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Curso de Psicanálise

Clínica

Módulo I
Sumário

Introdução .......................................................................................................................... 3
Unidade 1 – Conhecendo a Psicanálise .......................................................................... 12
1.1 – Freud e a criação da psicanálise......................................................................... 12
1.2 – Escolas psicanalísticas ....................................................................................... 22
1.3 – Jung e a psicologia analítica .............................................................................. 23
1.4 – Wilhelm Reich e a psicologia do corpo ............................................................. 33
1.5 – J. Lacan e sua contribuição à psicanálise .......................................................... 43
1.6 – A psicanálise no Brasil ....................................................................................... 54
Unidade 2 – Fundamentos da Psicanálise ...................................................................... 56
2.1 – Primeira tópica: consciente, pré-consciente e inconsciente .............................. 57
2.2 – Narcisismo .......................................................................................................... 60
2.3 – Segunda tópica: id, ego e superego ................................................................... 64
2.4 – Resistências ........................................................................................................ 69
2.5 – A psicanálise e os sonhos ................................................................................... 78
2.6 – O setting analítico .............................................................................................. 81
2.7 – A alta em psicanálise .......................................................................................... 83
Conclusão do Módulo I ................................................................................................... 85
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Introdução

Sigmund Freud (1856-1939) postulou um método de investigação que se


resume, essencialmente, em clarificar o significado inconsciente das ações do sujeito.
Desse modo, para a psicanálise existem conteúdos escondidos na vida mental de todos
nós. Baseado no método de associação livre, que garante a validade das interpretações
desde que sejam controladas certas resistências inerentes, a psicanálise foi o primeiro
esforço científico para o tratamento das questões psicológicas. Antes de Freud, o
tratamento das desordens emocionais era além de pré-científicos e ineficazes, mas
potencialmente perigosos.

O modismo de tal teoria levou muitos à produção em nome da psicanálise


daquilo que não deveria ser assim nominado, já que o conteúdo, o método utilizado e,
até mesmo, os resultados obtidos, não condiziam com o pressuposto original. O que
vemos por aí é que Freud e suas ideias foram tão popularizados que seus conceitos,
muitas vezes, são veiculados de modo errôneo ou distorcido.

Um erro comumente visto, em profissionais de formação apressada, é o de


pensar que as diferentes teorias que surgiram da psicanálise são trabalhos que falam
sobre a mesma coisa, mas de maneira diferente, ou seja, abordagens distintas sobre o ser
humano, que visam e apontam para um mesmo resultado.

Sabemos que a psicanálise ultrapassa os seus pouco mais de 100 anos de criação.
Ainda assim, é inegável o valor daquilo que foi construído durante os anos no decorrer
da vida de Freud. Tamanha a sua dedicação e cuidado em tornar claros seus
pensamentos, em dividir suas angústias e as suas releituras, que podemos nos deleitar
com aquilo que foi estudado pelo criador.

Sabemos que a psicanálise se fez a partir de certezas e incertezas de Freud.


Incertezas essas que construíram com muita propriedade a sua obra, pois, se voltarmos
atrás, perceberemos que o método freudiano foi desenvolvido, além do próprio contato
com seus pacientes, mas também nos fracassos que se apresentavam diante daquilo que
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não se esperava ou era sabido. Foi o não conseguir entender que o fez seguir em frente e
estudar cada vez mais a fundo a mente humana. Cabe apostar que é isso que ele
esperaria de todos nós, ao falarmos e passarmos adiante a teoria criada para que a
humanidade pudesse se sentir um pouco protegida dentro da sua desproteção inerente.

Ainda assim, vale dizer que a verdade não está nas respostas elaboradas pela
psicanálise. A completa, o êxito, a evitação do sofrimento e das doenças, é algo buscado
por todos nós e por diferentes leituras da mente humana.

Ao estudarmos este caso de amor que recebeu o nome de Psicanálise,


percebemos que Freud nos pede que tomemos cuidado com os seus conceitos
chamados, por ele próprio, de fundamentais. É preciso desfazer equívocos criados não
apenas pelos leigos, mas especialmente por aqueles que detêm o saber, e, que, por se
considerarem conhecedores, ao fazer uso parcial da psicanálise, são capazes de causar
prejuízos que refletirão justamente no público leigo.

É mais do que preciso a consciência da necessária formação do analista,


enquanto um processo extra-acadêmico, onde seja viável se preparar para lidar com o
futuro paciente, isolando os elementos psíquicos de si próprio. Formação esta que, ao
passar pela análise pessoal, visa a superação das próprias resistências a fim de que elas
não interfiram e, assim, prejudiquem o processo analítico daqueles interessados nos
cuidados profissionais desse futuro analista.

“Os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um


número incalculável de observações e experiências, e somente
alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em
outras pessoas, acha-se em posição de chegar a um julgamento
próprio sobre ela.” (FREUD, 1940, livro 7, p.16. Ed. Bras)

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O mesmo foi levantado por Fradiman e Frager (1986):

“Em 1922, no Congresso da Associação Psicanalítica


Internacional, concordou-se que uma análise didática com um
analista já declarado, seria obrigatória para qualquer candidato
a analista. Desse modo, este analista tornar-se-ia consciente de
seus modos de enfrentar a realidade. E, então, quando ele ou ela
trabalhasse com pacientes, não haveria confusão entre as
necessidades do analista e as do paciente.” (p. 27)

De qualquer forma, seria leviano de nossa parte, esquecer que o psicanalista é


um ser humano, com seus problemas, conflitos e limitações. Com sua própria história e
formas de interpretar a sua escuta, que estudou, fez terapia analítica e supervisionou
casos, mas, ainda assim, continua sendo, antes de tudo isso, uma pessoa sensível,
afetuosa, entediada, irritável e que também se angustia e sofre.

O que é a psicanálise?

Dentro da psicologia encontramos várias abordagens psicoterapêuticas que


englobam tendências teóricas um tanto diferentes e, com isso, diversas formas de
tratamentos. Apesar disso, conforme levantado por Cavalcanti e Cavalcanti (2006),
nenhum molde psicoterápico pode ser, indistinto e vantajosamente, aplicado a todos em
todos os casos. As características do próprio indivíduo permitem uma abordagem
terapêutica mais adaptável à condição apresentada por ele.

Via de regra, o que todas as linhas concordam, ainda que haja até mesmo certa
competição entre elas, em relação à importância e aceitação, é que o comportamento
humano é resultado da interação entre as variáveis biológicas, aquelas que são herdadas
e as variáveis, que são adquiridas através da aprendizagem e da experiência pessoal.

A tática terapêutica freudiana consiste em trazer o material do inconsciente para


a superfície, ou seja, para o nível da consciência, onde é possível ser trabalhado e

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resolvido ao descobrir os motivos que originaram determinados comportamentos ou


sintomas. Desta forma, a compreensão interna, chamada de insight, e a resolução dos
conflitos subjacentes são os objetivos primários desta concepção. Porém, tal esforço
ocorre junto à resistência, tanto mais forte quanto mais profundo estiver o material a ser
trabalhado.

Vale lembrar que a psicanálise não inviabiliza, assim como não substitui, a
necessidade de acompanhamento médico ou medicamentoso. Ao analista cabe
interpretar a fala do seu paciente, o significado inconsciente das palavras, das ações e do
conteúdo imaginativo expressado através dos sonhos ou fantasias. Seu objetivo é a
reeducação emocional ao promover o autoconhecimento e o autocontrole, uma melhoria na
qualidade de vida com a redução dos sintomas apresentados, além das mudanças emsi
mesmo, características essas que não competem com o tratamento feito através da
medicação.

Atualmente, a psicanálise não está limitada à prática, centrada em outros


cenários por sua amplitude de pesquisa. Há até quem diga que a psicanálise é uma
psicologia própria. Nas palavras do criador:

“Psicanálise é o nome de (1) um procedimento para a


investigação de processos mentais que são quase inacessíveis
por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa
investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos, e (3)
uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo
dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova
disciplina científica” (FREUD, 1923, livro 15, p. 107. Ed Bras)

Propomos outra tradução ao afirmar que a psicanálise é ainda mais do que isso.
É aquela ideia que nos envolve de uma tentativa sincera dos entendimentos de nossas
limitações e angústias. Apesar disso, ainda que as teorias ou suas racionalizações
expliquem de forma tão completa o nosso sofrimento, por vezes, precisamos ir além
delas para que seja possível a diminuição das aflições daqueles que nos procuram.

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Precisamos, claro, nos apoiar na teoria, mas não podemos correr o risco de nos
perdermos nela e esquecermos de quem está à nossa frente.

A contribuição de Freud

É verdade que, passados mais de 150 anos do seu nascimento, Freud continua
polêmico. Hoje, sua teoria recebe questionamentos que vão desde a psicologia
cognitivo-comportamental à neurociência, responsável pelo estudo das bases biológicas
da mente. Apesar disso, a importância de Freud para a ciência é um assunto
inquestionável. O descobrimento da sexualidade infantil, por exemplo, possibilitou o
estudo de uma área que, até então, era reinada pela ignorância tanto na ciência quanto
na filosofia, contribuindo para a formação de um novo campo conceitual bem mais
abrangente e diversificado.
Além disso, outros
conceitos foram de suma
utilidade em diversos ramos da
psicologia, permitindo, assim, o
avanço de tal ciência para além
de um complemento da
psiquiatria. Desde então, a
psicologia pode explicar os
processos psíquicos do ser
humano, não se limitando
somente no tratamento dos
distúrbios emocionais.

De tudo, fica que a


psicanálise pretende esclarecer o
funcionamento da mente humana e tem como fundamento a crença de que os processos
psíquicos, em sua maioria, fazem parte do inconsciente, isto é, a consciência nada mais
é do que somente uma fração da nossa vida psíquica.

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Porém, o modo de examinar a pessoa que nos pede por auxílio varia de acordo
com as concepções teóricas elegidas. Inúmeras correntes tentam explicar a gênese dos
distúrbios emocionais que afligem milhões de pessoas no mundo todo. De acordo com
seus esquemas explicativos, as abordagens teóricas assinalam orientações terapêuticas
que consideram mais aplicáveis e eficientes.

Sabemos da possibilidade existente, graças aos vários e grandes estudiosos dos


processos mentais, de examinarmos o nosso mundo interior com o intuito de buscar
pistas que demonstrem as razões dos nossos comportamentos. Contudo, tal tarefa, é
extremamente difícil, pois, escondemos, por alguma razão, de nós mesmos, tais pistas,
seja de forma ricamente elaborada ou com baixo sucesso.

Os instrumentos existentes para alcançarmos o alívio do sofrimento emocional


existem para que utilizemos como almejemos ou como consideremos a melhor escolha.
Freud foi somente um dos teóricos que escreveu sobre a maneira como utilizou os
instrumentos, sobre aquilo que ele descobriu e o que concluiu com as suas descobertas.

Embora suas conclusões ainda sejam discutidas, é certo que seus instrumentos
abriram o caminho para diversos outros sistemas e que podem ser das mais duradouras
contribuições para o estudo da personalidade.

Objetivo do processo analítico

Muitos pedidos são feitos aos terapeutas. Muitas vezes procurados por último,
após anos de angústia e sofrimento, depois da ansiedade fazer parte da vida desses
indivíduos tão intimamente que chegam a se confundirem com ela, nos perguntam e nos
perguntamos até que ponto podemos ajudá-los?

O psicanalista não está ali a fim de responder de forma incondicional ao pedido


de ajuda que lhe é feito. O trabalho do analista vai depender do desejo em conjunto com
o seu paciente, tanto na função do sujeito do suposto saber como na função de objeto,

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isto é, no sustento do lugar do vazio para que seja possível deslocar a fala do paciente a
esse lugar e, assim, se dê a possibilidade de tratamento.

Isso ocorre, pois a função da terapia é estabelecer a conexão entre o evento


mental reprimido e as manifestações neuróticas do paciente, de forma que este se
perceba, compreendendo e, então, podendo neutralizar os efeitos da experiência
original. Dito de outra forma, com base em um interrogatório dirigido, o paciente é
induzido a trazer, à memória, uma ideia que havia estado guardada por muito tempo e à
qual ele não teria acesso em outras condições. De tal forma, podemos perceber que a
função da terapia é permitir a interação dos conteúdos dos sistemas presentes na mente
do indivíduo.

Mas quem nos busca por ajuda, quer alcançar muitas vezes uma plena felicidade
e acredita que o analista tem o caminho que ele procura. Cabe ao analista saber que tal
felicidade imaginária, por muitas vezes, entra em choque com a realidade, não cabendo
ser alcançada. Estamos pré-destinados a nunca nos satisfazermos em um mundo
calculado, ainda que a sociedade do espetáculo nos tente provar o contrário, imprimindo
uma ideia de fornecimento de prazeres ilimitados, seja pelo consumo ou seja pelo
espetáculo.

Público alvo

Este curso destina-se a todos aqueles interessados em adquirir conhecimento


sobre a teoria da psicanálise, ou seja, tanto aos que querem aprender a dinâmica dos
problemas emocionais e afetivos de acordo com tal pressuposto, quanto aos que
desejam dedicar-se à psicanálise como terapeutas. Apesar disso, se faz necessário saber,
como já levantado, que um programa de formação em psicanálise pede por um tripé
estabelecido pelo próprio criador: conhecimentos teóricos, supervisão e análise pessoal.

Vale dizer que tal trabalho, voltado para o público leigo, não pretende
popularizar a psicanálise, até porque, como veremos, o inconsciente só poderia ser

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desvendado através da própria análise. Nossa ideia é incentivar o desenvolvimento


pessoal e a realização intelectual.

Objetivos gerais

 Promover os principais conceitos da psicanálise e dos fundamentos da


técnica psicanalítica, possibilitando ao estudante a sua atuação na
promoção da saúde psíquica, através de ações preventivas e intervenções
psicanalíticas educativas;

 Favorecer o conhecimento, a reflexão e o debate sobre questões


referentes à teoria psicanalítica;

 Capacitar a melhora da qualificação profissional, ao proporcionar os


conhecimentos e habilidades para o crescimento profissional.

Objetivos específicos

 Identificar os principais fundamentos da psicanálise e de outras poucas


escolas;

 Permitir que o aluno compreenda o campo dos fenômenos e dos


processos psíquicos (comportamento, consciência e inconsciente);

 Revelar o funcionamento de complexos, traumas, desejos ocultos ou


qualquer outro conteúdo mental que perturbe o adequado equilíbrio
emocional do paciente.

Definições importantes

É cotidiana a confusão feita entre algumas qualificações do terreno “psi”. Por


isso, é necessário clarificarmos alguns conceitos, para que possamos seguir adiante com
a clara e necessária diferenciação dos principais termos.
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Comecemos pela palavra psicologia. Ela é a ciência que estuda os aspectos


mentais (sentimentos, pensamentos, razão etc) e comportamentais. Para realizar seu
ofício, o psicólogo precisa escolher uma abordagem baseada em uma teoria específica
como método de trabalho. Para a obtenção do título é preciso frequentar um curso
superior de duração de cinco anos, onde o estudante passa por um processo
complementar ao desenvolvimento teórico com estágios supervisionados.

Além disso, um psicólogo pode aprender pelos livros e se aprimorar


intelectualmente mesmo que nunca tenha praticado ou se submetido a um processo
terapêutico também chamado de psicoterapia, ou seja, a ferramenta clínica do
conhecimento da psicologia.

Diferentemente, um psicanalista1, aquele profissional que possui uma formação


em psicanálise, só tem sentido através do seu trabalho clínico. Sem bastar o estudo
sobre sua área, é preciso se submeter à própria análise com outro analista, visando a
explicação do seu funcionamento psíquico o que, geralmente, avança por alguns anos.
Além disso, tal teoria pode ser utilizada por um psicólogo ou por alguém que tenha feito
uma formação em psicanálise, sem necessariamente ter cursado a faculdade de
psicologia nem qualquer outro curso universitário.

Já a psiquiatria é uma especialização da medicina que, ao tentar delimitar os


problemas do paciente a partir de uma perspectiva médica, ou seja, orgânica, tem a
prerrogativa de prescrever drogas para o tratamento dos sintomas relacionados,
habilidade esta não designada ao psicólogo. O estudante de medicina opta pela
especialização em psiquiatria, que é composta de 2 ou 3 anos e abrange estudos em
neurologia, psicofarmacologia e treinamento específico para diferentes modalidades de
atendimento.

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Quando ainda no século XIX Freud inventou a psicanálise, a carreira de psicologia ainda não existia. Assim,
inicialmente quase todos os psicanalistas eram psiquiatras.
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Unidade 1 – Conhecendo a Psicanálise

Psicanálise é o nome dado ao campo clínico e teórico de investigação da psique


humana que originou efeitos importantes na cultura ocidental. Independente da
psicologia, ela se desenvolveu através dos estudos do médico neurologista austríaco
Sigmund Schlomo Freud (1856-1939), que tinha como primordial objetivo compreender
os sintomas neuróticos e/ou histéricos. Com os conhecimentos advindos da investigação
feita por ele, pode-se superar a falha existente no tratamento médico de tais pacientes.

A proposta de Freud, da cura pela palavra e sua teoria sobre o inconsciente, o


tornaram popular ainda na primeira metade do século XX, e fez da psicanálise um
método de investigação dos processos mentais impenetráveis por qualquer outro modo.

1.1 – Freud e a criação da psicanálise

“A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido.


Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz.”

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Nascido em maio de 1856, em Freiberg, Moravia, hoje Pribor, atual República


Tcheca, seu pai, um comerciante que trabalhava com lãs e com os negócios em baixa, se
viu obrigado a mudar-se para Viena quando Freud tinha apenas quatro anos. Vinte anos
mais velho do que sua mãe, era uma figura severa e autoritária, bem diferente dela, uma
pessoa carinhosa, com quem Freud desenvolveu uma profunda ligação.

Com mais sete irmãos, ele era o único a ter, em seu quarto, lamparina e óleo que,
naquela época, eram verdadeiras regalias. Além disso, para que pudesse estudar melhor,
era proibido que seus irmãos fizessem barulho pela casa.

