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Agrupamento de Escolas de Santiago do Cacém

Filosofia 11.º Ano Profª Teresa Fonseca

Filosofia da Arte
No âmbito do estudo da Filosofia da Arte, importa começar por dar uma definição de arte. Mas, será
que é fácil definir este conceito – arte?
Identificar certos objetos como sendo arte, não é a mesma coisa que saber o que é arte. Dar
exemplos de coisas que são arte e de outras que não o são, não é a mesma coisa que saber o que é
arte. Vejamos o texto seguinte:

À primeira vista parece uma perda de tempo perguntar o que é arte, pois somos perfeitamente capazes de dar
exemplos claros de coisas que são arte e de outras que não o são. Vejamos alguns exemplos: a escultura David,
de Miguel Ângelo, é arte, mas a cadeira em que a Rita se senta na cozinha não é arte; o quadro A Persistência
da Memória, de Dali é arte, mas a foto que o Arnaldo tirou para o passaporte não é arte; a Basílica da Estrela,
em Lisboa, é arte, mas os seus sanitários não são arte; A Mensagem, de Fernando Pessoa, é arte, mas as
cartas de amor do Arnaldo para a Rita não o são; As Quatro Estações, de Vivaldi, são arte, mas o toque dos
sinos da igreja não são arte; o quadro Ensaio de Dança, de Degas, é arte, mas não é arte o próprio ensaio de
dança nele representado.
Contudo, será que estes exemplos são suficientemente esclarecedores? Se tivermos presente que a noção de
arte se aplica a um conjunto de coisas vasto e diversificado, incluindo pinturas, esculturas, edifícios (arquitetura)
peças musicais e canções, peças de dança e de teatro, filmes, obras literárias, fotografias, etc., talvez os
exemplos anteriores não consigam dar-nos uma ideia suficientemente boa. Além disso, se tornarmos mais
precisos os exemplos anteriores de coisas que não são arte, as coisas deixam de parecer tão simples. Se, por
exemplo, a Rita estiver sentada num dos exemplos da cadeira Zig Zag, de Gerrit Rietveld, estamos neste caso a
falar de algo que é referido em livros e histórias da arte, havendo exemplares exibidos em museus e galerias de
arte; se, em vez dos sanitários da Basílica da Estrela, pensarmos em Fonte, de Marcel Duchamp, um urinol
adquirido numa fábrica de louça sanitária que é uma das mais famosas obras de arte do século XX, as coisas
complicam-se ainda mais; e se, em vez das cartas de amor do Arnaldo para a Rita, pensarmos nas cartas de
amor de Soror Mariana Alcoforado, escritas em segredo no seu convento em Beja, e que, uma vez descobertas,
se tornaram um clássico da literatura europeia, tudo fica mais difícil. Ao refletir sobre alguns destes exemplos
menos óbvios somos levados a perguntar: mas isso é arte? Afinal, se aquela cadeira, aquele urinol e aquelas
cartas são arte, por que razão não haveriam também de ser arte a cadeira onde se senta a Rita, as cartas do
Arnaldo e os lavatórios da Basílica da Estrela? Que características têm aqueles objetos, mas que faltam a estes,
para serem arte?
Ao fazer estas perguntas, estamos a questionar o próprio conceito de arte. E é para responder a tais perguntas
que talvez precisemos de uma boa definição de arte. Vários filósofos têm enfrentado o problema, apresentado
definições explícitas de arte, isto é, definições que especificam condições necessárias e suficientes para algo ser
arte.
Aires Almeida, Janelas para a Filosofia

Muitos filósofos têm defendido que uma definição correta de arte é aquela que descreve a sua
essência ou natureza íntima, revelando desse modo as características internas que fazem cada obra
de arte ser arte. Essas características fazem parte de todas as obras de arte e só as obras de arte as
possuem. Quem afirma isto é defensor da teoria essencialista da arte.
Por outro lado, há outros filósofos que consideram que para a definição de arte não é necessário
haver uma essência da arte. As condições necessárias e suficientes para definir arte dependem do
contexto social em que os objetos de arte estão inseridos. Quem afirma isto é defensor da teoria
não-essencialista da arte.

