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Capítulo 1
Seção 1
Breve história da constituição da Psicologia
como campo do conhecimento
O ser humano é um ser histórico. Ele constitui a história e é por ela constituído,
como afirmava Rousseau. Deste modo, para compreender o ser humano,
é necessário estudar sua história, da mesma forma que, para buscar um
entendimento ou conhecimentos sobre a humanidade, é necessário estudar sua
história. Estando o modo de agir e pensar humano condicionado pelo tempo, a
“essência” ou substância humana é a própria história.
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Psicologia Jurídica
Foi com Sócrates (469 a 399) que a filosofia se voltou para o estudo da
consciência humana, imprimindo a essa área do conhecimento um caráter
antropológico, ou seja, colocou o ser humano como seu objeto central de estudo.
Introspecção Pode-se Assim, ao propor a máxima de que o ser humano deveria
definir introspecção “conhecer a si mesmo” pelo método da introspecção,
como uma auto-
buscar, dentro de si, a verdade que lá se encontra,
observação, ou
em outros termos, Sócrates firmou as bases do que mais tarde se tornaria
uma observação a Psicologia. Além disso, ao introduzir a ideia do ser
da “vida interior” humano como um ser racional, ou seja, dotado de uma
feita pelo próprio
capacidade singular que o distingue da natureza, Sócrates
sujeito, ou ainda,
um autoexame dos acaba por figurar como um dos precursores do estudo da
próprios pensamentos consciência; e a consciência, por sua vez, configura-se
e sentimentos. num dos objetos primordiais da Psicologia.
Platão (427 a 347 a.C.), discípulo de Sócrates, postula a ideia de que o ser
humano é constituído por duas essências: o corpo e a alma, sendo esta última
imortal. Assim, ao morrer, o ser humano “perde” apenas o seu corpo, já que sua
alma, imortal, permanece livre para habitar outros corpos. A alma constituiria a
essência eterna do homem e, como tal, poderia transcender o mundo das coisas
físicas, o mundo sensível, ou seja, o mundo governado pelos sentidos humanos.
Daí a pouca importância dada por Platão ao conhecimento adquirido por meio da
experiência, já que, sendo o conhecimento empírico sujeito à variabilidade, não
seria confiável, pois a verdade deve, necessariamente, ser perfeita e imutável. Se
o mundo dos sentidos fornece informações contraditórias, não devemos confiar
neles, os sentidos, como guias para encontrar a verdade. Então, nossa única
fonte de verdades certas e confiáveis seria a razão. Essa teria condições de
fornecer informações corretas sobre as coisas, já que independem da verificação
dos sentidos e podem ser encontradas pelo exercício do raciocínio, sem nos levar
ao engano das contingências.
Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, defende uma posição diferente ao postular
a ideia relativista de que o ser humano é constituído por um par indissociável,
composto por forma e matéria, sendo que uma está sempre em relação com a
outra. Se considerarmos a alma (forma) e o corpo (matéria) como indissociáveis,
na morte a alma pereceria junto ao corpo e, portanto, a ideia da imortalidade da
alma não teria respaldo. Se a alma não é imortal, ser humano ao nascer seria
como uma “tábula rasa” e precisaria aprender tudo por meio das experiências. Do
pensamento aristotélico se pode inferir, por consequência, uma tese empirista
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Capítulo 1
Santo Agostinho Defende a cisão entre alma e corpo. Alma como prova
(354 – 430) da manifestação divina no homem.
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Psicologia Jurídica
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Capítulo 1
Embora perfeitamente válido para o uso nas situações, pode-se afirmar que o
senso comum incorpora os conhecimentos, mudando as formas de ver e agir
no mundo. Você provavelmente já deve ter ouvido falar de pessoas loucas ou
neuróticas desprovidas da noção realista do que estão falando. Deve também
ter ouvido algo como “todo filho adotivo é problemático”. Esses são saberes do
senso comum que, embora sejam funcionais nas relações sociais, nada têm de
científico em Psicologia.
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Psicologia Jurídica
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Capítulo 1
Seção 2
A constituição do sujeito
Há diferentes possibilidades de explicar a forma como os seres humanos se
estruturam como sujeitos. Encontram-se discussões sobre essa questão na obra
de pensadores do início da modernidade, desde Descartes até Locke, Rousseau
e Kant, que estabeleceram um entendimento sobre o processo de humanização e
serviram de inspiração para diversos autores que constituíram, posteriormente, o
campo do conhecimento da Psicologia.
