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ALETHEIA

Uma disputa com Martin Heidegger

Pompeo Girolamo Batoni — Time unveiling Truth


Por Paul Friedländer

Tradução, notas e comentários de helkein filosofia

Heidegger tratou dos conceitos de logos e aletheia em Sein und Zeit [Ser e
Tempo] (1927, p.32 e seguintes, p.219 e seguintes) e assim determinou, em
grande parte, o pensamento de toda uma geração ao explicar o motivo de
termos, por vezes, de nos voltar à especificação etimológica: para ele, a tarefa
da filosofia é “preservar a força dos termos mais elementares nos quais o ser
[Dasein] é expresso, para que não sejam levados, seguindo o sentido do
pensamento comum, ao nível da ininteligibilidade”. Em seu livro Platons Lehre
von der Wahrheit [A Doutrina Platônica da Verdade] (l947), Heidegger
interpretou, calcado em tais fundamentos, o mito da caverna de Platão. O
filósofo procura trazer a lume o contido na linguagem; e que termo seria tão
digno de ser analisado senão o “verdade”? O conceito de verdade, de acordo
com Heidegger, corrompeu-se no curso do pensamento e assim permaneceu
durante muitas gerações. De acordo com o significado dominante
hodiernamente, a verdade relaciona-se ao pensamento e à linguagem e não à
coisa em si mesma. O conceito de verdade teria passado por uma mutação,
“do sentido originário do desocultamento [Unverborgenheit] para a exatidão do
visar” (p.46). Sendo assim, o esforço de Heidegger centra-se na eliminação
dessa degeneração que, a seu ver, começa com Platão, e a mutação que se
dá na determinação do ser como ιδέα; então faz-se necessário examinar o que
isso significa. Entretanto, podemos adotar como regra geral a advertência de
Heidegger de que, ao admitir tais evidências (i.e., linguísticas), devemos nos
precaver contra certo misticismo verbal (Sein und Zeit, p. 220).
A etimologia de αληθήϛ, αλήθεια, assim como com de ἀ-ληθής e ἀ-λήθεια é
geralmente aceita como aquilo que não está escondido, segredado ou
esquecido ou ainda quem não se esconde, segreda-se ou cai no
esquecimento;[1] mas tal etimologia não é tão inabalável quanto à primeira
vista. Comparemos duas palavras não muito diferentes em forma e significado:
ἀτρεκής, ἀτρέκεια, e ἀκριβής, ἀκρίβεια. A etimologia de ambos os casos não é
totalmente clara, permanece incerta, e, apesar de todas as laboriosas
pesquisas dos etimologistas, não sabemos se elas derivam de raízes indo-
européias ou não. Mesmo ψευδός, ψεῦδος, o oposto habitual de ἀληθήϛ,
ἀλήθεια desde Homero, e outro oposto, ὰπάτη, a decepção, a mentira, não
parecem ter raízes indo-européias. Assim, ἀληθής, que pertence à mesma
esfera semântica, talvez não ἀ-ληθής, assim como a interpretação de ἀ-τρεκής,
ἀ-κριβής e ὰ-πάτη, imporia a estas palavras um alfa privativo que é realmente
difícil que lhes pertença, e que não nos ajuda, por fim, a entender seu
significado.

Sendo assim, não podemos decidir se a interpretação de ἀληθήϛ como ἀ-ληθήϛ


é linguisticamente correta ou não. Muito mais importante é o fato de que os
gregos, a partir de Homero, associaram ἀληθήϛ com λαθ-, ληθ-, λανθ- e que
esta associação persistiu sem problemas na poesia e na prosa. Ela prevaleceu
no teatro, nos tribunais, nos discursos dos oradores na praça pública e assim
sobreviveu até tempos posteriores, como registrado em léxicos antigos. Sexto
Empírico, em seu Adversus Logicos, baseia uma seção inteira em certa
variante (subjetivíssima) desta etimologia, enquanto o neoplatônico
Olimpiodoro, em seu comentário sobre o Fédon, refere-se manifestamente à
autoridade de Plutarco sobre a matéria.[2]

Permitam-me fazer aqui uma observação pessoal, que, de toda forma, se


relaciona com o tema. Por ocasião da reformulação do capítulo Aletheia para a
edição inglesa (l958), fiquei sabendo[3] que Hesíodo contradizia minha
oposição à interpretação de αλήθεια como ἀ-λήθει; por outro lado, eu também
havia aprendido[4] que minha oposição era geralmente injustificada. Continua
sendo verdade apenas (1) que αληθήϛ e αλήθεια talvez não tivessem
originalmente nenhum significado negativo, e (2) que estes termos nunca foram
considerados puramente negativos como os seguintes:

Para nenhuma dessas palavras, de fato, encontramos um termo negativo


correspondente. Em vez disso existe para Alethes o negativo ἀναληθής, que de
qualquer forma não é encontrado antes de Políbio e é, para o objetivo
heideggeriano, irrelevante.

