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Capítulo 1

A relação entre os saberes


construídos pela Psicologia, o
Direito e as práticas judiciárias

Habilidades Com o estudo deste capítulo, você desenvolverá as


habilidades de situar historicamente a constituição
da Psicologia como campo do conhecimento
e identificar as relações entre a Psicologia e as
práticas judiciárias.

Seções de estudo Seção 1: Breve história da constituição da


Psicologia como campo do conhecimento

Seção 2: A constituição do sujeito

Seção 3: A Psicologia e as práticas judiciárias

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Capítulo 1

Seção 1
Breve história da constituição da Psicologia
como campo do conhecimento
O ser humano é um ser histórico. Ele constitui a história e é por ela constituído,
como afirmava Rousseau. Deste modo, para compreender o ser humano,
é necessário estudar sua história, da mesma forma que, para buscar um
entendimento ou conhecimentos sobre a humanidade, é necessário estudar sua
história. Estando o modo de agir e pensar humano condicionado pelo tempo, a
“essência” ou substância humana é a própria história.

Neste sentido, Heller (1985, p. 2) afirma:

A história é a substância da sociedade. A sociedade não dispõe


de nenhuma substância além do homem, pois os homens são os
portadores da objetividade social, cabendo-lhes exclusivamente
a construção e transmissão de cada estrutura social.

A busca do ser humano pelo entendimento de sua condição remonta aos


primórdios da história. De acordo com Marx (2002), na história, os vivos convivem
com os mortos, e é exatamente essa condição que nos permite dizer que as
ideias não morrem com seus autores ou que “a roda não precisa ser reinventada”,
pois é o acúmulo de conhecimento que permite lançar luz sobre a conjuntura e
contingências contemporâneas.

No decorrer dos séculos, os diversos filósofos, em suas respectivas épocas,


esforçaram-se na busca da compreensão do ser humano em suas múltiplas e
distintas dimensões. Se nos reportarmos à Filosofia Grega, encontraremos ideias
e temas que, hoje, se constituem nos objetos de estudo da Psicologia.

Como ilustração, destacam-se algumas ideias sustentadas por dois pensadores


pré-socráticos (nome atribuído aos pensadores que viveram antes de Sócrates):
Anaxímenes e Anaximandro (ambos do século VI a.C.), os quais afirmam ser
a alma o “ar”, o sopro que dá vida aos seres, o hálito vital ou a psyché. Na
compreensão desses filósofos, este último termo, que, em um primeiro momento,
quer significar “sopro” em geral, passa a denotar algo como hálito ou alento dos
seres que têm vida; posteriormente, a própria vida; e, por fim, o princípio da vida,
ou seja, a alma.

O termo psicologia, etimologicamente o “estudo da alma”, se origina da junção


entre o composto de psic(o) + logia, onde psyché = alma e logos = razão,
conhecimento.

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Psicologia Jurídica

Embora o termo psicologia tenha permanecido para designar essa área da


ciência, o seu sentido original, qual seja, o estudo da alma, evidentemente deixou
de constituir uma preocupação entre os psicólogos na atualidade, pois alma
refere-se a um termo ligado ao conhecimento religioso e não se constitui objeto
de estudo das ciência humanas.

Foi com Sócrates (469 a 399) que a filosofia se voltou para o estudo da
consciência humana, imprimindo a essa área do conhecimento um caráter
antropológico, ou seja, colocou o ser humano como seu objeto central de estudo.
Introspecção Pode-se Assim, ao propor a máxima de que o ser humano deveria
definir introspecção “conhecer a si mesmo” pelo método da introspecção,
como uma auto-
buscar, dentro de si, a verdade que lá se encontra,
observação, ou
em outros termos, Sócrates firmou as bases do que mais tarde se tornaria
uma observação a Psicologia. Além disso, ao introduzir a ideia do ser
da “vida interior” humano como um ser racional, ou seja, dotado de uma
feita pelo próprio
capacidade singular que o distingue da natureza, Sócrates
sujeito, ou ainda,
um autoexame dos acaba por figurar como um dos precursores do estudo da
próprios pensamentos consciência; e a consciência, por sua vez, configura-se
e sentimentos. num dos objetos primordiais da Psicologia.

Platão (427 a 347 a.C.), discípulo de Sócrates, postula a ideia de que o ser
humano é constituído por duas essências: o corpo e a alma, sendo esta última
imortal. Assim, ao morrer, o ser humano “perde” apenas o seu corpo, já que sua
alma, imortal, permanece livre para habitar outros corpos. A alma constituiria a
essência eterna do homem e, como tal, poderia transcender o mundo das coisas
físicas, o mundo sensível, ou seja, o mundo governado pelos sentidos humanos.
Daí a pouca importância dada por Platão ao conhecimento adquirido por meio da
experiência, já que, sendo o conhecimento empírico sujeito à variabilidade, não
seria confiável, pois a verdade deve, necessariamente, ser perfeita e imutável. Se
o mundo dos sentidos fornece informações contraditórias, não devemos confiar
neles, os sentidos, como guias para encontrar a verdade. Então, nossa única
fonte de verdades certas e confiáveis seria a razão. Essa teria condições de
fornecer informações corretas sobre as coisas, já que independem da verificação
dos sentidos e podem ser encontradas pelo exercício do raciocínio, sem nos levar
ao engano das contingências.

Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, defende uma posição diferente ao postular
a ideia relativista de que o ser humano é constituído por um par indissociável,
composto por forma e matéria, sendo que uma está sempre em relação com a
outra. Se considerarmos a alma (forma) e o corpo (matéria) como indissociáveis,
na morte a alma pereceria junto ao corpo e, portanto, a ideia da imortalidade da
alma não teria respaldo. Se a alma não é imortal, ser humano ao nascer seria
como uma “tábula rasa” e precisaria aprender tudo por meio das experiências. Do
pensamento aristotélico se pode inferir, por consequência, uma tese empirista

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Capítulo 1

para a Psicologia, ou seja, a ideia de que o homem adquire conhecimento por


meio das experiências a que é submetido.

A discussão das temáticas apresentadas sobre a interioridade humana continua


ao longo do Império Romano e Idade Média, especialmente no que se refere à
separação entre alma e corpo. Tiveram em Santo Agostinho e São Tomás de
Aquino seus expoentes.

Quadro 1.1 – Contribuições dos filósofos para a formação da Psicologia

Filósofo Contribuições para a formação da Psicologia


Sócrates Postula que a principal característica do homem é a
(469 – 399 a.C.) razão e que esta o diferencia de outros animais.

Platão Concebe a razão (alma) separada do corpo, tendo como


(427 – 347 a.C.) elemento de ligação a medula. A razão se localizaria na
cabeça. Para ele, as ideias ou características humanas
eram geradas a partir do próprio interior do homem.

Aristóteles Alma e corpo não podem ser dissociados. Para ele, a


(384 – 322 a.C.) psyche seria o princípio ativo da vida. O homem possuiria
a alma racional, com a função pensante. Estuda os
fenômenos de sensação e percepção (órgãos dos
sentidos). Reconhece a influência dos fatores externos
que são percebidos pelos órgãos sensoriais. Considerado
o pai da Psicologia por ter escrito o tratado De Anima.

Santo Agostinho Defende a cisão entre alma e corpo. Alma como prova
(354 – 430) da manifestação divina no homem.

São Tomás de Aquino Discute a relação essência / existência. O homem, na


(1225 – 1274) sua essência, busca a perfeição através da existência,
que seriam unidas pelo encontro com Deus.
Fonte: adaptado de Bock (2002).

Tais ideias, tais conhecimentos, embora remotas, são fundamentais e determinam,


ainda hoje, as compreensões e debates sobre a condição humana. A ideia
platônica de imortalidade da alma pode servir de amparo aos que defendem
a tese do inatismo em Psicologia, ou seja, de que o ser humano pode ter
características pessoais subjetivas antes mesmo de vivenciar qualquer
experiência, já que essas lhe seriam inatas. De onde poderiam vir? Sendo a
alma imortal e a “portadora” da razão, o homem seria racional desde sua origem,
independente de suas vivências e interações com outros seres humanos que lhe
ensinariam as características próprias da humanidade, como o uso da razão.

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Psicologia Jurídica

Enfim, considerando as ideias dos gregos sobre alma, sua mortalidade e


imortalidade, podemos compreender algumas posturas atuais, presentes no
senso comum, em algumas teses místico-religiosas e, também, no discurso
científico, sobre o ser humano ter características psicológicas inatas.

Ambas as ideias de imortalidade da alma e sua capacidade de reencarnar


prevalecem hoje ainda em muitas religiões e servem de base para vários
argumentos os quais propõem que o ser humano possui características pessoais
inatas, ou seja, há nele uma essência natural que em nada depende das
experiências que vivencia ao longo da vida.

A partir do século XVIII, em decorrência das transformações da humanidade


desencadeadas pelo Renascimento, tem-se o nascimento das ciências modernas.
Com elas passou-se a buscar respostas e explicações a questões até então sem
resposta. Para os cientistas, é necessário compreender os fenômenos, conhecer
o seu padrão de ocorrência. Os estudos sobre esses e tantos outros tipos de
fenômenos nos conduzem à formulação de explicações. Assim, surge o segundo
elemento constituinte das ciências: a Teoria.

Os fundamentos teóricos de uma ciência acabam tendo por finalidade a


tentativa de explicar aqueles objetos de estudo que surgiram causando dúvidas,
inquietações e despertando a curiosidade científica dos pesquisadores. Algumas
explicações teóricas são meramente descritivas. Outras conseguem explicar a
ocorrência ou, até mesmo, descrever e prever a próxima realização do evento.
Nossos astrônomos, ao explicarem um de seus objetos de estudo – os eclipses –
nos asseguram com bastante precisão o que é, como, por que acontece e, até
mesmo, o momento exato em que ocorrerá o próximo. Isso é fazer ciência!

As propostas teóricas não são verdades absolutas, inquestionáveis e eternas. As


teorias que explicam os fenômenos podem variar ao longo do tempo. Veja, por
exemplo, a clássica visão do modelo geocêntrico do século XVII, que, de forma
até então indiscutível, afirmava girar o Sol ao redor da Terra, ou seja, a Terra
era o centro do universo. Ora, sem grandes estudos científicos, seria mesmo
inquestionável explicar que o Sol gira ao redor da Terra, posto que nasce de um
lado da montanha e se põe no lado oposto, fazendo um arco no céu. Hoje, após
as contribuições de Copérnico, Galileu e outros que até mesmo chegaram a
pagar com a própria vida, como Giordano Bruno, conhecemos que não é o Sol
que gira ao redor da Terra, mas, ao contrário, é a Terra que gira ao redor do Sol.
Isso ficou conhecido como modelo Heliocêntrico (o Sol é o centro).

É por isso que as propostas teóricas precisam ser constantemente verificadas,


testadas e, se necessário, reformuladas com as novas evidências e descobertas.
Para tanto, os cientistas precisam de um caminho, um processo que utilize
técnicas para investigar se as teorias explicam, de fato, os fenômenos que estão

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Capítulo 1

sendo estudados. Com isso, destacamos o terceiro e último elemento necessário


para que um campo de conhecimento se defina como uma ciência: o Método.

A trajetória da Psicologia até ser reconhecida como ciência passou,


essencialmente, pela mesma busca vivida por qualquer área do conhecimento
que se pretendia científica, qual seja, a necessidade de delimitar um objeto
próprio, delinear um método e propor um corpo teórico capaz de explicitar
claramente seus pressupostos.

Como ciência, a Psicologia possui certas singularidades entre as demais. Em sua


área de abrangência, ela abarca conhecimentos que são partilhados por outros
domínios e formas de conhecimento humano, como o senso comum, por exemplo.
O senso comum vai do hábito à tradição, passando de geração em geração. É uma
das formas de conhecer a realidade, um saber desordenado e perpetuado pelo
relato das pessoas que ouviram sobre o assunto ou que viveram a situação.

Embora perfeitamente válido para o uso nas situações, pode-se afirmar que o
senso comum incorpora os conhecimentos, mudando as formas de ver e agir
no mundo. Você provavelmente já deve ter ouvido falar de pessoas loucas ou
neuróticas desprovidas da noção realista do que estão falando. Deve também
ter ouvido algo como “todo filho adotivo é problemático”. Esses são saberes do
senso comum que, embora sejam funcionais nas relações sociais, nada têm de
científico em Psicologia.

Nesta explicação, entende-se como variáveis os aspectos, características,


propriedades ou fatores, que podem ser descritos ou medidos, por meio dos
quais um fenômeno é constituído.

Mas, em que essa forma de conhecimentos se diferencia do saber científico?


Embora as bases para essas respostas possam ser bastante amplas e complexas,
podemos, de maneira sintética, para os propósitos deste espaço, explicitar
os elementos essenciais que fundamentam um conhecimento científico em
Psicologia. Trata-se, basicamente, de um saber que busca conhecer e controlar
as variáveis ou, em outras palavras, deseja compreender a complexidade dos
fenômenos psicológicos para poder atuar sobre eles, de modo a ter o maior
controle possível.

Em que consiste ou em que consistem os objetos com os quais a


Psicologia trabalha?

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Psicologia Jurídica

Você poderia responder: o ser humano é o objeto de estudo da Psicologia! Ora,


mas esse é o objeto de estudo de outras áreas do conhecimento, como por
exemplo, a Sociologia, a Antropologia, a Biologia e a própria Filosofia. Então,
este objeto não está claramente identificado e exclusivo para que a Psicologia se
estabeleça como ciência.

A Psicologia é constituída por diversas matrizes teóricas, chamadas de


abordagens ou simplesmente teorias, que lhe conferem uma amplitude de
objetos definidos para seus estudos. É nesse sentido que se pode afirmar que,
dependendo da teoria, há diferentes objetos de estudo.

Para a teoria psicanalítica, a pergunta quanto ao objeto de estudo apontaria o


inconsciente como resposta. Se a mesma pergunta sobre o objeto de estudo
fosse feita para o Comportamentalismo (outro sistema teórico, também chamado
de Behaviorismo), a resposta apontaria para o comportamento.

Com complexas formulações biopsicossociais, podemos destacar algumas


teorias em Psicologia, tais como: a psicanálise freudiana, o behaviorismo de
Skinner, a epistemologia genética de Jean Piaget, as teorias da motivação,
liderança, desenvolvimento da personalidade, inteligência emocional, depressão,
gerenciamento de grupos, cooperação e competição, entre outras.

Assim se encerra esta primeira seção, que pretendeu levá-lo a situar a


constituição da Psicologia como um campo de conhecimento autônomo.

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Capítulo 1

Seção 2
A constituição do sujeito
Há diferentes possibilidades de explicar a forma como os seres humanos se
estruturam como sujeitos. Encontram-se discussões sobre essa questão na obra
de pensadores do início da modernidade, desde Descartes até Locke, Rousseau
e Kant, que estabeleceram um entendimento sobre o processo de humanização e
serviram de inspiração para diversos autores que constituíram, posteriormente, o
campo do conhecimento da Psicologia.

Nesse debate, duas teses estão presentes: a de que os seres humanos já nascem
humanos e a de que se tornam humanos. O que prevalece na modernidade é a
ideia de uma humanidade construída pelo próprio ser humano, mesmo que isso
não equivalha a aceitar que a humanidade seja só fruto dessa construção. Nas
formulações de Descartes, o eu já existia desde o nascimento e, depois, cada vez
mais, o eu passou a ser entendido como algo adquirido, como em Locke, com
a teoria da tabula rasa; e, Rousseau e Kant que asseveraram a importância da
educação na formação do homem e do cidadão.

A Psicologia, como já vimos anteriormente, constituiu-se como ciência autônoma


no final do século XIX e, desde os primeiros tempos, buscou explicar, dentre outras
questões que lhe são afetas, o desenvolvimento humano a partir da chamada
“Psicologia do Desenvolvimento”. De modo geral, as discussões sobre a estruturação
dos sujeitos estão centradas nos determinantes desse processo, ou seja, nas
diferenças dos graus de determinação biológica e das influências da cultura, fatores
que determinam a direção das teorias sobre o desenvolvimento psicológico.

Freitas (2000) afirma, por exemplo, que, a partir da ênfase dada a um ou outro
determinante, pode haver quatro agrupamentos das teorias do desenvolvimento
psicológico: o “objetivismo”, pautado no cientificismo com a valorização da
experimentação, tem influência do individualismo-liberalismo, entende a pessoa
como algo que pode ser observado e entendido a partir de seu comportamento
manifesto e baseia-se na ideia de que todo o conhecimento provém da
experiência. A partir dessas teorias, é possível a mediação e classificação por
meio dos testes psicológicos; já o “subjetivismo” parte da ideia da autonomia do
ser humano, do homem livre e sem a determinação do meio em que vive,
sustenta-se na ideia de que o conhecimento é anterior à experiência. O
desenvolvimento do sujeito está colocado, grosso modo, como uma adaptação
de suas tendências inatas ao meio; além desses dois grupos, tem-se outro que
aponta a “interação entre o objetivismo e subjetivismo”, explicando que o
desenvolvimento, com maior ênfase no desenvolvimento cognitivo, surge da
interação do sujeito com o meio, a partir de desequilíbrios causados pelo meio e

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Psicologia Jurídica

da busca de um novo equilíbrio. O movimento de desenvolvimento se dá com


ações recíprocas do sujeito sobre o objeto e do objeto sobre o sujeito. Por fim, o
quarto agrupamento, denominado como “rompimento inovador”, que, a partir da
consideração de que as concepções anteriores são fragmentadas, a-históricas e
abstratas, busca uma forma de entender a formação do sujeito a partir da
linguagem. Afirma Japiassu (1975. p. 121) “[...] a única ciência possível é a do
sujeito que se ocupa com a produção da linguagem.”

