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Tristão e Isolda, Arthur Schopenhauer e Richard Wagner:

Música e essência em forma de ópera


Tristan and Isolde, Arthur Schopenhauer and Richard Wagner:
Music and essence in the form of opera

Sidnei Oliveira*

Resumo: A partir da metafísica da música, ou melhor, da ilosoia da música schopenhaueriana apre-


sentada em O mundo como vontade e como representação, mais especiicamente no terceiro livro, onde
Schopenhauer discorre sobre a metafísica das artes, é possível dialogar diretamente com Tristão e Isolda.
Após ter acesso à ilosoia de Schopenhauer, Richard Wagner passou a considerar-se um schopenhaue-
riano. Tais airmações são possíveis localizar em cartas, escritos estéticos, obras literárias, assim como
em suas óperas, ou como ele as chamava – drama wagneriano. Tristão e Isolda é o seu primeiro drama
onde utilizou a ilosoia schopenhaueriana, tanto no libreto como na música, sendo o Acorde de Tristão o
principal meio de analisar a ilosoia da música de Schopenhauer em seu drama. O objetivo deste artigo
é justamente mostrar como perceber e analisar o Acorde de Tristão, assim como o drama Tristão e Isolda
aos olhos da ilosoia da música de Schopenhauer.
Palavras-chave: Schopenhauer, Wagner, Ópera, Tristão e Isolda, Acorde de Tristão.

Abstract: From the metaphysics of music, or better, of the philosophy of music schopenhauerian pre-
sented in he World as Will and Representation, more speciically in the third book, where Schopenhauer
discusses the metaphysics of the arts, it is possible to dialogue directly with Tristan and Isolde. Such
airmations are possible to locate in letters, aesthetic writings, literary works, as well as in his operas, or
as he called them – wagnerian drama. Tristan and Isolde is his irst drama where he used Schopenhauer’s
philosophy, both in the libretto and in music, with the Tristan Chord being the main means of analyzing
the philosophy of Schopenhauer’s music in his drama. he objective of this article is precisely to show
how to perceive and analyze the Tristan Chord, as well as the Tristan and Isolde drama in the eyes of
Schopenhauer’s music philosophy.
Keywords: Schopenhauer, Wagner, Opera, Tristan and Isolde, Tristan Chord.

O Mundo em Tristão e Isolda


Discorrer sobre Tristão e Isolda é ao mesmo tempo prazeroso e complexo, pois poucas
óperas possuem tantos artigos e livros dissertando sobre sua magnitude orques-
tral, dramática e ilosóica. Por essa razão, a ópera em três atos de Richard Wagner
representa na história da música e do compositor, um relevante progresso. Algumas
questões importantes devem ser observadas quando falamos sobre Wagner e sua
obra Tristão e Isolda, a saber, a colocação divergente de sua teoria apresentada em
Oper und Drama (Ópera e Drama), a relação ilosóica schopenhaueriana, os temas
marcantes como noite e dia, amor e morte, assim como, o rumo que a música tomou

*Universidade Estadual de Campinas. E-mail: violaoliveira@yahoo.com.br.

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a partir da composição do Acorde de Tristão. São pontos substanciais, dos quais,


Wagner demonstrava em seus escritos e cartas, estar consciente da mudança que
estava realizando em sua ilosoia de trabalho.
Schopenhauer em sua principal obra, O Mundo como vontade e como Representação,
mais especiicamente no terceiro livro, desenvolveu uma teoria que segundo ele, é
possível dar a devida importância para a obra do gênio, isto é, a arte. A partir de
tais considerações, Schopenhauer pode dividir e qualiicar as artes de modo que,
foi possível dentro de sua ilosoia, deinir uma hierarquia entre as artes plásticas,
a poesia e a música.

Entretanto, qual modo de conhecimento considera unicamente o essencial


propriamente dito do mundo, alheio e independente de toda relação, o
conteúdo verdadeiro dos fenômenos, não submetido a mudança alguma
e, por conseguinte, conhecido como igual verdade por todo tempo, numa
palavra, as IDEIAS, que são objetidade imediata e adequada da coisa-em-
si, a Vontade? – Resposta: é a ARTE, a obra do gênio. (SCHOPENHAUER,
2005, p. 253).