Quanto ao período antigo, o exemplo mais claro é o testemunho de Hesíodo,


em cuja teologia a pesquisa etimológica foi um elemento essencial. Assim, em
sua Teogonia (v. 226 ss.), contrapõe as potências contrárias Éris e Nereus,
ambas surgidas da noite. Entre os muitos filhos da deusa da “discórdia” (Eris)
está Lethe, o olvido ou ocultamento, colocada entre a “fadiga cheia de dor” e a
“fome e dores lacrimejantes”. Contraposto a Éris, Hesíodo posiciona Nereus,
(v.233 ss.) cujo nome certamente deve ter significado para ele algo como não-
Éris, e assim o contraste se explicita: enquanto Éris, em sua vinda da Noite,
possui “palavras falsas e discurso ambíguo”, Nereus recebe os atributos de 1)
“sem mentira (ἁψευδέα), “não-dissimulador e não-esquecedor” (ἀληθέα). A
primeira negação torna a segunda indubitável, algo confirmado pelo fato de que
Nereus é chamado de “infalível” (νημερτής), sendo também dito que “ele não
esquece e nem negligencia o que é certo (οὺδέ θεμστέων λήθεται), mas sabe
dar conselhos justos e moderados (αλλα δἰκαια και ἢπια δήνεα οίδεν)”.
Hesíodo, então, que no fundo de sua reflexão experimenta αληθήϛ como α-
ληθήϛ, infunde em seus ouvintes seu significado e, ao fazê-lo, distingue aquele
que não se esquece e que não comete erros; pretende assim, precisamente, a
“correção do visar” que Heidegger atribui a um nível posterior do pensamento
grego e especialmente a Platão.

Homero é mais ambíguo que Hesíodo. Apenas uma coisa é facilmente


compreendida: ἁληθές, ἁληθέα e ἁληθείην, com uma exceção, ocorrem sempre
em conexão com o verba dicendi.[5] Em duas ocasiões surge um significado
mais específico: em VI 376 Heitor ordena às servas: “Agora, ó servas, dizei-me
a verdade (νημερτέα μυθήσασθε)!”; e uma das servas responde: “[…] uma vez
que ordenas que se diga a verdade” (ἁληθέα μυθήσασθαι). Nos jogos fúnebres
de Pátroclo (XXIII 36l), Aquiles dá a Fênix a tarefa de ficar no ponto final da
corrida “para que vigiasse a corrida (ώςμεμνέῳτο δρόμους) e sobre ela se
pronunciasse com verdade [o não esquecido, o não escondido] (και αληθειην
ἁποείποι)”. Quase parece que nestas duas passagens Homero quis expressar
não apenas a exatidão da expressão, mas também a revelação de seu
conteúdo. Se Homero e Hesíodo forem tomados em conjunto, então fica claro
que os dois significados atribuídos por Heidegger aos dois períodos do
pensamento podem ser ambos atribuídos ao período mais antigo.

Apenas uma vez em Homero é que a palavra ἁληθές é usada para se referir a
uma pessoa; semelhantemente, (XII 433) um fiador é chamado de “honesto,
digno de confiança”.[6] Como este termo com este significado é encontrado
apenas nesta passagem, os antigos já desconfiavam se Homero realmente o
usou; mas não é toda similitude uma espécie de hapax? E não há dúvida de
que pertença aos tempos antigos. Aqui, portanto, ἁληθήϛ não indica nem o ser
que não se dá oculto e nem a correção do visar, mas a natureza leal e
verdadeira da pessoa; portanto, um terceiro significado que a palavra viria a
assumir em tempos posteriores. Se Hesíodo e Homero forem tomados em
conjunto, acontece que os três significados de ἁληθήϛ e αλήθεια já se
encontram na linguagem dos antigos como: 1) a correção reveladora e não-
oculta do dizer e do pensar, 2) a realidade não-oculta e reveladora da entidade
em sua concretude e 3) a veracidade e honestidade da consciência do
indivíduo, o caráter, “existência” em sentido hodierno, ou seja, “a verdade que
eu mesmo sou” (Jaspers). Os opostos são, então: 1) a mentira, o engano, o
erro, a verborragia e a dissimulação, todos referentes ao discurso e às crenças;
2) o truque, o irreal, a imitação e a falsificação, todos referentes ao ser; 3) a
desonestidade, o enganoso e o indigno de fé, todos referentes à existência [da
pessoa].