Drogadição ou Embora, em diversas correntes teóricas das ciências


toxicodependência humanas e da psicologia em especial, se aceite a
é termo genérico
criado para conter
concepção de que o ser humano é fruto de sua experiência
toda e qualquer na cultura, vale lembrar que as neurociências vêm
modalidade de vício divulgando, com grande intensidade, pesquisas que
bioquímico por parte
afirmam ser de ordem natural muitos dos comportamentos.
de um ser humano
ou a alguma droga Nas pesquisas envolvendo adolescentes, essa concepção
(substância química) é marcante na busca de determinações biológicas para as
ou à superveniente causas de agressividade, violência, homossexualidade e
interação entre drogas
drogadição, por exemplo. Nestes casos, a explicação dos
(substâncias químicas),
causada ou precipitada atos considerados antissociais – ou anormais – recai sobre
por complexo de fatores naturais, reiterando a existência de uma natureza
fatores genéticos, humana.
biofarmacológicos e
sociais, incluídos os
Existem mitos e crenças relativos ao ser humano
econômico-políticos.
– oriundos da Filosofia –, e que influenciaram
significativamente as ciências humanas e a Psicologia
particularmente. José Bleger (1987) afirma que tais mitos têm em comum o fato
de proporem a ideia de que o ser humano possui uma natureza, isto é, há uma
essência original e pronta antes mesmo do nascimento.

Mito do homem natural – tal ideia concebe o homem como um ser possuidor de uma
essência natural que o caracteriza como bom, ou mau. É o convívio com a sociedade
que irá transformá-lo, podendo, portanto, afastá-lo de sua condição natural.

Mito do homem isolado – esta ideia propõe o homem como um ser


originariamente isolado e que vai, ao longo de seu desenvolvimento, construindo
a necessidade de se juntar e se relacionar coletivamente com os outros homens,
necessitando de um instinto especial, denominado “instinto gregário”, para
conseguir se relacionar com seus pares e, com isso, formar uma sociedade.

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Capítulo 1

Mito do homem abstrato – tal ideia concebe o homem como um ser que
independe da cultura ou ambiente em que está inserido, ou seja, o homem aparece
com um ser cujas características definidoras não são formadas pelas circunstâncias
em que vive. Seria algo como um ser separado das condições sociais e históricas e,
por consequência, alguém que poderia ser definido sem se levar em consideração
a trajetória singular de vida. Em outros termos, seria como se disséssemos que
um homem é o que é, independentemente da época e do lugar. Neste caso, por
exemplo, ser homem no Brasil do século XXI seria a mesma coisa que ser homem
no Japão durante a Idade Média. Enfim, os atributos humanos seriam, nesta
concepção, universais.

Dito de outra forma, é recorrente o debate sobre a determinação das condutas


humanas, se a influência da natureza ou da cultura é maior, havendo hoje
inúmeros estudos que dão ênfase maior à natureza, destacando a existência
de uma natureza humana, que reporta a uma natureza biológica e que sustenta
a necessidade de que ela seja domada, dominada, e de que, quanto menos
natural se é, melhor. Para ilustrar, tem-se a fala de César (2008), o qual sustenta
que, nesse debate, na formulação do discurso científico sobre a adolescência, a
importância das determinações culturais foi naturalizada. Utiliza como exemplo
a apropriação do conceito de instinto, que, tomado da psicanálise e empregado
superficialmente pela Psicologia do Desenvolvimento, justificou a constituição
psicológica do adolescente como muito próxima da natureza animal. Para a
autora, a Psicologia do Adolescente acreditava que: “Por ser o adolescente
um ser ainda próximo da animalidade, mas a caminho de se tornar um adulto
racional, o treinamento desse indivíduo seria a única forma de transformá-lo em
um adulto maduro e saudável.” (CÉSAR, 2008, p. 70).

Esses debates remetem a pensadores que, desde o século XVI, dedicaram-se a


discutir educação, embora eu considere impossível negar a influência das ideias
vindas dos períodos clássico e medieval.

Comênio, com base na compreensão de que as crianças eram seres inferiores


e que a sua socialização deveria ser a preparação para viver numa sociedade
estritamente hierarquizada, pensava a criança como algo a ser modelado,
enchido, preenchido. Sua orientação tem como referência o princípio da natureza
humana pervertida, corrompida pelo pecado original.

Locke substitui a visão pessimista da infância, portadora do pecado original, pela


perspectiva da tábula rasa ou da folha em branco, sendo tarefa da educação
modelar a conduta e a formação do espírito, além de estabelecer nos jovens bons
hábitos, os princípios da virtude e da sabedoria.

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Psicologia Jurídica

Rousseau sustenta que o homem é bom por natureza e que a sociedade o


corrompe. Afirma que, ao abandonar o estado natural e para participar do estado
civil, o homem adquire liberdade moral, única a torná-lo verdadeiramente livre,
pois a liberdade consiste na obediência à lei que se estatuiu a si mesmo.

Inspirado nas ideias de Rousseau, de quem foi leitor entusiasta, Kant afirma
que a educação tem como finalidade conciliar a submissão e as determinações
morais ao uso da liberdade. Para ele, a educação para a liberdade é o fim último
da humanidade, sendo a responsável pela saída do homem de sua animalidade
através da conquista da liberdade como autonomia da pessoa humana.

É importante ressaltar que, de modo geral, para os modernos o homem não


nasce humano, mas se torna humano por sua ação, individual ou social, sendo
secundária a ideia de que ele é bom ou mau por natureza ou se nem bom nem mau.

Em síntese, não há na Psicologia, unanimidade de ponto de vista quanto à


determinação das condutas humanas ou quanto à existência, ou não, de uma
natureza humana.

Isto quer dizer que, dependendo dos pressupostos epistemológicos em que se


baseia, cada perspectiva teórica propõe teses, por vezes, divergentes sobre o
mesmo assunto.

Assim, ao estabelecer uma discussão sobre a existência de uma natureza


humana ou da condição humana, é preciso esclarecer de antemão que se parte
sempre de premissas diferentes. No presente caso, a ideia que serve de base
para a discussão a seguir diz respeito a uma concepção de ser humano que o
pressupõe como fruto das condições sociais e históricas, ou seja, considerado
um ser sócio-histórico.

Nesta concepção de ser humano, os pressupostos que orientam as posições


teóricas podem ser assim resumidos:

a. Não existe uma natureza humana, e sim uma condição humana:


esta concepção de homem propõe a ideia de que não há uma
essência humana universal, seja ela oriunda de bases metafísicas
(como a alma imortal e eterna) seja, por outra via, oriunda de
uma herança biológica (como a carga genética) que atravessa
a humanidade. Isto não quer dizer, contudo, que não se possa
falar de certa homogeneidade entre os seres humanos, pois, se o
entendermos como fruto da época e da cultura, e entendermos que
época e cultura são vividas conjuntamente pelas pessoas, podemos
perceber certa condição de semelhança entre elas. Atente-se,
porém, que a ideia de condição humana, que nos permite falar das
igualdades entre as pessoas, não implica negar a singularidade de

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Capítulo 1

cada um que, ao viver em sua cultura, apropria-se dela de modo


particular. Além disso, é preciso dizer que os aspectos biológicos
que instruem nosso ser para viver no mundo, não são suficientes
para construir nosso universo subjetivo, o qual, por sua vez, nos
habilita para viver em sociedade.
b. O ser humano é um ser histórico, social e ativo no mundo:
negando o segundo mito anteriormente citado, a concepção sócio-
histórica propõe a ideia de que o ele é um ser eminentemente social,
que altera o mundo onde vive por meio do trabalho que realiza e
se constrói, objetiva e subjetivamente, ao mesmo tempo em que
realiza as atividades deste mesmo trabalho. Nesse sentido, embora
nasçamos com a forma humana e com toda a bagagem biológica
típica da espécie, não somos propriamente “homens”, e esta
condição será conquistada por meio de nosso aprendizado junto
aos adultos de nossa espécie, que nos ensinarão a ser parte da
humanidade. Assim, somos “candidatos potenciais” à humanidade
e alcançaremos tal estado, não isolados dos outros, mas sim por
meio da vida coletiva.
c. O ser humano concreto é objeto da Psicologia: por fim, negando
o terceiro mito acima apontado, temos que as pessoas só podem
ser compreendidas em suas singularidades históricas, ou seja, não
se pode fazer proposições universalizantes acerca do ser humano,
sob pena de criar estereótipos que, ao contrário de explicar a
condição humana, reforçam ideias preconcebidas. Assim, nessa
concepção, não poderíamos afirmar verdades abstratas universais
sobre as pessoas, como, por exemplo, dizer que “a mulher é um ser
sensível” ou que “o adolescente é um ser rebelde”. Tais afirmações,
além de retirarem as mulheres e os adolescentes de sua situação
concreta (sua nacionalidade, sua geração, sua religião, seu grupo
étnico, sua classe social, bem como o momento histórico em que
estão inseridos), não expressariam a verdade sobre a diversidade
de mulheres e jovens que existem na sociedade.
De modo geral, as características que fazem do ser humano um ser singular,
isto é, que o retiram da condição meramente animal e o alçam à condição
humana, seriam: um suporte biológico específico, a mediação fornecida pelas
relações sociais que ele estabelece, a capacidade do manuseio de instrumentos
complexos, o uso da criatividade na elaboração de artefatos por meio do trabalho,

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Psicologia Jurídica

o uso da linguagem e a construção de uma subjetividade. Portanto, o ser humano


é determinado pelo conjunto desses elementos, ou seja, ele é multideterminado.

Ao conceber o ser humano como resultante de múltiplas determinações e a


ideia do sujeito como resultante de diversas variáveis que o condicionam e
determinam, operamos um rompimento com a lógica causal linear e mecanicista.
Sob esta ótica, não seríamos determinados por uma causa única, seja ela de
origem biológica ou social, e poderíamos fugir do risco de um determinismo
neurogenético ou então sociológico, já que ambos podem fornecer uma
explicação simplista (e, por vezes, míope) para fenômenos complexos, como
os fenômenos psicológicos. Ou seja, nem aceitar a ideia de uma mente como
apêndice do cérebro (onde, consequentemente, a psyché seria vista como um
derivado do corpo), nem a ideia de uma mente passiva, resumida a absorver,
como uma “esponja”, os estímulos provenientes do meio em que está inserida.

Se pensarmos a subjetividade como algo não inato, e sim construído pela


síntese de múltiplas determinações, teremos mais chance de compreender, com
profundidade, as dimensões do que constitui a singularidade de cada ser humano.

Seção 3
A Psicologia e as práticas judiciárias
A Psicologia, conforme visto anteriormente, tem como objeto de pesquisa, dito
de forma ampla, o ser humano, assim como ocorre em outras áreas das ciências
humanas. Entretanto, ela trata do ser humano em suas expressões subjetivas,
analisando os princípios básicos que orientam seu comportamento e suas
interações sociais. Sabemos que as pessoas não são previsíveis na sua maneira
de agir, sentir ou pensar, embora, em algumas situações, seja possível entender
um dado tipo de reação que se manifesta em um determinado comportamento.

Assim, na Psicologia, são analisados, conforme aponta Bock (2002), o


comportamento, os sentimentos, as manifestações singulares (porque somos o
que somos) e as genéricas (porque somos todos assim). Segundo a autora, essas
manifestações podem ser sintetizadas em um único termo: a subjetividade, ou
seja, o mundo das ideias, significados e emoções construído internamente pelo
homem a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição
biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais.

21
Capítulo 1

Com isso pode-se estabelecer uma reflexão sobre relação entre os saberes
constituídos pela Psicologia e o Direito. Esta relação pode ser buscada através da
interferência das formulações teóricas da Psicologia no ordenamento jurídico, e,
de forma mais tangível, nos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos que atuam
nas instituições judiciárias.

No Brasil, foi criada em 1962 a profissão de Psicólogo, regulamentando a


intervenção social de profissionais que atuam a partir, prioritariamente, dos
conhecimentos da ciência Psicologia. A Psicologia está voltada para a
compreensão do comportamento humano em todas as situações nas quais ela
possa se manifestar. Dessa forma existem diversas possibilidades de intervenção
profissional de psicólogos na sociedade. Pode-se citar a atuação dos psicólogos
na área do trabalho, na área da educação, na área da saúde, bem como a
atuação em consultórios, talvez a forma de atuação mais conhecida.

Também nesse cenário ocorre a intervenção do psicólogo numa área


convencionada como Psicologia Social, na qual se identificam práticas ligadas
a instituições judiciárias, chamadas, em seu conjunto, genericamente, de
“Psicologia Jurídica”.

Os primeiros sinais do surgimento da Psicologia Jurídica ocorreram, notadamente,


por volta do século XVIII, período em que se verifica a necessidade de a lei
positiva conhecer e aplicar os descobrimentos da Psicologia Científica. Um
dos temas iniciais que estabeleceram a relação entre Psicologia e Direito foi
o sentimento jurídico do estabelecimento de normas para o convívio comum
conforme as regras e normas de conduta.

No Brasil, pode-se dizer que a relação do Direito com a Psicologia se configura


desde o início do século XX. Datam dessa época diversos trabalhos de vários
estudiosos em Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia, baseados em
teses organicistas, isto é, relacionando a doença mental com a criminalidade em
bases biológicas.

A Psicologia Jurídica nasceu da necessidade de legislação apropriada para os


casos dos indivíduos considerados doentes mentais e que tenham cometido atos
criminosos, pequenos ou graves delitos. (COHEN, 1996).

22
Psicologia Jurídica

Um exemplo desta realidade foi a criação do Manicômio Judiciário em 1921, no Rio


de Janeiro, por iniciativa e esforço de Heitor Carrilho, médico psiquiatra, cuja posição
teórica fixava o crime sob o enfoque da determinação individual e não social. Assim,
alinhado com a posição do Direito Positivo, propunha uma psicologização ou
individualização do ato criminoso. Segundo Antunes (2001, p. 57):

Psicologia do
Testemunho Carrilho contribuiu também no exame e no relatório que
A Psicologia do fundamentaram o primeiro caso de inimputabilidade de um
Testemunho contribuiu criminoso, Febrônio Índio do Brasil, por ter sido este considerado
com estudos sobre ‘louco’. Da aproximação entre essas duas ciências (Psicologia
memória, percepção e e Direito) surgiu o que se denominou de “Psicologia do
sensação, despertando Testemunho”, cujo objetivo era verificar, através do estudo
interesse por parte da experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do
Justiça. (BRITO, 1995). relato do sujeito envolvido em um processo jurídico.

A contribuição dessas ciências, segundo Jesus (2006), permite uma compreensão


mais aprimorada da complexidade da interpretação do fenômeno legal: à
Psicologia, compete compreender e explicar o comportamento humano; e o
Direito, diante de um conjunto de preocupações sobre como regular, pode prever
determinados tipos de comportamentos e, a partir disso, estabelecer um contrato
social de convivência comunitária.

Garcia (2004), a partir da definição tradicional de Direito e Psicologia, confirma


que essas áreas possuem pontos de aproximação, a começar pelos deveres
e direitos e as motivações e mecanismos próprios ao ser humano. Segundo o
autor, o Direito pode ser considerado como um conjunto de leis, preceitos e
regras a que estão submetidos os homens em sua vida social; já, a Psicologia,
como o estudo do comportamento em sentido amplo, o que incluiria atividades,
motivações e sentimentos atribuídos às pessoas.

A Psicologia Jurídica reflete a interface entre o campo da Ciência Psicológica e da


Ciência Jurídica acerca da compreensão de fenômenos e processos psicológicos
no âmbito da justiça, ou seja, trata-se de um campo de investigação psicológica
especializado, cuja finalidade é o estudo do comportamento dos atores jurídicos
no âmbito do Direito, da Lei e da Justiça.

A primeira articulação entre a Ciência Psicológica e o Direito, conforme mostra


Brito (2005), teve origem na avaliação da fidedignidade de testemunhos.
Posteriormente, as perícias psicológicas se tornaram a principal atividade para as
quais os psicólogos eram solicitados a realizar intervenções no campo jurídico.

A participação do psicólogo nas questões judiciais, de acordo com Cesca (2004),


começou em 1980, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando um
grupo de psicólogos voluntários orientava pessoas que lhes eram encaminhadas
pelo Serviço Social, basicamente para apoio a questões familiares, tendo como

23
Capítulo 1

objetivo principal sua reestruturação e a manutenção da criança no lar. Mais tarde,


a Lei nº 500 do CPC instituiu a contratação do Psicólogo, a título precário, por
um ano, podendo ser recontratado após esse período. Em 1985, o presidente
do Tribunal de Justiça apresentou à Assembleia Legislativa um projeto criando
o cargo de psicólogo judiciário, o que significou a consolidação da função de
psicólogo no sistema judiciário.