Pelo fato de ser judeu, todas as carreiras fora medicina e direito eram proibidas
na época. Interessado pelos trabalhos de Charles Darwin e Johann Goethe optou por
estudar medicina na Universidade de Viena. Ao ingressar na universidade, Freud sofreu
grande preconceito por ser judeu. Tal fato deve ter servido para que ele se acostumasse
a ser uma figura na oposição.

O jovem estudante Freud desenvolveu trabalhos em neurologia e fisiologia,


comandando pesquisas sobre as glândulas sexuais das enguias. Fora isso, entrou para o
laboratório de Brücke para estudar o sistema nervoso dos peixes. Os estudos de
medicina, com exceção da psiquiatria, nunca o atraiam. Isto fez com que ele levasse oito
anos para se formar, em 1881. É desta época, mais precisamente em 1882, que datam os
primórdios da psicanálise, quando Freud ainda era recém-formado.

Apesar da sua vontade, como sua condição financeira não permitia que seguisse
estudando no laboratório acadêmico, começou a atender pacientes, clinicando como
neurologista e tratando essencialmente de mulheres burguesas que sofriam de distúrbios
histéricos. Além do mais, ele tinha se apaixonado e percebeu que, casando-se, precisaria
de um cargo mais bem remunerado.

Freud percebeu que, na histeria, os pacientes apresentavam sintomas que são


anatomicamente inviáveis. Por exemplo, na "anestesia de luva" a pessoa não tem
nenhuma sensibilidade na mão, ainda que apresente sensações normais no punho e no

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braço. Porém, visto que os nervos têm um percurso ininterrupto do ombro até a mão,
não pode haver nenhuma causa física para este sintoma. Assim, tal doença carecia de
uma explicação psicológica.

Na clínica psiquiátrica, notou que os problemas dos pacientes estavam


relacionados ao fato deles terem seus desejos reprimidos, subordinados ao inconsciente,
sendo muitos deles de natureza
sexual. Ao procurar aliviar o
sofrimento psíquico das pacientes,
Freud, durante um ano, ainda fez uso
dos métodos terapêuticos da época:
eletroterapia, massagens e
hidroterapia.

De 1884 a 1887, fez algumas


das primeiras pesquisas com cocaína
e, ao descobrir as propriedades
analgésicas, não sendo naquela época
proibida, ficou impressionado com suas propriedades e escreveu a respeito de seus
possíveis usos para os distúrbios, tanto os físicos como os mentais: “Eu mesmo
experimentei uma dúzia de vezes o efeito da coca, que impede a fome, o sono e o
cansaço e robustece o esforço intelectual.” (1963)

Por pouco tempo foi um defensor, mas depois tornou-se apreensivo em relação
às suas propriedades viciantes e interrompeu sua pesquisa. Porém, tal estudo abriu
portas para que esta substância fosse disseminada na Europa e nos Estados Unidos.

Terminando sua residência, Freud conquistou uma bolsa de estudos no


Salpetrière, em Paris, onde trabalhou com Charcot (1825-1893), figura de papel
fundamental na formação do jovem Sigmund. Ele percebeu em Freud um estudante
capaz e inteligente, e deu-lhe permissão para traduzir seus escritos para o alemão
quando Freud voltou à Viena.

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Nesta época, a histeria era a mais misteriosa de todas as doenças nervosas, e, não
só os pacientes histéricos, como, também, os médicos que demonstravam interesse por
tratá-la, eram desacreditados. Charcot contribuiu decisivamente para a mudança de tal
quadro, recuperando não só a dignidade dos pacientes, como abrindo um espaço para
que eles fossem ouvidos.

Para ele, a histeria não poderia ser considerada como uma enfermidade
imaginária. Era uma neurose que não estava restrita ao universo feminino,
contradizendo a própria origem do nome (hystera= útero). Tanto um quanto o outro se
mostraram interessados na autenticidade e na normalidade dos fenômenos histéricos e
em sua aparição na população masculina.

Apesar disso, Freud não havia concordado com a ideia de Charcot, que dizia que
a causa fundamental de tal distúrbio era a hereditariedade. Ainda assim, ficou encantado
quando percebeu que a hipnose era um caminho para a explicação. Desta forma,
podemos dizer que a maneira como Charcot tratava seus pacientes histéricos foi o ponto
decisivo para que Freud começasse a olhar em direção à criação de sua metapsicologia.
Porém, seguindo em seus estudos, Freud passou a achar os ensinamentos de Charcot
discutíveis.

Ainda antes de voltar à Viena, Freud foi a Berlim estudar sobre as enfermidades
infantis, onde publicou alguns trabalhos sobre paralisia cerebral das crianças. E, em
1886, já de volta, além de ter se casado com Martha Bernays, com quem teria seis filhos,
estabeleceu sua clínica particular e passou por um período de grande resistênciapor parte
das autoridades médicas em relação às suas inovações científicas. Assim, foi questão de
tempo a sua retirada da vida acadêmica e da relação profissional com a sociedade de
médicos.

Algumas circunstâncias já o tinham feito abandonar o uso da eletroterapia e a


utilizar como ferramenta de trabalho a hipnose, método que permitia ao paciente a
entrada em um estado de sugestão (hipnótica), onde seria possível revelar a história da

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gênese dos sintomas e sobre o qual era inviável o acesso em estado normal de
consciência.

Este fato foi descoberto ao perceber que a hipnose era uma condição que
atenuava a vigilância da censura, possibilitando evocar fatos perdidos que estavam
relacionados com o sintoma. Assim, em hipnose, uma situação era recordada e possível
de realizar o ato psíquico, antes reprimido, permitindo, de tal forma, um livre curso do
afeto correspondente e o consequente desaparecimento do sintoma. Estas reconstruções
da situação traumática inicial eram seguidas de explosões emocionais, chamadas de
catarse, e acompanhadas pelo desaparecimento sintomático. Nas palavras de Freud
(1914): “Os sintomas de pacientes histéricos baseiam-se em cenas do seu passado que
lhes causaram grande impressão, mas foram esquecidas (traumas); a terapêutica, nisto
apoiada, consistia em fazê-los lembrar e reproduzir essas experiências num estado de
hipnose (catarse).” (Ed. Bras, livro 6, p. 17)

Aliou-se a Josef Breuer2 (1842-1925), com quem continuou suas investigações


exploratórias da dinâmica da histeria. Juntos, Breuer e Freud, escreveram, em 1895,
“Estudos sobre a histeria”. A ideia do livro não era a de se fixar na natureza de tal
distúrbio, mas esclarecer a gênese de seus sintomas, acentuando, portanto, a
contribuição da vida afetiva e a importância da distinção entre atos psíquicos
inconscientes e conscientes. Porém, alvo de crítica, o livro, escrito a quatro mãos, serviu
de corte no caminho dos dois. Se, para Breuer, o tratamento estava completo com a
ajuda hipnótica, para Freud ainda faltava entender outras questões. Desta forma, Freud
tornou conhecidos os inconvenientes deste procedimento: não era possível hipnotizar
todos os doentes, visto que nem todos eram sugestionáveis e, por sua vez, nem todos os
médicos conseguiam hipnotizar de forma tão profunda quanto necessário.

2 Sua paciente mais conhecida foi Bertha Pappenheim, sob o pseudônimo de Anna O., que será a primeira paciente
histérica de Freud. Na época, responsável pelos cuidados de seu pai gravemente doente, Anna O. sofria de um
variado quadro sintomático que incluía paralisia, contrações musculares, inibições e estados de perturbação psíquica.
Em estado de vigília, a paciente era tão incapaz como os outros de entender a origem de seus sintomas ou as
conexões com a sua vida. Porém, hipnotizada, achava-se o que faltava. Com seu pai, a paciente se viu forçada a
reprimir um pensamento-impulso, cuja representação havia revelado o sintoma. Seu tratamento e sua hipnose
permitiram revelar os pensamentos e afetos reprimidos como o desejo de que o seu pai morresse.

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Para Breuer, a origem da histeria está ligada às lembranças traumáticas que


foram reprimidas por algum mecanismo do plano inconsciente da vida mental, isto é, ao
reprimir a carga do afeto da lembrança, originam-se os sintomas histéricos. Era preciso
um método catártico para se conseguir o retorno do afeto (utilizado para manter o
sintoma) e que por ter pego um ‘caminho falso’, não podia ser descarregado. Freud não
estava satisfeito com tais ideias, pois
não acreditava que os sintomas
tivessem sido originados em qualquer
cena desagradável. Para ele, tais cenas
traumáticas estavam ligadas à
sexualidade.

Seguindo o seu caminho


novamente sozinho, ampliou os
limites da histeria, começando pela
investigação da vida sexual dos
neurastênicos. Em meio disso, Freud
percebeu que o método da hipnose, no
lugar de eliminar os sintomas
causadores do sofrimento, por vezes, gerava novos sintomas no lugar daqueles
suprimidos.

Claro que esta descoberta, ainda que não tire o valor do método hipnótico, o
impõe limites. E, por isso, a hipnose deixou de ser o método ideal para os propósitos de
Freud, que mudou a sua abordagem, escolhendo trabalhar com os pacientes deitados,
enquanto ele se colocava por trás, de maneira que poderia ver, mas não ser visto.

Com esta postura, ele pretendia encorajar seus pacientes a falarem livremente,
sem reservas, sem omissão e julgamento, independente da aparente relação com seus
sintomas, isto é, sem preocupações de certo ou errado, reflexões ou conexões lógicas. A
ideia era buscar a origem dos sintomas através daquilo que era verbalizado, vencendo,
primeiramente, as resistências que impedem o acesso ao inconsciente. Visto que o

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analista, por sua vez, tem a função de reunir e significar o material descoberto 3, um
terapeuta psicanalista tradicional tem uma postura mais passiva e calada, ansiando do
seu paciente seus próprios insights.

Esta técnica foi chamada por ele de “Associação Livre”, onde o material
inconsciente viria à tona, com essas ajudas “espontâneas”, relatadas pelo próprio
paciente através dos sonhos, dos atos falhos e dos esquecimentos. Como aquilo que foi
esquecido tinha sido penoso, temível ou doloroso, para fazê-lo consciente era preciso
dominar o que se revelava contra o sujeito, impondo-se ao profissional tal esforço, tanto
maior quanto a gravidade do esquecido e a resistência do paciente. É neste momento
que surge a teoria da repressão4, ponto central psicanalítico, onde o conflito leva à luta
entre duas forças: instinto e resistência.

Assim, os sintomas se fazem como o resultado de uma satisfação substituída,


porém alterada e desviada dos seus propósitos, por conta da resistência do ego. Desta
forma, os sintomas neuróticos não estariam ligados diretamente aos acontecimentos
reais senão a fantasias optativas, onde a realidade psíquica é mais importante do que a
realidade material.

Foi em 1894, que Freud descobriu o conceito de transferência. No final do ano


seguinte, nasce Anna Freud, sua filha mais nova e que se tornaria psicanalista, fundando
sua própria corrente e tornando-se uma célebre psicanalista de crianças.

E é por volta desta época que surge, pela primeira vez, o termo psicanálise, mais
precisamente em 1986, para indicar um método particular da psicoterapia. Neste mesmo

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Vale ressaltar, como símbolo de curiosidade, que como Freud anotava somente depois de algumas horas o discurso
de seus pacientes, acredita-se que pode ter havido certas omissões. Outra crítica é que ele pode ter reinterpretado e ter
sido guiado pelo desejo de encontrar material de apoio às palavras transcritas.

4
A repressão é um mecanismo primário de defesa análoga à tentativa de fuga e antecessor da futura solução normal
por julgamento e condenação do impulso repulsivo. Como consequência, o ego precisa se proteger por meio de um
permanente esforço contra a pressão do impulso reprimido, sofrendo assim um empobrecimento. Além disso, o
reprimido, ao se transformar em inconsciente, pode alcançar uma descarga e satisfação substituída por caminhos
indiretos, fazendo fracassar o propósito da repressão.
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ano, no qual inclusive o seu pai morre, a correspondência entre Fliess 5 e Freud exibe a
expressão "aparelho psíquico" e os seus três componentes: consciente, pré-consciente e
inconsciente. É através de tais correspondências que Freud inicia o que ele chamaria de
sua autoanálise. Em paralelo, reconhece a sexualidade infantil e o complexo de Édipo.
Poucos anos depois, publica “A Interpretação dos Sonhos", com data de 1900, ainda que
tenha sido publicado no final de 1899. Datada, a pedido dele mesmo, de 1900, para
“abrir o século”, foi considerada por muitos como seu mais importante trabalho, apesar
de, na época, não ter recebido quase nenhuma atenção.

Em 1902, é criada a primeira sociedade psicanalista do mundo, em Viena, com o


nome de “Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras”. No ano seguinte, é a primeira vez
que Freud analisa uma criança de cinco anos. E é neste mesmo ano que ele descobre a
primeira teoria das pulsões: pulsão sexual e pulsão do Eu. Logo em seguida, Freud
revelou os estágios da sexualidade infantil e conheceu Jung, com quem começou a se
corresponder e com quem, em sete anos, já somava 359 cartas.

Jung que já tinha uma percepção de inconsciente e do psiquismo quando se


aproximou de Freud, criou, em 1907, a “Sociedade Freud”, em Zurique, que, mais tarde,
se tornou a “Associação Psicanalítica de Zurique”. Além disso, Jung teve tal
importância para Freud visto que, além de muito inteligente e esperto, não era judeu e
Freud receava que o progresso da psicanálise fosse ameaçado pelo antissemitismo.
Porém, alguns anos depois, a amizade ficou abalada após Jung tentar convencê-lo a
dessexualizar sua doutrina.

Freud, em 1911, descobriu o conceito de narcisismo ao estudar sobre a psicose


paranóica. No próximo ano, Freud publica alguns livros como “A Dinâmica da
Transferência” e “Totem e Tabu”, onde pesquisa sobre a interdição generalizada do
incesto, enraizada em diferentes culturas e sociedades.

5
Wilhelm Fliess (1858-1928) foi um médico alemão importante na pré-história da psicanálise. Por sugestão de
Breuer, Fliess se encontrou com Freud, em 1887, formando um forte laço de amizade. Mais do que um ouvinte crítico
de Freud, fez algumas contribuições científicas como a da bissexualidade inerente a todos os seres humanos.
Suspeitando que suas ideias estivessem sendo plagiadas por Freud, a amizade se desfez em 1902. Sua
correspondência com Fliess encontra-se atualmente reunida sob o nome de “O Nascimento da Psicanálise”.

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Já na década de 20, Freud nos conta sobre sua segunda teoria do aparelho
psíquico: Isso (Id), Eu (Ego), Supereu (Superego) e sobre a segunda teoria das pulsões:
pulsão de vida e pulsão de morte.

No mesmo ano, em que está se dedicando à teoria estrutural ou à segunda tópica,


Freud escreveu "O Ego e o Id" (1923) e descobriu um câncer no maxilar, o que o levaria
a passar por 33 cirurgias, além de perder o maxilar superior, instalando, com isso, uma
prótese com a finalidade de separar sua boca.

Em 1930, Freud, já adoentado, através de Anna, sua filha e representante, recebe


o prêmio Goethe (de literatura), a única premiação que foi entregue em vida. Alguns
anos depois, entre 1933 e 1939, houve um importante avanço do antissemitismo na
Alemanha.

Além disso, em 1933, a terminologia freudiana é excluída do vocabulário da


psiquiatria e da psicologia da Alemanha, e a psicanálise passa a ser considerada como
uma ciência judaica. Assim, Freud tem seus livros queimados em praça pública pelos
nazistas, em Berlim. Nesta mesma época, há uma profunda emigração de psicanalistas
alemães para a Argentina, Inglaterra e Estados Unidos.

Apesar disso, em 1938, em meio à


ascensão do nazismo, a princesa Marie
Bonaparte, graças a sua estima, consegue levar
Freud, sua esposa e filhos, para Londres.
Fugindo do nazismo, passa a morar na
Inglaterra onde, no ano seguinte, aos 83 anos,
morre em função do câncer desenvolvido há
mais de dez anos.

Para que consigamos compreender sua


obra, é preciso olhá-la dentro da sua perspectiva histórica, cultural e científica. A cura
das enfermidades físicas e mentais, por meio do diálogo, foi uma inovação desenvolvida

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por Freud a partir de suas observações. Até então, a área da psicoterapia só contava com
o apoio da terapia, ou seja, com banhos, sangrias e outros métodos obsoletos. Dessa
forma, sua contribuição, não só para a psicologia ou medicina, como para outras áreas
do conhecimento (sociologia, literatura, antropologia, entre outras) é inquestionável.
Suas ideias permitiram uma revolução de pensamento e o início da revisão de vários
preconceitos.

Freud explorou inúmeras áreas da psique que eram sabidamente encobertas,


tanto pela moral como pela filosofia vitorianas. Por contestar tabus culturais, religiosos,
sociais e científicos, descobriu novas abordagens para o tratamento da doença mental,
com ideias que se tornaram parte da herança comum da cultura ocidental.

“Sigmund Freud, pelo poder de sua obra, pela amplitude


e audácia de suas especulações, revolucionou o pensamento, as
vidas e a imaginação de uma Era... Seria difícil encontrar na
história das idéias, mesmo na história da religião, alguém cuja
influência fosse tão imediata, tão vasta e tão profunda.”
(Wollheim, 1980, p. IX)

Freud escreveu incansavelmente, suas obras completas somam 24 volumes e


abrangem ensaios referentes aos aspectos delicados da prática clínica, além de uma série de
conferências que esboçam toda a teoria sobre questões religiosas e culturais.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1.2 – Escolas psicanalíticas

Durante o trajeto da psicanálise,


muitos foram os estudiosos que se
encontraram e se encantaram com as
descobertas de Freud. Pelo caminho,
muitos formaram alianças e muitos se
separaram, dando destinos diferentes às
suas ideias.

