos ajudaram a construir, quer seja pelo seu desenvolvimento, quer seja por
sua refutação, as bases da Epistemologia Moderna, sendo fundamentais para a afirmação da
Ciência Moderna e também da Psicologia como campo de saber.
Figura 1 – REDON, Odilon. Visão
Fonte: Wikimedia Commons
Filósofos Antigos
São considerados filósofos antigos os pensadores desde o período pré-socrático, mas
trataremos, nesse texto, a partir do período socrático, uma vez que, conforme elucidam Andery,
Micheleto e Sério:

“Sócrates, Platão e Aristóteles contrapunham-se aos pensadores jônicos porque

traziam para o centro de suas preocupações o homem, em lugar da natureza física


dos jônicos, e porque viam este homem como capaz de produzir conhecimento por
possuir uma alma – absolutamente diferenciada do corpo, mas essencial.”

- ANDERY; MICHELETO; SÉRIO, 1988, p. 63-64 

E essa preocupação em entender o homem é que faz com que tais pensadores sejam importantes
para o desenvolvimento de uma Psicologia na Antiguidade. 

Sócrates (469-399 a.C. aproximadamente) contribui para a


Psicologia ao voltar seu interesse ao homem, mais
especificamente ao que esse homem abriga: a alma. Sócrates
propôs a distinção entre o conhecimento da natureza e o
conhecimento do homem, valorizando a razão. Para Sócrates,
só por meio do pensamento é que se podia chegar ao
conhecimento de si próprio;

Platão (426-348 a.C. aproximadamente), discípulo de Sócrates, mantém a busca do


mestre pelo conhecimento verdadeiro, busca a essência das coisas, o conhecimento
provindo da alma do homem. Platão acreditava que o homem era formado por um
corpo mortal, mas também por uma alma que não morre e de onde provém todo o
conhecimento. Define o mundo das ideias e instaura a preocupação com a
localização da alma no corpo do homem, estabelecendo esse lugar como sendo a
cabeça. Para Platão, a medula era o componente de ligação da alma com o corpo;

Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, é considerado o verdadeiro pai da


Psicologia. Chegou a estudar as diferenças entre a razão, percepção e sensação.
Diverge de Platão, seu mestre, ao postular que corpo e alma são elementos
indissociáveis.

“No homem, como em todo o ser vivo, corpo e alma compunham uma unidade. A

alma garantia a vida, a realização das funções vitais; a alma era a forma, enquanto
o corpo a matéria que precisava dessa forma para tornar-se em ato. Era a forma, a
alma, que dava vida, que emprestava finalidade aos corpos animados. E assim
como não se podia pensar em matéria destituída de forma, também o contrário era
sem sentido.”

- ARISTÓTELES apud ANDERY; MICHELETO; SÉRIO, 1988, p. 90-91

No pensamento aristotélico, tudo o que vive possui alma ou psyché. Assim, ao considerar tudo o
que vive, considera-se que tanto os homens como os animais e as plantas possuem alma.

Fica claro, nessa breve análise acerca dos filósofos antigos, o início de um pensamento
psicológico. Sócrates, Platão e Aristóteles, ainda que evidentemente influenciados por questões
de sua época, apresentam, em seus pensamentos, a preocupação com o homem e com sua
psyché, quer estabelecendo a imortalidade da alma, quer postulando a mortalidade desta e sua
relação ativa com o corpo.
Seguindo a evolução do pensamento acerca do homem, passamos à análise do período
Patrístico, que se inicia com o Cristianismo e segue até o século VIII d.C.

Período Patrístico
O pensamento no período Patrístico, um pensamento tido como filosófico, é formado por
tratados de padres, teólogos, apologetas, exegetas, os quais procuravam compreender as
questões do universo com base em sua doutrina religiosa. Merecem destaque aqui Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino.

Santo Agostinho (354-430), considerado um dos poucos a


analisar com profundidade a Psicologia, corrobora a visão de
Platão da existência de alma e corpo dissociados. Todavia,
complementa a compreensão de que a alma é a manifestação
de Deus no homem e que ela se sobrepõe ao corpo. A divisão
entre corpo e alma, na visão de Santo Agostinho, contempla,
ainda, a ideia de que a alma é o elemento mortal que liga o
homem a Deus e o corpo é a matéria, fonte de todos os males. O
homem que submete a alma ao corpo, ao material, afasta-se de
Deus.

