Você está na página 1de 56

UMA TRAJETÓRIA DE HEGEL

(Em torno a textos de Tincati e Rambaldi)

Wilson do Nascimento Barbosa


Quarta feira, 12 de maio de 1993
14 horas
(Transcrição corrigida de fita cassete)

1
Introdução

Primeiro, vamos amarrar certas proposições e depois tentar entendê-las. Veja-se a “ideia”.
A ideia, enquanto palavra, carrega sempre consigo a potencialidade de um ato humano, uma
antecipação do que logo será, ou pode ser feito. Nesse sentido, Dewey disse que ela é a projeção
da atividade humana e, talvez por isso, haja adquirido o termo “ideia” outros conteúdos
geralmente mais evocados, fora da linguagem comum, como aqueles elaborados por Wolf,
Espinoza ou Descartes. “Ideia” marca a possibilidade de um acontecer, mas se expande também
naquele sentido, de conteúdo mais antigo, de “rememoração”, de coisa conhecível e leva à
percepção do “idealismo”, isto é, coisas que existem fora do tempo ou que não dependeriam de se
estender no tempo para serem efetivas. Arnauld, na Lógica de Port Royal, considerou “ideia” no
sentido cartesiano, como “tudo o que está em nosso espírito quando podemos dizer com verdade
que concebemos uma coisa, seja qual for a maneira como a concebemos”.
Esta suposição de que há coisas “fora do tempo”, ou coisas, movimentos da matéria-
energia que se deem fora do tempo, é o fundamento do idealismo filosófico, concebido em nível
mais complexo, como Kant, Fichte ou Hegel, ou menos complexo, desprovido de sistemas, como
em Schopenhauer, Kirkegaard e Nietzche. O “espinozismo às avessas” de Fichte opunha ao objeto
absoluto o sujeito absoluto, com um eu que é efetivo, que é real, o verdadeiro princípio, a
antecedência absoluta de tudo. Seja o “bom romantismo” dos “pré-românticos (Rousseau, Kant,
Fichte, Schelling, Hegel…), seja o “mau romantismo” dos “filósofos populares”, o idealismo como
princípio faz-se “efetivamente realizado” ou efetivado. Tanto a filosofia é o idealismo, quanto a
religião o é, dai a importância da escolha ou reconstrução de uma nova religião – ou um novo
ramo da religião – que seja não-positivo, isto é, não institucional, não objetivo, mas que se possa
buscar como escolha – de certo modo ética – a racionalização da vida social. Abbagnano em seu
dicionário, assim nos socorre:
“IDEALISMO (in. Idealism; fr. Idéalisme; al. Idealismus; it. Idealismo). Este termo foi
introduzido na linguagem filosófica em meados do século XVIII, inicialmente com referência à
doutrina platônica das ideias. Leibniz diz: “O que há de bom nas hipóteses de Epicuro e de Platão,
dos maiores materialistas e dos maiores idealistas, reúne-se aqui (na doutrina da harmonia
preestabelecida)” (Op., ed. Erdmann, p. 186). Contudo, esse significado do termo, que por vezes é
indicado como “Idealismo Metafísico”, no sentido de ser uma hipótese acerca da natureza da
realidade (que consiste em afirmar o caráter espiritual da própria realidade) não teve longa vida.”

2
Construindo um Sistema: a Luta.

“ Essa palavra foi usada principalmente nos dois significados seguintes: 1º Idealismo gnosiológico
ou epistemológico, por várias correntes da filosofia moderna e contemporânea. 2º Idealismo
romântico, que é uma corrente bem determinada da filosofia moderna e contemporânea.”
Após estabelecer a diferença de sentido que assumiu o termo “Idealismo”, prossegue:
“1º No sentido gnosiológico (ou epistemológico) esse termo foi empregado pela primeira
vez por Wolff: ‘Denomina-se idealista quem admite que os corpos têm somente existência ideal
em nosso espírito, negando assim a existência real dos próprios corpos e do mundo’ (Psychol,
rationalis, § 36). No mesmo sentido, Baumgarten diz: ‘Aquele que admite neste mundo somente
espíritos é um idealista’ (Met., § 402). Kant introduziu definitivamente em filosofia esse significado
do termo: ‘Idealismo é a teoria que declara que os objetos existem fora do espaço ou
simplesmente que sua existência é duvidosa e indemonstrável, ou falsa e impossível; o primeiro é
o Idealismo problemático de Descartes, que declara indubitável somente uma afirmação (assertio)
empírica, ‘Eu sou’, o segundo é o Idealismo dogmático de Berkeley, que considera o espaço, com
todas as coisas a que ele adere como condição imprescindível, como algo em si mesmo impossível
e declara por isso que as coisas no espaço são simples imaginações’ (Crít. R. Pura, Analítica dos
princípios, refutação do Idealismo). Kant denomina esse Idealismo de material, para distingui-lo do
Idealismo transcendental ou formal (Prol., § 49), que é a sua própria doutrina da ‘idealidade
transcendental’ do espaço, do tempo e das categorias; essa doutrina permite justificar o realismo e
refutar o idealismo. Mas, apesar dessa tomada de posição (mais explícita na segunda edição da
Crítica do que na primeira, na qual falta a ‘Refutação’), a própria doutrina kantiana foi orientada
para um significado idealista, sobretudo graças à interpretação de Reinhold, em Cartas sobre a
filosofia kantiana (1786-1787), nas quais o fenômeno, ou seja, o objeto do conhecimento empírico,
era visto como representação. Schopenhauer acreditava expressar a essência do kantismo ao
iniciar sua obra O mundo como vontade e representação (1819) com a tese: ‘O mundo é a minha
representação.’ Essa tese, aceita como um princípio evidente do Idealismo romântico, foi
compartilhada na filosofia moderna e contemporânea não só pelas formas desse Idealismo, como
também pelas várias correntes do criticismo e por algumas correntes do espiritualismo. São
idealistas, neste sentido, as doutrinas de Renouvier, Cohen, Natorp, Windelband, Rickert, assim
como as de Lotze, Eduard Hartmann, Ravaisson, Hamelin, Martinetti e outros: pensadores que,

3
mesmo se opondo ao Idealismo romântico, têm em comum com ele o pressuposto gnosiológico
fundamental – a redução do objeto de conhecimento a representação ou ideia.”
Tem-se, portanto, que o mundo só existe para a consciência e sendo a consciência um
atributo do homem, a redução do objeto do conhecimento até sua representação ou ideia é o
idealismo e o entendimento do mesmo é suficiente. Quanto ao segundo sentido, tem-se:
“2º No segundo sentido, o Idealismo constitui o nome da grande corrente filosófica
romântica que se originou na Alemanha no período pós-kantiano e que teve numerosas
ramificações na filosofia moderna e contemporânea de todos os países. Por seus próprios
fundadores, Fichte e Schelling, esse Idealismo foi denominado ‘transcendental’, ‘subjetivo’ ou
‘absoluto’. O adjetivo transcendental tende a ligá-lo ao ponto de vista kantiano, que fizera do ‘eu
penso’ o princípio fundamental do conhecimento. A qualificação subjetivo tende a contrapor esse
Idealismo ao ponto de vista de Espinosa, que reduzira toda a realidade a um único princípio, a
Substância, mas entendera a própria substância com objeto. Por fim, o adjetivo absoluto tem por
finalidade frisar a tese de que o Eu ou Espírito é o princípio único de tudo, e que fora dele não
existe nada. Schelling diz, ao traçar a gênese histórica do Idealismo romântico. ‘Fichte libertou o eu
dos revestimentos que em parte ainda o obscureciam em Kant, e colocou-o como único princípio à
testa da filosofia; tornou-se assim o criador do Idealismo transcendental. […] O Idealismo de Fichte
é o oposto perfeito do espinosismo ou um espinosismo invertido, pois Fichte opôs ao objeto
absoluto de Espinosa, que aniquilava qualquer sujeito, o Sujeito em sua absolutez, o Ato ao ser
absolutamente imóvel de Espinosa; para Fichte, o eu não é, como para Descartes, um eu admitido
só com o objetivo de poder filosofar, mas é o eu real, o verdadeiro princípio, o prius absoluto de
tudo’ (Münchener Vorlesungen: zur Geschichte der nueren Philosophie, 1834, Kant, Fichte; trad. it.,
pp. 108-9). Hegel, que também chama de subjetivo ou absoluto o seu Idealismo, esclarece seu
princípio desta forma: ‘A proposição de que o finito é o ideal constitui o idealismo. O Idealismo da
filosofia consiste apenas nisto: em não reconhecer o finito como verdadeiro ser’.”
Dentro desse ambiente, a filosofia de Hegel, entendida por ele próprio como Idealista,
intentou construir um sistema de explicação do mundo, logo caracterizado, após sua morte
precoce (1831) como “hegelianismo” Ou seja, o Hegelianismo é a doutrina de Hegel (1770-1831).
Dito de outra forma, é como o seu sistema filosófico agiu – direta e indiretamente - na cultura
contemporânea, com graus diferentes de difusão e profundidade. Dela pode ser dita:
(1) identidade entre racional e real. A realidade é tudo aquilo que deve ser. Ela se justifica de
modo absoluto em todas as suas manifestações, que são necessárias, para que não possam ser

4
diferentes daquilo que são. Não se deve estabelecer o interesse ou o arbitrio do indivíduo humano
como algo que se contraponha enquanto norma, enquanto “dever ser”, àquilo que não se
adequaria.
O “intelecto finito” (arbítrio) não deve se confundir com a razão.
(2) dialética. A necessidade racional deve ser interpretada como dialética, isto é, um processo
identitário de união, oposição e síntese de opostos.
(3) a autoconsciência. O termo último desse processo deve ser reconhecido como a
Autoconsciência absoluta. Seus discípulos a chamavam também Espírito, Conceito Puro,
Consciência Absoluta, etc.
(4) Compreensão e interpretação da História. Como movimento para a realização de um plano
providencial em que os povos vencedores encarnam (cada qual em seu ápice) o Espírito do
Mundo, ou seja, a Autoconsciência (de fato, é Deus).
(5) Compreensão e interpretação do Estado. Como manifestação do Espírito do Mundo, ou seja,
como a expressão possível da realização de Deus no mundo.
Embora estes pontos básicos compreendam o sistema quase que totalmente elaborados da
filosofia hegeliana, os seguidores de Hegel dividiram-se em dois grupos principais, uma esquerda e
uma direita. A esquerda valorizou as teses (1) e (2), e a direita valorizou as teses (2), (3) e (5); o
chamado neo-hegelianismo italiano, valorizou, por exemplo, as teses (1), (2) e (4).
Veja-se que a doutrina de Hegel deu consequência à nova visão de mundo elaborada pelos
iluministas e levou-a às últimas consequências, tanto quanto ao evolucionismo de Kant, ao
determinismo progressista, etc, contendo por certo o “ovo da serpente” da nascente sociedade
industrial. Ela resumiria o entendimento do mundo nos 160 anos vindouros (1830-1990). Num
momento em que talvez esta filosofia ou sistema se haja esgotado, é importante lançar uma
recapitulação, rápida que seja, do que ele tem representado.
O chamado sistema do idealismo especulativo de Hegel foi construído ao longo de sua vida
e de maneira contraditória. Quando se lê suas obras cronologicamente, no movimento em que foi
elaborada, a mesma vai se contraditando, de certa forma opondo-se a momentos prévios dela
mesma, mantendo, no entanto, um núcleo duro acumulativo, que parece ir expelindo por
esquecimento as partes que já não interessam; e este núcleo dá uma consequência cada vez mais
tranquila àquilo que o Autor deseja que se mantenha de pé. Este núcleo renovador e
surpreendente de sua filosofia está colocado cedo, na obra Fenomenologia do Espírito (1807) e
dali vai se espalhando como movimento contraditório por sua “pequena lógica” (1814), na

5
verdade, uma maneira de retomar os filósofos medievais (Nicolau de Cusa, por exemplo),
chagando a subverter a teoria do conhecimento até então vigente, atribuindo-lhe um caráter cego
e puramente formal, diria até pré-pensamental.
Hegel teve uma vida humilhada e difícil. Deve-se entendê-lo tendo o “couro duro”,
ensimesmado em seu canto e trabalhando a toda força mental. Sua mente poderosa levou a
filosofia clássica a uma culminância, uma espécie de Everest espiritual, e de lá pôs-se a contemplar,
com soberba silenciosa, outros pensadores, meras formigas macerando folhas no mundo inferior.
Seu poderoso e quase terminado sistema haveria de colocar em polvorosa o pequeno número de
seus discípulos. No entanto, tinha energia suficiente para criar dois caminhos diretos de leitura da
sociedade industrial em formação e outro, ainda indireto, voltado diretamente contra ele, o campo
dos chamados “filósofos do coração”, ou “filósofos populares” (Kierkegaard, Schopenhauer,
Nietzche, Dewey, Bergson & outros). Na mão de seus discípulos, sua ferramenta favorita, a
dialética, serviria de pronto para sepultá-lo. O teórico e inspirador da inovação foi condenado por
utilizar seu método de forma errada (…). Caracterizado como o intérprete da Restauração, é tido
como alguém que justifica o Estado restaurador, quando talvez o que ele ali indica é a
impossibilidade da mudança total e a “necessidade” do “novo” recuperar do “velho” aquilo que
lhe permite subsistir, não enquanto “novo”, mas enquanto “síntese”. Como citou Ernst Bloch, em
um de seus livros (El Pensamiento de Hegel), à página 44, disse Hegel:
“Una vez, cargo el acento sobre mi conciencia empírica finita, y me enfrento con lo
infinito; otra vez, me cierro a mí mismo, me condeno, doy la supremacía a la conciencia
infinita. No son las Columnas de Hércules, que aparecen tajantemente enfrentadas la una
con la outra. Yo soy, y esta pugna y esta unidad existen en mí y para mí; soy ante mi mismo
algo infinito frente a mí como ser finito, conciencia infinita contra mí, contra mi
pensamiento, una conciencia determinada como infinita. Soy la composición de estos
términos, el esfuerzo de este componer, el trabajo del ánimo para dominar esta
contraposición, que existe también para mí. Soy la lucha, pues lucha es, cabalmente, esta
pugna que no es indiferencia de ambos términos como distintos, sino el estar vinculados
ambos. Yo no soy uno de los que luchan, sino que soy ambos contendientes a un tiempo,
soy la lucha misma.”(Werke, t. XI, edición de 1840, p. 39)
Ele não nos dá uma imagem fácil de seu processo de elaboração.
O finito que se dissolve no todo é, portanto, parte considerável da luta universal, que se dá
em todas as partes e da qual todas as partes contraditoriamente se constituem. Trata-se de

6
espetacular descrição – se pudesse ser apenas isto – do que é perfeito (a luta) na inadequação (os
contrários) que contém em si mesma, movimento que em si encerra um outro processo.
“Tudo o que se passa no céu e na terra, o que se sucede eternamente, a vida de Deus e
tudo o que se dá (faz) no tempo, tende somente para um fim: que o espírito se conheça a si
mesmo, que se torne objeto para si mesmo, que se encontre, se torne para si mesmo, que conflua
consigo mesmo.” (Werke, tomo XIII, p. 36).
Hegel compreende deste parágrafo referir-se ao esforço já encaminhado, o “movimentar
do punho apertado (que se converte) em mão aberta.” Será esta uma abreviatura do ato de tornar-
se humano, a história compreendida, o vir-a-ser, para em sua totalidade converter-se em saber, ou
seja, efetivar-se enquanto liberdade. Este movimento de uma coisa para tornar-se outra faz seu
sistema algo que se transforma gradualmente, como sua própria vida, nela arrastou-se daqui para
ali, bolsista, seminarista, professor temporário, preceptor substituto, redator e diretor de jornal,
até tornar-se professor na Universidade de Heidelberg (1816-1818). Sua obra é dividida pelos
historiadores da filosofia em períodos, ditos pedagogicamente para quem a aborda:
(a) o período de Tübingen (1788-1793) – em que estuda a religião, dividindo-a em positiva e não-
positiva; esta última é tratada como fato nacional e republicano, certamente com a fórmula
iluminista (Rousseau e Kant);
(b) o período de Berna (1793-1796) – em que avança em seus conceitos de positivação, tanto na
religião quanto na política;
(c) o período de Frankfurt (1797-1800) – em que compreende a alienação como necessidade;
(d) o período de Iena (1801-1807) – em que trabalha os “conceitos que não podem ser
concebidos”;
(e) o período de Bamberg (1807-1808) – em que é jornalista, diante do conflito europeu;
(f) o período de Nuremberg (1808-1816) – em que elaborou a “lógica nova”;
(g) o período de Heidelberg (1816-1818) – em que elabora os exercícios lógicos;
(h) o período de Berlim (1818-1831) – em que consolida e quase completa o seu sistema,
burilando o mesmo com surpreendentes matizes em suas aulas.
Ao longo de um trabalho ininterrupto e que não se deixa influenciar pelo tédio e o peso da
rotina, o filósofo submeteu à sua síntese, variadas experiências, conhecimentos aqui e ali obtidos,
orientando o seu relacionamento pelas suas reflexões. Notas, planos, rascunhos e ensaios são
observados à luz dos acontecimentos que também tratam os jornais. Busca na verdade lograr
penetrar as relações secretas que ligam e envolvem as coisas do mundo, estabelecendo para tal,

7
percepções geniais e incompreensões assustadoras. Certamente o seu desejo de tudo abarcar
manifesta um tipo de atraso que muitos atribuem às condições da Alemanha de sua época.
Hegel debruça-se sobre uma verdade oculta no movimento – que supõe real – das coisas e
entende que tal movimento possa ser conhecido pela sua historiação; ou seja, pelo revelar-se
outro que antes não se via ou se percebia em sua origem aparente. Assim, a lógica específica desse
movimento só pode ser apreendida a partir da história dele mesmo, pela sucessão dos momentos
– ousaríamos dizer mais livremente – que tal movimento constitui no tempo (em que se
evidencia). Para ele, não é importante este filósofo ou aquele filósofo. Todos se sucedem no tempo
como peça contraditória que manifesta o trabalho de filosofar, sendo aqui importante este
trabalho, que é a filosofia, sendo os filósofos apenas parte necessária para que institua trazer o
espírito de cada tempo. Cada problema se exprime adequadamente ao ocorrer, eclodir e resolver
as contradições que implica e há por isso de gerar um novo movimento contraditório que
corresponde a uma nova época. Os “espíritos temporais” diferem pois do “espírito do mundo”,
esta manifestação do Absoluto no tempo e no espaço.
Por seu lado, este Absoluto é puramente espiritual, se confunde, portanto, com a filosofia
enquanto “resultado”, enquanto espiritualidade. Daqui se evidencia a razão última que empresta
coloração própria a cada época histórica. A atividade do Espírito é, pois, atividade criadora. Em
cada momento ele se apodera do que se pode conhecer-viver de História. A finalidade da
conjunção do conhecer consiste “em destruir também a aparência de que o objeto é algo exterior
ao espírito”.(Enciclopédia, § 447, edição).
Na “Sagrada Família”, há um conhecido, muito citado, texto de Marx sobre como o
materialismo necessariamente coloca na pauta o comunismo. Para aqueles que dizem não haver
Marx prospectado o comunismo, é um texto interessante, chamado “Contribuição à história do
materialismo francês.” Nele formula Marx:
“Não é necessária grande sagacidade para constatar que o materialismo, em suas teorias
da bondade original e dos mesmos dons de inteligência, entre os homens, do valor da experiência,
do hábito, da educação, da influência das circunstâncias exteriores sobre o homem, da alta
importância da indústria, dos mesmos direitos ao prazer etc., se prende necessariamente ao
comunismo e ao socialismo. Se o homem extrai do mundo físico e da experiência desse mundo
todo o conhecimento, sensação etc., é necessário, portanto, organizar o mundo empírico de tal
modo que nele encontre e assimile o que é realmente humano, de tal modo que ele se reconheça
como homem.”

