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Aula #006 - Atos falhos, a natureza sexual do reprimido e a relação entre presente e passado

na neurose

Relembrando aula passada:

Ao contrário do que a gente costuma imaginar ao pensar em interpretação do sonho,


costumamos imaginar que a interpretação vai sempre pela via do significado, então quando
pego um sonho eu teria que verificar qual é o significado que estaria por trás de cada um dos
elementos do sonho. Exemplo: Sonho da paciente de Freud onde sonhou com leões, alguém
inadvertido do método psicanalítico tentaria interpretar o conteúdo desse sonho tentando
pensar nos possíveis significados de leão já que a paciente sonhou com leões como a robustez
do leão, a ferocidade. Mas Freud nos mostrou que o caminho da interpretação psicanalítica
não vai pela via do significado mas do significante (da própria palavra), então ao invés de
tentar pensar nos sentidos por trás de leão, Freud vai pela palavra leão e ao ir pela palavra
leão ele vai se deparar com uma professora que tinha o sobrenome Lyons, um compositor de
música que tinha leão como sobrenome, e a certa expressões do senso comum como leão da
sociedade. Freud vai se deparar com expressões com palavras que vão estar articuladas pela
via do significante da palavra leão e não pela via do significado.

Isso não vale só para a interpretação dos sonhos, isso vale também para a escuta que temos
dos nossos pacientes no consultório. Enquanto na escuta rogeriana o terapeuta está
interessado em entender qual o significado/sentido consciente, qual o sentido consciente que
a fala do paciente tem para o próprio paciente, o psicanalista está tentando escutar o que o
inconsciente diz através do paciente. Porque enquanto eu enquanto paciente estou ali
articulando meu discurso para o analista, enquanto estou intencionalmente articulando uma
palavra a outro, o inconsciente está atravessando esse discurso, aproveitando-se dessas
palavras que eu articulo para veicular sua mensagem. O psicanalista não deve estar atento
apenas a aquilo que o “eu” o discurso do “ego” apresenta, o psicanalista tem que estar atento
a insistência do inconsciente que se faz presente no discurso do ego, na fala do paciente.

Os pesadelos não contradizem a teoria freudiana de que os sonhos são realizações disfarçadas
de desejos inconscientes, na verdade os pesadelos evidenciam com mais clareza que Freud
estava correta ao propor essa solução para o enigma dos sonhos. Isso porque os pesadelos
mostram que o ego se sente aflito diante dos desejos reprimidos, os desejos inconsciente
foram reprimidos justamente porque o ego não os suportava porque eles eram incompatíveis
com a imagem idealizada que o sujeito tem de si mesmo. Natural que se reprimo algo que
reprimo algo dentro de mim, isso que eu reprimi passe a ser visto por mim, pelo meu ego
como ameaçador e é justamente isso que acontece nos pesadelos. Os pesadelos representam
exatamente a subida, a entrada em cena dos desejos inconscientes e a reação de pavor/medo
que o ego tem desses desejos.

Aula de hoje:

Assim como os sonhos, os atos falhos, sintomáticos e fortuitos provam que, mesmo em
pessoas emocionalmente saudáveis, o Inconsciente, a repressão e a resistência existem.

Inicialmente Freud acreditava que apenas as histéricas tinham uma mente inconsciente. Freud
para tentar entender histeria era de que a histeria é resultante de um processo de cisão de um
processo de dissociação mental, a histérica padeceria justamente porque ela por meio da
defesa, por meio da repressão separaria do restante de sua personalidade um determinado
grupo psíquico que não se encaixariam no conjunto de sua personalidade. Freud acreditava
que só as histéricas apresentariam o inconsciente, porque a princípio apenas os neuróticos
reprimem. Num segundo momento de que Freud vai chegar à conclusão de que todos nós
reprimimos, todo nós temos essa divisão no interior de nós mesmos. A diferença é que pessoa
que desenvolvem sintomas neuróticos a coisa aparece de forma mais exagerada. O problema
do neurótico é que ele se defende demais e tem força pulsional demais.