De toda forma, não deve nos causar


surpresa o fato de que estudiosos brilhantes
discordem tanto. O estudo da consciência
humana é controverso em sua natureza porque há menos evidências e mais deduções.

Ainda que saibamos que, após o olhar de Freud, vários foram aqueles que
contribuíram para a expansão e o desenvolvimento da psicanálise, seria impossível
abarcar todas as figuras importantes no presente trabalho. Tal fato, não desmerece
nenhum deles, só tem como objetivo permitir-nos um curso mais focado. Para um
estudo mais aprofundado sobre as escolas psicanalíticas, sugerimos ver algumas ideias
de livros expostos na referência bibliográfica, presente na apostila do módulo II.

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1.3 – Jung e a psicologia analítica

"Só aquilo que somos realmente tem o verdadeiro poder de curar-nos."

Responsável por ter desenvolvido importantes conceitos da psicologia como


personalidades introvertidas/extrovertidas e inconsciente coletivo/arquétipos, sua análise
sobre a natureza humana envolveu investigações acerca das religiões ocidentais, alquimia,
parapsicologia e mitologia. Assim, dentro de amplo conhecimento cultural e intelectual
que possuía, Jung fundou a psicologia analítica, uma das linhas de estudo da psicanálise
que entendia os distúrbios mentais como uma forma patológica de procurar pela
autorrealização pessoal e espiritual.

Um dos alunos mais conhecidos de Freud, Carl Gustav Jung, nasceu em uma
aldeia suíça, em 1875. Tanto seu pai como vários parentes próximos eram pastores
luteranos e, desta forma, já durante sua infância, percebe-se o quanto foi tocado
profundamente por questões tanto religiosas quanto espirituais. Filho único, formou-se
em medicina pela Universidade da Basiléia, em 1900, e apresentou, em 1902, sua tese
de psiquiatria sobre “Os chamados fenômenos ocultos”. Começou a trabalhar com
esquizofrênicos, no hospital psiquiátrico Burgholzi, em Zurique, tornando-se grande
admirador de Freud. Estava tão entusiasmado com as novas perspectivas abertas pela
psicanálise, que decidiu conhecê-lo pessoalmente, indo a Viena, em 1907.

De acordo com Taboada (2004), de início, a identificação foi instantânea. Não só


pela convergência de ideias, como a relação interior que ambos acreditavam existir
entre os processos associativos alterados e os fenômenos psicopatológicos, como pela
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concepção de que tal acontecimento se dava por um fator inconsciente, com forte carga
afetiva que exercia influência sobre a vida psíquica e sobre o comportamento dos
indivíduos. Dessa maneira, ambos percebiam que os fatos retidos no inconsciente
podiam permanecer ativos por muito tempo e desencadear perturbações da vida mental.

Porém, a identidade de pensamentos não foi capaz de esconder diferenças


fundamentais, surgindo divergências de pensamentos. A união foi então rompida devido
à discordância em pontos fundamentais. Jung não aceitava a insistência de Freud de que
as causas da repressão dos conteúdos inconscientes eram sempre originadas devido a
traumas sexuais não elaborados pela consciência. Com isso, conforme lembrado por
Taboada (2004), ele não pretendia negar a importância das cargas emocionais ligadas à
sexualidade nem o poder patogênico dos traumas.

Somente acreditava que, para que o trauma exercesse a sua ação patogênica, era
preciso que houvesse uma “predisposição interior específica”. Além disso, por sua vez,
como era de se esperar, Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos
mitológicos, espirituais e ocultos: “O positivismo científico materialista de Freud não
perdoou o discípulo que buscou o fundamento criativo da religião.” (BYNGTON,
2004, p.7). O rompimento definitivo se deu em 1912, e cada um seguiu caminhos
diferentes com ressentimento de ambos os lados.

Depois de um tempo recolhido, Jung continuou a sua trajetória e desenvolveu o


método de associação de palavras, que visava o estudo das associações do pensamento,
com a finalidade de buscar o acesso aos fenômenos irracionais da psique. Visando
analisar a conexão entre associação e alterações da atenção, Jung pôde perceber que
certos eventos, tidos como falhas irrelevantes eram, na verdade, interferências
emocionais sobre o padrão de resposta. “As investigações sobre o conteúdo e o aspecto
afetivo subjacente levavam a conteúdos inconscientes com forte carga emocional.”
(TABOADA, 2004, p. 19)

Algumas palavras indutoras provocavam reações perturbadoras capazes de


demonstrar a relação com conteúdos emocionais ocultos. Esses conteúdos, descobertos

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por Jung durante tais experimentos, foram denominados de complexos, definidos como
um agrupamento de conteúdo psíquico, carregado de afetividade, que estabelece
associações com outros elementos. De tal forma, os complexos são capazes de interferir
na vida consciente, nos envolvendo em situações contraditórias, perturbando a memória
e arquitetando sonhos, por exemplo.

Assim, podemos perceber que o bem-estar depende dos complexos que possuem
maior ou menor autonomia, dependendo da conexão com a totalidade da organização
psíquica. Apesar do mal-estar que podem causar, não são considerados elementos
patológicos, mas sinal de conteúdos conflitivos que não foram assimilados. Para que
isso ocorra, por sua vez, é preciso compreender os conflitos em termos intelectuais e
exteriorizar os afetos envolvidos.

Em 1917, Jung publicou o livro "A Psicologia do Inconsciente" com seus


estudos sobre o inconsciente coletivo, também conhecido como impessoal ou
transpessoal. Detentor de recordações, sentimentos e pensamentos capazes de
condicionar os sujeitos, o inconsciente coletivo contém arquétipos, isto é, tendências
herdadas e armazenadas que levam o indivíduo a se comportar de modo semelhante aos
seus ancestrais. Desta forma, seja em momentos individuais ou durante manifestações
de elementos culturais, como é o caso das religiões e dos mitos, o material psíquico
universal, e não estabelecido em nossa experiência pessoal, encontra-se no inconsciente
coletivo. Assim, repleto de material representativo, possui uma forte carga afetiva
comum a toda humanidade como, por exemplo, essa sensação universal da existência de
Deus.

De acordo com Alves (2005), Jung concluiu que o inconsciente era mais do que
um depósito de desejos reprimidos expressos em sonhos, como entendia Freud. Ainda
que não negasse a existência do inconsciente individual, ele acreditava em um
inconsciente mais profundo e não pessoal, comum a todos os homens e culturas,
expresso através de símbolos que vêm à tona em sonhos, mitos e expressões artísticas.
Todos os indivíduos compartilham os mesmos símbolos, ainda que, em cada cultura,
eles tenham roupagem própria.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Seguindo em sua teoria, o processo de individuação é tido, por ele, como a nossa
grande tarefa existencial. Tal processo costuma ser deflagrado espontaneamente no
indivíduo já adulto, o que o fez ter tanto interesse no estudo desta fase da vida. Para
Jung, o que nos acontece na primeira metade da vida é uma espécie de preparação para
o nosso processo de individuação, a descoberta de nossa identidade profunda, que
ocorre somente através da realização de nossos potenciais.

De acordo com Ramos e Machado (2004), o processo de individuação, que


percorre toda a evolução humana, tanto individual como coletiva, refere-se ao processo
de se tornar uno, indivisível, isto é, um ser único através do autoconhecimento. Ainda
que tal processo de desenvolvimento da personalidade seja algo idealizado, é, ao mesmo
tempo, aquilo que motiva o ser humano, desde o seu nascimento à velhice, o guiando
em suas escolhas afetivas e profissionais.

Paradoxal como pode parecer, este processo resulta da interação do indivíduo


com o coletivo. Visto que, individuar-se não é individualizar-se, é impossível a
ocorrência deste processo fora da interação com o outro. “De certo modo, o processo de
individuar-se depende dessa fina sintonia com o que podemos chamar de nossaessência
e que, embora dependa da genética, da educação e do ambiente familiar e cultural,
certamente a todos transcende.” (RAMOS e MACHADO, 2004, p.42)

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Já, para Vargas (2004), o termo individuar é entendido como “tornar-se si


mesmo”, atingindo os potenciais próprios de cada um. Para o autor, a individuação é um
processo espontâneo de amadurecimento, por meio do qual o indivíduo se torna o que
está “destinado a ser”, desde o início.

Precisamos lembrar que é através do processo de individuação que entramos em


contato com os arquétipos. E, de acordo com Vargas (2004), Jung discriminou em
quatro fases este processo: a conscientização da persona, o confronto com a sombra, o
encontro com a anima (para o homem) ou com o animus (para a mulher) e, finalmente,
o encontro com o Self (ou si mesmo).

Antes de entrarmos na explicação de tais termos levantados agora, precisamos


esclarecer que, ao investigar as criações artísticas das antigas civilizações, Jung
percebeu alguns símbolos de arquétipos comuns, mesmo entre culturas distantes no
tempo e no espaço. Diferentemente dos arquétipos que não têm um conteúdo definido,
os símbolos podem ser individuais ou coletivos, ter um significado óbvio com uma
conotação específica e só podem ser considerados como tal, quando evoca algo mais do
que o seu simples significado. “O símbolo representa a conexão com a energia
arquetípica necessária para a consecução de feitos que alteram o estado das coisas e
podem trazer novas soluções para conflitos aparentemente insolúveis.” (RAMOS e
MACHADO, 2004, p. 46)

Para Jung, o símbolo


aponta um vínculo entre
aspectos conscientes e
inconscientes de um mesmo
elemento, contendo uma esfera
irracional e um enorme poder de
mobilização. Desta forma, a
palavra símbolo passou a ser

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

utilizada com a finalidade de assinalar a união de opostos, do conhecido e do


desconhecido. Além disso, como o que desconhecemos carrega o seu valor afetivo, o
símbolo sempre é capaz de despertar emoção.

Ramos e Machado (2004) salientam a importância de entendermos que Jung


usou o conceito de símbolo baseado em sua etiologia: sym (juntar) e balein (em direção
a). De tal forma, symbalein significava, na Grécia Antiga, o ato de unir duas metades de
uma mesma moeda que fora partida na separação de duas pessoas.

“Quando uma delas desejava enviar uma mensagem


importante à outra, o mensageiro trazia consigo uma das
metades da moeda. Desse modo, o destinatário da mensagem
poderia verificar sua autenticidade ao constatar a perfeitaunião
das duas metades (uma conhecida, outra incógnita).” (RAMOS
e MACHADO, 2004, p. 45)

Agora, voltando só um pouco ao que vimos acima sobre os complexos,


precisamos completar que eles fazem parte do nosso inconsciente pessoal 6, isto é, da
“sombra”, e são, de acordo com Ramos e Machado (2004), responsáveis, em grande
parte, pelos nossos comportamentos mais aberrantes e desadaptativos à realidade.

Temos acesso à sombra através da jornada do autoconhecimento. Aquilo que


escondemos é necessário ser revelado para que seja possível transcender a tais
conteúdos. Sem limparmos esse conteúdo é impossível que sejamos livres, pois não
pertencer à esfera da consciência não quer dizer que a sombra não influencie as atitudes
humanas. Em outras palavras, sem a conscientização da natureza da sombra, não existe
processo de individuação.

6
Vale lembrar, como já ressaltado por Ramos e Machado (2004), o conceito junguiano de inconsciente como fonte
de criatividade e potencialidade e não somente como depositário de conteúdos reprimidos, imagens ou vivências
dolorosas bloqueadas pelo mecanismo do ego. É de lá que surgem os impulsos que tomam forma na matéria, de
acordo com o espaço e o tempo de uma pessoa.
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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Porém, a necessidade de nos adaptarmos à vida em sociedade, como as


exigências culturais, nos leva a desenvolver o que Jung nomeou de persona, uma
máscara coletivamente reconhecível e aceitável. Nas palavras de Ramos e Machado
(2004):

“Quando extremamente rígida, a persona pode cindir


com os aspectos mais profundos do ser e passa a expressar
apenas um aspecto desejado externamente, sem refletir o
caráter mais ontológico do “si mesmo”. Quando integrada, a
persona é criativa e possibilita a expressão de diferentes facetas
do indivíduo.”(p. 47)

Outro conceito importante na psicologia analítica, diz respeito a um aspecto do


inconsciente observado indiretamente: a anima e o animus, contrapartes sexuais do
homem e da mulher que funcionam como elo entre o mundo interno e o ego. Da mesma
forma como existem aspectos biológicos masculinos na mulher, igualmente, existem
aspectos psicológicos masculinos correspondentes ao arquétipo do animus. Assim, um e
outro possuem qualidades humanas que faltam na disposição consciente.

“As projeções românticas têm a função de estabelecer


um confronto com o inconsciente, e sua retirada permite uma
expansão do autoconhecimento. Mediante a relação com o sexo
oposto podemos conhecer a realidade de nosso potencial, pois
tornar-se consciente não é um projeto isolado. Embora requeira
certa dose de introspecção, essa jornada implica convívio com o
outro para se realizar.” (RAMOS e MACHADO, 2004, P. 47)

Foi em 1921, em seu livro "Tipos Psicológicos", uma de suas obras mais
conhecidas, que Jung propôs que cada indivíduo possuía uma maneira singular de
apreender o mundo. Para caracterizar esta tipologia, dinâmica e desenvolvida, ao longo
da vida, Jung descreveu duas atitudes (extroversão e introversão) e quatro funções da
consciência (pensamento, sentimento, sensação e intuição).

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

De acordo com Fadiman e Frager (1986), a energia dos introvertidos segue de


forma mais natural em direção a seu mundo interno, enquanto que a energia do
extrovertido é mais focada no mundo externo. Os interesses primários dos introvertidos
se concentram em seus próprios pensamentos e sentimentos, ou seja, em seu mundo
interior. Por sua vez, os extrovertidos envolvem-se com o mundo externo das pessoas e
das coisas e têm uma tendência mais social, necessitando de proteção para não serem
dominados pelo mundo de fora e se alienarem de seus próprios processos internos.

Vale ressaltar que essas atitudes, ainda que não sejam totalmente cristalizadas, se
excluem mutuamente, visto que seria impossível manter as duas ao mesmo tempo. O
ideal é que o ser humano tenha uma cota de flexibilidade, podendo adotar ambas,
quando apropriado for e, assim, sem responder de uma maneira fixa ao mundo,operando
em termos de um equilíbrio.

As quatro funções da consciência levantadas acima estariam, para Jung,


dispostas em dois pares de opostos, um racional (pensamento e sentimento) e o outro
irracional (sensação e intuição). Cada função pode ser combinada e experimentada de
uma forma introvertida ou extrovertida.

“Para que possamos nos orientar, precisamos de uma


função que nos afirme que algo está aqui (sensação), outra
função que nos demonstre o que é (pensamento), uma terceira
que declare se isto é ou não apropriado (sentimento) e uma
quarta que indique de onde isso veio e para onde vai
(intuição).” (JUNG, 1942, p. 167)

Para Jung, o pensamento é a alternativa de elaborar os julgamentos e de tomar as


decisões. As pessoas que funcionam com o predomínio de tal função psíquica são
chamadas de reflexivas, por serem grandes planejadores que se agarram aos planos e às
teorias, ainda que sejam confrontados com evidências. Por sua vez, o sentimento age
como uma função orientada para o aspecto emocional da experiência, baseada em
emoções intensas ainda que negativas. Aqui, a tomada de decisões está atrelada aos

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

julgamentos de valores próprios como certo e errado. De maneira simplificada,


podemos dizer que, enquanto o pensamento nos diz o que é esse algo, o sentimento nos
diz se esse algo é agradável ou não.

Já a sensação, classificada junto com a intuição, é uma forma de apreender


informações, ou seja, é a percepção dos detalhes e de fatos concretos. Os tipos
sensitivos tendem a responder à situação vivencial imediata, lidando de forma eficiente
com todos os tipos de emergência. Jung via a intuição como uma forma de processar a
informação em termos passados, objetivos futuros e processos inconscientes. Assim, as
consequências são mais importantes do que a experiência. Seus tipos nos falam de
pessoas que processam as informações rapidamente, relacionando automaticamente a
experiência passada com informações da experiência imediata. Uma maneira de
simplificar o conceito apresentado é dizendo que a sensação nos expõe que algo existe e
a intuição nos diz de onde esse algo vem e pra onde vai.

“Ninguém desenvolve igualmente todas as quatro


funções. Cada um tem uma função dominante e uma auxiliar
parcialmente desenvolvida. As outras duas funções são, em
geral, inconscientes e a eficácia de sua ação é bem menor.
Quanto mais desenvolvidas e conscientes estiverem as funções
dominantes e a auxiliar, mais profundamente serão os seus
opostos.” (FADIMAN e FRAGNER, 1986, p. 48)

De acordo com Vargas (2004), ainda que o tipo psicológico, essencialmente


herdado, conserve-se o mesmo ao longo da vida, com o amadurecimento incide uma
tendência à maior integração à consciência das funções menos desenvolvidas. Com isso,
ocorre uma maior harmonização da personalidade quanto ao uso das quatro funções e
das duas atitudes.

Em 1928, Jung se interessou pelos trabalhos de Reich e, juntos, passaram a


estudar alquimia, comungando a ideia da natureza humana original e criativa, que se

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

esconde atrás de um homem massificado, que há muito perdeu a conexão com a


totalidade da vida e com suas raízes mais profundas.

No mesmo ano que lançou o livro “Psicologia e Alquimia”, Jung sofreu um


infarto, resolvendo renunciar às atividades docentes. Nesta obra, Jung fala do
simbolismo da alquimia como intimamente relacionado com o processo analítico. No
estudo deste livro, utilizou uma amostra de sonhos de um paciente, mostrando como os
símbolos utilizados pelos alquimistas ocorrem na psique, como parte do depósito de
imagens mitológicas utilizadas pelo indivíduo em seu estado de sono.

De acordo com Jung, a terapia é um esforço em conjunto do analista e do


analisado, que trabalham junto como iguais, em um relacionamento onde o analisado
deve ser visto por inteiro, sem procurar consertar partes isoladas de sua psique,
alcançando, finalmente, o seu estado de individuação.