8
É possível ver-se tão cedo como na “Sagrada Família” o “encadeamento” das necessidades
típicas do modo de pensar de Hegel, que se transmitiu aos seus discípulos e que exige tanto a
predominância do universal e da totalidade como desautoriza a fugir das consequências das
colocações explicativas anteriores, banindo praticamente o “direito à inocência”. A atitude
hegeliana típica, “nada é o que parece”, requer uma lógica diferenciada, capaz de proclamar e
buscar as conexões ocultas, as conexões aparentemente inexistentes. Dessa forma, a sua evolução
filosófica é por completo original. O seu sistema não pode, portanto, ser outra coisa que a
continuação de todos os sistemas anteriores, estando em dado lugar nessa sucessividade e dando-
se por terminado (e suponho) com a terminação do próprio Autor enquanto filosofar. É
completamente, assim, embebido na História. Daí que cada tempo tenha o seu próprio espírito, e
o limite de suas explicações. Certa vez foi Hegel reconhecido por uma senhora em uma casa de
chá, e ela manifestou a admiração que tinha pelo que dele lera, tudo perfeito. Respondeu-lhe o
filósofo que, se havia algo dele no que escrevia, então este algo estava necessariamente errado.
Ou seja, o filósofo é apenas um instrumento de sintonia fina com a época em que vive e um
decodificador expressivo das forças que efetivamente nessa época atuam. Por isso disse Engels
(em L. Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, Editions Sociales, pag. 20, 1951):
“É com Hegel que termina de modo geral a Filosofia, de um lado porque seu sistema
resume de modo grandioso todo desenvolvimento e, de outro, porque ele nos mostra, embora
inconscientemente, o caminho que leva à saída desse ‘labirinto de sistemas’, ao verdadeiro
conhecimento positivo do mundo.”
Ou seja, uma vez que Hegel considera o Absoluto como puramente espiritual, sua filosofia
(idealista) se confunde com essa espiritualidade; daí que o princípio filosófico forneça sempre a
razão derradeira e o matiz de cada época histórica. O artificialismo da estrutura com que a
problemática atual tratada se vincula com os sistemas anteriores é o ajustamento que o sistema
requer e que só pode ser dado pelo mesmo filósofo que o elabora. Aos posteriores, haverá já o
mesmo, de parecer estranho, no entanto, se o filósofo é grandioso como Platão ou Aristóteles,
Espinoza ou Kant, então os sucessores terão que tomar de partes do sistema elaborado pelo
filósofo Autor para lograr rejeitar sua obra. Nesse caso, o conhecimento positivo do mundo de que
fala Engels, resulta claramente de uma outra negatividade.
Só o saber universal pode desqualificar o pensamento local, a pequenez das pequenas
sabedorias, congeladas em sua empiricidade. É preciso deixar de lado todo subjetivismo e todo

9
localismo para permitir que a razão pense pelo seu pensamento. O real, sendo o próprio racional,
é apenas ele a realidade autêntica. Diz Hegel (Introdução à Filosofia Universal):
“A única ideia que a Filosofia nos dá é a da razão – a ideia de que a razão domina o mundo
e que em consequência a História universal também se desenrolou racionalmente… O
conhecimento especulativo demonstrou que a Razão (utilizamos essa expressão sem analisar mais
detidamente sua ligação com a divindade) é a substância, a força infinita, a matéria infinita de toda
a vida natural e espiritual… E a substância, o motivo pelo qual toda a realidade tem seu ser e sua
substância. É a força infinita porque a Razão não se limita pelo ideal, pelo dever de ser; ela existe
fora do real, sem que se saiba ao certo onde, no cérebro de alguns homens. Ela é o conteúdo
infinito – toda essencialidade e verdade – e é sua própria matéria, que transmite à sua atividade
de elaboração… Nutre-se de si mesma, é para si mesma a matéria sobre a qual opera… faz passar
do interior à manifestação não somente o universo material, mas também o universo espiritual. E
isso é História. A História é a imagem e o ato da razão.”
Ao ler-se Hegel é preciso ter em mente o atraso, a censura e a repressão em que vivia a
Alemanha dos anos 1780-1830, atravessada em certo ponto pelo impacto da Revolução Francesa
(1789-1815) e dividida entre os caminhos que aquela significava. Destruído na França o primado
da religião desde cima pela monarquia absoluta, tornada a mesma banalidade terrena, os filósofos
iluministas puderam ali dedicar-se à destruição da política constituída. O atraso da Alemanha,
contudo, requeria solapar o domínio religioso, para abrir o campo da luta política. É assim no texto
altamente revelador o desenrolar racional da História, “sem analisar mais detidamente sua ligação
com divindade”.
Engels considerou que Hegel, assim, ao estabelecer como sistemática a contradição no seio
de tudo que existe, elevou a negação ao princípio fundador da nova positividade, aquilo que, por
fim temporariamente prevalece, “a concepção positiva do mundo”. O verdadeiro conhecimento
positivo do mundo era, para Engels, a saída desse labirinto de sistemas. Ou seja, ao construir seu
sistema, Hegel, que pretendia ser um porta-voz da realidade, possibilitou um sistema que teria
posto fim a todo o “labirinto de sistemas”. Ora, isso só poderia haver-se dado para Engels, por
cima de todos os erros que houvesse contido o sistema hegeliano e isso por causa dos acertos que
o mesmo continha. E o núcleo desse sistema que abre caminho à positividade é, sem dúvida, a
dialética.
Ou seja, a presunção de Hegel, de que o pensar da realidade se confunde com a própria
realidade, é aceitada por Engels, que a lê na direção contrária: as “leis da dialética” que expressam

10
o movimento do mundo estão também na cabeça de quem pensa o mundo. É a dialética do
mundo que faz a cabeça funcionar. Não apenas as relações intelectuais expressam a dialeticidade
do mundo, mas dela fazem parte. Diz Hegel, numa carta para Schelling (1800):
“Em minha formação científica, que começou com as necessidades mais subalternas dos
homens, eu era obrigatoriamente impelido para a ciência, e o ideal de minha juventude assumiria
a forma de reflexão e sistematização. Agora, que ainda me ocupo com isso, pergunto-me por que
meios se pode voltar a intervir na vida dos homens.”
Semelhante intervenção “na vida dos homens” só poderia ser efetivada pela participação
na história, portanto, o movimento da consciência é um produto da dialética da história. Vai-se,
portanto, do trabalho comum (que é o objeto da Economia Política) para o embate das “potências
ideológicas do momento” (priorização da praxis pela ação consciente). As “necessidades políticas”
em sua solução hão de passar, para a Alemanha, necessariamente pelas religiosas, para construir
uma religião não positiva que sirva no plano individual para consolidar a razão na esfera pública,
enquanto Estado. A consciência, autoconvencida de sua autonomia, gera com sua atividade a
explicação do processo de construção de si mesma, com todas as categorias e com todas as
determinações.
Para Hegel, a Alemanha não pode avançar para a transformação política (revolução
francesa), sem reformar a “religião reformada”, para que se torne capaz de sustentar uma
república, ou um Estado que haja se atualizado (pela revolução política). Para Hegel, Robespierre
tentou fundar uma religião de Estado porque em boa parte a religião positiva (oficialista) já estava
desmoralizada pela luta revolucionária. No entanto, na Alemanha, a religião ainda se encontrava
atrasada (como tudo o mais…) e era pré-requisito da revolução torná-la antes racional (não-
positiva). Dito em termos atuais, a religião deveria ser uma alavanca para permitir atalhos rumo a
uma “arrancada” nacional. É preciso abandonar para tal a teoria do conhecimento formalista e
lançar-se por uma nova maneira de raciocinar. Já havia dito Aristóteles:
“… nem aqui nem em parte alguma chegaremos a ver bem no interior das coisas, a menos
que as vejamos realmente crescer desde seus começos.”
É, portanto, no movimento da coisa para ser ela mesma (ou outra coisa…) que se encontra
a possibilidade de ver (e entender) o que elas são (ou deixam de ser; ou se tornam). Tomando-se a
tríade da dialética de Rousseau e seu princípio de que só a verdade traz o novo, pode-se emprestar
aqui de Espinoza, ali de Lessing e Kant e encaminhar-se a produzir uma forma do entendimento;
porque além da evolução há também a revolução, a mudança brusca e aparentemente

11
imprevisível. A menos que se possa ver (e entender) no âmago das coisas. Não basta o método
Kantiano sozinho; nem apenas acrescentar o ensinamento de Diderot a Rousseau (“por que não
inverte tudo isso?”). Sim. Com a dialética, tudo que sabemos deve ser invertido. No entanto, isso é
apenas o começo de desrealizar para realizar o entendimento do mundo.
Desde um “olhar kantiano” (Vida de Jesus, 1795), onde na verdade se exaltam os valores da
vida pública do modelo grego antigo, deve-se aprender a apreciar tudo o que efetivamente não se
logra decifrar. De modo independente, Hegel avança em caminho semelhante ao de Vico, e se
certifica que só um método histórico de analisar o desenvolvimento do real fornece o
conhecimento que pode relativizar e prospectar o entendimento. O incompreensível pode se
tornar incompreendido, coerente, aproximativo e revisável. A razão torna fluida as determinações
fixadas pelo entendimento: brotam, assim, as categorias que podem levar a novas explicações que
se supunham não existir, ou, de outro modo, se supunham antes explicações falsas. A razão se
encarna na história, porque a história tem se desenvolvido racionalmente. Apenas a lógica
formalizada anterior à percepção da dialética não nos tem permitido destacar o movimento
racional que se esconde por trás das aparências dos fatos. Aparências estas que na verdade os
apresenta formalmente como incoerentes.
A ideia de Hegel de que fosse possível uma lógica concreta, uma lógica que expressasse o
movimento dos conteúdos, é, na verdade, um retorno aos filósofos medievais e antigos, a hipótese
de que o desenvolvimento da forma suscitasse o próprio conteúdo. Esta crença na omnipotência
do pensamento para (com a ajuda de Deus…) tudo desvendar, expressa a ingenuidade dos antigos,
mas também encerra a ousadia empírica de pretender tudo alcançar. Este empurrão da lógica –
me permitam – pelo caminho do progressismo encerra profunda insatisfação com os achados de
outros com que Hegel então convivia. Nesse sentido, os comentários orais do mestre são
reveladores. Seja na intemporalidade temporal, seja “objetivações do espírito”, a dialética como
ele a formula, jamais se viu igualada ou “ultrapassada”. (Lênin recomendou ler-se a Lógica de
Hegel para que se entenda o marxismo). Daí que muitos intérpretes sustentem que o sistema
hegeliano, enquanto estrutura e método, esteja na Ciência Lógica.
O filósofo Vieira Pinto chamava a atenção que mesmo aí o sistema não está acabado, e que
tal fato foi primeiro, uma dificuldade para Hegel, tornando-se mais tarde em Berlim uma fonte
genial de percepções, porque as Lições de Berlim recriam, amenizam e relançam para um certo
gradualismo com que a mente de Hegel lhe revelava detalhes antes deixados em aberto para os
completar, apontando oportunidades novas e insuspeitadas, no melhor estilo das “sessões

12
espíritas kerdecistas”. Tomarei a liberdade de classificar isto de “furacão mental controlado”, algo
que decorria da total entrega de Hegel ao seu processo de pensamento. Uma vez que a própria
natureza quer manifestar-se inteligível, é necessário alguém de plantão “do lado de cá” para
captar-lhe as mensagens telegráficas e fornece-lhes a organização enquanto sistema. No entanto,
ao passar por este filtro humano que é o filósofo, a formulação revela-se (ou a revelação se
formula?) especificamente humana, com altos e baixos, de modo desigual e inacabado. De fato, as
Lições de Berlim expressam o estágio mais chegado a cabo da filosofia de Hegel e sua manifestação
mais pedagógica, porque está destinada à compreensão do aluno médio na sala de aula. Disse
alguém que se trata do retrato dialético do gênero humano. Os indivíduos, considerados em sua
especificidade, movidos por suas supostas finalidades próprias, expressam a alienação em geral
enquanto movimento histórico. Os eventos coletivos, instituições e revoluções dão-se à revelia do
que pretendem em sua alienação. É, portanto, possível entender-se a racionalidade da história,
que se move enquanto algo profundo, que dispensa o ajuizamento de ações individuais, a que não
se deve desprezar.
As palavras devem ser libertadas para expressar tais contradições. Diz Hegel, quanto à
ultrapassagem (superação) pela assunção:
“Aufheben tem na língua (alemã) dois sentidos. A palavra significa ‘guardar’, ‘conservar’ e
ao mesmo tempo ‘fazer cessar’, ‘pôr fim a’. Assim o termo Aufheben designa qualquer coisa
superada e ao mesmo tempo qualquer coisa conservada, que apenas perdeu sua existência
imediata, mas que não foi por isso destruída. As duas definições dadas a Aufheben podem ser
etimologicamente apresentadas com duas significações da palavra. É notável que um idioma
empregue uma mesma palavra para dois sentidos contrários. O pensamento especulativo regozija-
se por encontrar na língua, palavras que têm, em si mesma, um sentido especulativo.” Grande
logique, pp. 110-111; Morceaux choisis, p. 114.
Em busca da constituição da arquitetura singular de sua obra, o filósofo historia as pistas
deixadas pela própria contradição de sentido que mora nesta e naquela palavra. Por exemplo, na
clássica introdução de “As Lições sobre a Filosofia da História”, introdução conhecida como “Razão
na História”, Hegel “continua” uma proposição deixada na Pequena Lógica:
“A filosofia do ‘vir a ser’ (Hegel)”
“a) O vir a ser é o primeiro pensamento concreto, e, portanto, a primeira noção, já que o
ser e o nada são abstrações vazias. Quando se fala da noção do ser, quer-se dizer que essa noção
consiste no vir a ser, pois, enquanto ser, é o não-ser, é o vazio. Assim temos no ser o não-ser, e no

13
não-ser o ser. Ora, esse ser que existe em si mesmo no não-ser é o vir a ser. Não devemos eliminar
a diferença da unidade do vir a ser, pois sem a diferença voltaríamos ao ser abstrato. O vir a ser é a
posição daquilo que é o ser na verdade.” Pétite logique, 2a ed., Zusatz, 88, Morceaux choisis, p,
108.
“b) A primeira categoria da História consiste na visão da modificação dos indivíduos, dos
povos, dos Estados que existem durante um momento, atraem nossa atenção e depois
desaparecem. É a categoria do vir a ser.” “La raison dans l’histoire”, Morceaux choisis, p. 209.
Você pode ver o brotar espontâneo de semelhantes ensimesmações quando se recorda do
poema de Sílvio Rodriguez, o cantor cubano, quando ele pergunta: “onde foram parar os meus
velhos sapatos?” No entanto, na poesia de Sílvio o problema tem apenas “uma colocação”, uma
inquietação, que só pode ser resolvida na proposição hegeliana, tomada em sua dimensão maior,
enquanto povos e Estados que, embora desaparecidos, fazem parte de nossos cacoetes, fazem
parte de nós mesmos. De fato, o que expressa semelhante ironia na vida dos homens? O
comportamento dialético de todos os processos revela a alienação dos indivíduos e isto, ao
contrário do que se poderia supor, é o contexto em que a contemporaneidade continua a
modernidade. E projeta o futuro...

Afinal, o que é Dialética?

Distribuo sempre aquele artigo do Enrico Rambaldi, “Dialética”, que faz parte da
Enciclopédia EUNADI, e o artigo encontra resistência. Na verdade, não se pode penetrar um tipo
de conhecimento sem um esforço inicial para se entender de que se trata. O século XVIII é uma
época em que a velha cultura está moribunda, e a nova, que vem em luta desde o Renascimento,
rompe aqui e ali, derruba o velho edifício e procura se estabelecer ainda como o novo, o
contraposto ao que era velho. Como tal, o romantismo revolucionário se estabelece como uma
ideologia política nova, de influência inglesa, antes das transformações hostis ou conciliadoras do
período restaurador, que iria gerar o seu próprio romantismo reacionário.
O romantismo revolucionário gera na ideologia o seu próprio herói, o pequeno burguês
irredento, que combate e destrói o reacionarismo, seja como herói de folhetim (1715-1780), seja
como ente presente nas ruas e nos embates revolucionários, o jacobino. Como disse Jacques Droz
(Europa: Restauração e Revolução, pág. 3):

14
“Não cabe a menor dúvida que a data de 1815 suscitou grandes esperanças nas classes
dirigentes europeias. Os diplomatas congregados em Viena não somente acreditavam haver posto
ponto final à aventura revolucionária e imperial, como também intentaram restaurar, junto com o
princípio da legitimidade, o respeito aos poderes estabelecidos, como o sentido da hierarquia e da
autoridade. Os soberanos que voltam a empunhar as rédeas do Estado, depois de vinte anos de
provas, podem, em realidade, apoiar-se sobre um movimento geral de reação contra o
individualismo, movimento que convida as elites a reconstruir a unidade das inteligências e o gosto
pela tradição, contra os progressos do livre exame.” Enquanto, ao abrigo do Congresso de Viena,
correm todos os tipos de reacionários a massacrar os jacobinos, sonham com um mundo onde não
mais haverá revoluções. No entanto, o “Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade
entre os homens”, o “Contrato Social” e o “Emílio”, obras que segundo o autor (Rousseau)
desgraçaram sua vida, já não podem ser desescritos ou desconhecidos das novas gerações, para o
desespero dos conservadores. E é esse tipo de romantismo, como o de “Heloísa”, como o das
“Confissões”, que coloca para as novas gerações a importância central da revolução.
Tem-se aqui na vida quotidiana a tríade a adotar pelos que viveram: tese, a monarquia
feudal; antítese, a revolução libertária; a síntese, o Estado restaurador, que deve buscar conciliar os
dois momentos anteriores. O movimento da sociedade se expressa na luta de seus contrários.
Enrico Rambaldi, ao esclarecer o que é dialética, comenta:
“A multiplicidade – e ambiguidade – dos significados linguísticos repercute-se também nas
acepções filosóficas fundamentais de ‘dialética’. Historicamente, foi entendida quer como ciência,
ou mais precisamente suprema ciência da realidade, quer como arte do debate, sem relação
exclusiva com a busca da verdade e, por vezes, até em seu declarado desabono. Recapitulando
alguns dos seus significados históricos fundamentais, ‘dialética’ designou sucessivamente.”
“a) a busca de uma definição verdadeira, mediante divisão de gêneros e espécies e sua
conexão: ‘O subdividir por gêneros e não considerar que uma espécie que é idêntica seja pelo
contrário diversa, nem pensá-la idêntica se pelo contrário é diversa, não diremos que pertence à
ciência da dialética?… Sim, di-lo-emos.’ [Platão, Sofista, 253c-d]. O procedimento da divisão é
porém também próprio da erística, que não visa alcançar a verdade e nega, até, que tal seja, em
geral, possível;”
“b) o diálogo katà brakhý, conduzido com breves perguntas e respostas: ‘E, àquele que sabe
interrogar e responder, não chamas dialético?… Sim, é este o seu nome’ [Platão, Crátilo, 390c].

