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13/03/2024, 19:38 UNINTER

INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE
AULA 5

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Profª Giseli Cipriano Rodacoski

CONVERSA INICIAL

Nas aulas anteriores foram apresentados o contexto e alguns pressupostos da teoria psicanalítica

conforme foram elaborados por Sigmund Freud a partir de sua experiência clínica. É possível perceber

que a clínica é soberana à teoria, pois a teoria vem depois da experiência clínica e não ao contrário.

A psicanálise se caracteriza por ser especulativa, o que levou Freud a chamá-la de "feiticeira". A
psicanálise se interessa, investiga e posteriormente teoriza sobre o aparelho psíquico, se

fundamentando no inconsciente como o principal conceito.

As primeiras formulações teóricas de Freud eram biológicas e neurológicas, em um período que

Freud acreditava que a falta de evidências sobre os processos mentais ainda seria esclarecida no

futuro.

Na aula de hoje, vamos acompanhar como se deu a ampliação do ponto de vista, distanciando a

psicanálise da neurologia e fortalecendo como uma nova área de conhecimento. O objetivo com essa

aula é conhecer como a psicanálise fez parte da clínica de diferentes psicanalistas para avançar na
nossa intenção de introduzir os temas que o curso irá apresentar ao longo deste processo de

formação.

TEMA 1 – LEGADO DE FREUD

Freud deixou um legado! Ele percebeu uma lacuna de conhecimento no meio médico, não
encontrou em sua época fundamentos para orientar a análise do inconsciente cientificamente e, a

partir de sua experiência clínica, formulou a teoria psicanalíticas para sustentar a clínica.

Inicialmente, influenciado pelo papel de médico neurologista, Freud acreditou que a ciência

evoluiria ao ponto de elucidar os fundamentos orgânicos do inconsciente, mas depois o próprio

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Freud e os psicanalistas pós freudianos se distanciaram da fisiologia para compreender os processos

psíquicos como algo da linguagem, que fala da subjetividade do ser humano. Não se trata de uma
verdade factual, mas, sim, a um modelo explicativo sobre os processos mentais.

Depois de Freud e ainda hoje, nós temos a teoria antes da clínica e justamente por isso corremos
o risco de sermos tecnicistas, ao subordinar a clínica à teoria.

Um cuidado que se deve ter constantemente é para não "enquadrar" ou "ajustar" a pessoa à
teoria, "fazer caber", pois essa atitude distancia completamente o terapeuta do método psicanalítico.

Um exemplo seria subentender qual é o conflito da criança pela idade que ela tem. Isso por

considerar os estágios do desenvolvimento psicossexual infantil. O reducionismo também pode ser


verificado quando se deseja ter um manual de interpretações de sonhos em que se atribui sentido e

significado aos elementos do sonho. Dentre o inestimável legado de Sigmund Freud destacamos aqui

que:

a clínica é soberana à teoria; e

o psicanalista conduz o tratamento, mas o processo se dá a partir da associação livre e da

atenção flutuante

No método catártico que foi o precursor imediato da psicanálise, já havia a expressão

“esvaziamento da chaminé” para se referir à sensação de alívio produzida por falar de si ao médico. Já

no método psicanalítico, por meio da associação livre na linguagem falada, os pacientes

comunicavam seus desejos inconscientes através de fenômenos tais como atos falhos, sonhos e
esquecimentos e outros sintomas compreendidos como manifestações do inconsciente. O que se

apresentava era uma verdade diferente daquela do discurso racional, em que o paciente conta ou
relata algo sobre si. Na associação livre, o paciente ao falar inicia uma série de encadeamentos que se

difere de conteúdos planejados intencionalmente a serem comunicados, e ao falar livremente levam a


demonstrarem algo sobre si.

Exemplo: uma paciente chega ao consultório médico queixando-se de uma dor intensa e
constante que a impede de manter suas atividades cotidianas desde as mais simples como arrumar a

casa e trabalhar. Ao narrar ao médico como é essa dor, a paciente relata que ela é intensa, e muda de
lugar no seu corpo, cada hora dói uma parte do corpo. Ela explica que nenhum remédio é eficaz para

apaziguar a sua dor: já utilizou “todos” os analgésicos, fez terapias alternativas e visitou muitos