Entretanto, mesmo que a formalização da atuação dos psicólogos na área jurídica


tenha ocorrido em 1980, podem ser identificados em várias regiões do país,
psicólogos atuando em instituições, como o sistema da extinta Funabem, por
exemplo.

Atualmente, os psicólogos desenvolvem trabalhos de intervenção em diferentes


contextos, baseados nas necessidades específicas de cada demanda, a
saber: investigação de fenômenos psicológicos, nos seus diferentes níveis de
complexidades, apoio psicológico, mediação de conflitos, aconselhamentos,
orientações, desenvolvimento de políticas públicas que atendam as necessidades
sociais, prestação de serviços de assessoramento direto e indireto às Organizações
de Justiça e às Instituições que cuidam dos direitos dos cidadãos, seleção e
treinamento de pessoal, avaliação de desempenho, acompanhamento psicológico
prestado aos magistrados, servidores e seus dependentes, entre outros, que
podem ser definidos com base em especificidades de determinados trabalhos.

Sintetizando as possibilidades de atuação do psicólogo jurídico, Jesus (2006, p.


46) apresenta a seguinte relação:

•• avaliar e diagnosticar as condutas psicológicas dos atores jurídicos;


•• assessorar e/ou orientar, como perito, órgãos judiciais em questões
próprias de sua área;
•• intervir, planejar e realizar programas de prevenção, de tratamento,
de reabilitação e de integração de atores jurídicos na comunidade;
•• formar e educar os profissionais do sistema legal em conteúdos e
técnicas psicológicas úteis em seu trabalho;
•• colaborar em campanhas de prevenção social contra a
criminalidade em meios de comunicação;
•• ajudar a vítima de forma a contribuir para a melhoria da situação da
vítima e para sua interação com o sistema legal;
•• mediar, apresentar soluções negociadas aos conflitos jurídicos,
visando diminuir e prevenir o dano emocional e social.

24
Psicologia Jurídica

A principal demanda do judiciário, em relação ao trabalho do psicólogo, diz respeito


aos conflitos familiares. Estes conflitos se apresentam em larga escala e nos mais
diversificados contextos, tais como: Varas de Família, Juizados da Infância e da
Juventude, Varas de Execução Penal, Delegacias de Polícias, entre outros.

Nas Varas de Família, uma das atividades desenvolvidas por psicólogos é a


perícia psicológica.

As perícias são diligências processuais que fazem parte de processos judiciais e são
consideradas como provas técnicas. Segundo Cruz (2002), a Perícia Psicológica
é um exame ou avaliação descritiva e conclusiva acerca de fatos, situações ou
problemas que exijam juízo crítico por parte dos psicólogos, sobre matéria da
Psicologia, cujo conteúdo deverá certificar a medida da investigação realizada.

Bernardi (1999), ao caracterizar a atuação dos psicólogos nas Varas de Infância


e Juventude destaca como atividades importantes os estudos de casos, com
o objetivo de buscar alternativas mais condizentes com a realidade social para
defender os direitos fundamentais de crianças e de adolescentes; as discussões
das medidas de proteção e as medidas socioeducativas mais viáveis, para que
essa população possa, de fato, realizá-las e cumpri-las; o incentivo à promoção
de ações que visem prevenir o abandono, a negligência e a marginalização, com
o objetivo de resguardar o bem-estar psicológico de crianças e adolescentes.

Sandrini (2005, p. 216) chama a atenção para a criminalização dos atos


praticados pelos adolescentes. Ele afirma que

[...] a adolescência é o período fértil para a ocorrência de práticas


delituosas, na medida em que é fase de afirmação da identidade,
na qual se torna comum a contestação à autoridade, a recusa aos
limites e exacerba-se o desejo de transgredir e descumprir regras.

Esse autor busca destacar a importância de não criminalizar, em primeiro plano,


essas atitudes meramente adolescentes, que pertencem a uma etapa normal de
desenvolvimento humano, como crime, haja vista serem essas características
comuns aos adolescentes. Ressalta, ainda, que nem todo delito cometido torna o
sujeito um criminoso. Nesse sentido, o estudo particular, específico de cada caso,
por parte de uma equipe interdisciplinar, a qual inclui os psicólogos, é fundamental
para distinguir as ações praticadas pelos adolescentes, como pertencentes às
etapas de desenvolvimento, das ações delituosas que denotam crime.

O trabalho dos psicólogos desenvolvido no Sistema Penal Brasileiro, de


maneira geral, enfatiza a promoção de atividades laborativas, que objetivam
desenvolver condições e habilidades sociais voltadas para a reinserção social
e, principalmente, a atividade de diagnóstico das condições psicológicas dos

25
Capítulo 1

detentos para avaliação dos regimes de progressão e acompanhamento de


execução penal dos sentenciados.

Nascimento (2009) enfatiza a importância do papel social do psicólogo. Segundo


a autora, este profissional tem a incumbência de produzir conhecimentos
científicos e desenvolver métodos de intervenção profissional que visem melhorar
as condições da população de presos no Brasil, diante dos complexos sistemas
político, jurídico, econômico, cultural e psicológico que envolvem as frequentes
violações de direitos humanos perpetrados contra os apenados.

Leitura complementar
ANTUNES, Mitsuko Aparecida M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre
sua constituição. São Paulo: Unimarco Editora/Educ, 2001.

BLEGER, José. Psicologia da conduta. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia. São Paulo: Makron Books, 2001.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

MOURA, Luiz Antonio. Imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade.


In: COHEN, Cláudio; SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (Orgs.). Saúde
mental, crime e justiça. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
p. 85-103.

TRINDADE, Jorge. Delinquência juvenil: uma abordagem transdisciplinar. Porto


Alegre: Editoria Livraria do Advogado, 1993.

26
Capítulo 2

Violência e criminalidade: a
saúde mental e a lei

Habilidades Com o estudo deste capítulo, você compreenderá


os fenômenos da violência e da criminalidade
e desenvolverá a habilidade de reconhecer as
fronteiras entre normalidade, patologia e desvio.
Além disso, ao fim do seu estudo, você estará/a
apto/a a discernir correlações entre saúde mental,
crime e justiça.

Seções de estudo Seção 1: Violência e criminalidade

Seção 2: Normalidade, patologia e saúde mental

27
Capítulo 2

Seção 1
Violência e criminalidade
A palavra violência remete a vários significados. Derivada do latim violentia e
relacionada a vis (força) e violare (violar), pode significar força em ação, força
física, potência, essência, mas, também, algo que viola, profana, transgride ou
destrói. Conforme aborda Amador (2002), ela caracteriza a qualidade do violento,
ação ou efeito de violentar ou violentar-se. Na Sociologia, compreende-se que
o tema é definido de maneiras diferentes, embora o ponto comum entre essas
vertentes seja o de que a violência consiste em obrigar alguém a fazer alguma
coisa contrária a si mesmo, aos seus desejos, ao seu corpo e à sua consciência,
podendo levá-lo à morte, à agressão aos outros ou à autoagressão.

A violência constitui uma relação social, caracterizada pelo uso real ou virtual
da coerção, que impede o reconhecimento do outro como diferença – pessoa,
classe, gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando
algum tipo de dano. Neste sentido, conflito, poder e violência tornam-se
conceitos próximos, sem, contudo, confundirem-se. (SANTOS, 1997 apud
AMADOR, 2002, p. 33).

Contrariando este conceito, há outras possibilidades de compreensão da


temática, as quais consideram violência e poder como conceitos distintos.

[...] o poder consiste na capacidade de agir em conjunto e a


violência o que faz é, justamente, multiplicar o vigor individual [...].
A violência, então, destrói o poder, não o cria, e o decréscimo
do poder pela carência da capacidade de agir em conjunto é um
convite à violência. (ARENDT, 1994 apud AMADOR, 2002, p. 33).

A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) considera a violência um dos


principais problemas de saúde pública do mundo, além de caracterizar uma
evidente violação de direitos humanos, devido à elevada prevalência e às graves
consequências para o desenvolvimento humano. (SOUZA 2006 apud XAVIER, 2008).

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002, p. 5) conceitua violência como


sendo:

o uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra


si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou
comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de
resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de
desenvolvimento ou privação.

28
Psicologia Jurídica

A Constituição da República Federativa do Brasil trata do tema da violência,


quando, em seu artigo primeiro, inciso III, sobre os Princípios Fundamentais, por
exemplo, garante como fundamento de um Estado democrático de direito, a
dignidade da pessoa humana. E, no seu artigo quinto, inciso III, com relação aos
direitos e deveres individuais e coletivos: “que ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante.”

Qualquer forma de violência resulta, inequivocamente, em violação dos direitos


humanos e da dignidade humana, bem como pode acarretar problemas de ordem
psicológica, de variados níveis de comprometimento.

A noção de violência incorpora pontos de vistas contraditórios, paradoxais. Pode


ser determinada por uma multiplicidade de fatores.

É possível afirmar que a violência é um fenômeno recente em nossa


sociedade?

O fenômeno da violência sempre esteve presente na nossa cultura, bem como


na história da humanidade. Ela acompanha a humanidade não apenas como
resultado, mas como “motor da própria história, assumindo contornos diferentes
nas diversas sociedades”. (AMADOR, 2002, p. 31).

No Brasil, segundo Minayo (2006), o fenômeno da violência pode ser analisado


a partir do processo de colonização que deu origem ao país. Ressalta a autora
que todo o período colonial foi marcado pelo desprezo e pela crueldade contra
os índios, negros, pela exploração de sua força de trabalho e pelo desrespeito
à suas culturas. Pode-se afirmar que essa herança violenta manifestou-se em
momentos mais próximos da história nacional, como nos abusos contra mulheres
e crianças, e na instalação de ditaduras políticas marcadas pela crueldade.

A violência é um fenômeno social que acompanha o ser humano desde épocas


mais remotas de sua história, entretanto, desde o final do século XIX, tem-se
tornado objeto de preocupação e debate da sociedade.

O fenômeno da violência pode ser percebido a partir do locus de sua


manifestação, do sentido dado a seus efeitos e da determinação do seu
surgimento, tendo sempre como horizonte que é decorrente da sociedade, ou
seja, a violência é sempre um ato político.

O anonimato e a sensação de “não pertencer”, de acordo com Phebo e Moura


(2005), são duas condições constantes nas cidades grandes, por exemplo.
O tempo é escasso tanto para os outros como para si mesmo. Há pressa e
uma sensação de falta de lugar e de oportunidades para todos, imperando a
competição e o imediatismo. Para esses autores, prevalecem angústias e vazios,

29
Capítulo 2

os quais se busca preencher e apaziguar através de estímulos sonoros e visuais


e através de um consumo desenfreado e, por vezes, inconsequente. Há um ruído
enorme, ambiental e nas comunicações de modo geral. Todos esses fatores
contribuem para estados emocionais e comportamentais que são meios propícios
à produção de várias formas de violência.

Formas de manifestação da violência


A violência expressa diferentes tipos de categorias e pode ser baseada em suas
formas de manifestação, a saber:

a. dirigidas da pessoa contra si mesma (autoinflingida),


b. violência coletiva e individualizada,
c. violência interpessoal.

As estatísticas revelam o quanto aumentou o índice de violência contra si mesmo


em nossa sociedade. São atos como automutilação, eutanásia, suicídio, entre
outros, que revelam desajustes e/ou problemas de ordem social nas mais
variadas formas de convivência e manifestação. Da mesma forma, os atos
de violência coletiva, como é o caso da guerra, dos atentados, das violações
de direitos, dentre outra formas de manifestação, bem como a violência
individualizada, como os assaltos, os estupros e a tortura, revelam o aumento de
incidência na sociedade.

Isso leva ao seguinte questionamento: a sociedade e as relações sociais têm-


se tornado mais violentas, ou há maior divulgação e maior repercussão da
ocorrência de fenômenos considerados violentos?

As escolas, por exemplo, têm-se parecido com o “campo”, onde a prática de


atos violentos torna-se corriqueira. Isso provoca muitas discussões sobre quais
medidas devem ser tomadas para garantir a segurança da comunidade que
ocupa esse espaço.

A socióloga Miriam Abramovay et al. (2010), coordenadora de pesquisa da Rede


de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), analisou a formação de
gangues. Segundo ela, existem dois tipos de agrupamentos [gangues]: aqueles
formados fora das escolas, que, geralmente, apresentam certa organização, como
as gangues de pichadores, que podem passar para outros delitos, por exemplo,
roubos e tráfico de drogas; e aqueles formados na escola, por crianças de 10 a 13
anos, que costumam imitar seus heróis e procuram também proteger-se.

30
Psicologia Jurídica

De qualquer modo, a presença de gangues nas escolas é real. Segundo outro estudo
coordenado por Abramoway, de 2004, num universo de 1,6 milhão de estudantes dos
ensinos fundamental e médio, um quinto (340 mil) sabia da existência de gangues
dentro da escola. Atualmente, os números são bem mais alarmantes.

Outra questão que se destaca e demanda uma discussão por parte da sociedade
é a atuação dos policiais, pois é muito comum, principalmente no Brasil, a
ocorrência de violência praticada por esses agentes do Estado ou, algumas vezes,
contra eles. A violência é componente da prática policial, variando de acordo com
a conjuntura sócio-histórica da época.

Amador (2002), ao estudar a violência policial, analisa o cotidiano desses


profissionais, afirmando que, muitas vezes, é necessário levar em consideração
o sofrimento psíquico dos policiais que se expressa por meio destes de seu
comportamento violento.

Somente em 1997, foram acompanhados pela Comissão de Cidadania e Direitos


Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
cento e quatro (104) casos envolvendo denúncia de violência policial ou abuso de
autoridade praticados por policiais militares. Como reverso desta situação, conforme
dados do Relatório Azul de 1997, foram cento e treze policiais mortos em serviço,
vítimas de violência.

O Relatório Azul de 1998/99 revela que duzentos e setenta e seis policiais militares
foram feridos em serviço por disparo de arma de fogo. Para somar a esses
números, no Relatório Azul de 1995, entre 1983 e 1995, foram registrados quarenta
e oito suicídios de policiais militares no estado do Rio Grande do Sul, informação
que revela a mais cruel expressão da violência do policial, cometida contra si
mesmo. (AMADOR, 2002, p. 66-67).

Observação: o Relatório Azul da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos


(CCDH) é uma publicação anual que procura oferecer um panorama das violações e
garantias dos Direitos Humanos no RS.

Neste sentido, ressalta-se a legitimidade da Organização Policial no uso da força e


o ofício policial cujo resultado se vincula a “paz social”, ou seja, ausência de crimes,
de criminosos e de desordem social. No entanto, “o conteúdo violento do trabalho
do policial, o contato rotineiro com a morte e a violência e a constante pressão das
responsabilidades” são considerados elementos do trabalho que estão causando
danos à saúde dos policiais. (AMIR, 1995 apud AMADOR, 2002, p. 68).

31
Capítulo 2

Na categoria de violência interpessoal se insere a violência que ocorre no âmbito


da família, denominada de intrafamiliar. Por esta, entende-se aquela que ocorre
entre os membros da família, nos diferentes subsistemas (conjugal, parental,
fraternal), principalmente no ambiente da casa, porém, não exclusivamente nela,
diferenciando-se do que se denomina violência doméstica, que, geralmente,
ocorre no ambiente doméstico.

As principais formas de manifestação da violência familiar são percebidas nos


comportamentos de agressão, com ou sem lesão corporal; comportamentos
negligentes, principalmente em consequência da baixa percepção acerca da
diferenciação de papéis e funções parentais; comportamentos abusivos, nos
quais o uso/abuso de substâncias psicoativas e transtornos psicológicos estão
presentes. Com base nessa compreensão, é possível afirmar que as crianças, por
sua condição de dependência, são as que mais correm riscos, ou então, as que
mais se encontram em situação de vulnerabilidade familiar.

A violência praticada contra os membros da família, em especial as crianças


e adolescentes, constitui uma condição reprodutora da violência social, uma
cadeia circular de retroalimentações de processos coercitivos e de submissão,
com efeitos negativos para todos. A violência doméstica é um elemento
desencadeador do que poderia ser denominado de cadeia de violências ou
reprodução de violências. Pais e mães violentos, que têm os filhos como suas
vítimas, os quais, por sua vez, se tornam violentos, fazendo outras vítimas. Esses
comportamentos que se retroalimentam, representam as relações sistêmicas
desenvolvidas nos sistemas sociais e, mais especificamente, nas famílias.

Dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,


2002) mostram que as crianças são, no âmbito da estrutura familiar, os membros
que mais sofrem maus-tratos, e que, em 80% dos casos, os pais são os
agressores, seguidos dos irmãos mais velhos. Esses dados demonstram que a
violência é um fenômeno que se aprende nas relações cotidianas, via de regra
sob uma condição hierárquica e disciplinar, e se configura em uma forma de
comunicação que determina regras, crenças e contribui para a construção de
mitos familiares.