Um ponto central na história do pensamento grego e, portanto, no conceito de


aletheia, foi alcançado em Parmênides.[7] A radicalidade de sua doutrina não
admite, afinal, um conceito de realidade que postule uma verdade oposta ou
distinta do Uno. Por outro lado, a verdade do pensamento e a verdade do ser
coincidem no Uno, o verdadeiro fora do qual nada há de real, nada além da
irrealidade e da inverdade (ou semi-realidade e semi-verdade) do que é apenas
opinião e apenas aparência. É significativo que Parmênides tenha recebido
esta doutrina da identidade da verdade real e do verdadeiro da deusa da
Verdade. Os três aspectos do conceito grego de aletheia estão aqui ligados em
um nó indissolúvel.

Ao lado de Parmênides está Heráclito. Nas célebres proposições iniciais dos


fragmentos, Heidegger acreditava com razão ter encontrado uma alusão ao
“fenômeno da verdade no sentido de não estar oculto” ou desvelado. Heráclito,
cuja língua está tão cheia de trocadilhos — com uma intenção muito séria –,
não teria colocado [as palavras] λανθάνει e έπιλανθάνονται uma ao lado da
outra se não tivesse a intenção de evocar aletheia como o oposto a esses dois
verbos.[8] É duvidoso, entretanto, que Heráclito entendesse aletheia
meramente como o ser desvelado, como pensa Heidegger. Heráclito, na
verdade, começa seu discurso com “este logos”, observando a incapacidade do
homem de compreendê-lo. Assim, talvez, aletheia possa ser para ele tanto a
clareza reveladora e a verdade de seu logos quanto a clareza e a verdade do
ser que esse logos desvela. Não é Heráclito mesmo que coloca seu próprio
nome como aquele que anuncia [o logos] e diz, desde o início que as palavras
e as obras são “como eu as apresento”? Aqui, então, como em Parmênides, os
três aspectos do conceito de aletheia parecem se combinar — embora da
maneira habitualmente críptica de Heráclito.

Volvemos agora a Platão. Seu mito da caverna é caracterizado pelo duplo


significado de ascensão por graus: ascensão do ser e ascensão do
conhecimento, ambos intimamente relacionados um ao outro. Para além dos
dois, visível apenas ao longe e nunca alcançado, jaz aquele em que os dois
anteriores convergem e que confere (oferece, concede) realidade ao ser e ao
conhecimento daquele que conhece: a “Idéia do Bem” ou a “Forma do Perfeito”
em sua natureza ou essência, indescritível em palavras e, portanto, abordada
pelo pensamento apenas de forma aproximada e representada apenas por
similitudes. Nesta estrutura sistemática, Platão apresentou sua experiência
filosófica — intuição e construção — ao mesmo tempo em que lhe deu a forma
em que permaneceu. Como testemunha destes pensamentos ele escolheu
Sócrates, aquele que enfrentou a morte em nome da verdade e da realidade.
Assim, o duplo significado da ascensão através dos graus de uma ordem
sagrada torna-se triplo caso consideremos que o verdadeiro homem é aquele
de cuja boca podemos ouvir as alegorias da realidade desvelada e da qual se
revela a verdade.
A interpretação Heideggeriana do Mito da Caverna[9] é admirável por sua
força; é rica em ensinamentos mesmo onde negligencia características
importantes (por exemplo, as figuras tridimensionais que passam em frente à
abertura da caverna), onde se torna oracular (o Anwesung da p. 35) ou onde
depende excessivamente da etimologia (a essência da Idéia ou eidos não
consiste apenas em “aparecer e ser visível” [p. 34 e seguintes], mas
principalmente na forma e estrutura). Este é o aspecto particularmente
enganoso da interpretação heideggeriana: quando ele fala de “idéia” ou ιδέα
ele não entende, em geral, a ideia enquanto aquela do “mundo das formas”,
mas apenas a única ideia suprema, o “modelo capital da perfeição” que, como
o sol, jaz “acima” do mundo das formas, “além do ser” — em suma,
“transcendência”, como posto também por Jaspers, dado que colocam na
epekeina sua origem primordial na história da filosofia.[10]