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profissionais que nunca encontraram as causas da sua dor, não se tratava de nenhum problema

neurológico ou muscular. Não se identificou nada nos exames de imagem e nem clínico e disse ao

médico que ele era a última tentativa em seu desespero. O médico de fato constatou em seu exame

clínico e estudando os exames trazidos pela paciente que “ela não tinha nada” e sugeriu que ela
procurasse um psicanalista. Um pouco surpresa, e talvez decepcionada por não obter mais uma vez

uma resposta objetiva sobre o mal que a acometia, ela pensou que o médico a estava acusando de

“ser louca”. Contrariada, mas sem mais esperança, marcou uma hora com a psicanalista só para
“desencargo de consciência”: afinal, mal não poderia fazer, tinha certeza que de nada adiantaria esse

expediente de consultar alguém sobre uma dor que sentia no corpo: ora, ela pensava “– Eu não sou

louca” e ainda vou gastar dinheiro à toa.

Eis que, no dia e hora marcados, ela vai ao encontro da psicanalista, e, chegando lá ela é

convidada a falar sobre o que está se passando com ela, relatando tudo o que lhe vier a cabeça e aos

poucos ela começa a perceber quando surgiram as dores: em uma época difícil da sua vida, após a

separação de seu marido. Falou sobre a vergonha social que sentiu, a dor de ter sido traída e quando

percebeu chorava enquanto falava sobre o que ela sabia, mas que evitava pensar. A sessão, era assim

que a psicanalista chamava a consulta, passou rapidamente, e ela se sentiu mais leve, as situações

mais claras. A psicanalista a convidou para ir novamente à uma sessão, na semana seguinte, no

mesmo dia e no mesmo horário, se a paciente quisesse. Ela pensou que não custava ir mais uma vez

(apesar de considerar o preço correspondente ao valor da sessão), mas só mais uma vez não iria fazer

mal. E confirmou a sessão.

Durante a semana, percebeu que suas dores tinham diminuído em frequência e em intensidade,

mas pensou que poderia ter sido porque deixou de comer doces, ou um certo queijo, ou ainda
porque tinha trocado o colchão para aliviar as dores.

Foi à sessão seguinte. Percebeu que falava coisas que já sabia, mas que não lembrava que sabia.
E, assim, na semana seguinte, e na outra e na outra ainda. Era preciso reconhecer que suas dores

estavam diminuindo significativamente e que talvez a dor da separação conjugal, que tinha sido
colocada em palavras naqueles encontros diferentes com uma pessoa que ela mal conhecia, a

estavam curando: ela estava conseguindo aproveitas os dias com seus filhos, estava voltando a
trabalhar e até indo comprar algumas roupas que combinavam com o seu novo jeito. E ela pensou:

como pode ela ter me tratado sem remédios? Só conversando? Pois é. Isto se chama psicanálise.

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É necessário coragem para encarar a dor no lugar de negá-la. Difícil, mas necessário.

E para onde leva a psicanálise? Para a autonomia, para o reconhecimento de si. Essa é a ética da

psicanálise: "Cada interpretação reconduz o sujeito à escolha de seu desejo e de seus modos de gozo,

levando em conta que a ética da psicanálise é manter a estrutura de falta do inconsciente" (Santoro,
V. 2006, p. 61).

TEMA 2 – FREUD E A ÉTICA DA AUTONOMIA

A psicanálise leva àquele lugar que sobra depois de ser retirado o excesso (per via de levare –

pela via de retirar). Durante a vida as pessoas são levadas, por ação da cultura, a se adaptar, se ajustar,
fazer o que é esperado socialmente das pessoas na sua geração: estudar, trabalhar, casar, ter filhos,

adquirir bens etc. É uma série de "ter que" como bem exemplificado no filme Happiness, de Steve

Cutts, 2017[1].

Uma conduta massificada, em uma sociedade capitalista, heteronormativa que segue seu rumo

sem se dar conta da subjetividade aniquilada em cada um. A psicanálise leva ao resgate da

subjetividade, mesmo que doa, mesmo que contrarie, mesmo que incomode, para que então o sujeito

decida como se relacionar com isso que restou da análise.

Chegar a este lugar onde nos leva a análise é de muita responsabilidade, pois as pessoas sofrem

com o problema. Por outro lado, o problema lhe traz compensações (ganhos secundários) às quais

nem sempre é fácil renunciar. Se dar conta disso e assumir seu papel de protagonista, de quem atua
para se manter no lugar que ocupa e do qual se queixa, é, geralmente, muito pesado.