15
Para Sócrates, este diálogo pergunta-resposta destina-se à verdade; mas tecnicamente é em tudo
semelhante ao da tradição sofística, na qual é quando muito declaradamente relativista;”
“c) a busca intersubjetiva: ‘O razoar dialético (dialegésthai) era assim chamado porque
aqueles que dele participam deliberam juntos (koinei bulenesthai), escolhendo cuidadosamente
(dialégontas) as coisas segundo os seus gêneros’, testemunha Xenofonte [Memoráveis, IV, 5, 12].
Mas, uma vez mais, existe uma outra e oposta acepção, que considera o próprio deliberar em
comum como exclusivamente pragmático: a arte de ‘tornar mais forte o argumento mais fraco’
[Diels e Kranz 1951, 80, B.6b], para prevalecer nos debates judiciais e nas assembleias políticas;”
“d) o argumentar, preponderadamente num terreno em que não se possa proceder de
forma rigorosa a partir de premissas demonstradas como verdadeiras ou intuitivamente tais, e em
que pelo contrário elas tenham de assumir-se só como prováveis: ‘Os dialectas procuram conduzir
as suas pesquisas, partindo apenas de premissas prováveis’ [Aristóteles Metafísica, 995b]. Por
causa deste seu aspecto, Aristóteles considera-a intermédia entre a retórica e a analítica filosófica;
neste sentido será medida do vigor dialético a capacidade de refutar o adversário. Mas, no âmbito
deste ‘argumentar’, a dialética tem sido entendida de modos muito diversos. Os dois extremos são,
por um lado, a capacidade de fazer emergir a verdade, ainda que por tentativas e, por outro lado, a
arte de refutar o adversário, permanecendo, no entanto, no âmbito das aparências; a primeira é
para Aristóteles dialética; a segunda, sofística: ‘A dialética é uma discussão por tentativas em torno
das coisas das quais a filosofia possui conhecimento; a sofística parece possuir conhecimento
delas, mas não possui’[ibid., 100b].”
Rambaldi esclarece que o termo “dialética”, composto linguístico irreprimível (em grego), é
rico de significados:
“O étimo encerra pois uma grande variedade de significados, que permanece depois na
história da cultura, insuprimível escândalo para aquelas correntes de pensamento que
pretenderiam ver hirta a invencível irrequietação do real. Quase como se fosse possível, ou
auspiciável, que o homem já não se desse conta da negatividade quer de si próprio, quer do
mundo em seu redor, como pelo contrário naquele incunábulo, ainda recentemente recordado
[Sichirollo 1973, pp. 18-19], da palavra ‘dialética’ que se encontra em Homero, quando Heitor, às
portas da cidade, debatendo no seu coração se haveria refugiar-se dentro das muralhas ou
afrontar a ira de Aquiles, exclama: Allà tín moi taûta philos dialéxato thymós; (‘Ah! Por que razão
discute o meu coração estas coisas?)’ [Ilíada, XXII, 122]).”

16
A “inquietação do real” é, portanto, manifesta e não se encerra ou se esvai porque se
decida ignorá-la. A sua presença como requerimento de estados da alma e das oposições objetivas
que se põe fazem-se sempre crescentes.
É somente neste novo contexto de profundas transformações (1780-1848) que se põe a
importância de retornar a dialética como um método que enfrente o caráter mutante das relações
sociais e políticas. Estas transformações expressam forças novas, muito mais poderosas que as do
passado. A história humana se acelera e as respostas devem ser encontradas e fornecidas. Não se
pode mais longamente como antes persistir no erro. Por exemplo, em 1780 pode-se ainda
descrever os fenômenos sociais como expressão do movimento e das mudanças do pensamento
(idealismo objetivo). Contudo, em 1850, semelhante formulação se expressa como entendimento
estagnado: é evidente que o trabalho social expressa forças que atuam na sociedade e se refletem
no pensamento. Em setenta anos, um modo de pensar se tornou velho e não pode explicar de
modo satisfatório como se encadeiam os fenômenos à vista de todos. No meio intelectual, as
novas metodologias expressam abordagens novas e sem concessões – no plano da elaboração -
aos velhos dogmas religiosos ou tabus socialmente admitidos. É bem verdade que as elites e as
classes dominantes recusam admitir o novo, mas veem-se obrigadas a admitir os seus efeitos, que
aliás, não compreendem. O procedimento do trabalho científico aponta cada vez mais para os
procedimentos dialéticos, seja de modo compulsório pelos novos hábitos dos cientistas, seja pela
percepção da dialética enquanto método. Diz Rambaldi:
“O caráter intrinsecamente positivo da dialética está, pois, no não levar nunca ao nada, mas
sempre e só a resultados. Natural será, assim, que seja positiva a negação da negação, isto é, o
desenvolvimento e o prosseguimento do movimento. É uma trivialidade, digna da questão de se
existiu primeiro o ovo ou a galinha, ir procurar, imaginando-se junto do Homo sapiens agora
mesmo descido das árvores a ‘primeira’ negação que, enquanto tal, deveria ser só negativa e não
também resultado. Por outro lado, fixar-se na banalidade de que tudo é resultado, e portanto
positivo, é também uma trivialidade tremenda. Ainda e sempre, trata-se de procurar as diferenças
específicas e, portanto, de identificar os pontos do processo que se analisa que efetivamente
condensem em si modificações representativas de uma viragem decisiva, procurando depois
analiticamente neles os traços determinados de séries de negações e afirmações articuladas que
finalmente aí se tenham adensado num resultado totalmente novo, fecundo de novos
desenvolvimentos. O desenvolvimento do feto, por exemplo, é sempre um contínuo movimento do
tecido biológico: da negação da mórula, ou seja da negação da sua primeira morfologia indistinta,

17
formam-se os órgãos internos e depois, pouco a pouco, o indivíduo perfeito. Mas no interior deste
processo contínuo e unitário dão-se viragens profunda e objetivamente inovadoras: a entrada em
funções, por exemplo, da circulação sanguínea fetal, isto é, o bater do coração do ser que está para
nascer. Todas estas variações, que vão negando estados precedentes do feto e ao mesmo tempo
deles resultam, condensam-se depois numa única, verdadeiramente fundamental etapa do
processo: o nascimento. Nesse mágico instante do começo da respiração tem lugar uma negação
que, embora sem destruir a continuidade, recapitula em si todas as negações precedentes, porque
é o cumprimento último do resultado delas: cessa a vida do feto, começa a de um indivíduo vivo,
vital e autônomo.”
“Também na negatividade, e portanto, na negatividade da negatividade, se manifesta o
profundo otimismo da dialética que, porém não lhe dissipa a tragicidade. O otimismo da dialética
não é, decerto, o refrão de que sempre e em qualquer caso prevaleçam as magníficas e
progressivas espécies! Por ‘negatividade’ entende-se não apenas que cada passo seja negado, mas
também a dramaticidade, a tragicidade deste negar. A parteira universal deste movimento é a
morte: dos indivíduos, das espécies, dos povos, das formas de civilização, de todas as partes da
natureza. Mortes de espécies, que com os seus estados de apodrecimento e calcificação
constituem reservas para as espécies hoje vivas e vitais, mas que amanhã morrerão gerando com a
própria morte novas formas de vida. Depois de Darwin, é evidente para todos que ‘nos dois reinos
do mundo orgânico a negação da negação ocorre realmente’. [Engels 1878, trad. it. p. 150 ].
Como um efeito da nova materialidade do mundo, vão ao longo do século XIX ruindo a
ideologia que encarava o universo, e o próprio sistema solar, como elemento de uma fixidez que
expressasse desígnios de um ser omnipresente e superior. As crenças religiosas, psicologicamente
arraigadas, continuaram a justificar a miséria e o sofrimento e a infundir a espera de um outro
reino que não resulte da decisão coletiva da maioria da humanidade, para abandonar a velha
divisão do trabalho e fundá-lo. Esse reino esperado continuou a retardar da decisão humana
criadora. Comenta Rambaldi:
“Até sobre as estrelas, desde que deixaram de ser consideradas ‘fixas’, se sabe hoje em dia
que morrem, e a desaparição destes sóis foi interpretada como premissa de uma terrível
acumulação de energia gravitacional, premissa de novas explosões de que nascem novos sóis. O
otimismo da dialética não é o dos soberbos, que permanecem fechados e cegos face à angústia de
destruição. Assim, o capitalismo industrial moderno nasceu mediante uma terrível negação de
massa, obra não de um só opressor e explorador e também, não, da vontade diabólica de muitos,

18
ou até de todos os capitalistas, mas sim de uma força objetiva, imanente aos processos de
produção, invencível, que levou ao poder o capitalista coletivo por meio e na sequência da
‘expropriação da grande massa da população, que fica privada da terra, dos meios de subsistência
e dos instrumentos de trabalho’ [Marx 1867, trad. it. pp. 935-36]. Esta grande massa da população,
composta pelos produtores imediatos, camponeses e artesãos, sofre a dissolução do próprio
trabalho autônomo, entra em indizível miséria, acentuada por fome, prisão, forca, trabalho e
fadiga desumanos. Sobre estas ruínas nasce o mercado capitalista, a produção de mais-valia na
exploração da força de trabalho, e juntamente com ela também a concorrência entre capitais, a
sua progressiva concentração, a derrocada e a proletarização dos capitalistas mais fracos, isto é, a
‘expropriação de muitos capitalistas por parte de poucos’ [ibid., p. 936]. Mas pelo meio e na
sequência de tudo isto, como resultado e parte imanente de todo o processo, acumulam-se novas
negociações que se coagulam no nascimento de uma gigantesca força revolucionária: ‘Cresce a
massa de miséria, de pressão, de servidão, de degeneração, de exploração, mas cresce também a
rebelião da classe operária que engrossa sempre mais as suas fileiras e se disciplina, se une e se
organiza pelo mesmo mecanismo do processo de produção capitalista’ [ibid., p. 937].”
“Face a este processo objetivo, não há revisão dos princípios do marxismo que se
mantenha de pé – princípios que às vezes ouvimos depreciar como ‘dogmas’, como se bastasse a
injúria para deles apagar o caráter necessário de leis formuladas com rigor analítico. Tal como não
é dogmatismo o estudo analítico e quantitativo da força da gravidade, também o não é das leis da
acumulação capitalista. Ambos são reais, embora incômodos para quem preferisse que alguns dos
seus efeitos fossem inexistentes; ambos obrigam a ter os pés bem assentes na terra e fazem
justiça, com o tempo, a divagações nebulosas sobre o ‘novo’ (‘novas condições’, partido de tipo
novo’. ‘desenvolvimento original’, etc.)”
Em virtude do inegável crescimento moral e material do ser humano como construtor da
humanidade, sem “ajuda de fora”, no novo ambiente cada vez mais dialetizado conscientemente,
os agentes do obscurantismo passaram a atribuir a uma “vontade externa” todos os sucessos
coletivos no rumo da sobrevivência e do progresso. Na impossibilidade de aceitar as verdades
libertadas pela dialética, tratam de substituir a verdade por afirmações sofismáticas, do tipo
admirativo e declaratório. Em nada, é evidente, são melhores do que a aceitação das próprias
verdades descobertas e por descobrir.
Prossegue Rambaldi seu extraordinário resumo:

19
“e) muito próximas destas últimas acepções da dialética, já fortemente problemáticas e
aporéticas, são, por um lado, a maiêutica socrática e, por outro, toda a tradição de aporemas das
escolas socráticas menores em primeiro lugar e do ceticismo pirroniano e acadêmico em seguida.
Uma grande parte das argumentações contrárias à existência de um ‘critério de verdade’
desenvolvidas pelo ceticismo antigo incide precisamente na indicação, em relação a toda e
qualquer afirmação sobre a natureza das coisas, de que ela não tem mais valor que o seu oposto.”
“Esta breve recapitulação mostra já que há significados ‘opostos’ de dialética que se
entrelaçam sempre densamente. Todavia, é possível agrupá-los em dois grandes domínios: a
dialética como capaz de alcançar o conhecimento da realidade, e a dialética como artifício, em
caso extremo até como perversão do argumentar racional. É justamente à perversão que se refere
o juízo bem desdenhoso de Aristóteles: quando se formularem definições de modo a que as
mesmas não sejam passíveis nem de demonstração científica nem de conjuntura plausível e fácil,
então ‘é claro que são formuladas de modo dialético e são todas sem valor’ [Aristóteles, Da Alma,
403a]. Inversamente, sobre a dialética entendida como capacidade de exprimir a verdade, e até
mesmo como ciência suprema, cúpula de todas as ciências particulares, discorre por exemplo
Platão, afirmando que verdadeiro dialeta é ‘quem colhe razão da essência de cada coisa’
[República, 534b], na medida em que comprova o seu próprio ponto de vista ‘não segundo a
opinião, mas segundo a essência’ [ibid, 534c], de forma que ‘quem for capaz de uma visão geral é
dialeta, e quem o não for, não’ [ibid., 537c].”
Hegel se filia a esta vertente, qual seja, que a dialética seja a forma possível de expressar a
verdade, de certa ciência suprema, diante do “molambo da língua paralítica’ (mote do poeta
Augusto dos Anjos), que não pode a língua expressar a verdade – enquanto – ela – se cria, mas
apenas adulá-la. Todos os discípulos de Hegel a entenderam, de fato, como essa força de fundo
científico. Talvez o principal discípulo da esquerda hegeliana, Karl Marx, teria em seus seguidores a
elevação da dialética tornada método do materialismo, a instrumento científico. A refundação da
dialética não só encerra o episódio da elaboração de sucessivos sistemas filosóficos, mas requer
da filosofia tornar-se em instrumento para a ação (social e política). O seu papel não-positivo, no
sentido de Hegel, dar-se-ia agora em viabilizar a consciência para uma revolução rumo a um futuro
humano. As relações da matéria e consciência se expressariam agora nas leis da dialética
materialista, com unidade e luta dos contrários, a negação da negação, unidade entre conteúdo e
forma, entre essência e fenômeno, necessidade e casualidade, causa e efeito, etc. Na verdade, a

20
compreensão dos discípulos de Hegel quanto ao fim dos sistemas pela dialética haja, talvez,
somente constituído mais um sistema, mas esta é outra discussão. Prossegue Rambaldi:
“Estas valências tão diversas, e frequentes vezes contrapostas, do termo ‘dialética’
esclarecem que o fundamento do debate histórico, sempre vivo, sobre a dialética, não é moralista,
como se se tratasse de um instrumento neutro, cujo uso ou abuso dependa das intenções de quem
o maneja: uma lâmina afiada com a qual seja boa coisa barbear-se e má cortar goelas. O
fundamento do debate é antes de caráter gnosiológico, implica a relação entre realidade e
pensamento. É este o sentido do dilema de saber se ‘dialética’ designa uma realidade (e portanto,
‘conhecimento dialético’ designa a recapitulação, no pensamento, de um traço fundamental, ou
até do traço fundamental, da realidade), ou uma arte, substancialmente privada de alcance
ontológico. Apesar deste dilema, não é por causa de um equívoco que os campeões de ambas as
tradições reivindicam o apelativo de ‘dialetas’. Esta homonímia é, antes, reflexo de um elemento
comum: ao dialeta compete sempre pôr conscientemente em evidência o caráter contraditório,
negativo, complexo, do objeto sobre o qual incide o discurso. Pelo menos neste sentido, a dialética
é sempre entendida como real, e tem também sempre um resultado positivo, a saber: que a
verdade do objeto sobre o qual incide a pesquisa não se esgota no seu imediato, numa ausência
de relações.”
Como disse Hegel:
“pelo … que de tudo aquilo que se estabelece se pode também afirmar o contrário” [Hegel
1833, trad. it. II, p. 519].
Rambaldi comenta que o argumento cético (céptico) não é necessariamente assertivo:
“A argumentação céptica mostra com efeito a contradição implícita na própria forma
predicativa, e esta evidenciação tem, pelo menos, também o significado positivo da tomada de
consciência da negatividade implícita no próprio pensar. Sobre esta positividade, outras podem
assentar. Por exemplo quando – seguindo o ensinamento de Protágoras – o anônimo apresentador
dos Duplos Dizeres (não se trata aqui de um céptico, mas de um sofista) reduz todo o juízo estético,
moral, etc., à relatividade de estado, lugar, etc., alinhando uma longa série de contradições
relativistas (por exemplo: ‘Beneficiar os amigos, [é] belo; os inimigos, feio. E fugir do inimigo, feio;
mas fugir dos competidores no estádio, belo. E matar os amigos e os concidadãos, feio; mas os
inimigos, belo. E assim sucessivamente para todos os outros casos’ [Diels e Kranz 1951, 90, 2, 7-8]),
é todavia para chegar a uma conclusão que, embora fundada de modo relativista, introduz – como
resultado – uma concepção também positivamente crítica das opiniões dos homens. ‘E eu creio

