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SBPdePA Entrevista Haydée Faimberg
SBPdePA Entrevista Haydée Faimberg
SBPdePA – A sra. poderia nos falar como surgiu seu interesse pelo
tema da Transgeracionalidade?
H. Faimberg – A formação que venho descrevendo marcou as condi-
ções que me possibilitaram deixar-me surpreender por aquilo que revela-
vam dois pacientes, Mario e Jacques, durante o ano de 1972. Comecei,
então, a estabelecer, ainda na Argentina, qual poderia ser a teoria psicanalí-
tica que melhor desse conta de um descobrimento clínico tão novo, que me
abria novas perspectivas. Foi assim que fui desenvolvendo minhas idéias
sobre o tema.
Meu primeiro trabalho, “Telescopagem de gerações”, teve sua reda-
ção concluída em 1979, e o discuti em um grupo semanal que mantínha-
mos com André Green, que contribuiu, generosamente, com seus comentá-
rios.
Apresentei-o na França, em 1981, na Sociedade Psicanalítica de Paris
e, em 1985, no Congresso Internacional da Associação Psicanalítica Inter-
nacional (IPA), em Hamburgo. Era o primeiro congresso internacional que
se realizava na Alemanha depois do nazismo. Isto explica a grande
receptividade de sua apresentação.
Yolanda Gampel escutou meu trabalho em Paris, e falamos desse tipo
de experiência fundadora que ambas tivemos com pacientes, e que nos
levaram a ampliar a perspectiva da escuta psicanalítica.
Yolanda Gampel propôs incluir meu artigo no livro “Generations of
the Holocaust”, compilado por Martin Bermann e Milton Jucovy (1981).
Judith Kestenberg estudava a segunda geração, e Mario, descritivamente,
pertencia à terceira, pelo qual acreditou que não correspondia ao projeto.
Em 1986, tive o privilégio de discuti-lo no grupo que Jucovy, Bergmann e
Kestenberg mantinham em Nova York. Nesse momento, todos lamenta-
mos esse mal-entendido.
Mario era um paciente com uma ausência psíquica que parecia
irredutível. Não dava sinais de escutar minhas interpretações. É necessário
um paciente psiquicamente presente para interpretar ... sua ausência psí-
quica! O paciente e eu, em uma sessão memorável (que transcrevo em meu
artigo “Telescopagem de gerações”), descobrimos, de forma inesperada
que, ainda que aparentemente Mario estivesse ausente, na realidade, estava
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em outro lugar e em outro tempo. Mario estava imobilizado psiquicamente
em relação a um fragmento de história que pertencia a seu pai. Por uma
razão transferencial, tornou-se importante o problema do pagamento das
sessões e, assim, descobrimos que “seu dinheiro” estava ligado ao dinheiro
que nunca foi cobrado pela família do pai desaparecido na Polônia, durante
o nazismo. A partir daí, fui formulando o conceito de identificação narci-
sista inconsciente alienante (ou alienada), porque a identificação depende,
em parte, de uma história que pertence a outra geração.
Na medida em que o caso de Jacques mostrou uma identificação tam-
bém solidária com a história de seu pai e de seu avô, revelada nas associa-
ções com um sonho (em um paciente angustiado e muito presente psiqui-
camente), comecei a suspeitar de que essas identificações poderiam ser
encontradas em todas as análises. Fui confirmando esta hipótese, tanto em
minha prática pessoal, como nas supervisões, seminários e discussões que
tivemos nos 28 anos seguintes.
O caso de Jacques foi incluído num artigo que escrevi com meu mari-
do, Antoine Corel, e que apresentamos em Roma, em 1989, no Congresso
Internacional da IPA. Corel apresenta reflexões próprias sobre o processo
de (re)construção e de historicização que deram uma nova profundidade
aos trabalhos prévios.
Entre os lugares onde meus trabalhos foram discutidos, gostaria de
recordar dois: um no Austen Riggs Center, em Stockbridge (USA), um
lugar criado por Erik Erikson, Robert Knight e David Rapaport. Ali traba-
lhou Emilio Rodrigué, e depois escreveu um livro sobre sua experiência
nesta comunidade terapêutica, onde se trabalhava, e se trabalha, sempre
com um enfoque psicanalítico, com pacientes muito perturbados e com
suas famílias.
Diga-se de passagem, conheci Rapaport em maio de 1960, dois ou três
meses antes de sua morte, ocorrida aos 50 anos, em plena produtividade;
creio que trabalhava em uma teoria do pensamento (ele teve na Hungria uma
formação como matemático) e, ao voltar muitos anos depois, emocionou-
me encontrar sua excelente coleção de livros na biblioteca de Austen Riggs.
Mais tarde, fui convidada, por dois anos seguidos, ao Austen Riggs,
graças a uma sugestão de C. Bollas, que conhecia meu trabalho. Interes-
sou-me, particularmente, esta experiência, pela variedade única de pacien-
tes que estão em tratamento e que me permitiram pôr à prova minhas idéias.
O segundo lugar que quero lembrar em Boston, o Massachusetts Men-
tal Hospital, que está subordinado à Universidade de Harvard. Apresentei
minhas idéias em uma grande reunião que foi assistida por todo o pessoal
do hospital. Ali aconteceu uma situação curiosa. No debate participaram,
com entusiasmo, os psiquiatras da minha geração e os jovens médicos,
psicólogos e, certamente, também enfermeiros e assistentes sociais. Na se-
guinte apresentação de pacientes e no seminário clínico que coordenei,
houve um animado intercâmbio com perguntas muito pertinentes.
Refletindo, depois da reunião, chegamos à conclusão de que no Hos-
pital havia ocorrido o desaparecimento quase total do pensamento psicana-
lítico e que minha apresentação havia reativado nos mais velhos o interesse
por um enfoque que se considerava perdido. Não se perdera tanto, esclare-
çamos, porque voltei a ser convidada para coordenar seminários e consul-
tas, sempre com grande intercâmbio e autêntico desejo de aprender.
Esta experiência me levou a pensar que o interesse pela Psicanálise
está latente, quando aparentemente está ausente naqueles lugares onde as
dificuldades clínicas nos obrigam a levantar problemas. E se nós, analistas,
ao invés de dar respostas, iniciássemos um diálogo na direção do pensa-
mento psicanalítico naqueles lugares particularmente abertos aos questio-
namentos?
* Apesar de o termo “telescopagem” não existir em português, decidimos usá-lo, optando pela
forma sonora mais similar ao nosso idioma. (N. do R. Tradução).
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SBPdePA – A sra. poderia traçar algumas diferenças entre Complexo
Edípico e Configuração Edípica?