Nesse debate, duas teses estão presentes: a de que os seres humanos já nascem
humanos e a de que se tornam humanos. O que prevalece na modernidade é a
ideia de uma humanidade construída pelo próprio ser humano, mesmo que isso
não equivalha a aceitar que a humanidade seja só fruto dessa construção. Nas
formulações de Descartes, o eu já existia desde o nascimento e, depois, cada vez
mais, o eu passou a ser entendido como algo adquirido, como em Locke, com
a teoria da tabula rasa; e, Rousseau e Kant que asseveraram a importância da
educação na formação do homem e do cidadão.
Freitas (2000) afirma, por exemplo, que, a partir da ênfase dada a um ou outro
determinante, pode haver quatro agrupamentos das teorias do desenvolvimento
psicológico: o “objetivismo”, pautado no cientificismo com a valorização da
experimentação, tem influência do individualismo-liberalismo, entende a pessoa
como algo que pode ser observado e entendido a partir de seu comportamento
manifesto e baseia-se na ideia de que todo o conhecimento provém da
experiência. A partir dessas teorias, é possível a mediação e classificação por
meio dos testes psicológicos; já o “subjetivismo” parte da ideia da autonomia do
ser humano, do homem livre e sem a determinação do meio em que vive,
sustenta-se na ideia de que o conhecimento é anterior à experiência. O
desenvolvimento do sujeito está colocado, grosso modo, como uma adaptação
de suas tendências inatas ao meio; além desses dois grupos, tem-se outro que
aponta a “interação entre o objetivismo e subjetivismo”, explicando que o
desenvolvimento, com maior ênfase no desenvolvimento cognitivo, surge da
interação do sujeito com o meio, a partir de desequilíbrios causados pelo meio e
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Mito do homem natural – tal ideia concebe o homem como um ser possuidor de uma
essência natural que o caracteriza como bom, ou mau. É o convívio com a sociedade
que irá transformá-lo, podendo, portanto, afastá-lo de sua condição natural.
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Mito do homem abstrato – tal ideia concebe o homem como um ser que
independe da cultura ou ambiente em que está inserido, ou seja, o homem aparece
com um ser cujas características definidoras não são formadas pelas circunstâncias
em que vive. Seria algo como um ser separado das condições sociais e históricas e,
por consequência, alguém que poderia ser definido sem se levar em consideração
a trajetória singular de vida. Em outros termos, seria como se disséssemos que
um homem é o que é, independentemente da época e do lugar. Neste caso, por
exemplo, ser homem no Brasil do século XXI seria a mesma coisa que ser homem
no Japão durante a Idade Média. Enfim, os atributos humanos seriam, nesta
concepção, universais.
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Inspirado nas ideias de Rousseau, de quem foi leitor entusiasta, Kant afirma
que a educação tem como finalidade conciliar a submissão e as determinações
morais ao uso da liberdade. Para ele, a educação para a liberdade é o fim último
da humanidade, sendo a responsável pela saída do homem de sua animalidade
através da conquista da liberdade como autonomia da pessoa humana.
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Seção 3
A Psicologia e as práticas judiciárias
A Psicologia, conforme visto anteriormente, tem como objeto de pesquisa, dito
de forma ampla, o ser humano, assim como ocorre em outras áreas das ciências
humanas. Entretanto, ela trata do ser humano em suas expressões subjetivas,
analisando os princípios básicos que orientam seu comportamento e suas
interações sociais. Sabemos que as pessoas não são previsíveis na sua maneira
de agir, sentir ou pensar, embora, em algumas situações, seja possível entender
um dado tipo de reação que se manifesta em um determinado comportamento.
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Capítulo 1
Com isso pode-se estabelecer uma reflexão sobre relação entre os saberes
constituídos pela Psicologia e o Direito. Esta relação pode ser buscada através da
interferência das formulações teóricas da Psicologia no ordenamento jurídico, e,
de forma mais tangível, nos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos que atuam
nas instituições judiciárias.