Apesar de tantos conceitos apresentados aqui, foi o esforço de Jung evitar a


ênfase em uma teoria ou em técnicas específicas no processo terapêutico. Seu medo era
o de transformar o comportamento do analista em algo mecânico e, assim, prejudicar o
contato com o analisado. Jung não queria a existência de junguianos, objetivando, com
tal afirmação, que quem concordasse com a sua psicologia, experimentasse um caminho
próprio. De acordo com Vargas (2004):

“Para que cada junguiano, dentro de sua individuação,


possa se exercer como analista, ele necessita de uma formação
ampla e profunda, que implica a aquisição de conhecimentos
teóricos, técnicos e vivenciais. A clínica junguiana, vasta e
muito rica, com inúmeras aplicações, pode utilizar-se de
diferentes técnicas, conforme o analista e o cliente.” (p. 74)

Jung morreu aos 86 anos, em 1961, após ter levado uma vida que marcou a
antropologia, a sociologia e a psicologia, além de campos como a arte, a mitologia e a
literatura.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1.4 – Wilhelm Reich e a psicologia do corpo

“Do irreal resulta a impotência;


o que não somos capazes de conceber
não podemos dominar.”

Reich foi o fundador do que poderíamos chamar de psicoterapia orientada para o corpo,
visto que seu trabalho objetivava a libertação de emoções através deste. Enfatizou a
necessidade de lidar com os aspectos físicos do caráter, em especial os modelos de
tensão muscular crônica, tendo como principais contribuições os conceitos de caráter e
couraça, que se desenvolveriam a partir do conceito freudiano da necessidade do Ego
em se defender contra forças instintivas.

Wilhelm Reich7 nasceu, em 1897, na Galícia, mais precisamente em


Dobrzynica, uma parte da Áustria germano-ucraniana. Filho de fazendeiro judeu de
classe média, seu pai era uma figura autoritária de forte temperamento e sua mãe, uma
mulher bem atraente que se suicidou quando ele tinha 14 anos, aparentemente depois de
Reich ter revelado ao seu pai que ela tinha um caso com o seu tutor. Seu pai morreu de
tuberculose três anos mais tarde e seu único irmão quando Reich tinha 26 anos.

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Como título de curiosidade, vale ressaltar que tanto a religião quanto as observâncias judaicas não tiveram nenhum
papel significativo na educação de Reich.
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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Foi pouco depois da 1ª Guerra Mundial que Reich alistou-se no exército


austríaco, onde chegou ao posto de tenente e entrou em serviço ativo na Itália. Ao final
da guerra, foi para Viena, como um veterano de apenas 21 anos.

Em 1918, Reich ingressou na escola médica, na


Universidade de Viena, decidindo, quase que
instantaneamente, dedicar-se à psiquiatria.
Profundamente interessado na sexualidade humana, em
1919, procurou Freud com a finalidade de organizar
um seminário sobre sexologia na escola que
frequentava. Apenas um ano depois, aos 23 anos de
idade, Reich começou a participar das reuniões da
“Sociedade Psicanalítica de Viena” como membro
efetivo. Assim, a clínica psicanalítica fundada por
Freud, em Viena, o teve como primeiro assistente
clínico. Destinada a pacientes que não podiam pagar pelo tratamento, a demanda era
enorme. Tal fato, na percepção de Reich, demonstrava que a neurose era uma doença de
massa, que precisava ser tratada além dos limites da psicanálise.

De acordo com Kignel (2004), em 1921, Reich iniciou a sua prática


psicanalítica, antes mesmo de ter sido analisado, passando a atender os pacientes
encaminhados por Freud, em um profundo exemplo de admiração pelo seu trabalho.

“Em 1927, Reich procurou fazer análise com Freud, que


se recusou a fazer uma exceção à sua política de não tratar
membros do círculo psicanalítico profundo. Nesta época,
desenvolveu-se um sério conflito entre ambos que começou, em
parte, pela recusa de Freud em analisá-lo e, por outro lado, com
o aumento das divergências teóricas que resultaram do
envolvimento marxista de Reich e sua insistência de que toda
neurose era baseada numa falta de satisfação sexual.”
(FADIMAN e FRAGNER, 1986, p. 89)

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Somado a isso, segundo Cavalcanti e Cavalcanti (2006), enquanto Freud


considerava a neurose decorrência de uma perturbação sexual – e sexo precisa ser
percebido em um sentido amplo, como o foi para ele –, Reich assegurava que a neurose
era uma perturbação sexual em sentido restrito, isto é, uma falha na capacidade de
atingir o orgasmo. Por tal motivo, a neurose não só bloqueia a capacidade de entrega
como retém a energia em couraças musculares8, impedindo a descarga sexual. Desta
forma, para Reich, a gratificação sexual plena, além da função profilática, por evitar o
desencadeamento do processo neurótico, também desempenha uma função terapêutica
contra a própria neurose. Isso porque, para ele, quando se atinge a satisfação orgástica é
descarregada toda a energia do organismo, não restando nada para determinar e/ou
manter o sintoma neurótico.

Assim, segundo Cavalcanti e Cavalcanti (2006), quando esse alívio é bloqueado


ou insuficiente, segundo Reich, o sistema nervoso autônomo se sobrecarrega de energia
e a excitação sexual crescente, não liberada, se exterioriza sob a forma de angústia. Em
outras palavras, a ausência do orgasmo, portanto, seria o mecanismo central
determinante da angustia e, por conseguinte, da neurose.

Outra grande divergência com os conceitos da psicanálise freudiana foi a ideia


de Reich, de que a libido é uma força, sobretudo orgânica e mensurável, e não uma
energia psíquica. Sua proposta tem, no orgasmo, a visão de que ele é capaz de
descarregar o excesso de energia do organismo. Por tal razão, resumidamente, sua meta
terapêutica visava a libertação dos bloqueios corporais e a obtenção plena da capacidade
orgásmica.

Vale ressaltar que a psicoterapia realizada antes de Reich, basicamente, ignorava


os processos corporais. Foi ele quem passou a pensar no corpo como fonte e resolução
dos conflitos. Segundo Cavalcanti e Cavalcanti (2006), é inegável que a psicossomática
já correlacionava as doenças físicas com os conflitos psíquicos, mas em termos de

8
Tal conceito será explicado em breve. Por enquanto, nos basta a ideia levantada por Cavalcanti e Cavalcanti (2006),
que afirmam a couraça muscular como sendo um padrão geral de tensão muscular crônica do corpo que funciona
como um escudo, retendo energia que não pode ser descarregada.
35
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

terapia psicanalítica, as sensações orgânicas eram apenas trabalhadas verbal e


mentalmente.

“A psicanálise, de modo geral, ainda não tinha se


alertado para o fato de que o organismo vivo se expressa mais
claramente pelos movimentos corporais do que por palavras. O
corpo fala por meio da linguagem viva da postura, da expressão
fisionômica, dos gestos; uma língua que antecede, precede e
transcende a expressão oral. Quando se admite que o físico e o
psíquico são apenas níveis de uma mesma realidade, torna-se
evidente a possibilidade de operar modificações psíquicas por
intermédio da estrutura orgânica.” (CAVALCANTI e
CAVALCANTI, 2006, p. 20)

Foi Reich que nos trouxe este olhar para a relação da mente e do corpo. E, de tal
forma, interessado no papel da sociedade na criação de inibições, fundou uma
psicologia orientada para o corpo.

“Assim, por volta de 1950, Reich ocupou-se com


experimentos envolvendo acumuladores de energia orgônica:
caixas e outras invenções que, segundo ele, armazenam e
concentram energia orgônica. Reich descobriu que várias
doenças que resultavam de distúrbios do “aparelho
automático“, podiam ser tratadas com graus variados de
sucesso, pelo restabelecimento de um fluxo normal de energia
orgônica do indivíduo. Isto poderia ser conseguido pela
exposição a altas concentrações de energia orgônica nos
acumuladores. Estas doenças incluíam câncer, angina de peito,
asma, hipertensão e epilepsia.” (FADIMAN e FRAGNER,
1986, p. 90)

36
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Ele percebeu que era possível isolar a energia da vida, guardando-a em


acumuladores conhecidos como caixa de orgone. Ao posicionar os doentes dentro de
tais caixas, ele acreditava estar tratando de doenças sérias. Tudo isso porque, para ele,
tal Energia Orgônica, termo derivado a partir do organismo e orgasmo, flui
naturalmente por todo o corpo, de cima a baixo, paralela à espinha. Livre de massa, essa
energia vital e necessária ao funcionamento humano, não possui inércia ou peso,
encontra-se presente em qualquer parte, embora em diferentes concentrações. Além
disso, por estar em constante movimento, pode ser observada em condições apropriadas,
e por governar o organismo total, além de se expressar nas emoções e nos movimentos
biofísicos dos órgãos, torna-se o centro da atividade criativa.

Em outro estudo, Reich nomeou o


caráter como aquilo que é composto pelas
atitudes habituais de uma pessoa e de seu
padrão consistente de respostas para diversas
situações. O conceito inclui, não só modos e
valores conscientes, como, também, o estilo de
comportamento e as atitudes físicas.

De acordo com Fadiman e Fragner


(1986), o caráter se forma como uma defesa
contra a ansiedade, criada pelos intensos
sentimentos sexuais da criança e o consequente medo da punição. A primeira defesa
contra este medo é o mecanismo de defesa do ego conhecido por repressão, o qual
refreia os impulsos sexuais por algum tempo. À medida que as defesas do ego se tornam
cronicamente ativas e automáticas, elas evoluem para traços ou couraça caracterológica,
como resultado de todas as forças defensivas repressoras, instituídas de forma mais ou
menos lógica dentro do próprio ego.

Além disso, para ele, cada atitude de caráter tem uma atitude física
correspondente, ou seja, o caráter do indivíduo é anunciado no corpo, em termos de
rigidez muscular ou couraça muscular. Como não somente de recalque vive o

37
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

inconsciente, mas de representações contidas no organismo como um todo, ele tenta


ativar o inconsciente através da observação, ação e interpretação das expressões não
verbais. Para isso, Reich analisava seus pacientes pela avaliação da natureza e da função
de seu caráter, ao invés de decompor seus sintomas.

Assim, como o psiquismo e suas fixações podem ser acessados de diferentes


maneiras – além das livres associações verbais – é missão do terapeuta reichano não só
avaliar o que acompanha a história verbal do seu paciente, mas também ler a dinâmica
da expressão corporal.

Visto que o indivíduo que se encontra encouraçado é incapaz de expressar as


emoções biológicas primitivas, o maior obstáculo presente ao crescimento são as
couraças, que tem o papel de reduzir o livre fluxo de energia e a livre expressão de
emoções, transformando-se em uma importante amarra, tanto física quanto emocional.

Pensando sobre isso, com a finalidade de liberar emoções e fantasias contidas,


Reich começou a trabalhar de forma direta no relaxamento da couraça muscular, pois,
para ele, a liberação das emoções, através do trabalho com o corpo, produz uma
vivência muito mais intensa do que aquela que desperta o material infantil como forma
de trabalho. Para tanto, conforme levantado por Cavalcanti e Cavalcanti (2006), Reich
utilizava a respiração profunda como procedimento terapêutico a fim de neutralizar tais
couraças, com a colaboração ativa do paciente que, por sua vez, precisa enfrentar
abertamente suas resistências ou restrições que surgem pelo caminho.

Além disso, outra técnica utilizada dizia respeito à intensificação da tensão, que
fazia os pacientes mais conscientes dela, aumentando a possibilidade de aliviar o que
estava preso em determinada parte do corpo. Fadiman e Fragner (1986) acrescentaram
que, para que seus pacientes se conscientizassem de seus traços neuróticos de caráter,
Reich imitava com frequência suas características, gestos ou posturas, fazendo com que
repetissem ou exagerassem uma faceta habitual do comportamento.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

“Reich começou primeiramente com a aplicação de


técnicas de analise de caráter a atitudes físicas. Ele analisava,
em detalhes, a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos, a
fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos vitais
em diferentes partes do corpo. Reich fazia os pacientes
intensificarem uma tensão particular a fim de se tornarem mais
conscientes dela e de eliciar a emoção que havia sido presa
naquela parte do corpo. Ele descobriu que só depois que a
emoção “engarrafada” fosse expressa, é que a tensão crônica
poderia ser abandonada por completo.” (FADIMAN e
FRAGNER, 1986, p.93)

Além de analisar de forma detalhada a postura dos seus pacientes e seus hábitos
físicos para que pudessem ser conscientizados da forma como reprimiam os sentimentos
vitais em diferentes partes do corpo, Reich descobriu que as tensões muscularescrônicas
servem para bloquear uma das três excitações biológicas: a excitação sexual, aansiedade
ou a raiva.

Como vimos, o desenvolvimento de um traço neurótico de caráter marcaria a


solução de uma questão que foi reprimida ou transformaria a repressão em uma
formação relativamente rígida e aceitável pelo ego. Faz-se importante salientar que
traços de caráter são conceitos, para Reich, diferentes dos sintomas neuróticos.
Enquanto esses últimos são experimentados como estranhos ao indivíduo (tais como
fobias ou medos), os traços de caráter são vividos como parte integrante da
personalidade. Assim, as defesas de caráter, além de particularmente efetivas, são
difíceis de serem erradicadas, por estarem bem racionalizadas pelo indivíduo e,
portanto, experimentadas como parte do seu autoconceito.

Voltando ao conceito da couraça muscular, precisamos salientar a sua


organização em sete básicos segmentos de armadura, compostos por músculos e órgãos
com funções expressivas relacionadas. Formando uma série de anéis mais ou menos

39
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

horizontais e em ângulo reto com a espinha e o torso, os principais segmentos da


couraça destacados por Fadiman e Fragner (1986), segundo Reich são:

 Olhos: Expressada pela imobilidade da testa e por uma expressão vazia dos
olhos, tal couraça é dissolvida, abrindo fortemente os olhos, imitando uma
expressão de espanto para que mobilize as pálpebras e a testa e, de tal forma,
encorajar a expressão emocional. Os olhos também devem movimentar
livremente, tanto em círculos como olhando de lado a lado.

 Boca: Inclui os músculos da garganta, parte de trás da cabeça e o queixo. O


maxilar pode ser demasiadamente preso ou frouxo de uma forma que não é
natural. A ideia de soltar tal couraça passa por encorajar o paciente a imitar o
choro, reproduzir sons que mobilizem os lábios e o morder.

 Pescoço: Inclui os músculos profundos do pescoço e a língua. Como essa


couraça é a responsável por segurar a raiva ou o choro, para soltar tal seguimento
seria preciso berrar, por exemplo.

 Tórax: Este segmento contém os músculos longos do tórax, os músculos dos


ombros e da omoplata, toda a caixa torácica, as mãos e os braços. Sua função é
inibir o riso, a raiva, o desejo e a tristeza. Como consequência, a respiração
também se torna bloqueada. Assim, além de trabalhar com a respiração, deve-se
trabalhar a utilização dos braços e das mãos para bater ou rasgar.

 Diafragma: Este segmento abarca o diafragma, o estômago, o plexo solar, os


vários órgãos internos e os músculos ao longo das vértebras torácicas baixas.
Sua função é inibir a raiva.

 Abdômen: Inclui os músculos abdominais longos e os músculos das costas,


relacionada com a inibição do rancor, capaz de produzir instabilidade.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

 Pelve: Abarca todos os músculos da pelve e membros inferiores. Tal couraça


serve para impedir a raiva e o prazer, sendo impossível de experimentá-lo antes
de liberar a raiva contida dos músculos pélvicos.

Para Reich, o crescimento psicológico é um processo de dissolução da nossa


couraça psicológica e física, o que nos torna seres humanos mais livres e capazes de
orgasmos plenos e satisfatórios. Porém, citando Fadiman e Fragner (1986): “aprender a
equilibrar o autocontrole e a livre expressão permanece como parte de um contínuo
processo de crescimento.” (p. 104)

Da mesma forma, dentro da visão de tal linha, o terapeuta reichiano precisa ter
atingido um apreciável progresso em seu crescimento pessoal, visto que, para trabalhar
psicológica e fisicamente com um indivíduo, ele precisa ter ultrapassado os medos das
produções ativas de seu corpo, permitindo um livre movimento de energia corpórea.

Vale ressaltar, ainda, que de acordo com o que foi levantado por Fadiman e
Fragner (1986), a extensa pesquisa feita por Reich sobre energia orgônica e tópicos
relacionados, foi ignorada ou repudiada pela maioria dos cientistas e críticos. Visto que
o seu programa de orientação sexual é controverso ainda hoje, sabemos que suas ideias
foram bastante contestáveis para a sua época. Para termos uma base, por volta de 1933 e
41
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1934, em um período de seis meses, Reich havia sido expulso de suas duas principais
filiações profissionais, políticas e sociais, além de três países diferentes.

A vida de Reich ocorre em paralelo a perseguições, entre outras, do FBI e FDA


(Food and Drug Administration9). Esta última expediu uma imposição, impedindo a
distribuição das caixas de orgone, afirmando que as pretensões a respeito do resultado
divulgado por Reich eram de natureza fraudulenta. Reich recusou a interdição, sendo
acusado de desrespeito e condenado a dois anos de prisão, devido à ação movida pelo
órgão responsável pelo controle de medicamentos dos Estados Unidos.

Depois de preso, foi diagnosticado como paranóico, precisando ser transferido a


uma penitenciária com instalações para tratamento psiquiátrico. Suas obras foram
apreendidas e todas as cópias de seus livros e revistas nos EUA foram queimadas, antes
de seu julgamento, em praça pública.

Suas opiniões radicais a respeito da sexualidade resultaram em consideráveis


equívocos e distorções por outros autores, despertando ataques difamatórios e
infundados. Ainda que sua trajetória nos conte de obras proibidas de serem impressas
ou divulgadas e que seu trabalho não deixe de ter falhas experimentais, sua pesquisa
nunca foi recusada ou revista com cuidado por qualquer científico respeitável.