21
que se se ordenasse a todos os homens que reunissem num feixe as coisas que cada um deles
considera más e depois a seguir que retirassem do grupo as que cada um considera belas, nem
sequer uma lá ficaria, porque entre todos haveriam de as repescar a todas. Pois que nenhum
pensa da mesma maneira que um outro’ [ibid., 90,2, 18]. Que esta conclusão crítica seja também
positiva advém do fato de o anônimo dialeta fundar depois sobre ela uma importante valutação
afirmativa, que é a de defender firmemente que, portanto, todos possam usar a razão para, como
iguais, emitirem juízos sobre a vida do Estado: ‘É necessário… que o povo observe diretamente’
[ibid., 90,6,7,6], admoestam as impiedosas antilogias de Protágoras, que assim realizam, também
elas, ainda que muito diversamente de Platão e Aristóteles, uma unidade entre dialética e
realidade: ‘Reputo como próprio do mesmo homem e da mesma arte o saber manter uma
conversação de pergunta e resposta [katà brachy...dialégesthai], e conhecer a essência real das
coisas, e saber julgar diretamente, e ser competente a arengar o povo, e conhecedor dos artifícios
oratórios, e capaz de instruir sobre a natureza e gênese de todas as coisas’ [ibid., 90, 6,8,1]. Tropos
cépticos e antilogias sofistas servem aqui para testemunhar que na tradição dialética existe sempre
algo de positivo: o observar, recapitular e refletir no pensamento as contradições, as
negatividades, o movimento dos objetos sobre os quais incidem a pesquisa e o discurso. A
dissenção começa, depois, na valutação da cognoscibilidade ou não cognoscibilidade desta
realidade que se descobre contraditória.”
“Tomar consciência desta irrequietação, ver as oposições e as contradições, experimentar
esta negatividade que está no homem e no mundo, tudo isto é o primeiro ato antropogenético.”
Para Hegel, Hõlderlin e Goethe não é por acaso – mas por necessidade – que os problemas
se apresentam aqui e agora, quando não se apresentavam antes. Para Marx e Engels, as
transformações de uma dada época estão relacionadas e podem perceber-se pela lógica da
contradição. A revolução francesa, o surgimento da revolução industrial, a formação das doutrinas
liberais e socialistas manifestam contradições profundas entre estruturas que pretendem se
perpetuar em embate com forças novas. A formação da classe operária e a ação revolucionária de
massas de trabalhadores falam de emergências sociais e econômicas conhecíveis. Daí a
necessidade de uma filosofia para a ação, que só pode expressar a dialética objetiva (Teses sobre
Feuerbach).
Querem os lógicos e os antigos que uma coisa para converter-se em outra requer um
elemento terceiro agente, que permita dar-se a conversão. A esta função relaciona dois termos ou
dois objetos em geral chama-se mediação. No paganismo, como em outras religiões pré-cristãs, a

22
intermediação entre os deuses e os homens eram feitas pelos demônios. Recorde-se que o deus
único é um traço de bens poucas religiões, as mais recentes, e que expressam quase sempre
ambição imperial. Em latim, Deus é singular e deabus, ou deuses, está no plural. Daí ver-se que
para o monoteísmo mais de um deus, trata-se de demônios. Pois tais demônios mediavam na
Antiguidade. O catolicismo, ou seja, o cristianismo tal qual tornou-se religião oficial do Império
Romano, adaptou os seus antigos deuses, queridos pela população comum, sob formas cristãs.
Enquanto para os pagãos Mitra era um mediador, no catolicismo, por exemplo, a mãe de Jesus,
assumida como uma forma (manifestação) de “Nossa Senhora” (N.S. Mediadora), intermedeia
entre homens e Jesus.
Para Aristóteles, o silogismo é determinado pela função mediadora do termo médio. Este
contém um termo e é contido pelo outro termo. Para a Lógica de Port-Royal (Arnauld), a mediação
é indispensável em qualquer raciocínio. Uma terceira ideia, simples ou complexa, chamada
intermediária, é sempre chamada a atuar como mediação, quando considerar-se que duas ideias
não são suficientes para se julgar se se afirma ou se nega uma ideia com a outra.
Para Hegel, a mediação é a reflexão em geral:
“Um conteúdo só pode ser conhecido como verdade quando não é mediado por outro;
quando não é finito; quando, portanto, se medeia consigo mesmo. Sendo assim, o todo em um, é
mediação e relação imediata consigo mesmo.”
Ou seja, a reflexão exclui não só a imediação – que é a intuição imediata – o saber abstrato,
mas também a relação abstrata (a mediação de um conceito com um conceito diferente).
Para os marxistas, a lei de transição das transformações quantitativas em qualitativas (e
vice-versa) se manifesta aqui com o primeiro tipo de qualidade. É a determinação interna do
objeto que se manifesta no conjunto de propriedades essenciais que distinguem o objeto dado dos
demais. Dá-se aqui uma expressão unilateral de qualidade. Quanto ao segundo tipo de qualidade,
é a determinação interna do objeto que coincide com a sua estrutura específica. É, portanto,
qualidade radical.
Quanto ao fundamento das mediações, diz Rambaldi:
“A natureza é, por conseguinte, o fundamento das mediações, seja como natureza objetiva,
seja como substrato, seja como forma; sobretudo, sob este último aspecto, ela constitui também a
meta em direção à qual o desenvolvimento das mediações está orientado, se bem que mediação
signifique também seleção, isto é, uma crítica negativa da incompatibilidade entre formas
históricas das associações e a forma (espécie) natural da igualdade; negatividade que se exprime

23
como uma medida intrínseca para a mesma evolução, ou seja, como crítica da adequação falhada
de cada forma de associação desigual em relação à forma de associação igual que é a espécie em
todas, latente. O juízo que rejeita a desigualdade como inadequada à associação dos produtores
não é, portanto, um ‘dever ser’ imposto do exterior da evolução real, mas o movimento objetivo
da própria evolução: ‘Nós não temos necessidade de trazer conosco outras medidas nem de
aplicar no decorrer da investigação as nossas descobertas e os nossos pensamentos; pelo
contrário, é deixando-as de lado que conseguimos considerar a coisa como é em e por si mesma’
[Hegel 1807, trad. it. I, p. 75].”
“A relação complexa que se interpõe entre a mediação natural e as mediações históricas
reais, plenas de desigualdades, é certamente um problema muito central na análise da categoria
de mediação (intersubjetiva). Podem distinguir-se dois filões essenciais de interpretação desta
relação complexa, e portanto, das relações entre igualdade natural e desigualdade histórica:
reconhecer um caráter natural (espontâneo) mas substancial, necessário e ainda por cima
devastador da desigualdade, ou então, entendê-la como mais acidental, não enraizada nesse
mesmo fundamento natural. Para o primeiro, a mediação é radical e desenrola-se, essencialmente,
entre opostos; para o segundo, não.”
No movimento para superação, quer se trate de conteúdo objetivo, que se trate de
movimento do próprio pensamento para perceber o que é objetivo, o avanço e a transformação
por uma determinação se obtém pela sua negação (seu movimento de superação), dando lugar à
produção de um novo momento, seja no conteúdo objetivo ou no pensamento. A superação pelo
movimento de vir-a-ser conclui a contradição que havia e gera uma nova oposição (que há de
seguir seu próprio vir-a-ser).
Disse Hegel:
“Um dos preconceitos fundamentais da lógica antiga e da concepção vulgar do mundo
consiste em crer que a contradição não tem caráter tão essencial e real com a identidade… (Mas
em realidade…) a identidade não é senão a determinação daquilo que é simples e imediato, do ser
morto – ao passo que a contradição é a fonte de todo movimento, a raiz de toda vida. Não é senão
na medida em que uma coisa encerra em si mesma uma contradição que se mostra atuante e
viva.” (Grande Lógica, IV, pág. 68).
Dito de outra forma, a importância da identidade é enquanto deixa de ser. Rambaldi
esclarece:

24
“Não surpreende pois que a tradição dialética tenha submetido à crítica o chamado
‘princípio de identidade’. A usual atribuição a Aristóteles da esquematização estereotipada deste
tautológico A=A é uma verdadeira calúnia, sendo Aristóteles certamente um dos maiores teóricos
do devir do real e da sua recapitulação dinâmica no pensamento. Com efeito, nas suas páginas o
‘princípio de identidade’ encontra-se apenas expresso, sem pompa, em articulação com o
chamado ‘de não-contradição’, por exemplo, do seguinte modo: ‘Dizer que o ser não é e o não ser
é, é falso; pelo contrário, dizer que o ser é e o não ser não é, é verdadeiro’ [Metafísica, 1011b].
Mas não era, com certeza, tanto a tautológica trivialidade de A=A (da qual já se viu a esterilidade
cognoscitiva em 20 braças de tecido = 20 braças de tecido) que lhe importava, quanto o
estabelecimento e contrário da seguinte afirmação fundamental: ‘É impossível que a mesma coisa
convenha e não convenha à mesma coisa sob a mesma relação e ao mesmo tempo’ [ibid., 1005b].
Do ‘princípio de identidade’, como aliás do celebérrimo ‘terceiro excluído’ - ‘tudo se deve afirmar
ou negar’ [ibid., 996b] -, justamente um grande estudioso do pensamento grego antigo observa
que trazem escrita na testa a sua verdadeira origem: situam-se entre os frutos da difusa
experiência de discussões sobre temas jurídicos, políticos, filosóficos. O princípio de identidade
‘soa de imediato como uma advertência aos participantes numa discussão dialética’ [Gomperz
1896, trad. it. IV, p. 105], para que nenhum dos dois interlocutores, quando eventualmente seja
encostado à parede, mude de jogo e, dizendo coisas diferentes das que nessa mesma discussão
sustentara, tente esquivar-se da derrota com um volta-face; de outra forma, ‘será, por assim dizer,
chamado à ordem pelo princípio de identidade: o qual lhe recorda o ponto realmente em
discussão quando ele tentar substituí-lo por um aparentemente igual e na realidade diferente’
[ibid., p. 110].”
“A negativa e negadora alteridade é, portanto, componente do conhecer a que não é
possível renunciar. ‘Desde o início que o ‘espírito’ transporta consigo a maldição de ser ‘infectado’
de matéria’ [Marx e Engels 1845-46, trad. it. p. 27]; esta infecção manifesta-se na imprescindível
necessidade de conhecer mediante alteridade. Isto não significa, é claro, um caótico poder dizer,
de tudo, tudo e o contrário de tudo.”
Prossigamos, portanto, com as categorias da dialética.

As Categorias da Dialética

25
Para Hegel, a lógica é uma disciplina que deve fundamentar uma reconstrução da teoria do
conhecimento, ou seja, ela é uma filosofia especulativa. Como disse Jean Hyppolite:
“O ser se pensa como si, e o si como ser, e este pensamento do si, esta onto-lógica, que é o
pensamento do pensamento e ao mesmo tempo pensamento de todas as coisas, constitui o saber
absoluto.”
Esta redução da filosofia a uma lógica ontológica caracteriza a fenomenologia como o
movimento da experiência da consciência. Em termos de teoria do conhecimento, a distinção
kantiana do sujeito e do objeto. A consciência é a consciência de um objeto que constitui sua
verdade e lhe aparece como estranho: é um outro que não a consciência mesma. No entanto, é
consciente de seu próprio saber dessa verdade. Seu saber é um saber de seu saber, é uma reflexão
subjetiva do que é aquela de si em relação ao ser (ou substância). A desigualdade entre estes dois
momentos é o motor do desenvolvimento fenomenológico, aquilo que impulsiona a experiência.
A distinção do saber e da sua verdade é a distinção interna do conceito. Dessa forma, a realidade
objetiva se contém no pensamento puro e pode adquirir um conteúdo concreto.
A superação dialética entre sujeito e objeto, objeto e sujeito é, segundo Hegel:
“… o caminho da alma que recorre a série de suas plasmações como estação de trânsito
que lhe hão sido traçadas de antemão pela natureza, depurando-se deste modo até converter-se
em espírito, enquanto que, mediante a experiência completa de si mesma, se remonta ao
conhecimento do que em si mesma é.”
Além dessa visão do aparecimento do saber que se encontra na Fenomenologia, Hegel
voltou a expor o tema em duas ocasiões mais: na “Propedêutica Filosófica”, que explicou no
Instituto de Nuremberg (1808-1811) e na “Enciclopédia das Ciências Filosóficas” (1817), retomada
em 1830. Na “Enciclopédia”, a fenomenologia de novo se constitui o lugar central da teoria do
espírito subjetivo (entre a antropologia e a psicologia). Aí desfilam de novo as categorias dialéticas
gerais que estavam na obra fundamental (e que, portanto, constituem a estrutura da exposição
hegeliana de sua filosofia): a consciência em si, a autoconsciência, a razão, etc. Desaparece o laço
enquanto perspectiva universal de cada uma das etapas da consciência. O sistema só permite
agora buscá-las dentro do conjunto da “Enciclopédia”. A totalidade do real continua assim a ser
pensada dentro do idealismo objetivo, ou seja, está na natureza do subjetivo transformar-se no
objetivo e, portanto, o objetivo deve transformar-se em subjetivo.
Abordando a totalidade, dizem Paolo Tincati e Rambaldi: (quanto a relação de totalidade
com tentativas de teorias formais):

26
“O âmbito teórico lógico-matemático é o que tem a máxima autonomia formal, mesmo se
qualquer proposição, quer lógica, quer matemática, só seja digna de atenção se, em última análise,
tiver demonstração e utilidade reais. A ampla autonomia formal do discurso lógico-matemático
pode também ser compreendida através do papel aí desempenhado pela totalidade: todas as
asserções destas áreas dependem estreitamente do conjunto da teoria, e, neste contexto, é mais
válida do que nunca a observação de que qualquer resultado ‘é verdadeiro apenas no sentido em
que faz parte de uma teoria, que é coerente com os seus axiomas, que não pode ser negado por
quem aceite a teoria na sua globalidade’ [Geymonat 1977, p. 26].”
“Um primeiro aspecto da função desempenhada pela totalidade num âmbito formal puro
é a relativa debilidade da teoria na confrontação com as suas próprias asserções. Este aspecto é
ainda enfatizado por quem, ao interpretar a matemática como um edifício de proposições certas,
porque dedutíveis de forma rigorosa de axiomas, acaba por obnubilar a fecundidade dos seus
desenvolvimentos históricos concretos; desenvolvimentos que na maior parte das vezes se dão
pela primeira vez fora da esfera do rigor, nascidos da necessidade de resolver problemas impostos
pela realidade. Neste contexto – onde o rigor é entendido como redução a elementos certos e
reconstrução, a partir destes, da teoria na sua totalidade -, o problema da coerência, por exemplo,
adquire uma importância por vezes exagerada (isto é, o problema de saber se de uma série de
axiomas se podem deduzir ou não proposições contraditórias) que restringiria num vínculo de tal
modo forte as proposições singulares de uma totalidade de tal modo que apenas um único contra-
exemplo seria suficiente para fazer ‘cair’ (ainda que só do ponto de vista de um rigor enfatizado)
toda a teoria. Assim, a teoria das curvas, desenvolvida sobre a ideia de que qualquer função seria
derivável em qualquer ponto, é ‘refutada’ por Weierstrass e Peano, demonstrando o primeiro a
rigorosa definibilidade de funções não deriváveis em ponto algum, e o segundo a definibilidade de
uma curva que recobre o plano. Uma ‘refutação’ célebre baseada num simples contra-exemplo é a
de Russell, que, ao descobrir uma contradição nos Princípios da Aritmética (Grundgesetze der
Arithmetik, 1893-1903), leva Frege a exclamar: ‘A sua descoberta da contradição deixou-me
extremamente surpreendido e direi quase perturbado, já que ela faz vacilar o fundamento sobre o
qual eu pensava que se pudesse construir a aritmética’ [1902, XXXVI/2]. Mas a história é mais
complexa do que estas refutações rigorosas mas abstratas, e nela qualquer momento realmente
significativo do desenvolvimento da matemática excede o corpus geral da disciplina funcionando
como sua componente quer crítica, quer construtiva.”
Referindo-se à totalidade dedutiva como, processo, Tincati e Rambaldi comentam:

27
“De resto, já o simples acréscimo de um organismo é, em primeiro lugar, produção de si
próprio como indivíduo, e não é redutível ao acréscimo mecânico, já que a árvore ‘elabora a
matéria de que se apropria de modo a dar-lhe a qualidade que lhe é especificamente própria e que
o mecanismo da natureza que lhe é exterior não pode fornecer; e desenvolve-se assim mediante
uma matéria que, relativamente à composição, é um seu produto próprio. Uma semelhante
circularidade causa/efeito manifesta-se também na conexão entre o todo e as partes de um
organismo, e assim, por exemplo, ‘as folhas são, na verdade, produções da árvore [e constituem
uma parte dela], mas conservam-na por seu turno; porque se destruiria a árvore despojando-a
repetidamente das suas folhas, e o seu crescimento depende do efeito destas no tronco’ (p. 240).
Em geral, portanto, ‘a uma coisa enquanto fim da natureza exige-se primeiramente que as partes
(segundo a sua existência e a sua forma) não sejam possíveis senão pela sua relação com o todo’ e,
em segundo lugar, que as partes se liguem na unidade de um todo, sendo reciprocamente causa e
efeito da sua forma’ (p.241).”
“Mas enquanto a análise que Kant faz da vida orgânica é indubitavelmente fecunda, a
fundação analógica e, logo, fundamentalmente não intrínseca, do juízo teleológico leva-o a dilatá-
lo a todo a natureza, procedendo a uma totalização extrínseca dos seus diversos âmbitos, orgânico
e não orgânico; ‘desde que descobrimos na natureza uma faculdade de formar produtos, que só
podem ser pensados por nós de acordo com o conceito das causas finais, avançamos e podemos
julgar como pertencentes a um sistema de fins também aquelas coisas… para as quais não é
necessário, para explicar a sua possibilidade, procurar um outro princípio para além do mecanismo
das causas cegamente eficientes’, e consideremos a heurística teleológica válida não só para o
mundo orgânico, mas também ‘igualmente válida para o conjunto da natureza enquanto sistema’
(p. 250). Deste modo, o caráter fundamentalmente analógico do conceito kantiano de totalidade é
extrinsecamente dilatado.”
Tincati e Rambaldi prosseguem (volume Dialética, Enciclopédia Einaudi, p. 254-255):
“De entre os autores modernos, Hegel foi dos que pensaram a totalidade quer como um
processo, quer como a condição do conhecimento racional, obviamente no quadro do omnívoro
dedutivismo já referido (cf. os ‘Abstracto/concreto’ e ‘Oposição/contradição). Nesta totalidade
podem distinguir-se pelo menos dois níveis: um, que abrange esferas muito vastas (a lógica, a
natureza, o espírito que tudo abraça); e um outro, dirigido, mais determinadamente, à
compreensão dos seres. O primeiro nível ilustrá-lo-emos através da fundamentação hegeliana da
história, e o segundo através da sua concepção da vida orgânica.”