A fé no determinismo da vida mental é um dos traços distintivos do psicanalista. Para ele,


nada no comportamento humano acontece por acaso.
Esse é um dos traços distintivos do trabalho do psicanalista, diferentemente de outras
correntes teóricas da psicologia que acreditam na possibilidade de escolhas absolutamente
livres, do ponto de vista psicanalítico não é assim. Do ponto de vista psicanalítico nada é por
acaso, tudo é determinado. Exemplo: Se eu pego este mouse e ao invés de apertar o botão
esquerdo eu aperto o botão direito mas tem sentido, não aconteceu por acaso.

Freud critica os opositores da Psicanálise que emitem suas opiniões sem a conhecerem de
fato. Além disso, Freud coloca em suspeita as motivações desses opositores.
Freud sempre faz a comparação da psicanalise com outra áreas da medicina e diz que as
pessoas, os acadêmicos não costumam questionar aquilo que biólogos, fisiologistas dizem a
respeito de determinadas estruturas do corpo humano porque partem do pressuposto que
esses pesquisadores possuem instrumentos que os capacitam a fazer observações que quem
está de fora não consegue, então se você vai fazer exame de sangue, por exemplo, você não
fica questionando se aquilo que sai do exame está certo ou não, você confia, porque? Você
parte do pressuposto de que o laboratório utilizou determinadas técnicas e métodos de
analise que são fidedignos, são dignos de fé, são confiáveis. Freud diz porque esse mesmo tipo
de raciocínio não é usado na hora de usar a psicanalise? Porque quando a psicanalise diz que a
sexualidade é um fator primordial no desenvolvimento das neuroses há uma tendência de
dizer “ah isso é conversa fiada” “isso é mentira” “isso é falácia”, ué, quem tem os métodos não
somos nós? Porque não se confia que os resultados da psicanalise são dignos de fé?

É compreensível que as pessoas critiquem tanto a psicanalise, sabe porque? Porque a


psicanalise vai mexer onde ninguém quer mexer. Porque a civilização humana só foi construída
graças ao recalque, graças a repressão? Se nós déssemos vazão a todas as nossas inclinações
para qual nosso corpo nos dispõe, não haveria civilização. A gente viveria fazendo sexo e
matando uns aos outros. Se hoje temos aula de psicanalise, prédio, internet, igreja, filosofia,
universidade é justamente porque a gente “escolheu” abrir mão da satisfação de nossos
impulsos. E o que a psicanalise faz é de dizer mais ou menos assim pra humanidade “vamos
mexer naquilo que a gente quis deixar pra lá, que a gente quis renunciar? Vamos trazer à luz
aquilo que a gente preferiu manter reprimido? Vamos trazer de volta isso” é o que a
psicanalise propõe, por isso que há uma lenda de que Freud teria dito ao ir ao EUA “mal sabem
os americanos que estamos levando até eles a peste” porque a psicanalise vai mexer onde
ninguém quer mexer. É muito mais fácil e de acordo com a organização social dizer que o
problema da neurose tem a ver com crenças disfuncionais, com pensamentos automáticos,
com falta de autenticidade, com condicionamentos é muito mais fácil dizer isso do que dizer
“sabe qual o grande problema das neuroses? É a repressão excessiva da sexualidade” porque
ninguém quer falar muito de sexualidade com franqueza.