O gênio através da arte é capaz de representar as Ideias, pois é o único meio do qual
o artista se aproxima da arte, pois não está vinculada ao princípio de razão, e sim,
no processo genial da criação. Essa proximidade do gênio artista e sua arte se dá de
maneira puramente intuitiva, um momento que o sujeito se desliga do seu querer e
ains, ou seja, da vontade. A arte deve ser criada em um momento, onde não há tempo
nem espaço, não há lógica nem raciocínio, pois desta forma, haveria a intermediação
do intelecto, a tentativa de abarcar, de entender o processo de criação. Com isso é
possível facilitar a exposição das Ideias através de uma satisfação artística, mas tal
satisfação e exposição de Ideias, somente o gênio artista está apto a realizar, pois
ele teve acesso somente à Ideia, libertando-se de todas as imagens e conhecimentos
que o seu intelecto pode englobar do mundo visto por seus olhos. Este procedimento
de constituição da arte, não está ligado ao belo ou ao sublime, pois é um átimo de
inspiração em que não há um conlito de conhecimento das Ideias. Tanto o belo
quanto o sublime só podem ser vivenciados em uma arte inalizada, pois necessitam
de um indivíduo que, no decorrer de sua contemplação pela obra de arte, acontece o
desprendimento do puro conhecimento para o sublime, ou a preponderância do puro
conhecimento para o belo. Como é possível observar nas palavras de Schopenhauer:

No belo o puro conhecimento ganhou a preponderância sem luta, pois


a beleza do objeto, isto é, a sua índole facilitadora do conhecimento da
Ideia, removeu da consciência, sem resistência e portanto imperceptivel-
mente, a vontade e o conhecimento das relações que a servem de maneira
escrava: o que aí resta é o puro sujeito do conhecimento, sem nenhuma
lembrança da vontade. No sublime, ao contrário, aquele estado de puro
conhecimento é obtido por um desprender-se consciente e violento das

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relações do objeto com a vontade conhecidas como desfavoráveis, mediante


um livre elevar-se acompanhado de consciência para além da vontade e
do conhecimento que a esta se vincula. Uma tal elevação tem de ser não
apenas obtida com consciência, como também mantida com consciência,
sendo, assim, acompanhada de uma contínua lembrança da Vontade, porém,
não de um querer particular, individual, como o temor ou desejo, mas da
Vontade humana em geral, tal qual esta se exprime em sua objetidade, o
corpo humano. (SCHOPENHAUER, 2005, p. 274).

Wagner após ler O Mundo como vontade e como representação, provavelmente sentiu-se
mais à vontade em suas decisões e airmações sobre sua obra, principalmente se tra-
tando da Gesamtkunstwerk (Obra de arte total). Mesmo que tenha utilizado o termo
que deine sua obra de arte total entre 1849-1851 quando escreveu Das Kunstwerk der
Zukunft (Obra de arte do futuro), antes de conhecer Schopenhauer, foi importante
a imersão na metafísica schopenhaueriana, pois pode apoiar-se em uma ilosoia
da qual pactuava. É possível identiicar a inluência de Schopenhauer em alguns
escritos de Wagner, principalmente nas últimas óperas, mas, também encontramos
algumas divergências. A música na ilosoia de Schopenhauer, por exemplo, está em
um patamar acima do que a música wagneriana. Para Wagner, a música tornou-se
um meio essencial e indispensável na conclusão de seus dramas, enquanto que para
Schopenhauer, a música não pode ser utilizada para um determinado im, simples-
mente porque a música é a ação imediata da vontade; logo, este é o motivo pelo qual
a música não pertence ao quadro de hierarquia apresentado por Schopenhauer em
sua teoria sobre a objetivação da vontade. Vejamos a explicação do ilósofo sobre o
motivo da música não pertencer à mesma classe que as demais artes:

A objetivação adequada da Vontade são as Ideias (platônicas). Estimular


o conhecimento delas pela exposição de coisas isoladas (que as obras de
arte ainda sempre são) é o im de todas as demais artes (o que só é pos-
sível sob uma mudança correspondente no sujeito que conhece). Todas,
portanto, objetivam a Vontade apenas mediatamente, a saber, por meio
das Ideias. Ora, como nosso mundo nada é senão fenômeno das Ideias
na pluralidade, por meio de sua entrada no principium individuationis
(a forma de conhecimento possível ao indivíduo enquanto tal) segue-se
que a música, visto que ultrapassa as Ideias e também é completamente
independente do mundo fenomênico, ignorando-o por inteiro, poderia por
certa medida existir ainda que não houvesse mundo – algo que não pode
ser dito a cerca das demais artes. De fato, a música é uma tão IMEDIATA
objetivação e cópia da VONTADE, como o mundo mesmo o é, sim, como
as Ideias o são, cuja aparição multifacetada constitui o mundo das coisas
particulares. A música, portanto, de modo algum é semelhante às outras
artes, ou seja, cópia de Ideias, mas CÓPIA DA VONTADE MESMA, cuja
objetidade também são as Ideias. Justamente por isso o efeito da música
é tão poderoso e penetrante que o das outras artes, já que estas falam
apenas de sombras, enquanto aquela fala da essência. (SCHOPENHAUER,
2005, p. 338-339).

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O Acorde de Tristão
As aberturas das óperas de Wagner possuem uma dimensão e qualidade que se
sobressai quando comparadas as demais óperas, sejam anteriores, contemporâneas
ou posteriores ao compositor. Wagner estava ciente da importância que possuía a
abertura de uma ópera, ou seja, não era apenas um determinado tempo estipulado
para uma música instrumental preparar o início do drama; a abertura fazia parte
do todo no drama. Era na abertura que eram apresentados os primeiros Leitmotive,1
para depois serem desenvolvidos na ação dramática. Em Tristão e Isolda, os Leitmotive
apresentados na abertura, algo que só é possível reconhecer após o início das pri-
meiras cenas de cada ato, mostrou o quanto Wagner estava além de seu tempo, pois
logo de início nos dois primeiros compassos, o compositor desenvolveu uma tensão
harmônica sobre um acorde que revolucionou a harmonia tonal. Esse acorde que
icou conhecido pelo nome do protagonista da ópera, Acorde de Tristão, foi durante
muito tempo o motivo de discórdias entre pesquisadores e musicólogos. Em Magee
é possível observar a importância do Acorde de Tristão, pois o autor o deine como o
acorde mais famoso na história da música.

O primeiro acorde de Tristão, conhecido simplesmente como ‘o acorde


de Tristão’, continua a ser o mais famoso e único acorde na história da
música. Ele contém dentro de si não uma, mas duas dissonâncias, criando
na audição um duplo desejo agonizante em sua intensidade para a resolu-
ção. O acorde que se desloca para resolução de uma dissonância, mas não
de outra, deste modo, provendo uma resolução-ainda-não-resolução. E
assim a música prossegue: em cada mudança de acorde algo está resolvido,
mas não tudo; cada discórdia é resolvida em busca de uma maneira em
que outra discórdia seja preservada ou criada uma nova, assim o fez cada
momento no ouvido musical, está parcialmente satisfeito e ao mesmo
tempo frustrado. E isso acarreta ao longo de toda noite. Apenas em um
ponto tudo é discórdia resolvida, e está no acorde inal da obra; e claro, é
o im de tudo - os caracteres e o nosso envolvimento, o trabalho e nossa
experiência com eles, tudo. O resto é silêncio. (MAGEE, 2000, p. 208-209).

Para darmos sequência com o Acorde de Tristão, nos apropriamos de uma análise
harmônica realizada por Ricciardi, pois segue de acordo com as palavras de Magee:

1 Um processo composicional, do qual o tema instrumental tem a função de preparar a cena dramática.
Wagner fez dos Leitmotive uma marca na composição de seus dramas, muitos dos Leitmotive passam
despercebidos pelo espectador, por vezes é necessário assistir a ópera mais de uma vez para reconhecer o
momento em que o Leitmotiv ganha importância na obra. Ao mesmo tempo em que este recurso foi muito
bem explorado por Wagner, mostra o distanciamento da ilosoia de Schopenhauer, pois não há outra
razão nos Leitmotive, senão preparar a entrada do ator/cantor na cena especiicada, algo que demonstra
a música como subalterna à poesia, ao libreto, ou, por exemplo, o fator psicológico, dinâmico e emocional
causado por determinados Leitmotive.

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Figura 1. Tristão e Isolda, Richard Wagner, compassos 1-4.

Para os pesquisadores que se preocupam em localizar os Leitmotive, nesses quatro


primeiros compassos, além do famoso Acorde de Tristão, é possível identiicar o
Seufzermotiv e também o Sehnsuchtsmotiv, como vemos na igura2 abaixo:

Figura 2. Tristão e Isolda, Richard Wagner, compassos 1-4.