Reich acabou enlouquecendo na prisão, onde morreu, em 1957, de um ataque


cardíaco. Seu corpo recebeu sepultura simples, em seu local de trabalho e moradia.

9
Agência governamental americana que lida com o controle das indústrias alimentícias e de medicamentos.
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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1.5 – J. Lacan e sua contribuição à psicanálise

“O sintoma é a inscrição do simbólico no real.”

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Suas ideias de fundo estruturalista abalaram o cenário psicanalítico da França a partir da


década de 60. Conhecido por não ser um autor de fácil leitura, uma vez que seus textos
apresentam grande complexidade conceitual, além de terem sido escritos em estilo elíptico,
seus conceitos demandam uma inversão do pensamento linear e racional, o qual a cultura
ocidental está acostumada. Suas percepções vão bem além dos muros do seu uso clínico,
constituindo-se em interlocutora de campos como a estética, a filosofia e a crítica literária.

Em 1901, nasceu, na França, Jacques Marie Émile Lacan (1901-1981),


psiquiatra e psicanalista francês, responsável por reformular a obra freudiana, dando-lhe
um caráter mais filosófico e tirando-lhe o substrato biológico. Primogênito de uma
próspera família de forte influência católica e burguesa de origem provinciana, sua
família paterna era de vinagreiros de Orléans e de sólida tradição católica.

Por conta desta tradição, Lacan estudou no Colégio Stanislas, uma célebre
instituição dirigida por jesuítas, onde adquiriu uma nobre formação que incluía estudos
de alemão, latim, grego, retórica, matemática e filosofia.

Mostrou uma impressionante atração pela psicanálise, em uma época em que as


ideias de Freud estavam ganhando espaço dentro do pensamento francês, ainda que os
preconceitos impedissem a sua disseminação no país. Além deste fato, seu interesse
desde cedo pela filosofia, o permitiu uma base intelectual que os psicanalistas do seu
tempo não possuíam.

Assim, Lacan teve


contato com a psicanálise através
do surrealismo, a partir de 1951.
Para ele, os pós-freudianos
haviam se desviado muito das
ideias de Freud. Sua visão era
retomá-la através da linguística
de Saussure e da antropologia
estrutural de Lévi-Strauss.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Estudou medicina, e, depois de formado, passou a atuar como neurologista e


psiquiatra. Por volta de 1932, já estava envolvido com a “Sociedade de Neurologia”, a
“Sociedade de Psiquiatria” e a “Sociedade de Saúde Mental”, estando completamente
integrado nos círculos de neurologia e psiquiatria. Na sua tese de medicina, escreveu e
publicou seu primeiro trabalho sob o título de: “A psicose paranóica e suas relações
com a personalidade”, momento inaugural da carreira deste médico psiquiatra,
praticamente desconsiderado pelo meio da época.

Para se ter uma ideia, no mesmo ano da sua publicação, em 1932, Lacan enviou
para Freud sua tese, recebendo como resposta apenas um cartão postal. Eles nunca
chegaram a se encontrar.

Em 1934, Lacan casa-se com a sua primeira mulher, Marie-Louise Blondin, filha
de um homem de destaque na medicina, com quem teve três filhos: Caroline (1937),
Thibault (1939) e Sybille (1940). No mesmo ano, se afiliou a “Société Psychanalytique
de Paris” (SPP), fundada oito anos antes.

Lacan era tido como um intelectual brilhante fora dos meios psicanalíticos
franceses, porém o abalava o fato de não ser reconhecido pela SPP, onde os seus
trabalhos não só não eram levados em conta, como o seu anticonformismo produzia
profunda irritação.

Assim, ele próprio se demitiu junto com Daniel Lagache, J. Favez-Boutonier e


F. Dolto, fundando, os quatro, a “Sociedade Francesa de Psicanálise”, que durou 30
anos. Com tal decomposição, surge uma nova Escola onde Lacan passou a fazer uma
seleção das demandas.

Em 1941, Lacan separa-se de Marie-Louise. E, no mesmo ano, nasce Judith


Sophie, filha de Lacan com sua 2ª mulher, Sylvia Bataille.

Autor polêmico e de importância singular, Lacan interrompe as sessões


conforme sua vontade, recebendo as pessoas sem ao menos marcar hora. Sua técnica foi

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

alvo de constantes contestações, inclusive da comissão de ensino, que exigiu que


regularizasse tal situação. A lógica de Lacan nos diz que se o inconsciente é atemporal,
não faz sentido insistir sobre sessões padronizadas.

Porém, conforme foi levantado por Goldenberg (2004), as sessões curtas não
podem ser confundidas com o embasamento teórico do tempo lógico. O uso lógico do
tempo é a tentativa de reduzir a duração da sessão, curta ou longa, ao tempo do
acontecimento discursivo, cujas consequências serão elaboradas pelo paciente fora do
consultório enquanto cuida da vida.

Outra forma de ver Lacan nos foi proposta por Oliveira (2004), que o divide em
três tempos. Inicialmente, uma visão do futuro, da família ocidental, somada à visão
social mais geral do mundo é um primeiro Lacan. Em seguida, e a partir de 1945, ocorre
o movimento estruturalista de Lacan, descoberto através da leitura de Lévi-Strauss,
onde se faz possível a elaboração de uma nova concepção do inconsciente e da
linguagem. Já o 3º Lacan está voltado à pesquisa matemática, onde tentou, através de
modelos lógicos, encontrar uma solução que pudesse responder a questão da
formalização do inconsciente e da loucura.

Há quem afirme que Lacan sofria de inibições de escrita, visto que o ensino de
sua teoria e a transmissão de seus conceitos e pesquisas ocorreram de forma
primordialmente oral, por meio de seminários e conferências, que constituíram o núcleo
de seu trabalho teórico, ainda que a maioria deles transcrita e posteriormente publicada.

Tal fato parece curioso, se pensarmos que sua vertente foi estudar a linguística e
a lógica para reconfigurar a teoria do inconsciente, em um trabalho não só teórico como
clínico. A linguagem se fez o centro de suas preocupações, visto que é a condição
principal de existência do inconsciente, que só existe no sujeito falante. De acordo com
Forbes (2004), para Lacan, palavras não são só palavras. Não há nada a ser buscado
além delas e sim nelas.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Segundo Battaglia (2004), Freud afirmou que o ser humano quando nasce é um
caos resultante de um corpo ainda fragmentado e descontínuo. Se, para Freud tal
unidade só pode ser apreendida a partir de um esquema mental, por sua vez, Lacan
afirma que esse esquema mental não é da ordem do natural, mas antecipado através de
um Outro antes mesmo da capacidade motora da criança de se expressar, permitindo
que haja a instalação das experiências subjetivas e cognitivas. Dizendo de outra forma,
o Outro traduz a sua leitura pessoal de mundo para a criança e, neste sentido, a
interpretação é obrigatória e repressiva, embora também imprescindível para que a
criança se estabeleça. Assim, passamos a entender quando Lacan afirma que o
conhecimento vem daquilo que é exterior ao conhecimento que o sujeito tem de si
mesmo.

“Parte de nós nos ultrapassa, visto que a linguagem


“nos fala” muito antes que falemos através dela. O sujeito
entendido pela psicanálise se faz como efeito da intervenção do
Outro e da incidência da Lei na relação do Outro com o ser. O
objetivo do trabalho analítico não é eliminar a divisão do
sujeito, mas permitir que ele não responda cegamente ao desejo
inconsciente – que é sempre desejo (de se fazer objeto) do desejo
de um Outro – com a finalidade de se tornar capaz de se
responsabilizar por sua condição desejante, a qual consiste,
justamente, na impossibilidade de satisfazer plenamente o
desejo e, portanto, na permanente tarefa de realizá-lo na
produção simbólica.” (KEHL, 2004, p. 49)

Assim, percebe-se que Lacan afirmava a importância do Eu frente ao inconsciente. De


acordo com Cesarotto (2004), os humanos só podem existir graças à fala. O registro do
simbólico tem, na linguagem, a expressão mais concentrada, regendo o sujeito do
inconsciente: “Ele é a causa e o efeito da cultura, onde a lei da palavra interdita o
incesto e nos torna completamente diferente dos animais” (p. 25)

47
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Além disso, se antes Freud falava de relações bem estruturadas pela hierarquia,
para Lacan tais relações se davam de modo mais horizontal e, assim, as figuras de
autoridade perdem o lugar simbólico de poder e excelência. Bom exemplo disso é o
complexo de Édipo, uma estrutura que privilegia o eixo vertical das identificações, basta
ver o papel fundamental do pai em tal modelo. Porém, ao fazermos parte de uma era
globalizada, quando a horizontalidade é mais importante do que a verticalidade anterior,
Lacan propõe uma análise além das significações consagradas no ideal paterno e de seus
representantes. É a análise de um sujeito de uma nova era.

Outra importante releitura se faz entre a proposta do id, ego e superego de Freud.
Na teoria lacaniana, o aparelho psíquico é uma organização única formada pelo Real e
pelos registros do Imaginário e do Simbólico (RSI), que se representam em torno do
furo inicial do objeto a. De acordo com o que foi levantado por Kehl (2004), o Real nos
diz sobre aquilo que é irrepresentável, que tentamos permanentemente simbolizar. Já, de
acordo com Cesarotto (2004), por sua vez, o Real é referido pela negativa, isto é, seria
aquilo que, carecendo de sentido, não pode ser simbolizado, nem integrado
imaginariamente.

Voltamos a Kehl (2004), para buscar sua ideia sobre o Simbólico e acharmos
que ele é o registro em que o trabalho psíquico se faz através do significante. Podemos
dizer que o simbólico tem na linguagem a sua forma mais concreta, governando o
sujeito do inconsciente, assim, ele se faz como o responsável pelas transformações do
sujeito.

“Ao contrário do imaginário, onde se produz a


consistência e a fixidez das representações, no Simbólico a
arbitrariedade da relação entre o significante e o significado
permite uma mobilidade muito grande ao trabalho
representacional do psiquismo. Se no Imaginário nos parece
que as coisas “são o que são” – já que nada se parece mais com
a verdade de uma coisa do que sua imagem – no Simbólico, o
significante desliza, muda de sentido, desestabiliza a relação

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

do falante com a suposta verdade de sua fala.” (KEHL, 2004, p.


50)

Por último, o Imaginário é entendido, pela mesma autora, (2004), como o registro onde
as representações psíquicas se apoiam sobre as imagens, ganhando uma consistência
que parece ser a expressão da verdade.

Algum tempo se passou e Lacan mostrou que os três registros, essenciais da realidade
humana, não podem ser isolados por se apresentarem unidos de modo indissociável na
topologia do nó Borromeano, onde os elos estão dispostos de forma que, se cortarmos
um deles, todos se desligariam simultaneamente. Vale ressaltar que cada uma das três
categorias é autônoma e distinta das outras, ainda que todas estejam amarradas de
maneira interdependente.

Até o momento, Lacan acreditava que o desejo era a causa das formações do
inconsciente, porém ao colocar o gozo em tal lugar, opera-se uma mudança de vital
importância, visto que o gozo, ponto fundamental para Lacan, é entendido como uma
mistura de prazer e de insatisfação. Expressando a conjunção de Eros e Tanatos, é ele
que alimenta os sintomas, inibições ou as angústias, sem se completar visto que está
sempre extravasando.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Para Forbes (2004), enquanto Freud fez uma Sociedade de analistas, Lacan fez
uma Escola de psicanálise. O fato de não haver psicanálise sem psicanalistas, faz da sua
formação um problema crucial. Por sua vez, a formação lacaniana é complexa e bem
mais exigente do que a universitária, visto que não é padronizada, o que impede o
cumprimento de fórmulas prontas ou de tarefas pré-estabelecidas.

Precisamos dizer que Lacan foi o único intérprete a dar à obra de Freud uma
estrutura filosófica e a tirá-la do seu ancoramento biológico, sem que isso o fizesse cair
no espiritualismo. Pelo contrário, ele criou um sistema de pensamento que reconstruiu
inteiramente a doutrina e a clínica de Freud, com conceitos e técnica originais, podendo
ser considerado o seguidor que mais contribuiu e deu continuidade à sua obra. Suas
ideias ampliaram os terrenos da psicanálise, questionando mentalidades e
potencializando a ciência do inconsciente.

De acordo com Oliveira (2004), Lacan renovou não somente a teoria de Freud
como o conjunto de práticas e clínica psicanalítica. Independente das críticas, nós
precisamos dizer que ele ocupou um lugar fundamental ao dar vida nova à obra de
Freud. Por isso, visto que sua obra está totalmente integrada à história da psicanálise,
suas concepções são essenciais para os militantes da área clínica da psicanálise.

Na visão de Kehl (2004),


Lacan atraiu a psicanálise para a
arena dos grandes sistemas de
pensamento da segunda metade
do século XX, estendendo o seu
alcance ao fazê-la dialogar com a
linguística e o estruturalismo.
Por outro lado, os críticos alegam
que a obscuridade dassuas ideias
protege quem fala ou escreve do
risco de ser contestado. Lacan
ocupa um

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

lugar único na história da psicanálise da segunda metade do século XX.

De acordo com Lacan, a psicanálise não é uma ciência, uma filosofia ou mesmo
uma visão particular de mundo. Ela é uma prática comandada pela elaboração da noção
do sujeito e esta noção, para Lacan, conduz o sujeito em sua dependência significante.
Nas palavras de Goldenberg (2004): “A sessão analítica é como uma encenação de
teatro, cujo diretor é o paciente, e na qual o psicanalista aceita o papel de ator
coadjuvante, com o intuito de apreender o roteiro que ambos seguem sem saber.” (p.
45)

Fazia parte do trabalho de Lacan seu especial cuidado para não interferir no
discurso do seu paciente. Assim, ele visava que o próprio, analisando, pudesse descobrir
as próprias questões, visto que o risco da interpretação engloba o analista passar os seus
significantes ao paciente.

“O que pode parecer aos olhos do leigo um excesso de


“frieza” manifestado pelo silêncio do analista é consequência
do objetivo de permitir que aquele que fala se aproprie
gradualmente do saber inconsciente que se insinua nas brechas,
nos lapsos, no sintoma e nos deslizes sem sentido de sua fala.”
(KEHL, 2004, p. 49)

Em 1967, Lacan propõe a criação do “passe”, dispositivo regulador da formação


do analista. Assim como o fim da análise pessoal, o passe é requisito vital para a
formação profissional. Ele se faz através de uma ordenação simbólica que implica em
um certo ritual ao constituir um valor específico perante a comunidade.

Em 1981, Lacan morre, em Paris, atingido por distúrbios cerebrais e por uma
afasia parcial, após uma extração de um tumor maligno do cólon. Porém, ainda depois
de sua morte, sua obra surpreende pela novidade. Ela não tem como ser ignorada, pois
seu efeito está longe de ser reduzido meramente aos consultórios psicanalíticos.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Lacan é um clássico que resiste ao tempo visto que não se encontra em nenhuma
interpretação classificatória: “Sempre há mais Lacan do que aquilo que se pode
apreender.” (FORBES, 2004, p. 12). E, como se não satisfizesse aquilo que já temos
publicado em seu nome, há também os Outros escritos, que possui 600 páginas
adicionadas às anteriores.

Pertencente à segunda geração da psicanálise francesa, Lacan foi o único


herdeiro de Freud a repensar todo o sistema criado pelo fundador da psicanálise 10. Ao
inseri-la no campo da linguagem, permitindo sobressair à função da fala, a psicanálise
foi, por ele, inovada nos anos 70. Lacan pode, assim, oferecer uma alternativa aos
termos freudianos, incluindo um novo vocabulário, empregando termos, como: sujeito
barrado, o Outro (assim mesmo, com letra maiúscula) e objeto “a” que enriqueceram as
formulações clínicas e que, infelizmente, saia do propósito, deste trabalho, detalhá-los
como cada um deles mereceria.

Seminários Jacques Lacan

Seminário I: Os escritos técnicos de Freud


1954
(Les écrits techniques de Freud)

Seminário II: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (Le moi dans la


1955
théorie de Freud et dans la technique de la psychanalyse)

Seminário III: As psicoses


1956
(Le Séminaire III " Les Psychoses")

Seminário IV: A relação de objeto


1957
(Le Séminaire IV " La relation d'objet")

Seminário V: As formações do inconsciente


1958
(Le Séminaire V " Les formations de l'inconscient")

1959 Seminário VI: Le désir et son interpretation, não publicado.

Seminário VII: A ética da psicanálise


1960
(Le Séminaire VII " L'éthique de la psychanalyse")

Seminário VIII: A transferência


1961
(Le Séminaire VIII " Le transfert")

10
Por conta da complexidade de sua teoria, optamos por não aprofundá-la com o simples intuito de seguirmos o
nosso proposto inicial.
52
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1962 Seminário IX: L'identification, não publicado.

Seminário X: L'angoisse
1963
(Le Séminaire X " L'angoisse")

Seminário XI: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise


1964
(Le Séminaire XI, Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse)

1965 Seminário XII: Problèmes cruciaux pour la psychanalyse, não publicado.

1966 Seminário XIII: L'objet de la psychanalyse, não publicado.

1967 Seminário XIV: La logique du fantasme, não publicado.

1968 Seminário XV: L'acte psychanalytique, não publicado.

1969 Seminário XVI: D'un Autre à l'autre, não publicado.

Seminário XVII: O avesso da psicanálise


1970
(Le Séminaire XVII " L'envers de la psychanalyse")

Seminário XVIII: D'un discours qui ne serait pas du semblant, não


1971
publicado.

1972 Seminário XIX: ...ou pire, não publicado.

Seminário XX: Mais, ainda


1973
(Le Séminaire XX " Encore")

1974 Seminário XXI: Les non-dupes errent, não publicado.

1975 Seminário XXII: R.S.I, não publicado.

Seminário XXIII: O sintoma


1976
(Le Séminaire XXIII “Le sinthome”)

Seminário XXIV: L'insu que sait de l'une bévue s'aile à mourre, não
1977
publicado.

