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A criação artística e a obra de arte (Filosofia da arte)

O problema da definição da arte


Ao longo deste ano, temos vindo a abordar as perspetivas de diversos filósofos acerca do
conhecimento, seja gnoseológico ou epistemológico. Agora, vamos incidir a atenção na
discussão sobre a arte. E, aqui, a questão é tentar encontrar uma definição de arte que possa
ser universal e que englobe todas as formas de arte. É uma tarefa difícil e, por isso, vamos
analisar várias teorias em relação a ela, sendo que o que se procura através de cada uma
destas teorias é chegar às condições necessárias e suficientes para um objeto passar a ser
considerado artístico.
Usemos um exemplo inicial para entrarmos melhor na questão. O professor atira o material
para cima da mesa e este fica disposto de forma aleatória, em monte. Como foi o professor a
fazê-lo, não há dúvidas nenhumas de que não se trata de arte. Mas e se um artista
apresentasse a público aquele mesmo trabalho? Provavelmente até diriam que era arte… Será
então o artista a condição necessária e suficiente para um objeto ser considerado artístico?
Mas então o que é que torna um indivíduo inicialmente artista? Como podemos ver, serão
questões difíceis de responder, mas bastante importantes, entre outros casos, para evitar
situações como a seguinte…
Nos EUA, em aeroportos, ao transportar objetos de valor, é aplicada uma taxa para eles
poderem seguir caminho. No entanto, as obras de arte estão isentas da taxa. Um indivíduo
chega com uma escultura, avaliada em 300 mil euros. Ora, para esse indivíduo pode ser um
objeto artístico, mas para os empregados do aeroporto já não. O que é se faz em situações
destas? Se houvesse uma definição universal de arte, o problema estaria logo resolvido. E é
isso que essas teorias tentam traçar. Quais são as características necessárias e suficientes para
um objeto ser arte?
Continuemos com os exemplos… Existe uma “peça de arte” que consiste numa banana colada
com fita-cola. Se fosse um indivíduo comum a fazê-lo seria considerado vandalismo, mas como
é um artista, o caso é diferente. Quais são as condições para tal ser arte?
Noutro caso, um estudante colocou, por brincadeira, uns óculos numa sala vazia e, passado
algum tempo, a sala começou a receber visitantes para os ver. Este foi considerado um insulto
à arte. Mas será que se o estudante fosse um artista, se acharia isso?
Ora bem, para continuarmos a nossa reflexão, é importante distinguir sentido classificativo
(descritivo) de sentido valorativo (avaliativo). O sentido classificativo procura classificar e
descrever a obra de arte como tal, ou seja, pretende distinguir o que é arte do que não é. Já o
sentido valorativo avalia as obras de arte entre si (distingue a boa da má arte; a obra-prima e a
arte de primeira categoria da fraca; as obras de arte de que se gosta daquelas de que não se
gosta;…). Como o que pretendemos estudar são as características que fazem de um objeto
uma peça de arte, não nos interessa para aqui o sentido valorativo, mas sim o sentido
classificativo, que pretende, precisamente, chegar ao que é necessário para uma obra ser
artística. Voltando ao caso da banana colada com fita-cola, o que faz com que esta passe de
uma banana simples para uma obra de arte?
Para tentar dar resposta às nossas questões, vamos analisar cinco teorias que as analisam.
Sabemos que a arte se tem desenvolvido desde a Antiguidade grega, nas suas variadas formas,
como a pintura, a escrita, a música,…, e, por isso, uma tentativa de definição de arte tem de
integrar todas estas formas de arte (ainda assim, para tentar chegar a tal, a maior parte dos
filósofos tem como referência a pintura). Além disso, a arte é um conceito aberto, algo que
está sempre a mudar e a crescer. Antes, nunca ninguém imaginaria que uma banana colada
com fita-cola estaria exposta numa galeria de arte; o conceito de arte mudou. Será, então,
possível encontrar uma definição de arte que integre todas estas formas de arte, do agora e do
futuro?