2 Nesta igura o crítico musical Maschka reescreveu a partitura, alterando os locais dos instrumentos
para facilitar a visualização do Acorde de Tristão. Segundo Maschka, a linha do Violoncelo no primeiro
pentagrama com as notas Lá, Fá, Mi e Ré#, é a melodia do Seufzermotiv, enquanto a linha do primeiro
Oboé no terceiro pentagrama com as notas Sol#, Lá, Lá# e Si, pertence ao Sehnsuchtsmotiv. No primeiro
tempo do terceiro compasso está o Acorde de Tristão.

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No inal do século XIX, essa tensão harmônica era totalmente desconhecida; uma
sonoridade que o ouvido não identiicava a resolução, pois todos já estavam acostu-
mados com as cadências utilizadas pelos compositores contemporâneos de Wagner.
A ópera Tristão e Isolda seria reconhecida como uma obra para além de seu tempo,
apenas por esse motivo, mas Wagner seguiu seu ímpeto musical e sua curiosidade
ilosóica. Em relação à música de Tristão e Isolda, Wagner trabalhou várias tensões
harmônicas que iniciaram no começo do prelúdio, se desenvolveram no decorrer
dos atos, e apenas no inal da ópera pode resolver algumas dessas tensões, como
por exemplo, o mesmo Acorde de Tristão que inicia o prelúdio, aparece novamente
no inal, mas será apenas no desfecho da ópera, que ele receberá uma resolução.
O segundo ato de Tristão e Isolda é recebido pela maioria dos críticos, como sendo
o ápice de todo o drama, seja ele na parte musical ou dramática. O diálogo de apro-
ximadamente quarenta minutos entre Tristão e Isolda neste mesmo ato, apresenta
o amor que ambos realmente sentem um ao outro e, não apenas isso, mas também
um dos principais pontos que podemos relacionar a ilosoia schopenhaeuriana –
a noite e o dia – que direcionam Isolda a tomar sua decisão quando questionada
por Tristão sobre o destino de ambos. Wagner tenta mostrar nesse jogo entre dia
e noite, o amor ao qual só é possível chegar através da morte, uma representação
da ilosoia de Schopenhauer, quando o mesmo discorre sobre o estado de sonho e
de vigília, pois, para o ilósofo, a vida pode ser considerada um sonho e a morte o
despertar do mesmo. É possível fazer uma analogia entre termos wagnerianos e os
de Schopenhauer: dia e sonho, vigília e noite, podendo ser compreendidos na esfera
da metafísica da morte, onde só a partir deste seria possível viver o amor verdadeiro.
Para Simonsen, o diálogo do segundo ato apenas renova o pacto de morte que não
foi mencionado no primeiro, mas sim, implícito.

No segundo ato, os amantes continuam vivos, mas enredados naquilo


que sabem ser um amor impossível. O extraordinário dueto é o confronto
entre a intolerância do Dia e as sublimes delícias da Noite. O Dia, no caso,
simboliza o mundo real, em que não há espaço para o amor entre Tristão
e Isolda. A Noite, um mundo imaginário, ao qual só se pode chegar pela
morte. Ou seja, o dueto do segundo ato simplesmente renova o pacto de
morte do primeiro. (SIMONSEN, [s.d.], p. 9-10).

No início do segundo ato, Brangäne e Isolda prestam atenção ao som das cornetas que
aos poucos somem na loresta, pois Tristão virá ao encontro de Isolda, nada relevante,
até que Brangäne manifesta no diálogo a importância da noite nesse ato, “Porque
você cegou, se iludiu com a visão do mundo ruborizada para vocês?” (WAGNER,
2005, p. 32). Brangäne, por não estar cega de amor como Isolda, consegue ver além
da pura ilusão amorosa, ou seja, reconhece o perigo que está em jogo, à ameaça que
Melot proporciona para ambos os protagonistas. Mas Isolda não escuta Brangäne e
ordena que de o sinal para que Tristão venha ao seu encontro. Antes de Isolda dar