1978 Seminário XXV: Le moment de conclure, não publicado.

1979 Seminário XXVI: La topologie et le temps, não publicado.

1980 Seminário XXVII: La Dissolution, não publicado.

53
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

1.6 – A psicanálise no Brasil

Foi em 1873 que nasceu


Juliano Moreira, médico baiano que,
depois de se formar em psiquiatria
dinâmica na Europa, foi um dos
introdutores das ideias freudianas no
Brasil.

Já se contava o ano de 1900,


quando nasceu Durval Ballegardi
Marcondes que, com 20 anos, tomou
conhecimento das obras de Freud e
veio a se transformar, em 1927, junto com Francisco Franco da Rocha, um dos médicos
fundadores da “Sociedade Brasileira de Psicanálise” (SBP), em São Paulo, a primeira
sociedade freudiana da América Latina.

Além disso, em 1920, Francisco Franco da Rocha publicou no Brasil, um dos


primeiros livros com o objetivo de divulgar os achados freudianos: “O pan-sexualismo
na doutrina de Freud”.

Alguns anos se passaram quando, em 1936, Adelheid Lucy Koch veio ao Brasil.
Ela foi a primeira psicanalista didática, responsável por iniciar Durval Marcondes e
outros na psicanálise. Koch contribuiu para que a “Sociedade Brasileira de Psicanálise”
fosse reconhecida pela IPA.

A América do Sul, em destaque para Argentina e o Brasil, detém um lugar


notório na geopolítica do movimento psicanalítico. Só no Brasil, temos centenas de
instituições localizadas nos principais centros urbanos, que, com seu trabalho e esforço,
disseminam as ideias freudianas e instruem a população.

54
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Segundo Massimi e Guedes (2004), há uma dúvida se a psicanálise entrou no


nosso país pela Bahia, pelas mãos do psiquiatra baiano Juliano Moreira, em meados dos
anos 20, ou se foi em São Paulo. De qualquer forma, vale dizer que a prática clínica dos
nossos médicos era uma prática autodidática e dirigida apenas pela leitura de livros
sobre psicanálise. Uma das fortes características de autodidatismo foi o fato de ser
espontânea, isto é, ao gosto de cada um, sem ter uma preocupação alarmante com as
recomendações técnicas de Freud em seus escritos.

Assim, os psicólogos foram dominando a clínica, exercendo a função de


terapeutas e até mesmo de supervisores. Apesar disso, sabemos que o processo foi
recheado de barreiras. Para se ter uma ideia, foi somente em 1962 que a profissão passou
a ser regulamentada, possibilitando a sua prática clínica.

Entendida, primeiramente, como uma técnica de persuasão, a psicanálise


convenceu os médicos ao ser aplicada e confirmada não só pelos seus pacientes como,
também, em sua própria experiência pessoal. Assim, ultrapassando as resistências da
nossa sociedade e dos seus estudiosos, ela foi tomando corpo e, hoje, podemos dizer que
se encontra integrada de modo definitivo no âmbito científico e sociocultural do
ocidente, revelando um poderoso instrumento, não só em relação ao desvendamento dos
mistérios da alma humana, como na avaliação dos dolorosos conflitos sociais da
atualidade.

55
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Unidade 2 – Fundamentos da Psicanálise

Foram as tentativas de Freud de sistematizar a estrutura e o funcionamento do


psiquismo que permitiram a divisão do aparelho psíquico em inconsciente, pré-
consciente e consciente, ficando essa divisão conhecida como primeira tópica, também
levando o nome de topográfica, visto que se trata da sua primeira tentativa em descrever
como o psiquismo é formado. Este ensaio foi de grande utilidade, em um momento em
que sua teoria estava voltada para a compreensão das formações inconscientes e dos
recalques.

Um estudo iniciado por Freud que abriu o caminho para o desenvolvimento de


uma psicologia voltada para as relações do amor e para o entendimento de quadros
psicóticos, foi o estudo do narcisismo. Freud percebeu que todos os indivíduos passam
por algum tipo de narcisismo durante a infância, representando um modo particular de
relação com a sexualidade. É válido ressaltar que este conceito foi crucial para a
formação da teoria psicanalítica tal qual conhecemos hoje.

Assim, quando o foco da sua pesquisa voltou-se para o ego, a divisão do


aparelho psíquico conhecida até então, passou a ser insuficiente. Podemos dizer que,
enquanto a primeira tópica foi movida pela análise dos sonhos e da histeria, após 1920,
mais precisamente a partir do seu importante trabalho metapsicológico “Além do
princípio do prazer”, a segunda tópica surge como uma tentativa de elaborar uma
resposta aos problemas da psicose. Vale dizer que esta teoria não tinha a pretensão de
invalidar a 1ª tópica, mas aperfeiçoar a descrição do aparelho psíquico. É preciso ter
cuidado com os equívocos que possam surgir ao tentar relacionar as antigas instâncias
às novas.

Paralelo a isso, ele percebeu que algumas resistências funcionam como barreira
ao processo analítico. Assim, Freud nos falou sobre transferência e contratransferência,
conceitos centrais na psicanálise, visto que são formas típicas de projeção resultantes da
relação terapêutica. Podendo ser positiva (sentimentos de afeto e admiração) ou

56
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

negativa (sentimentos de resistência e agressividade), a transferência e a


contratransferência são vínculos que se estabelecem entre o paciente e o analista,
dependentes dos laços emocionais inconscientes que se manifestam nessas relações.

Freud estudou também sobre os mecanismos de defesa e descobriu algumas


forças mentais que se opõem umas às outras, batalhando entre si, com a finalidade de
solucionar conflitos não resolvidos ao nível da consciência.

Também revelou-nos que os sonhos são muito mais do que aquilo que poderia
ser imaginado desde então. A interpretação deles é a via real capaz de levar ao
conhecimento das atividades inconscientes da mente.

Freud também não deixou de se preocupar com a criação de um setting analítico


e da existência da alta em psicanálise, ainda que ele não parecia estar preocupado com a
duração do processo, visto que, em sua enorme maioria dos casos, era preciso anos de
dedicação ao processo de mergulhar no interior de si mesmo.

2.1 – Primeira tópica: consciente, pré-consciente e inconsciente

Em sua obra intitulada de“A


Interpretação dos Sonhos” (1900),
ao tentar explicar o psiquismo
humano, Freud criou uma
topografia do aparelho psíquico,
parte essencial de suasteorias.

Este fato se deu ao perceber


que os sintomas histéricos, ainda
que não sejam lembrados, são resíduos e símbolos mnêmicos de experiências
traumáticas ligadas à sexualidade infantil. Com isso em mente, o pai da psicanálise

57
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

apreendeu a existência de uma instância psíquica que não era consciente, mas onde
estariam guardadas todas as experiências de um indivíduo. E assim, ao propor a teoria
topográfica, Freud tentou explicar como ocorria o conflito intrapsíquico entre os desejos
sexuais e suas forças inibidoras.

Para tanto, Freud dividiu o aparelho psíquico em três sistemas: inconsciente, pré-
consciente e consciente, cada um deles com seu tipo de processo, investimento e
funções demarcadas. Ao consciente, denominado também de sistema percepção-
consciência, na maioria das vezes, caberia somente uma pequena parte responsável por
receber informações provenientes das excitações do exterior e do interior, que ficam
registradas qualitativamente de acordo com o prazer e/ou desprazer que elas
proporcionam.

Por sua vez, enquanto que no consciente encontramos as informações às quais o


indivíduo pode voltar a sua atenção em um determinado instante, no pré-consciente
localizamos as representações que podem se tornar conscientes, mas que, no momento,
não pertencem à consciência, apesar de serem, relativamente, de fácil acesso. Contudo,
ainda que o pré-consciente se encontre articulado com o consciente, este primeiro
funciona como uma barreira capaz de selecionar aquilo que pode ou não passar para
esfera do consciente.

Freud também percebeu que, para que algo se torne consciente, era necessário
que antes disso, tal elemento passasse pelo pré-consciente, através da associação e
resíduos verbais correspondentes.

Este assunto já foi levantado por Fadiman e Fragner (1986, p. 7, 8):


“Estritamente falando, o pré-consciente é uma parte do inconsciente, mas uma parte
que pode se tornar consciente com facilidade. As porções da memória que são
acessíveis fazem parte do pré-consciente.”

Já o inconsciente é a parte mais arcaica do aparelho psíquico, lugar onde nos


deparamos com elementos instintivos não acessíveis à consciência. Lá encontramos as

58
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

representações que já foram conscientes, mas que foram expulsas por causarem grande
sofrimento, com a ajuda da repressão ou mesmo da censura. Apesar disso, dotado por
uma grandiosa fonte de energia, seus conteúdos funcionam como invasores,
perturbando a mente ao despejar seus derivados na consciência.

Vale levantar que, nesta instância, encontramos todas as informações às quais o


indivíduo teve acesso durante a sua vida, ainda aquelas que ele não tenha dado
importância. Isso porque, no inconsciente, nenhuma informação é perdida, todas ficam
guardadas em seus traços mnêmicos sem poderem ser apagadas.

Com isso, precisamos dizer que não há confissões a se fazer do inconsciente.


Como não pode ser abordado diretamente, não se pode ser racional nesta instância. Em
outras palavras: podemos conhecê-lo através de atos falhos, sonhos11, chistes e
sintomas, expressos através do nosso próprio corpo.

“A premissa inicial de Freud era de que há conexões


entre todos os eventos mentais. Quando um pensamento ou
sentimento parece não estar relacionado aos pensamentos e
sentimentos que o precedem, as conexões estão no inconsciente.

11
Para Freud, a interpretação dos sonhos é uma maneira simples, porém, sólida, que se tem de conhecer o
inconsciente.

59
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Uma vez que estes elos inconscientes são descobertos, a


aparente descontinuidade está resolvida.” (FADIMAN e
FRAGNER, 1986, p. 7)

Voltando um pouco às ideias apresentadas até aqui, este modelo do aparelho


psíquico também é demarcado por seus aspectos dinâmico e econômico. O primeiro nos
fala sobre o movimento de informações entre as instâncias mencionadas, por exemplo, o
material do pré-consciente pode ir à consciência sem grande esforço. Por sua vez, o
aspecto econômico refere-se à sua oposição de funcionamento baseado no princípio do
prazer-desprazer. Enquanto o inconsciente quer descarregar a sua tensão com a
finalidade de obter o prazer, o pré-consciente esforça-se para proibir que tal descarga
aconteça, já que esta produziria uma sensação oposta no consciente, isto é, de desprazer.

2.2 – Narcisismo

De acordo com Laplanche e Pontalis


(1996), o termo narcisismo aparece pela
primeira vez em Freud em 1910, como uma
tentativa de explicar a escolha de objeto nos
homossexuais. Freud acreditava que a
homossexualidade se dava quando o
indivíduo tomava a si próprio como eleição
sexual.

Porém, foi somente em sua obra


escrita em 1914, “Introdução do Conceito de
Narcisismo”, que Freud registrou, em parte como resposta a Jung, a sua teoria do
narcisismo12, colocando as pulsões do Eu, também chamadas de autoconservação, entre
as pulsões sexuais. Assim, fica claro que, para ele, neste momento, o objeto sexual da

12
Palavra derivada da Mitologia Grega refere-se ao mito de Narciso que ao ver a sua própria imagem na água, se
apaixona perdidamente por si próprio e acaba por morrer afogado.
60
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

pulsão do Eu é o próprio eu. Neste estudo, Freud dividiu o narcisismo em duas fases: o
narcisismo primário e o narcisismo secundário.

 O narcisismo primário se localiza no momento em que temos apenas dois


objetos sexuais: nós e a nossa mãe. Assim, podemos caracterizá-lo como uma
fase autoerótica, visto que as pulsões buscam cada qual por si, de forma
independente pela satisfação no próprio corpo. Neste período, ainda não temos
presente uma unidade do Ego nem uma diferenciação real do mundo externo.

 Já o narcisismo secundário se dá em dois momentos: o primeiro é o de


investimento objetal e o segundo é o retorno deste investimento para o ego.
Ocorre quando a criança, por conseguir diferenciar seu corpo do mundo externo,
se torna capaz de identificar suas necessidades e eleger objetos para satisfazê-
las, que em geral se dirigem para a mãe, assim como para o seio como objeto
parcial.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), o narcisismo primário designa um


estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. É quando a
criança toma a si como objeto de amor, momento este que ocorre antes de escolher
objetos exteriores. Já o narcisismo secundário nos fala sobre um retorno ao ego da libido
e da retirada dos seus investimentos objetais, definindo-se como o investimento da
imagem do eu, sendo tal imagem constituída pelas identificações do eu com as imagens
dos objetos.

Ainda que os mesmos autores (1996) nos avisem que “estes termos têm na
literatura psicanalítica e, mesmo apenas, na obra de Freud, acepções muito diversas,
que nos impedem de apresentar uma definição unívoca mais exata do que aquela que
propomos” (p.290), tentaremos resumi-los aqui de forma breve.

Antes de nascer, encontramos sob a criança uma alta cota de expectativas.


Nascemos imersos em fantasias de nossos pais, em um retorno ao próprio narcisismo

61
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

deles, transformado em amor objetal. Por isso, aqui, podemos entender que a criança é
capaz de completar a falta da mãe e de ser o seu único objeto de amor.

Porém, chega o dia em que a criança descobre que não é tão perfeita como a
fizeram acreditar. Com isso, ela vai tentar buscar pelo o Ideal do Eu13, motivo este que a
acompanhará para o resto da vida e que permitirá que ela incorpore, através do
mecanismo da identificação, características dos objetos de amor perdido.

“Com o tempo, a criança vai percebendo que ela não é o


único desejo da mãe, que ela não é tudo para ela; sua
majestade, o bebê começa a ser destronado. Essa é a ferida
infligida no narcisismo primário da criança. A partir daí, o
objetivo consistirá em fazer-se amar pelo outro, em agradá-lo
para reconquistar o seu amor; mas isso só pode ser feito através
da satisfação de certas exigências; a do ideal do seu eu.”
(Nasio, 1988, p. 59)

Em 1914, escrevendo “Sobre o narcisismo: uma introdução”, Freud nos fala da


esfera narcísica do amor parental, onde buscamos, através dos filhos, nossa infância e
sonhos perdidos. Revivemos o nosso passado na figura da criança, e, assim, ao mesmo
tempo em que é fundamental o investimento parental para que a criança se desenvolva,
por outro, aquele que desconsidere a singularidade infantil pode gerar um grande
desconforto emocional.

O narcisismo em excesso é caracterizado como um estado patológico chamado


de transtorno de personalidade narcisista, onde o indivíduo se julga grandioso, ainda
que possua uma necessidade de admiração e aprovação em excesso.

13
De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), apesar de na obra “o ego e o id”, tal termo ter sido apresentado como
sinônimo do superego, em outros textos ele passou a ser atribuído a uma instância diferenciada. Os mesmos autores o
consideram como uma “instância da personalidade resultante da convergência do narcisismo (idealizações do ego) e
das identificações com os pais, com os seus substitutos e com os ideais coletivos. Enquanto instância diferenciada, o
ideal do ego constitui um modelo ao que o sujeito procura conformar-se.” (p. 222)
62
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

“Esses tipos de condição abrangem padrões de


comportamento profundamente arraigados e permanentes,
manifestando-se como respostas inflexíveis a uma ampla série
de situações pessoais e sociais. Eles representam desvios
extremos ou significativos do modo como o indivíduo médio, em
uma dada cultura, percebe, pensa, sente e, particularmente, se
relaciona com os outros. Tais padrões de comportamento
tendem a ser estáveis e a abranger múltiplos domínios de
comportamento e funcionamento psicológico. Eles estão
frequentemente, mas não sempre, associados a graus variados
de angústia subjetiva e a problemas no funcionamento e
desempenho sociais.” (CID 10, 1993, p. 196)

Estamos falando de indivíduos que apresentam uma necessidade excessiva de


serem amados e/ou admirados. São pessoas que estão constantemente buscando por
elogios e que se sentem inferiores ao serem criticados. Assim, possuem pouca
habilidade de perceber o outro, o que os levam a uma vida emocional superficial, o que
reflete diretamente na relação terapêutica.

O narcisismo não constitui, por si só, em uma patologia. Ele é um integrador e


protetor da personalidade e do psiquismo. Ele permite que criemos uma imagem
unificada e inteira de nós mesmos e, assim, que ultrapassemos o autoerotismo capaz de
fornecer a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro.

63
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

2.3 – Segunda tópica: id, ego e superego

Freud elaborou uma segunda


tópica sobre o aparelho psíquico,
onde dividia a mente em três sistemas
com funções específicas, interligadas
entre si e que ocupam certo lugar na
mente: id, ego e superego. Tais
instâncias psíquicas, funcionando de
modo integrado, estruturariam a
personalidade do indivíduo e
originariam alguns conflitos.

“As observações de Freud a respeito de seus pacientes


revelaram uma série interminável de conflitos e acordos
psíquicos. A um instinto opunha-se outro; proibições sociais
bloqueavam pulsões biológicas e os modos de enfrentar
situações que, frequentemente, chocavam-se uns com os outros.
Ele tentou ordenar este caos, aparentemente, propondo três
componentes básicos estruturais da psique: o id, o ego e o
superego.” (FADIMAN e FRAGNER, 1986, p. 10)

Assim, seguindo a demonstração de que o comportamento humano era


dependente de variáveis (biológicas, nomeada de id; psicológicas, nomeada de ego;
sociológicas, nomeada de superego) Freud percebeu que, ao nascer, o indivíduo é
praticamente reduzido ao id, isto é, a satisfação das necessidades instintivas. A busca
pelo prazer e a evitação dos estados de tensão e dor são a máxima representativa desta
fase. Contudo, na interação com o meio e a entrada em contato com a cultura, vão se
formando códigos de valores e imprimindo padrões de comportamento desejáveis pela
sociedade. Desta maneira, forma-se o superego. Por sua vez, entre o id e o superego,
encontra-se o ego, grande fator de equilíbrio e de mediação entre os instintos e a cultura.