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Psicologia do
Testemunho Carrilho contribuiu também no exame e no relatório que
A Psicologia do fundamentaram o primeiro caso de inimputabilidade de um
Testemunho contribuiu criminoso, Febrônio Índio do Brasil, por ter sido este considerado
com estudos sobre ‘louco’. Da aproximação entre essas duas ciências (Psicologia
memória, percepção e e Direito) surgiu o que se denominou de “Psicologia do
sensação, despertando Testemunho”, cujo objetivo era verificar, através do estudo
interesse por parte da experimental dos processos psicológicos, a fidedignidade do
Justiça. (BRITO, 1995). relato do sujeito envolvido em um processo jurídico.
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As perícias são diligências processuais que fazem parte de processos judiciais e são
consideradas como provas técnicas. Segundo Cruz (2002), a Perícia Psicológica
é um exame ou avaliação descritiva e conclusiva acerca de fatos, situações ou
problemas que exijam juízo crítico por parte dos psicólogos, sobre matéria da
Psicologia, cujo conteúdo deverá certificar a medida da investigação realizada.
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Capítulo 1
Leitura complementar
ANTUNES, Mitsuko Aparecida M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre
sua constituição. São Paulo: Unimarco Editora/Educ, 2001.
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Capítulo 2
Violência e criminalidade: a
saúde mental e a lei
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Capítulo 2
Seção 1
Violência e criminalidade
A palavra violência remete a vários significados. Derivada do latim violentia e
relacionada a vis (força) e violare (violar), pode significar força em ação, força
física, potência, essência, mas, também, algo que viola, profana, transgride ou
destrói. Conforme aborda Amador (2002), ela caracteriza a qualidade do violento,
ação ou efeito de violentar ou violentar-se. Na Sociologia, compreende-se que
o tema é definido de maneiras diferentes, embora o ponto comum entre essas
vertentes seja o de que a violência consiste em obrigar alguém a fazer alguma
coisa contrária a si mesmo, aos seus desejos, ao seu corpo e à sua consciência,
podendo levá-lo à morte, à agressão aos outros ou à autoagressão.
A violência constitui uma relação social, caracterizada pelo uso real ou virtual
da coerção, que impede o reconhecimento do outro como diferença – pessoa,
classe, gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando
algum tipo de dano. Neste sentido, conflito, poder e violência tornam-se
conceitos próximos, sem, contudo, confundirem-se. (SANTOS, 1997 apud
AMADOR, 2002, p. 33).
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De qualquer modo, a presença de gangues nas escolas é real. Segundo outro estudo
coordenado por Abramoway, de 2004, num universo de 1,6 milhão de estudantes dos
ensinos fundamental e médio, um quinto (340 mil) sabia da existência de gangues
dentro da escola. Atualmente, os números são bem mais alarmantes.
Outra questão que se destaca e demanda uma discussão por parte da sociedade
é a atuação dos policiais, pois é muito comum, principalmente no Brasil, a
ocorrência de violência praticada por esses agentes do Estado ou, algumas vezes,
contra eles. A violência é componente da prática policial, variando de acordo com
a conjuntura sócio-histórica da época.
O Relatório Azul de 1998/99 revela que duzentos e setenta e seis policiais militares
foram feridos em serviço por disparo de arma de fogo. Para somar a esses
números, no Relatório Azul de 1995, entre 1983 e 1995, foram registrados quarenta
e oito suicídios de policiais militares no estado do Rio Grande do Sul, informação
que revela a mais cruel expressão da violência do policial, cometida contra si
mesmo. (AMADOR, 2002, p. 66-67).
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É importante ter claro, entretanto, que a violência psicológica não está vinculada,
necessariamente, à violência física, isto é, à incidência de dor ou lesão corporal, o
que torna particularmente difícil caracterizar trauma psicológico, pois a violência
psicológica não deixa marcas físicas visíveis, sendo difícil, até mesmo, para a
própria vítima identificar que está sob essa forma de violência.
Fazendo uma análise histórica, Chesnais (1981) mostra que a família é o lugar do
paradoxo e que, no âmbito familiar, a violência ocorre de forma muito mais intensa
do que em qualquer outro lugar. Cita os estudos norte-americanos, os quais
mostram que, de cada quatro homicídios, um é produzido no contexto familiar.
Nos casais, entendidos como unidade conjugal do subsistema familiar, a violência
também é uma forma frequentemente utilizada para resolver conflitos familiares.
Ainda, segundo o autor, corre-se mais o risco de ser morto no seio do grupo familiar
do que em qualquer outro grupo social, salvo, talvez, no exército ou na polícia.