Mas o que mais surpreende na nova interpretação vem agora: Heidegger vê


um processo em andamento; mas este é realizado na história do espírito
humano ou no pensamento de Platão enquanto ocupando um lugar na história?
Logo encontramos uma pista de que algo está acontecendo: “Em vez de
desvelar, outro significado de verdade se impõe” (p. 33). Vejamos o que é
proposto em seu lugar: “Este mito”, diz Heidegger (p. 40), “contém a doutrina
da verdade de Platão porque se baseia no primado implícito da ιδέα que se
torna senhora sobre a ἀλήθεια”. Heidegger vê um processo que vem a assumir
uma posição dominante. Em Platão, porém, eu vejo o estado dominante do ser.
A ιδέα não é (e menos ainda se torna) dominante sobre ἀλήθεια, mas a ἀλήθεια
refere-se às duas coisas em igual medida: tanto o ser das formas [ou idéias] e
seu ser coeso no espírito. Dominante não é a Idéia ou Eidos em geral, mas a
Idéia do bem, a forma essencial do perfeito.

Aqui é necessário que nossa discussão se aprofunde em certos detalhes.


Consideremos as observações de Heidegger na Doutrina Platônica da Verdade
(p. 4l ff.). Minhas glosas estarão abaixo:

Heidegger: Quando Platão diz que a ιδέα que é a matriz dominante que permite
o desocultamento, ele insinua uma implicação…

Glosa: Não da pura e simples ιδέα, mas de ιδέα de perfeição. Não permite, mas
prepara, mantém, apresenta (παρασχομένη, 517 C). Não o desocultamento,
mas mais claro e menos unilateralmente: a verdade desvelante e a realidade
desvelada.

Heidegger: isto é, a partir de agora a essência da verdade não se desdobra


como a essência do desocultamento da plenitude própria do ser, mas é
transposta para a essência da ιδέα.

Glosa: Com “a partir de agora” a construção histórica se torna errônea. É como


se Heidegger projetasse Platão na história da filosofia pós-platônica de
maneiras misteriosas. Nada é transposto em Platão; inversamente, a realidade
não se oculta, a verdade a desvela e desvela o espírito que domina esta
verdade e, por meio desta verdade, revela o seu fundamento mais elevado no
Bem ou na Perfeição. Ao contrário, a realidade não oculta a verdade, e a
verdade desveladora e o espírito dominante que desvela a realidade estão
fundamentados em algo ainda mais elevado: o Bem ou a Perfeição.

Heidegger: A essência da verdade abandona seu caráter básico de


desocultamento.

Glosa: Se isto significar que o aspecto ontológico da aletheia é limado em favor


do aspecto “gnosiológico”, então é — para Platão — falso. A perfeição
suprema, αύτό τό άγαθόν, ή τοῦ αγαθοῦ ιδέα, irradia de si mesma a aletheia
como a realidade desvelada do ser, como a verdade do saber e como a
veracidade da existência, do espírito, que através do saber percebe a realidade
do ser.

Heidegger: Assim, da preeminência da ιδέα ou ίδεῖν sobre a ἀλήθεια surge uma


inversão da essência da verdade.

Glosa: novamente: da ιδέα suprema. A ίδεῖν não pode aqui, no sentido


platônico, ser entendida como uma expressão imaginativa de conhecimento
intuitivo. Esta intuição cognitiva não tem preeminência sobre a ιδέα, mas é o
objeto da intuição desvelante, da verdade desocultante.

Heidegger: (Heidegger, p. 42 ff.) A verdade se torna όρθότης, a correção da


percepção e da expressão.

Glosa: Verdade é, na construção sistemática de Platão, uma e outra juntas:


realidade desvelada do ser e correção desvelante do conhecer e do expressar.
Em terceiro lugar: a veracidade do Nous, que dirige esse conhecer àquela
realidade. Ao invés de Nous, pode-se dizer “existência”.

Heidegger: Nesta mutação da essência da verdade, há simultaneamente uma


troca do lugar da verdade. Como desocultamento, ainda é uma característica
básica do próprio ser. A precisão do visar torna-se um sinal de uma atitude
humana em relação ao ente.

Glosa: A mutação da natureza, assim como a mudança do lugar da verdade, e


os dizeres “ainda é” e “torna-se” fazem parte da construção errônea de
Heidegger.

