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DISCIPLINA: TEORIA PSICANALÍTICA.

PROFESSOR: FLÁVIO R. PROVAZI


4ª Aula:

Tema de discussão:

A descoberta do inconsciente:

• A teoria dos sonhos.


• A Psicopatologia da vida cotidiana.
• A primeira tópica freudiana: Sistemas - Inconsciente, Pré-Consciente e
Consciente.

Referências:

FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise: Terceira Lição (1912). In: Obras Completas de
S. Freud (volume XI), Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda.

GARCIA ROZA, L.A. Freud e o Inconsciente. Rio de Janeiro: editora Jorge Zahar, 2009.
(páginas 76 - 81).

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Talvez o insight mais duradouro de Freud tenha sido a identificação de como as


forças inconscientes influenciam o comportamento. Ele inferiu a existência do
inconsciente a partir de uma diversidade de observações que efetuou em seus
pacientes. Reparou, por exemplo, que os atos falhos revelam frequentemente os
verdadeiros sentimentos de uma pessoa. Também observou que os sonhos de
seus pacientes expressavam desejos ocultos. Mais importante, ajudou seus
pacientes a descobrir sentimentos e conflitos dos quais não tinham
conhecimento.

No texto Terceira Lição, Freud menciona as “experiências de Jung de Zurique e


seus discípulos, que partindo da premissa do determinismo dos processos
mentais, não podia crer que uma ideia concebida pelo doente com atenção
concentrada fosse inteiramente espontânea, sem nenhuma relação com a
representação mental esquecida (inconsciente), por nós procurada. Nesse
sentido, duas forças antagônicas atuavam no doente, de um lado o esforço para
trazer à consciência o que jazia deslembrado no inconsciente; de outro lado, a
nossa já conhecida resistência impedindo a passagem para o consciente do
elemento reprimido ou dos derivados deste”.

Freud percebe que a totalidade dos processos mentais não se restringe à


consciência. Assim ele propõe a teoria do inconsciente. Determinados conteúdos
só se tornam acessíveis à consciência depois de superadas certas resistências.
Quanto mais perturbadores e angustiantes forem as ideias ou sentimentos, mais
difícil seu acesso a consciência. Ele elabora seu conceito de inconsciente a partir
das parapraxias, dos sintomas e dos sonhos. A palavra parapraxia significa algo
como uma fala paralela à fala, são os lapsos, os atos falhos, os esquecimentos.
Nas parapraxias ou lapsos, ele demonstra que existem processos mentais que
se infiltram e perturbam o desenvolvimento natural de uma ideia.

Exemplo de lapso/ato falho: uma moça jovem solteira, trabalha como atendente
de loja. Há dois anos tornou-se mãe, e o pai da criança desapareceu sem prestar
nenhuma ajuda. Ela teve sua vida mudada abruptamente, recebe ajuda da
vizinha em troca de dinheiro para cuidar de sua filha enquanto ela trabalha. Sua
vida social, passeios foram reduzidos a zero. Em consulta com o psicanalista ela
conta sobre sua vida e diz: “A Julia (filha) foi a pio... melhor coisa que me
aconteceu” (corrige rapidamente a frase).

O pensamento se relaciona diretamente com reprimido na forma de alusão a


uma representação do mesmo por meio de palavras indiretas. Além dos lapsos
Freud estudou outras manifestações do inconsciente que produzem resultados
semelhantes, como o caso do chiste.

“O problema da técnica psicanalítica forçou-me a estudar o mecanismo das


pilhérias”. Freud analisa a técnica por trás das piadas. A partir dessa análise, ele
conclui que elas têm a mesma função e origem que os sintomas neuróticos, os
sonhos e os atos falhos. Ou seja, o chiste é também uma forma de expressão
do inconsciente. As piadas, principalmente as tendenciosas, serviriam como uma
forma de liberar determinados pensamentos inibidos.

Assim Freud entende a possibilidade de desvendar o reprimido, desde que o


paciente proporcione um número suficiente de associações livres1.

“Pedir para o paciente falar o que quiser, mesmo que pareça muito fastidioso
esse processo de descobrir os elementos reprimidos, mas assegura, que é o
único praticável. Pela observância dessa regra garantimo-nos o material que nos
conduz ao roteiro do complexo reprimido”.

Nesse sentido, Freud menciona a importância da “interpretação dos sonhos


como entrada real para o inconsciente, a base mais segura da psicanálise”.
Inclusive entende que o método da interpretação dos sonhos se confunde com
a psicanálise, pois ambos os métodos consideram o nexo/ligação entre o
conteúdo latente e o manifesto2.

1ASSOCIAÇÃO LIVRE: Método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que
ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho,
qualquer representação), quer de forma espontânea.