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Os pais batem nas crianças, as crianças batem-se entre si. Esta violência é,
muitas vezes, legitimada, julgada erroneamente como sadia e praticada sob a
justificativa de ser educativa. Há um consenso entre os autores que pesquisam
famílias e trabalham com elas, de que a dificuldade em perceber os atos violentos
como violência no contexto familiar contribui para a manutenção e naturalização
dos mesmos, e que a baixa diferenciação entre as funções e tarefas familiares e
a violência tem maior frequência na relação parental (ADORNO, 1993; ZALUAR,
1994). Os vínculos familiares estabelecidos entre vítimas e agressores são
revestidos de ambivalência. Constitui tarefa difícil distinguir entre o que se faz
em nome do amor e do cuidado e o que se faz em nome das necessidades
particulares de cada indivíduo e que resulta em violência contra os outros.
Para Minayo (2006, p. 93), a violência contra a mulher, portanto, deve ser
entendida na perspectiva de gênero, ou seja, nas “relações de poder e na
distinção entre características culturais atribuídas a cada um dos sexos e a
suas peculiaridades biológicas”. Muito embora a violência de gênero englobe
ambos os sexos, a ênfase cultural é na violência praticada contra as mulheres,
confirmada por dados epidemiológicos, baseados na ocorrência, frequência,
incidência, entre outros dados estatísticos.
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A Lei Maria da Penha traz uma série de medidas para proteger a mulher agredida,
que está em situação de agressão ou cuja vida corre riscos, entre elas, a saída do
agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a mulher reaver seus bens e
cancelar procurações feitas em nome do agressor.
Esta Lei prevê, também, que a mulher poderá ficar seis meses afastada do
trabalho sem perder o emprego, se for constatada a necessidade de manutenção
de sua integridade física ou psicológica.
Maria da Penha Maia Fernandes virou símbolo contra a violência doméstica. Ela
lutou durante 20 anos para ver seu agressor, seu próprio marido, condenado.
Herredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje,
está em liberdade.
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Observação: o relato detalhado deste caso pode ser encontrado no livro “Sobrevivi,
posso contar”, escrito pela própria Maria da Penha, publicado em 1994, com o
apoio do Conselho Cearense dos Direitos da Mulher (CCDM) e da Secretaria de
Cultura do Estado do Ceará.
Não havia, ainda, uma preocupação real acerca dos problemas de abusos e
maus-tratos contra as crianças, tendo sido gradativamente manifestada com maior
insistência e envergadura política, científica e profissional, em meados do século
XX. A Assembleia Geral da ONU aprovou e proclamou, em 1959, a Declaração dos
Direitos da Criança. Nesta declaração estão dispostos os dez princípios que regem
os principais cuidados para com a criança e garantem a indispensável proteção de
que as crianças necessitam para seu desenvolvimento saudável.
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A saúde das crianças é direito fundamental da norma jurídica, que deve ser
respeitado e perseguido por todos os segmentos da sociedade. Segundo Minayo
(1992), de acordo com a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em
1986, a definição de saúde é caracterizada como a resultante das condições de
alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, transporte, emprego,
lazer, liberdade, acesso à posse da terra e aos serviços de saúde. Portanto o
conjunto de elementos essenciais, para que as crianças se desenvolvam e se
tornem cidadãs.
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1. violência física;
2. violência psicológica;
3. violência sexual e
4. negligência.
1. violência física;
2. abandono físico ou moral;
3. exploração sexual e
4. mau-trato psicológico.
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Capítulo 2
De acordo com Fanelli (2006), cumpre ressaltar que o abuso sexual, assim
como todas as formas de violência, baseia-se numa relação de poder, na qual
o adulto utiliza-se da criança para obter satisfação sexual. A autora atenta para
o fato de se dever observar que, nessa relação de poder, a criança, muito nova
ainda, não está preparada psicologicamente para o estímulo sexual, e, mesmo
que não possa saber da conotação ética e moral da atividade sexual, quase
invariavelmente acaba desenvolvendo problemas emocionais depois de sofrer a
violência, exatamente por não ter habilidade diante desse tipo de estimulação.