“O homem deve, portanto, desvencilhar-se das coisas mundanas e carnais,

voltando-se às espirituais, as quais lhe vão propiciar-se a aproximação de Deus, o


sumo Bem. Embora a degradação humana ocorra por livre arbítrio, voltar-se
novamente para o Bem e para Deus não é mais opção do homem: ao contrário, é
necessária a graça divina para tirar o homem do pecado.”

- RUBANO; MOROZ, 1988, p. 140


Visto que a alma toma lugar tão importante na ação humana, compreender a alma, a psique
humana, passa a ser preocupação da Igreja. 

São Tomás de Aquino (1225-1274), pensador Patrístico


posterior a Santo Agostinho, tem como influenciadores o
próprio Santo Agostinho, mas também Platão, Aristóteles e
Alberto Magno, esse último seu professor; além da própria
Escritura Sagrada. O período em que Aquino viveu anuncia a
ruptura da Igreja Católica pelo aparecimento do
Protestantismo, o que provoca questionamento acerca do
conhecimento proferido pela Igreja. Aquino defende a posição
da Igreja ao postular um sistema coerente e conciso,
considerando que o governo é de origem divina e, portanto, o
homem deve se submeter a ele. 

Para Aquino:

“[…] a legislação do Estado é para o bem do povo e que o governo deve submeter-

se à Igreja. Santo Tomás de Aquino defende uma postura de passividade e


obediência da sociedade frente à situação vigente.”

- RUBANO; MOROZ, 1988, p. 140


Aquino também endossa que a Igreja é a verdadeira produtora de conhecimento acerca do
psiquismo. Ele separa fé e razão, ou ainda Filosofia e Teologia, afirmando que a primeira deve
cuidar das coisas da natureza; e a segunda, do sobrenatural. E, ao estudar o sobrenatural e a fé
divina, São Tomás de Aquino afirma que alguns conhecimentos só podem ser obtidos pela
revelação divina e que o homem – a mais perfeita criação de Deus, distinta dos outros seres,
uma vez que é racional – só pode alcançar a perfeição por meio da busca em Deus.

Num período conturbado por questionamentos à Igreja Católica, Aquino busca a ordem pública,
com o objetivo de estabelecer a convivência pacífica entre os homens.

O fim do período Patrístico fica marcado quando a soberania da Igreja na busca de compreensão


da existência humana dá lugar a novas formas de pensamento, a partir do crescente
questionamento de seus dogmas, advindos da Reforma Protestante.

A partir da segunda metade do século XV e durante todo os séculos XVI e XVII, ocorrem
marcantes mudanças religiosas, políticas, econômicas, sociais e culturais, provocando outras
formas de concepção da ciência e do homem, dando início a um novo período do pensamento
filosófico, o período da chamada Ciência Moderna.

Ciência Moderna ou Contemporânea


Nesse período, a razão, a preocupação com elementos precisos e a experiência contrapõem-se à
fé, transferindo as preocupações da relação entre Deus e humanidade para as preocupações da
relação entre natureza e humanidade. Pesquisas, experimentações e formulações marcam esse
período. 

Galileu Galilei (1564-1642), físico, matemático, astrônomo e


filósofo italiano, estuda a queda dos objetos em famosos
ensaios na Torre de Pisa;

Issac Newton (1642-1727), físico e matemático, também estuda fenômenos da


natureza e o movimento dos objetos tanto na Terra como no céu;
René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático, analisa as leis do movimento,
tanto da natureza quanto dos homens. Descartes merece maior atenção, uma vez
que é considerado por muitos o pai da Psicologia Moderna. Foi o primeiro a fazer
distinção nítida entre corpo e mente, questionamento que inquietava os filósofos
desde a Antiguidade. Descartes propõe a distinção entre mente (alma e espírito) e
corpo, mas, ao mesmo tempo, declara que há interação entre tais elementos. A
mente podia interferir no corpo, sendo assim considerado um “interacionista”.
Outro aspecto importante do trabalho de Descartes é que, a partir da separação
mente (alma e espírito) e corpo, propicia o estudo do corpo humano morto, pois
este deixa de ser sagrado.

Tais pensadores marcam o período de transição: a Era Mecanicista.