Heidegger: De certa forma Platão deve, todavia, manter a verdade ainda como
característica do ente.

Glosa: A limitação “de certa forma” e a expressão “ainda” fazem mal ao


equilíbrio da construção figurativa de Platão.
Heidegger: Mas, ao mesmo tempo, a questão do desocultamento muda para o
âmbito da aparência e, portanto… para a correção do visar. Assim, existe,
necessariamente, na doutrina de Platão, uma ambigüidade.

Glosa: Nada se move em Platão, mas a realidade desvelada do ser e a


correção do visar estão reciprocamente unidas. Poder-se-ia ainda dizer:
bilateralmente.

Heidegger: A ambiguidade se manifesta mais claramente no fato de que Platão


trata da ἀλήθεια… e ainda pretende falar do ὀρθότης.

Glosa: A bilateralidade se manifesta aqui em toda a sua crueza devido ao fato


de Platão lidar com ambos.

Heidegger: (p. 43 e seguintes) Ambas as proposições falam da preeminência


da idéia do Bem como aquilo que torna possível a correção do saber e o
desocultamento do conhecido. Verdade é aqui ainda desocultamento e
correção, embora o desocultamento já esteja sob o jugo da ιδέα.

Glosa: Aqui Heidegger finalmente retorna à verdade pura e simples. Com


“embora” o velho erro volta à cena, e do jugo da união volta-se ao jugo da
sujeição. Ao invés de ιδέα, Heidegger deveria ter escrito “a ιδέα suprema”.

No final, o que Heidegger diz é simples, claro e justo (p. 48): “A coisa mais alta
no domínio do suprassensível é aquela idéia que, como a idéia de todas as
idéias, continua sendo a causa da existência e aparência de todas as
entidades”. Mas o que resta, então, — pelo menos no que se refere a Platão —
de toda aquela construção que seguimos?

Em minha disputa com Martin Heidegger, percebi que minha oposição inicial à
interpretação da aletheia como desocultamento era injustificada. O que
permanece firme é minha crítica à construção histórica heideggeriana, cujo
resultado se tornou ainda mais claro: não foi pela primeira vez em Platão que a
verdade se tornou a precisão da percepção e da asserção. Este significado já
estava presente no épico antigo. Para Platão, reina na alethes e na aletheia um
equilíbrio entre a verdade que revela, a realidade desvelada e a veracidade que
orienta aquela verdade para essa realidade. Platão não corrompeu, como
afirma Heidegger, o conceito de aletheia, mas o especificou e o elevou,
integrando-o a um sistema.

***

Revisão por Heitor Rodrigues

***
Nota do Tradutor: Dado que não tive acesso à edição alemã, a presente
tradução teve por base a edição italiana [um tijolo de 1560 páginas] traduzida
por Andrea Le Moli. Optou-se pela edição italiana porque a edição inglesa
contém uma série de falhas, entre elas, simplesmente omite boa parte do
conteúdo traduzido aqui. Por ser minha primeira tentativa de traduzir algo do
italiano, peço ao leitor que não me amaldiçoe por possíveis erros. Espero que
algum dia tenhamos o Platão de Paul Friedländer em Português. O estudioso
de Platão sofre neste país…

Bibliografia

Hesíodo — Teogonia

Homero — Ilíada

Martin Heidegger — Ser e Tempo

Uma explicação mais detalhada do mito da caverna pode ser encontrada em


Giovanni Reale — História da filosofia grega e romana v.3: Platão. Para
informações sobre os pré-Socráticos, ver G.S. Kirk, J.E. Raven & M. Schofield
— Os Filósofos Pré-Socráticos e Giovanni Reale — História da filosofia grega e
romana v.1: Pré-socráticos e Orfismo. Fragmentos de Parmênides e Heráclito
podem ser vistos em Os Pensadores Originários.

Notas
[1] Para αληθήϛ, αλήθεια etc. cf. E. Boísacq, Dictionnaire étymologique de la
langue grecque, Heídelberg 1950; também Líddel-Scott, PassowCrönert e o já
citado artigo em R. Kíttel, Theologisches Worterbuch I, p. 239. Muito prudente é
a tese de doutorado da W. Luther, Wahrheit und Lüge im àltesten Griechentum,
Boroa 1935. [N.A.]

