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Nossos sentimentos têm mais força por causa da Arte

Talvez nem tudo possa ser chamado de Arte. Em rigor, ela é produzida pelo homem, fica
acessível a um público, é aberta (cria sentimentos e sensações variados nos espectadores), é
original, única e fonte de prazer sensível, além de corresponder a uma forma estética.

Tendo estado sempre presente em nossa vida, a Arte foi conceituada e esse conceito
amplamente difundido em pelo menos quatro importantes momentos na história da humanidade.
Tais teorias dividem-se em teorias essencialistas e não essencialistas.

As teorias essencialistas estão por sua vez divididas em outras três teorias: teoria da arte como
imitação, defendida por Platão e Aristóteles; teoria da arte como expressão, defendida por
Tolstoi; teoria da arte como forma, defendida por Clive Bell.

A teoria da Arte como imitação / representação 

É uma das mais antigas teorias da Arte. Defende que a Arte deve imitar a realidade, sendo uma
cópia / espelho no qual as coisas são representadas o mais fielmente possível. Durante muito
tempo foi aceite pelos próprios artistas como inquestionável. A definição que constitui a sua tese
central é a seguinte:

Uma obra é arte se, e só se, é produzida pelo homem e imita algo.

 A característica própria desta teoria não reside no facto de defender que uma obra de arte tem de ser
produzida pelo homem, o que é comum a outras teorias, mas na ideia de que para ser arte essa obra tem
de imitar algo. Daí que seja conhecida como teoria da arte como imitação.
Vários foram os filósofos que se referiram à Arte como imitação. Alguns desprezavam-na por
isso mesmo, como acontecia com o conhecido filósofo grego Platão que, ao considerar que as
obras de arte imitavam os objectos naturais, via essas obras como imagens imperfeitas dos seus
originais. Ainda por cima quando, no seu ponto de vista, os próprios objectos naturais eram por
sua vez cópias de outros seres mais perfeitos. Já o seu contemporâneo Aristóteles, ainda que
tenha mantido a ideia de Arte como imitação, tinha uma opinião mais favorável à Arte, uma vez
que os objectos que a Arte imita não são, segundo ele, cópias de nada.

Um aspecto geral desta teoria mostra-nos que é uma teoria centrada nos objectos imitados. Ela
exprime-se frequentemente através de frases como «esta série é fantástica, pois retrata

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fielmente a sociedade inglesa dos anos 60 do século passado», ou como «este quadro é tão
incrível, que mal conseguimos distinguir entre o que artista pintou e o modelo utilizado».

Exemplos:

Teoria da Arte como expressão / teoria expressivista

Esta teoria apresenta condições bem diferentes das condições apresentadas na teoria
anteriormente explicada. Afirma que a principal característica dos objetos e necessária para se
ter Arte é o sentimento colocado no processo de criação de uma obra. Para algo ser obra de
arte, tem que exprimir os sentimentos que o artista sentiu ao fazer a obra. Para além disso, o
auditório que presencia a obra tem que igualmente sentir o mesmo sentimento que o artista
inseriu na obra, não podendo haver diversidade de sentimentos e emoções. O Representante
dessa teoria é Liev Tolstoi.

É sabido que muitas obras de arte desencadeiam em nós a chamada “emoção estética”.
Insatisfeitos com a teoria da arte como imitação (ou representação), muitos filósofos e artistas
românticos (denominação que aponta para o século XIX) propuseram uma definição de Arte que
procurava libertar-se das limitações da teoria anterior, ao mesmo tempo que deslocava para o
artista, ou criador (o que é o mesmo que dizer: a subjectividade dele, mais o protagonismo dele,
digamos assim, a centralidade dele), a chave da compreensão da arte. Trata-se da teoria da arte
como expressão. Teoria que, ainda hoje, uma enorme quantidade de pessoas aceita sem
questionar. Segundo a teoria da expressão, Uma obra é arte se, e só se, exprime sentimentos e

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emoções do artista. O artista importa, ficando em segundo lugar a linguagem, por exemplo, bem
como o processo de criação.

