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Guião de Aulas de Estética

O que é a arte?

Parece algo simples de definir. Afinal, temos espaços que guardam algo a que
chamamos “obras de arte”. Temos alguns conceitos para objetos ou atividades que
consideramos “arte”. Existem pessoas que vivem dessas atividades e que criam esses
objetos. Afinal, de que falamos? O que é arte? Como podemos defini-la?

Em primeiro lugar, “arte” pode ser usada de duas formas diferentes. Podemos usar esse
termo para colocar determinado objeto dentro de uma definição como forma de
descrever esse mesmo objeto: “Os quadros expostos em Serralves são obras de arte”. Se
usarmos o termo “arte” desta forma, estamos a usá-lo no sentido descritivo. A outra
forma é com o sentido valorativo, ou seja, quando dizemos que determinado objeto é
um bom exemplar de obra de arte: “As pinturas de Michelangelo são obras de arte”.

Iremos estudar várias propostas que procuram definir o que é arte. Encontram-se
divididas em dois grupos: as teorias essencialistas e as não essencialistas da arte.

As teorias essencialistas da arte procuram definir arte através de características que estas
apresentam e que não partilham com outros objetos. Dito de outra forma, uma definição
de arte deve fornecer as condições necessárias e suficientes para que algo possa ser
considerado arte, uma essência comum. As teorias essencialistas que iremos estudar
são: a teoria representacionista, a teoria expressionista e a teoria formalista.

No entanto, tal é difícil de conseguir alcançar. Como é que se encontram semelhanças


entre as obras de arte sendo o fenómeno artístico tão dinâmico e criativo? Existem
muitos objetos que podem ser considerados arte o que torna o problema de definição de
arte algo difícil de alcançar. As teorias não essencialistas propõem solucionar o
problema ao focarmo-nos nos aspetos relacionais, processuais e contextuais da arte.
Ou seja, as relações que são estabelecidas, os processos realizados para a atribuição de
obra de arte e o contexto histórico-social no qual as obras se inserem. A teoria
institucional e a teoria historicista são as teorias que iremos estudar.

Iremos agora abordar a arte como representação:


1. Arte como representação

A procura por uma definição de arte é muito antiga. Já no século V a.C., Platão e
Aristóteles procuravam uma resposta ao problema “o que é arte?”. Ambos propuseram
que arte é representação. Ou seja, algo é uma obra de arte se tenta representar o mundo
tal como ele é. Também pode ser entendido como arte como imitação, pois tenta imitar
algo que existe no mundo real. Tal pode ser entendido com pinturas que imitam a
natureza, paisagens, lugares ou objetos do quotidiano: Noite em Veneza 1 de Leonid
Afremov e o Velho Moinho2 de Bob Ross.

No entanto, há diferenças entre estes dois filósofos. Para Platão, o Belo está pautado na
noção de perfeição, de verdade. Para ele, a Beleza existe em si mesma, no mundo das
ideias, separada do mundo sensível (que é o mundo no qual vivemos). Assim, as coisas
seriam mais ou menos belas a partir da sua participação nessa ideia suprema de Beleza,
independentemente da interferência ou do julgamento humano.

O filósofo critica as obras de arte que se limitam a “copiar” natureza, já que elas acabam
por afastar o homem da real Beleza, que está presente no mundo das ideias. Essas
questões influenciaram, por muito tempo, em maior ou menor intensidade, a produção
artística ocidental.

Aristóteles tem um pensamento diferente sobre a arte, que, para ele, é uma criação
humana. O filósofo entende que o Belo não pode ser “desligado” do homem, já que ele
está em nós, é uma fabricação humana. As artes podem imitar a natureza, mas também
podem abordar o impossível, o irracional e o inverosímil. Além disso, elas também
podem ter uma utilidade prática: completar o que falta na natureza.

O que vai garantir beleza a uma obra, para Aristóteles, é a proporção, a simetria, a
ordem, a justa medida3.

1
https://afremov.com/images/product/leonid-afremov-originals.jpeg
2
https://cdn.shopify.com/s/files/1/1414/9028/products/
f5ce04d1e583460e3878229ad932da09_1024x1024.jpg?v=1572495062
3
A teoria representacional é vista como sendo demasiado restritiva, pois há obras de arte que não são
representações. Temos como exemplo Mural de Jackson Pollock (figura 4).
2. Arte como expressão

No seu livro, The principles of Art (1938), R. G. Collingwood propõe-se a responder à


pergunta: “O que é arte?”. A sua resposta é conhecida como uma versão da teoria
expressivista da arte. Para este autor, a arte é expressão de emoções e não uma
estimulação de emoções.