Figura 2 – BACON, Francis. Study for a head
Fonte: Wikimedia Commons

Pereira e Gioia (1988) descrevem essa nova fase do pensamento: 

“Seguindo os novos caminhos traçados pelos pensadores que se destacaram neste

período de transição, foi-se firmando um novo conhecimento, uma nova ciência,


que buscava leis, e leis naturais, que permitissem a compreensão do universo. Esta
nova ciência – a ciência moderna – surgiu com o surgimento do capitalismo e a
ascensão da burguesia […] estava aberto o caminho para o acelerado
desenvolvimento que a ciência viria a ter nos períodos seguintes.”

- PEREIRA; GIOIA, 1988, p. 173-174

A ascensão da burguesia e o surgimento do capitalismo, junto à Revolução Industrial e à criação


da máquina, resultaram em fortes mudanças na maneira de se conceber as relações humanas e
o próprio homem. Para Alvin To er (1980), a Revolução Industrial, a qual ele designa como a
Segunda Onda, resultou em mudanças em todas as esferas, desde a constituição familiar, que
passa a ser nuclear, passando pela produção cultural, que se torna produção em massa, até a
própria educação, que segue o modelo das fábricas.

Os estudos acerca do homem também são influenciados por essas mudanças no sistema
socioeconômico-cultural. Eram necessários métodos mais rigorosos, medidas, instrumentos
de controle, todos buscando mais precisão no estudo do funcionamento da mente.
A Psicologia e a Ciência
As alterações na forma de compreensão do homem e do funcionamento do universo abrem
espaço para novas indagações e formas de estudo. Os avanços da Anatomia, da Fisiologia e da
Neurologia propiciaram a constituição de uma ciência distinta da Filosofia.

A Psicologia, que nasce estudando a alma, a partir dos estudos de grandes filósofos, passa a ser
uma ciência “sem alma” (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2005, p. 43), no sentido de que seu
conhecimento passa a ser produzido em laboratórios por meio de experimentos de observação e
medição.

Wilhem Wundt viveu entre os anos de 1832 e 1920, atravessando, portanto, o século XIX e
adentrando o início do século XX, e é considerado um dos pioneiros da Nova Psicologia europeia.
Wundt se inspirou nos campos da Fisiologia e da Filosofia de seu tempo para desenvolver seus
métodos de investigação e tentar conceber seus objetos de estudo.

A consciência é o objeto de estudo central para Wundt. O estudioso acredita que ela seja formada
por elementos diferentes entre si, os quais precisam ser investigados por análise ou redução. Em
sua concepção, segundo Schultz e Schultz (1981), a consciência não se constitui de elementos
estáticos, passíveis de algum processo mecânico de associação, como acreditavam muitos
empiristas e associacionistas. Para Wundt, a consciência tinha uma capacidade de se auto-
organizar, que ele chamava de voluntarismo, em que a vontade poderia ter o poder de organizar
esses elementos distintos que estruturavam a mente. Desse modo, para compreender melhor o
funcionamento da mente, da consciência, era preciso estudar os elementos em ação conjunta, e
não separada, investigá-los no processo organizativo da consciência.
Figura 3 – KANAYAMA, Akira. Work
Fonte: Wikimedia Commons

E. B. Titchener, apesar de trabalhar em referência a Wundt, modificou substancialmente seu


sistema e ajudou a desenvolver uma abordagem própria, que ficou conhecida como
estruturalismo, que, para Schultz e Schultz (1981), é a primeira escola americana de
pensamento no campo da Psicologia.
O interesse de Titchener, segundo Schultz e Schultz (1981), é na experiência consciente, que é,
para ele, o objeto de estudo da Psicologia. Para Titchener, todas as ciências têm esse objeto em
comum; contudo, cada qual se concentra em um de seus aspectos. No caso da Psicologia, o
enfoque é na experiência e na sua dependência para com as pessoas que passam por ela. 

Nesse processo de definição da consciência, Titchener avança num ponto importante, porque,
para ele, há uma diferença conceitual entre mente e consciência. Embora parecidas, para
Titchener, a mente seria o somatório de nossas experiências acumuladas ao longo da vida,
enquanto a consciência seria o somatório de nossas experiências num determinado momento. 