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Mas, antes de analisar as várias definições de arte, importa ter em conta na base da dimensão
estética do real está aquilo que se chama experiência estética.
Podemos viver experiências estéticas ao ler um poema ou um romance, ao ouvir uma música, ao
observar um quadro, uma escultura ou uma obra de arquitetura, ao assistir a um filme, a um concerto,
a uma representação teatral ou a um bailado.
Na experiência estética dá-se a relação entre um sujeito que observa e contempla e um objeto.
A experiência estética só é possível se na relação com os objetos artísticos adotarmos uma atitude
desinteressada. Uma atitude de apreciação do objeto por si mesmo, afastando quaisquer
considerações relativas ao proveito que nós teríamos em possuí-lo, aos valores morais que promove
ou não.
A experiência estética é desinteressada, não porque seja indiferente ou passiva, mas porque na
contemplação do objeto o sujeito se comporta como se ele não tivesse qualquer utilidade. A
experiência estética é puramente contemplativa, isto é, livre de qualquer forma interessada de relação
com objetos artísticos. Manifestar desinteresse em termos estéticos não significa dizer que o objeto
contemplado não tem qualquer importância ou que, como vulgarmente se diz, é desinteressante.
Quando a respeito da experiência estética se fala em satisfação pura e desinteressada, estamos a
dizer que não está presente aquele tipo de interesse que tem a ver com as nossas vantagens ou
desvantagens. Consideramos algo simplesmente por si mesmo e não por referência à sua utilidade
para nós. Não subordinamos a obra de arte a desejos sensoriais ou a qualquer conceito moral,
político ou religioso.

Teorias Essencialistas da Arte:

Teoria da Arte como Imitação


O termo imitação (mimesis) é interpretado como reprodução fiel da realidade ou da natureza. O
conceito de arte como imitação encontra-se na antiguidade, em Platão e Aristóteles. Para Platão, a
arte é a reprodução de algo que se toma como modelo e por isso é censurada por ele. Para
Aristóteles todas as artes imitam a realidade e são uma forma de conhecimento.
A ideia de que a arte – e sobretudo a pintura – imita ou deve imitar a realidade, constituindo-se como
uma cópia ou espelho no qual os objetos são refletidos o mais fielmente possível, tem uma longa
tradição. A conceção de arte como imitação da realidade dominou a estética ocidental até ao século
XVIII.

Exemplos desta teoria da arte:

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Durante séculos considerou-se que apenas era arte aquelas obras que eram uma imitação da
realidade. Contudo, esta teoria da arte é criticada pois facilmente podemos ver que todos nós
reconhecemos como sendo obras de arte peças que não imitam a realidade. Vejam-se os exemplos
seguintes:

Encontramos imensos exemplos de obras de arte expostas em museus ou vendidas em leilões e em


galerias de arte por preços exorbitantes e não são imitação de nenhuma realidade. Veja-se o caso de
tantas composições musicais cujo propósito não é imitar nenhuma realidade, nem tão pouco
representá-la.

Teoria da Arte como Expressão


A conceção de arte como expressão é acentuada e desenvolvida sobretudo pelo romantismo, que
valoriza de forma especial o poder criador da imaginação do artista. Expressão de quê?
Essencialmente de sentimentos e emoções dificilmente transmissíveis de outra forma. A arte é o
veículo privilegiado para a comunicação de sentimentos e emoções.
Uma famosa versão do conceito de arte como expressão é a teoria de Lev Tolstoi, célebre romancista
e ensaísta russo. No século XIX há um enorme avanço científico e o crescente poder da ciência, cujo
sucesso se deveu às suas explicações cada vez mais precisas e rigorosas do funcionamento da
natureza, cimentou a ideia de que a reprodução fiel da realidade à nossa volta é algo que ela
consegue fazer melhor do que a arte. Por outro lado, os artistas voltaram-se cada vez mais para a
exploração de aspetos que pareciam escapar ao método científico, mais precisamente para o mundo
interior de sentimentos. Assim, se à ciência competia descrever o mundo exterior objetivo, à arte
cabia exprimir o nosso mundo interior e subjetivo. Esta viragem dos artistas – seja na literatura, na
música ou na pintura – para a expressão de sentimentos pessoais, em vez da representação do
mundo exterior, é o traço mais saliente do romantismo que marcou fortemente o séc. XIX.
Tolstói não foi propriamente um adepto do romantismo, mas, ainda assim, concordava com os
românticos num aspeto importante: a essência da arte reside na expressão do sentimento individual.
O que é, então, a arte para Tolstoi? A arte é uma forma de comunicação. Mas, aquilo que se
comunica na arte são sentimentos ou emoções. A finalidade da arte não é a partilha de informação,
mas a partilha de sentimentos entre o criador da obra de arte e o público que aprecia a obra de arte.
É a comunicação intencional de sentimentos. Na obra de arte o artista cria algo que exprime o
sentimento que experimentou. Segundo Tolstoi, a criação de uma obra de arte é um processo
constituído pelos seguintes momentos:

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1.º - o artista sente uma emoção específica, tem uma experiência ou um sentimento que pode ser o
medo ou a alegria, a angústia ou a esperança. Essa emoção, esse sentimento, tem de ser sincero,
verdadeiramente sentido, tem de ser um sentimento pessoal.
2.º - o artista decide então partilhar esse sentimento com os outros, incuti-lo, dar-lhes esse
sentimento de modo a que se tornem, por exemplo, alegres e esperançados ou angustiados e
receosos. Para comunicar este sentimento, cria uma obra de arte – uma história, um romance, uma
peça teatral, um poema, um tema musical, que lhe dará de novo aquele sentimento original que a
motivou. Mas, mais importante, produzirá nos espetadores o mesmo tipo de sentimento que o artista
sentiu.

A arte é essencialmente uma forma de comunicação no sentido em que o sentimento que levou o
artista a criar a sua obra é também vivido pela sua audiência.

Exemplos de arte como expressão:

Segundo esta teoria para haver arte o artista tem de sentir o que exprime. Ora, esta teoria pode ser
criticada, pois reconhecemos um número significativo de exemplos de peças de arte que nada
exprimem e, por esse facto, não deixam de ser obras de arte. Os atores de teatro ou de cinema, por
exemplo, não sentirão tudo aquilo que representam. Os músicos de uma orquestra que interpretam
composições musicais, não sentem todos o que a composição musical exprime. Ou os sentimentos
que o compositor sentiu quando a compôs.
Por outro lado, a defesa de que o artista partilha connosco o que sentiu, facilmente pode ser criticada.
Pois, nem sempre conseguimos saber o que o autor da obra de arte pensou ou sentiu quando faz a
obra.

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Mesmo quando sabemos o que o artista sentiu ao criar uma determinada peça de arte, há
espetadores que podem sentir sentimentos diferentes daqueles que os seus criadores sentiram
quando as criaram.

Teoria da Arte como Forma


Uma outra teoria essencialista da arte é teoria da arte como forma que surge no século XX.
No início do século XX há uma enorme transformação nas artes. Nesta altura surge a arte moderna.
Já não fazia sentido pensar a arte como imitação da realidade, pois a fotografia fazia isso. A pintura
abstrata começou a impor-se e com ela uma série de transformações.
Na obra de arte, em geral, podemos distinguir dois planos: o plano do conteúdo (o tema, a
mensagem, a história ou os sentimentos que a obra pretende provocar nos espetadores) e o plano da
forma (a forma é o meio de materialização do conteúdo). Assim sendo, pode haver diferentes
maneiras de expressar um mesmo conteúdo. Para os defensores da conceção de arte como pura
forma, o especificamente artístico é a forma. A arte deve ser esvaziada de qualquer conteúdo. A arte
abstrata é o expoente máximo desta perspetiva. Nela manifesta-se de modo superior a autonomia da
arte a respeito de qualquer intenção ou exigência de representar a realidade.
Esta teoria foi defendida por Clive Bell e o seu conceito de forma significante - o que se destaca do
ponto de vista da forma de um obra de arte e a capacidade que a obra de arte tem de proporcionar
várias interpretações. Segundo Clive Bell, sabemos que estamos na presença de uma obra de arte
quando sentimos uma emoção peculiar. Essa emoção chama ele de emoção estética. Bell diz que
para sentir emoção estética é necessário ter sensibilidade, mas também inteligência para reconhecer
as características que a obra de arte tem e que em nós provocam a emoção estética.
A essas características chama Bell forma significante. Na pintura, por exemplo, a forma é o conjunto
de linhas e cores, na música é a organização dos sons, na dança é a composição das figuras e
movimentos. Um objeto tem forma significante quando é a própria forma que nos chama a atenção e
desperta o nosso interesse.
De acordo com esta teoria da arte como forma, todo o tipo de obras de arte podem ser consideradas
arte. Desde que provoque emoções estéticas, qualquer peça é arte.
Como por exemplo:

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Esta teoria traz alguma dificuldade em distinguir os objetos de arte dos outros objetos. A forma da
peça de arte Fonte de Duchamp e a dos outros urinóis é igual. Se o que faz essa obra de Duchamp
ser arte é a sua forma, então, todos os outros urinóis deviam ser considerados arte.

Outra objeção consiste na dificuldade em reconhecer e identificar a forma significante. Pois, esta
teoria defende que sabemos identificar a forma significante se sentirmos uma emoção estética, mas
uma emoção estética é o tipo de emoção provocada pela forma significante de uma obra de arte. Ora,
isto leva a um raciocínio circular, o que parece implausível.

Teorias Não Essencialistas


Para além das Teorias Essencialistas da arte temos as Teorias Não Essencialistas e estas incluem a
Teoria Institucional da Arte e a Teoria Histórica da Arte.
As definições não essencialistas negam que haja uma essência de arte, mas isso não significa que
não possa haver uma definição de arte. O que permitirá definir o que é a arte não depende das
características observáveis nos objetos artísticos, mas sim do contexto social em que os objetos de
arte estão inseridos. O que conta para estas teorias não essencialistas é sobretudo o modo como um
dado objeto adquire o estatuto de obra de arte e não as propriedades internas desse objeto. Para os
não essencialistas a obra de arte pode ter as mais variadas funções – alargar o conhecimento,
proporcionar experiências compensadoras, divertir, proporcionar prazer, ajudar-nos a ser pessoas
melhores, comunicar ideias, criticar a sociedade, transformar o mundo, valorizar as nossas vidas,
ajudar-nos a suportar os males do mundo, etc.

A teoria Institucional  constituiu uma das mais promissoras propostas para esclarecer a natureza da


arte que o século XX viu surgir. Esta teoria está fortemente associada ao filósofo George Dickie. De
acordo com este filósofo um dado objeto é arte porque tal estatuto lhe foi conferido no seio de uma
instituição do mundo da arte (museus, galerias, livros e revistas de arte, concursos de arte, críticos de
arte, cursos e escolas de arte, feiras de arte, etc). Isso permite explicar sem problemas por que razão
há urinóis que são arte – como Fonte, de Duchamp – e outros urinóis visualmente semelhantes que
não o são. Adquirir o estatuto de arte equivale a circular por aquilo que se designa de mundo da arte.

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Define-se a arte afirmando que uma obra de arte é um artefacto (um poema, um bailado, uma
melodia, uma escultura, uma pintura, uma instalação, etc) ao qual foi atribuído o estatuto de
candidato para apreciação por uma ou mais pessoas, que atuam em nome de determinada instituição
social, o mundo da arte.
Esta teoria é criticada pelo facto de o conceito mundo da arte ser demasiado vago e obscuro.
Outra crítica é a de que a definição institucional de arte exclui a figura do artista isolado que cria arte
fora dos circuitos institucionais.

A teoria Histórica da arte propõe que uma obra de arte é um objeto acerca do qual uma pessoa ou
pessoas têm a intenção não passageira de que este seja perspetivado como uma obra de arte, isto é;
perspetivado como foram ou são perspetivadas corretamente obras de arte anteriores. É como se,
quando observamos a obra produzida, o artista nos quisesse dizer o seguinte: eu pretendo que este
objeto seja visto da mesma maneira que as obras de arte do passado foram vistas.
Esta teoria foi proposta pelo filósofo Jerrold Levinson. De acordo com esta teoria a essência da arte
reside no seu caráter histórico ou retrospetivo. Toda a arte é o resultado de uma atividade humana
que se relaciona com o seu passado através da intenção de um indivíduo, que pode ou não conhecer
essa história.
Esta teoria é criticada pelo facto de poder incluir-se nesta definição falsificações de arte.

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