28
“4.2.1. Apesar da dificuldade de uma exposição sintética, procurar-se-á mostrar como a
concepção hegeliana da totalidade funda a história, indicando a) o caráter intrínseco da
contradição; b) o vínculo entre contradição e desenvolvimento necessário e, c), como tudo isto
conduz a uma totalidade ordenada. É na Fenomenologia que Hegel esboça a concepção totalizante
da história, reduzindo a uma única interpretação racional tanto o seu momento conclusivo, no qual
se conquista a ciência do desenvolvimento na sua totalidade, como todos os momentos que, no
desenvolvimento, levam a esta conquista. Temos então, grosso modo, não só uma ciência acabada
– que constitui o fruto do desenvolvimento e que o recapitula em sistema – mas também as várias
concepções culturais que, sucessivamente, constituem os momentos históricos determinados pelo
desenvolvimento. Por um lado, a ciência acabada e as culturas históricas determinadas participam
de uma natureza idêntica, já que inclui as outras e é constituída por elas, mas, por outro lado, as
culturas históricas passadas diferem quer entre si, quer da ciência acabada; e, na medida em que
diferem, são apenas aparências. Mas visto que a ciência acabada é ela própria fruto do
desenvolvimento, constituído por tais aparências, segue-se que a própria aparência não poderá ser
separada da ciência: ‘No momento em que surge, a ciência é ela própria aparência; no seu surgir
não está ainda realizada e desenvolvida na sua verdade’ [1807, trad. it. I, p. 68], e portanto ‘a
ciência deve liberar-se de tal inferioridade’ [ibid.], que lhe é imanente.”
“Esboça-se assim um itinerário, da ciência que se conquista a si própria, dominado pela
contradição (a) imanente ao próprio saber. A dialética deste desenvolvimento pode exprimir-se
sucintamente da seguinte maneira: todo o saber (cultura) historicamente determinado é uma
relação específica (figura da consciência) entre dois dos seus momentos: o objeto do saber e o
conceito que dele tem aquela determinada cultura histórica (consciência): a experiência da
consciência (isto é, da humanidade) consiste em examinar se tal relação – que constitui o saber –
entre conceito e objeto é adequada ou não. É dado que, até que o ciclo se feche na totalidade do
desenvolvimento, tal relação se manifesta sempre inadequada (um exemplo analítico desta
dialética objeto/conceito encontra-se exposto no artigo ‘Mediação’, pp. 157-61), qualquer cultura
se revela intrinsecamente contraditória: ‘Se neste confronto os dois membros [objeto e
conceito]não correspondem, então a consciência parece ter de mudar o próprio saber para torná-
lo adequado ao objeto; mas o saber, ao transformar-se, transforma também o seu objeto’ [ibid., p.
75], dado que o objeto era um polo da relação do saber, e não algo de exterior a este. Caindo
então um saber (cultura) determinado, caem também o objeto e o conceito que o caracterizam;
tudo é negado. Forçada pela contradição a empreender a via do desenvolvimento, a consciência

29
percorre-a à custa da ‘perda de si própria’; para ela a história tem ‘significado negativo’, e pode
considerar-se ‘como a via da dúvida ou, mais propriamente,… do desespero” [ibid., pp. 69-70].”
Tincati e Rambaldi resumem o percurso da consciência (por eles lida como cada cultura que
existe no tempo histórico) para aprender do mundo e sobreviver, processo de conflito que se
caracteriza, portanto, como humanização. Feuerbach, Engels e Marx tiveram que ler tal processo
como assunção antropológica do homem, quanto a sua própria história e, daí, historidade. A
categoria hegeliana da totalidade é, assim, o lugar de todas as coisas do ponto de vista do homem,
atribuindo-lhe centralidade e a permitir, pela inversão do método dialético hegeliano, que suas
categorias descrevam o movimento do mundo material enquanto reflexo como processo de
pensamento.
Prosseguem Tincati e Rambaldi:
“O fato de toda forma de cultura ser negada não implica absolutamente que o resultado
seja um vazio. De fato, toda espécie de negação é historicamente determinada, pois é a negação
de uma determinada forma de saber, de tal modo que o resultado de tal negação não é um vazio,
mas pelo contrário ‘é decerto o nada daquilo que se resulta. Mas o nada considerado como o nada
daquilo de que resulta não é, com efeito, senão o resultado verdadeiro, logo é ele próprio um nada
determinado e tem um conteúdo’. O resultado necessário da negação do precedente será então
um novo saber determinado, até que o desenvolvimento atinja enfim o ‘ciclo completo’ das
culturas históricas, ligadas pela férrea ‘concatenação’ que resulta ‘da necessidade própria do
processo’ [ibid.]. Logo, o desenvolvimento é um automovimento, tendo por motor a contradição,
de um sujeito histórico. Hegel exprime-o na sua linguagem esotérico-dedutiva, dizendo que a
totalidade deve estender-se não só como substância, ‘mas decididamente também como sujeito’
[ibid.p.13], ‘substância viva’ [ibid., p. 14], na qual se produz um ‘automovimento da forma’ [ibid., p.
15].”
“Visto que a contradição objeto/conceito só desaparece quando estes atingem a sua
adequação na ciência, o automovimento conclui-se apenas na totalidade do círculo acabado, que
não é mais que o desenvolvimento visto na sua totalidade: ‘O verdadeiro é o acabado. Mas o
acabado é apenas a essência que se completa mediante o seu desenvolvimento’ [ibid.]. Nesta
totalidade, cada uma das culturas é uma etapa obrigatória que ocupa necessariamente o seu lugar,
pelo que (c) a própria totalidade é rigidamente ordenada. E como a ordem implica a necessidade
de todos os momentos do desenvolvimento, todos eles são necessários, e por isso reunidos na
ciência final: ‘Devido a esta necessidade, um tal itinerário para a ciência é já ele próprio ciência’, ou

30
melhor, ‘ciência da experiência da consciência’ [ibid., p. 78]. Todas as culturas históricas, que se
apresentavam como aparência em relação à ciência na totalidade revelam-se como determinações
essenciais da própria ciência. Este desenvolvimento temporal é um dos modos ‘da realização do
espírito, a história’ [ibid., p. 304], e na totalidade histórica os momentos passados do
desenvolvimento não se dissipam, porque ‘a memória os conservou’. ‘O reino dos espíritos’ que,
antes de nós, preparando o terreno, forjou o mundo, não se dissipa, antes ‘constitui uma sucessão
em que um espírito substitui outro, e cada um deles recebe, do que o precedeu, o reino do
mundo’. A ciência da totalidade que se estende é portanto também a sua história, tendo ‘como
percurso a memória dos espíritos como estes são em si mesmos e realizam a organização do seu
reino’. Ciência e história, portanto, ou consideradas ‘as duas em conjunto’, ‘a história entendida
conceptualmente’ [ibid.], é a chancela que Hegel imprime a esta totalidade.”
Os materialistas sempre acusaram as correntes idealistas de aliarem-se a formas religiosas
para poder parasitar o atraso do conhecimento científico e da difusão da instrução da maioria dos
povos, atribuindo a explicações místicas e fantásticas as dificuldades humanas. Este parasitismo
do método metafísico foi assaltado de modo contraditório desde dentro do próprio idealismo e da
metafísica. Hegel é um dos expoentes de pensamento que, em seu evolver contraditório, trouxe de
volta e enriqueceu o método dialético, para torná-lo uma vez mais disponível como ferramenta de
desenvolvimento do materialismo, de parte de um grupo de seus discípulos. Seu método e seu
modo de análise forneceram novo alento ao estudo dos fenômenos do mundo objetivo.
O idealismo objetivo de Hegel, na verdade faz interagir as observações do mundo exterior
com o processo do pensamento, de acordo com sua premissa de que a dialética está nas coisas e
no pensamento e não é uma “invenção” do pensamento atribuível (ou não) às coisas. De tal se
evidencia pela preocupação de Hegel com a informação empírica e seu esforço de toda vida para
tentar acompanhar “o estado atual” do conhecimento científico de seu tempo. Assim para Hegel, a
relação entre a realidade exterior e o processo de pensamento pode ser “capturada” pelo
conhecimento advindo das categorias, refletindo necessidades do particular e do universal. Tincati
e Rambaldi dão interessante exemplo:
“Um lugar de eleição para examinar esta concepção mais específica da totalidade hegeliana
é a interpretação da vida orgânica. O organismo animal é ao mesmo tempo um indivíduo e uma
‘universalidade viva’ (§ 352), porque capaz de reconduzir para os seus fins individuais as suas
próprias partes e tudo aquilo que o circunda. A explicação de tal universalidade faz-se mediante
um desenvolvimento entre três polos: figura, assimilação, gênero (Gattung), que, confluindo

31
juntos na vida do animal, constituem uma ‘totalidade idêntica’. O animal é o conjunto deste
processo, ‘de modo que deste processo resulta a totalidade como ser’ [ibid.]. Para Hegel a figura
caracteriza o fato de o animal ‘ser um todo, que se relaciona apenas consigo próprio’ (§ 353): toda
a sua constituição (sensibilidade, irritabilidade, autoprodução) é um processo contínuo de trocas
entre as suas partes e o todo, pelo que ‘a figura, enquanto ser vivo, é essencialmente processo’,
‘no qual o organismo faz dos seus próprios membros… os seus meios’, e ao mesmo tempo ‘produz-
se como tal totalidade; de forma que cada membro é alternadamente fim e meio’ (§ 356). Sob a
égide deste autofinalismo da figura, o animal separa-se a si mesmo do ambiente, reduzindo-o
apenas a um instrumento da sua autoconservação, da qual são expressão as necessidades (a fome,
por exemplo). Mas a necessidade contrasta com o autofinalismo exclusivo, e denota a presença, no
indivíduo animal, de uma contradição intrínseca que lhe é imanente, e que se manifesta
plenamente na assimilação. Na análise filosófica deste momento do processo que (compreende a
alimentação e a digestão), Hegel analisa estudos fisiológicos fundamentais, tais como, por
exemplo, as experiências sobre a digestão desenvolvidas por Spallanzani [1783] e, baseando-se
naqueles resultados empíricos, demonstra analiticamente que a assimilação exprime a autonomia
do organismo e que o processo vital não é linear, visto que envolve não só o organismo e o
material extraído do arsenal natural, mas também o próprio processo vital enquanto existem
trocas entre o organismo e o ambiente: o organismo ‘não se limita a dirigir a sua atividade… para
o objeto exterior, mas faz deste mesmo processo o seu objeto’ [1830, § 365, nota]; quando, por
exemplo, expele as fezes, estas não contêm resíduos externos não digeríveis, como também
produtos do próprio processo digestivo (por exemplo, a bílis), que, no entanto, entram ativa e
necessariamente neste. O caráter não linear do processo manifesta a circularidade fim/meio
própria da totalidade orgânica, que ‘encontra, como fim e produto da sua atividade’, aquilo que ela
‘já é desde o princípio, e originariamente’[ibid.].”
Tem-se, portanto, que o particular é uma forma necessária da manifestação do universal,
dando-se que o singular é uma forma casual (ao acaso) de manifestação do mesmo universal. Não
se pode assim explicar o singular, sem fundamentar esta explicação no geral, que se evidencia no
particular. A dialética do desenvolvimento de um fenômeno tomado em sua especificidade, tem
causações que podem ser conhecidas a partir da dialética em geral, que se manifesta enquanto
particularidade no fenômeno estudado. A preocupação de Hegel em descobrir o método que
descreve como revelador do que está por trás da aparência das coisas, permitiu-lhe descobrir a
dialética como método de investigação das relações que se põe objetivamente no mundo.

32
Qualquer fenômeno que se manifesta pode representar a forma transformada de algum
outro movimento substancial, seja na natureza, na sociedade ou no pensamento. A causa,
contudo, de tal manifestação não é idêntica à substância dada do fenômeno. A transformação que
se manifesta e que leva à observação ou ao exame, dá-se porque uma causa proporciona a uma
forma abstrata qualquer enquanto possibilidade, manifestar-se como um novo conteúdo
substancial que se realiza. Daí que as possibilidades não se realizem todas automaticamente,
porque só uma ou várias causas que se põe por necessidade – algumas certamente por acaso- aí se
somam, permitem-lhe tornar-se realidade. Tem-se assim a dialética da causa e do efeito, da
necessidade e do acaso, da possibilidade e da realidade, etc., todas postas pela dialética hegeliana,
e que se oferecem à compreensão do pesquisador enquanto método e enquanto lógica. Dizem
Tincati e Rambaldi:
“É na Fenomenologia que Hegel esboça a concepção totalizante da história, reduzindo a
uma única interpretação racional tanto o seu momento conclusivo, no qual se conquista a ciência
do desenvolvimento na sua totalidade, como todos os momentos que, no desenvolvimento, levam
a esta conquista. Temos então, grosso modo, não só uma ciência acabada – que constitui o fruto
do desenvolvimento e que o recapitula em sistema – mas também as várias concepções culturais
que, sucessivamente, constituem os momentos históricos determinados pelo desenvolvimento.
Por um lado, a ciência acabada e as culturas históricas determinadas participam de uma natureza
idêntica, já que uma inclui as outras e é constituída por elas, mas, por outro lado, as culturas
históricas passadas diferem quer entre si, quer da ciência acabada; e, na medida em que diferem,
são apenas aparências. Mas visto que a ciência acabada é ela própria fruto do desenvolvimento,
constituído por tais aparências, segue-se que a própria aparência não poderá ser separada da
ciência: ‘No momento em que surge, a ciência é ela própria aparência; no seu surgir não está ainda
realizada e desenvolvida na sua verdade’ [1807, trad. it. I, p. 68], e portanto ‘a ciência deve
libertar-se de tal inferioridade’ [ibid.], que lhe é imanente.”
“Esboça-se assim um itinerário, da ciência que se conquista a si própria, dominado pela
contradição (a) imanente ao próprio saber. A dialética deste desenvolvimento pode exprimir-se
sucintamente da seguinte maneira: todo o saber (cultura) historicamente é uma relação específica
(figura da consciência) entre dois dos seus momentos: o objeto do saber e o conceito que dele
tem aquela determinada cultura histórica (consciência): a experiência da consciência (isto é, da
humanidade) consiste em examinar se tal relação – que constitui o saber – entre conceito e objeto
é adequada ou não. E dado que, até o ciclo se feche na totalidade do desenvolvimento, tal relação

33
se manifesta sempre inadequada (um exemplo analítico desta dialética objeto/conceito encontra-
se exposto no artigo ‘Mediação’, pp. 157-61), qualquer cultura se revela intrinsecamente
contraditória: ‘Se neste confronto os dois membros [objeto e conceito] não se correspondem,
então a consciência parece ter de mudar o próprio saber para torná-lo adequado ao objeto; mas o
saber, ao transformar-se, transforma também o seu objeto’ [ibid., p. 75], dado que o objeto era
polo da relação do saber, e não algo de exterior a este. Caindo então um saber (cultura)
determinado, caem também o objeto e o conceito que o caracterizam; tudo é negado. Forçada
pela contradição a empreender a via do desenvolvimento, a consciência percorre-se à custa da
‘perda de si própria’; para ela a história tem ‘significado negativo’, e pode considerar-se ‘como a via
da dúvida ou, mais propriamente,… do desespero’ [ibid., pp. 69-70].”
“Mas através da experiência desta contradição e negatividade dá-se (b) não só o
desenvolvimento, mas também a afirmação do seu caráter necessário.”
Quando Schelling em seu estudo “Religião e Filosofia” (1804) caracteriza uma ruptura entre
ideia e a natureza, está em dificuldades para explicar como no mundo do pensamento puro pode-
se chegar à evidente degradação da necessidade de efetivação das ideias no mundo; trata-se de
uma espécie de pecado original. Schelling enfrenta a mesma dificuldade quando, nas
“Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana” enfrenta o tema da liberdade
humana enquanto algo que se trata de uma liberdade anterior à “criação” Comenta Schelling:
“Em uma palavra, não há do absoluto ao real nenhuma transição contínua, pois a origem
do mundo sensível só pode conceber-se como uma ruptura total como absoluto, por meio de um
salto.”
(Schelling, Werke, t. VI, pag. 38)
A descendência das coisas finitas desde o absoluto constitui assim um “acaso primogênito”,
procedendo de um “infundamento” sem lógica, como também se encontra Hegel, como na citação
em que este trata da impulsão como o começo imediato. Tal impulsão provoca o crescimento do
universo (big bang?!) e atua em todos e em cada um dos fatores de efetivação e no mesmo ser real
da natureza em seu conjunto, o que é absolutamente sombrio, a treva por si. Já em Schelling se
revela o motivo dualístico acolhido por Hegel em sua imagem do “resolver-se” e da “absoluta
liberdade para aviar-se a si mesma”. Possível posteriormente de homogeneização lógica. Está em
Hegel:
“A ideia pura, em que a determinação ou realidade do conceito mesmo é elevada a
conceito, é mais bem uma libertação absoluta. Nesta liberdade não se adverte, portanto, nenhuma

34
transição… A transição aqui se deve conceber mais no sentido de que a ideia se avia livremente a si
mesma, absolutamente segura de si, e descansando sobre si. Graças a esta liberdade, a forma de
sua determinação é também simplesmente livre: a exterioridade do espaço e do tempo que é
absolutamente para si mesma.”