Para Collingwood4, a arte pode ser distinguida pelo sentido próprio e o sentido
impróprio de arte, sendo esta última nada mais do que um ofício (tal como carpintaria,
sapataria). Arte em sentido próprio nunca pode ser vista como um ofício, visto que o
artista não busca estimular emoções no público (não é esse o seu plano), ao contrário do
sapateiro busca criar um sapato confortável. Assim sendo, a arte não pode ser
estimulação de emoções.

O artista sente uma agitação vaga e confusa que o leva a produzir uma obra de arte que
lhe irá permitir compreender melhor a emoção que sente. Ao desabafarmos com um
amigo, temos uma noção mais clara do que sentimos, pois, colocamos os nossos
sentimentos por palavras e tal é algo idêntico do que sucede com o artista quando ele
produz a sua obra.

No entanto, a obra de arte está na mente do artista, ou seja, o Guerra e Paz de


Tolstói já era uma obra de arte antes de ser produzido, ou de ser colocado em forma
escrita. A escrita apenas permite que outros acedam à obra do artista.

As principais críticas a esta teoria são:

(1) - Esta teoria é demasiado inclusiva, visto que a psicoterapia pode ser arte. Ao
falarmos com o nosso psicólogo colocamos as nossas emoções em palavras e o
psicólogo faz o mesmo na sua mente na sua tentativa de compreender-nos. No
entanto, a maioria das pessoas não considerariam psicoterapia arte.
(2) - Esta teoria é demasiado restrita, visto que muitas obras religiosas não seriam
consideradas obras de arte pois foram obras encomendadas, ou seja, não há
nenhum sentimento envolvido. Logo, não poderiam ser consideradas obras de
arte.
4
Paul Cézanne e T. S. Eliot eram os seus artistas favoritos. A obra artista do primeiro pode ser visto na
figura 1, já o segundo foi um poeta que chegou a vencer o Prémio Nobel da Literatura (1948). A sua
magnum opus é Waste Land (A Terra Sem Vida).
(3) – Existem correntes artísticas que não têm qualquer tipo de ligação com
emoções. São elas a arte aleatória, a arte conceptual5 e a arte percetiva.
(4) – Esta teoria incorre na “falácia intencional”. Segundo alguns teóricos, a obra
de arte deve estar aberta a interpretações independentemente das intenções do
artista.

3. Arte como forma

Iremos agora explorar a teoria formalista de Clive Bell 6 que se foca nas qualidades
formais do objeto, ou seja, a formulação pode ser apresentada da seguinte forma:

-Algo só é arte se, e só se, algo tem forma significante.

Para Bell, há um tipo de emoção estética que as pessoas experienciam ao depararem-se


com uma obra de arte e a origem de tal emoção é provocada pelas linhas, cores, formas
e espaços presentes na obra e que todas as obras de arte têm em comum. E são estas
configurações formais a que Bell dá o nome de forma significante. Dito de uma outra
forma, um artefacto (pois, para Bell, apenas artefactos ou produções humanas podem
ser arte) só é arte se o conjunto de configurações formais têm capacidade de provocar
uma emoção estética nos seus espectadores.

O argumento pode ser colocado da seguinte forma:

1 - Todas as obras de arte têm alguma propriedade comum, ou quando falamos de “arte”
dizemos coisas sem sentido;

2 – É falso que quando falamos de “arte” nos limitamos a dizer coisas sem sentido.

3 – Todas as obras de arte visual têm alguma propriedade comum. (De 1 e 2, por SD7)

4 – A propriedade comum a todas as obras de arte é a forma significante, ou é outra


propriedade que não a forma significante, como a representação ou a expressão de
emoções.

5
One and Three Chairs de Joseph Kosuth é um exemplo (Figura 5).
6
Bell formulou a sua teoria com forte influência das pinturas de Paul Cézanne. Exemplos da obra deste
artista estarão presentes no final deste documento (Figura 1).
7
SD – Silogismo Disjuntivo
5 - A representação e a expressão de emoções são propriedades acidentais de algumas
obras de arte e não propriedades essenciais comuns a todas elas.

6 – Logo, a propriedade comum a todas as obras de arte é a forma significante. (de 4 e


5, por silogismo disjuntivo.

A premissa 1 coloca-nos perante um dilema há uma propriedade comum a todas as


obras de arte ou então o termo “arte” não designa coisa alguma.

Pela premissa 2 determinamos que o termo arte é um termo com sentido e, por 1 e 2
segue-se que existe, uma propriedade comum a todas as obras de arte.

A premissa 4 apresenta as principais alternativas ao nosso dispor quando pretendemos


encontrar uma propriedade comum a todas as obras de arte, Sendo a representação e a
expressão as alternativas.

Na premissa 5, Bell defende que a representação e a expressão de emoções não passam


de propriedades acidentais de algumas obras de arte não havendo, portanto,
propriedades comuns entre elas.