64
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

“Enquanto o Id visa o prazer e o Superego, as exigências


da sociedade, o Ego é lógico, realista, moderador, consciente.
Controlando as forças irracionais e inconscientes do Id, ele as
compatibiliza com as exigências do Superego, buscando
naturalmente o prazer e a adequação ao grupo social.”
(CAVALCANTI e CAVALCANTI, 2006, p. 10)

Também, em alguns textos chamados de “Isso”, o id é a instância composta


pelas pulsões inatas e por conteúdos como, por exemplo, os desejos recalcados. Grande
depósito das pulsões, que visam a procura do prazer e uma satisfação imediata, não é
regido por qualquer preocupação lógica. Sua atividade é inconsciente e sem juízo de
valores. Podemos dizer que sua estrutura formada pelos representantes mentais dos
impulsos instintuais, se faz em fonte eficaz de energia mental para todo ao aparelho
psíquico. Assim, no id encontramos os desejos que nos exigem gratificação e que leva o
ego a agir. Além disso, ainda podemos dizer que tal instância é uma estrutura de
personalidade original e básica, sujeita às exigências somáticas do corpo como aos
efeitos do ego e do superego.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), do ponto de vista “econômico”, o


id é, para Freud, a fonte e o depósito de toda a energia psíquica do indivíduo; e do ponto
de vista “dinâmico” é quem se relaciona com as funções do ego e com os objetos, tanto
os da realidade exterior como aqueles que, introjetados, residem no superego. Do ponto
de vista “funcional”, o id é dirigido pelo princípio do prazer, isto é, busca a satisfação
direta e imediata a um estímulo instintivo, sem considerar as circunstâncias da
realidade.

Do ponto de vista “topográfico”, o inconsciente, como instância psíquica,


virtualmente coincide com o id, a única instância considerada totalmente inconsciente.
Na verdade, podemos dizer que os conteúdos do id são mais do que inconscientes, mas
hereditários e inatos, além de adquiridos e recalcados. Contudo, é interessante que
ressaltemos que, na segunda tópica, o inconsciente passa a ser uma característica
atribuída às instâncias psíquicas.

65
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Por sua vez, a parte que se relaciona com o meio ambiente, funcionando como
mediador das pulsões do id, as exigências do superego e as demandas do exterior, o ego
tenta negociar com as restrições do superego, se adaptando à realidade que o cerca.
Entretanto, ele é a instância responsável pelo despejo das excitações, pelo recalque e
pela censura onírica, além da motilidade motora.

Segundo Fadiman e Fragner (1986), o ego é a parte do aparelho psíquico que


está em contato com a realidade externa e que se desenvolve a partir do id, à medida que
o bebê se torna ciente de sua própria identidade, para atender e aplacar as frequentes
exigências desta última.

Com a difícil missão de servir ao mundo externo, ao id e ao superego, o ego


tenta subjulgar o princípio do prazer ao princípio de realidade, aceitando somente aquilo
que é viável ao mundo externo, sem que provoque mal-estar, o que, por vezes, faz com
que seja necessário que abra mão da satisfação dos desejos do id. É o ego que decide se
as exigências das pulsões devem ser satisfeitas ou não, adiando a satisfação para
ocasiões mais propícias ou reprimindo de forma integral ou parcial as excitações
pulsionais.

“Assim, o ego é originalmente criado pelo id na tentativa


de enfrentar a necessidade de reduzir a tensão e aumentar o
prazer. Contudo, para fazer isto, o ego, por sua vez, tem de
controlar ou regular os impulsos do id de modo que o indivíduo
possa buscar soluções menos imediatas e mais realistas.”
(FADIMAN e FRAGNER, 1986, p. 11)

Freud percebeu, a partir da escuta das suas pacientes histéricas, que a resistência,
que surge em suas associações, não são formações conscientes. Concluiu, então, que a
parte do ego responsável pela resistência seria uma parte inconsciente, responsável
pelos mecanismos de defesa, entre eles, o recalque e resistência.

66
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Assim, Freud precisou mudar a concepção de que o ego era totalmente situado
no consciente ou no pré-consciente e desconsiderar a visão de que o conflito psíquico
ocorreria entre o ego consciente, que não quer admitir certos tipos de pensamentos, e a
soma inconsciente desses pensamentos recalcados. Freud passou a ver o ego como uma
parte do id, que, por influência do mundo externo, sofreu uma diferenciação.

Explicando de outra forma: podemos perceber que, se existe algo que demonstre
que determinados pensamentos estão inconscientes, isto é, recalcados, é a dificuldade
que encontramos no paciente de se lembrar ou mesmo de falar sobre o assunto. Dessa
forma, tal fato significa que o ego bloqueia o acesso de tais representações mentais
recalcadas e se o paciente não tem consciência desta resistência, ela não pode ser
considerada um fenômeno consciente, ainda que seja uma função do ego. Por isso, o
conflito psíquico não pode estar fundamentado em uma oposição entre ego e
inconsciente, o que não quer dizer que o ego não seja um dos polos do conflito psíquico.

Entretanto, Freud, além de concluir que o ego não é totalmente consciente,


afirmou, como consequência, que a maior parte do aparelho psíquico é inconsciente,
lugar este onde encontramos os principais determinantes da personalidade, as fontes de
energia psíquica e os instintos. Também é esta porção, inconsciente, responsável pela
produção de angústias, fenômenos de identificação e mecanismos de defesa, que
estrutura o sentimento de identidade e autoestima do indivíduo.

Ao grupo de funções psíquicas ligado às idealizações, às exigências e às


proibições, dá-se o nome de superego: zona do psiquismo que corresponde à
interiorização das normas, dos valores sociais e morais. Sua origem encontra-se na
identificação com as figuras parentais, principalmente com seus aspectos éticos e
morais, capazes de formar a nossa personalidade moral e social. Por isso, o superego
passou a ser conhecido como um grande ditador que julga e critica, devido ao processo
de interiorização. Assim, esta instância é quem censura os impulsos que a sociedade
proíbe ao id, impedindo, desta forma, a plena satisfação dos instintos e desejos.

67
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

“O Superego de uma criança é, com efeito, construído


segundo o modelo não de seus pais, mas do Superego de seus
pais; os conteúdos que ele encerra são os mesmos e se torna
veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de
valores que, dessa forma, se transmitiram de geração em
geração.” (FREUD, 1933, livro 28, p.87. Ed. Bras.)

Se inicialmente o superego é demonstrado pela autoridade parental, somente


quando a criança renuncia à satisfação edipiana é que as proibições externas são
internalizadas e o superego é formado.

Segundo Fadiman e Fragner (1986), Freud descreveu as funções do superego em


três formas:

 Consciência: age para restringir, proibir ou julgar as atividades conscientes ou


inconscientemente como forma de compulsão ou proibição, e que faz o sujeito
comportar-se, dominado por um sentimento de culpa do qual ele não sabe de
nada;

 Auto-observação: desenvolvida pela capacidade do superego de avaliar


atividades independentemente das pulsões do id e do ego;

 Formação de ideias: ligada ao desenvolvimento do próprio superego.

A meta fundamental da psique é manter – ou recuperar, quando perdido – um


nível aceitável de equilíbrio dinâmico que maximiza o prazer e minimiza o desprazer. A
energia que é usada para acionar o sistema nasce no id, que, conforme falamos, é de
natureza primitiva e instintiva. É nossa missão, como terapeutas, o fortalecimento do
ego, tornando-o, à medida do possível, independente do superego, ao possibilitar a
ampliação do seu campo de percepção e da expansão de sua organização, de forma que
possa assenhorar-se de novas partes do id.

68
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Podemos perceber que a segunda tópica atrai uma vantagem extraordinária em


relação à primeira. A teoria estrutural autoriza uma abordagem dinâmica do psiquismo,
nos fazendo entender os mecanismos do nosso desenvolvimento, sem que estejamos
forçados a um único princípio regido unicamente pelos desejos sexuais. Esta nova
compreensão permite a utilização de justificativas além do recalcamento e nos autoriza
escolhas baseadas nos interesses do eu, e, sobretudo, permite a visão de um
comportamento patológico de origem em traumas.

2.4 – Resistências

Chegar tarde aos atendimentos ou


esquecer a hora da consulta, estes e outros
comportamentos, Freud, já em 1892,
chamava de resistência, separando-as em
conscientes e inconscientes. A primeira nos
fala sobre o desejo de causar uma boa
impressão ou mesmo sobre o medo de ser
rejeitado. A segunda, mais significativa e de
difícil resolução, é causada pelas mesmas
forças que produzem o recalque.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), o conceito de resistência,


introduzido ainda cedo por Freud, nos fala de todos os mecanismos que impedem o
acesso ao inconsciente. Assim, “chama-se de resistência a tudo o que, nos atos e
palavras do analisando, durante o tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso deste ao
seu inconsciente.” (p. 458)

A resistência, em resumo, nos fala de uma força conservadora que se esforça


para manter um status quo (estado atual). Por conta disso, ela é vista como condição
inerente ao tratamento psicanalítico.

69
ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Transferência e contratransferência

Transferência é um conceito utilizado pela primeira vez em 1895, quando Freud


percebeu que em qualquer tratamento analítico se estabelecia, sem que houvesse um
controle médico, uma intensa relação sentimental do paciente para com o analista.
Inexplicável por nenhuma circunstância real, este termo demonstrava um obstáculo à
análise, sendo entendido, primeiramente, como uma forma de resistência ao processo
analítico.

Santos (1994) nos lembra que, ainda que o analista não saiba de início para onde
está sendo levado na série psíquica do seu paciente, ele sabe que é preciso ser incluído
em um determinado arranjo, para que seja possível colocar as exigências do paciente em
movimento e vinculá-las às reivindicações e às metas próprias ao tratamento analítico.
Apesar disso, o paciente, passa a se interessar por eventos relacionados à figura do
terapeuta, impondo a isso, por vezes, maior importância do que é a demonstrada em
próprias questões, neste momento, estamos diante de uma relação transferencial, onde o
paciente parece desviar sua atenção de suas próprias questões.

O mesmo autor (1994) ainda salienta que, via de regra, no início do tratamento,
temos um vínculo sustentado pela supervalorização das qualidades do terapeuta. É a
transferência positiva que facilita o processo analítico, tornando o paciente mais
suscetível à influência do analista ao alimentar por tal figura, sentimentos como
admiração e empatia, capazes de baixar as resistências que por ventura existam. Porém,
dificuldades no tratamento, tornam o paciente resistente e caso a situação não seja
esclarecida, o processo analítico pode entrar em risco.

Percebemos então que esta relação, que pode ser positiva ou negativa (embora
quase sempre com o predomínio de uma delas), constitui o verdadeiro motor do trabalho
analítico. É ainda Santos (1994) que voltando a Freud, nos lembra que, para ele, a
transferência negativa é a mais ameaçadora, pois, este tipo de vinculação reflete, de
forma direta, a resistência ao trabalho analítico. A diferença da transferência positivaà
negativa reflete o deslocamento de impulsos agressivos em vez de libidinais. Vale

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

dizer que os sentimentos afetuosos se escondem atrás da hostilidade, visto que, tanto
quanto os sentimentos afetuosos, os hostis sugerem a presença de um vínculo afetivo,
ainda que com um sinal de menos. De qualquer forma, esses sentimentos, precisam ser
considerados como sendo transferenciais, uma vez que também não podem ser
creditados à situação analítica.

Ressaltemos que é a situação e não o analista que é a fonte do sentimento por


parte do seu paciente. “Assim, de acordo com Freud, a transferência não diz respeito ao
tratamento, mas ao processo de neurose, visto que a necessidade de amor, não podendo
ser satisfeita plenamente na realidade, faz com que futuras aproximações sejam feitas
visando à busca de amor e aprovação.” (BARTOLOMEI, 2008)

O conceito da neurose de transferência, postulado por Freud, nos conta como


que os relacionamentos prévios, componentes da própria neurose, influenciam os
sentimentos do paciente em relação ao terapeuta. O que acontece é que o paciente repete
o material reprimido como uma vivência atual devido à compulsão e à repetição, não
entendendo esse fato como algo do seu passado. Repetindo Isolan (2005), Freud
argumentou que, ainda sem recordar, o paciente é capaz de expressar o fato pela
atuação, reproduzindo não como uma lembrança, mas como uma ação repetitiva e
inconsciente.

De acordo com Santos (1994), a doença do paciente converge para o ponto da


relação com o analista e este passa a ocupar um lugar dentro das séries psíquicas do
paciente. Por isso, ele afirma que não se trata mais da neurose anterior do paciente, que
serviu de matéria prima, mas de uma neurose recente, criada na e pela situação analítica,
e que assumiu o lugar da antiga doença.

Acontece que, nesta nova edição, o analista desempenha papel fundamental, já


que se encontra no centro da situação, mesmo que esse seja um ponto não desejado e
não provocado intencionalmente. Dessa forma, podemos perceber que a relação com o
analista compõe-se, assim, de suma importância, por ter se convertido em alvo maciço
dos investimentos libidinais do paciente. Por sua vez, segundo Sterba (1929), ao analista

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

cabe uma difícil condição por se transformar no destinatário, ou seja, no objeto da


reprodução emocional que o paciente cria, justamente para impedir as lembranças.

De acordo com Freud (1912), o impasse desta relação, originada com a


transferência, demarcava impasses na terapia, de modo que a sua solução era o ponto
chave para o sucesso terapêutico. Percebemos, agora, uma mudança no seu pensamento:
se antes a transferência servia exclusivamente à resistência e funcionava somente como
uma ameaça à continuidade do tratamento, Freud passa a vê-la como sendo o melhor
instrumento terapêutico. Assim, o paradoxo da transferência é que, ela, ao mesmo
tempo em que é condição para que o tratamento ocorra, também é a maior defesa que se
pode perceber no tratamento.

Apesar de, não raras vezes, trazer dificuldades no seu manejo, trata-se de uma
manifestação que, se adequadamente percebida e trabalhada, pode se transformar em
uma ferramenta útil para o processo terapêutico. Assim, seu aproveitamento e manejo
constituem, de todos os modos, a parte mais importante da técnica analítica.

Por sua vez, a contratransferência é o resultado da ação do paciente sob os


sentimentos inconscientes do terapeuta. Dito de outra forma, enquanto transferência são
as projeções emocionais do paciente dirigidas à figura do analista, a contratransferência
nos conta das sensações e dos sentimentos que surgem no terapeuta, como resposta às
manifestações do paciente e o efeito que tais percepções provocam no profissional.
Ainda nas palavras de Laplanche e Pontalis (1996), contratransferência é o conjunto das
reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à
transferência deste.

Por muitas vezes, os sentimentos despertados pelo terapeuta, durante a análise


do seu paciente, são consequências da sua experiência clínica e da sua própria análise.
Contudo, fica claro perceber também a necessidade da contratransferência ser superada
para que o analista possa trabalhar em condições adequadas. Segundo Laplanche e
Pontalis (1996) é de vital importância que se reduza o máximo possível as
manifestações contratransferênciais conquistada através da análise pessoal. Desta

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

maneira, a situação analítica pode ser estruturada como uma superfície projetiva, apenas
pela transferência do paciente.

Por sua vez, Freud, ainda que tenha declarado a sua existência e a necessidade
de ser controlada, não nos deixou nenhum estudo sobre a contratransferência. Apesar
disso, podemos dizer que ela é uma reação inevitável, causada no analista. Porém,
quanto mais analisado for o terapeuta, menos sucumbirá aos seus efeitos.

“São raras as passagens que Freud alude àquilo que


chamou de contratransferência. Porém, ele percebeu tal termo
como o resultado da influencia do doente sobre os sentimentos
inconscientes do médico. Porém, os mesmos autores destacaram
que, do ponto de vista da delimitação do conceito, inúmeras
variações são encontradas, visto que certos autores percebem
por contratransferência tudo aquilo que é da personalidade do
analista e pode interferir no tratamento. Enquanto isso, outros,
por sua vez, limitam a contratransferência aos processos
inconscientes que a transferência do analisando provoca no
analista” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1996, p.102)

Mecanismos de defesa

Quando certos eventos ou pensamentos são conflitantes com as ideias do


consciente, entram em ação os mecanismos de defesa do ego. Eles têm a função de
auxiliar o indivíduo a se resguardar da ansiedade provocada por algum conflito,
impedindo que componentes dos conteúdos mentais
indesejáveis cheguem à consciência de forma
disfarçada.

Tais processos psíquicos inconscientes têm a


função de suavizar o ego do estado de tensão
psíquica oriunda do id, do superego e das pressões

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

que surgem da realidade externa. Vale dizer que essa é uma tentativa inconsciente do
ego de se adaptar e amortecer o impacto dos desejos inaceitáveis, para que possam ser
expressos de forma melhor aceita.

De acordo com Laplanche e Pontalis (1996): “Mecanismos de defesa são


diferentes tipos de operações em que a defesa pode ser especificada. Os mecanismos
predominantes diferem segundo o tipo de afecção considerando, a etapa genética, o
grau de elaboração do conflito defensivo etc.” (p. 277)

Podemos destacar diversos deles, uns mais eficientes do que outros e cada um
com uma forma específica de funcionamento. Existem vários tipos conhecidos e
explicados, mas os principais mecanismos de defesa que serão descritos aqui são:
negação, projeção, fixação, racionalização, sublimação, deslocamento, repressão,
formação reativa, recalque e introjecão.

A negação é um mecanismo pouco eficiente, que pode ser traduzido pela recusa
consciente em compreender fatos perturbadores, isto é, uma tentativa de não aceitar
como real um fato que perturba o ego, ocorrendo, assim, o bloqueio do reconhecimento
de uma verdade incontestável. Acontece que, ao negar as sensações de desprazer, o
indivíduo perde, não só a percepção necessária, como a capacidade de sobrevivência
adequada. Para Laplanche e Pontalis (1996), a negação é o processo onde, ao formular
os desejos, pensamentos ou sentimentos até então recalcado, o sujeito defende-se dele,
negando que lhe pertença.

