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INTRODUÇÃO
Uma grande gama de filósofos durante a extensa trajetória percorrida pela
filosofia desde sua gênese na Grécia antiga até a contemporaneidade, se ocupou e
propôs-se a discorrer acerca de questões voltadas para o corpo; para o papel desse
agente dotado de racionalidade e sensitividade. São plurais e vastas as vertentes
interpretativas acerca dessa questão, permeando as diversas áreas do conhecimento.
Todavia, o foco de nossa proposta investigativa versa sobre a discussão do corpo a
partir da filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Dito isto, por que pensar sobre o corpo e por que o conceber a partir da ótica
elaborada pela filosofia nietzschiana? São duas proposições que certamente irão surgir e
darão um norte conceitual para a justificação dessa proposta investigativa. Uma parcela
considerável da produção filosófica na contemporaneidade se propôs a investigar
questões voltadas para o corpo na filosofia nietzschiana, como por exemplo, a produção
recente de Miguel Angel de Barrenechea1, que se debruçou sobre a concepção
nietzschiana e servirá como um dos aportes teóricos no desenvolvimento dessa
pesquisa.
Discorrer sobre a problemática do corpóreo partindo do viés nietzschiano será
o principal escopo teórico dessa pesquisa, posto que visa desenvolver e problematizar a
forma como Nietzsche concebe em seus escritos a existência do corpo como instância
sensível e intelectiva da realidade e a crítica 2 que o filósofo empreende a uma das
principais interpretações dessa instância, a saber, a socrático-platônica; que se
apresentará como oposta à que propomos elucidar.
Antes, faz-se necessário, um desenvolvimento panorâmico do objeto principal
de nossa investigação e da vertente principal criticada por Nietzsche, uma vez que esta
abordagem tanto busca explicitar o que anteriormente foi dito, como também o
tratamento que o corpo recebeu pela metafísica socrático-platônica, de modo a
demonstrar não somente o gatilho conceitual dessa pesquisa, mas também expor que as
questões do corpóreo sempre estiveram presentes na filosofia desde sua gênese. Logo,
iniciaremos o primeiro ponto do projeto apresentando o modo como se deu a crítica da
1
Nietzsche e o corpo (2017) / Nietzsche e a alegria do trágico (2014).
2
Apesar de considerarmos a crítica de Nietzsche já esmiuçada em trabalhos dessa natureza, ela se
justifica por ser o estopim do que será propriamente a hipótese central desse texto. E dada a sua profunda
relevância no corolário teórico nietzscheano.
filosofia nietzschiana à cisão metafísica do corpo, que foi elaborada por Platão em
escritos como Fédon. Dito isto, buscaremos argumentar acerca da proposta de
descontinuidade que Nietzsche nos apresenta nos moldes de sua crítica ao platonismo.
Partindo desse horizonte, a filosofia de Nietzsche inova e elabora um novo
caminho conceitual para o corpo e para a filosofia. Nesse sentido que se assenta a
hipótese principal desse projeto. Acreditamos que o autor elabora como contraponto as
filosofias dogmáticas uma postura epistemológica-existencial 3, considerando a alegria e
o riso como categorias do pensamento filosófico.
Nesse sentido, acompanhamos a perspectiva de Nietzsche, que rechaça 4 a
filosofia metafísica e dogmática em seu corpo teórico, ao afirmar o enlevo pelo efêmero
e momentâneo, em consonância com o próprio status finito da existência humana. Logo,
Nietzsche provoca um movimento de descontinuidade com a seriedade filosófica
constituída, ao propor uma filosofia zombeteira, sem por isso se tornar ingênua ou
incipiente. Desse modo, a alegria surge em sua filosofia como um acontecimento de
momento, e se configura como um êxtase corpóreo que, através da externalização do
riso, incita um outro modo de pensar à margem do academicismo.
Portanto, nesse aspecto contingencial acreditamos que resida a postura que
transita entre uma inclinação epistêmica por instigar e se relacionar com uma nova
perspectiva de compreensão filosófica, ao mesmo passo que é existencial por estar em
conexão o próprio viver.