Vamos, assim, abordar, como já referi, cinco teorias que tentam encontrar uma definição de
arte: três teorias essencialistas e duas não essencialistas. As teorias essencialistas defendem
que a definição de arte está na própria obra de arte; é a obra que a faz ser artística; a essência
da arte é intrínseca à obra de arte; uma obra é artística por algo que ela tem, isto é, inerente à
obra. Distinguindo-se das teorias essencialistas, as teorias não essencialistas afirmam que a
obra não é artística por algo que ela tem; o que faz uma obra ser artística vem de fora, é
extrínseco; é o contexto envolvente (as pessoas, a especulação, o reconhecimento…) que a
torna artística.
Teorias essencialistas
Ora bem, comecemos a nossa análise pelas teorias essencialistas, que, como já referi,
defendem que o que faz de um objeto uma peça artística está na própria natureza do objeto
(são características intrínsecas).
 Teorias mimética e representacionista
Iniciemos com as teorias mimética e representacionista, que estão ligadas, surgindo, por vezes,
a teoria mimética integrada na representacionista. Foi, então, a teoria mimética a primeira a
surgir na história da filosofia da arte para tentar definir obra de arte no sentido classificativo (e
não valorativo), refletindo acerca do que tornaria um objeto uma obra artística. As teorias que
vamos analisar pretendem chegar aí, às condições necessárias e suficientes para um objeto ser
artístico.
A teoria mimética vem da Antiguidade grega e defende que arte é imitação. Ora, a imitação é
uma representação e, como a teoria representacionista afirma que arte é representação, a
teoria mimética pode integrar-se na teoria representacionista. No entanto, o mesmo não
acontece no sentido oposto. Nem toda a representação é uma imitação; representação é um
conceito mais abrangente.
E a teoria mimética é essencialista, uma vez que procura na obra as condições essenciais para
esta ser artística, sendo que, para os filósofos que defendem esta teoria, a resposta é
“imitação” (de pessoas, paisagens,…). O quadro “As meninas de Velázquez” surge enquadrado
nesta teoria, pois é um quadro realista, onde não há desfiguração. E tal como este, “O canal de
Veneza”, de William Turner, e os quadros de Miguel Ângelo e de Rafael são obras integradas
na teoria mimética, arte como representação (imitação).
No entanto, esta teoria apresenta alguns problemas. Com o surgimento da fotografia, os
artistas que seguiam esta teoria, ou seja, que tentavam imitar a realidade nas suas obras,
ficaram numa situação complicada. Qualquer fotógrafo, até fraco, tirava uma fotografia mais
realista do que o quadro do melhor pintor. Por isso, os artistas tiveram de enveredar por outro
tipo de pinturas (expressão, sentimento,…).
Tomemos como exemplo “O grito”, de Munch. Este quadro já não se enquadraria na teoria
mimética, não imita nada (nem o ser humano nem a ponte). É uma representação, mas não
uma imitação. Para além da pessoa e da ponte, está representado o desespero, a angústia (ou,
noutro ponto de vista, o êxtase, uma alegria enorme). Assim, pela teoria representacionista,
este quadro seria uma obra de arte, mas, pela teoria mimética, já não. É esta mudança que
ocorre na arte, devido ao aparecimento da fotografia. Os artistas passam a estar mais
importados em expressar o que sentem, assumindo uma relação subjetiva com o espaço
envolvente, do que em imitá-lo. Este quadro é, assim, um contraexemplo à teoria mimética,
mas existem mais.
Se esta teoria estivesse certa, havia uma série de obras de arte e correntes artísticas que não
poderiam ser consideradas arte. A arte abstrata (como a de Mondrian e de Kandinsky), a arte
decorativa (como os tapetes de Arraiolos; estão presentes formas e figuras, mas não imitam
nada), a música e a arquitetura são tudo contraexemplos à teoria mimética, ou seja, obras ou
formas de arte que não poderiam ser consideradas arte se esta teoria estivesse correta.
