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Breve reflexão sobre a história do conceito de INCONSCIENTE e das PULSÕES

Luciana Guerra Windmoller

Resumo: o objetivo desse artigo é oferecer algumas reflexões a respeito da pergunta: O que é
o inconsciente e qual a sua relação com o conceito de pulsão? Na perspectiva freudiana, como
identificar o inconsciente? Trata-se de uma breve reflexão sobre como o inconsciente se articula
com o conceito de pulsão.

Em seu primeiro livro, “O projeto”, Freud fala que os processos psicológicos barrados
na consciência são liberados durante o sono:

“que os mecanismos patológicos revelados nas psiconeuroses pela análise mais


cuidadosa guardam uma grande semelhança com os processos oníricos”. (FREUD,
1895, p. 35)
A redução da excitação nervosa caracteriza o adormecer, e, assim, sobrepõe o princípio do
prazer ao princípio da realidade. Nessa parte do texto, Freud inicia suas reflexões sobre o
inconsciente e como se articula no funcionamento psíquico. Tenta explicar a origem dos
sintomas de suas primeiras pacientes. Estabelece alguma relação entre o funcionamento
neurológico e sua relação com a vida psíquica. Imerso na ciência objetiva da época, mergulha
na criação de símbolos para explicar os processos psíquicos. No entanto, também faz um esboço
dos conceitos metapsicológicos. Ao longo de todo o texto fica evidente a intenção de Freud:
fazer uma ligação entre o funcionamento neurológico e o psíquico.

Como uma manifestação do inconsciente, o sonho é a parte mais importante do sono.


São realizações de desejo, com conteúdos bizarros e sem nenhum sentido. Freud explica que

“nos sonhos, as conexões são parcialmente absurdas, parcialmente imbecis, ou até mesmo sem
sentido ou estranhamente loucas. Esta última característica se explica pelo fato de que, nos
sonhos, predomina a compulsão a associar, que sem dúvida também domina primordialmente a
vida psíquica em geral”. (FREUD, 1900, p. 37)
Uma parte do conteúdo do sonho é lembrada, outra esquecida. Nesse ponto, Freud inicia a
análise dos sonhos para caracterizar uma parte da vida psíquica, dominada pelo princípio do
prazer. É interessante também quando ele explica que a parte lembrada, do sonho, encontra-se
barrada por uma série de processos até manifestar o desejo latente.

De modo semelhante ao sonho, há compulsão de ideias excessivamente intensas, na


histeria.

“As idéias histéricas excessivamente intensas, ao contrário, surpreendem por sua


extravagância; são idéias que não teriam conseqüências em outras pessoas e cuja
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importância não conseguimos entender. Parecem-nos intrusas, usurpadoras e,


conseqüentemente, ridículas. A compulsão histérica é, portanto, (1) ininteligível, (2)
incapaz de resolver-se pela atividade do pensamento, (3) incongruente em sua
estrutura”. (FREUD, 1895, pg.43).
Essas ideias não têm relação direta com o mundo externo. Trata-se da vivência da experiência.
São insistentes, e não se resolvem na atividade do pensamento. Qual seria a origem, então, desse
sintoma na histeria? Parece que o afeto, compreendido por Freud como acúmulo de excitação
interna provocado por uma memória perturbadora, tem íntima relação com o desenvolvimento
psicossexual:

“Não podemos refutar [o fato] de que a perturbação do processo psíquico normal teria
dois determinantes: (1) que a liberação sexual estaria ligada a uma lembrança, e não a
uma experiência, (2) que a liberação sexual ocorreria prematuramente. Essas duas
ocorrências produziriam uma perturbação que ultrapassa o normal, mas que também
está potencialmente presente no normal. A experiência cotidiana ensina que a geração
de afeto inibe de várias maneiras o curso normal do pensamento. Em primeiro lugar,
isso se dá no sentido de serem esquecidas muitas vias de pensamento que seriam
normalmente levadas em conta — isto é, à semelhança do que ocorre nos sonhos [Ver
em [1]]. Assim, por exemplo, ocorreu-me, durante a agitação causada por uma grande
angústia, esquecer de fazer uso do telefone que acabara de ser instalado em minha casa.
A via recém-estabelecida sucumbia ao estado afetivo: a facilitação — ou seja, o que
estava estabelecido desde longa data — levou a melhor. Esse esquecimento envolve o
desaparecimento da [capacidade de] seleção, da eficiência e da lógica no decurso [do
pensamento], tal como acontece nos sonhos. Em segundo lugar, [o afeto inibe o
pensamento] no sentido de que, sem que haja nenhum esquecimento, adotam-se vias
que são geralmente evitadas: sobretudo, vias que conduzem à descarga, [tais como]
ações [efetuadas] sob a influência do afeto. Em suma, pois, o processo afetivo se
aproxima do processo primário não inibido”. (FREUD, 1895, pg.49).
Fica claro que Freud cria uma relação entre o afeto e o desenvolvimento psicossexual
na medida em que todo o desenvolvimento psíquico acontece não somente pelas experiências,
mas pela recordação da história. Considero que esse insight foi fundamental para a compreensão
de que os fenômenos psíquicos não dependem apenas de fatos externos, mas da elaboração e
da lembrança do que foi vivido. Retomo, portanto, sobre como Freud percebeu a origem do
sintoma histérico: a compulsão histérica não pode ser identificada nos processos de pensamento
consciente, nem tampouco localizadas no sistema neural. Pode, sim, ser identificada no corpo
com a paralisia de algum membro ou nos sonhos. Penso que a dominância dos processos
inconscientes na vida mental das pacientes histéricas chamou a atenção de Freud. A partir da
sua experiência clínica, e não por elaborações apenas no campo das ideias, Freud iniciou a
construção dos conceitos fundamentais da psicanálise.

O inconsciente não é um lugar. Primeiramente, só podemos acessar as manifestações do


inconsciente: sintomas, sonhos, associação livre, atos falhos. A compulsão histérica pelas
lembranças tem uma característica alucinatória na medida em que o ego ainda não exerce
nenhuma força porque esse processo é todo governado pelo princípio do prazer, é inconsciente.
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Paulo Sandler, em seu texto “Inconsciente, fatos e crença: sobre os processos oníricos” propõe
a metáfora da análise como um processo onírico, na tentativa de estabelecer relações entre a
consciência e o inconsciente. A análise, para ele, é uma possibilidade de acesso ao inconsciente.
Para Freud, o inconsciente é a verdadeira realidade psíquica, conforme explica no livro A
Interpretação dos Sonhos: “é tão desconhecido como a realidade do mundo externo. Fica
apresentado tão incompleto pelos dados da consciência quanto o mundo externo fica
incompletamente apresentado pela comunicação de nossos órgãos sensoriais” (FREUD, 1900,
pg. 728).

A noção de sistema psíquico, em Freud, é útil para explicar sintomas que não têm causa
orgânica:

“se lembrarmos que representações, pensamentos, formações psíquicas em geral não


devem jamais ser localizados em elementos orgânicos do sistema nervoso, e sim,
digamos, entre eles, onde resistências e vias facilitadoras formam seus correlatos. Tudo
o que pode ser objeto de nossa percepção interna é virtual”. (FREUD, 1900, p. 728)
Sendo assim, não é possível afirmar que um pensamento inconsciente mudou de local e passou
a ser consciente. A principal relação entre a consciência e o inconsciente está, sobretudo, nos
efeitos que o inconsciente provoca na consciência. Boa parte dos estudos freudianos sobre os
sonhos serve para explicar que não se trata de mudar o conteúdo perturbador de lugar. É,
sobretudo, observar os sintomas e trabalhar, lentamente, desgastando os afetos ligados aos
conflitos. Freud se dá conta de que a associação livre e a interpretação dos sonhos são
manifestações do inconsciente. E é com esse material que Freud trabalhou em sua experiência
clínica.

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica para a compreensão de como Freud


desenvolveu o conceito de inconsciente e o ligou ao conceito de pulsão. E por que ele deu tanta
importância para os processos inconscientes.