Quanto a sua natureza, como a violência pode ser classificada?

32
Psicologia Jurídica

A natureza da violência, de acordo com estudos realizados por Minayo (2006),


Alberton (2005), Rosa (2004) e Guerra (1998), pode ser classificada quanto ao seu
modo de expressão e modalidades, a saber:

a. violência física, quando há o uso da força física, intencional, ou


de intenção percebida, não acidental, por parte de uma pessoa
contra a outra. O dano físico pode ter diferentes dimensões, que
vão desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa, até
situações de assassinato;
b. violência psicológica, quando há agressões verbais ou gestuais
com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar, restringir a liberdade
ou isolar uma pessoa de seu convívio social. Fere moralmente, faz
com que a autoestima seja abalada, priva do afeto, da atenção, dos
cuidados, de bem-estar e conforto;
c. violência sexual, quando, no ato ou jogo sexual, as relações hetero
ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança menor de
dezoito anos têm por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-
la para obter uma estimulação sexual sobre a sua pessoa ou de
outrem;
d. negligência, quando, se constata omissão, ausência, recusa de
cuidados necessários a alguém que deveria receber atenção e
cuidados, de modo a se prevenirem riscos e danos à sua saúde.

Sem sombra de dúvida, a violência provoca repercussões que afetam a saúde


das pessoas, seus relacionamentos sociais. Essas repercussões implicam
diferentes consequências, desencadeadas pela forma e pela gravidade da
violência sofrida, que podem variar entre os sentimentos de dor até uma
lesão corporal grave (natureza física da violência) ou, ainda, em situações
de desconforto, constrangimentos, sofrimento, tensão ou estresse, traumas,
transtornos psicológicos e demais patologias de natureza psicológica, o que
torna a investigação sobre violência psicológica relevante e necessária.

Todas as formas de violência resultam em diferentes tipos de comprometimentos


para a pessoa que sofreu a violência. Uma vez configuradas as condições
incapacitantes ou parcialmente incapacitantes para realizar tarefas habituais,
segundo Maciel e Cruz (2005), temos a definição de dano.

Miller (1999) se refere à violência psicológica como “feridas invisíveis”, expressas


no abuso psicológico, de natureza emocional, na coerção econômica e na
restrição social, identificadas nos atos sutis e cotidianos de abuso de poder, na
busca pela submissão do outro, na vivência de sentimentos ambivalentes que

33
Capítulo 2

resultam da relação complementar abusador-abusado e confundem e dificultam a


percepção da violência nas interações humanas.

Nesse sentido, pode-se supor que a violência se agrava, inicialmente, pelo


ato em si e, posteriormente, pela falta da percepção dos outros acerca do
sofrimento que foi infligido, elemento esse que contribui para a reincidência
do ato. Tkacsuk (2005) complementa: situações de ameaças, intimidações,
exigências e desqualificações ou qualquer outro tipo de ação que produza tensão
e desequilíbrio psicológico na pessoa que é objeto dela, tendem a destruir o
seu bem-estar e a autoestima, criando um estado de confusão e incapacidade
perante a vida.

É importante ter claro, entretanto, que a violência psicológica não está vinculada,
necessariamente, à violência física, isto é, à incidência de dor ou lesão corporal, o
que torna particularmente difícil caracterizar trauma psicológico, pois a violência
psicológica não deixa marcas físicas visíveis, sendo difícil, até mesmo, para a
própria vítima identificar que está sob essa forma de violência.

Em síntese, o fenômeno da violência, se dá tanto em contextos públicos quanto


em contextos privados. Na esfera pública, há assaltos, sequestros, assassinatos,
brigas de gangues, dentre outros, que são descritos como a escalada crescente
da violência social. Pode-se dizer que se trata de expressões culturais da
violência, o que significa entender que esse fenômeno decorre justamente das
relações sociais, são consequência de uma ordem social perversa marcada pelo
consumismo, a intolerância e a exclusão.

Na esfera privada, há a ocorrência da violência intrafamiliar ou violência


doméstica, da qual são vítimas, principalmente, crianças, adolescentes, mulheres
e idosos. Essa forma de violência resulta em comprometimentos biológicos,
psicológicos e sociais.

Fazendo uma análise histórica, Chesnais (1981) mostra que a família é o lugar do
paradoxo e que, no âmbito familiar, a violência ocorre de forma muito mais intensa
do que em qualquer outro lugar. Cita os estudos norte-americanos, os quais
mostram que, de cada quatro homicídios, um é produzido no contexto familiar.
Nos casais, entendidos como unidade conjugal do subsistema familiar, a violência
também é uma forma frequentemente utilizada para resolver conflitos familiares.
Ainda, segundo o autor, corre-se mais o risco de ser morto no seio do grupo familiar
do que em qualquer outro grupo social, salvo, talvez, no exército ou na polícia.

No contexto familiar, a principal forma de violência é a prática de maus-tratos


físicos e abusos psicológicos. A família é o espaço social onde subsiste certo
estado de naturalização dos atos violentos. Aparentemente, no ambiente familiar,
tudo ou quase tudo é permitido. Nas relações familiares persiste uma regra
implícita: o direito de ingerência e de correção recíproca.

34
Psicologia Jurídica

Os pais batem nas crianças, as crianças batem-se entre si. Esta violência é,
muitas vezes, legitimada, julgada erroneamente como sadia e praticada sob a
justificativa de ser educativa. Há um consenso entre os autores que pesquisam
famílias e trabalham com elas, de que a dificuldade em perceber os atos violentos
como violência no contexto familiar contribui para a manutenção e naturalização
dos mesmos, e que a baixa diferenciação entre as funções e tarefas familiares e
a violência tem maior frequência na relação parental (ADORNO, 1993; ZALUAR,
1994). Os vínculos familiares estabelecidos entre vítimas e agressores são
revestidos de ambivalência. Constitui tarefa difícil distinguir entre o que se faz
em nome do amor e do cuidado e o que se faz em nome das necessidades
particulares de cada indivíduo e que resulta em violência contra os outros.

Arendt (1994) caracteriza a violência como um instrumento, e não um fim. Os


instrumentos da violência, segundo a autora, são baseados na persuasão,
como forma de exercer poder sobre o outro. O controle do poder é o objetivo
em si e, para atingir esse objetivo, é utilizada a violência como aparato
instrumental. Assim, é possível afirmar que a dimensão psicológica está presente,
independentemente da modalidade da violência praticada, pois o aniquilamento
do uso da linguagem como mecanismo legítimo para escapar da violência não é
possível, não é reconhecido no ambiente em que predomina o controle sobre a
subjetividade alheia.

Seguindo essa perspectiva sobre a manifestação da violência, estude, a seguir,


como ela ocorre culturalmente em nossa sociedade.

Violência contra a mulher


A violência contra a mulher é definida como qualquer ato de violência de gênero
que resulte ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento
para a mulher, incluindo as ameaças, coerções ou privação arbitrária da liberdade,
quer ocorra em público ou na vida privada.

Para Minayo (2006, p. 93), a violência contra a mulher, portanto, deve ser
entendida na perspectiva de gênero, ou seja, nas “relações de poder e na
distinção entre características culturais atribuídas a cada um dos sexos e a
suas peculiaridades biológicas”. Muito embora a violência de gênero englobe
ambos os sexos, a ênfase cultural é na violência praticada contra as mulheres,
confirmada por dados epidemiológicos, baseados na ocorrência, frequência,
incidência, entre outros dados estatísticos.

A busca pelo reconhecimento das investidas violentas contra as mulheres,


especialmente pela manifestação de atores sociais política e socialmente
importantes, como o movimento feminista e os grupos de vítimas de violência,

35
Capítulo 2

permitiu a desnaturalização das explicações sobre os maus-tratos e as


diversificadas formas de abuso aos quais as mulheres, por muitos anos, eram, e
ainda são, submetidas.

Um dos principais resultados na busca pela legitimidade social sobre a violência


contra as mulheres ocorreu no plano jurídico. Em agosto de 2006, foi sancionada
a Lei 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que altera
o Código Penal Brasileiro. A efetividade desta Lei permite que os agressores
sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Também
acaba com as penas pecuniárias, aquelas em que o réu é condenado a pagar
cestas básicas ou multas. Altera, ainda, a Lei de Execuções Penais, para permitir
que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de
recuperação e reeducação.

A Lei Maria da Penha traz uma série de medidas para proteger a mulher agredida,
que está em situação de agressão ou cuja vida corre riscos, entre elas, a saída do
agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e
cancelar procurações feitas em nome do agressor.

Esta Lei prevê, também, que a mulher poderá ficar seis meses afastada do
trabalho sem perder o emprego, se for constatada a necessidade de manutenção
de sua integridade física ou psicológica.

Maria da Penha Maia Fernandes virou símbolo contra a violência doméstica. Ela
lutou durante 20 anos para ver seu agressor, seu próprio marido, condenado.

Em 1983, o marido de Maria da Penha Maia, o professor universitário Marco Antonio


Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, deu um tiro, e ela ficou
paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três
filhas, entre 6 e 2 anos de idade.

A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi


apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos
depois, Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de recursos
jurídicos para protelar o cumprimento da pena.

O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização


dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um
crime de violência doméstica.

Herredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje,
está em liberdade.

36
Psicologia Jurídica

Após as tentativas de homicídio, a bioquímica Maria da Penha Maia começou


a atuar em movimentos sociais contra a violência e a impunidade e, hoje, é
coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e
Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no seu estado, o Ceará.

Fonte: CONTEE (2006).

Observação: o relato detalhado deste caso pode ser encontrado no livro “Sobrevivi,
posso contar”, escrito pela própria Maria da Penha, publicado em 1994, com o
apoio do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher (CCDM) e da Secretaria de
Cultura do Estado do Ceará.

Violência contra crianças e adolescentes


A história acerca da condição social da criança foi fonte de estudos científicos
nos seus âmbitos mais variados, porém uma reflexão mais atual sobre a violência
cometida contra crianças nas interações familiares e suas consequências revela
que a situação se configura problema de saúde pública.

Os maus-tratos contra crianças, contudo, existem desde os primórdios da


criatura humana. Nas civilizações antigas, o infanticídio era considerado um meio
para eliminar crianças que nasciam com defeitos físicos. Crianças eram mortas
ou abandonadas para morrerem desnutridas ou devoradas por animais, por
razões como: equilíbrio de sexos, medida econômica nos grandes flagelos, por
não aguentarem longas caminhadas, por motivos religiosos, por ser direito do pai
reconhecer, ou não, o direito de seu filho à vida –jus vitae et nasci. (ARIÈS, 1981;
FERRARI, 2005). Em alguns povos pagãos, iniciou-se um movimento de cuidado
às crianças, no que se refere ao sentimento de piedade, mas a verdadeira obra de
redenção às crianças se deve ao Cristianismo. (KEMPE e KEMPE, 1995).

Não havia, ainda, uma preocupação real acerca dos problemas de abusos e
maus-tratos contra as crianças, tendo sido gradativamente manifestada com maior
insistência e envergadura política, científica e profissional, em meados do século
XX. A Assembleia Geral da ONU aprovou e proclamou, em 1959, a Declaração dos
Direitos da Criança. Nesta declaração estão dispostos os dez princípios que regem
os principais cuidados para com a criança e garantem a indispensável proteção de
que as crianças necessitam para seu desenvolvimento saudável.

37
Capítulo 2

Em 1962, Kempe e seus colaboradores organizaram um Simpósio sobre o Abuso


Infantil e deflagraram a situação na qual se encontravam as crianças, vítimas
de maus-tratos, na sua maioria, causados por seus familiares. Os autores
apresentaram um trabalho denominado “A síndrome da criança maltratada”, que
deu origem a uma campanha em prol das denúncias de casos de abuso infantil.
Como decorrência desses estudos e de outros anteriores, tais como o estudo
médico-legal sobre o infanticídio, realizado por Tardieu (1968), e os trabalhos de
Wooley e Evans sobre o “significado das lesões esqueléticas dos lactantes”, foi
criado o Centro Nacional sobre o Abuso e o Abandono Infantil (National Center on
Child Abuse and Neglect).

Na década de 70, no Brasil, surgem as primeiras denúncias médicas, realizadas


por Hélio de Oliveira Santos, médico de Campinas, que levou ao conhecimento
do público, por meio da imprensa, um caso de violência física que deixara uma
criança gravemente ferida, internada na UTI, mobilizando estudos, reuniões e
ações jurídicas.

O ano de 1979 foi considerado o Ano Internacional da Criança, em comemoração


aos vinte anos da Declaração dos Direitos da Criança, e, nas últimas décadas
do século XX, ressurge a discussão política da necessidade de aperfeiçoamento
do Estado do Bem-Estar Social, no sentido da formulação de políticas públicas
específicas para dar providências às crianças abandonadas.

Em 1989, ano de comemoração dos trinta anos da Declaração dos Direitos da


Criança, a qual resultou, também, na Convenção sobre os Direitos da Criança,
assuntos relativos ao trabalho infantil e exploração sexual ganharam notoriedade
e foram considerados como afronta aos direitos humanos. Em 1990, a UNICEF
organizou um Encontro Mundial de Cúpula pela Criança e foram estabelecidas
metas para o combate à exploração infantil.

As violências às quais as crianças foram historicamente submetidas construíram


uma condição de assujeitamento e negação de sua existência social, e, ainda
hoje, apesar da valorização da criança como pessoa em condições especiais
de desenvolvimento e possibilidade de um mundo de paz, encontra-se, no
imaginário coletivo, a representação da criança coisificada, esta que é possível
identificar por conta dos índices absurdos de práticas violentas perpetradas
contra as crianças.

O século XXI, segundo Krinsky et al. (1985), é apontado como o “século da


criança”. Há uma maior valorização da condição de criança, destacando-a na
sociedade como um ser humano em condições especiais de desenvolvimento.
Entretanto essa valorização tem sido acompanhada da expectativa de que a
família seja a provedora principal e a responsável pelas decorrências de seu

38
Psicologia Jurídica

desenvolvimento e conduta social. São ressaltadas a necessidade dos cuidados


maternos e a caracterização da infância como período básico e fundamental da
existência do ser humano.

Porém, ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) disponha sobre


a proteção integral à criança e defina quais as tarefas a serem cumpridas por pais,
instituições e profissionais que lidam com crianças, bem como as consequências
das ações e omissões contra as crianças, a política efetiva para que o disposto
no Estatuto seja cumprido apresenta reais dificuldades. A instância responsável
pela elaboração de políticas sociais em prol da saúde das crianças (Conselho
dos Direitos da Criança e do Adolescente) e as instâncias executivas (Conselhos
Tutelares da Infância e Juventude) apresentam atribuições e competências
diferentes e não estão em condições de garantir a cidadania das crianças.

Apesar da lei de proteção às crianças, elas continuam desprotegidas e a infância


brasileira continua marginalizada, tendo que viver em situação de vulnerabilidade.

A saúde das crianças é direito fundamental da norma jurídica, que deve ser
respeitado e perseguido por todos os segmentos da sociedade. Segundo Minayo
(1992), de acordo com a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em
1986, a definição de saúde é caracterizada como a resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego,
lazer, liberdade, acesso à posse da terra e aos serviços de saúde. Portanto o
conjunto de elementos essenciais, para que as crianças se desenvolvam e se
tornem cidadãs.

De acordo com Ferreira (2005), apesar de subestimadas oficialmente em todo o


mundo, a maior parte das pesquisas aponta para as grandes proporções com
que a violência ocorre na faixa etária pediátrica, sendo praticada, principalmente,
pelos próprios familiares da criança. Conforme o autor, considerando apenas
os casos notificados às agências de proteção à criança nos EUA e que foram
confirmados, 12 de cada 1.000 crianças haviam sido vítimas de maus-tratos e,
no Brasil, estima-se que 20% das crianças e adolescentes sejam, atualmente,
vítimas de alguma forma de violência.

No cenário nacional, do ponto de vista estatístico, a violência sexual é a que tem


sido mais denunciada e acompanhada pelos órgãos públicos especializados,
não se podendo considerá-la, no entanto, como um índice de prevalência dentro
da proporção entre todos os tipos de maus-tratos aos quais são submetidas
crianças e adolescentes. Porém é possível pensar sobre a prevalência desse tipo
de denúncia, pois os mecanismos de identificação são mais imediatos e passíveis
de evidências concretas, em função das lesões teciduais na região genital, das
doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez.

39
Capítulo 2

O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) define as formas de violência


praticadas em quatro categorias:

1. violência física;
2. violência psicológica;
3. violência sexual e
4. negligência.

Scherer e Scherer (2000), com bases nos preceitos da Academia Americana


de Pediatria, categoriza os tipos de violência existentes no âmbito social da
seguinte forma:

1. violência física;
2. abandono físico ou moral;
3. exploração sexual e
4. mau-trato psicológico.