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o sinal a Tristão, Brangäne mostra-se arrependida pelo ato ter trocado as poções,
“Essa infeliz bebida! Que eu iniel, apenas uma vez a senhora enganei! Surda e cega
eu obedeci – seu trabalho foi em seguida a morte: pois sua vergonha, sua desgraça
– meu trabalho, eu devo a culpa saber!” (WAGNER, 2005, p. 34). Mas Isolda ignora
a declaração de sua conidente, apenas diz a mesma que ela não conhece o verda-
deiro amor, e que não é o poder da bebida mágica, mas sim o desejo de ter Tristão
consigo. Podemos relacionar essa ação de Isolda com a ilosoia de Schopenhauer,
pois mesmo com todas as tentativas de Brangäne em alertar o perigo do encontro
com Tristão, Isolda segue adiante com o plano. Para Schopenhauer, há um motivo
para ignorar a razão ou simplesmente não perceber outra coisa senão o objeto do
amor: o impulso sexual.

Metade das forças e pensamentos da parte mais jovem da humanidade


leva continuamente, o objetivo inal de quase todo esforço humano, que
é alcançado sobre as mais importantes questões de inluências adversas,
as ocupações sérias interrompem a cada hora, às vezes coloca por algum
tempo até as maiores cabeças em confusão, não evita entrar entre nego-
ciações dos homens de Estado e nas pesquisas de eruditos importunando
com seus tarecos, compreende suas pequenas cartas de amor e seus cabelos
encaracolados introduzido nas pastas ministeriais e nos manuscritos ilo-
sóicos, não menos que todos os dias, instiga o pior e confuso comércio,
dissolve as mais valiosas relações, rompe os laços mais estáveis, às vezes
toma por vítima a vida ou a saúde, às vezes a riqueza, a posição e a felici-
dade, sim, além disso, faz do honesto um inescrupuloso, do até agora iel
um traidor, portanto, em toda cena como um demônio hostil, para tudo
intervir, está o esforço para confundir e transtornar – já que isso nos leva
a exclamar: Para que o barulho? Para que o ímpeto, o bramar, o medo e a
alição? Essa questão trata-se simplesmente, que cada João encontre sua
Maria. (SCHOPENHAUER, 1960, p. 681-682).

Considerações inais
O caminho metafísico é traçado por uma única razão em Tristão e Isolda, a saber, por
não poderem usufruir da vontade, por não conseguirem que suas vontades sejam con-
cretizadas. Wagner escolheu esse caminho em Tristão e Isolda, para de alguma forma
aproximar seu drama da ilosoia de Schopenhauer: a possibilidade de negar a vontade.
Se para compreendermos a metafísica de Tristão e Isolda, que Wagner desenvolveu com
base ilosóica, mesmo que seja um “Schopenhauer do centro para a periferia” (MAGEE,
2000, p. 224), devemos também nos aproximar desse campo metafísico, seja ele na
música ou na obra de arte total wagneriana. Pensando na música, temos o Acorde de
Tristão, como já dito, não resolvido por completo sua tensão harmônica. Portanto, a
não resolução pode ser interpretada como uma forma de negação da vontade em Tristão
e Isolda. Apresentado logo no início da ópera e airmando sua negação do decorrer da