(Hegel, Werke, t. V, pag. 353)


Ou seja, o “éter, (que era) o fundamento e a essência absoluta de todas as coisas, a
matéria absoluta, o absolutamente elástico”, definição aparentada da nebulosa primogênita que
vivia na hipótese cosmogônica de Kant e Laplace, vê-se aqui convertido no ser em si do conceito
absoluto, em que o espírito de Deus substitui a essência do éter (Enciclopédia). De qualquer modo,
o entendimento científico do século XIX, em seus começos era para nós ainda rudimentar, e o que
se dava era o materialismo sem dialética e o idealismo como dialética (entre outras tendências).
Não admira, portanto, o supra-animismo de Schelling e de Hegel, com seu entendimento do
universo e da natureza como forças vivas (ideias que são parecidas mas diferentes das hoje
entendidas). Um dos problemas centrais para a constituição dessa dialética inicial era como
homogeneizar as relações quantidade-qualidade, a encruzilhada entre Aristóteles e Newton, e por
qual caminho aí tomar-se. A dialética embate-se com o fantástico, quando se deve examinar o
comportamento da Terra ou do Céu, e buscar escapar no que se vê, do que sejam “aparências”. A
compreensão, não raro, caminhava ali às cegas, entre o espantoso e o dialético.
Diz, por exemplo, Hegel (trata-se da mudança da quantidade em qualidade):
“O mar é um processo vivo, sempre em transe de estalar a vida… Toda superfície do mar é,
em parte, uma aparência infinita e, em parte, um mar de luz, imenso e inabarcável com o olhar,
formado por uma série interminável de meros pontos vivos que não seguem se organizando. Caso
se tome a água do mar, esta vida morre imediatamente; fica somente um limo gelatinoso que
enche o mar de cima até embaixo… O mar é tão fecundo como a terra firme, e o é em grau ainda
maior. O tipo geral de vitalização que mostra o mar e a terra é o da generatio aequivoca, enquanto
que a verdadeira vida pressupõe, para que um indivíduo possa existir, a existência de outro de sua
espécie.” (Enciclopédia, § 341, adição).
Vê-se aqui que a dificuldade para enfrentar a dialética da natureza valeu-se de duas
categorias, a luz e a vida, como duas formas fundamentais de um ser para si exterior. O aspecto
mecânico com que a descrição se inicia busca não se converter em algo absoluto. Não se obtém

35
uma mecânica total do funcionamento, mas o texto intenta colocar pouco a pouco as
determinações qualitativas da natureza.
A filosofia de natureza de Hegel se propõe assim como uma tentativa qualitativa de
dialética, por certo um tanto intitulada pela descrição quantitativa das relações àquele tempo
obtida pelo cálculo leibniziano e newtoniano. Estava em aberto a tentativa de um novo modo para
abordar a natureza.
Esta filosofia qualitativa da natureza manteve aberta a possibilidade de uma outra
construção que expressasse as efetivas relações do qualitativo e do quantitativo, posto que visse o
homem é apenas um momento de uma totalidade. A abstração moderna talvez dispensasse a
qualificação. Dizem Tincati e Rambaldi:
“Não sinto necessidade alguma, quando imagino uma matéria ou substância corpórea, de
me preocupar simultaneamente em saber se ela é limitada e se assume esta ou aquela forma, se
ela é em relação a outras, grande ou pequena, se está num ou noutro lugar, num ou noutro
tempo, se se desloca ou está imóvel, se toca ou não um outro corpo, se é uma, poucas ou muitas,
pois não posso de forma alguma separá-la destas características; mas que deva ser branca ou
vermelha, amarga ou doce, sonora ou muda, com bom ou mau odor, não sinto necessidade de
apreender estas características que necessariamente a acompanham, [Galilei 1623, ed. 1953 pp.
311-12]. Esta abstração das propriedades primárias a partir das secundárias, elaborava-a Galileu
não para esquecer o mundo real, mas sim para o compreender para nele fundamentar a ciência,
para que não mais ‘se vagueasse inutilmente por um obscuro labirinto’ [ibid., p.121].”
“Do mesmo modo d’Alembert, que, no entanto, concebia a abstração como decomposição
da realidade concreta dos corpos até deles nada mais restar senão o fantasma (‘através de uma
série de operações e abstrações mentais, despojamos a matéria de todas as propriedades
sensíveis. Permanece apenas o fantasma’ [Alembert 1751, trad. it. p. 14], e que considerava uma
ciência tanto mais rigorosa quanto mais abstrata e orientada para a análise de tais fantasmas e das
relações entre eles (considerava como paradigma da abstração a álgebra que, ao estudar ‘as
próprias relações de modo universal’, representa ‘o limite máximo a que nos pode conduzir a
contemplação da matéria’ [ibid., p. 151]), não estava apenas bem longe de pensar que todo o
complexo edifício da ciência se pudesse restringir ao ‘mundo’ fantasmático, como afirmava que os
fantasmas da abstração só eram válidos e pertinentes se fossem úteis para a compreensão e
renovação do mundo real. ‘A mente procede nas suas investigações de um tal modo que, após ter
generalizado as suas percepções ao extremo de estas não poderem mais ser decompostas, inverte

36
o seu caminho, volta a compor as percepções já decompostas, e com elas elabora lenta e
gradualmente os seres reais que são o objeto imediato e direto das nossas sensações.
Relacionados de forma imediata com as nossas necessidades, tais seres são também objeto
primordial do nosso estudo; as abstrações matemáticas facilitam-nos o seu conhecimento, mas só
são úteis se não nos limitar a elas’ [ibid.]. Não é por acaso que d’Alembert expõe a teoria da
abstração nas páginas introdutórias da mais importante obra coletiva moderna, que contribuiu
como poucas para o nascimento de uma nova cultura e com esta, de uma nova ordem política e
social: a Encyclopédie. “
“Nada tem de supérfluo enunciar estas características, ‘práticas’ da abstração, a sua
finalização no mundo real, tema que retomaremos mais adiante; são hoje demasiadas as pessoas
que, intitulando-se ‘empenhadas’, se afirmam capazes de operar a união entre o abstrato e
concreto num duvidoso militarismo e que criticam todo e qualquer, como dizem, ‘caráter
abstrato’.”
A dificuldade com a natureza é que, aparentemente, as coisas não pensam e, portanto, faz-
se necessário pensá-las. Para nós, a consciência é a propriedade do cérebro que reflete o mundo
material e objetivo. É uma característica do cérebro e funciona com certa diferença da qualidade
em todos os animais.
Trata-se de um fenômeno material, compreensível pelo estudo da energia físico-química.
Não necessita,para dar-se, de um “sopro” exterior, como supunham os antigos. No entanto, a
ciência não se fez completa da noite para o dia, tampouco há uma única via para a abordagem dos
fenômenos. Uma vez que a consciência é um reflexo do processo do pensamento, ela se dá com
base em formas ideais, o que pode favorecer a inúmeros equívocos. Sendo um produto da
matéria, depois de elaborada, a ela não se reduz. Ideias produzidas há dois mil anos podem ser
reproduzidas sob a forma de escrita e desempenhar um papel social muito depois que sua fonte
material se extinguiu para sempre. O homem comum é sempre vítima das confusões interpostas
por semelhantes armadilhas. Uma ideia pode sobreviver ao longo do tempo, é o seu conteúdo
condicionado pelo ambiente circundante. No entanto, ela é diferente na interpretação de seu
conteúdo em circunstâncias históricas diferentes. Por exemplo, o rude e primevo conteúdo do
Velho Testamento é entendido de modo completamente diferente nas sociedades urbanas de
hoje, que lhe atribuem sutilezas do qual estava à partida desprovido. As condições de trabalho e
de relacionamento social daquela sociedade se finaram e ela hoje só pode ser lida
metaforicamente. É nesse caráter ideal e uma ideia que lhe é atribuída que pode ser hoje

37
compreendida e pelo processo de alienação social de hoje são-lhe atribuídas funções que na
verdade não possui.
A base bioquímica e fisiológica que processa ideias no cérebro de um animal produz ideias
que correspondem ao seu processo ambiental, mas pode igualmente reativar – comprovadamente
no caso de seres humanos – associação com ideias já mortas e exteriores, que pelo processo de
aprendizado podem assumir papéis na alienação hoje presente.
Isto talvez radique no fato da dificuldade específica da intelecção do que é ideal. A
consciência reflete particularidades e coisas de processos objetivos, que, no entanto, não são
percebidos diretamente pelos órgãos do sentido. O processo de aprendizado no trabalho e na luta
pela sobrevivência não igualiza qualitativamente o que apreende em determinado cenário
indivíduos da mesma espécie, fazendo-se necessário a troca de informações entre compreensões
coletâneas em que habitam diferentes graus de alienação. Esta é a outra parte da natureza ideal da
consciência.
Não há “instrumentos” na natureza, mas é o trabalho vivo que apreende coisas nela
existentes, testa-as de acordo com funções esporádicas ou tornadas sistemáticas e lhes atribui
lugar, grau e valor real e/ou simbólico no processo de criação cultural. A consciência humana como
processo social, através de formas culturais, vai tornando o trabalho vivo ente capaz de animar
todas as coisas e atribuir-lhes funcionalidades e papéis. Eleitas assim pelos vínculos ideais a uma
destinação, as coisas – transformadas ou não desde a natureza – são utilizadas para a criação de
novos produtos. Cada instrumento é a materialização de relações complexas e determinadas entre
os homens e a natureza. No entanto, apesar de se acumularem na consciência as experiências
abstraídas do processo de conformação da natureza do trabalho, o avanço da abstração e do
conhecimento não seguiu historicamente uma linha reta na evolução societária, sendo antes uma
linha quebrada, com avanços e recuos, e que só pode ser linearizada até como abstração, porque
são sem número as sociedades dos grupos humanos que para sempre se perderam pelo caminho.
Ao contrário da imaginação alienada, nenhuma delas possuía garantias quanto ao futuro. Portanto,
as formas mentais se desenvolvem – a partir de certo ponto – separadas do processo de trabalho e
de sobrevivência como produto do pensamento abstrato, dando-se daí até o excesso de tal
pensamento pensar que, ao pensar, é ele que cria a realidade. As relações de objeto com a
natureza transfiguram-se, e o processo que se dá é pensado pela sua contramão, parecendo ir da
ideia para criar a realidade e não vir da realidade para criar a ideia. Isto porque os instrumentos de
trabalho correspondem à ideia que deles se faz e à sua destinação. Dão-se daí, como parte do

38
processo de alienação, reflexos errôneos que são pensamentos distorcidos como fonte de outras
reflexões que induzem ao erro como sistema, racional apenas enquanto sua inversão. Por outro
lado, semelhantes deformações ideais sobre o valor contido nos objetos pode se constituir em
fonte de novos e adicionais erros, permitindo até mesmo que se forme na sociedade sistemas
errados, tanto no nível do poder político, quanto na produção de instituições fortemente
parasitárias. Há aqui, portanto, uma luta entre o verdadeiro e o falso, entre o certo e o errôneo,
que se fundamenta na diferenciação histórica objetiva da dialética do sujeito – objeto.
Dessa dialética se compreende o motivo fundamental da Fenomenologia, o pensar
mediado com o ser, o eu que se defronta com o não-ser. Ambos põem o ser de que necessitam
para se desenvolver no mundo contemporâneo. O eu revolucionário, emprestado da revolução
francesa, é a “medida de todas as coisas” que pode permitir o trânsito do que é novo. Desde
Galileu, Hobbes, Descartes, até Kant impõe-se a forma matemática de criação do conhecimento,
pela qual a dinâmica mecânica se expressará com a revolução industrial. Como contraposto, de
pronto incipiente a estas duas forças anteriores, o surgimento da escola histórica e a pretensão da
mesma em fundar a razão como razão histórica. Está aqui uma viragem da linha quebrada a que
havíamos referido, porque desde o Egito antigo a história não tinha a centralidade na leitura do
conhecimento que agora – 1850-1950 – viu uma vez mais ser-lhe facultada.
Se a história pode ser lida com um sentido, ela não é então o lixo que a declaravam os
iluministas. Se cada fenômeno pode ser melhor percebido no seu processo de desenvolvimento,
recebem, portanto, os instrumentos elementos do valor que geram socialmente, e o seu haver sido
é parte do seu vir-a-ser que só assim pode ser compreendido, isto é, ver-se desalienado. O
histórico-concreto de Hegel se revela com seu potencial de conceder uma compreensão
diferenciada pelo sentido da condução humana. O eu consciência de si mesmo (Fichte) por esta
vertente desemboca com Hegel na consciência individual, na consciência histórica da humanidade,
no espírito do mundo.
Ou seja, Hegel associa a sua percepção do caráter dialético dos fenômenos com a
observação alcançada pela ciência então corrente, procurando estabelecer exemplos particulares
em diversos campos, capazes de fazer evidente neles a manifestação do geral ou do universal. Esta
atitude metodológica procura expressar o convencimento que tem de que o pensamento é regido
pelas mesmas leis que governam a materialidade do mundo, dando-se, portanto, a compreensão
do mundo que é como elevação do grau de consciência (manifestação da contradição da
qualidade/quantidade no desenvolvimento da consciência). O entendimento, ao separar o

39
pensamento do imediato e do dado, separa-se de um conteúdo e passa para um outro, e isto
indefinidamente. Não se libertou, assim, de seu caráter finito: só pode conceber o infinito como
negativo.
Coloca-se para cada pensador, portanto, através da síntese e da (re) construção do real, a
necessidade de revelar o concreto, isto é, enunciar as características práticas de cada abstração
como parte de um todo, que se expressa no mundo real e nele tem a sua finalidade e finalização.
Como dizem Tincati e Rambaldi:
“Entende-se aqui ‘pensadores’ não unicamente no sentido de ‘grandes autores’, nem no de
‘inovadores’, ou seja, pensadores ‘originais’, mas sim no sentido – bastante mais modesto e
incomparavelmente mais difundido – daqueles homens que vivem na primeira pessoa a
problemática das ideias que professam. Entre aqueles que mantêm esta relação criativa com o seu
próprio mundo ideal, incluem-se – a par dos grandes – com igual direito, não só os menos
importantes, mas de modo geral todos os que vivem os seus próprios ideais (o que inclui,
naturalmente, também, os não intelectuais). Integram esta categoria por exemplo, como dizia
Gramsci, os militantes, mesmo quando não contribuam diretamente para enriquecer o tecido
ideológico do seu partido, mas que, no entanto, o vivem e aplicam ativamente à realidade da vida
social e civil. São pois, e por outro lado, portadores de estereótipos: por muito brilhante que seja a
sua prosa, as suas litanias destroem a vida das ideias que expõem: atropelam hoje Marx, como no
passado Hegel e antes ainda Aristóteles. Todas as detestáveis trivialidades contra o abstrato, tais
como os famosos apelos ao concreto, podem ser uma imitação grotesca da mais vigorosa
concepção do mundo, mas não são a sua herança legítima.”
“Se na história da cultura a abstração assumiu frequentemente o caráter de ‘nome’
‘fantasma’, tal não é sinônimo de que abstrair signifique, de per si, isolamento relativamente ao
mundo real; abstrair é sempre – desde que se trate de ideias e não de estereótipos -, enquanto
negação da especificidade do particular, processo regenerativo de categorias; é portanto ‘enorme
poder de negação; é a energia do ato de pensar’ [Hegel 1807, trad. it. I, p. 26]. O conceito do que é
exatamente o abstrato é fruto do próprio pensamento, que condensa no universal os traços que
caracterizam um vasto número de concretos.”
Daí que haja dito Hegel:
A consciência… “descobre o mundo como sua propriedade.” (Fenomenologia do Espírito, II,
p. 36), ou seja, ela em suas diferentes formas vai-se desenvolvendo por fases, desde o em-si

40
interior até o em-si próprio, e daí para o para-si exteriorizado. Este é o vir-a-ser da consciência e da
ciência que se manifesta em geral, para “remontar-se ao verdadeiro saber”…
Uma vez que qualquer determinação imediata tende a se transformar em mediação de
outras diferentes determinações, a ligação de todas as partes com o todo se manifesta em
processo denso de negatividade mediadora. O universo não pode então ser concebido como um
agregado de coisas supostas inertes, mas como um campo onde interagem forças que se opõe e se
mudam segundo as necessidades aí criadas.
“A representação da polaridade, que desempenha um papel tão considerável na física,
contém a determinação mais exata da oposição.” (Enciclopédia, § 119). Decorre que cada realidade
finita encontra-se então contida em seu limite por uma outra realidade ou pelo conjunto das
realidades que com ela formam o todo, mas a impedem de ser o todo. Esta seria (cem anos mais
tarde) a posição hoje expressa pela física quântica. Recorde-se de Tincati e Rambaldi:
“’A coisa é a totalidade enquanto desenvolvimento’ (§ 125), e visto que é desenvolvimento
entre opostos (identidade/alteridade), ‘A coisa, sendo esta totalidade, é uma contradição’ (§ 130).”
“Um lugar de eleição para examinar esta concepção mais específica da totalidade hegeliana
é a interpretação da vida orgânica. O organismo animal é ao mesmo tempo um indivíduo e uma
‘universalidade viva’ (§ 352), porque capaz de reconduzir para os seus fins individuais as suas
próprias partes e tudo aquilo que o circunda. A explicação de tal universalidade faz-se mediante
um desenvolvimento entre três polos: figura, assimilação, gênero (Gattung), que confluindo
juntos na vida do animal, constituem uma ‘totalidade idêntica’. O animal é o conjunto deste
processo, ‘de modo que deste processo resulta a totalidade como ser’ [ibid.]. Para Hegel a figura
caracteriza o fato de o animal ‘ser um todo, que se relaciona apenas consigo próprio’ (§ 353): toda
a sua constituição (sensibilidade, irritabilidade, autoprodução) é um processo contínuo de trocas
entre as suas partes e o todo, pelo que ‘a figura, enquanto ser vivo, é essencialmente processo’,
‘no qual o organismo faz dos seus próprios membros… os seus meios’, e ao mesmo tempo ‘produz-
se como tal totalidade; de forma que cada membro é alternadamente fim e meio’ (§ 356). Sob a
égide deste autofinalismo da figura, o animal separa-se a si mesmo do ambiente, reduzindo-o
apenas a um instrumento da sua autoconservação, da qual são expressão as necessidades (a fome,
por exemplo). Mas a necessidade contrasta com o autofinalismo exclusivo, e denota a presença,
no indivíduo animal, de uma contradição intrínseca, que lhe é imanente, e que se manifesta
plenamente na assimilação. Na análise filosófica deste momento do processo (que compreende a
alimentação e a digestão), Hegel analisa estudos fisiológicos fundamentais, tais como, por

41
exemplo, as experiências sobre a digestão desenvolvidas por Spallanzani [1783] e, baseando-se
naqueles resultados empíricos, demonstra analiticamente que a assimilação exprime a autonomia
do organismo e que o processo vital não é linear, visto que envolve não só o organismo e o
material extraído do arsenal natural, mas também o próprio processo vital enquanto existem
trocas entre o organismo e o ambiente: o organismo ‘não se limita a dirigir a sua atividade… para o
objeto exterior, mas faz deste mesmo processo o seu objeto’ [1830, § 365, nota]; quando, por
exemplo, expele as fezes, estas não só contêm resíduos externos digeríveis, como também
produtos do próprio processo digestivo (por exemplo, a bílis), que, no entanto, entram ativa e
necessariamente neste. O caráter não linear do processo manifesta a circularidade fim/meio
próprio da totalidade orgânica, que ‘encontra, como fim e produto da sua atividade’, aquilo que ela
‘já é desde o princípio, e originariamente’ [ibid.].
Nós, materialistas, sabemos que o geral existe apenas no particular e através do particular.
Contudo, os antigos pensavam existir o geral em algum lugar e serem as particularidades somente
cópias imperfeitas de “gerais”, que em alguma parte como conceito ou ideia inspiravam as
particularidades, como simples defeitos deles, ou percepções parciais. Vide a alegoria da caverna
de Platão. Isto porque ao se perceber o que no particular existe também em outro particular e
forma, portanto, o geral como uma abstração, só podemos percebê-lo no pensamento, ficando o
particular já como uma percepção no nível dos sentidos. Daí a suposição que se faz de que o geral
existe fora das particularidades. “Dando-se o geral pelo pensamento, o geral é o pensamento.”
Ora, na verdade, o pensamento só abrange o geral no particular. É apenas neste sentido que o
geral é o ideal. E o meio de manifestação do geral é a linguagem. Daí que da generalidade do ideal,
do pensado, tenham as palavras o caráter de generalizado, abarcando o quase todo que pode ser
pensado. A análise, a síntese, a abstração e a generalização manifestam-se, pois, como lógica e
oferecem a possibilidade de uma teoria do conhecimento. As formas do pensamento expressam
assim a relação dos homens com o natural, o social e o pensamento. O coletivo social deve a sua
existência à palavra, ou seja, à capacidade de exprimir o processo de suas relações no interesse de
todas as pessoas de dada sociedade.
Hegel contribuiu assim para revelar a posição do homo faber pelo seu segundo motivo em
a Fenomenologia, qual seja, indicar concretamente os motivos do capitalismo infantil, enquanto
racionalismo capitalista. O reflexo da produção enquanto fato matematizável confirmava a visão
daquela Weltanschauung (cosmovisão) do século XVIII, de que o livro da natureza se escrevia com