Podemos olhar pra nossa sociedade contemporânea e dizer assim “Nossa sociedade é uma
sociedade obscena, porque a gente vê músicas falando explicitamente de sexo, com palavras
explicitas, vemos sexo o tempo todo nas novelas, nos filmes, nas séries e a gente pode ter a
falsa convicção de que nós finalmente resolvemos nosso problema com a sexualidade e isso é
um engano, é muito ingenuidade pensar nisso. A obcenidade pode ser uma das formas mais
efetivas de defesa contra a sexualidade. Sexualidade é fundamentalmente intimidade e sobre
isso todos nós temos dificuldade de falar. A civilização tem problema com isso, por isso a
psicanalise vai na contramão dos objetivos da civilização que quer recalcar, quer reprimir, quer
manter tudo de baixo do tapete e a psicanálise quer falar disso. É natural que haja uma
oposição á psicanalise, por isso que Freud vai olhar para seus críticos com certa
condescendência. Ele vai dizer “esse pessoal que está criticando a psicanalise não está fazendo
juízo estritamente objetivo, eles tem motivos afetivos para criticar a psicanalise, a psicanalise
mexe em algo que eles não queriam, faz todo sentido criticar a psicanalise porque ela fala
daquilo que ninguém quer falar”. Dificilmente a psicanalise vai se harmonizar com a sociedade.

Quarta lição:

Freud começa a falar da especificidade da psicanalise, a grande característica que causa


estranheza na psicanalise não é em tanto o inconsciente, mas a sexualidade. É aí que mora o
fator de resistência que a civilização tem com a psicanálise.

A aplicação do método psicanalítico evidenciou que os pensamentos reprimidos estão, em


maior ou menor grau, ligados aos impulsos sexuais.
A psicanalise não começa como uma teoria, a teoria é uma decorrência, ela é a produção de
uma prática, a psicanalise é uma prática clínica. Quando a gente lê as descobertas que Freud
fez no campo da sexualidade, que a sexualidade humana não começa na puberdade mas sim
na infância, que a sexualidade humana ela tem um desenvolvimento, uma evolução, ela não
nasce pronta, ela é resultante de uma montagem, a orientação sexual de cada um de nós é
resultado de uma montagem muito especifica. Essa descoberta de Freud não veio da cabeça
dele, essa descoberta veio da aplicação do método psicanalítico. Essa aplicação evidenciou que
os pensamentos reprimidos que estão na origem da neurose estão ligados a impulsos sexuais.
Próprio Freud diz “eu até queria que não fosse assim, do ponto de vista cientifico seria melhor
que a gente tivesse encontrado vários fatores na origem da neurose mas não é assim”.

Todavia, os pacientes não costumam fornecer imediatamente informações sobre sua vida
sexual. Para se despojarem do seu “manto de mentira”, eles precisam estar à vontade.
Nossos pacientes não falam de sexualidade imediatamente, ninguém fala. Não se sai falando
das fantasias que você usa para se masturbar, das suas posições preferidas, não sai falando
daquilo que pensa enquanto faz sexo com seu parceiro. Não fala com facilidade porque a
cultura já ensinou que isso não tem a ver com a vida, que sexo é algo separado da vida, isso é
ponto da nossa cultura, deixar a sexualidade de lado para somente quatro paredes. Você já
cresce pensando que a sexualidade não tem nada a ver com a vida. Você cresce achando que
sexualidade é uma coisa tão intima que você não pode falar com muita gente sobre isso, pode
crescer pensando que sexualidade é uma coisa suja.

Por isso que um ponto fundamental do tratamento são as etapas iniciais em que o paciente
precisa estar à vontade para que o processo aconteça. Esse “estar a vontade” é um dos efeitos
práticos daquilo que chamamos de transferência. Quando você confia e se vincula a uma
determinada pessoa e passa a acreditar que aquela pessoa tem capacidade de curar você se
abre para aquela pessoa, e aí você começa a falar de determinadas coisas que você não fala
pra todo mundo, aí que a vida sexual começa a se presentificar.
Em muitos casos, a neurose parece ter sido causada por acontecimentos atuais, mas os
verdadeiros determinantes da doença estão na infância.
É natural que uma pessoa adoeça depois de alguma coisa que aconteceu na vida delas Ex:
demitida do trabalho, se casou, a mãe da pessoa faleceu. É natural que os sintomas apareçam
depois de algum acontecimento da vida atual do sujeito, por isso uma das perguntas que
fazemos pros pacientes é “desde quando isso está acontecendo?”, em geral os pacientes
costumam se lembrar a ocasião que marcou o surgimento dos sintomas, em alguns casos o
paciente tem dificuldade. Freud mostra que esse acontecimento é apenas a pontinha do
iceberg, esse acontecimento na verdade serviu de desencadeador do processo, ele não foi a
causa, ele desencadeou e desencadeou porque esse acontecimento atual evocou na mente do
sujeito determinadas lembranças, ideias ligadas à sua infância.

