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1 - Identificação
2 – Resumo
1
A relação do corpo com o espírito é um tema antiquíssimo na história do
pensamento e por isso existem diversos filósofos que trataram dessa questão em diversas
épocas diferentes da história. A fim de exemplificação é possível citar o De Anima do
Aristóteles1 ou as Meditações Metafísicas2 do Descartes. Posto que é um assunto que
acompanha toda a história da filosofia, o objetivo da pesquisa será verificar como Freud
na Interpretação dos Sonhos lida com esse problema. Pois, a psicologia é a ciência oficial
que tem por objeto de estudo a psique, o espírito. Entretanto, mesmo esse sendo o seu
fim, parece existir uma certa tendência na história da psicologia de analisar este fito
apenas como algo material, devido a uma certa herança positivista. Sobre essa questão
cito Canguilhem (1973) “A psicologia de reação e de comportamento, nos séculos XIX e
XX, acreditou-se tornar independente separando-se de toda filosofia, isto é, da
especulação que procura uma ideia de homem olhando além dos dados biológicos e
sociológicos”3. Essa psicologia da reação e do comportamento que ele comenta é uma
vertente muito famosa chamada de behaviorismo4 e a sua principal característica é a
analise empírica, ou seja, o que parece creditar a independência da psicologia em relação
a filosofia é um certo estudo de características que o autor chama de dados biológicas e
sociológicas, e, em ambas, tem uma forte expressão positivista que reduz tudo ao sensível.
Segundo Boring (1970) em sua famosa história da psicologia, ele comenta uma
proximidade do nascimento dessa ciência com a fisiologia, assim, nasce a psicofisiologia
atrelando a psique ao corpo, especificamente ao cérebro. Essa tendência empirista de
psicologia experimental certamente contribuiu com os avanços da medicina, sobretudo
da neurociência nos estudos da estrutura cerebral e das sinapses. Porém, essa maneira de
pensar a psicologia, atrelada a uma análise empírica, resulta algumas hipóteses, uma
delas, é que a consciência, a psique, que era o objeto inicial da psicologia, está no cérebro,
dessa maneira, quem quiser estudar um indivíduo deve conhecer bem o funcionamento
do cérebro. Como contraponto a esse pensamento, que deriva do corpo a alma, existirão
diversos autores como Merleau-Ponty5, Freud e Bergson que tratarão desse problema.
1
Sobre esse tema no Aristóteles cf. Livros I, II e III do De Anima e os comentários e notas de Maria
Cecília Gomes dos Reis na tradução do livro feito por ela e publicado pela editora 34.
2
Sobre esse tema no Descarte cf. Sexta Meditação in Meditações Metafisicas; traduzido por Maria
Ermantina Galvão - Martins fontes, São Paulo, 2005.
3
Canguilhem, 1973, p.11
4
Sobre essa vertente cf. Sobre Behaviorismo – Skinner. Traduzido por Maria da Penha Villalobos.
Editora Cultrix, São Paulo, 2009.
2
5
Sobre uma critica a psicofisiologia cf. A Estrutura do Comportamento – Merleau-Ponty. Traduzido por
Marcia Valeria Martinez Aguiar – Martins Fontes, São Paulo, 2006.
Nos interessaremos agora por Bergson e Freud. Usaremos os dois como aporte para
apresentar uma certa resistência a essa tendência psicofisiologista de pensar a psique ou
o espirito humano como derivada do cérebro. No livro Matéria e Memória de Bergson
ele apresentará uma outra interpretação da relação do corpo com o espirito na história da
filosofia e na ciência de sua época. O livro A Interpretação do Sonhos de Freud
apresentará como um psicólogo, não um filosofo, se situa nesse debate sobre a relação
entre o corpo e o espírito. Esse livro é importante na história da psicanálise porque é ele
quem inaugura um novo método e uma nova ciência alterando assim o modo no qual se
concebe os fenômenos psíquicos, o método psicanalítico do Freud é discutido ate hoje
pelos psicanalistas posteriores a ele. Para além de seu valor histórico, usaremos a
“Interpretação” para apresentar a maneira pela qual o Freud colocava o problema da
relação entre o corpo e o espirito, assim, buscaremos apresentar como a sua resposta a
essa questão é um contraponto a psicofisiologia da época.
Nesse trecho o autor contextualiza o debate sobre as teorias possíveis de sua época
sobre a relação do corpo com o espirito e comenta que todas elas teriam em comum uma
tese psicofisiológica, ou seja, todo o fenômeno psíquico deve ter uma relação ou
explicação física. Desta tese, ele comenta que a solidariedade, a relação entre corpo e
mente era explicada em duas hipóteses: a primeira; a “epifenomenista”, derivaria a
consciência do cérebro, e, dos estados cerebrais, os processos fisioquímicos que ocorrem
nele a nível atômico resultariam na consciência. A segunda; a “paralelista”, compreende
a consciência e o corpo como traduções diferentes, expressões diferentes de uma unidade
original. Nota-se que em nenhuma delas existe uma explicação clara sobre como que
acontece a conexão entre corpo e espírito. Porém, além disso, existe outra coisa que eles
têm em comum, pois, “tanto num caso como no outro, se pudéssemos penetrar no interior
de um cérebro que trabalha e assistir ao fogo cruzado dos átomos que formam o córtex
3
cerebral saberíamos em detalhe tudo o que se passa na consciência correspondente6”.