De acordo com Zapata-Villa (1987), os elementos que compõem cada uma


dessas categorias de violência explicitadas, são os seguintes:

1. violência física: quando a ação violenta é realizada de forma direta


(pontapés, bofetadas, beliscões, etc.) ou indireta (por meio de
instrumentos de castigo);
2. abandono físico ou moral: quando há o comportamento
deliberado de não provimento de cuidados básicos, tais como
alimentação e higiene básica (físicos), além do não provimento de
um lar, deixando a criança na rua, exposta a perigos e vícios;
3. exploração sexual: quando há agressão e abusos de natureza
sexual por parte de um adulto;
4. maus tratos psicológicos: quando há agressão verbal, intimidação,
insultos, que produzem sérios traumas psicológicos na criança.

O espancamento também é citado como uma forma regular de violência contra a


criança, principalmente, no âmbito familiar. As consequências do espancamento,
geralmente, resultam em lesões muito graves na pele, no sistema esquelético
e no sistema nervoso. Via de regra, os espancamentos são atos violentos que

40
Psicologia Jurídica

ocorrem repetidas vezes, por diferentes razões, gerando na criança terror e


redução da sua margem de manobra para escapar do contexto violento.

A violência psicológica pode ser identificada por meio de atos depreciativos e


de humilhação realizados por seus pais ou responsáveis contra as crianças. As
atitudes e comportamentos que evidenciam a violência psicológica envolvem
excesso de punições, agressividade, abandono e o uso da criança para atender
às necessidades psicológicas dos adultos, como é o caso, por exemplo, de
separações conjugais, nas quais a criança é utilizada como instrumento de
controle do comportamento de um dos cônjuges, inclusive nas brigas judiciais
para regulamentar guarda e visitas de um dos pais.

Garbarino et al. (1986) caracterizam a violência psicológica contra a criança e o


adolescente como uma agressão orquestrada por um adulto, cujas ações são
executadas no sentido de:

1. rejeitar: há a recusa do adulto em reconhecer a importância da


criança e a legitimidade de suas necessidades;
2. isolar: é promovida a separação da criança de suas experiências
sociais normais, impedindo-a de fazer amizades e levando-a a
acreditar que está sozinha no mundo;
3. aterrorizar: a criança é atacada verbalmente pelo adulto, criando
um clima de medo, ameaça, fazendo-a acreditar que o mundo é
excêntrico e hostil;
4. ignorar: o adulto priva a criança de estimulação, reprimindo-lhe o
desenvolvimento emocional e intelectual; e, por fim,
5. corromper: o adulto conduz negativamente a socialização
da criança, estimulando e reforçando o seu engajamento no
comportamento antissocial.

Assim, a violência psicológica é compreendida como um comportamento abusivo,


que formula atitudes e transmite mensagens específicas de rejeição ou prejudica
um processo psicológico socialmente relevante.

O abandono pelo adulto caracteriza a negligência – já que o mesmo deveria cuidar


da criança – , restringindo ou negando-lhe as condições mínimas de sobrevivência
física e apoio emocional.(AZEVEDO, 1998). As condutas de negligência são
inúmeras e facilmente reconhecidas, ainda que dificilmente provadas, salvo em
situações em que há denúncias, testemunhas e perda de vulnerabilidade orgânica.

41
Capítulo 2

Alguns exemplos de comportamentos negligentes para com as crianças são


descritos por Azevedo e Guerra (1998): deixar a criança sozinha em casa, não
protegê-la do contato com produtos químicos, medicamentos e fogão; não
supervisioná-la em ambientes como piscina e trânsito; não lhe proporcionar o
cuidado necessário como trocar fraldas e adequar a temperatura da água nos
banhos; não “cuidar efetivamente”, negando-lhe amparo, apoio, presença e proteção.
Neste sentido, trata-se do desinteresse psicológico e educativo dos familiares pela
criança, deixando-a ao sabor de sua própria sorte e dos seus impulsos.

Os mecanismos da negligência e suas manifestações expressam perturbação do


vínculo entre a família e a coletividade, com comportamentos de isolamento das
figuras parentais e das crianças e por meio da perturbação da relação entre pais
e filhos, em função da baixa interação pais e filhos e da qualidade negativa das
interações. As consequências da carência ou ausência de cuidados para com as
crianças resultam em mortalidade ou morbidade psíquica, outros tipos de maus-
tratos (abuso psicológico, físico ou sexual), restrições das condições normais de
desenvolvimento e sequelas no desenvolvimento.

A violência sexual contra crianças no contexto familiar é caracterizada pelo ato


dos pais ou por um deles, padrastos, madrastas, irmãos, ou seja, membros da
família, e é identificada por meio de atitudes como carícias, relações sexuais,
incesto, estupro, sodomia, exibicionismo e exploração sexual, em que as crianças
são forçadas ou induzidas a praticar tal ato.

De acordo com Fanelli (2006), cumpre ressaltar que o abuso sexual, assim
como todas as formas de violência, baseia-se numa relação de poder, na qual
o adulto utiliza-se da criança para obter satisfação sexual. A autora atenta para
o fato de se dever observar que, nessa relação de poder, a criança, muito nova
ainda, não está preparada psicologicamente para o estímulo sexual, e, mesmo
que não possa saber da conotação ética e moral da atividade sexual, quase
invariavelmente acaba desenvolvendo problemas emocionais depois de sofrer a
violência, exatamente por não ter habilidade diante desse tipo de estimulação.

A violência familiar cometida contra crianças e adolescentes provoca


significativas alterações psicológicas, com repercussões na sua vida social.
Segundo Faleiros (1997), as crianças que sofreram algum tipo de violência familiar
apresentam uma desestruturação da imagem simbólica de proteção do adulto
cuidador, desestruturação dos referenciais culturais da família como formadora da
identidade, da socialização e mesmo da ideologia da convivência familiar, o que
compromete, indubitavelmente, a sua saúde.

42
Psicologia Jurídica

Violência contra idosos


O envelhecimento vem crescendo e, conforme dados da National Center on
Elder Abuse (Centro Nacional de Abuso em Idosos dos EUA, 2008), a violência
contra idosos passa a ser considerada um problema mundial, que atinge todas
as populações, independentemente dos fatores sociais, econômicos e culturais.
(GIBBS e MOSQUEDA, 2007; NELSON et al., 2004; LEVINE, 2003).

Segundo Minayo (2006), a violência contra idosos, na compreensão da Rede


Internacional para a Prevenção dos Maus-Tratos contra o Idoso, é definida como
um ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se
produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança.

Acidentes de trânsito, suicídios, politraumatismos e quedas estão entre as principais


causas de mortes entre os idosos. Além disso, a violência institucional contra os
idosos, verificada na degradação dos ambientes asilares, na gestão negligente
dos cuidados à locomoção e acomodação, no despreparo técnico- profissional
ao atendimento à saúde dos idosos, tudo isso constitui fontes flagrantes de
desrespeito às suas necessidades físicas e psicológicas, via de regra noticiado
cotidianamente nos meios de comunicação, embora os casos de violência ainda
sejam subnotificados nas estatísticas oficiais. (GARCIA; CRUZ, 2009).

Dois marcos históricos importantes na história da produção científica sobre


violência contra pessoas idosas são do início da década de 1970: a publicação
dos artigos de Baker (1975) e Burston, G. R. (1975) sobre o granny battering
(espancamento de avós), em duas prestigiosas revistas médicas britânicas,
respectivamente: Modern Geriatrics e British Medical Journal. (GARCIA; CRUZ,
2009). Em 1987, a Associação Americana de Medicina (AMA) relacionou abuso
com dano ou ato de omissão que resulte em ameaça, dano físico e prejuízo à
saúde mental do idoso. O abuso ou maus-tratos também incluem agressão física
e mental, retenção de alimentos, vestuário, falta de assistência médica, que
coloquem em risco, ou não, o idoso. (AHMAD; LACHS, 2002).

No contexto nacional, a existência de negligência e maus tratos contra o idoso


é um fenômeno que somente nas duas últimas décadas começou a despertar o
interesse da comunidade (CALDAS, 2003), e o estudo da prevalência de violência
contra idosos aponta o ambiente familiar do idoso como o seu principal contexto,
vivenciado, muitas vezes, pela vítima como um segredo familiar. (MELO et al., 2006).

Idosos são considerados grupos vulneráveis, principalmente por sua condição


de dependência familiar ou institucional e incapacidades, independentemente de
sua etnia, cor, credo e status social. Conforme o National Center on Elder Abuse
(2008), as principais formas de violência contra os idosos são:

43
Capítulo 2

a. abuso físico: entendido como ações agressivas e brutais


que podem ocasionar prejuízo na saúde física, como fraturas,
hematomas entre outros;
b. abuso sexual: entende-se por qualquer contato sexual sem o
consentimento da pessoa, expondo-a em constrangimento pessoal;
c. abuso psicológico: entende-se por privações ambientais, sociais
e verbais, bem como negação de direitos, humilhações, ou o uso
de palavras e expressões que insultem ou ofendam o idoso com
preconceito e exclusão do convívio social;
d. abandono: significa a ausência da pessoa responsável pelo idoso
na prestação dos cuidados necessários, expondo o idoso a riscos
desnecessários;
e. negligência auto e heterodirigidas: assim entendida, quando
existe uma situação na qual o idoso experimenta sofrimento por
omissão de atenção do cuidador, ou autoinfligida. É considerada
negligência ativa, quando o ato é deliberado; e passiva, quando
resulta de conhecimento inadequado das necessidades do idoso
ou de estresse do cuidador em atender prolongadamente o idoso;
f. abuso financeiro e material: a exploração econômica ou abuso
financeiro e material pode ser definido como apropriação de
rendimentos ou uso ilícito de fundos e propriedades e outros ativos
que pertencem ao idoso.

Assinala-se que os riscos de violência contra os idosos podem estar relacionados


com a idade elevada, déficits no estado de saúde geral, deterioração das funções
neurocognitivas, mudanças comportamentais no ambiente familiar, dependência
física e psíquica, isolamento social e antecedentes de maus-tratos. (FAY e
BARBOSA, 2003; OMS, 2008; GARCIA e CRUZ, 2009).

Melo et al. (2006) destacam que um dos principais problemas relacionados


com a violência contra o idoso está ligado intimamente com este silêncio da
vítima. Mendes et al. (2005) ressaltam que, com a chegada do envelhecimento,
começam a existir perdas na posição de comando e poder, tornando-se visível
a inversão de papéis nas relações entre pais e filhos. Além disso, ressaltam
Swagerty et al. (2006), a utilização de álcool, a falta de privacidade e autonomia
por parte dos idosos são aspectos importantes a serem considerados na
ocorrência da violência contra idosos.

Para Laks et al. (2006), os fatores de risco envolvidos no caso da violência variam
conforme o tipo de abuso ou maus-tratos, sendo que a prevalência seria maior

44
Psicologia Jurídica

entre idosos que apresentam demência e que vivem em famílias marcadas pelos
conflitos e tensões. O arranjo domiciliar mostra que o idoso, em nosso país, vive
majoritariamente dividindo o domicílio com os filhos e netos, diferentemente de
países desenvolvidos, onde a maioria mora com os cônjuges ou vive só. Nesse
sentido, os idosos que vivem com as famílias são os que mais têm probabilidade
de ser vítimas de violência, uma vez que as situações de vulnerabilidade e
dependência são predisponentes da fadiga e da tensão.

Outras expressões de violência


Existem diferentes formas de manifestação da violência e repercussões na saúde
das pessoas. Dentre as principais expressões culturais da violência, destacam-
se aquelas cometidas contra as crianças e os adolescentes, contra a mulher,
também conhecida como violência de gênero, e contra os idosos. Esses grupos
são considerados partes vulneráveis da sociedade. Mas o que vivenciamos
na atualidade mostra que existem muitos outros grupos que integram essa
vulnerabilidade social.

Situações consideradas violentas tais como bullying, homofobias e acidentes


de trânsito têm-se tornado bastante rotineiras. As duas primeiras manifestações
podem refletir em prejuízos físicos e danos psicológicos. A homofobia, por
exemplo, se manifesta de diversas maneiras: de uma forma mais grave pode
resultar em ações de violência verbal e física, podendo levar até ao homicídio.

A construção do preconceito e a visibilidade das discriminações decorrentes,


ambas associadas à condição de emergência das diferenças, seja pela afirmação
e manipulação da condição da diferença, seja por sua insistente negação ou
dissimulação, incita o não reconhecimento das diferenças ou a falta de respeito a
elas, criando novos padrões de violência. (BANDEIRA; BATISTA, 2002).

No caso dos acidentes de trânsito, é inegável que eles constituem um grave


problema em todo o mundo, tanto que já foram considerados de ordem de saúde
pública. Para se ter uma dimensão da questão, a Organização Mundial da Saúde
(OMS), indicou a ocorrência de 1,2 milhão de mortes por acidente de trânsito
no mundo, com mais de 50 milhões pessoas feridas no ano de 2004. Eles se
constituem como a principal causa de mortes entre os homens na faixa etária
entre os 15 e 44 anos.

45
Capítulo 2

No Brasil não é diferente: estima-se a quantia de 35 mil vítimas fatais por ano,
sabendo que, devido ao sub-registro, os valores reais certamente são superiores.
(FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2010).

O Mapa da Violência, divulgado [...] pelo Ministério da Justiça,


mostra que, entre 1998 e 2008, 26,7% das mortes de jovens com
idade entre 15 e 24 anos em São Paulo ocorreram em acidentes
de trânsito, percentual acima dos homicídios, que representaram
24,4% do total. Em Santa Catarina, 37,6% das mortes de jovens
foram no trânsito, bem acima do percentual dos homicídios, de
23,1% do total. O mesmo ocorreu no estado do Tocantins, onde
29,1% das mortes de jovens são no trânsito e os homicídios
representam 25,4% do total. (O GLOBO, 2011).

Esses exemplos comprovam que a violência no trânsito mata mais jovens que os
homicídios. Trata-se de uma realidade que requer atenção por parte da sociedade
e Estado.

Júlio César Fontana Rosa é psiquiatra especializado em comportamento de


trânsito da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Segundo ele,
o risco de se envolver num ato de violência no trânsito é potencializado quando
o veículo se torna um meio para que a pessoa libere sua agressividade. Pode
começar com uma simples troca de olhares, seguindo para cara feia, gestos
obscenos, palavrões, chegando à agressão verbal e até física. (ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DE MEDICINA DE TRÁFEGO, 2011).

Apresentadas algumas questões sobre o fenômeno da violência, cabe indagar


sobre a relação esse fenômeno e a criminalidade.

O conceito de crime, na perspectiva jurídica, pode fazer-se com base em dois


aspectos: os conceitos formais e os materiais.

•• Sob o aspecto formal, pode-se definir crime como sendo “o fato


humano contrário à lei”; como “toda e qualquer ação legalmente
punível”. Nesta perspectiva, não interessa a essência, em seu
conteúdo, em seu material; é apenas o caráter formal que interessa.
•• No aspecto conceitual material, crime é a conduta humana que
lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal.
Nessa perspectiva, o que interessa é a proteção do bem pela lei
penal. O estado tem a finalidade de obter o bem coletivo, mantendo
a ordem, a harmonia e o equilíbrio social, qualquer que seja a
finalidade do estado, ou seu regime político.

46
Psicologia Jurídica

Na Psicologia, o conceito de crime está diretamente relacionado à conduta


humana, ao comportamento humano, e deve ser considerado no contexto no
qual o crime ocorreu. Deste modo, as motivações para o crime, as condições
psicológicas e sociais do sujeito e a cultura são elementos que compõem a
noção de crime. A conduta humana é um dos componentes do fato típico, e,
assim, deve-se definir o crime como fato típico de natureza antijurídica, sendo
que a qualidade jurídica do crime é devida à competência profissional dos
operadores do Direito.

Associada à questão da violência, sempre está a questão da toxicomania ou do


uso abusivo de substâncias psicoativas e suas consequências. Nos debates
sobre a questão, estão colocadas problemáticas de diversas ordens. A principal
preocupação deveria estar em torno da condição de dependência de uma pessoa
relativamente à droga utilizada, ou seja, o lugar que esse uso ocupa no laço social
que cada sujeito estabelece com o meio onde vive.

Assim como a violência, o uso abusivo de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas, também
se constitui num problema de saúde pública. Essa problemática envolve sistemas
sociais do âmbito privado, como o indivíduo e a família, e do âmbito público, como
os serviços de saúde pública, sistema judiciário e a sociedade em geral.

Com a reforma do Código de Trânsito Brasileiro, a partir da lei 11.705/2008, se


estabelecem restrições ao uso e à divulgação de produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, entre outros, para inibir
o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor. (BRASIL, 2008).

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando


com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior
a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra
substância psicoativa que determine dependência:

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a


equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de
caracterização do crime tipificado neste artigo.

A dependência tóxica resulta da interação de um organismo vivo com uma


determinada substância, da qual decorrem alterações significativas na vida das
pessoas. Essas alterações podem ser de natureza física ou psicológica, são
caracterizadas por reações fisiológicas e comportamentos inapropriados, quase
sempre motivados por impulsos não controlados para obter a droga e consumi-
la, a fim de estimular estados perceptivos e de consciência, ou evitar o mal-estar
causado pela falta da droga.

