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A ESTÉTICA DE SCHELLING, ENTRE LIBERDADE E NECESSIDADE: O

CARÁTER TRÁGICO E O HOMEM ROMÂNTICO


Ana Cristina Alvarenga Alves de Sousa (Aluna em Iniciação Científica Voluntária/
Bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Filosofia), Luizir de Oliveira
(Orientador, Depto de Filosofia – UFPI)

1. Introdução

Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) está entre os mais inquietos e mais
influentes idealistas alemães, possuindo um volumoso e variado trabalho, que dá mostras de
que ele não se reteve em uma só área da filosofia. Suas principais obras são: o Sistema do
Idealismo Transcendental; Representação do meu Sistema (primeira fase, filosofia da
identidade); Filosofia e Religião; Pesquisas Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana
e os Objetos Conexos com Esta (segunda fase, filosofia da liberdade).

Anteriores aos Cursos de Estética de Hegel, as lições de Schelling sobre filosofia da


arte são uma enorme tentativa de sistematizar as artes e os gêneros poéticos, e de fazer um
balanço da reflexão estética até o início do século XIX. O livro Filosofia da Arte, tradução de
suas lições ministradas em Jena e Würzburg, entre 1802 e 1805, usado aqui como fonte base
para o desenvolvimento desta pesquisa, atesta a originalidade das ideias de Schelling,
chamando a atenção para a importância da mitologia ao considerá-la como o protótipo
supremo do mundo poético ou ao afirmar que a mitologia é condição necessária e matéria
primeira de toda arte.

Schelling, então, ressalva que somente a filosofia pode abrir de novo as fontes
primordiais da arte para a reflexão, que em grande parte estancaram para a produção em
escala. Somente mediante a filosofia podemos ter esperança de alcançar uma verdadeira
ciência da arte, não como se a filosofia pudesse conceder o sentido que só um Deus pode
conceder, não como se ela pudesse emprestar juízo àquele a quem a natureza o recusou, mas
porque exprime, de uma maneira imutável, em ideias, aquilo que o verdadeiro senso artístico
intui no concreto, e por meio do qual o juízo genuíno é determinado.

2. Metodologia
Tratando-se de uma investigação extremamente teórica, o trabalho foi desenvolvido por
meio da leitura de textos específicos de Schelling e, a partir dessa primeira aproximação dos
textos-base, procuramos tornar possível o desenvolvimento do diálogo entre o autor estudado
e seus intérpretes mais importantes.

3. Resultados e Discussão
Desde o início de sua atividade filosófica, como testemunham as Cartas Filosóficas
sobre o Dogmatismo e o Criticismo, de 1795, Schelling deparou-se com o problema da
contradição e/ou oposição entre natureza e espírito, necessidade e liberdade; e também desde
o início enxergou o pensador na arte não uma via, mas talvez a única via para a resolução
dessa dicotomia. Consideramos importante manter no horizonte desta nossa reflexão que a
concepção de divindade em Schelling tem por base a concepção de Espinosa, ou seja, é
panteísta, o que significa que Deus, o Absoluto, para ele, está em todas as coisas, que dele
tudo emana.

Necessidade e liberdade se relacionam como consciente e inconsciente. Quando


sujeito e objeto, homem e Natureza tocam-se, tornam-se uma unidade na experiência estética.
A arte aqui se baseia na identidade da atividade consciente e inconsciente. A perfeição da obra
de arte como tal aumenta na proporção em que contém expressa em si essa identidade, ou em
que nela intenção e necessidade se interpenetraram. Por um lado, Schelling se preocupa em
superar a dicotomia liberdade/necessidade para que, enfim, possa afirmar a liberdade. Para
ele, a tragédia é um agente unificador entre liberdade e necessidade.

A tragédia honra a liberdade, porque nela se mostra a possibilidade suprema da


afirmação da liberdade; por outro lado, a tragédia apenas honra a liberdade, porque, sendo
ainda a intuição do Absoluto mediada pela objetivação de um particular, a vontade livre do
herói trágico em conflito em seu destino singular, e, mais ainda, em uma obra de arte particular,
a tragédia, bem como toda obra de arte, não pode pretender ser a exposição plena do
Absoluto, ou seja, do universo em sua totalidade, tarefa esta reservada à filosofia.

Na tragédia, um estilo literário do drama, o conflito entre necessidade e liberdade é tão


real que ele só pode ser mostrado objetivamente, quer dizer, como o próprio conflito que ocorre
no sujeito e se exterioriza em suas ações por força da necessidade. A perspectiva, ou melhor,
a própria produção do belo artístico no interior da tragédia não cabe a um narrador, mas se
encontra no próprio enredo como possibilidade do sujeito de corresponder à sua natureza livre
– diferentemente da epopeia, na qual há um narrador, uma figura que, no poema, responde
pela produção, pela exposição das ideias ao longo dos episódios e por intermédio das
personagens, sendo ele mesmo indiferente em relação à ação – a qual ele experimenta apenas
diante do limite imposto pela necessidade, assuma ela a forma de um castigo imposto pelos
deuses a um indivíduo ou família, ou assuma a forma da lei.

De acordo com a forma da tragédia construída por Schelling, o conflito entre


necessidade e liberdade, que nasce da separação e consequente oposição de ambos, deve
ser de tal forma que, por esse conflito, tanto uma como outra possam se mostrar em sua
indiferença. Isto não ocorre como uma resolução no sentido de um acordo, de um meio termo
entre o que pode a liberdade e o que impõe a necessidade, mas acontece afirmando-se cada
qual em sua diferença objetiva, e, contudo, nessa afirmação mostrando-se como o mesmo. A
resolução do conflito estaria, portanto, não na transformação, isto é, na derrota ou vitória de
uma ou de outra, mas sim, no reconhecimento de sua indiferença. O próprio da liberdade é
querer o bem; a necessidade só pode a ela se opor se lhe inflige o mal, mas um tipo de mal
que corresponda ao bem supremo que quer a liberdade.
4. Conclusão
A presente pesquisa buscou expor até onde se mostrou possível a abordagem de
Schelling dentro do panorama da relação entre liberdade e necessidade, acerca de como o
trágico se apresenta nessa relação. A relação entre liberdade e necessidade se efetiva, como
mostra Schelling, pela tragédia, um estilo literário do drama, presente nas poesias. Schelling
não coloca a tragédia como um imperativo moral para o homem, mas nela apreende a imagem
mais elevada do limite que é, ao mesmo tempo, o começo da liberdade; e desde essa imagem,
talvez, a liberdade pode retornar à sua medida, isto é, à finitude que a cada qual cabe
experimentar

Palavras-chave: Necessidade. Liberdade. Tragédia.

5. Referências Bibliográficas
BARBOZA, Jair. Infinitude subjetiva e estética: natureza e arte em Schelling e Schopenhauer.
São Paulo: Ed. UNESP, 2005.

HERWITZ, Daniel. Estética: conceitos-chave em Filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2010.

MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de janeiro: Jorge


Zahar Ed., 2006.

PUENTE, Fernando Rey, VIEIRA, Leonardo Alvez. As filosofias de Schelling. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2005.

SCHELLING, F. W. J. Filosofia da Arte. Tradução: Márcio Suzuki. 1 ed. 1 reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2010. (Clássicos; 23)

SCHELLING, F. W. J. Obras escolhidas. Trad. e org. de Rubens Rodrigues Torres Filho. São
Paulo: Nova Cultural, 1989 em col. Os Pensadores.

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