 Exemplos;

Além disso, mesmo que uma obra de arte provoque certas emoções em nós, daí não se segue
que essas emoções tenham existido no seu autor, conforme mostraremos depois, a partir de
versos de Fernando Pessoa. Tal como na definição de arte como imitação, o mesmo se passa
aqui, pois acaba por não se verificar a condição necessária segundo a qual todas as obras de
arte exprimem emoções. É, assim, uma definição incompleta ou falha.

Teoria da arte como forma / teoria formalista

Para terminar de apresentar as teorias essencialistas, passemos à teoria da arte como forma.
Esta teoria veio substituir a teoria da mimesis e a teoria expressivista que, apesar da precisão,
deixaram formas de arte de lado. Com o avanço da arte, criou-se esta terceira teoria. Esta é uma
teoria abstrata, que começou a ser criada e estudada no início do século XX.

Quando contemplamos uma obra de arte e queremos descrevê-la, provavelmente iremos em


algum momento salientar, no caso da pintura, as formas geométricas, as coras, as linhas
circulares, as pinceladas; no caso da dança, os movimentos harmonizados e a melodia que traça
o desenrolar da dança; no caso da música, os tempos rítmicos, a junção das notas e acordes, os
movimentos que a música pode formar. Tudo que tem uma forma, com cores, traços e linhas, e
tem harmonia, põe-nos diante de uma Arte que produz emoção estética, fator decisivo para
determinarmos se algo é Arte ou não.

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Clive Bell defendeu a teoria da arte como expressão, sendo que a sua teoria é uma das mais
recentes a tentar capturar a essência da arte. Sempre defendeu, igualmente como a teoria
expressivista, que não existe uma característica comum a todas as obras de arte, apesar disso,
ele não descarta a idéia de poder vir a existir uma característica comum a todas as experiências
estéticas, podendo caracterizar a Arte como algo que provoque essa característica.

Exemplos:

Paralelamente às teorias mais conhecidas – exemplos e acréscimos contemporâneos

A palavra “Arte” deriva de “ars, artis”, do latim, e tem o significado de “engano, malícia; conjunto
de preceitos para a execução de qualquer coisa”
(https://books.google.com.br/books/about/Dicion%C3%A1rio_etimol%C3%B3gico_da_l
%C3%ADngua_port.html?
id=4yiODwAAQBAJ&printsec=frontcover&source=kp_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q&f
=false, p.60, consultado no dia 03/06/2022).

Talvez a maior parte das pessoas, ao pensar na Arte, para além de aceitar o pressuposto
romântico, como já foi dito, lembre-se dos museus, até porque eles têm algo de “sagrado”,
como um templo. Essas pessoas podem imaginar que apenas dentro desses templos está
concentrado o que é artístico e merece ser preservado. Mas, na verdade, o conceito de arte é
muito abrangente, como mostra a segunda parte da definição transcrita no parágrafo anterior e
extraída do Dicionário Etimológico Nova Fronteira . Nosso ritmo de vida é provavelmente o
responsável (juntamente com o excesso de estímulos e nossa escolarização) por bloquear
nossa atenção muitas vezes e, distraídos, não vemos tão bem a beleza da arte que está ao
nosso alcance em vários canais e que nos enriquece, como este texto mostrará.

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A Arte, segundo Alain de Botton e John Armstrong, existe entre nós para que a nossa memória
seja preservada, e neste caso a intenção é mais ou menos a mesma do nosso interesse pelas
selfies, feitas para termos uma recordação de um instante; ela serve também para que
tenhamos esperança (principalmente a arte mais alegre), sentimento que nos permite iniciar
uma carreira no desporto, um estudo e até um envolvimento amoroso; serve para que os
momentos de sofrimento sejam superados (podemos pôr essa função da arte à mostra, se
pensarmos no que a música fez pelas pessoas durante os períodos de confinamento ligados ao
COVID-19); ela é capaz de trazer ao nosso meio o que falta, como no caso dos poetas que
valorizaram a Natureza em momentos de falta de contacto real com ela; a arte igualmente
aumenta o entendimento do que se passa connosco, ou seja, ela nos ajuda a percebermos o
nosso interior, a nossa identidade, pois com ela (pela contemplação, por exemplo) damos valor
ao que já tínhamos sentido sem muita certeza ou às vezes sem termos encontrado as melhores
palavras para expressar, mas que o artista soube comunicar muito bem, pois é alguém que lida
essencialmente com as emoções e com uma forma de expressá-las.