2CONTEÚDO MANIFESTO: Designa o sonho antes de ser submetido à investigação analítica, tal como
aparece ao sonhante que o relata. CONTEÚDO LATENTE: Conjunto de significações a que chega à
análise de uma produção do inconsciente, particularmente do sonho (o que é oculto). O latente de um
Freud compreende que os sonhos podem ser facilmente também explicados,
como um sonho de uma criança pequena relacionado ao desejo não satisfeito.
No caso dos adultos o conteúdo é mais ininteligível, sem nenhuma semelhança
com a satisfação de desejos, os sonhos estariam distorcidos. Para Freud os
sonhos são produções psicológicas aparentemente incompreensíveis, mas
plenas de significados e desejos. O sonho é a realização alucinatória do desejo
de natureza inconsciente.

Ao analisar os sonhos de seus pacientes, compreendia que a finalidade principal


dos sonhos era a realização de desejos. Ele acreditava que pessoas preenchem
necessidades não realizadas em suas horas de vigília por meio dos sonhos.
Alguém que seja sexualmente frustrado, por exemplo, tenderá a ter sonhos
eróticos, enquanto uma pessoa sem sucesso sonhará com grandes realizações.

Desse modo, Freud propôs também, pensamentos que em vida de vigília


tornaram-se insuportáveis ao ego (Freud, 1900/1972). Nesse sentido, conforme
nos traz, em razão de estarmos dormindo, o ego, agora imbuído de outras
funções, sendo uma das principais a de nos manter dormindo, tem suas defesas
"rebaixadas". Esses pensamentos, insuportáveis em vida de vigília, ganham,
então, a possibilidade de virem à consciência. Passarão por transformações e
se mostrarão em forma de imagens, de cenários que serão vividos como
agradáveis ou aterrorizantes.

A partir das suas primeiras publicações e da obra interpretação dos sonhos,


Freud postulou a primeira tópica, conhecida como a teoria topográfica do
aparelho psíquico. Neste modelo o aparelho psíquico é composto por 3 sistemas.

Inconsciente (ICS) Pré-consciente (PC’S) Consciente (CS).

*Não importa os lugares, conjunto dos sistemas têm um sentido, uma direção.
(pág.76)

Nossa atividade psíquica inicia-se a partir de estímulos (internos/externos) e


termina em uma atividade motora.

É constituído de dois sistemas, o receptor de estímulo (sistema perceptivo) e o


outro sistema ficaria localizado na extremidade que dá acesso à atividade
motora.

sonho seria então constituído por restos diurnos, recordações da infância, impressões corporais, alusões
à situação transferência], etc.
As percepções deixam traços de memórias na extremidade próximo ao sistema
perceptivo, esses traços são considerados por Freud, em modificações
permanentes do sistema.

Como o sistema perceptivo não suporta realizar simultaneamente, as funções de


percepção e memória impunha-se distinção da parte responsável pela recepção
(pcpt) e parte responsável pelo armazenamento (mnêm).

Assim o sistema perceptivo (pcpt) situado na frente do aparelho, recebe


estímulos perceptivos, mas não os registra, nem os associa, pois necessita estar
permanentemente aberto.

As funções de associar e armazenar, ficam reservadas aos vários sistemas


mnêmicos que recebem as excitações do primeiro sistema e as transformam em
traços permanentes.

• As associações ocorrem apenas no interior do sistema mnêmicos, ocorre


tanto pela diminuição das resistências como pelos caminhos facilitadores
por meio de condensação e deslocamento3.

Freud percebe no sonho a existência de uma instância crítica cuja função é


excluir da consciência atividades de outra instância. Essa instância crítica é

3 CONDENSAÇÃO: no latim condensare que significa “tornar compacto”. Modo essencial do


funcionamento dos processos inconscientes. Uma representação única representa por si só várias cadeias
associativas, em cuja interseção ela se encontra numa espécie de fusão(neologismo). Portanto, a
transformação dos pensamentos em imagens, são selecionadas, a condensação age no sentido de
comprimir vários conteúdos latentes num único elemento que o sonho manifeste. DESLOCAMENTO: um
fato importante, ou uma representação de uma intensidade importante “perde a importância” e é
deslocada para outro evento sem nenhuma importância afetiva. É a independência relativa entre afeto e
representação. O afeto ligado à uma representação pode se deslocar para outras representações pouco
intensas, dando-lhe uma nova intensidade
localizada na extremidade motora por ter maior relação com a consciência que
é a instância responsável pelas ações voluntárias e conscientes.

Aqui o inconsciente deixa de ser adjetivo, designado como um sistema do


aparelho psíquico.