Ora, as obras de Kandinsky, que não seriam consideradas arte pela teoria mimética, já o seriam
pela teoria representacionista (ainda que alguns defensores desta teoria não as considerem
uma representação). Depois do aparecimento da fotografia, a teoria adaptou-se, evoluiu, e os
artistas deixaram de estar tão focados na imitação para passarem à representação num
sentido mais lato (tal como é o caso de “O grito”, de Munch).
No entanto, apesar de ser uma evolução da teoria mimética, as objeções a esta teoria aplicam-
se, de uma forma mais lata (aberta), à teoria representacionista. Tomando como referência os
contraexemplos da teoria mimética aqui referidos, vemos que a maioria se aplica também à
teoria representacionista. A arte abstrata de Mondrian (sendo a de Kandinsky não consensual
neste aspeto, como já referi) nada representa, logo não seria arte pela teoria
representacionista. Com a arte decorativa (como os tapetes de Arraiolos) acontece o mesmo.
Já na música, ainda que existam algumas obras que representam emoções, como a tristeza, a
revolta e a alegria, que seriam integradas no conceito de arte pela teoria representacionista,
todas as outras não representam nada e, por isso, não seriam arte. Na arquitetura, as obras
arquitetónicas (como uma igreja ou um palácio), consideradas arte, atualmente, não seriam
arte pela teoria representacionista, pois não representam nenhuma realidade para além delas
próprias (tal como uma casa). Ainda assim, há obras arquitetónicas, como a Casa da Música
(representa um meteorito), que, representando algo para além delas próprias, seriam obras de
arte (no caso da Casa da Música, seria arte, como escultura).
Mas continuemos a nossa comparação entre a teoria mimética e a teoria representacionista.
Pela teoria mimética, o bailado não seria arte (não imita nada), mas pela teoria
representacionista sim, desde que representasse algo (sentimento,…). Tomemos agora em
consideração “A fonte”, de Duchamp. Esta obra, que consiste num mictório fora do seu local
habitual, está integrada num movimento artístico, denominado dadaísmo, segundo o qual um
objeto é retirado do seu contexto utilitário e é colocado fora do mesmo, podendo aí ser
contemplado como obra de arte. Então, “A fonte”, exposta numa galeria, ainda hoje é
considerada uma obra de arte, servindo de contraexemplo às teorias representacionista e
mimética (o urinol é um urinol e não representa nada, pois é um urinol; se fosse algo diferente
que representasse um urinol já seria arte (para a teoria representacionista)).
Ora, da mesma forma, “A madona”, de Munch, seria arte pela teoria representacionista, mas
não pela teoria mimética. Não há um traço realista, mas sim subjetivo. O artista representa o
corpo da mulher (num determinado contexto, sentimento), mas não o imita. Pelo contrário, “A
origem do mundo”, de Gustave Courbet, já seria considerado arte pelas duas teorias. O artista
tenta imitar (logo, também o representa) o corpo da mulher. Este último é um quadro que
com a fotografia deixa de ter impacto, pois passa a ter mais valor uma representação que não
seja uma imitação da realidade.
E para concluir a análise das teorias mimética e representacionista, falemos de outra objeção
apontada à teoria representacionista. Apesar de estabelecer a condição necessária (a
representação), esta teoria não apresenta a condição suficiente para um objeto ser artístico,
pois nem tudo o que representa algo é artístico (como um semáforo ou o emblema de um
clube).
 Teoria expressivista
Passemos agora à teoria expressivista, outra teoria essencialista que tenta responder ao
problema da definição de arte. E nesta teoria vamos seguir o pensamento de Collingwood e
fazer referência também a Tolstoi. Esta teoria tem uma perspetiva diferente das teorias
mimética e representacionista e vem na linha da invenção da fotografia, tendo como
referência a pintura. Partindo desta teoria, os artistas estão preocupados com a expressão dos
seus sentimentos (do artista) e não com a representação da realidade. Então, pela teoria
expressivista, arte é expressão de sentimentos.