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Para Laks et al. (2006), os fatores de risco envolvidos no caso da violência variam
conforme o tipo de abuso ou maus-tratos, sendo que a prevalência seria maior
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entre idosos que apresentam demência e que vivem em famílias marcadas pelos
conflitos e tensões. O arranjo domiciliar mostra que o idoso, em nosso país, vive
majoritariamente dividindo o domicílio com os filhos e netos, diferentemente de
países desenvolvidos, onde a maioria mora com os cônjuges ou vive só. Nesse
sentido, os idosos que vivem com as famílias são os que mais têm probabilidade
de ser vítimas de violência, uma vez que as situações de vulnerabilidade e
dependência são predisponentes da fadiga e da tensão.
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No Brasil não é diferente: estima-se a quantia de 35 mil vítimas fatais por ano,
sabendo que, devido ao sub-registro, os valores reais certamente são superiores.
(FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2010).
Esses exemplos comprovam que a violência no trânsito mata mais jovens que os
homicídios. Trata-se de uma realidade que requer atenção por parte da sociedade
e Estado.
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Assim como a violência, o uso abusivo de drogas, tanto lícitas quanto ilícitas, também
se constitui num problema de saúde pública. Essa problemática envolve sistemas
sociais do âmbito privado, como o indivíduo e a família, e do âmbito público, como
os serviços de saúde pública, sistema judiciário e a sociedade em geral.
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O conceito de tóxicos (ou venenos), segundo Del Campo (2007, p. 260), remete a
Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –Sisnad;
prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social
de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
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Seção 2
Normalidade, patologia e saúde mental
A discussão do conceito de saúde remete, necessariamente, à busca da
compreensão do binômio saúde/ doença. O conceito reducionista de saúde como
ausência de doença necessita de uma ampliação. Ter saúde implica uma visão
mais ampla, o acesso universal aos direitos humanos, civis, sociais e políticos,
garantindo ao ser humano o exercício da cidadania por meio de uma participação
mais efetiva na sociedade.
Estudos recentes mostram que não se pode dissociar saúde mental da saúde
física. Elas são inseparáveis. Não há saúde sem uma boa saúde mental, que
está relacionada com algumas das capacidades humanas básicas, como pensar,
estabelecer relacionamentos de interdependência com outros, criar e encontrar
significado para a vida. Além disso, está, também, associada à nossa capacidade
de adaptação às mudanças, enfrentamento de crises e a de sermos criativos.
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No Renascimento (século XVI), o ‘louco’ era visto como tendo um saber esotérico
sobre os homens e o mundo, um saber cósmico que revelava as verdades
secretas. Nessa época, conforme aponta Sampaio (1998 apud BOCK, 2001),
a loucura significava “ignorância, ilusão, desregramento de conduta, desvio
moral, pois o louco toma o erro como verdade e a mentira como realidade”. Aqui,
estabelece-se a loucura como instância de verdade e moralidade e, desta forma,
eram raros os casos de internação de loucos em hospitais.
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O louco, até então, ficava recluso no seio familiar, como uma espécie de
mascaramento à segregação social. Ante a possibilidade de tornar-se agressivo,
a sociedade vê-se diante da necessidade de conter essas pessoas. Deste
modo, nos séculos XVII e XVIII, os ‘loucos’ eram aprisionados em casas de
internamento destinadas a miseráveis, doentes e tipos considerados “a-sociais”
sob o julgamento moral da época. A Europa do século XVII deu início à prática da
internação como forma de isolamento daqueles que a sociedade segregou.
O diagnóstico da loucura sempre foi moral, sendo o pedido de internação (em parte
dos casos) uma iniciativa da família do louco, com o conseqüente consentimento
da Justiça. A loucura sai, então, de um espaço de familiaridade e hospitalidade
para ser colocada em exclusão, ao serem criados os internamentos em hospitais.
Muito embora essas instituições tenham nascido como instituições religiosas,
filantrópicas, de cuidados dos necessitados, dos mendigos etc., o internamento
não silenciou por muito tempo a loucura (apenas um pouco mais do que um
século), estes estabelecimentos não apresentam a finalidade médica, mas sim a de
desprivilegiar socialmente a loucura. O internamento que o louco, juntamente com
outros, recebe na época clássica não põe em questão as relações da loucura com
a doença, mas as relações da sociedade consigo própria.
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Capítulo 2
A partir do meio do século XVIII, esse silêncio é quebrado, e, aos poucos, o louco
reaparece nas sociedades. A partir disso, surgem, então, novas reclamações
acerca dessa liberdade; a inquietude renasce e, com ela, os internamentos
exclusivamente para os loucos.