Para Freud, as pessoas deveriam chegar na autonomia, ou seja, aprender a lidar com as situações,

com as tendências, com os desejos, especialmente os mais infantis. Sobre isso é preciso entender um
pouco mais sobre "A Ética da Autonomia".

Em "O Mal-Estar na Civilização" (Freud, 1929/1986), Freud fala sobre o mal-estar que a
consciência da autonomia e a liberdade provocam. Enquanto a pessoa se perceber vítima de uma

história de vida que a determinou assim, ela de certa forma apazigua seu sofrimento, pois encontra
um sentido para seu estado/sofrimento. Entende que algo ou alguém superior quis assim, o que a

coloca na condição de repetir: eu não posso fazer nada.

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Em sendo vítima, a pessoa segue o fluxo: estuda, trabalha, casa, tem filhos, consome bens e

serviços e a vida se repete de geração em geração. Essa postura acrítica em relação a si anula

qualquer subjetividade e internaliza um padrão social que pode ser a fonte de suas queixas, mas que

também é em grande medida confortável.

Crédito: VectorMine / Shutterstock.

A analogia pode ser feita com uma gaiola aberta, mas onde a pessoa permanece dentro, se

sentindo prisioneira. Essa situação, muito frequentemente relatada pelos pacientes nas entrevistas

preliminares, é um exemplo do que Freud teorizou posteriormente sobre a relação entre o princípio

do prazer e o princípio da realidade.

Para Freud, cada indivíduo deveria superar o que seria a tendência universal ao infantilismo, ou

seja, o apego ao princípio do prazer (desejos individuais, egoístas), e enfrentar o princípio de


realidade (adaptação às leis sociais); deveria dominar os instintos, aceitar e saber lidar com as

frustrações que a realidade impõe, tornando-se autônomo e não escravo dos desejos, sobretudo os
infantis: “A ética da autonomia”.

Na técnica psicanalítica, o terapeuta deve agir conforme o princípio da abstinência, ou seja, agir
no sentido de desconstruir os mecanismos de defesa: "o tratamento analítico deve ser efetuado, na

medida do possível, sob privação – num estado de abstinência" (Freud, 1919/1986, p. 205). Vamos nos
ater a este trecho entre vírgulas: na medida do possível. Em alguns casos, há o perigo de descontruir e

fragilizar ainda mais uma mente enferma. Ao escrever sobre as linhas de progresso na terapia
psicanalítica no mesmo ano em que se encerrava a primeira guerra mundial, em um contexto social
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marcado por importante vulnerabilidade emocional entre as pessoas, Freud (1919/1986) se preocupa

com o risco de oferecer muita análise e pouca síntese ao paciente, ou seja, interpretar muito suas
defesas, fragilizando suas resistências sem ajudá-lo no processo de reorganização, pois na verdade é

com o que resta que o sujeito compõe o mundo.

Freud reconhece que existem pessoas tão pouco preparadas para a vida, que é preciso, com

relação a elas, usar pedagogia.

Não podemos evitar de aceitar para tratamento determinados pacientes que são tão desamparados

e incapazes de uma vida comum, que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a
educativa; e mesmo no caso da maioria, vez por outra surgem ocasiões nas quais o médico é

obrigado a assumir a posição de mestre e mentor. (Freud, 1919, p. 208).

No entanto, Freud se referiu a este método como uma nova técnica diferenciando do método

psicanalítico clássico.

Para o futuro psicanalista, é indispensável a leitura deste texto (Linhas de progresso na terapia

psicanalítica) que está publicado nas Obras Completas, datado de 1919, lido por Freud durante o

Quinto Congresso Psicanalítico Internacional de Psicanálise, realizado em Budapeste, em 28 e 29 de

setembro de 1918, e tem muita ênfase nos métodos ativos de tratamento, posteriormente atribuídos

à Ferenzi.

TEMA 3 – MÉTODOS ATIVOS

Os métodos ativos de tratamento são considerados em diversos momentos da clínica

psicanalítica, no entanto, sempre criticados por colegas psicanalistas como sendo uma rendição do
método às demandas sociais, fazendo com que a psicanálise se adaptasse ao que o contexto pós-

guerra precisava. Inegável que a sociedade precisava de atenção à saúde mental no contexto da
guerra mundial, assim como vimos ser necessária a atenção no contexto da pandemia COVID-19, mas

o que se questionava na época era se seria a psicanálise que deveria reformular seu método ou se
deveria ser criado um método para atender essa demanda social.