Nos Estados Unidos, na virada do século XIX para o século XX, a Psicologia desenvolveu-se em
contraposição fundamental às teses de Wundt e do estruturalismo protagonizado por Titchener.
Esse novo modelo epistemológico ganhou o nome de funcionalismo, e teve a influência decisiva
de autores de outras áreas, especialmente de Darwin e Galton. Como o nome funcionalismo pode
sugerir, uma das principais reivindicações dessa corrente de pensamento era a de que a
Psicologia deveria ser útil aos problemas reais das pessoas.

É nesse sentido que os psicólogos funcionais focavam seus estudos nas atividades mentais para
o organismo vivo e em suas tentativas permanentes de adaptação aos meios a que eram
submetidas. O funcionalismo, portanto, enveredava-se cientificamente pelo interesse das
consequências da dinâmica da consciência, em como ela se manifestava na vida prática e quais
as implicações desse movimento. 

O comportamentalismo ou behavorismo surge como corrente de estudos do campo da


Psicologia, derivando do funcionalismo e de outras influências epistemológicas, e tem em John
B. Watson um de seus principais teóricos.  

Com o interesse explícito no comportamento, Watson, mais do que os autores pregressos,


estreitou e aprofundou a relação da Psicologia com as ciências naturais. O comportamentalismo,
assim como as ciências naturais, tinha interesse e foco naquilo que podia ser observado, desse
modo a pesquisa deveria se pautar na maior objetividade possível. 

Para o comportamentalismo, a Psicologia como ciência do comportamento deveria se deter nos


“atos passíveis de descrição objetiva em termos de estímulo e resposta, formação de hábito ou
integração de hábito” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1981, p. 247). Para Watson, todo comportamento
humano pode ser descrito a partir dessas características, sem a necessidade de acesso aos
conceitos e às terminologias que descrevem os processos e as dinâmicas da mente. Essa
redução do comportamento aos seus elementos básicos, que seriam os estímulos e as respostas,
tinha como intenção a possibilidade de previsão e controle. E, apesar de ser redutiva, para
Watson, essa metodologia era capaz de dar respostas sobre o comportamento geral do
organismo total.

As bases da psicologia da Gestalt tiveram seu nascedouro na Alemanha, e, em grande medida, se


contrapunham às ideias de Wundt – que estudamos na unidade anterior. Um dos principais
pontos dos gestaltistas em relação aos propósitos wundtianos era a crítica ao elementarismo ou
atomismo. Essa crítica também, como vimos anteriormente, se fez presente pelo
comportamentalismo americano, mas com uma diferença importante: ao contrário dos
comportamentalistas, os gestaltistas não descartavam a consciência, porém discordavam da
análise em elementos realizada por Wundt.

Ao movimento gestaltista foi atribuído um caráter revolucionário pelo confronto com as bases
americanas pregressas, mas também pelo enfrentamento com a tradicional escola alemã de
Psicologia, e teve nos nomes de Max Wertheimer, Kurt Ko ia e Wolfgang Kõhler os intelectuais
importantes para o desenvolvimento da psicologia da Gestalt.  

A psicanálise tem seu nascimento no final do século XIX, assim como outras escolas de
pensamento no ramo da Psicologia; contudo, suas semelhanças se dão mais em aspectos
temporais do que propriamente epistemológicos. A psicanálise, que se confunde, em seus
primeiros passos, com a história de Sigmund Freud, se difere da Psicologia acadêmica
contemporânea a ela e se consolida como uma reflexão e prática clínica.

Os dois principais e mais difundidos métodos freudianos são o da livre associação e o do


trabalho com os sonhos. 

Na prática clínica, Freud percebeu um aspecto importante sobre o método da livre associação:
quando algum assunto era por demais embaraçoso, vergonhoso, repulsivo para ser falado, o
paciente resistia. Desse modo, a resistência aparecia como um sintoma importante, porque
detectava alguma fonte problemática que deveria ser tratada. Sendo assim, a percepção da
resistência era fundamental para o analista, ela provava que o caminho do tratamento estava
sendo coerente.

Outro aspecto fundamental do método psicanalítico freudiano é a lida com os sonhos. Freud
acreditava que o mundo onírico era provido de desejos e anseios inconfessos, reprimidos pelos
indivíduos e que, portanto, esse material era fundamental para o processo analítico. Para Freud,
os sonhos têm natureza dupla, uma manifesta e outra latente. Os conteúdos manifestos são
aqueles que o paciente é capaz de narrar, já os conteúdos latentes são aqueles ocultos, aqueles
que residem nas entrelinhas do material narrado. O trabalho do analista é o de partir do material
manifesto pelo paciente e atingir o material latente, procedendo por meio de interpretações
desse material oculto.