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Nessa época, nomear alguém de alienado significava afirmar que ele seria
incapaz de participar da sociedade. Para Pinel, a alienação mental seria fruto,
não de uma perda total da Razão, mas de um distúrbio na Razão. Esse conceito,
numa época marcada pelo Iluminismo e Racionalismo, era suficiente para excluir
as pessoas identificadas como tais. (AMARANTE, 2006).
O mundo das ideias foi contemplado por obras filosóficas precursoras dos
grandes tratados de Psicologia e também por literatura clássica em que os
autores conseguiam descrever doenças mentais e estados psicológicos em seus
personagens, tais como Shakespeare e Cervantes. Neste sentido, como uma
crítica à prática médico-psiquiátrica adotada nessa época, Machado de Assis
escreveu o livro O Alienista, considerada uma das mais importantes de suas
obras. Vale a pena conferir!
Passa, então, a internar todas as pessoas da cidade que ele julgue loucas; o
vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, o sem opinião própria, a indecisa, etc.
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Capítulo 2
No final, ele conclui que essas pessoas também nunca foram loucas e que nunca
houve uma pessoa insana em Itaguaí e pensa ele mesmo ser louco, ou seja, acaba
por deslocar seu estudo para si mesmo. Recolhe-se, então, à Casa Verde para
estudar e curar a si mesmo. Morre meses depois da mesma maneira que entrou,
sem ter havido nenhuma evolução. Apesar do boato de que ele seria o único louco
de Itaguaí, recebeu honras póstumas.
O hospital psiquiátrico, conforme modelo de Pinel, após alguns anos, foi alvo de
denúncias, maus-tratos, violência e violação dos direitos humanos das pessoas
internadas. Com isso, surgem propostas de mudanças do modelo psiquiátrico
centrado no hospital, que demarcam, segundo Amarante (2006), uma das
concepções acerca da doença mental: as reformas psiquiátricas.
É neste contexto que surge Franco Basaglia (1929 – 1980), principal personagem
no processo de reforma psiquiátrica, em nível mundial, o qual propunha
que a doença fosse separada, para que se pudesse tratar as pessoas que
experimentam o sofrimento psíquico e lidar com elas, isto é, propunha a extinção
dos manicômios e a construção de serviços e estratégias que substituíssem o
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Psicologia Jurídica
O termo Saúde Mental se justifica, assim, por ser uma área de conhecimento
que, mais do que diagnosticar e tratar, liga-se à prevenção e promoção de saúde,
preocupando-se em reabilitar e reincluir o paciente em seu contexto social.
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Capítulo 2
Entretanto, seria preciso também mostrar o movimento por meio do qual uma
cultura chega a se exprimir, positivamente, nos fenômenos que rejeita. Mesmo
silenciada e excluída, a doença mental tem valor de linguagem, e seus conteúdos
adquirem sentido a partir daquilo que a denuncia e a repele como loucura.
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Em várias ocasiões, Vincent Van Gogh (1853 – 1890), teve ataques de violência
e seu comportamento tornou-se muito agressivo, chegando ao ponto de cortar
sua própria orelha. Seu estado psicológico chegou a refletir-se em suas obras.
Mas, no ano de 1889, sua doença ficou mais grave e teve que ser internado numa
clínica psiquiátrica. Nesta clínica, dentro de um mosteiro, havia um belo jardim
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que passou a ser sua fonte de inspiração. Porém, a situação depressiva não
regrediu e, no dia 27 de julho de 1890, atirou em seu próprio peito, morrendo três
dias depois.
Quadro 2.1 – Síntese das principais doenças mentais e outras cerebrais, século XX
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Epilepsia É uma doença cerebral caracterizada por Soluções existem, de modo que até
convulsões repetidas (ataques) que podem 70% dos novos casos diagnosticados
tomar formas variadas, indo desde um podem ser tratados com êxito com
curtíssimo lapso de atenção até convulsões medicamentos antiepiléticos. Depois
graves frequentes. As causas são múltiplas, de 2 a 5 anos sem convulsão, o
por exemplo: trauma cerebral, infecções tais medicamento antiepilético poderá ser
como encefalite, parasitas, álcool ou outras gradativamente abolido em 60% a
substâncias tóxicas. 70% dos casos, desde que o médico
indique esse tipo de ação.