Além do método da associação livre e da Interpretação dos Sonhos, Freud desenvolveu


bastante o conceito de pulsão. No livro “As pulsões e seus destinos” Freud alerta que toda
teoria em desenvolvimento tem seus pontos obscuros e indefinidos até chegar em algum lugar
mais claro. A investigação cada vez mais complexa do material observado faz crescer a precisão
dos conceitos, e me parece que foi exatamente esse processo pelo qual Freud percorreu. Em
suas cartas deixa claro suas incertezas, apesar de já no seu primeiro livro “o projeto” ele fazer
um esboço inicial da sua metapsicologia. Mesmo com todas as críticas relativas à tentativa de
Freud encaixar conceitos metapsicológicos em uma linguagem neurológica, penso que esse
livro foi útil porque nele esboçou suas primeiras ideias, tentando convencer seus colegas de que
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seu trabalho não se tratava de charlatanismo. Obviamente, ao longo de sua obra esclareceu e
reformulou vários pontos.

Por exemplo, o primeiro artigo de Freud sobre o conceito de pulsão foi escrito em 1915
(bem depois do livro “o projeto”), contexto da 1ª Guerra Mundial. Para Freud, o contexto da
época é propício para o desnudamento civilizatório, e interessava a ele investigar as
consequências psíquicas da guerra. Nesse contexto, Freud fundamenta os dois principais
conceitos da Psicanálise: pulsão e inconsciente. Em seu primeiro artigo escreve: “esse artigo
deveria servir como porta de entrada do edifício da Psicanálise” (FREUD, 1915, p. 86). Não é
possível, portanto, falar do inconsciente sem falar de pulsão. Existe uma relação entre esses
dois conceitos: “a pulsão é fundamental para a compreensão dos processos inconscientes. O
elemento de ligação entre o corpo e a psique. Seu caráter é fronteiriço e limítrofe”. (FREUD,
1915, p. 90). O caráter fronteiriço da pulsão caracteriza ela como um elemento de ligação,
inconsciente, entre o corpo e o psiquismo. Por isso, não é possível saber a origem das pulsões,
mas apenas seus efeitos dentro do sistema psíquico.

É interessante observar como Freud confere ao conceito de pulsão o estatuto


epistemológico da Psicanálise. Ao desenvolver o conceito de pulsão, Freud inspira-se em vários
pressupostos, valendo destaque para o filósofo Shopenhauer, como fica claro na famosa frase:
“o eu não é senhor dentro de sua própria casa”. Freud destaca duas descobertas fundamentais:

“que a vida pulsional da sexualidade em nós não se deixa domar plenamente e que os
processos anímicos são em si mesmos inconscientes, não se tornando acessíveis do eu
e não lhe sendo submetidos a não ser através de uma percepção incompleta e não fiável.”
(FREUD, 1915, p.89).

Conclusão

Sabemos, portanto, que Freud reelaborou em diferentes momentos sua metapsicologia,


esclarecendo pontos e corrigindo equívocos, conferindo reinado epistemológico ao conceito de
pulsão e estabelecendo relações com o conceito de inconsciente. Não cabe nesse breve artigo
desenvolver a relação desses conceitos com todo o sistema psíquico. Mas essa articulação pode
ser observada em toda a obra de Freud, em diferentes momentos, na tentativa de explicar os
sintomas, conflitos, sonhos, atos falhos e outras manifestações do inconsciente.
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Bibliografia

FREUD, Sigmund. Projeto para uma psicologia cientifica, 1895. In Publicações pré
psicanalíticas e esboços inéditos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1).

FREUD, Sigmund. Obras Completas volume 4: A Interpretação dos Sonhos. Cia das Letras
(1900).

FREUD, Sigmund. Obras Completas volume 12: Introdução ao Narcisismo, Ensaios de


Metapsicologia e outros textos. Repressão (1915). Cia das Letras (1914-1916).

FREUD, Sigmund. Obras Completas volume 14: as pulsões e seus destinos. Cia das letras
(1915).

SANDLER, Paulo Cesar. Inconsciente, fatos e crença: sobre os processos oníricos. Volume
XVII, Nº 2. ALTER – Jornal de Estudos Psicodinâmicos.

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