42
números. E que daí decorreria a compreensão de todo processo mecânico. “A natureza não revela
liberdade alguma, só necessidade e casualidade”:
“Nesta exterioridade, as determinações conceituais apresentam a aparência de uma
existência indiferente e de isolamento de umas com respeito a outras; o conceito é, portanto, algo
interior. Daí que a natureza não revele, em sua existência, liberdade alguma, mas necessidade e
casualidade.” (Enciclopédia, § 248, p. 28). E em oposição à análise formal, que tira a unidade
explicadora do que examina, diz o filósofo:
“Demonstrar significa em filosofia mostrar como o objeto se converte, por si e desde si, no
que é.” (Enciclopédia, § 83, t. VI, p. 161).
Ou ainda:
“Quando se fala de liberdade é preciso ter sempre o bom cuidado de descobrir se não se
quererá falar, em realidade, de interesses privados.” (Obras, tomo IX, p. 430).
Trocar o reflexo das coisas pelas coisas não torna ambos o mesmo. O ideal é o reflexo de
alguma relação na consciência, e não a origem da coisa refletida. O reflexo essencial generalizado
na consciência social expressa a relação real, mas pode no plano ideal ser objeto de todo tipo de
deformação e dessa forma ser devolvido à prática social. Embora isto, o falso, a deformação, não
se constituir o verdadeiro.
Assim como o conhecimento da consciência, sem estabelecimento, decorre do
conhecimento e introjecção das relações com o mundo circundante, a formação da consciência
social conduz à autoconsciência, ou consciência de si, a percepção de si mesmo como auto-
reflexo, do mundo interno de cada indivíduo social. O homem enquanto indivíduo na sociedade
adquire a capacidade de auto-exame, de auto-avaliação, e se põe como sujeito definido, em
relação a si próprio e aos atos de outras pessoas. O homem tornou-se capaz de reconhecer seu
ego como o centro de sua personalidade humana e a linguagem socialmente desenvolvida lhe
faculta fazê-lo com consciência pessoal daquilo que o cerca. Uma vez que a consciência se
manifesta enquanto emoções (como em outros animais), a linguagem socialmente desenvolvida
permite ao homem enquanto personalidade se exprimir de maneira sofisticada, altamente
complexa. Portanto, é na vida social que cada homem se expressa como riqueza cultural.
É interessante recordar-se que, quando Hegel refere-se à colocação pela natureza apenas
de necessidade e casualidade, e quando se refere à casualidade naquele aspecto que pode
compreender-se pela necessidade, ele não está negando a contradição do papel do acaso, mas
insistindo que só podemos acrescentar como conhecimento aquilo que pode ser compreendido

43
pelo movimento da contradição, e que portanto, se situa no plano de redução à necessidade. Não
se trata de reduzir tudo à razão, mas, sim, que só se explica o que for abordável pelas relações que
podem ser categorizadas. Veja-se o argumento de Simona Morini (artigo Teoria/Prática,
Enciclopédia Einaudi, volume Dialética, pág. 331):
“[Cf., também o artigo ‘Decisão’ nesta mesma Enciclopédia]. Sob o ponto de vista
epistemológico, ele sublinha a relevância da deslocação operada por Neumann e Morgenstern
[1947], que consiste na substituição da noção de ganho pela de ganho esperado na teoria dos
jogos de soma nula a duas pessoas, admitindo estratégias mistas, ou seja, combinações aleatórias
de estratégias puras (cf. ainda o artigo ‘Jogos’). Um jogador que tenha à disposição m estratégias
puras s₁, …… sm pode construir uma estratégia mista x = x₁s₁,… x msm em que o xk – com 0≤ xk ≤1 e ∑
xk = 1 – representam as probabilidades que o jogador associa às estratégias s k. Resumindo ideias:
suponha-se m = 2. Neste caso, a estratégia x = (s₁/2, s₂/2) deve ser representada pela experiência
que consiste em lançar ao ar uma moeda não previamente marcada; e toda e qualquer outra
estratégia que não o lançamento ao ar de uma moeda previamente marcada. (Então, as estratégias
puras serão determinadas pelo lançar ao ar de uma moeda com duas caras e duas coroas!) Mas
por que razão ligar o próprio destino ao resultado de tais experiências? Admitamos que a um dos
dois jogadores se permita uma destas duas opções: a primeira não lhe permite ignorar os ditames
da moeda, e a segunda, pelo contrário, não o obriga a respeitá-los. ‘Já que a segunda opção inclui
todas as possibilidades disponíveis para o jogador sujeito à primeira opção e mais outras,
pareceria indúbio que fosse essa a preferida… São as estratégias puras que se confrontam entre si
na base dos seus méritos específicos. Por consequência, o conceito de estratégia mista é um
expediente matemático útil [como mostram Neumann e Morgenstern] mas completamente
irrealista’ [Luce e Raiffa 1957, p. 75]. O argumento mais comum em defesa da primeira opção –
isto é, das estratégias mistas – é, notoriamente, que o caráter aleatório de um jogo protege todo o
jogador contra a astúcia do adversário que, adivinhando uma escolha segura, poderia então
adaptar-lhe o próprio jogo. Mas esta defesa não é pertinente no caso em que o adversário não
esteja de forma alguma, interessado no comportamento do jogador, por exemplo, quando não
está a par da matriz de pagamento do jogo ou é uma qualquer entidade impessoal (‘a natureza’,
por exemplo). Nesse caso, é melhor defender que, ‘sob o ponto de vista psicológico, a primeira
opção é preferível à segunda, ao contrário do que se disse precedentemente, justamente porque
não nos permite sermos vítimas da fragilidade humana’ [ibid.]. É um pouco como para um
indivíduo que queira seguir um regime alimentar: torna público o seu propósito e aceita o desafio

44
de não infringir a dita, de forma que depois já não será livre de mudar de opinião e de optimizar as
suas ações segundo os apetites daquele momento, por exemplo devorando uma data de
bolinhos.”
“A ‘moral’ da história é ainda assim clara: mesmo em condições de decisão ou em
condições de certeza, pode ser ‘racional’ entregar-se ao acaso de uma moeda, de um dado, etc.”
A razão não se despede, portanto, diante da utilização ou eficácia de mecanismos e
máquinas por ela mesma, construídos, e que nada mais são que produtos da razão a trabalhar
para ela, a menos do caso do romance em que a “rebelião das máquinas” produz cyborgs para
destruir os seres racionais…

Hegel: Uma Trajetória à Esquerda, de Muitas Possíveis

Valorizar a partir da “interioridade absoluta”, que entende como um produto da


experiência libertadora do indivíduo, contida na reforma luterana, e propor a “reforma da
reforma” para uma nova religião de viabilizar a razão para o Estado, eis os fundamentos do
empreendimento hegeliano. Desde aí se estabelece a luta para fundamentar um monismo do
espírito, que pode ser a fonte capaz de libertar a condição humana de toda escravidão e até
mesmo da alienação.
O esforço de Hegel é organizar todos os materiais que sua compreensão alcança trabalhar,
cada pequena pista que lhe deixaram os filósofos antecedentes e dele contemporâneos, filtrar
tudo com seu método e erigir o que supõe o último sistema. Todo seu método repousa, portanto,
sobre este extraordinário mecanismo do mundo, a dialética. Descoberto o movimento que faz
mover as coisas, cabe ainda enriquecê-lo pela experiência e adquirir um conteúdo concreto.
Avançando a partir de Espinoza, Rousseau e Kant, inverte a fórmula da Fichte ao afirmá-la:
o sujeito é a consciência individual, a consciência histórica da humanidade e o espírito do mundo.
Pela senda do idealismo objetivo, procura dar conta da totalidade do real e esta categoria, a
totalidade, confirma que as categorias só podem ser libertadas enquanto conhecimento desde o
próprio miolo que movimenta todas as coisas. Está na natureza do subjetivo objetivar-se e está na
natureza do objetivo subjetivar-se, de modo que a identidade do sujeito e do objeto precisa
apenas ser descoberta, posto que aí está. Desta forma, o absoluto deve ser compreendido

45
concretamente como sujeito e como resultado, tanto como diferenciação e realização, quanto
como pelo conjunto de seu desenvolvimento.
Assim, o método se constitui da construção especulativa (doada por Fichte), da informação
pelo desenvolvimento das ciências (doada pelos iluministas), e da percepção e da concepção da
sociedade enquanto um organismo vivo. Estes três componentes do método hegeliano só podem
estar unidos, lutar e cooperar entre si devido à sua natureza dialética. O mundo tem uma história;
a humanidade tem uma história; novas formas não cessam de se criar; nada há de eterno sem
dialética, nenhuma ideologia é estável ou definitiva. O mundo não marcha pela utopia, mas por
suas necessidades:
“… a dissolver no fervor do coração (…) esta rica articulação íntima do mundo moral que é o
Estado, sua arquitetura racional, que, pela distinção bem nítida das esferas da vida pública e de sua
respectiva legitimidade, pelo rigor da medida que sustenta cada pilar, cada arco, cada contraforte,
faz nascer a força do todo da harmonia de seus membros.”
Assim, diz Hegel, o método dialético “é a mais alta aspiração (do espírito) em se
reencontrar e em se reconhecer a si mesmo e por si mesmo no todo.”
Apossar-se do mundo pela razão é o que permite instalar na instituição do mundo a razão.
A história, pois, impõe o seu próprio caminho e a história chegou com a ordem napoleônica. A
contradição deve ser integrada pela razão como um dos seus momentos. Não se pode entender o
momento histórico sem o apelo à contradição. Uma vez que Hegel não aceita uma oposição
abstrata do ideal e da realidade, o movimento põe-se como realidade que é e que só pode ser o
que é. Vê (como Goethe) que o que chamamos de capitalismo contém tanto as condições de um
desenvolvimento quanto de uma destruição sem precedentes para a humanidade. Tudo o que se
põe no momento da condição humana não pode deixar de ser trágico, pois se o leva adiante
enquanto síntese. Na época em que vive, o Estado napoleônico e a igreja reformada formarão o
pano de fundo da sociedade contemporânea.
“O príncipe dos Estados modernos tem este poder e esta profundidade extremos de deixar
o princípio da subjetividade se realizar até o extremo da particularidade pessoal autônoma e ao
mesmo tempo revertê-la à unidade substancial e portanto, de manter esta unidade em seu
próprio princípio.” (Filosofia do Direito, § 260)
Na visão de Hegel, o desenvolvimento anárquico da sociedade civil, com as suas ambições
pessoais concorrentes, a luta pela riqueza e o aumento da miséria, tem diante de si a razão
encarnada no Estado napoleônico (o Estado burguês), uma força capaz de morigerá-la. A

46
totalidade, enquanto síntese da unidade e da negatividade, reafirma o ser em sua identidade, após
negar-se a si mesmo.
“O método não é outra coisa que a estrutura do todo exposta em sua pura essencialidade.”
E a totalidade não pode ser concebida de maneira estática: sua organicidade se dá em movimento,
em vir-a-ser. “O método é a consciência da forma que reveste o movimento interior de seu
conteúdo.” (Lógica I, pág, 40) (Enciclopédia, § 10). Não se pode conhecer antes de conhecer. Não
se pode perceber o desfecho, sem estar próximo do final. “O pássaro de Minerva só levanta voo ao
entardecer.” São as lógicas internas dos processos que nos fornecem pistas de seus desfechos,
quando os mesmos se configuram.
“O método da verdade, sabe, ele também, que o começo é imperfeito porque começo, mas
também que esta imperfeição é uma necessidade, porque a verdade não é senão o retorno a si
através da negatividade daquilo que é a imediatidade (…). Em razão do método que acabamos de
descrever, a ciência se apresenta como um círculo fechado sobre si mesmo...” (Lógica, pp. 570-
571).
Assim a circularidade é indispensável para justificar o método de desenvolvimento do
sistema. Este é em si mesmo a própria prova. Daí o caráter finalista da dialética hegeliana. O
movimento e a própria contradição ganham significado através do fim. Ao se conhecer o fim,
pode-se compreender a história do desenvolvimento. O começo – o germe – já contém a
totalidade concreta e o que ali se contém de contraditório, o motor, o elemento motriz.
Também o fato de que, em algo abordado, sob o guarda-chuva da casualidade, esse algo
não se evidencia em suas relações e, portanto, não se explica, é um dado circunstancial da
correlação histórica em que o dado se amarra. Passado o tempo, hegelianamente com isso
alterado o espaço, tal fato se ilumina por outro lado de suas relações e se torna pelo contrário,
desvendado em sua essência. Como coloca muito bem Enrico Rambaldi (Identidade/diferença,
Enciclopédia Einaudi, volume Dialética, p. 14):
“… e isto vale também para relações quantitativas inteiramente em abstrato, e não só para
as suas valências físicas: a relação geométrica entre volume e raio de uma esfera tem uma forma
de existência em si, mesmo que os homens não existissem: ‘Não se confunda a verdade de uma
proposição [matemática] com o seu vir a ser pensada! Importa evidentemente ter bem presente
isto: que uma proposição não deixa de ser verdadeira no momento em que eu deixo de a pensar,
tal como o Sol não deixa de existir no momento em que eu fecho os olhos’ [Frege 1884, trad. it. p.
216]. Para além disso, estes aspectos objetivos em si apresentam-se sempre e só em formas

47
historicamente determinadas e, portanto, diferentes entre elas, de tal maneira que bastará
simplesmente ‘olhar’ para uma expressão matemática para ‘datá-la’, exatamente como podemos
‘datar’, com um só olhar, um edifício ou uma obra de arte; e não apenas pelas diferentes formas de
notação, de escrita dos números, mas também pelos diferentes modos de conceber os números, as
incógnitas, a própria formulação dos problemas, etc. Mas em qualquer formulação historicamente
determinada está também presente, como substrato constante, o caráter em si, idealmente
objetivo da relação quantitativa: em qualquer formulação historicamente determinada, desde a de
Pitágoras a todas as outras que se lhe seguiram, a relação pitagórica entre os lados do triângulo
retângulo permanece idêntica. Importa, pois, distinguir entre o caráter em si das relações
matemáticas (quantitativas) enquanto parte do mundo (por exemplo, objetos ou relações
triangulares), o caráter em si dos entes matemáticos, enquanto tais imutavelmente idênticos a si
próprios, uma vez tenham sido derivados do mundo (por exemplo, a ideia de triângulo), e o caráter
histórico, de per si, do desenvolvimento determinado do conhecimento histórico das propriedades
matemáticas (por exemplo, a formulação do teorema dos quadrados dada por Pitágoras), e ainda
do uso destas propriedades, quer no interior da matemática, quer para o mundo (por exemplo, o
uso do teorema de Pitágoras para identificar os espaços de Euclides ou para medir as distâncias).”
Ou seja, aquilo que se apresenta, que se mostra, não o faz misticamente para que o
perceba o olhar humano, mas porque se desenvolver como fato independente sob esta forma para
manifestar essa essência, por um conjunto outro de razões. Prossegue Rambaldi:
“Existe sempre uma profunda diferença entre uma proposição matemática tomada em si
como verdadeira e a fenomenologia histórica do seu ser apreendida pelo conhecimento humano. E
se é errado defender que a relação dos quadrados ‘descoberta’ por Pitágoras não exista também
em si, ou seja, como relação objetiva que existiria mesmo que Pitágoras não tivesse existido, será,
no entanto, certamente descabido que se especule sobre a matemática não impregnada de
determinação histórica de per si, por exemplo a matemática de seres outros que não nós,
homens, ignorando o seu caráter de per si, ou que se defenda que a relação dos quadrados
descoberta por Pitágoras não tem um seu caráter ideal objetivo, de adequação a si própria e,
enquanto tal, em si: tomado na sua formulação enquanto tal, ou seja, enquanto evidenciação
analítica da propriedade dos quadrados dos catetos, o teorema não é, com efeito, suscetível de
desenvolvimento histórico, permanecendo idêntico para Pitágoras e para os seus mais longínquos
descendentes, enquanto, pelo contrário, já será diferentíssima, porque historicamente
determinada e, portanto, de per si, a posição que ao longo do tempo ele vai ocupando na

48
matemática. Também as proposições matemáticas são, pois, sobredeterminadas por
diferenciações, que podem ser isoladas no âmbito de pesquisas críticas, mas não no
desenvolvimento real. Quando ao longo da história se discutiu sobre uma matemática em si, o
discurso sobre o caráter não humano, absoluto de uma matemática ‘divina’ (por exemplo, em
Galileu, Laplace, Leibniz) era afinal sempre um modo para aprofundar criticamente a matemática
real, ou seja, a ‘humana’ e, ao mesmo tempo, para conferir dignidade e necessidade universal ao
nosso conhecimento quantitativo da natureza e, mais largamente, ao conhecimento humano.
Tratava-se, em suma, de uma reflexão crítica sobre o desenvolvimento e os fundamentos da
matemática (e da física) e não, decerto, dos prolegômenos para um tratado completamente
gratuito de aritmética absoluta, angélica ou divina. Quando é culturalmente significativa, até a
discussão sobre a matemática em si se processa, na verdade, no interior dos aspectos
sobredeterminados da matemática histórica: constitui uma tomada de consciência histórica do
caráter heurístico da compreensão quantitativa do mundo (Laplace e Galileu foram sobretudo,
físicos), exprimindo ao mesmo tempo uma relação ativa para com ele.”
Portanto, a forma como o conhecimento se apresenta e se resolve como processo ideias
para a consciência é vivo, e vivo continua no pensamento e na história do pensamento, não
importando sob que vicissitudes foi o mesmo idealmente produzido e apropriado pelo conjunto da
consciência em seu histórico. Como disse Marx, a consciência humana é o coletivo de seus
momentos. Portanto, a sua leitura é ideal, isto é, dá-se como um processo de ideias que se
desenvolve autonomamente das condições em que foi gerada a consciência de cada momento.
Como percebeu Hegel:
“Todas as coisas finitas entranham uma certa falsidade, enquanto tem um conceito e uma
existência inadequada a seu conceito. Por isso tem necessariamente que perecer, e nisso se
manifesta a inadequação entre seu conceito e sua existência.” (Enciclopédia, § 24, edição 2; Werke,
t. VI, p. 52).
Como comentado, “tudo abaixo da lua é caduco” (e acrescenta alguém, “e sobre a lua
também”). Este movimento da consciência para refazer tudo que expressa a finitude, manifesta o
esforço para obter novos entendimentos, mesmo que seja para além das condições materiais que
facultam a solução em cada momento histórico de um certo número de problemas. O desejo do
pensamento de franquear todas as barreiras é que permite à filosofia, que se tem lançado desde
sempre para lá do que lhe permitiam a química, a física e a cosmologia. Enquanto pensamento, a