Na dinâmica relacional do consciente com o inconsciente, Freud formulou os elementos que


constituem a estrutura da personalidade, que são id, ego e superego. 

Para Freud, o id é a parte mais primitiva e de mais difícil acesso da personalidade humana, nele
estão manifestados instintos sexuais e agressivos. O id busca a satisfação completa, sem se
preocupar com as normas e as regras que regulamentam as dinâmicas sociais, ou seja, o id está
sempre em conflito com as posições morais estruturadas pela sociedade. Sobre o id, Freud
escreveu: “Chamamo-lo de caos, um caldeirão repleto de fervilhantes excitações” e acrescentou
que o id “não conhece juízos de valor, nem o bem e o mal, nenhuma moralidade” (FREUD
apud SCHULTZ; SCHULTZ, 1991, p. 343).

No processo de redução da tensão, o id precisa necessariamente se relacionar com o mundo


real, com as regras e normas para poder atender à sua energia libidinal. Essa dinâmica de relação
entre o id e a realidade é mediada por outro elemento, que Freud chamou de ego. O ego, portanto,
tem uma relação de dependência com o id, é um elemento que emprega sua força a partir dessa
derivação. Para Freud, nessa relação de dependência, o ego se submete ao id, tentando
proporcionar-lhe prazer, ou seja, tentando reduzir a tensão da energia libidinal.

O terceiro elemento que constitui a estrutura da personalidade freudiana é o superego. Esse


elemento se origina e se desenvolve na infância, quando a criança assimila as regras de conduta
social passadas pelos pais mediante um sistema de recompensas e punições. Nesse sistema, os
comportamentos incorretos, que geram punições, moldam a consciência (uma parte do
superego); e os comportamentos corretos, que geram recompensas, moldam o ego ideal (a
outra parte do superego). O superego se constitui, portanto, por meio das restrições morais
determinadas pelos pais na infância; e depois, na fase adulta, por procedimentos de
autocontrole. E nesse sentido ele está, ao contrário do ego, em constante conflito com id e, por
conseguinte, com a energia libidinal. 
Figura 4 – KHNOPFF, Fernand. The Veil
Fonte: Wikimedia Commons
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ʪ Material Complementar

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta


Unidade:

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Uma psicanálise dos afetos | Maria Homem


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O QUE É A REALIDADE? | DANIEL OMAR PEREZ

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  Leitura  

Maria Rita Kehl: A Mínima Diferença 

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ACESSE
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ʪ Referências

ANDERY, M. A. P. A.; MICHELETTO, N.; SÉRIO, T. M. de A. P. O pensamento exige método, o


conhecimento depende dele. In: ANDERY, M. A. P. A. et. al. Para compreender a ciência: uma
perspectiva histórica. 4. ed. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1988.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de


psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CANGUILHEM, G. O. Que é a Psicologia?. In: CANGUILHEM, G. Estudos de História e de Filosofia


das Ciências. Rio de Janeiro: GEn: Forense-Universitária, 2012. p. 401-418.

KELLER, F. S. A definição da psicologia: uma introdução aos sistemas psicológicos. Tradução


Rodolpho Azzi. São Paulo: EPU, 1974.

PEREIRA, M. E. M.; GIOIA, S. C. Do feudalismo ao capitalismo: uma longa transição. In: ANDERY,
M. A. P. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 4. ed. Rio de Janeiro:
Espaço e tempo, 1988.

RUBANO, D. R.; MOROZ, M. O conhecimento como ato da iluminação divina: Santo Agostinho. In:
ANDERY, M. A. P. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Espaço e tempo, 1988.

RUBANO, D. R.; MOROZ, M. Razão como apoio à verdade de fé: Santo Tomás de Aquino. In:
ANDERY, M. A. P. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Espaço e tempo, 1988.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da psicologia moderna. Tradução Adail Ubirajara Sobral
e Marta Stela Gonçalves. Revisão Técnica Maria silva Mourão. São Paulo: Editora Cultrix, 1981.

TOFFLER, A. A terceira onda. Tradução João Távora. Rio de Janeiro: Record, 1980.

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