Se estamos focados e orientados, podemos encontrar arte em obras de diferentes áreas. Ela
está nos livros, nos desenhos, nos filmes, no teatro, na televisão, na fotografia, na música, na
dança, na pintura, na escultura e na vidraria, está ainda na alta-costura, no pormenor do
bordado, na arquitetura e na culinária – que tanto nos atrai hoje, já que os programas culinários
gravados, alguns mais práticos e educativos, mas também os concursos e os realities, estão
sempre presentes nas grelhas da programação dos canais abertos e da televisão por
assinatura em Portugal. A Arte está nos museus e fora deles e se nos deixarmos inspirar, ela
pode ser nosso guia, desde o primeiro encantamento até à relação mais familiar, mas não
indiferente. Nesse sentido, ela pode ser terapêutica, curar-nos por meio das emoções, como diz
Alain de Botton.

A Arte é a expressão intencional das emoções sentidas ou forjadas pelo artista. Em português,
um dos maiores exemplos de artista que se apresentou ao público como alguém que inventava
as emoções dos poemas foi Fernando Pessoa. Em 1932, a revista Presença publicou
“Autopsicografia”, e os seus quatro primeiros versos são: “O poeta é um fingidor / Finge tão
completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”. Até hoje a maneira
como ele fez esse jogo de palavras, que não é gratuito, agarra as pessoas, faz com que elas
decorem os versos e sejam capazes de lembrar deles, porque é importante perceber o que

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estamos de verdade a revelar aos outros e o que estamos a querer que vejam em nós. Da
sinceridade e do estar habituado a sentir dependem muitas amizades e muitas colaborações.

Sentidas ou inventadas, as emoções são clarificadas pelo artista enquanto ele cria uma obra e
então ele as transmite a um público por meio de linhas, cores, texturas, volumes, profundidade,
escalas, gestos, contrastes, sombreados, palavras, sons e mais recursos que já têm uma
tradição na história da Arte ou que estão a ganhar novos significados, graças aos artistas mais
experimentais ou mais irreverentes, como é o caso de Banksy, que transmite as ideias de
contestação e de justiça, como também de delicadeza, por meio do grafite, no espaço público
urbano. Pode ser uma forma de arte com um estilo mais polémico, mas nos tem influenciado a
questionar o mundo abertamente, para que seja um espaço de mais coerência, mais tolerância e
reflita, como um espelho, valores mais nobres. Em setembro, na cidade do Porto, será encerrada
a exposição de algumas obras de Banksy e o interesse que as levou até essa cidade do norte do
país, que recebe muitos artistas, mostra que ele tem público
e que canaliza a curiosidade dos apreciadores de arte, ao
mesmo tempo em que deve inspirá-los.

O facto de haver crítica aos efeitos de uma obra de arte,


como no caso das críticas feitas por pessoas que veem Banksy como um vândalo e não como
um artista capaz de despertar emoções equilibradas, a partir da imagens, sublinha mais uma vez
a relação entre arte e emoção. Se ele questiona a sociedade
armamentista, como na obra abaixo, há quem a apoie e por isso não
seja apreciador das grafites que ele faz. No site da Alfândega do Porto,
onde a exposição está em cartaz, podemos encontrar a seguinte
pergunta: “BANKSY: Génio ou Vândalo? O público decide”. Deve fazer
parte de uma estratégia de venda, pois no ecrã, logo a seguir à
pergunta, há um link numa caixa de texto vermelha, para a compra de
bilhetes (https://banksyexhibitionporto.pt/, consultado em 04/06/2022). Mesmo assim, repete uma
crítica, uma espécie de incómodo sentido pelo público ou, em outras palavras, um sentimento
vindo da observação das obras.

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