Conclui-se (em 6) que a propriedade comum a todas as obras de arte é a forma


significante.

Representação e expressão de emoções apenas descrevem uma realidade factual e


objetiva ou uma realidade emocional e subjetiva e tornam-se incapazes de provocar uma
genuína emoção estética que seja capaz desligar o espectador do mundo que o rodeia.
Para além disso somos capazes de encontrar algumas que obras apresentam
características representacionais ou emocionais que não são obras de arte, concluindo
assim que a forma significante é a condição necessária e suficiente para a arte.

As críticas à argumentação de Bell é que a sua argumentação assenta num falso dilema,
ou seja, apesar de alguns filósofos de arte não encontrarem uma propriedade
intrínseca comum a todas as obras de arte tal não significa que ao falar de arte não
fazemos qualquer tipo de sentido. para estes autores há propriedades relacionais e
contextuais às quais podemos apelar para distinguir as obras de arte ou outros tipos de
objetos.

Uma outra crítica à teoria de Bell é que a sua definição de forma significante é
viciosamente circular, pois porque Bell define a forma significante como uma
configuração de linhas, cores, formas e espaços que têm a capacidade de provocar uma
emoção estética no espectador, no entanto, emoção estética, para Bell, é um tipo de
emoção que o espectador sente ao encontrar-se perante configurações de linhas, cores e
formas, ou seja estamos perante uma forma significante.

Existem obras de arte que têm as mesmas propriedades formais que certos objetos.
Falamos de ready-made e found-art8 que são exemplos de obras com objetos do
cotidiano que podem ser consideradas obras de arte, ou seja, as propriedades formais
destas obras são as mesmas dos objetos comuns. O mesmo pode ser dito acerca das
falsificações que apresentam as mesmas propriedades formais que as da obra original.

Para além dos exemplos acima existem obras com contexto. temos como exemplo obras
de cariz religioso onde a estrutura formal da obra depende do seu conteúdo
representacional. Ou seja, estas obras têm relação com o religioso, mais concretamente,
com histórias religiosas. Assim sendo, é necessária informação extra para a sua
compreensão, bem como podemos dizer que a obra representa alguma coisa e o
conteúdo representacional não é irrelevante.

4. Teoria institucional da arte

George Dickie foi o primeiro a propor uma teoria institucional da arte. Tal definição
surge num contexto onde já vários filósofos haviam falado das falhas que as teorias
essencialistas da arte apresentavam, ou seja, estas teorias podem ser consideradas como
sendo limitadoras da criatividade. Estas impõem limites a uma atividade que se
caracteriza por estar em constante mudança e expansão.

Devido a estas dificuldades iniciou-se um processo de busca pelas propriedades


extrínsecas e relacionais da arte, ou seja, o foco passa a estar nas relações que existem
no contexto do mundo da arte e não no objeto em si como definição da própria obra de
arte. E é nesta tentativa que surge a teoria de Dickie.

A teoria de Dickie pode ser definida como “algo é uma obra de arte se e só se algo for
um artefacto que possua características que lhe permitam ser considerado um candidato
8
Arte criada através de objetos vulgares ou “encontrados”. Falamos de artistas como Marcel Duchamp
(sendo A Fonte [figura 2] um dos mais reconhecidos exemplos), Andy Warhol (Tomato Soup [Sopa de
Tomate][figura 3] é um exemplo) e Josef Beuys (com 7000 Carvalhos [figura 6], por exemplo).
a ser apreciado por uma ou mais pessoas que pertençam à instituição social: mundo da
arte”. A teoria institucional oferece-nos uma definição processual de arte, pois arte é
arte se passar por um processo de validação de arte.

Esta definição estabelece duas condições necessárias conjuntamente suficientes para


que algo seja arte e são elas a artefactualidade e a atribuição de estatuto. Veremos agora
estas duas condições.

Por artefacto (ou artefactualidade) entende-se algo que foi construído ou transformado
por mãos humanas, mas também pode ser algo como os movimentos de uma
coreografia, as notas musicais de uma música. Para além destes exemplos, um mero
ramo partido de uma árvore pode ser um artefacto, se for usado por nós em algo, como
por exemplo, pode ser usado por crianças para brincar aos cowboys ou para brincar com
um cão à busca.

Por mundo da arte entende-se que é uma instituição social no seio da qual há atribuições
de estatuto. Teatro, música, pintura, escultura ou literatura são exemplos de sistemas
que constituem o mundo da arte.

Os representantes do mundo da arte que são exemplos artistas, diretores de museus,


jornalistas, filósofos, históricos e teóricos de arte atribuem o estatuto de candidato à
apreciação a algumas propriedades de certos artefactos. Ou seja, um artista pode atribuir
o estatuto de candidato à apreciação à sua própria criação. Quando tal acontece, essa
criação ou artefacto passa a ser classificado como uma obra de arte no sentido
classificativo.