Por exemplo, “O grito”, de Munch, obra já aqui abordada, resulta da necessidade do artista em
expressar um sentimento. Pela teoria expressivista, o que faz de um objeto uma obra de arte é
a capacidade de expressar um sentimento autêntico do artista. O artista tem de estar a sentir o
que está a expressar. O artista tem um sentimento difuso, de certa inquietação, e esse
sentimento é expresso no quadro expressa-se melhor no quadro do que por palavras). É arte o
que expressa o sentimento do artista de uma forma mais clara; o artista materializa na obra o
que está a sentir.
Fazendo um aparte… As teorias que estamos a analisar tentam dar resposta ao problema da
definição de arte e todas têm um ponto em comum. Quando se fala em obras de arte, fala-se
de artefactos produzidos pelo ser humano (condição necessária); pessoas, árvores,… não são
arte por nenhuma teoria. Agora, se se pintar uma árvore ou se se dispuserem os ramos da
mesma de uma forma diferente já poderá ser. A intervenção ou decisão humanas são condição
necessária (ainda que não suficiente) para que estejamos perante arte.
Voltando à análise da teoria expressivista…
Por esta teoria, a arte decorativa (como os tapetes de Arraiolos) não é arte, pois não
expressam emoção nenhuma. Além disso, se o artista não está a sentir um sentimento
verdadeiro, autêntico, original, não é arte. Nesses casos, Collingwood fala em “ofício”. Fazer
algo de forma mecânica não é arte (tal como os trabalhadores na fábrica da Vista Alegre ou a
produzir tapetes de Arraiolos). Sempre que um autor produz uma obra, não para expressar
sentimentos, mas para vender o produto e ganhar dinheiro, não é arte. O mesmo acontece na
música e no teatro… Segundo esta teoria, se estes forem feitos para agradar ou para benefícios
comerciais não são arte (como ocorre, por exemplo, com a maioria da música pop e pimba).
Ora, Collingwood apresenta duas condições para um objeto ser artístico: o objeto resultar da
expressão do sentimento autêntico do artista (o artista quer expressar o que sente) e o artista
clarificar esse sentimento na obra (ele próprio vai percebê-lo melhor). A estas duas condições,
Tolstoi acrescenta uma: o espectador tem de sentir o mesmo que o artista sentiu. Se não
acontecer, não é arte. Tendo como referência “O grito”, de Munch”, cuja interpretação não é
consensual, se uns veem alegria e outros desespero, não pode ser arte. E se Munch não sentiu
nada disso também não será arte. Da mesma forma, um romancista, quando escreve um
diálogo que envolve uma personagem à beira do suicídio e outra alegre, na maioria dos casos,
ele não está a sentir esse turbilhão de emoções. Seria estranho, mas, assim, ao não ocorrer tal,
o seu trabalho não é arte. Ora, também já ouvimos a expressão “o poeta (como sinónimo do
artista do teatro, do cinema, de qualquer outra expressão) é um fingidor”. Pela teoria
expressivista, não pode acontecer. Se tal ocorrer, o seu trabalho não é arte, pois esta teoria
exclui tudo o que não resulta de um sentimento autêntico do artista. Mas como é que o
sabemos? E além disso, pela teoria expressivista, excluiríamos obras que não expressam
sentimentos (como a arte abstrata de Mondrian; contraexemplos).
 Teoria formalista
Passemos, agora, à teoria formalista, a última teoria essencialista que analisaremos, ou seja,
tal como as anteriores, defende que um artefacto é artístico por algo intrínseco, algo que está
nela. As teorias mimética, representacionista e expressivista, como vimos, tinham bastantes
contraexemplos. Já a teoria formalista tem apenas um tipo de contraexemplos (tem muito
poucos contraexemplos), mas, ainda assim, não deixa de ter problemas, sendo-lhe apontada
uma objeção bastante pertinente.
Ora bem, para começarmos a nossa análise da teoria formalista, tomemos em consideração a
arte abstrata de Mondrian. Para as teorias analisadas anteriormente, essas obras não são
artísticas, uma vez que não imitam nada (teoria mimética), não representam nada (teoria
representacionista) nem expressam os sentimentos do artista (teoria expressivista). No
entanto, a teoria formalista já considera a arte abstrata como arte. E, ainda em contraste com
as teorias anteriores, que apenas apresentaram as condições necessárias para um objeto ser
artístico, a teoria formalista é a primeira a chegar às condições necessárias e suficientes na
busca da definição de arte.