Como ambas as teses são de uma teoria psicofisiologista, elas derivam do funcionamento
do cérebro a consciência, assim, do corpo, deriva-se o espírito, mesmo não sabendo
explicar de forma clara como que se dá essa conexão. Porém, esta tese psicofisiológica
não convence o autor e ele apresentará uma objeção a ela:
6
(BERGSON, 2011, p. 4)
7
Cf. Meditações Metafisicas
4
consegue explicar, e por isso, deduzem apressadamente um do outro. É dessa filosofia
que Bergson acha que decorre a impossibilidade de uma resposta plausível, pois, devido
a um certo pressuposto filosófico da ciência, pressuposto esse que é cartesiano, a conexão
entre o físico e o psíquico fica impossibilitada de ser explicada de forma clara. E dessa
distinção cartesiana (corpo e mente), Bergson dirá que a ciência a toma como um
pressuposto dado, pois, ao se analisar determinado fenômeno, não se analisa com o corpo,
mas com o conhecimento, assim, parece que é natural uma diferença entre corpo e a
mente, e a comunicação entre ambos é um enigma que a ciência só responderia assim,
que decore do cérebro a consciência, porquê toda hipótese precisa ter um fundamento
empírico devido a uma herança positivista. Não seguirei adiante na argumentação
Bergsoniana sobre o problema do corpo com o espirito pois o objetivo dessa apresentação
não é esgotar a solução do Bergson para este problema, mas sim, a de apenas elucidar
uma crítica a uma visão de ciência psicológica baseada na psicofisiologia que toma o
cérebro como gerador do espírito.
Nesse balanço feito pelo autor é possível identificar que em toda literatura sobre
o sonho tem-se uma grande lacuna a cerca de sua fonte, pois, tudo que tem na literatura
classifica a fonte dos sonhos como; “sonhos provocados por estímulos nervosos”8seja
interno, do próprio corpo, ou externo, advindo do ambiente, assim, resume-se
8
FREUD, 2019, p.57
5
basicamente o material gerador do sonho a estímulos sensíveis. O Freud comenta que essa
é uma caraterística comum dos autores, “diminuir da maior forma possível a parte
psíquica na estimulação onírica”9. Contra essa tendência reducionista, que resume o
fenômeno a um estimulo sensível, ele adiantará no capitulo um sobre qual será a sua
interpretação do enigma a respeito das origens do sonho, que é “a descoberta de uma
insuspeitada fonte psíquica de estimulo”10. Se, em toda literatura estudada ele percebeu
uma tendência argumentativa dos psicólogos em reduzir o fenômeno estudado ao
aparelho sensível, ao responder à questão de que a fonte do sonho deriva de um estimulo
psíquico e não sensível, ele vai na contra mão do pensamento de sua época. Sobre essa
tendência em reduzir o psíquico ao somático ele comenta:
Nesse trecho é possível constatar que o Freud atribui essa redução do psíquico ao
físico como um receio dos psiquiatras de retornarem a filosofia, porém, da forma
colocada, parece que a psicologia só ganha independência da filosofia na media em que
ela tem um objeto empírico que é verificável, assim, qualquer grau de suposição
metafísica geraria uma recusa imediata por parte dos psicólogos. Entretanto, o Freud não
parece se importar com esse receio, ele não parece precisar colocar a psique sobre tutela
como fazem os outros psicólogos, pelo contrário, ele parece conceber bem a ideia de uma
faculdade psíquica, e o final da citação é bem interessante pois ele fala de uma
justificativa causal entre psíquico e somático, ele não parece deduzir um do outro. Assim,
concebendo uma faculdade psíquica o autor se distancia dos psicólogos da época e
fundará o que será concebido como psicanálise.
9
Idem
10
FREUD, 2019, p. 58
6
consciência. Como exposto no percurso, tanto Bergson quanto Freud desenvolveram um
pensamento novo e inovador indo na contra mão dessa propensão e concebendo uma
faculdade física e psíquica. A ideia dessa pesquisa é, portanto, ver no conjunto do livro
de Freud como que se dá essa tensão entre corpo e mente, pois, o autor irá construir uma
ciência nova. Assim, constatar todas as tensões e os problemas que decorrem do ponto de
vista que distância o Freud da psicologia de sua época servira para continuar o debate na
nossa, existe algo de atual no Freud que pode ser estudado. Feito o trabalho de ler essa
obra clássica que é a Interpretação, outra parte da pesquisa contará em recolher e analisar
o impacto da obra na literatura, por exemplo; como os autores interpretaram o livro?
Quais problemas ele solucionou e quais ficaram em aberto? Quais problemáticas novas
surgiram? Tem-se textos clássicos como o de Ricoeur (1977) – Da interpretação: ensaio
sobre Freud e Politzer (1994) – Crítica dos fundamentos da psicologia. A psicologia e a
Psicanalise que evidenciam o impacto da “Interpretação” na sua época, afinal, filosofia
da psicanalise é uma nova área da filosofia. Dessa maneira, ao ler o livro e reunir uma
bibliografia sobre comentários dele é possível fomentar um debate clássico na história do
pensamento, a relação entre corpo e espírito, e apresentar novas interpretações possíveis
do problema.
4 – Objetivos
7
Período Atividade
6 - Material e métodos
Como referido alhures nos objetivos da pesquisa, a análise dos textos consistirá
em uma proposta de interpretação crítica do problema estudado, seja no livro do Freud
ou nos comentadores de sua obra. Essa proposta de interpretação do problema tratado que
culminará no relatório final será apresentada e debatida no Congresso acadêmico da
8
Unifesp e poderá ser apresentado e debatido também em grupos de estudos vinculados ao
programa de pós-graduação em Filosofia da Unifesp.
8 - Referências Bibliográficas.
BERGSON, Henri. Matéria e Memória. Tradução de Paulo Neves. São Paulo, Martins
Fontes, 2005.