A situação que se colocava era a de que para diferentes pessoas precisam ser planejadas
diferentes intervenções, como se fosse um princípio da equidade. Quanto mais “saudável” a pessoa,

mais autonomia e autocuidado são esperados. Quanto mais vulnerável, mais frágil emocionalmente,

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quanto menor ou pior for a sua rede de apoio social, maior deve ser a preocupação do terapeuta com

o cuidado e menor a exigência de autonomia. Imaturidade versus Autonomia.

Na clínica psicanalítica clássica, a ênfase é pela não gratificação, pela privação e abstinência.

Reforçar defesas seria um erro técnico.

O método ativo teve sua origem na psicanálise e inicialmente foi apresentado como uma

proposta de alteração na técnica psicanalítica para encurtar a duração dos tratamentos, que eram
muito longos e inacessíveis à maioria das pessoas.

Alguns casos atendidos por Freud tiveram curta duração e bons resultados. Gilliéron E. (1993, p.
6) apresenta um levantamento dos casos para mostrar o quanto foram considerados exitosos mesmo

tendo sido curtos, destacamos alguns deles aqui:

Srª Emmy – sete semanas;

O Pequeno Hans – dois meses; e

O Homem dos Ratos – onze meses.

Além dos processos psicanalíticos, outras experiências de intervenções de características ativas e

breves, feitas durante conversas em passeios a tarde ou no tempo de uma viagem de trem, também

resultaram em bons resultados para as pessoas.

Os benefícios de um tratamento mais curto foram percebidos pelo próprio Freud, por exemplo,

no caso “Homem dos Lobos”, tratado durante 5 anos e publicado em 1918. Nesse caso, Freud
percebia importante resistência do paciente, sem avanços no tratamento psicanalítico. Decidiu então

por determinar uma data para a análise terminar e pressionado por essa data, o paciente cessou sua
resistência e entregou-se ao processo psicanalítico que evoluiu tão rapidamente que em nada se

comparou ao tempo anterior (Gilliéron, 1993).

Freud, Otto Hank e Sándor Ferenczi eram colegas de trabalho, amigos, trabalhavam em Viena (na

Áustria) e discutiam juntos a possibilidade de assumirem postura mais ativa nos tratamentos. Otto
Rank relacionava o tempo maior ou menor do tratamento à motivação do paciente e questionava se a

motivação poderia ser incentivada pelo analista. Freud chegou a reconhecer os benefícios da técnica,
mas mesmo diante dos resultados positivos decorrentes dos tratamentos curtos, negou-se a

modificar a técnica psicanalítica justificando que o tratamento deveria ser atemporal, de modo a ficar
o mais próximo possível do inconsciente do paciente. Em 1928, Ferenczi decidiu por recomendar

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tratamentos psicanalíticos mais curtos, apresentando o conceito de Técnica Ativa para caracterizar

uma nova modalidade de psicoterapia, e publicou o artigo “A elasticidade da técnica psicanalítica”. O


argumento de Ferenczi era o de que "não é o analisando que assumiria a tarefa de se adaptar à

técnica psicanalítica, então definida pelo tripé associação livre, princípio de abstinência no campo
transferencial e interpretação; o analista é que precisaria dispor da flexibilidade elástica necessária

para atender aqueles que até então eram considerados inanalisáveis” (Kupermann, 2019, p. 52).

Ferenczi acreditava que era a passividade do analista o principal fator responsável pelo

prolongamento do tratamento clássico. A reação de Freud e de outros psiquiatras psicanalistas

tradicionais foi pela defesa da técnica psicanalítica tradicional, sem ceder às pressões e demandas

sociais por adaptação. O próprio Ferenczi, depois de obter êxito em alguns tratamentos ativos,

abandonou a técnica ao concluir que as modificações poderiam ser usadas como resistência e que a

interpretação ainda continuava sendo um método eficaz (Cordioli, 2008).

Logo após a segunda guerra mundial (terminada em 1945), foi muito maior a demanda social por

tratamentos à saúde mental e, ainda assim, a Psicoterapia Breve era vista como “uma rendição

humilhante às pressões de circunstâncias que levam a resultados transitórios, superficiais, pro forma”

(Malan, 1981, p. 19).

O desconforto inicial se deu pela proposta de modificação na técnica psicanalítica, pois como

não havia outra modalidade de tratamento na época a não ser a psicanálise, e a Técnica Ativa tentou
nascer como uma evolução da psicanálise, o que não agradou os psicanalistas tradicionais. Foi
necessária a construção de um novo modelo de psicoterapia para que a Psicoterapia Breve fosse

então reconhecida e respeitada e se distanciasse da ideia de ser um “erro técnico” da psicanálise.