Se um candidato à apreciação chegar efetivamente a ser apreciado pelo público do


mundo da arte, então passa também a ser considerado uma obra de arte no sentido
valorativo.
As principais críticas à teoria institucional são que, tal teoria oferece uma definição
circular de arte9; esta teoria torna a definição de arte inútil 10; e, por fim, tal definição de
arte impossibilita arte primitiva e arte solitária11.

5. A teoria histórica da arte

Jerrold Levinson procurou desenvolver uma teoria da arte através de propriedades


não manifestas dos objetos. Para ele:

- Algo é uma obra de arte se, e só se, alguém com direitos de propriedade sobre isso tem
a intenção séria de que seja encarado da mesma forma como foram corretamente
encarados outros objetos abrangidos pelo “conceito de obra de arte”.

Uma das críticas apresentadas à teoria institucional da arte era que ela não era capaz de
dar resposta a obras fora do mundo institucional artístico. Levinson procurou responder
a este problema através da história, ou seja, certos objetos foram criados com o intuito
de produzir prazer visual. Podemos dizer que esta foi uma das formas de como as
obras de arte foram bem encaradas ao longo da história12.

Há ainda dois critérios para um objeto ser ou não arte: uma intenção séria e direito de
propriedade. Em primeiro lugar, o artista deverá ter uma intenção que não seja
momentânea, passageira ou meramente ilustrativa13. Em segundo, o artista também
9
É a própria instituição do mundo da arte que define o que é arte. O artista cria o artefacto e é o próprio
que torna esse artefacto num candidato a ser apreciado como obra de arte. Para saber o que é o mundo
da arte temos que saber o que são obras de arte, para saber o que são obras de arte temos que saber o
que é o mundo da arte.
10
A definição torna-se inútil, pois não define quais artefactos são ou não arte e que características estão
presentes neles, apenas limita-se a descrever como funciona o mundo da arte, bem como qualquer
objeto pode ser arte, visto que qualquer artefacto pode ser considerado candidato a ser apreciado como
arte.
11
Se não há um mundo da arte, ou, dito de uma outra forma, uma comunidade artística, não há como
definir arte. Assim sendo e tomando o exemplo da arte primitiva, não havia uma comunidade artística a
que o artista poderia recorrer para definir a sua obra como arte ou não. Temos como exemplo as
pinturas rupestres.
12
Uma obra de arte pode ser erradamente encarada. Podemos imaginar a situação em que o Lobster
Telephone de Salvador Dalí fosse usado como um verdadeiro telefone e não fosse devidamente
encarado como uma obra de arte tendo o objetivo de produzir prazer visual.
13
Falamos aqui de situações em que o locutor usa uma imagem mental para esclarecer melhor um
assunto. Um exemplo disso seria a de um professor que diz aos seus alunos para imaginar que a folha de
papel que têm à sua frente é uma obra de arte. Com isto o professor teria apenas o intuito de desafiar
os pré-conceitos dos alunos quanto à arte não o desejo de criar uma obra de arte ready-made. Tal não
pode ser arte.
deverá ser dono do objeto, caso contrário, poderíamos afirmar que qualquer objeto seria
uma obra de arte da nossa autoria.

A teoria histórica da arte falha em explicar o “porquê” de a primeira obra de arte ser
considerada arte, ou seja, o que motivou a sua criação e os motivos para a
considerarem como arte14; corre-se também o risco de ser demasiado inclusiva15 ou até
exclusiva16.

14
Isto deve-se ao facto de que não há obra de arte anterior à qual se possa apelar.
15
Fotos tipo-passe ou retratos feitos por robôs são representações fiéis das pessoas em causa e, tal
como em obras de arte do passado, são representações. Podem elas ser obras de arte?
16
Temos exemplos de obras de arte em que não se reconhece intenção no artista. Pensemos na arte
realizada por robôs. Eles não têm intenção de fazer a arte, simplesmente recebem ordens para a
executar. Para além disso, podemos dizer que os graffitis não são arte porque o autor não é dono da
parede onde o pintou? E se fosse a pintura da Mona Lisa a ser pintada na rua? Deixaria de ser arte
mesmo se fosse igual?
Figura 1-Lac d'Annecy (Lago de Annecy), Paul Cézanne

Figura 2-A Fonte de Marcel Duchamp

Figura 4 -Mural de Jackson Pollock

Figura 6-7000 eichen (7000 carvalhos) - Joseph Beuys

Figura 3-Tomato Soup (Sopa de Tomate) de


Andy Warhol

Figura 5-One And Three Chairs (Uma e Três Cadeiras) de Joseph Kosuth

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