O que se observa e vale aqui registrar: o normal não é determinativo para todas as
pessoas e, sim, torna-se variável de acordo com as condições individuais. Com
isso, o limite entre o normal e o patológico torna-se impreciso. Aquilo que é normal,
afirma Canguilhem (2000, p. 145), “apesar de ser normativo em determinadas
condições, pode se tornar patológico em outra situação, se permanecer inalterado.
[...] A doença é, ao mesmo tempo, privação e reformulação.”
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Capítulo 2
O paciente era visto como um transtorno para a sociedade e, por isso, as práticas
adotadas sequestravam este cidadão, temporariamente, dos direitos civis,
isolando-o e segregando-o em manicômios, afastando-o dos espaços urbanos.
No Brasil, na década de 1960, chega-se à margem de cem mil leitos psiquiátricos,
ao passo que, no restante do mundo, estavam sendo refeitos conceitos sobre o
tratamento desta clientela. O motivo desta situação? A resposta é simples: nessa
época, o país atravessava a plena fase da ditadura militar e não havia espaço
para nenhum tipo de questionamento político e social. Dentro deste contexto,
reforçava-se que o louco era de difícil convivência, perigoso e representava o
diferente do convencional, do aceitável pelas regras sociais. Por isso, fazia-se
necessário segregá-lo, sequestrá-lo e cassar seus direitos civis, submetendo-o à
tutela do Estado.
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Psicologia Jurídica
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Capítulo 2
Ainda, segundo o autor, para haver o dolo, há necessidade de que três elementos
estejam preservados: a consciência do ato (psíquico), a vontade (psíquico) e
o conhecimento da ilicitude (normativo). Para haver a culpa, sem dolo, deve
haver ausência ou prejuízo de um ou mais desses três elementos. Grosso modo,
poderíamos ainda dizer que a culpa pode existir independente da consciência,
mas o dolo, não.
Desta forma, podemos admitir a existência de ideia delirante quando uma pessoa
comum declara, sem qualquer fundamento, que se transformou no chefe da
rede de espionagem de uma grande potência, por meio da hipnose dos espíritos,
ao passo que não desconfiamos necessariamente de delírio quando alguém,
muito religioso, se julga convocado pelos desígnios divinos a ajudar os pobres.
(BALLONE, 2005).
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Psicologia Jurídica
Leitura complementar
CRUZ, R. M.; MACIEL, S. K.; RAMIREZ, D. O trabalho do psicólogo no campo
jurídico. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
KEMPE, R.S.; KEMPE, C.H. Niños maltratados. Madri: Ediciones Morata, 1995.
ASSIS, Machado de. O alienista. Coleção Bom Livro. São Paulo: Ática, 1998.
Sugestões de filmes
O Instinto (Instinct)
Atores: Anthony Hopkins, Cuba Gooding Jr., Donald Sutherland, Maura Tierney,
George Dzundza
Gênero: Suspense
Duração: 2h 07min
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Capítulo 2
Atores: Jack Nicholson, Louise Fletcher, William Redfield, Michael Berryman, Peter
Brocco
Gênero: Drama
Duração: 2h 09min
A Marca (Twisted)
Atores: Ashley Judd, Samuel L. Jackson, Andy Garcia, David Strathairn, Russell
Wong
Gênero: Suspense
Duração: 1h 47min
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Considerações Finais
Um trabalho que lida com o ser humano – e aqui estamos nos referindo tanto ao
Direito quanto à Psicologia – deve ser direcionado para a garantia dos direitos,
como o direito da cidadania e da dignidade da pessoa humana; ou seja, para os
compromissos declarados e assumidos na Constituição Federal.
Isso significa afirmar que saúde mental e justiça acabam por se entrecruzar.
Conforme mostra Cohen (1996), a partir de 1950, o entendimento do que é
doença mental deixou de ser exclusividade da psiquiatria e foi-se tornando
objeto de investigação do campo da saúde mental, fazendo surgir, deste modo,
a necessidade de formação de equipes multidisciplinares para atender a essa
demanda. Ainda assim, a problemática da legislação frente a essa mudança
conceitual configura um processo de recentes avanços sobre a temática.
Esperamos que o estudo desta disciplina tenha sido gratificante e bem apropriado, a
ponto de ter reconhecida a importância dos resultados decorrentes dos trabalhos em
Psicologia Jurídica bem como compreendida a necessidade de ampliação de estudos
nas temáticas decorrentes da ‘parceria’ entre essas duas ciências (Psicologia e Direito).
Sucesso a todos!
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