47
Capítulo 2

O conceito de tóxicos (ou venenos), segundo Del Campo (2007, p. 260), remete a

“[...] substâncias de qualquer natureza que, uma vez introduzidas


no organismo e por ele assimiladas e metabolizadas, podem
levar a danos na saúde física ou psíquica, inclusive à morte, na
dependência da dose e via de administração utilizada.”

As drogas tóxicas ou substâncias psicoativas, conforme Croce (1998, p. 546), são


as substâncias químicas, naturais ou sintéticas, que têm a capacidade de agir
sobre o sistema nervoso central, com a tendência ao tropismo pelo cérebro, que
comanda o corpo, alterando a normalidade mental ou psíquica, desequilibrando a
conduta e a personalidade.

A Lei n. 11.343/06 enfatiza a relação entre a toxicomania e a dependência,


quando caracteriza a droga como sendo as substâncias ou os produtos capazes
de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas
atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União, ou seja, caracteriza
a toxicomania com base na condição de dependência que causa na vida das
pessoas.

A toxicomania é o uso habitual, regular e repetido de drogas, ou seja, o


comportamento de dependência a uma ou mais substâncias psicoativas. O
hábito do uso regular de drogas caracteriza o estado de cronicidade no
qual o toxicômano se encontra com relação ao consumo de determinada ou
determinadas drogas.

A Organização Mundial de Saúde define a toxicomania como um estado de


intoxicação crônica ou periódica, prejudicial ao indivíduo e nociva à sociedade,
pelo consumo repetido de determinada droga, seja ela natural ou sintética.

A conduta humana, baseada na toxicomania, segundo a OMS, pode manifestar-


se com base nas seguintes características essenciais:

a. a necessidade e o desejo dominante de continuar a tomar a droga e


de obtê-la por qualquer meio;
b. tendência ao aumento da dose;
c. dependência química e, geralmente, física do uso da droga;
d. efeito prejudicial ao indivíduo e à sociedade.

Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –Sisnad;
prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social
de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.

48
Psicologia Jurídica

Essas características descritas podem ser comparadas aos comportamentos de


compulsão, tolerância e de dependência, que, segundo Del Campo (2007, p. 261),
são definidos como:

a. Compulsão – necessidade invencível de consumo da droga;


b. Tolerância – tendência a aumentar a dosagem da droga para
obtenção dos mesmos efeitos;
c. Dependência – física ou psíquica, com tendência ao
desencadeamento de crises de abstinência ante a privação da
droga.

A classificação fornecida pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos


Mentais (DSM IV, 2002) serve como referência para a classificação de transtornos
mentais. A utilização dessa classificação se justifica pela sua importância e uso, por
parte dos profissionais de Saúde Mental, no cenário nacional e internacional. Seus
conteúdos correspondem aos formulados pela Organização Mundial de Saúde.

Transtornos pelo uso de substâncias psicoativas Incluem o uso excessivo


de álcool, barbitúricos, anfetaminas, cocaína e outras drogas que alteram o
comportamento. A maconha e o tabaco também são incluídos nesta categoria, o
que é controverso. (Fonte: DSM-IV Quadro das principais Categorias Diagnósticas
de Transtornos Mentais – Tabela 15.1).

É notório que a toxicomania causa danos para além da dimensão individual, a


saber, prejuízos para outros e para o meio social.

As alterações comportamentais causadas pelo uso inadequado e excessivo


de drogas atingem e degradam o bem-estar psicológico. Um dos desafios dos
profissionais, tanto da área da Psicologia quanto do Direito, é construir uma
expressão conjunta, que conjugue os elementos legais e sociais com relação aos
cuidados, intervenções e repressões cabíveis a cada caso específico.

O usuário de drogas, tido como dependente, caso fique configurada a doença,


poderá ser considerado imputável, semi-imputável ou inimputável, dependendo
da infração cometida, e, principalmente, se não envolver grave ameaça e
violência para outrem e para a sociedade.

A questão do uso de drogas é uma questão bastante polêmica. Atualmente


está presente em inúmeros países o debate sobre a necessidade de revisão da
criminalização do uso de drogas, motivado, principalmente, pela constatação da
falência das atuais políticas antidrogas.

49
Capítulo 2

Seção 2
Normalidade, patologia e saúde mental
A discussão do conceito de saúde remete, necessariamente, à busca da
compreensão do binômio saúde/ doença. O conceito reducionista de saúde como
ausência de doença necessita de uma ampliação. Ter saúde implica uma visão
mais ampla, o acesso universal aos direitos humanos, civis, sociais e políticos,
garantindo ao ser humano o exercício da cidadania por meio de uma participação
mais efetiva na sociedade.

A saúde é um recurso para o progresso e é importante para a qualidade de vida.


Ela é um direito fundamental e essencial, garantido pela Constituição Federal:

Art. 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado,


garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.

Estudos recentes mostram que não se pode dissociar saúde mental da saúde
física. Elas são inseparáveis. Não há saúde sem uma boa saúde mental, que
está relacionada com algumas das capacidades humanas básicas, como pensar,
estabelecer relacionamentos de interdependência com outros, criar e encontrar
significado para a vida. Além disso, está, também, associada à nossa capacidade
de adaptação às mudanças, enfrentamento de crises e a de sermos criativos.

No que se refere à saúde mental, reconhece-se que as doenças mentais causam


grandes sofrimentos, incapacitação e contribuem para a mortalidade. Colocam
um grande peso sobre a família e a comunidade, e estão, frequentemente,
associadas com estigmas, violação dos direitos humanos, desemprego, exclusão
social e pobreza.

De acordo com o Ministério da Saúde (2004), 3% da população necessita de


cuidados contínuos (transtornos mentais severos e persistentes) e 9% precisa
de atendimento eventual (transtornos menos graves). Quanto aos transtornos
decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, 6 a 8% da população
necessita de atendimento regular, embora existam estimativas mais elevadas (2004).

O cenário mundial acerca da saúde mental reflete uma trajetória histórica


marcada por mudanças conceituais, de paradigmas e de cultura. Para uma
compreensão adequada deste cenário e dos direitos relacionados ao tema e aos
sofredores psíquicos, é preciso ampliar o conhecimento com relação à ‘história
da loucura’ e suas caracterizações.

50
Psicologia Jurídica

A expressão saúde mental possui muitos significados. Vários campos dos


saberes se inter-relacionam em torno do campo saúde mental. Por isso, falar
em saúde mental é, conforme aponta Amarante (2006), ter de levar em conta
uma grande área do conhecimento e de ações que se caracterizam por seu
caráter amplamente inter e transdisciplinar. Com isso, está estabelecida a sua
complexidade.

Em cada sociedade, época ou cultura, é possível identificar tipos sociais ideais,


sadios e normais de acordo com cada um dos padrões estabelecidos. Mas
como chegou nossa cultura a dar à doença o sentido de desvio, e ao doente o
status que o exclui? Para responder a essas questões, precisamos fazer uma
reconstituição histórica acerca da doença mental.

Muitos foram os teóricos que discutiram a construção dos significados acerca


de saúde e doença mental. O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), por
exemplo, cujos postulados acerca deste tema eram uma crítica ao modelo
assistencial de sua época, com suas pesquisas baseadas em documentos
encontrados em arquivos de prisões, hospitais e hospícios, contribuiu
significativamente para compreendermos a constituição histórica do conceito de
doença mental.

Assim, como a tida medicina orgânica (responsável pelas afecções orgânicas


humanas), a área da medicina mental surgiu com a finalidade, a priori, de decifrar
a essência da doença no agrupamento coerente dos sinais que a indicam,
estabelecendo relação entre as doenças e seus sintomas, as formas da doença
com descrição de suas fases de evolução e suas variantes.

O que se evidencia, conforme mostra Foucault (1975), é a doença como reflexo


global da condição do homem no mundo; em vez de ser uma essência fisiológica
ou psicológica, é uma reação geral do indivíduo tomado na sua totalidade
psicológica e fisiológica. Postula-se que a doença é uma essência, uma entidade
específica indicada pelos sintomas que a manifestam.

A sociedade, ao reconhecer a doença mental, torna-se, então, marginalizadora:


ela não quer se reconhecer no doente que ela identifica, e, no mesmo instante em
que ela diagnostica a doença, exclui o doente.

A doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que


a reconhece como tal. (FOUCAULT, 1975).

51
Capítulo 2

Algumas obras clássicas abordam essa temática, como as de Foucault, por


exemplo. A partir delas, é possível compreender a amplitude do conceito de saúde
mental ao longo da história. Mas, antes de estudar essas obras, é importante
resgatar, na trajetória histórica, os conceitos de loucura e alienação como
concepção de doença mental, conforme era concebida em épocas passadas.

A construção histórica acerca do conceito de doença mental


Ao longo da história, foram muitas as concepções acerca do conceito de saúde
e doença mental, reflexo dos padrões culturais e dos paradigmas da época. A
partir desses conceitos, eram estabelecidas condutas sociais com as quais, por
sua vez, se estabeleciam os padrões aceitáveis de comportamento. Os que não
correspondiam a esses padrões eram considerados loucos.

No Renascimento (século XVI), o ‘louco’ era visto como tendo um saber esotérico
sobre os homens e o mundo, um saber cósmico que revelava as verdades
secretas. Nessa época, conforme aponta Sampaio (1998 apud BOCK, 2001),
a loucura significava “ignorância, ilusão, desregramento de conduta, desvio
moral, pois o louco toma o erro como verdade e a mentira como realidade”. Aqui,
estabelece-se a loucura como instância de verdade e moralidade e, desta forma,
eram raros os casos de internação de loucos em hospitais.

Nesse período da história, o louco era considerado um doente ignorado, preso no


interior da rede rigorosa de significações religiosas e mágicas. A forte convicção
das ideias religiosas se estendia para todos os tipos de manifestação humana na
época. Tudo era explicado conforme os preceitos da Igreja.

No século XV, abriram-se na Espanha e Itália, estabelecimentos reservados


especificamente aos loucos, os quais recebiam um tratamento inspirado na medicina
árabe (neste tipo de tratamento havia a inclusão de música, dança e fábulas). O que
se constata é que, nesse período, a cultura ocidental era hospitaleira a estas formas
de experiência, enquanto que, em meados do século XVII, há uma brusca mudança:
o mundo da loucura vai tornar-se o mundo da exclusão.

Apesar do estigma de “possuído” ditado pela religião àqueles que


desencadeavam manifestações tidas como fora dos padrões sociais, a loucura
passa a merecer um rigor mais científico. O surgimento de uma visão mais
científica da medicina possibilita uma interpretação da natureza humana na qual
eram consideradas somente ‘perversões sobrenaturais’. Sobre essa questão,
Foucault (1975) comenta que as pessoas definidas como possuídas eram
doentes mentais, mas eram tratadas como possuídas.

52
Psicologia Jurídica

O pensamento medieval, eminentemente religioso, estabelecia a exclusão social


como uma redenção pelo sofrimento. No classicismo (séc. XVII e XVIII), a loucura
passa a ser reconhecida como pertencente à própria natureza humana.

O louco, até então, ficava recluso no seio familiar, como uma espécie de
mascaramento à segregação social. Ante a possibilidade de tornar-se agressivo,
a sociedade vê-se diante da necessidade de conter essas pessoas. Deste
modo, nos séculos XVII e XVIII, os ‘loucos’ eram aprisionados em casas de
internamento destinadas a miseráveis, doentes e tipos considerados “a-sociais”
sob o julgamento moral da época. A Europa do século XVII deu início à prática da
internação como forma de isolamento daqueles que a sociedade segregou.

É sob a influência do modo de internamento, tal como ele se constituiu no século


XVII, que a doença venérea se isolou, numa certa medida, de seu contexto
médico e se integrou, ao lado da loucura, num espaço moral de exclusão. Mas
será necessário um longo momento de latência, quase dois séculos, para que
esse novo espantalho, que sucede à lepra nos medos seculares, suscite como
ela reações de divisão, de exclusão, de purificação que, no entanto, lhe são
aparentadas de uma maneira bem evidente. Antes de a loucura ser dominada, por
volta da metade do século XVII, antes que se ressuscitem, em seu favor, velhos
ritos, ela tinha estado ligada, obstinadamente, a todas as experiências maiores da
Renascença. (FOUCAULT, 1978, p. 12).

Essas instituições criadas para internação eram, entretanto, destinadas a receber


não somente os loucos, mas, também, todos aqueles que eram considerados
vergonhosos para os valores da época. Estes seriam os inválidos pobres, os
velhos na miséria, os mendigos, os desempregados, os portadores de doenças
venéreas, libertinos de toda espécie, pais de família dissipadores, eclesiásticos
em infração, todos aqueles que, em relação à ordem da razão, da moral e da
sociedade, dão mostra de “alteração”.

O diagnóstico da loucura sempre foi moral, sendo o pedido de internação (em parte
dos casos) uma iniciativa da família do louco, com o conseqüente consentimento
da Justiça. A loucura sai, então, de um espaço de familiaridade e hospitalidade
para ser colocada em exclusão, ao serem criados os internamentos em hospitais.
Muito embora essas instituições tenham nascido como instituições religiosas,
filantrópicas, de cuidados dos necessitados, dos mendigos etc., o internamento
não silenciou por muito tempo a loucura (apenas um pouco mais do que um
século), estes estabelecimentos não apresentam a finalidade médica, mas sim a de
desprivilegiar socialmente a loucura. O internamento que o louco, juntamente com
outros, recebe na época clássica não põe em questão as relações da loucura com
a doença, mas as relações da sociedade consigo própria.

53
Capítulo 2

Com o internamento, o que se almeja é o esquecimento, o silenciamento daquilo


para que não se tem explicação concreta, coerente e científica. Exclui-se, então,
o louco do convívio social.

A partir do meio do século XVIII, esse silêncio é quebrado, e, aos poucos, o louco
reaparece nas sociedades. A partir disso, surgem, então, novas reclamações
acerca dessa liberdade; a inquietude renasce e, com ela, os internamentos
exclusivamente para os loucos.

A partir da Revolução Francesa, essas instituições começaram a ser reformadas.


Amarante (2006, p. 617-618) afirma que “dentre as metas revolucionárias,
inspiradas no lema ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’, existiam os objetivos
de superar a natureza de violência e exclusão social que tais instituições
representavam”. Os loucos deixam de ser enclausurados por motivos sociais e
religiosos, para serem excluídos por motivos médicos.

Psiquiatria é uma No século XIX, em uma dessas instituições, Philippe


especialidade da Pinel operou um processo de transformações que deu
Medicina que lida
com a prevenção,
origem à Psiquiatria: ele deixou nas instituições somente
atendimento, os doentes, que eram separados de acordo com o tipo
diagnóstico, tratamento de enfermidade, os chamados asilos. E foi nessa rotina
e reabilitação das
de identificar as patologias, observá-las, descrevê-las
doenças mentais
humanas. minuciosamente, classificá-las e depois separá-las, que a
medicina clínica toma forma na sociedade.

Pinel e seus contemporâneos e sucessores, conforme mostra Foucault (1975),


não romperam com as antigas práticas de internamento, pelo contrário, eles
as estreitaram em torno do louco. A cura significava estimular no louco os
sentimentos de dependência, humildade, culpa e reconhecimento, que são a
armadura moral da vida familiar. Para isso, utilizavam meios como: ameaças,
humilhações, castigos, privações alimentares, entre outros. O louco tinha que
ser vigiado nos seus gestos, rebaixado em suas pretensões, contradito em seu
delírio: a sanção tinha que seguir imediatamente qualquer desvio em relação a
uma conduta normal.

No processo de reconhecimento das doenças, Pinel estabelece a primeira


modalidade de organização da Psiquiatria, chamada de alienismo, dedicada
especialmente ao que ele denominou de alienação mental, conceito médico para
nomear o que era conhecido até então sobre a loucura.

Etimologicamente, o termo alienação provém do latim alienatio, que significa


separação, ruptura, delírio, estar fora de si, fora da realidade; alienado significa
tornar algo alheio a alguém, tornar algo pertencente a outro.

54
Psicologia Jurídica

Nessa época, nomear alguém de alienado significava afirmar que ele seria
incapaz de participar da sociedade. Para Pinel, a alienação mental seria fruto,
não de uma perda total da Razão, mas de um distúrbio na Razão. Esse conceito,
numa época marcada pelo Iluminismo e Racionalismo, era suficiente para excluir
as pessoas identificadas como tais. (AMARANTE, 2006).

A prática de Pinel era denominada de tratamento moral, o qual consistia em uma


série de regras, princípios e rotinas adotada nas instituições que tinham como
finalidade reorganizar o mundo interno dos alienados.

O mundo das ideias foi contemplado por obras filosóficas precursoras dos
grandes tratados de Psicologia e também por literatura clássica em que os
autores conseguiam descrever doenças mentais e estados psicológicos em seus
personagens, tais como Shakespeare e Cervantes. Neste sentido, como uma
crítica à prática médico-psiquiátrica adotada nessa época, Machado de Assis
escreveu o livro O Alienista, considerada uma das mais importantes de suas
obras. Vale a pena conferir!