Assim o sistema ICS só pode ter acesso à consciência através do sistema PCS
e CS, sendo que nessa passagem seus conteúdos são submetidos as exigências
desses sistemas. Qualquer conteúdo do ICS, só pode ser conhecido se
transcrito, portanto, modificado e distorcido pela síntese do PCS e CS.

No ICS, Freud localiza à formação dos sonhos, o desejo ICS liga-se a


pensamentos oníricos pertencentes ao PCS/CS e procura uma forma de acesso
a consciência, graças a diminuição da censura durando o sono.

Enquanto na vigília o processo de excitação percorre de modo progressivo (do


sist. pcpt ao sist. motor). Nos sonhos e na alucinação o processo caminha de
forma inversa. Da extremidade sensorial para o sistema perceptivo, produzindo
reinvestimento de imagens mnêmicas, esse caminho Freud nomeia de
Regressão.

Principais características do Consciente: A consciência é um órgão sensorial


que recebe informação do mundo externo para o mundo interno. Porém a
consciência não retém informação, ficando a cargo da memória. A consciência
é momentânea e a memória é inconsciente. É uma qualidade momentânea, que
faz parte de um sistema, o sistema perceptivo - segundo Freud o acesso à
consciência está, inicialmente, ligado as percepções que os nossos órgãos
sensoriais recebem do mundo exterior, ou seja, a consciência é um órgão
sensorial para a percepção das qualidades psíquicas.

Principais características do pré-consciente: Na pré-consciência possuem


conteúdos que estão no inconsciente que podem ser facilmente resgatados ao
consciente. É aquilo que está fora da consciência, mas seu acesso é
relativamente fácil, pode ser evocado. O sistema pré-inconsciente, assim como
o consciente, é regido pelo processo secundário, ou seja, pelo princípio de
realidade, possui uma “energia ligada” a qual não pode se ecoar livremente, só
o faz de forma controlada, ou seja, a satisfação pode ser adiada. Por exemplo:
algo me incomoda, não tenho consciência imediata de que se trata, instante
depois, posso dar nome a isso: fome. Quando algo que incomoda estava pré-
consciente e quando percebo e ligo a sensação a uma palavra esse algo sai do
pré-consciente e entra no consciente. No consciente o desejo de comer fica
evidente, porém o impulso não pode ser ecoado livremente. Levo em conta a
realidade (processo secundário-princípio de realidade), pois não posso avançar
na comida do outro, não vou invadir um restaurante, vou adiar minha satisfação
até chegar em casa.

Principais características do inconsciente: O inconsciente é constituído de


conteúdos recalcados aos quais foram recusados o acesso para o sistema pré-
consciente e consciente, é regido pelo princípio do prazer; pelo processo
primário, cujos principais mecanismos são a condensação e deslocamento; o
inconsciente é atemporal, seus conteúdos não são afetados pela passagem do
tempo; no inconsciente não há lugar para negação, impulsos contraditórios
coexistem sem se influenciarem; o inconsciente é a fonte e a origem interna da
pulsão.

O inconsciente compreende o representante da pulsão, podemos dizer que a


pulsão é semelhante (não igual) aos instintos nos animais. No instinto os padrões
são predeterminados pela genética, tanto em relação ao objeto quanto ao
objetivo, por exemplo, o instinto sexual no animal, seu objeto será outro animal
da mesma espécie com objetivo de reprodução. No caso da pulsão, ela está
apoiada em uma necessidade fisiológica, ou seja, apoiada no instinto, porém seu
padrão não é fixo nem predeterminado, e seu desenvolvimento é constituído pela
história individual.

Segundo Freud, para um psicanalista não existe nada insignificante, arbitrário ou


casual nas manifestações psíquicas. Ele é disposto a aceitar causas múltiplas
para o mesmo efeito.

Por fim sugere que “o estudo das ideias livremente associadas pelos pacientes,
seus sonhos, falhas e ações sintomáticas; se ainda juntarem a tudo isso o exame
de outros fenômenos surgidos no decurso do tratamento psicanalítico (...)
transferência – chegarão comigo à conclusão de que nossa técnica já é
suficientemente capaz de realizar aquilo que se propôs: conduzir à consciência
o material psíquico patogênico, dando fim desse modo aos padecimentos
ocasionados pela produção dos sintomas de substituição.”

“O orgulho da consciência que chega a por exemplo a desprezar os sonhos


pertence ao forte emparelhamento disposto entre nós de modo geral contra a
invasão dos complexos inconscientes. Esta é a razão por que tão dificultoso é
convencer os homens da realidade do inconsciente e dar-lhes a conhecer
qualquer novidade em contradição com seu conhecimento consciente”.

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