Segundo esta teoria, um artefacto é artístico quando tem uma forma significante e provoca
uma emoção estética no espectador, sendo estas as condições necessárias e, juntas, a
condição suficiente para que tal se verifique. É importante realçar que a emoção estética aqui
referida não é o sentimento que a teoria essencialista tem em conta, é uma emoção que faz
apreciar uma obra de arte (agrado, desagrado,…).
E, durante a análise desta teoria, vamos seguir o pensamento de Clive Bell, um dos seus
principais autores. Por este filósofo, qualquer obra de arte tem de ter forma significante, e
essa forma significante depende do tipo de arte. Por exemplo, na pintura, esta forma
significante é uma certa distribuição de cores e linhas (seja o que for, há sempre um jogo de
linhas e de cores que tem uma forma significante); na música, é um jogo de sons, timbres e
ritmos; e, no bailado, é um jogo de movimentos. Em qualquer obra de arte há este conceito de
forma significante, criticado por ser ambíguo (uma crítica passível de refutação, pois o conceito
até está bem definido).
Além disso, Bell desvaloriza o conteúdo, um artefacto tem é de ter forma significante para ser
artístico. Não é o conteúdo que define uma obra de arte, não interessa o que esta aborda; Bell
abstrai-se do conteúdo, do contexto. Tomemos em consideração a música “Grândola, vila
morena”, de Zeca Afonso. Esta obra não tem valor estético pelo seu conteúdo nem pelo
momento em que surge. Segundo a teoria formalista, é arte pela forma significante (sons,
ritmos,…).
Continuando… Ao contrário das teorias essencialistas que analisámos anteriormente, pela
teoria formalista, a arte decorativa (como os tapetes de Arraiolos) e a arte abstrata são
englobadas. Quase todas as formas de arte são incluídas pela teoria formalista, pois têm forma
significante. No entanto, as obras de arte na linha do dadaísmo (objetos retirados do contexto
utilitário e colocados no contexto de arte) não são englobadas (são as únicas que não são
incluídas). “A fonte”, de Duchamp, como já vimos, tem a forma de um urinol. Pela teoria
formalista, seria arte por ter a forma de urinol. Porém, dessa forma, teria de se considerar
todos os urinóis arte, o que não acontece. O mesmo se passa com “A antecipação do braço
partido”, do mesmo artista, que consiste numa pá, retirada do seu contexto utilitário e
colocada no contexto de arte. Nestes casos, o valor artístico da obra não provém da sua forma,
mas sim do contraste entre o contexto utilitário e o contexto artístico, não sendo, por isso,
arte, para a teoria formalista.
E para concluir a análise desta teoria, falemos de uma objeção pertinente que lhe é apontada.
Os críticos da teoria formalista afirmam que, embora a noção de forma significante esteja bem
definida, o de emoção estética não. O que é emoção estética? Bell diz que não é o sentimento
de que a teoria expressivista fala, não é alegria, não é tristeza,…, mas não o consegue definir. O
conceito de emoção estética é mais difícil de definir do que a própria arte. Ora, tendo em
conta que a teoria se propõe definir o conceito de arte, ao usar um conceito que não consegue
definir na tentativa de definir outro conceito, então não está a definir arte.
Teorias não essencialistas
Chegando ao fim a reflexão acerca das teorias essencialistas, vemos que todas falharam, todas
têm objeções, problemas, contraexemplos. E, relembrando que estamos a analisar as teorias
por ordem cronológica, de acordo com a altura em que surgiram, é neste contexto que surge
Morris Weitz. Este autor constata que as teorias essencialistas que tentaram, falharam, e vai
defender que, além dessas, todas as teorias essencialistas que se possam inventar, falharão
também.