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mesma, pois a resolução plena só acontecerá no último compasso da obra. Ora, se toda
cadência possui um deslocamento, uma sequência intervalar e gradual, do qual nosso
ouvido já está “acostumado” ou treinado para reconhecê-la, podemos considerar que
cada cadência possui sua vontade, pois de acordo com o ilósofo de Danzig, “a música,
que, como o mundo, objetiva imediatamente a vontade, só adquire sua perfeição na
harmonia completa” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 348). Logo, se nos apropriarmos
de uma teoria musical, que foi desenvolvida por séculos, veremos que a música segue
seu caminho, ela possui seu início, meio e im dentro da composição musical. Os
estudos e aperfeiçoamentos foram se adequando a cada período histórico, conforme
a música se modiicava; as análises eram reformuladas ou reconheciam-se novos
meios para identiicar harmonicamente e historicamente determinada composição ou
passagem musical. Assim foi o processo de análise e o reconhecimento de cadências,
foram identiicadas e nomeadas, cada uma com determinada função, determinado
deslocamento e inalização. Se o curso da música já estava pré-estabelecido, porque
a mudança? Simples, a vontade schopenhaueriana possui um percurso estabelecido
por sua ilosoia, mas não necessariamente o segue de acordo. Há um im, porém até
que o desfecho aconteça, pode haver interrupções, já que tal vontade se manifesta de
várias maneiras. Pensando assim, metaisicamente, o Acorde de Tristão tem como todo
acorde, seu caminho, sua resolução, isto é, cabe ao compositor designar sua inalidade
e direcioná-lo para seu im. A interrupção da cadência ou a não resolução está ligada
à genialidade do compositor, um ato que não pode ser explicado pelo próprio gênio,
já que tal ação ocorre durante um estado de sonambulismo – “sonâmbulo magnético”
– como airma Schopenhauer. Logo, se a cadência é interrompida ou não resolvida,
podemos reconhecer aqui, um acorde que representa a negação da vontade, pois o im
previsto foi adiado e negado profundamente em Tristão e Isolda, simplesmente por não
ser resolvida por completo e direcionar o protagonista da ópera para o seu im. Pensar
desse modo, nos remete à importância que Wagner deu a sua Gesamtkunstwerk, pois
tinha consciência do que a união das artes poderia fornecer ao espectador. Mesmo que
tenha criado antes de conhecer a ilosoia schopenhaueriana, é através dos escritos
de Schopenhauer que Wagner pode irmar sua teoria estética. A poesia – libreto – no
sentido de Wagner, transmite exatamente o efeito de fantasia que Schopenhauer
descreve n’O Mundo. Sabendo que a poesia possui um efeito condutor, Wagner inten-
siicou esse efeito com o auxílio da música, algo que o coloca na periferia da ilosoia
de Schopenhauer, mas não o desqualiica por tal motivo. A imagem que a poesia gera
no ouvinte, não pode ser contrabalanceada com as imagens alegóricas que surgem
durante a mesma poesia sendo executada com o auxílio da música, pois como sabemos,
a poesia “também tem a inalidade de manifestar as Ideias, os graus de objetivação
da vontade, e comunicá-las ao ouvinte com a distinção e vivacidade mediante a qual
a mente poética as apreende” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 320). Mas a música, “por
não ser cópia do fenômeno, ou, mais exatamente, da objetidade adequada da vontade,
mas cópia imediata da vontade e, portanto, expõe para todo físico o metafísico, para

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todo o fenômeno a coisa-em-si” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 345). Provavelmente,


quando Wagner leu essas passagens em O mundo como vontade e como representação,
soube que em seu drama não estava presente à música absoluta de Schopenhauer, a
não ser, no instrumental que compõe as aberturas de suas óperas, mas não devemos
separá-las da obra, pois fazem parte de um todo, principalmente pela relevância que
os Leitmotive possuem no início de cada ato em seus dramas wagnerianos. Portanto, a
soma do efeito causal entre poesia e música era a importância primordial para Wagner,
pois desta forma ele conseguiria estimular em seus espectadores a fantasia, ou seja,
milhares de imagens que o entendimento não pudesse apreender, e com a união das
artes poder alcançar o seu propósito, o tão sonhado – sublime.

Referências
MAGEE, Bryan. he Tristan Chord-Wagner and Philosophy. London. Penguin Press. 2000.
MASCHKA, Robert. Wagner – Tristan und Isolde. Kassel: Verlag Bärenreiter, 2013.
RICCIARDI, Rubens Russumanno e ZAPRONHA, Edson. Quatro ensaios sobre música e ilosoia.
1. ed. Ribeirão Preto: Editora Coruja, 2013.
SCHOPENHAEUR, Arthur. Der handschriftliche Nachlass. Band 1 – Frühe Manuskripte 1804-
1818. Deutscher Taschenbuch Verlag GmbH & Co. KG. München. 1985.
. O Mundo como vontade e como representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Editora
Unesp. 2005.
. Sämtliche Werke. Band II. Die Welt als Wielle und Vorstelung. II. Arbeitsgemeins-
chaft. Cotta – Insel. Stuttgart/Frankfurt am Main. 1960.
SIMONSEN, Mário H. Tristão e Isolda - Wagner. Rio de Janeiro: Insight Engenharia de Comu-
nicação/Vale, s.d.
WAGNER, Richard. Gesammelte Schriften und Dichtungen. Band III e VII. Verlag W. Frisssch.
Elibron, 2005.

Referências de partituras
WAGNER, Richard. Tristan und Isolde. New York: Edwin F. Kalmus, [after 1933].

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