Esse novo modelo começou a ser elaborado no Instituto de Psicanálise de Chicago no período de
1938 a 1945 por meio de um projeto de pesquisa coordenado por Alexander e French, que investigou

quais seriam os princípios básicos que permitissem um tipo de psicoterapia breve e eficaz. O estudo
concluiu que a experiência emocional corretiva era o fator curativo, pela “reexposição do paciente a

situações emocionais semelhantes às situações vivenciadas no passado, que o paciente não


conseguiu manejar” (Cordioli, 2008, p. 94).

A partir de 1950, o grupo de pesquisa em Psicoterapia Breve da Clínica de Tavistock, em Londres,


coordenado por Balint e depois por Malan, avançaram na elucidação de princípios que

caracterizariam o método de condução do processo de PB, seguidos por Sífneos, em Boston, e juntos

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estes autores definiram conceitos e princípios fundamentais que constituem hoje a teoria da técnica

da Psicoterapia Breve de orientação psicanalítica, também denominada de Psicoterapia

Psicodinâmica.

TEMA 4 – WINNICOTT

O pediatra e psicanalista Donald Winnicott assume destaque na história da psicanálise por ter

dado ênfase ao processo psicoterapêutico com pessoas mais frágeis emocionalmente.

O inglês Donald Woods Winnicott (1896 – 1971) é um autor clássico na psicanálise pós freudiana
especialmente na clínica com crianças e com personalidades limítrofes.

Winnicott desenvolveu alguns conceitos centrais, a partir da consideração do processo de

desenvolvimento humano (maturidade), desde a completa imaturidade nos bebês até o alcance da

autonomia nos adultos saudáveis.

Um dos conceitos desenvolvidos por Winnicott foi delimitado a partir da constatação de que,

durante a completa imaturidade dos bebês, é necessária e indispensável a preocupação materna

primária, função que ele chamou de Holding. Trata-se de uma função de sustentação:

A mãe protege o bebê dos perigos físicos, leva em conta sua sensibilidade cutânea, auditiva e visual,

sua sensibilidade às quedas e sua ignorância da realidade externa. Através dos cuidados cotidianos,

ela instaura uma rotina, sequências repetitivas. Com essa função de holding, Winnicott enfatiza o
modo de segurar a criança, a princípio fisicamente, mas também psiquicamente. A sustentação

psíquica consiste em dar esteio ao eu do bebê em seu desenvolvimento, isto é, em colocá-lo em


contato com uma realidade externa simplificada, repetitiva, que permita ao eu nascente encontrar

pontos de referência simples e estáveis, necessários para que ele leve a cabo seu trabalho de

integração no tempo e no espaço. (Nasio, 1995 p. 185).

Entre o estado de total dependência até a autonomia, o ser humano terá necessidade de apoios
emocionais para apaziguar a ansiedade de separação decorrente da imposição do princípio da

realidade sobre o princípio do prazer.

No bebê, podemos observar rituais e uso de paninhos e chupetas eleitos como indispensáveis
que assumem o lugar de "ficar no lugar da mãe", tecnicamente conceituados como fenômenos e

objetos transicionais que irão ocupar o lugar vazio deixado pela mãe, entre a realidade interna e a
externa.

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Foi a partir da experiência clínica de Winnicott com as crianças que surgiu “A Ética do Cuidado”

como uma atitude do analista e ampliou as possibilidades de analisar pessoas vulneráveis, antes
consideradas sem indicação para o método psicanalítico.

TEMA 5 – WINNICOTT E A ÉTICA DO CUIDADO

Winnicott estudou o desenvolvimento humano já no período psicanalítico e, conhecedor da

teoria freudiana, contribuiu com a teoria do desenvolvimento afetivo desde a fase de dependência

absoluta, fase de dependência relativa até a autonomia.

Winnicott é considerado um autor desenvolvimentista. Para ele, o ambiente continua exercendo

influência na criança que cresce, no adolescente e no adulto. Sendo assim, sua obra se caracteriza por

dar ênfase aos conflitos Inter psíquicos. Sua teorização sobre a ética do cuidado é uma contribuição

aos analistas, para que sustentem a situação analítica (Nasio, p. 195).