Por sua vez, a projeção ocorre quando os aspectos da personalidade de um


indivíduo são deslocados para o meio externo. Com isso, sentimentos indesejáveis ou
impulsos próprios inaceitáveis são dirigidos a outras pessoas, atribuindo a eles um
desejo falso. Vale dizer que os conteúdos são desconhecidos pela pessoa que projeta,
justamente pelo fato de terem sido negados como uma forma de evitar o confronto com
tal conteúdo. Para Laplanche e Pontalis (1996), estamos de frente com tal mecanismo de
defesa quando o indivíduo expulsa de si e localiza no outro, seja uma pessoa ou uma
coisa, qualidades e sentimentos que desconhece como sendo seus.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

A fixação é uma atividade defensiva regressiva, que consiste na cessação do


desdobramento psicossexual em determinado ponto do processo de desenvolvimento da
personalidade em uma etapa, sem que a independência seja completa ou madura. Esse
mecanismo de defesa mostra-nos que o indivíduo não podendo se satisfazer
normalmente, no tempo certo, suas necessidades, permanece então procurando por essa
satisfação.

Como a racionalização é a substituição de algo assustador por uma explicação


razoável e segura, podemos dizer que esse mecanismo nos conta sobre um processo de
achar motivos aceitáveis para pensamentos ou ações que são inaceitáveis, ao fazer com
que o sujeito apresente uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável
do ponto de vista moral. Podemos dizer que racionalizamos para justificar
comportamentos, quando nossas razões não são recomendáveis. De acordo com
Fadiman e Fragner (1986), a racionalização é um modo de aceitar a pressão do
superego, disfarçando os motivos e tornando nossas ações moralmente aceitáveis.

A sublimação ocorre quando parte da energia dos impulsos sexuais é direcionada


para a execução de tarefas socialmente aceitáveis. Porém, para ser caracterizado como
sublimação, o desvio e a descarga precisam nos contar sobre a substituição de um
impulso inoportuno para uma atividade socialmente aceita que não deve causar
ressentimento ou sofrimento. Para Freud, encontramos exemplos de sublimação em
algumas carreiras como a de lutador, de cirurgião ou de artista, por exemplo.

O deslocamento é um mecanismo de defesa que está ligado a uma troca, onde a


representação muda de lugar, passando a ser reproduzida por outra, ou seja, ele ocorre
quando um sentimento ou impulso é transferido de uma parte para um todo e vice-versa.
De acordo com Laplanche e Pontalis (1996), “o deslocamento ocorre quando a
importância, o interesse ou a intensidade de uma representação é suscetível de se
destacar dela, passando para outras representações originariamente pouco intensas e
ligadas à primeira por uma cadeia associativa. O livre deslocamento desta energia é
uma das principais características do modo como o processo primário rege o
funcionamento do sistema inconsciente.” (p.116)

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

A repressão ocorre quando existe a retirada de ideias, afetos ou desejos da


consciência, vistos, como perturbadores, inoportunos ou desagradáveis. Esse
mecanismo, de acordo com Barros (2004), tem como objetivo proteger o ego da
ansiedade excessiva que é produzida pelo contato com a experiência que não pode ser
assimilada.

Porém, o afastamento da consciência da fonte ansiogênica acaba por impedir


qualquer solução possível, visto que, ao eliminar os conteúdos mentais da consciência,
acabam por interferir no acesso à realidade, ou seja, não significa sua aniquilação, pois,
ao ser impedido de se revelar claramente, ele vai procurar por outras formas de
manifestação em atos substitutivos, produzindo efeitos diversos.

De acordo com Freud, este fenômeno se dá pela existência no psiquismo de uma


instância chamada de censura, cujo papel é o de classificar o que pode e o que não pode
permanecer na consciência. Ela também determina a que nível o evento deverá ser
reprimido. De forma geral, quanto maior o nível da ansiedade gerado, mais profundo o
evento será guardado.

A formação reativa é uma forma de substituir comportamentos e sentimentos


que são opostos ao desejo real em uma inversão clara e, em geral, inconsciente do
desejo. Dito de outra forma é quando ocorre a fixação de uma ideia, desejo ou afeto na
consciência que são opostos ao impulso temido, isto é, caracteriza-se pelo pensamento
contrário, e, por tal motivo, pela adoção de um comportamento exatamente oposto
àquele impulso original que foi recalcado e que se manteve como conteúdo
inconsciente. Para Fadiman e Fragner (1986), é possível evidenciar tal mecanismo de
defesa em qualquer comportamento que seja excessivo.

Já o recalque é um mecanismo de defesa, universal e necessário, visto que é


através dele que se estabelece o inconsciente como sistema separado do restante do
psiquismo. Conceito surgido pela observação do fenômeno da resistência, o recalque
nos conta sobre o afastamento de elementos do campo da consciência o que, como já
vimos, não impede que o representante pulsional continue a existir. Porém, por não

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

condizerem aos nossos ideais, tais elementos tentam descarregar a energia vinculada a
eles através de esquecimentos, sonhos ou sintomas neuróticos.

Nosso último mecanismo de defesa a estudar é a introjeção, nome do processo


pelo qual a criança incorpora valores dos pais e da sociedade de modo geral e os
transforma em seus. Percebemos, então, que o mecanismo de introjeção, nesse momento de
vida, tem um importante papel na formação do superego.

Laplanche e Pontalis (1996) afirmam que a introjeção está intimamente ligada ao


processo de identificação. Para os autores, este mecanismo de defesa ocorre quando: “o
sujeito faz passar, de um modo fantasístico, de ‘fora’ para ‘dentro’, objetos e
qualidades inerentes a esses objetos.” (p.248)

Os mecanismos de defesa...

... quando falham, podem ocorrer ...utilizados de forma excessiva podem


transformações importantes no gerar consequências sérias no
comportamento do indivíduo (psicose). ajustamento funcional à vida.
pessoas diferentes fazem uso de
... dependem da natureza da situação somada
diferentes mecanismos de defesa em
às características pessoais.
igual situação.

... mais eficazes tendem a ser utilizados com ... não são escolhidos pela consciência.
maior frequência.

... bem-sucedidos diminuem a ansiedade e os


ineficazes, além de não reduzirem a ... ao serem desvendados, intensificam-
ansiedade ou o medo, constroem um ciclo de se o conflito.
repetições.
... são as manifestações do ego diante
...fazem parte de todos os indivíduos, só se
das exigências das outras instâncias
tornando maléficos com o seu excesso.
psíquicas (id e superego).

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

... são ações psicológicas que buscam reduzir ... ao controlar as tensões, permite que
as manifestações iminentemente perigosas ao nenhum sintoma se desenvolva, apesar
Ego. de limitar das potencialidades do ego.

2.5 – A psicanálise e os sonhos

Considerados na antiguidade
clássica como profecia, a ciência
moderna não sabia nada deles, sendo
abandonados à superstição. Até Freud,
era impossível admitir que um trabalho
científico pudesse usar o sonho como
ferramenta.

Porém, as numerosas ocorrências


de sujeitos que tinham sonhado nos
levaram ao conhecimento de um produto
mental que não podia mais ser
qualificado de absurdo e, assim, além de demonstrar que os sonhos possuíam um
sentido capaz de ser adivinhado, Freud defendeu a ideia de que o sonho é uma atividade
psíquica organizada com suas próprias leis de funcionamento.

Segundo o pai da psicanálise, do ponto de vista biológico, a função dos sonhos é


a de permitir que o sono não seja perturbado. Além disso, sonhar é uma forma de
canalizar os desejos que não foram realizados através da consciência, sem que o corpo
seja despertado.

Para Freud, cada sonho apresenta a mistura de dois tipos de conteúdos:


manifesto e latente. O conteúdo manifesto é aquilo que aparece propriamente nos
sonhos, são as lembranças que temos dele ou ainda o seu relato descritivo. Dito de outra

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

maneira, o conteúdo manifesto é a reprodução dos desejos inconscientes utilizando


outra forma de expressão e, por isso, passíveis de serem recordadas.

Enquanto isso, os resíduos diurnos responsáveis pela formação dos conteúdos


manifestos do sonho, servem como estrutura do conteúdo latente ou dos desejos
disfarçados. Assim, por sua vez, o conteúdo latente é um conteúdo oculto, que só
conseguimos descobrir por meio da sua análise. Entretanto, o conteúdo latente é a
estrutura recalcada que tenta emergir, ou seja, é o desejo oculto do sonho.

Como ressaltado por Laplanche e Pontalis (1996), o conteúdo manifesto é o


produto do trabalho no sonho e o conteúdo latente o do trabalho inverso, o da
interpretação.

Mas, vale lembrar que, um sonho não acontece simplesmente, o seu


desenvolvimento visa atingir necessidades específicas, ainda que não sejam descritas de
maneira clara pelo seu conteúdo manifesto.

Freud demonstrou que a elaboração onírica é um processo de seleção, distorção,


transformação, inversão, deslocamento e outras modificações de um desejo original.
Tais transformações ocorrem como uma condição do desejo expresso através dele se
tornar aceitável ao ego.

“Quase todo sonho pode ser compreendido como a


realização de um desejo. O sonho é um caminho alternativo
para satisfazer os desejos do id. Quando em estado de vigília, o
ego esforça-se para proporcionar prazer e reduzir o desprazer.
Durante o sono, necessidades não satisfeitas são escolhidas,
combinadas e arranjadas de modo que as sequências do sonho
permitam uma satisfação adicional ou redução de tensão. Para
o id, não é importante o fato de a satisfação ocorrer na
realidade físico-sensorial ou na imaginada realidade interna do

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

sonho. Em ambos os casos, energias acumuladas são


descarregadas.” (FADIMAN e FRAGNER, 1986, p. 17)

“(...) o sonho é uma realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou


recalcado.)” (FREUD, 1900, Vol. 1, p. 193). Este pode não ser reconhecido de forma
imediata, por conta da influência da censura a qual foram submetidos no processo de
sua elaboração.

“De um modo geral, os desejos que não realizamos


durante o dia, porque são contrários aos nossos princípios,
costumam-se, aproveitando do sono, para se manifestarem. À
noite, enquanto estamos dormindo, os guardas da Censura
deixam de trabalhar com a mesma vigilância que os caracteriza
durante o dia. Os desejos, então, se aproveitam do fato de que
os guardas estão semi-adormecidos e tentam passar
sorrateiramente para o outro lado da fronteira.” (ESTEVAN,
s.d, p. 63)

Para Freud, o sonho é a nossa porta para o inconsciente, visto que, durante o
sono, ocorre esse afrouxamento da censura e, assim, o desejo recalcado tenta se
aproveitar desta ocasião para se manifestar. Apesar disso, o pré-consciente reconhece o
desejo e, em uma tentativa de proteger o sono, disfarça o seu conteúdo. A esta situação,
Freud deu o nome de deslocamento, isto é, a substituição de um representante psíquico
por outro, de menor valor, mas que reporta ao primeiro.

Estevan (s.d) nos garante que o deslocamento é o artifício pelo qual a carga
afetiva, que é desprendida durante o sonho, não recai, como seria natural, sobre o seu
verdadeiro objeto: a carga afetiva afasta sua direção e vai incidir sobre um objeto
secundário, aparentemente, insignificante.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Existem outros mecanismos pelo qual o conteúdo latente do sonho se transforma


em conteúdo manifesto. Além do deslocamento, encontramos a condensação que nada
mais é do que a síntese do desejo.

“O sonho costuma ser curto, pobre e lacônico, ao passo


que as causas que provocam o sonho são muito mais ricas,
profundas e complexas. Podemos dizer, assim, que aquilo que
aparece nos sonhos é quase sempre uma abreviação, um
pequeno resumo, de uma grande série de processos psíquicos
que estão se desenrolando no inconsciente durante o sonho.”
(ESTEVAN, s.d, p. 71)

Para que se consiga revelar os desejos inconscientes, escondidos pelos sonhos, é


necessário incentivar a associação livre de quem sonhou com os próprios elementos do
sonho.

2.6 – O setting analítico

Podemos entender o setting


analítico como a soma dos
procedimentos que buscam organizar e
normatizar o ambiente psicanalítico,
como uma forma de possibilitar o
processo. Esse grupo de orientações e
atitudes, que dizem respeito ao contrato
analítico, tem como objetivo criar uma
atmosfera de confiabilidade e
estabilidade, funcionando, assim, como
um importante fator terapêutico.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

É importante que o profissional respeite e valorize o espaço do seu paciente.


Pretendemos dizer, com isso, que é importante que ele evite atrasos, desmarcações,
atender ligações ou mesmo comer enquanto ouve o que o paciente está trazendo à
sessão. É preciso esclarecer com o paciente, por outro lado, quanto tempo durará cada
sessão, pagamentos, férias (tanto a dele quanto a do terapeuta), faltas e desmarcações ou
necessidades relativas às mudanças de horário.

Assim, é objetivo do setting introduzir e delimitar os contornos da relação,


determinando o conjunto de aspectos plurais da análise. Claro que, apesar do que foi
acordado e, dependendo da flexibilidade do analista, o setting pode sofrer alterações
daquelas originalmente estabelecidas, mas sempre mantendo a confiança e o vínculo
construídos durante os atendimentos.

De acordo com D’Abreu (2012), além das características pessoais do analista e


do seu referencial teórico, existem alguns limites, como horário, duração dos
atendimentos ou honorários, que funcionam a favor do trabalho analítico. Existem
também, aqueles que, menos fechados, se estabelecem sem que tenham sido
evidenciados, ficando à mercê de características próprias da dupla analista/paciente.

Por sua vez, um bom resumo de setting terapêutico foi proposto por Santos
(1994), como sendo a derivação da posição interna do analista que dá consistência ao
tratamento.

Muitos acreditam que o espaço planejado para a psicanálise deve conservar-se


em um lugar fechado. São aqueles que argumentam que, fora do ambiente do setting
terapêutico, não é possível a neutralidade analítica ideal, complicando o
desenvolvimento da transferência. Assim, para eles é o setting que permite a criação de
um espaço onde aconteça o despejo dos aspectos infantis no vínculo transferêncial. De
acordo com D’Abreu (2012), é através da segurança desse espaço que o paciente pode
levar sua intimidade, permitir a regressão dos seus aspectos infantis e o afloramento da
neurose de transferência.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Pensemos e esclareçamos, ao mesmo tempo, que, por vezes, é disso que o


analisando precisa: de um espaço não só, para si próprio, mas para descarregar suas
angústias. Seria exigir demasiadamente do analisando que ele se coloque em qualquer
outro espaço que não o conhecido e neutro, oferecido pela estrutura psicanalítica. Mais
ainda, fazer isso seria fugir do acordo da psicanálise.

Apesar desta visão, outros psicanalistas afirmam que tal fato se dá pela
insegurança do terapeuta de não conseguir estar em uma posição de confiança fora do
seu espaço seguro. Esse grupo, por sua vez, diz que o setting móvel é uma possibilidade
de atingir aqueles que não suportariam o setting fechado, permitindo que esses também
possam tirar proveito do mesmo benefício das intervenções psicanalíticas.

E o que falar do, uma figura tão conhecida e


reconhecida como personagem necessário à psicanálise? Este
interlocutor da dinâmica psicanalítica se tornou tão
fortemente o símbolo da psicanálise tão quanto nós é o
próprio Freud. Assim, o que seria a figura do divã sem a figura do Freud? O divã para a
psicanálise deixou de ser uma mobília, mas uma peça irremovível do cenário
psicanalítico.

2.7 – A alta em psicanálise

Quando o paciente deve receber


alta de um processo psicoanalítico?
Esta é uma pergunta que envolve muita
polêmica e controvérsia. Afinal,
quando se encerra um trabalho
terapêutico?

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Para o próprio Freud, liberar um paciente dos seus sintomas é uma tarefa que
consome tempo. Assim, para uma intervenção de curto prazo, que visa acabar com os
sintomas focais de determinada doença, é mais fácil falar de alta ou cura. Por outro lado,
para a psicanálise, basear os atendimentos psicoterapêuticos em um tempo cronológico
beira a irrealidade, pois esse tempo não tem como ser demarcado, caso contrário não
estaríamos considerando as particularidades de cada indivíduo.

Se anteriormente, foi possível dizer que se é condição para o desenvolvimento


da análise o estabelecimento da transferência, para o final da análise precisamos que
ocorra o término da transferência. Assim, a alta deve ser pensada quando o paciente
deixa de ser sujeito da posição alienada para uma posição de analisante, isto é, quando
ele sai do discurso alienante para o discurso do analista.

O final da análise, por assim dizer, pode ser entendido como o momento em que
o paciente está apto a trabalhar em benefício próprio. Assim, é mais do que claro que,
na ocasião em que o paciente deixa de sofrer com os seus sintomas, superando as
ansiedades, é possível pensar na alta terapêutica. É certo que o sujeito sempre terá
alguma questão, mas essa não é a ideia da alta em psicanálise. O objeto da análise é
aprender a lidar melhor com suas demandas, não fazer com que o analisando saia do
processo sem questões.

Porém, mais importante do que o tempo dedicado ao tratamento é saber quais os


benefícios que a relação com o terapeuta traz ao paciente. E como se faz isso? Pensando
no progresso do paciente, na vontade que ele tem de mudar, confiando na figura do
terapeuta e nas propostas do processo. Assim, outra boa forma de se pensar em alta
terapêutica é aquela quando o paciente e o terapeuta percebem que não há mais
progressos na relação.

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ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E AVIVAMENTO

Conclusão do Módulo I

Olá, aluno(a)!

Você está quase chegando ao fim da primeira etapa do nosso curso de


Psicanálise Clínica, oferecido pela ETEPA – ESCOLA TEOLÓGICA PALAVRA E
AVIVAMENTO.

Para passar para o próximo módulo, você deverá realizar uma avaliação
referente a este módulo já estudado!

Desejamos um bom estudo, boa sorte e uma boa avaliação!

Até logo!

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