49
sociedade não vê como possa seguir adiante, sendo capaz de produzir diagnósticos profundos
sobre as limitações da finitude que habita.
“No finito jamais podemos viver nem ver que o fim se alcance verdadeiramente. A plena
realização do fim infinito consiste, pois, simplesmente, em superar a ilusão de que ainda não tem
sido plenamente realizado. O bom, o absolutamente bom, se efetiva eternamente no mundo, e o
resultado disso é que realize já por si mesmo e não necessite esperar por nós.” (Enciclopédia, §
213, adição, Werke, t. VI, p. 384).
Esta possibilidade de pensar que as ideias tenham um “objeto real” pode hegelianamente
ser ultrapassada para que contenha uma “realidade objetiva”. Essa “realidade” é facultada pela
construção do sistema, que com seus componentes, permite ver o todo, por antecipação até, do
que não foi vivido: a concreção teleológica, a mediação, a dialética, são ferramentas ideais de tal
construção de onde, diferentemente de Kant, ousa encarar a hipótese da liberdade do
conhecimento final. É bem verdade que esta hipótese de Hegel continuou a viver nos pensadores
seus afiliados, os Bauer, Feuerbach, Marx, Engels… A dialética, de pé, ou plantando cambalhotas,
seguiria a pretender conceder acesso ao conhecimento, quase pleno.
Para nós, a dialética se oferece como uma lógica que nós descobrimos e que estuda as
relações reais no mundo, na sociedade e no pensamento. A dialética é uma lógica da relação,
capaz de indicar como tudo se relaciona. No entanto, ela não é apenas o que dela percebemos.
Ela é algo que está lá. No centro de todos os fenômenos, a duração ativa que se transforma no
tempo, o existir, isto é a dialética. Sob sua forma mais simples, o negativo é o outro; a contradição
é a relação. É difícil compreender-se este estado das coisas; e é difícil explicitar de seu próprio
raciocínio o estado das coisas em seu movimento para negar-se. O mundo, daí, forma um todo, um
todo que está vivo, sob diferentes formas de vida. Assim, para Hegel, toda relação real é
contradição. Uma parte, cada parte, só pode se definir em relação ao todo de que faz parte. Cada
coisa é tudo no todo que ela não é. O mundo é, pois, uma totalidade orgânica.
“Uma coisa existe em si e é ao mesmo tempo sua própria ausência ou negativo.” (Lógica, II,
pag. 68).
O finito é o que é. O cadáver da mudança. O finito e o infinito são partes, manifestações de
um mesmo universo, entre cada coisa finita e todas as outras dá-se uma ligação de determinação
recíproca no interior do todo. Todas as coisas são, ao mesmo tempo, em si, e para todas as outras
coisas, pois só existem nesta teia de relações com alguma coisa. Algo está sempre em relação com

50
todas as condições de que esse algo depende. A reciprocidade, portanto, entre, o negativo e o
positivo é absoluta.
“Sendo cada um para si, não sendo outro, ou o outro, cada um deles aparece no outro e só
é enquanto o outro é.” (Enciclopédia, § 119).
Há, daí, um condicionamento recíproco das coisas que dá surgimento a todas as
propriedades.
“A qualidade somente se torna propriedade na medida em que ela se revela, numa relação
exterior, como uma determinação imanente.” (Lógica, I, pág. 110).
A percepção da interligação entre todos os fenômenos e suas propriedades, fato já dado
para inúmeros filósofos, recebe de Hegel a pista decisiva de que tais ligações são
predominantemente interiores e se transformam por necessidades de sua interioridade. A
modificação de parte de cada um deles repercute na generalidade de seus encadeamentos,
promovendo outras diferenciações de grau, qualitativas ou quantitativas. Tais ligações se dividem,
portanto, quanto à sua estrutura, em diretas e indiretas. Quanto mais diretas, mais simples.
Quanto mais indireta, mais complexa. Aumentando o número ou diferenciando-se a qualidade de
seus graus intermediários, tanto mais complexa se verifica e se coloca para o processo de
cognição. Assim, as ligações mediatas são as de maior complexidade. Elas só podem ser
perceptíveis por meio de análise de sua mediatidade, tomada em relação a uma ligação, mais
simples. Daí que se perceba que todas as ligações necessárias têm um caráter mediato. O
conhecimento das ligações específicas e das leis do mundo só pode se dar pelo estudo científico
através de um emaranhado de disciplinas particulares, no entanto a sua indicação lógico-concreta
foi dada por Hegel em sua compreensão da dialética. No nível atual do conjunto do conhecimento
científico, todos os tipos de ligação geral entre os diferentes fenômenos se dão simultaneamente
no tempo, desenvolvendo-se de modo ininterrupto. Isto quer dizer, de acordo com a dialética, tal
qual inicialmente formulada por Hegel. Por exemplo, mesmo o movimento mecânico mais simples
representa uma ligação relativa com o tempo. A velocidade v do movimento do corpo é expressa
pela fórmula v = s / t, ou pela função s = f(t), onde s é a distância e v, o tempo.
Desta forma, é evidente que Hegel compreendeu a objetividade do desdobramento ou
desenvolvimento do mundo como um fenômeno que se dá no tempo, independentemente de
seus recursos ao simbolismo, como “vida de Deus” e o “conhecimento divino”, com que mascara –
para mim deliberadamente – a profundidade de seus estudos, ante o poder despudorado e
censurador da burocracia da época. Ao retomar e enriquecer a fórmula de Espinoza, “toda

51
determinação é negação” (Omnis determinatio est negatio), Hegel estava gritando no megafone de
seu tempo a continuidade incorruptível do discurso dos filósofos, geração após geração.
A lei da negação da negação revela o caráter progressivo e cíclico do desenvolvimento do
mundo, expressando a ligação qualitativa–quantitativa na relação entre os contrários e a
necessidade de movimento da contradição. Seu aspecto principal, portanto, é o caráter dialético
da negação, ou seja, a negação dialética. Hegel, um idealista objetivo, indicou que a maioria dos
processos de negação têm um caráter objetivo, pois se dão independentemente e fora da
consciência humana (elevando-se a consciência humana ao captá-los). Ou seja, o objeto do mundo
não é negado pelo exterior, mas por necessidade de seus próprios elementos internos. Qualquer
coisa, tanto na natureza como no pensamento, requer a existência de seu contrário – e só nisto
ambos existem! - requer daquilo que não é, do outro de si, que é, portanto, seu correlativo
necessário:
“A contradição é a raiz de todo movimento e de toda manifestação vital; é somente na
medida em que contém uma contradição que uma coisa é capaz de movimento, de atividade, de
manifestar tendências ou impulsos (…). O movimento espontâneo em geral (disposição ou nisus da
mônada, a enteléquia do ser absolutamente simples) significa somente que numa única e mesma
relação uma coisa existe em si e é ao mesmo tempo sua própria ausência ou negativo. A abstrata
identidade em si não corresponde ainda a nada de vivo, mas pelo fato de que o positivo é por si
mesmo negatividade, sai de si mesmo e se engaja em sua mudança. Uma coisa, portanto, só é viva
enquanto contém uma contradição e possui a força de abrangê-la e sustentá-la (…). A
negatividade é a pulsação imanente do movimento autônomo, espontâneo e vivo” (Lógica, II, pp.
67-68-70).
Ao afirmar que o pensamento é o criador de todo o mundo real, Hegel se coloca na
“legalidade filosófica” de duas formas: (a) exagera a percepção de Kant de que o pensamento é o
legislador do mundo conhecível, de certa forma driblando a barreira kantiana entre conhecível e
inconhecível; (b) “sugere” que a dialética, sendo a ordem do pensamento, é atribuída pelo
pensamento às avessas, pela leitura que dá significado às coisas. No entanto, esta característica (b)
é apenas uma “aparência” de sua filosofia, porque, como Hegel ensinou, “as coisas não são o que
aparentam ser”. Em toda parte e em todo momento, o filósofo nos afirma que a dialética é um
atributo que dá existência a todas as coisas vivas, (como o planeta Terra de Schelling…) e pronuncia
todas as coisas como vivas, porque estão no movimento perpétuo de transformação, qual lhes faz
a dialética. Trabalhando a categoria do finito, Hegel unifica todo o existente (pedra, planta,

52
pensamento) como tendo significação como parte do todo. Tudo morre e se decompõe no todo,
até o espírito, que experimenta a negação que todo ser traz em si mesmo, e o obriga a se superar.
A dialética, como lógica da vida, move as relações internas de uma totalidade orgânica em vir-a-
ser:
“A ideia imediata é a vida.” Enciclopédia, § 216 e Lógica, II, p. 467.) “A própria ideia é a
dialética que eternamente separa e distingue o idêntico em si do diferente (…) e nesta condição é
somente criação eterna, vida eterna e eterno espírito (…) a intuição eterna de si no Outro; é a
noção que se realizou em si mesma em sua objetividade essencial.” (Enciclopédia, § 214, R.)
Ou seja, o movimento dialético, leva as coisas para além de si mesmas, para o infinito. Põe-
se, portanto, a dialética do finito e do infinito.
“É a razão pensante que aguça, por assim dizer, a diferença indistinta entre os elementos
do real e a simples variedade de sua representação para transformá-los em oposições formais, em
contradições. Somente quando estão assim transformadas em contradições, essas diferenças se
verificam, opondo-se uma às outras, e recebem, pela contradição, o princípio negativo que dá à
vida seu movimento.” (Hegel, Grande Lógica, IV, p. 71)
As coisas, pelo movimento que lhes dá existência (a dialética) tendem a negar a sua
contradição enquanto finitas e querem se propor para além de si mesmas, para o infinito. De
negação em negação, do abstrato ao concreto, do contingente ao necessário, do finito ao infinito,
dá-se cada termo que contém todos os momentos anteriores sintetizados por sucessivas
ultrapassagens (superações). Aí se gera o sistema de conceitos que identificam o real em sua
totalidade, ou seja, Deus. Dá-se dessa maneira para o filósofo a hierarquização da forma dos seres
(experiências do processo de conhecimento de si mesmo) pela sua relativa perfeição de
racionalidade ou, portanto, de realidade. O saber absoluto pode então nascer. Dá-se, portanto,
que a própria atividade produtora do ser e do conhecimento é contraditória. O conhecimento e o
querer dão a finalidade interna de uma substância que é sujeito. O que é uno, ao se desdobrar,
supera a sua própria contradição. O espírito se reconhece nas coisas porque ele as criou. A
dialética é método do movimento e do conhecimento do movimento.
“A coisa sou eu” (Fenomenologia do Espírito, II, p. 296)
O espírito conhece em si mesmo sua própria negação e seu próprio limite. Eis a
contradição.
“Uma coisa existe em si e é ao mesmo tempo sua própria ausência ou negativo.”
(Lógica, II, p. 68).

53
O finito não tem significado senão em relação ao infinito. Recordemos que:
“Sendo cada um para si, não sendo o outro, cada um deles aparece no outro e só é
enquanto o outro é” (Enciclopédia, § 119).
Ou ainda:
“A qualidade somente se torna propriedade na medida em que ela se revela, numa relação
exterior, como uma determinação imanente.” (Lógica, I, p. 110).
Ou seja, o correlativo necessário é a condição de existência de tudo o que possa vir a ser:
“Há determinação recíproca do finito e do infinito; o Finito só é finito com relação ao dever-
ser ou ao Infinito, e o Infinito somente é infinito com relação ao Finito. Eles são inseparáveis e, ao
mesmo tempo, reciprocamente ‘outros’; cada um deles contém em seu interior o seu outro; é
assim que cada um é a unidade que compreende a si mesmo e seu outro e pode ser definido como
uma existência destinada a não ser o que ela é em si mesma nem o que é seu ‘outro’. É esta
determinação recíproca que consiste na negação de si mesmo e de sua negação, que se apresenta
como a progressão ao infinito… Esta progressão constitui assim a contradição que não se reduz
mas de que sempre se fala para constatar sua existência.” (Lógica, I, p. 114).
Ou seja, que as coisas que estão postas não são elas mesmas senão no infinito, mas que
no finito são o seu contrário, isto é, são apenas temporárias, enquanto progressivamente deixam
de ser. No infinito, contudo, também não serão elas mesmas, mas momentos de um movimento
que é vir a ser. Esta é a verdade da natureza e da história com relação a tudo que não foi de si
senão outra coisa, isto é, tudo que tem existido. Eis a contradição viva de tudo que foi e será.
“A negatividade… é a fonte interna de toda atividade, de todo movimento espontâneo, vivo
e espiritual.”
(Lógica, II, p. 563)
À diferença de Kant, a fenomenologia do espírito humano, profundidade mediada, não se
detém. É liberdade puramente transcendental, que se põe no conteúdo limite do absoluto. A
pressuposição da história como passado e como futuro (que é aonde a história conduz) busca
ultrapassar um ideal pretensamente realizado. Há nisso um postulado empírico, ainda não
efetivado, que em parte contém uma esperança quanto ao futuro. A totalidade histórica do mundo
hegeliano manifesta esta oportunidade de esperança como um lugar que não pode ser abstrato,
dualista, inalcançável e absoluto.
Mover assim este traço processual hegeliano, a coordenação entre a identidade mediada
de si e, de outra parte, a profundidade do genuíno, do absoluto, o próprio si ao término de seu

54
processo, se configura junto ao espaço que se abre no mundo, em que seus objetos objetivados
estão (ou se dão) livres de toda alienação. As pluralidades que se põem se ordenam segundo sua
relação mais longínqua ou mais remota, mais entorpecedora ou mais produtiva, válidas para o
sistema em aberto. Daí tudo que advém ou se coloca pelo caminho, não vem de forma casual, mas
em processo, em desfile da identidade mediada, que se tornam elas cada vez mais alegóricas e
simbólicas, estruturando-se objetivamente do ser em si e para si. A casualidade que se manifesta
se coloca em sua efetivação. É a individualidade limitada do filósofo, em sua breve vida como
individualidade, que traz à tona estes detalhes sim, aqueles, não, como exemplos do movimento
processual rumo à identidade.
Aquilo que pode ser indicado, tudo que se propõe resultar de indicativo e aconselhável,
tem seu limite provisório como algo fixo e definitivo; há portanto, que buscá-lo em outra parte,
realiter que se oculta contudo para si mesma. Nada é fácil, nem está posto a descoberto. Pela
mesma movimentação, aquilo que se põe, a predicabilidade, existe por sua tendência e por seu
processo. Embora próxima do conteúdo final, move-se no obscuro de seu movimento. Portanto,
está quase aí, mas não se põe, não se tem posto. O que pudesse ser seu conteúdo final, seu
momento de chegada, é quase posto e é quase negado a se pôr. Põe-se, portanto, para lá do limite
da predicabilidade, porque ainda não existe. Está em estádio perfeitamente indefinível, não é
ainda latente. Neste grau de realidade de difícil definição e localização, porque efetivamente ainda
não existe, é que existe, e se põe em seu limite. Separa o que é possível tornar-se, separa o
abstrato do concreto, o que pode vir-a-ser e o que se propõe como ainda não vindo (ou advindo).
Aí reside, de novo, duas atualizações do que é realmente possível: uma delas se perfila com
clareza; a outra, mantém-se na distância, pertence ao término que é final.
Eis que o não-fechar-se revela o verdadeiro caráter aberto do mundo, e permite entender
de toda sistemática que possa concebê-lo sem marchar ou desviar sua luz. O aparentemente
acabado, que o modelo de tudo que é fechado, tudo que se apresenta como leis férreas e eternas,
dá a conhecer o trabalho do processo como o todo que se manifesta no intendere radical, e na
alienação repudiada que mantém o campo da história aberto, como conceitual e como trabalho,
até chegar a um resultado efetivo. O conteúdo que corresponde à totalidade em processo, vê-se
apenas como esboço, em virtude de que o processo persiste enquanto criador. Tem-se então que a
liberdade para o que é genuíno se dá, efetivamente, como possibilidade real. Este é um estádio
latente, que não impede, portanto, a liberdade em marcha processual, nem impede que se
coloque o sistema aberto de liberdade. Esta é considerada em sua determinação final do para quê,

55
é ela que deixa a porta aberta ao vir-a-ser e à entrada do genuíno. Como diz Hegel, “o mesmo que
a revelação da profundidade”, ou seja, a profundidade como do eu mesmo, que “já não leva algo
posto em si, aderido nada objetivo, como algo estranho.”
“Assim, a relação que é a revelação da profundidade da revelação, intervém neste
completamente aberta como forma de auxílio, o grande motivo do omnia ubique. Pode-se dizer
que em todas as partes do universo se refletisse como unidade uma totalidade acabada. Diz
Hegel, da forma de harmonia pré-estabelecida em todas as coisas (de Leibniz):
“Deus é, portanto, algo assim como o vertedouro em que confluem todas as contradições.”
(Werke, t. XV, p. 472).
Mas não se vê assim de nenhum outro modo, como se do resolvido resultado real se
comunicara a omnia do totum às pluralidades. Isso de um modo que lograsse representar uma
utopia viva, a intentio que se dirige a cada momento e por toda parte ao genuíno, contudo ainda
não chegado, seja como tal ou seja como marcha através do processo, como explica Bloch, e que
bloqueia a sua possibilidade de universo.
Tais conceitos são o limite da ordenação dialética processual do caminho, e paralelamente,
seu ponto de parada sistematicamente determinável. Um processo vai precisando com esforço
reprodutor o seu conteúdo de luta, superando as suas potencialidades fechadas e abertas. Aqui
cada coisa transcende para lá de si mesma, pois se acha em movimento para superação.

Bibliografia:
(1) Gunnar Aspelin – Hegels praktiska filosofi under aren 1800-1803 (Lund, 1925)
(2) Enciclopedia EINAUDI – Dialética - vol.10. Casa da Moeda, Lisboa, 1988.
(3) Immanuel Kant – Crítica da Razão Prática – Brasil Editora – São Paulo, 1959.
(4) Coleção os Pensadores – Schelling; Fichte; Hegel.
(5) Nicola Abbagnano – Dizionario di Filosofia – UTET – Turim, 1971.
(6) Aleksander Cheptulín – Catégories et lois de la dialectique – Ed. du Progrès – URSS, 1973.
(7) Hegel Sãmtlicher Werke (HSW) – Leipzig: Meiner e Lasson – 18 vols. (1905 – 1944).
*

56

Você também pode gostar