Weitz afirma que o conceito de arte é um conceito aberto, difícil de definir (ao contrário do
conceito de triângulo, que não mudou nem vai mudar). É sempre possível haver um artista que
arranje uma obra que não se encaixe com o conceito de arte em vigor e que isso obrigue a um
ajustamento dessa definição. É a própria noção de arte que impede que esta se possa definir.
Ao longo do tempo, as teorias foram indo “ao arrasto” das obras que foram aparecendo, ou
seja, são as obras que andam à frente das teorias, ocorrendo mudança do conceito de arte
durante este processo.
 Teoria institucional
Neste seguimento, surge George Dickie, com a teoria institucional, defendendo, tal como
Morris Weitz, que não é possível definir a essência de obra de arte. No entanto, ao contrário
de Weitz, afirma que tal não impede que se chegue a uma definição de arte.
Ora, vimos anteriormente que as teorias essencialistas defendem que há características
essenciais na obra que fazem com que seja arte. Agora, vamos analisar a teoria institucional,
sendo esta uma teoria não essencialista, ou seja, uma teoria que afirma que o que faz um
artefacto ser artístico é algo extrínseco, tem a ver com o contexto, com aquilo que ultrapassa a
obra de arte. Pela teoria expressivista, que é uma teoria essencialista, ainda que o sentimento
partisse do artista, passava a fazer parte da obra. Pelo contrário, nestes casos, não há nada na
própria obra que permita classificá-la como artística.
Voltemos a trazer para análise o dadaísmo. Este tipo de obras, como, por exemplo, um monte
de caixas de detergente retirados do contexto utilitário e colocados em contexto de arte, é
considerado arte pela teoria institucional. Mas porquê? Como podemos ver, esta é a primeira
teoria em que o dadaísmo é integrado, não sendo o objeto em si (o artefacto manipulado pelo
ser humano) que faz com que seja artístico, mas sim o mundo da arte.
A teoria institucional apresenta duas condições necessárias que, juntas, constituem a condição
necessária para que um objeto seja artístico. Para tal, o objeto tem de se tratar de um
artefacto, ou seja, tem de ser produzido ou manipulado pelo ser humano. Além disso, tem de
ser considerado artístico pelo mundo da arte.
E o que é o mundo da arte? É uma instituição informal, constituída pelos artistas, galeristas,
filósofos da arte, espectadores,… todos os que estão ligados (direta ou indiretamente) à arte.
Se alguém do mundo da arte considerar um artefacto artístico, então estaremos perante arte.
Mas há aqui um problema. Sendo uma instituição informal (sem regras definidas, sem
elementos a pagar quotas,…) em que estão todos os que estão ligados à arte e em que basta
um destes elementos para considerar um artefacto artístico, há, então, presença de
subjetividade e arbitrariedade.
Continuando… Se o professor fizer um amontoado de material escolar, ninguém liga (ninguém
o considera artístico). O mesmo acontece se um indivíduo colar uma banana com fita-cola
numa galeria (ainda é acusado de vandalismo). Agora, sendo um artista a fazê-lo, seria arte. Da
mesma forma, no caso do adolescente que deixou os óculos na sala e estes foram muito
visitados, caso esse considerado um insulto à arte, se fosse um artista, já seria arte. O mundo
da arte é que decide o que é arte e o que não é.
Analisemos, agora, outro problema que pode ser levantado. Se repararmos, as teorias
essencialistas falhavam, porque eram restritivas (deixavam obras de arte de fora). Já com as
teorias não essencialistas acontece o contrário; são demasiado abrangentes. É possível um
elemento do mundo da arte considerar que tudo (marcadores, livros, canetas,…) é arte e, por
isso, tudo passar a ser arte, pela teoria institucional. Assim, não precisávamos de definição,
para distinguir o que é arte do que não é; não estamos a definir arte, sendo que a sua
definição acaba por se contradizer a si própria.