O Alienista, de Machado de Assis


Simão Bacamarte, o protagonista, médico conceituado em Portugal e na Espanha,
decide enveredar-se pelo campo da Psiquiatria e inicia um estudo sobre a loucura e
seus graus, classificando-os.

Funda a Casa Verde, um hospício na vila de Itaguaí e abastece-o de cobaias


humanas. Pretende separar o reino da loucura do reino do perfeito juízo, mas a
confusão em que ambas se misturam, acaba aborrecendo o Doutor, o qual, para
levar a efeito a seleção dos loucos, tem de saber o que é a normalidade. Assim,
qualquer desvio do que era o comportamento médio, a aparência pública, qualquer
movimento interior que diferisse da norma da maioria era objeto de internação.

Passa, então, a internar todas as pessoas da cidade que ele julgue loucas; o
vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, o sem opinião própria, a indecisa, etc.

No começo, a vila de Itaguaí aplaudiu a atuação do Alienista, mas os exageros


de Simão Bacamarte ocasionaram um motim popular, a rebelião das canjicas,
liderada pelo ambicioso barbeiro Porfírio. Porfírio acaba vitorioso, mas, em seguida,
compreende a necessidade da Casa Verde e alia-se a Simão Bacamarte.

Há uma intervenção militar, os revoltosos são trancafiados no hospício e o Alienista


recupera seu prestígio. Entretanto, Simão Bacamarte chega à conclusão de que
quatro quintos da população internada eram casos a repensar. Inverte o critério de
reclusão psiquiátrico e recolhe a minoria: os simples, os leais, os desprendidos e
os sinceros. O Alienista, contudo, imbuído de seu rigor científico, percebe que os
germes do desequilíbrio prosperam, porque já estavam latentes em todos.

55
Capítulo 2

No final, ele conclui que essas pessoas também nunca foram loucas e que nunca
houve uma pessoa insana em Itaguaí e pensa ele mesmo ser louco, ou seja, acaba
por deslocar seu estudo para si mesmo. Recolhe-se, então, à Casa Verde para
estudar e curar a si mesmo. Morre meses depois da mesma maneira que entrou,
sem ter havido nenhuma evolução. Apesar do boato de que ele seria o único louco
de Itaguaí, recebeu honras póstumas.

Nesse processo de construção de um novo paradigma da Psiquiatria, o conceito


formulado por Robert Castel (1979 apud AMARANTE, 2006) também merece ser
destacado: o conceito de isolamento. Na perspectiva de Pinel e seus seguidores,
o isolamento era essencial para que se pudesse estudar e compreender o objeto
de estudo. Por isso, os alienados eram separados de suas famílias, de seus
vizinhos e amigos. Essas ações tinham o objetivo de isolar o alienado, de forma
a evitar as interferências a que este pudesse estar sujeito, ao permanecer no
convívio social.

O isolamento, segundo este novo paradigma médico, “permite à pessoa internada


em uma instituição bem estruturada, uma reorganização interna pessoal. A
instituição é, por si mesma, um tratamento.” (AMARANTE, 2006, p. 619).

Perceba que a loucura, ao se tornar um fato da natureza humana essencialmente,


se inscreve na dimensão da interioridade; e, por isto, pela primeira vez no mundo
ocidental, a loucura recebe status, estrutura e significações psicológicas.

O hospital psiquiátrico, conforme modelo de Pinel, após alguns anos, foi alvo de
denúncias, maus-tratos, violência e violação dos direitos humanos das pessoas
internadas. Com isso, surgem propostas de mudanças do modelo psiquiátrico
centrado no hospital, que demarcam, segundo Amarante (2006), uma das
concepções acerca da doença mental: as reformas psiquiátricas.

A maioria das propostas sobre a reforma psiquiátrica considera a criação de


centros de saúde mental comunitários, em que as pessoas continuariam a ser
acompanhadas após a alta hospitalar ou onde seriam tratadas logo que fosse
identificado algum problema psiquiátrico. De qualquer forma, “o hospital continuava
sendo referência fundamental para as situações consideradas graves ou de crise”.

É neste contexto que surge Franco Basaglia (1929 – 1980), principal personagem
no processo de reforma psiquiátrica, em nível mundial, o qual propunha
que a doença fosse separada, para que se pudesse tratar as pessoas que
experimentam o sofrimento psíquico e lidar com elas, isto é, propunha a extinção
dos manicômios e a construção de serviços e estratégias que substituíssem o

56
Psicologia Jurídica

modelo manicomial. Ações semelhantes são realizadas aqui no Brasil, porém


mais recentemente, principalmente após a Constituição Federal de 1988.

Os movimentos precursores da Reforma Psiquiátrica brasileira, surgidos nos


Estados Unidos e Europa a partir de meados do século XX, apontavam críticas ao
atendimento dispensado aos portadores de doença mental, quando eram excluídos
e segregados da sociedade, demandando ações com vistas a um atendimento
mais humanizado, de forma a garantir sua dignidade enquanto cidadão.

O desenvolvimento de saberes acerca da loucura tornou possível uma análise


psicológica da loucura e a própria psicologia. A psicologia “objetiva”, “positiva” ou
“científica”, conforme aponta Foucault (1975), encontrou sua origem histórica e seu
fundamento na experiência patológica, ou seja, o objeto de estudo da psicologia
(homem) só se tornou “psicologizável” a partir do momento em que sua relação
com a loucura permitiu uma psicologia, a partir do momento em que sua relação
com a loucura foi definida pela dimensão exterior da exclusão e do castigo, e pela
dimensão interior da hipoteca moral e da culpa. Mas esta psicologização é apenas
a consequência superficial de uma operação por meio da qual a loucura passa a
ser inscrita num sistema de valores e de repressões morais.

A Psicologia e a loucura firmam uma relação que permite perceber a


complexidade desta última. A noção de “doença mental” é apenas a loucura
alienada, alienada nesta Psicologia que ela própria tornou possível. Para Foucault
(1975), será preciso, um dia, fazer um estudo da loucura liberada e desalienada,
destituída, de certo modo, de sua linguagem de origem.

É importante notar que, como consequência dessa mudança, o homem não é


tratado nem completamente como doente, nem como criminoso, nem como
feiticeiro, tampouco inteiramente como pessoa comum. Ao longo da história, ele
mostra que, apesar das alternativas, sempre foi alvo das compreensões culturais
acerca de uma dada realidade histórica.

A partir de meados do século XIX, com a existência da Psicanálise, a percepção


da loucura torna-se, então, o reconhecimento da doença. Mas nada a engaja
ainda a ser diagnosticada de “doença mental”. Ainda aqui, nenhuma medicina
admite a distinção entre doenças do corpo e do espírito; cada forma patológica
referia-se ao homem na sua totalidade.

O termo Saúde Mental se justifica, assim, por ser uma área de conhecimento
que, mais do que diagnosticar e tratar, liga-se à prevenção e promoção de saúde,
preocupando-se em reabilitar e reincluir o paciente em seu contexto social.

A organização teórica da doença mental está ligada a todo um sistema de


práticas: organização da rede médica, forma de assistência, distribuição dos
cuidados, critérios de cura, definição da incapacidade civil do doente e sua

57
Capítulo 2

irresponsabilidade penal, em resumo, todo um conjunto que define, em uma


cultura dada, a vida concreta do louco. (FOUCAULT, 1975).

Entretanto, seria preciso também mostrar o movimento por meio do qual uma
cultura chega a se exprimir, positivamente, nos fenômenos que rejeita. Mesmo
silenciada e excluída, a doença mental tem valor de linguagem, e seus conteúdos
adquirem sentido a partir daquilo que a denuncia e a repele como loucura.

A saúde mental toma a definição de saúde proposta pela Organização Mundial


de Saúde (OMS) e postula que a etiologia da doença mental é biopsicossocial,
ou seja, composta pela união dos enfoques biológicos, psicológicos e sociais.
A Psicanálise, formulada por Freud, afirma Cohen et al. (1996), traz uma
contribuição importante ao estruturar uma teoria do inconsciente que lança nova
luz sobre as forças que interferem no funcionamento mental.

No início do século XX, partindo do tratamento de pacientes adultos com vários


tipos de perturbações, Freud chocava a humanidade, impondo uma radical e
profunda mudança na forma de explicar a constituição histórica do indivíduo e da
cultura. Foi a criação da Psicanálise.

Suas teorias sobre a estruturação do psiquismo constatam que os


acontecimentos vivenciados na infância eram os determinantes da personalidade
na idade adulta; bem como dos problemas de ordem emocional.

Freud causou um impacto decisivo ao mostrar a importância dos primeiros


anos de vida na estruturação da personalidade. Eles determinam o curso do
desenvolvimento do sujeito relativo à saúde mental, e da adaptação social
adequada ou da patologia

Ao “descobrir” o inconsciente, Freud subverte uma noção tradicional de sujeito,


afirmando que há uma lei que foge ao governo da consciência. Isso significa
afirmar que os seres humanos não têm total autonomia sobre seus pensamentos
ou suas condutas.

Assim, o inconsciente, ao interpor-se entre o sujeito e o real, liga a lei – que é


do plano da sociedade, ao desejo –que é do plano do sujeito, e declara que a
consciência não é o seu centro.

O que é normal? Quais os critérios adotados para classificar o que é normal


e o que é patológico?

58
Psicologia Jurídica

Responder a estas perguntas é bastante complexo, uma vez que o conceito de


normal e patológico é relativo. Até porque, como menciona Bock (2001), do ponto
de vista cultural, o que numa sociedade é considerado normal, adequado ou
aceito, em outra sociedade ou em outro momento histórico pode ser considerado
anormal, desviante ou patológico.

Estudos científicos realizados em determinadas áreas de conhecimento


estabelecem padrões de comportamento ou de funcionamento do organismo sadio
ou da personalidade adaptada, estabelecendo os critérios de avaliação. Esses
padrões ou normas relacionam-se com as médias estatísticas do que se deve
esperar do organismo ou da personalidade, enquanto funcionamento e expressão.

Com os estudos referentes à mente humana e aos desvios de comportamento,


surge, então, a chamada Psicopatologia. Trata-se da tentativa de construir uma
descrição das enfermidades psíquicas.

A Psicopatologia pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes


ao adoecimento mental do ser humano. Não se trata de uma classificação
ou julgamento moral, e sim da observação, identificação e compreensão da
doença mental em seus diversos aspectos. Em outras palavras, o campo da
Psicopatologia inclui um grande número de fenômenos humanos associados ao
que se denominou historicamente doença mental.

Psicopatologia (de psico + patologia) se define como patologia das doenças


mentais ou como o estudo das causas e natureza das doenças mentais.

•• Psico, vem do grego –psyché –que significa alento, sopro de vida,


alma.
•• Patologia, afecção, dor, pato, que também provém do grego –
pathos – significa “doença, paixão, sentimento”.

Ambos os termos foram introduzidos na linguagem científica internacional a partir


do século XIX.

Para Karl Jaspers (1883 – 1969), um dos principais autores da psicopatologia


moderna, a Psicopatologia é uma ciência básica, que serve de auxílio à
Psiquiatria, ou seja, é a responsável pelo estudo das manifestações da
consciência, sejam essas manifestações consideradas normais ou anormais.

Psicopatologia pode ser definida como estudo descritivo dos fenômenos


psíquicos de cunho anormal, exatamente como se apresentam à experiência
imediata, de forma independente dos problemas clínicos. Estuda os gestos, o
comportamento e as expressões dos enfermos além de relatos e autodescrições
feitas pelos mesmos. (JASPERS, 2003).

59
Capítulo 2

A normalidade pode ser descrita com base na referência de bem-estar psicológico


e da predominância de traços psicológicos considerados mentalmente saudáveis,
em contraposição aos traços psicológicos mentalmente enfermos.

Sendo assim, o diagnóstico diferencial da normalidade está baseado nos


conceitos de bem-estar e estabilidade emocional nos diferentes processos
mentais, nas suas dimensões cognitivas, afetivas e relacionais.

Há vários critérios de normalidade e anormalidade, principalmente na Medicina e


na Psicopatologia. Atkinson (2002), por exemplo, apresenta cinco critérios para
identificar o bem-estar psicológico, que são:

1. Percepção adequada da realidade – coerência nas avaliações


entre o que interpretam da realidade e de como reagem a ela. Este
critério está relacionado com a capacidade de distinguir contextos
e responder aos estímulos apresentados.
2. Capacidade de exercer controle voluntário sobre o comportamento
– reação voluntária da pessoa baseada no controle dos impulsos.
Significa dizer que os comportamentos emitidos por uma pessoa
não resultam de impulsos incontroláveis, deslocados da realidade e
da necessidade.
3. Autoestima e aceitação – as pessoas bem ajustadas reconhecem
seu valor pessoal e são capazes de reconhecer o valor dos outros
também. Conseguem agir com espontaneidade e responder, com
limites socialmente aceitáveis, quando suas opiniões divergem
das do grupo. Sentimentos de falta de valor, alienação e falta
de aceitação são comuns entre indivíduos com diagnóstico
psicopatológico.
4. Capacidade de formar relacionamentos afetivos – são indivíduos
capazes de estabelecer relacionamentos íntimos e gratificantes com
as outras pessoas. Conseguem distinguir o que são necessidades
suas das necessidades dos outros e não se sobrepõem aos outros
também. As relações têm características de altruísmo e de trocas
sociais baseadas no afeto positivo.
5. Produtividade – é a capacidade percebida nas pessoas bem-
ajustadas, de canalizar suas atividades para fins produtivos.
Geralmente apresentam entusiasmo pela vida e facilidade para
atender às demandas do cotidiano.

60
Psicologia Jurídica

Observa-se que as alterações comportamentais causadas pelo uso inadequado e


excessivo de drogas, por exemplo, atingem e degradam o bem-estar psicológico,
via de regra, nessas cinco dimensões.

No processo de identificação dos critérios de normalidade, encontramos em


Kaplan (1997), outra descrição do que vem a ser esse quadro. Segundo ele,
normalidade por ser enquadrada em quatro perspectivas funcionais:

1. Normalidade como saúde – é um enfoque basicamente médico-


psiquiátrico tradicional da saúde e da doença, pois iguala
normalidade com saúde, vendo a saúde como um fenômeno
praticamente universal. Em Psicologia, alienação é o estado
patológico de indivíduo que se tornou alheio a si mesmo, deixando
de ser responsável plenamente por seus atos.
2. Normalidade como utopia – trata-se de enfoque que emerge
ao falar sobre a pessoa ideal ou ao discutir os critérios para um
tratamento eficaz. É creditado a Freud, pois, segundo ele, “um ego
normal é como a normalidade em geral, uma ficção ideal”.
3. Normalidade como média – enfoque empregado nos estudos
normativos do comportamento, está baseado no princípio
matemático: a faixa intermediária do continuum como normal e
ambos os extremos como desvios do normal.
4. Normalidade como processo – aqui, o comportamento normal é
o resultado final de sistemas que interagem entre si. Com base
nessa definição, as alterações temporais são essenciais para uma
definição completa de normalidade.

O que percebemos, apesar de todos os avanços nas ciências que estudam o


comportamento e a mente humana, é que não se pode compreender ou explicar
tudo o que existe em um homem por meio de conceitos psicopatológicos.
Por exemplo: ao se diagnosticar Van Gogh como esquizofrênico (ou epilético,
maníaco-depressivo ou qualquer que seja o diagnóstico formulado); ao se fazer
uma análise psicopatológica de sua biografia, isso nunca explicará totalmente a
vida e obra de Van Gogh. Sempre haverá algo que transcende à psicopatologia, e,
mesmo à ciência, e que permanece no domínio do mistério.

Em várias ocasiões, Vincent Van Gogh (1853 – 1890), teve ataques de violência
e seu comportamento tornou-se muito agressivo, chegando ao ponto de cortar
sua própria orelha. Seu estado psicológico chegou a refletir-se em suas obras.
Mas, no ano de 1889, sua doença ficou mais grave e teve que ser internado numa
clínica psiquiátrica. Nesta clínica, dentro de um mosteiro, havia um belo jardim

61
Capítulo 2

que passou a ser sua fonte de inspiração. Porém, a situação depressiva não
regrediu e, no dia 27 de julho de 1890, atirou em seu próprio peito, morrendo três
dias depois.

A abordagem psicológica analisa a doença mental como desorganização da


personalidade: ela instala-se na personalidade e leva a uma alteração de sua
estrutura ou a um desvio progressivo em seu desenvolvimento. Segundo Bock
(2001, p. 353), “as doenças mentais definem-se a partir do grau de perturbação
da personalidade, isto é, do grau de desvio do que é considerado como
comportamento padrão ou como personalidade normal.”

As doenças mentais e os transtornos cerebrais provocam sofrimento, causam


incapacidades e podem até reduzir os anos de vida, como se constata pelos
episódios de depressão depois de um ataque cardíaco, pelas doenças hepáticas
da dependência alcoólica ou pelos suicídios.

A título de ilustração, observe a relação elaborada pela Organização Pan-


Americana de Saúde – OPAS, que sintetiza algumas dessas doenças mentais e
outras cerebrais, seus tratamentos e características.