Para Winnicott (1983, p. 205), “Os distúrbios mais insanos ou psicóticos formam-se na base de

falhas da provisão ambiental e podem ser tratados, muitas vezes com êxito, por uma nova provisão

ambiental”. Esse recurso metodológico se assemelha à função de holding na relação mãe-bebê, com

a criação e proteção de um lugar protegido, uma pequena amostra de um mundo encontrável e


previsível, para que ele, a seu tempo, possa começar a ser. Isso pode implicar, em certos casos, em dar

sustentação a longos períodos em que o indivíduo, regredindo à dependência, permite-se abandonar


o esforço de existir e entregar-se a estados muito primitivos, de amorfia, de desorganização, de não

existência.

A característica central desse lugar é a confiabilidade. Necessidade de cuidados regulares e


confiáveis. A relação terapêutica é uma analogia da mãe suficientemente boa ao seu bebê, uma forma

especializada de estar-com-o-outro.

O reconhecimento de que o outro está doente leva-nos naturalmente para a posição daquele

que responde à necessidade, ou seja, à adaptação, à preocupação e à confiabilidade, à cura no


sentido de cuidado. Isso não acarreta, em nenhum sentido de superioridade. Se assumimos o lugar de

quem cuida, precisamos estar disponíveis para aceitar o outro como ele é, como pode ser, seja qual
for a possibilidade de ser do outro que se apresente num dado momento da relação terapêutica. Para

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deixar ser o outro, precisamos estar preparados para reconhecer qual é a possibilidade de ser do

momento e acompanhá-lo enquanto perdure essa possibilidade, por estreita que seja.

NA PRÁTICA

Por mais madura que uma pessoa possa ser, não está descartada a possibilidade de em um dado
momento e situação de vida acontecer uma regressão. Esse processo regressivo pode ocorrer durante

o curso de uma análise.

O caso a seguir é um exemplo: uma jovem senhora iniciou o tratamento com questões
relacionadas ao seu relacionamento conjugal. O tratamento avançou até o ponto em que os insights

reflexivos estavam bastante desconfortáveis e foi neste momento que a paciente faltou a uma sessão.

Na próxima sessão, chegou e justificou a falta falando de uma grave doença que acometeu seu filho e

ela precisou cuidar dele no hospital. O psicanalista interpretou a resistência da paciente. Na próxima

sessão, a paciente limitou-se a deitar no divã e chorar quase todo o tempo da sessão, com períodos

de silêncio. Novamente a interpretação foi quanto à resistência ao claro progresso que havia sido

evidenciado no tratamento na semana anterior. Depois desta sessão, a paciente abandonou o

tratamento e por telefone contou ao analista que seu filho havia morrido poucas horas depois que ela

deixou o consultório pela última vez.

Este caso mostra que a ética do cuidado deve permear a competência do analista em todas as

fases do tratamento. Além da possibilidade de ser uma reação de defesa e regressão, que atende à
resistência e à repetição, também há a possibilidade real de situações que fragilizam o paciente ao

ponto de não fazer mais sentido a ele a elaboração em curso nas sessões, pois a eminência de morte
do filho se impõe com supremacia neste caso.

A ética recomenda que o processo de tratamento fique em suspenso e que o psicanalista possa
dizer ao paciente: “me fale sobre seu filho, seu processo analítico pode esperar e continuamos com

ele depois”.

Esta atitude seria um exemplo do que Winnicott definiu como Holding.

FINALIZANDO

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Freud fundou a Psicanálise e nos deixou um legado que é clássico para a compreensão teórica e

metodológica. A psicanálise foi indicada para pacientes com conflitos neurotípicos e a regra

fundamental é a associação livre. Para Freud, cada indivíduo deveria superar o que seria a tendência

universal ao infantilismo, ou seja, o apego ao princípio do prazer (desejos individuais, egoístas), e


enfrentar o princípio de realidade (adaptação às leis sociais); deveria dominar os instintos, aceitar e

saber lidar com as frustrações que a realidade impõe, tornando-se autônomo e não escravo dos

desejos, sobretudo os infantis: “A ética da autonomia”.

Winnicott acreditava que os distúrbios se formam na base de falhas da provisão ambiental e

podem ser tratados, muitas vezes com êxito, por uma nova provisão ambiental, e propôs a "Ética do

Cuidado" para orientar a função de holding do analista para com o paciente, uma função de

sustentação de sua condição de vir a ser.

REFERÊNCIAS

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13/03/2024, 19:38 UNINTER

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