E para concluir a análise da teoria institucional, tomemos em consideração os seus
contraexemplos, as obras ocultas. Fica a interrogação. Quando um artista cria uma obra, mas
não a mostra a ninguém, deixa de ser arte? Olhemos para o caso de Kafka, um dos maiores
escritores contemporâneos, com obras como “O processo” e “A metamorfose”. Antes de
morrer, Kafka chamou o seu melhor amigo e pediu-lhe um último favor. Indicou-lhe onde
estava tudo o que escreveu (e que não tinha publicado) e pediu-lhe para queimar tudo. No
entanto, e ainda bem, o amigo fez o contrário e publicou os escritos de Kafka. Kafka não os
considerava bons, mas hoje em dia a sua obra é considerada arte (em termos de literatura).
Mas será que a sua obra já não seria arte antes de ser conhecida, antes da validação do mundo
da arte? A obra era a mesma, já lá estava. Será que já não seria arte antes de ser conhecida?

 Teoria histórica
Passemos, agora, à última teoria que analisaremos, a teoria histórica, onde teremos em
consideração o pensamento de Jerrold Levinson, o seu fundador. Esta teoria, não essencialista,
tem apenas uma pequena diferença da teoria institucional, que acabámos de analisar, tendo
proveniência da mesma. No entanto, esta diferença pode aumentar a arbitrariedade, um dos
problemas da teoria anterior.
Para a teoria histórica, arte é uma questão de contexto. Para uma obra ser artística basta que
o autor tenha intenção de a relacionar com a história da arte (explícita ou implicitamente, de
forma transparente ou opaca). Por exemplo, Duchamp relacionou as suas obras com a história
da arte, fazendo-as ir contra ela.
Tomemos novamente em consideração “A cadência caótica”, nome atribuído ao monte de
material em cima da mesa, feito pelo professor. Pela teoria institucional, esta obra precisava
que alguém do mundo da arte a considerasse arte. Já pela teoria histórica, bastava que o
professor tivesse a intenção de a relacionar com a história da arte para ser arte (na linha do
dadaísmo). Ou seja, verifica-se, como já tinha referido, uma ainda maior arbitrariedade pela
teoria histórica do que pela teoria institucional; basta que o autor queira que a sua obra seja
arte; quer seja na continuidade da história da arte, quer seja contra ela, é quase sempre
possível o autor relacionar a sua obra com a história da arte.
Assim, uma das objeções apontadas a esta teoria é, precisamente, a da arbitrariedade e
subjetividade totais do artista. Além disso, ainda há um contraexemplo. Tendo em conta que o
critério para uma obra ser artística é a possível relação entre a obra e a história da arte, qual
terá sido o critério para considerar a primeira obra de arte artística? Das duas uma, ou nunca
houve uma primeira obra de arte (e, por isso, não há história da arte) ou o critério para esta
primeira obra de arte foi diferente do critério considerado válido pela teoria histórica (e, por
isso, o critério desta teoria não é o que vale).
Questão final
Agora, para concluir a análise da filosofia da arte e das teorias desenvolvidas para tentar
encontrar as condições necessárias e suficientes para um objeto ser artístico, tragamos para
análise o caso das obras falsificadas. Imaginemos que um falsificador de obras de arte quer
enganar um indivíduo para ganhar dinheiro. Para isso, diz que acedeu a’ “O grito”, de Munch,
tratando-se, no entanto, de uma falsificação sua. Tendo em conta as teorias que analisámos,
esta obra seria considerada arte? Ora bem, para a teoria histórica sim, pois o falsificador está a
relacionar a sua falsificação com uma obra de arte (ou seja, com a história da arte),
considerando a sua obra arte. Para a teoria institucional não seria arte, já que, no mundo da
arte, os especialistas consideram que só a obra original pode ser arte (ainda que as versões de
uma obra de arte possam ser artísticas, as cópias não). Para a teoria mimética, seria uma obra
de arte, pois trata-se de uma imitação. Para a teoria expressivista, não seria arte, já que o
autor (o falsificador) não está a sentir o que é exprimido no quadro. E, concluindo, para a
teoria formalista, esta falsificação seria uma obra de arte. O quadro tem forma significante e
provoca uma emoção estética no espectador (que pode não saber que se trata de uma
falsificação).

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