JUSTIFICATIVA
3
Trata-se de uma conjectura proposta nesses termos, a filosofia nietzscheana não se refere a questão com
essa circunscrição semântica, apenas a escolhemos com o intuito de favorecer a compreensão desta
hipótese.
4
É importante mencionar que a metafísica estaria indiretamente presente nos textos de juventude do
autor, no período denominado de “metafísica do artista”, bastante influenciado por Richard Wagner e
Arthur Schopenhauer. Entretanto, esse aspecto ainda é fonte de debates.
Em conformidade com que propomos nos debruçar, nesse ponto do projeto
iremos nos ater a crítica 5 tecida por Nietzsche a vertente metafísica da Grécia antiga,
ancorada em Platão. Para em seguida estabelecer a conexão entre esse ponto e a postura
epistemológica-existencial que acreditamos que resida na filosofia do corpo pensada
pelo alemão. Sob o manto platônico, repousa uma primeira gênese conceitual de
concepção do corpo como dual. O filósofo grego irá estabelecer uma divisão do corpo e
da realidade em duas instâncias maniqueístas, alma em detrimento do corpo e ideal em
detrimento do real. Como expõe Robinson:
É manifesto que, para os gregos antigos (tal como retratado, por exemplo, nas
obras de Homero), o corpo consistia no eu “real” do indivíduo. Pode ser que
seu princípio vital (literalmente, “vida”, psyche) tenha sido considerado
diferente do corpo e até sobreviver à morte deste, mas isso era um consolo
pequeno; o que sobrevivia, o fazia num estado miserável e indesejável no
Hades, não importando a virtude do indivíduo sobre a terra. (ROBINSON,
1998, p.335)
O corpo deixa de ser esse “real” dos indivíduos e passará a ser um “algo” em
uma relação hierárquica com a instância que será denominada de alma, o corpo passa a
ser o menos importante na relação de produção de conhecimento, assim como os
sentidos e sensações provenientes desse corpo. Nas palavras de Platão:
Suponhamos que seja pura a alma que se separa do corpo: deste ela nada leva
consigo, pela simples razão que, longe de ter mantido com ele durante a vida
um contato voluntário, ela conseguiu, evitando-o, concentrar-se em si mesma
e sobre si mesma, e também pela razão de que foi para esse resultado que ela
tendeu. O que equivale exatamente a dizer que ela se ocupa, no bom sentido,
com a filosofia, e que, de fato, sem dificuldade se prepara para morrer.
Poder-se-á dizer, pois, de uma tal conduta, que ela não é um exercício para a
morte? (PLATÃO, 1973, p.146)
A alma não mantém um contato voluntário com o corpo, devendo buscar evitá-
lo para a obtenção do máximo de vantagens e o mínimo de malefícios dessa relação.
Nesse sentido, a proposição platônica explicita que a alma é a responsável pela
investigação do conhecimento, por isso deve se ocupar com a filosofia. Indo a diante e
demonstrando essa imbricação de instâncias como a espera da morte para a libertação
da alma desse corpo.
Sócrates está se utilizando de seu último discurso para demonstrar como a
morte não deve ser temida como o fim para o corpo, ao contrário, deve ser entendida
como um novo começo para a alma. Como propôs Platão:
5
Apesar da perspectiva nietzschiana não ser a única ou a mais consensual sobre a metafísica platônica,
esta é necessária por questões metodológicas nesse texto e pelo pensamento platônico ter permeado toda a
obra do filósofo alemão, desde sua juventude até os textos de maturidade.
Vou dizer-te. É uma coisa bem conhecida dos amigos do saber, que sua alma,
quando foi tomada sob os cuidados da filosofia, se encontrava
completamente acorrentada a um corpo e como que colada a ele; que o corpo
constituía para a alma uma espécie de prisão, através da qual ela devia
forçosamente encarar as realidades, ao invés de fazê-lo por seus próprios
meios e através de si mesma; que, enfim, ela estava submersa numa
ignorância absoluta.” (PLATÃO, 1973, p.149).
OBJETIVOS
Objetivo geral
Partir da crítica à metafísica platônica para afirmar uma postura epistêmica-
existencial que reside na alegria e no riso da filosofia do corpo pensada por Friedrich
Nietzsche.
Objetivos específicos
REFERÊNCIAS