[2] Etymologicum magnum: τό μή λήθη ύποπίπτον. Etymologicum Gudianum:


παρὰ τό λήθω. Hesychium: ὰληθεῖς οί μηδέν ὲπιλανθανόμενοι. Sexto Empírico,
Adversus logicos, VIII § 8: ὂθεν και αληθᾐς φερωνύμως ειρῆσθαι τό μὴ λῆθον
τὴν τὴν κοινὴν γνώμην. Olimpiodoro, ln Platonis Phaedonem ed. Norvín, 156,
15: (ὲκ τῶν τῶν τοῦ Χαιρωνέως) ὂθεν και ὴ τὸ ὅνομα δηλοῖ λήθης ὲκβολῂν εῖναι
εῖναι τῂν επιστήμην. Ver ainda R M Jones, The Platonism of Plutarch, Chicago
1916, p. 101. [N.A.]

[3] Ver Karl Deíchgraber, Hesiod Theogonie, p.80–103, Göttíngen 1947


(impresso como manuscrito, 6 páginas). [N.A.]

[4] E. Heítsch, Die nicht-philosophische ΑΛΕΘΕΙΑ, “Hermes” XC (1962), p. 24 e


seguintes. Heítsch denuncia a literatura mais recente que remonta a Johannes
Classen (1851). De particular destaque é W. Luther, Der frühgriechische
Wahrheitsgedanke im Lichte der Sprache, “Gymnasium” LXV (1958), p. 75 ss.,
e C.J. Classen, Sprachliche Deutung ais Triebkraft platonischen und
sokratischen Philosophierens, in “Zetemata” 22, München 1959, p. 94 ss. [N.A.]

[5] Expressei o mesmo conceito anteriormente com as palavras: “sempre ligado


ao verba dicendi, dependente de um verbo deste tipo”. O que é uma simples
constatação de um fato linguístico é julgado por Heidegger como uma
“conjectura precipitada”: Hegel und die Griechen, in Die Gegenwart der
Griechen im neueren Denken, Festschrift für Hans-Georg Gadamer, Tübingen
1960, p. 35 e seguintes. [N.A.]

[6] Sobre a Ilíada, XII 433: γυνὴ χερνῆτις ἀληθής, ou ἀλῆτις ver W Luther, op.
cit., p. 24; Leaf, The Iliad, London 1902, I, p. 555; H. Frankel, Die homerischen
Gleichnisse, Gõttingen 1921, p. 58 e seguintes. A variante ἀλῆτις parece ser
improvável por causa da rima χερνῆτις ἀλῆτις; à ἀληθής concorda, ao que
parece, com επι ισα (cf. ισάςουσα) enquanto ἀλῆτις seria um mero ornamento.
[N.A.]

[7] Parmênides, Vorsokr. 28 [18] B 3: τό γαρ γαρ αύτό νοεῖν έστιν τε και ειναι
ειναι ‘Pois é o mesmo pensar e ser’: Diels-Kranz; símilarmente K. Riezler,
Parmenides, Frankfurt a. M. 1934, p. 29. “Pois é a mesma coisa que se pode
pensar e pode ser”: Comford, Parmenides, cit., p. 31 e seguintes; da mesma
forma, Hölscher, Der Logos hei Heraklit cit., p. 79 e seguintes; ver também H.-
G. Gadamer in Varia Variorum cit., p. 64 e H. Fränkel, Dichtung und
Philosophie des früheren Griechentums, cit., p. 457 ss. Parece-me certo que o
ontólogo Parmênides precise έστιν ou έστιν para significar ‘e’, não ‘pode’. Por
outro lado, έστιν provavelmente está enfraquecido se tomado como uma
cópula. Talvez isto seja OK: ‘pensar é e ser e, e um e outro são o mesmo’ (a
colocação de ti é forçada pelo verso). [N.A.]

[8] Sein und Zeit, p. 219. [N.A.]

[9] Platons Lehre von der Wahrheit, Bena, 1947. Os números das páginas
seguintes referem-se a este artigo. [N.A.]

[10] Cf. Heidegger, Vom Wesen des Grundes, “Festschrift für Edmund Husserl”,
Halle 1929, p. 71 e seguintes, em particular p. 98: “A transcendência
explicitamente indicada na frase de Platão ἐπεκεινα τῇς ούσίας”. No cap. XI, ver
G. Krüger, Heidegger und der Humanismus, em “Studia Philosophica” XI,
Basiléia 1949, p. 93 ss., em particular pp. 108 ss.; D. Faucci, Una recente
interpretatione heideggeriana dei mito della caverna, em “Leonardo”, Milão
1946. [N.A.]

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