Quadro 2.1 – Síntese das principais doenças mentais e outras cerebrais, século XX

Doença Característica Tratamento


Esquizofrenia Caracteriza-se por uma deterioração no Os tratamentos são tanto de natureza
modo de pensar e de sentir, afetando a fala, o biológica (medicamentosa) como
pensamento, a percepção e o sentido do ego. psicossocial (educação da família sobre
Muitas vezes inclui experiências psicóticas, psicologia e reabilitação).
tais como ouvir vozes ou agarrar-se a crenças
fixas anormais, conhecidas como delírios.

Perturbações Esses distúrbios caracterizam-se pelo Apesar de existirem soluções, a


depressivas estado de espírito deprimido e a perda de maioria das pessoas com depressão
interesse e de prazeres. Se alternadas com não recebe tratamento adequado.
euforias exageradas e irritabilidade, passam Isto significa que, atualmente, há
a ser consideradas perturbações bipolares milhões de pessoas em nossa região
(um polo, depressão; outro polo, euforia e afetadas por esse distúrbio e cujo
mania). Sua gravidade, os sintomas que sofrimento prolonga-se porque seu mal
acompanham o estado de espírito deprimido passa despercebido ou elas não são
e a duração dos distúrbios são o que as tratadas corretamente. A relutância
diferenciam das mudanças normais nas em expressar seus sentimentos, ou
disposições de ânimo que fazem parte da pessoal médico pouco habilitado
vida. As causas para essas perturbações podem ser a causa subjacente do
variam; existem fatores psicossociais que problema. Felizmente existem hoje
influenciam o aparecimento e a persistência diretrizes claras para o tratamento da
dos episódios depressivos assim como vários instabilidade temperamental incluindo
fatores biológicos. tanto medicamentos antidepressivos,
como intervenções psicológicas.

62
Psicologia Jurídica

Doença Característica Tratamento


Doença de Responsável por 50 a 60% de todos os Atualmente não existe cura para essa
Alzheimer casos de demência em todo o mundo. A doença. Durante os últimos cinco
demência é uma síndrome degenerativa anos, o número de medicamentos
progressiva do cérebro que afeta a memória, sendo criados ou estudados para
o modo de pensar, o comportamento e as uso por pessoas com demência,
emoções. A fase final da doença é de total particularmente a doença de Alzheimer,
dependência e inatividade. Nessa fase, as tem aumentado. Esses medicamentos
pessoas não têm mais a capacidade para parecem proporcionar alívio sintomático
cuidar de si mesmas e não reconhecem seus para alguns pacientes. As intervenções
parentes, amigos e objetos familiares. por parte de familiares que cuidam do
doente podem reduzir o sofrimento da
família e o da pessoa sofrendo dessa
doença.

Epilepsia É uma doença cerebral caracterizada por Soluções existem, de modo que até
convulsões repetidas (ataques) que podem 70% dos novos casos diagnosticados
tomar formas variadas, indo desde um podem ser tratados com êxito com
curtíssimo lapso de atenção até convulsões medicamentos antiepiléticos. Depois
graves frequentes. As causas são múltiplas, de 2 a 5 anos sem convulsão, o
por exemplo: trauma cerebral, infecções tais medicamento antiepilético poderá ser
como encefalite, parasitas, álcool ou outras gradativamente abolido em 60% a
substâncias tóxicas. 70% dos casos, desde que o médico
indique esse tipo de ação.

Retardamento É um estado mental de desenvolvimento Uma atitude positiva, junto com


mental incompleto ou interrompido da mente, programas educacionais e profissionais
caracterizado pela deterioração das apropriados, pode ajudar quem sofre
habilidades (tais como a cognitiva, a da de retardamento mental a se ajustar
linguagem, a motora e a social). Afeta, e ter êxito e atuar no máximo de sua
portanto, o nível geral de inteligência. capacidade.
Fonte: Adaptado de OPAS (2009).

O que se observa e vale aqui registrar: o normal não é determinativo para todas as
pessoas e, sim, torna-se variável de acordo com as condições individuais. Com
isso, o limite entre o normal e o patológico torna-se impreciso. Aquilo que é normal,
afirma Canguilhem (2000, p. 145), “apesar de ser normativo em determinadas
condições, pode se tornar patológico em outra situação, se permanecer inalterado.
[...] A doença é, ao mesmo tempo, privação e reformulação.”

O discurso científico sobre os comportamentos humanos e sobre aqueles


fenômenos considerados patológicos ou anormais não teve impacto apenas
sobre a prática psiquiátrica. Seus efeitos foram percebidos, também, na prática
jurídica. A legislação sempre levou em consideração o “estado mental” do sujeito
envolvido em questões jurídicas.

63
Capítulo 2

No Brasil, a política com relação ao tratamento dos transtornos mentais


permaneceu sempre “atrelada” ao modelo europeu do século XIX, centrado no
isolamento em instituições fechadas das pessoas suspeitas de alguma doença,
toxicômanos e intoxicados habituais, mesmo quando tal modelo tornou-se
ultrapassado em muitos outros países.

Em 1916, o Código Civil prescrevia a interdição civil e a conseguinte curatela


aos “loucos” de todos os gêneros. Até recentemente, a Saúde Mental brasileira
estava ligada à legislação de 1934, que legalizava o sequestro de pessoas e a
subsequente cassação de seus direitos civis, submetendo-os à curatela do Estado.

O paciente era visto como um transtorno para a sociedade e, por isso, as práticas
adotadas sequestravam este cidadão, temporariamente, dos direitos civis,
isolando-o e segregando-o em manicômios, afastando-o dos espaços urbanos.
No Brasil, na década de 1960, chega-se à margem de cem mil leitos psiquiátricos,
ao passo que, no restante do mundo, estavam sendo refeitos conceitos sobre o
tratamento desta clientela. O motivo desta situação? A resposta é simples: nessa
época, o país atravessava a plena fase da ditadura militar e não havia espaço
para nenhum tipo de questionamento político e social. Dentro deste contexto,
reforçava-se que o louco era de difícil convivência, perigoso e representava o
diferente do convencional, do aceitável pelas regras sociais. Por isso, fazia-se
necessário segregá-lo, sequestrá-lo e cassar seus direitos civis, submetendo-o à
tutela do Estado.

A Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, também conhecida como Lei Paulo


Delgado e como Lei da Reforma Psiquiátrica, instituiu um novo modelo de
tratamento aos transtornos mentais no Brasil. Esta Lei propõe a regulamentação
dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos
manicômios no país. Em seu artigo 5º, afirma que:

Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual


se caracterize situação de grave dependência institucional,
decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte
social, será objeto de política específica de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da
autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser
definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do
tratamento, quando necessário.

Neste processo de mudanças do sistema psiquiátrico, juntamente com


os avanços da Constituição de 1988, surgiram espaços de elaboração e
aprofundamento de leis voltadas para o atendimento das questões sociais,
buscando um novo estado de direito para o doente mental.

64
Psicologia Jurídica

Na ocorrência de delitos, mostra a nossa história que muitos advogados utilizavam


a loucura como argumento para inocentar ou amenizar a pena de seus clientes
que praticavam crimes hediondos. Infelizmente para os clientes, esta estratégia
nem sempre dava certo, pois acabavam sendo condenados e encaminhados
aos manicômios judiciários (MJ). Uma coisa era certa: todos os que no hospício
chegavam eram submetidos às rotinas institucionais, que incluíam na terapêutica
a camisa de força, o eletrochoque, a medicação em excesso e inadequada, e as
psicocirurgias, à revelia do querer do cliente. (BRASIL, 2003).

A discussão em torno da necessidade da criação de um manicômio criminal teve


início antes mesmo que a Psiquiatria fosse legitimada enquanto prática médica
especializada, o que ocorreu em 1903 (MACHADO et al, 1978; CARRARA, 1987;
AMARANTE, 1994). É importante considerarmos, no entanto, como aconteceu
este processo e, para isso, está aqui uma noção que se mostrou central para este
trabalho: a periculosidade.

A periculosidade dos doentes mentais é definida como a probabilidade que


estes apresentam de cometerem atos violentos e delituosos. (BARBIER, 1990;
HUNGRIA & FRAGOSO, 1978).

A legislação penal em torno da questão da loucura-criminosa se utiliza deste


conceito de forma explícita para justificar o tipo de sanção penal que é aplicada
aos doentes mentais. (HUNGRIA & FRAGOSO, 1978; DELMANTO, 1991).

A moderna percepção da loucura e do crime é fruto de um processo que perdura


há muitos anos. A ideia que vigora perpassa a diferença de essência entre
as transgressões realizadas por pessoas consideradas “alienadas” e aquelas
provenientes de pessoas consideradas “normais”.

Segundo Carrara (1998), há distinção entre os atos desviantes fruto da loucura e


os atos desviantes fruto da delinquência. Diante disso, os manicômios judiciários
são destinados aos loucos-criminosos.

No que se refere à indicação de doença mental do acusado, o Código de


Processo Penal estabelece o seguinte:

Art. 149 – Quando houver dúvida sobre a integridade mental do


acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente,
irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame
médico-legal.
§ 1º – O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito,
mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.
§ 2º – O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o
exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal,
salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo
adiamento.

65
Capítulo 2

No que tange à imputabilidade, suas bases estão solidamente condicionadas à


saúde mental e à normalidade psíquica. Representa a condição de quem tem
a capacidade de realizar um ato com pleno discernimento e com a vivência de
direcionar suas atitudes.

Ballone (2005) afirma que, para a Psicopatologia, a imputabilidade estaria


condicionada a pelo menos duas funções psíquicas plenas (juízo da realidade e
o controle da vontade) e uma função psíquica relativa (conhecimento da ilicitude).
Essa é uma função psíquica relativa, porque envolve condições que podem
ultrapassar os limites da patologia (cultural, ambiental, educacional etc.).

Ainda, segundo o autor, para haver o dolo, há necessidade de que três elementos
estejam preservados: a consciência do ato (psíquico), a vontade (psíquico) e
o conhecimento da ilicitude (normativo). Para haver a culpa, sem dolo, deve
haver ausência ou prejuízo de um ou mais desses três elementos. Grosso modo,
poderíamos ainda dizer que a culpa pode existir independente da consciência,
mas o dolo, não.

Jaspers (2003) acredita que somente se exerce a vontade ou as ações voluntárias


quando há possibilidades de escolha, de reflexão e de decisão. Caso não
haja esse conjunto circunstancial, o ato será impulsivo, isto é, será mera
descarga motora, sem direção e sem conteúdo, ou será ainda instintivo, sem
considerações conscientes, embora dotadas de finalidade.

A Psicose é considerada uma das situações psicopatológicas que envolvem a


inimputabilidade, na qual ocorre uma perda severa da racionalidade consensual,
não permite que a pessoa, apesar de saber perfeitamente contar dinheiro, dirigir,
vestir-se etc., não tem juízo crítico pleno dos propósitos para os quais faz tudo isso.

Desta forma, podemos admitir a existência de ideia delirante quando uma pessoa
comum declara, sem qualquer fundamento, que se transformou no chefe da
rede de espionagem de uma grande potência, por meio da hipnose dos espíritos,
ao passo que não desconfiamos necessariamente de delírio quando alguém,
muito religioso, se julga convocado pelos desígnios divinos a ajudar os pobres.
(BALLONE, 2005).

A inimputabilidade é caracterizada pelo artigo 26 do Código Penal, que adota


o método biopsicológico, isto é, leva em conta fatores biológicos e fatores
psicológicos.

Nesse caso, os fatores biológicos seriam a Doença Mental, o Desenvolvimento


Mental Incompleto e o Desenvolvimento Mental Retardado, e os fatores
psicológicos seriam a incapacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com este entendimento (prejuízo das capacidades
intelectivas e volitivas).

66
Psicologia Jurídica

Leitura complementar
CRUZ, R. M.; MACIEL, S. K.; RAMIREZ, D. O trabalho do psicólogo no campo
jurídico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

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KEMPE, R.S.; KEMPE, C.H. Niños maltratados. Madri: Ediciones Morata, 1995.

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JAMISON, Kay Redfield. Uma mente inquieta: memórias de loucura e


instabilidade de humor. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ASSIS, Machado de. O alienista. Coleção Bom Livro. São Paulo: Ática, 1998.

Sugestões de filmes
O Instinto (Instinct)

Em uma de suas viagens, o Dr. Ethan Powell (Anthony Hopkins), um famoso


antropologista, desaparece. Ele é encontrado em Ruanda dois anos depois,
mas, antes de ser detido, ele mata três homens e fere dois. Após algum tempo,
o governo americano consegue sua custódia, e ele passa a ser analisado pelo
Dr. Theo Calder (Cuba Gooding Jr.), um psiquiatra que considera este caso uma
oportunidade rara. Por algum motivo, o Dr. Powell não fala uma única palavra, mas,
aos poucos, esta barreira é quebrada e o médico aprende muito da vida com o
antropólogo, que muitos consideram louco. Recomendado para aqueles que não
se assustam facilmente, já que é um filme que apresenta cenas fortes e violentas.

Direção: Jon Turteltaub

Atores: Anthony Hopkins, Cuba Gooding Jr., Donald Sutherland, Maura Tierney,
George Dzundza

Gênero: Suspense

Duração: 2h 07min

67
Capítulo 2

Um estranho no ninho (One Flew Over the Cuckoo’s Nest)

Randle Patrick McMurphy (Jack Nicholson) é um condenado que se fez de louco


para conseguir ser transferido da prisão para um hospital psiquiátrico. Ganha a
inimizade da enfermeira-chefe, por incentivar os outros internos à rebeldia. Mal
sabia que, ao chegar lá, encontraria algo totalmente diferente do que poderia
imaginar. Apesar de ser um filme relativamente antigo, permanece uma boa
indicação, pois revela as engrenagens de poder, marginalização de desajustados,
tratamento de doentes mentais e atitudes inconformistas. Um retrato fiel das
instituições psiquiátricas tradicionais na época.

Direção: Milos Forman

Atores: Jack Nicholson, Louise Fletcher, William Redfield, Michael Berryman, Peter
Brocco

Gênero: Drama

Duração: 2h 09min

A Marca (Twisted)

Recém promovida ao cargo de detetive, a policial Jessica Shepard (Ashley


Judd) está à procura de um serial killer, mas fica chocada quando descobre
que as vítimas são homens com quem teve relações. Conforme avançam as
investigações, Jessica passa a ser a principal suspeita do caso, fazendo com
que apareçam pedidos para seu afastamento. Gradativamente Jessica começa
a acreditar que é a assassina, apesar de não se lembrar de nada ou ter um álibi
para os crimes.

Direção: Philip Kaufman

Atores: Ashley Judd, Samuel L. Jackson, Andy Garcia, David Strathairn, Russell
Wong

Gênero: Suspense

Duração: 1h 47min

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Considerações Finais

Um trabalho que lida com o ser humano – e aqui estamos nos referindo tanto ao
Direito quanto à Psicologia – deve ser direcionado para a garantia dos direitos,
como o direito da cidadania e da dignidade da pessoa humana; ou seja, para os
compromissos declarados e assumidos na Constituição Federal.

Através da Psicologia, procura-se entender o comportamento humano, o qual,


para o Direito, é quase sempre determinado e padronizado pelas normas. A
relação dessas duas ciências permite compreender os fatores comportamentais,
sociais, individuais, e analisar os aspectos legais, para então, ser classificada e
julgada uma determinada conduta.

A lei estabelece, para efeitos de responsabilidade e da capacidade civil, que a


pessoa tenha saúde mental e maturidade psíquica. Entretanto, o conceito de
normalidade psíquica é relativo, já que é preciso considerar as implicações dos
fatores sociais, culturais e estatísticos.

Isso significa afirmar que saúde mental e justiça acabam por se entrecruzar.
Conforme mostra Cohen (1996), a partir de 1950, o entendimento do que é
doença mental deixou de ser exclusividade da psiquiatria e foi-se tornando
objeto de investigação do campo da saúde mental, fazendo surgir, deste modo,
a necessidade de formação de equipes multidisciplinares para atender a essa
demanda. Ainda assim, a problemática da legislação frente a essa mudança
conceitual configura um processo de recentes avanços sobre a temática.

A Psicologia Jurídica dedica atenção especial à saúde mental dos indivíduos


atendidos, promovendo uma reflexão crítica sobre os impasses e interrogantes
dirigidos aos que atuam nessa área. Temas como a noção de crime, as figuras
jurídicas da imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade, a violência
sexual, a drogadição, atuação dos psiquiatras, psicólogos e juristas são
essenciais para a formação de um profissional em Direito.

Esperamos que o estudo desta disciplina tenha sido gratificante e bem apropriado, a
ponto de ter reconhecida a importância dos resultados decorrentes dos trabalhos em
Psicologia Jurídica bem como compreendida a necessidade de ampliação de estudos
nas temáticas decorrentes da ‘parceria’ entre essas duas ciências (Psicologia e Direito).

Sucesso a todos!

Profs. Saidy Karolin Maciel, Vanderlei Brasil e Viviane Bastos

69
Universidade do Sul de Santa Catarina

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