São os “desejos duradouros e reprimidos da infância”, de natureza sexual, que tornam o


sujeito vulnerável a adoecer a partir de eventos contemporâneos.
Na infância nós temos desejos sexuais, só que esses desejos não podem ser levados pra frente,
não podem ser satisfeitos, são infantis, criança tem desejos primitivos, são desejos que brotam
diretamente da pulsão e esses desejos primitivos não podem ser satisfeitos na civilização (ex:
desejo da mãe e do pai) e reprimir é preservar, e esses desejos sexuais infantis ficam no
inconsciente tentando a todo momento se manifestar. Na hora que um determinado
acontecimento da vida atual do sujeito abre espaço, evoca, traz esses desejos reprimidos da
infância, pronto, eu tenho as condições necessárias para tornar o sujeito vulnerável a adoecer.
Aquela demissão do trabalho, aquele término do namoro, aquela perda de dinheiro foram
simplesmente evocadores de desejos infantis que foram reprimidos e seu ego continua
achando que deve ser mantido reprimido, mas esse acontecimento chamou esses desejos à
tona, então agora o ego tem um trabalho a fazer que é o trabalho de impedir desses desejos
de se manifestarem e dependendo da intensidade desses desejos o ego será obrigada a lançar
mão de uma doença. A doença será a estratégia mais radical de defesa do ego contra a
evocação dos desejos reprimidos.

Exemplo 01 – Fictício

Acontecimento atual (idade adulta): Ele recebeu uma ameaça de morte

Depois da ameaça de morte desenvolveu uma neurose obsessiva, começou a ter mania de
limpeza, a ter pensamento obsessivos de ficar preocupado com tudo quanto é coisa, começou
a não conseguir dormir direito, começou a verificar se a porta e janela de casa está fechada
repetidas vezes.

Aí pode pensar que essa doença, esses sintoma foram causados pela ameaça de morte que o
sujeito recebeu porque foi depois disso que ele passou a se comportar assim. Mas na verdade
o que aconteceu intrapsiquicamente? A ameaça de morte, esse evento da vida real evocou na
mente desse paciente um conflito infantil, que conflito? Um conflito entre o desejo sexual pela
mãe e o seu ego. O desejo sexual pela mãe foi acompanhado na história desse sujeito por um
outro desejo, o desejo de morte contra o pai (complexo de édipo clássico). De um lado tem o
desejo sexual pela mãe e do outro desejo de morte do pai. O desejo de morte contra o pai por
sua vez vai dar origem ao medo de ser morto pelo pai porque esse menino vai chegar à
conclusão de que da mesma forma que ele deseja fazer o pai desaparecer, o pai também pode
desejar a morte dele, afinal de contas porque ele teria desejos agressivos e o pai não? O
menino começa a projetar no seu pai seus desejos agressivos, começa a pensar que quem tem
essa violência toda é o pai e que o pai vai mata-lo pelo fato dele desejar a mãe. Todo esses
elementos estão na mente infantil, fazem parte da vida desse sujeito enquanto criança e todo
esse conflito que tem a ver com o desejo de morte, o medo de ser morto, todo esse conflito
infantil é reprimido para que o sujeito possa continuar a vida dele.

Mas aí um acontecimento como esse pode fazer o que? Evocar nesse conflito infantil, e ao
invocar esse conflito infantil toda a carga emocional que está envolvida será reativada dando
origem à neurose obsessiva.

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