Você está na página 1de 29

A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

[FILOSOFIA DA ARTE]

O que é a arte? Uma imitação da realidade ou a sua transfiguração? Uma expressão das emoções e senti-
mentos do artista? Uma emoção provocada pela forma do objeto contemplado ou uma pura sensação subje-
tiva? Em suma, o que faz com que uma obra seja artística?

Índice

O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DA ARTE

1. Teorias essencialistas
A arte como imitação/representação
§ A arte como imitação
§ A arte como representação
A arte como expressão
A arte como forma significante

2 teorias não essencialistas da arte


Teoria institucional da arte
Teoria histórica da arte

O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE ARTE


O QUE É A ARTE? O QUE É UM OBJETO ARTÍSTICO?

A este propósito, comecemos por analisar o texto seguinte.

TEXTO
A questão acerca da natureza da arte é an-
tiga. Nasceu com Platão e, daí para cá, não
tem deixado de, uma ou outra vez, inquie-
tar os filósofos. Mas na segunda metade
do século XX esta questão impôs-se como
inadiável, em grande parte devido às sur-
preendentes e filosoficamente perturban-
tes mutações que iam acontecendo na prá-
tica artística. A perplexidade era

60
compreensível. Até aí, quase toda a gente sabia como decidir se um objeto era ou não uma obra de arte
porque a diferença entre as obras de arte e os outros objetos era explicitamente exibida nas próprias obras
pela via de propriedades de forma e conteúdo. Por exemplo, era uma condição necessária, para que uma
coisa fosse uma pintura ou uma escultura, que fosse uma imagem, a duas ou três dimensões, de um objeto
ou acontecimento, real ou fictício. Aquilo a que hoje chamamos arte abstrata não seria admitido como arte
por não satisfazer este requisito. A música combinava sons de acordo com regras respeitantes à harmonia,
melodia e ritmo, e modalidades estabelecidas, como a sonata, a fuga e a sinfonia. Assim, as obras de Cage
ou Stockhausen não se enquadrariam nesse domínio. A literatura, o teatro e a dança obedeciam também a
regras próprias e não havia qualquer lugar no sistema das artes para realidades como os happenings, os
objects trouvés, os ready-made ou a arte conceptual. «Objeto ansioso» foi a expressão inventada pelo crítico
de arte Rosenberg para designar a espécie de criação artística que visa deliberadamente manter-nos na
incerteza sobre se é ou não uma obra de arte. O mais célebre de todos foi A Fonte, de Duchamp, mas outros
apareceram depois dele que continuaram a dividir os filósofos quanto à posição que deviam tomar a seu
respeito.
Carmo D’Orey (org.), O que é a arte? A perspetiva analítica, Dinalivro, 2007, pp. 9-10.

— Que problemas trouxe o século XX à natureza da arte?

Segundo o texto, a arte da segunda metade do século XX veio pôr em causa os critérios que até então
permitiam determinar o que era ou não arte.

VAMOS DEBATER?
As designadas «obras de nada», isto é, obras com o mínimo de materialidade, feitas virtualmente de vazio,
são um bom exemplo da arte da segunda metade do século XX. Uma das mais conhecidas e polémicas é,
sem dúvida, 4’33’’, de John Cage. A peça, composta em 1952, pode ser executada por qualquer grupo de
instrumentos e está dividida em três movimentos de duração desigual (30’’, 2’23’’ e 1’40’’) durante os quais
os intérpretes não tocam rigorosamente nada. A indicação do início e fim de cada movimento é dada a partir
de um qualquer sinal, por exemplo, fechando a tampa do piano para determinar o seu começo e abrindo-a
para indicar o seu término (ou vice-versa). É recomendado que os instrumentistas estejam concentrados, que
marquem o tempo e que virem corretamente as páginas da partitura. A primeira interpretação desta peça
ocorreu em 1952, em Woodstock, pelo pianista David Tudor. Até que ponto podemos chamar arte a obras
como as de John Cage?
https://www.youtube.com/watch?v=JTEFKFiXSx4

A arte foi durante muitos séculos entendida como o território do belo, daí, por exemplo, a designação,
ainda hoje comum, de belas-artes. A beleza correspondia à ordem e à proporção e o feio (ou horrível)
era entendido como ausência de beleza, desordem e assimetria.

Belo e feio facilitavam o reconhecimento da fronteira entre arte e não-arte. O belo era pertença da arte, o feio
não; o belo identificava-se com o bem, o feio não.

61
A repulsa causada pelo feio resulta, possivelmente, da dificuldade em lidar com o diferente. O feio causa
repulsa, incomoda; o belo atrai, apazigua. Daí que o feio fosse identificado com a imperfeição, ou ausência
de beleza, e o belo com a perfeição.

A arte contemporânea veio alterar o conceito de arte, transformando e alargando os termos da definição da
obra de arte. A arte deixa de ser exclusivamente o território do belo para se alargar a outras formas de ver,
interpretar e comunicar o e com o mundo. O feio (ou horrível), por exemplo, excluído do território artístico
durante séculos, é elevado a categoria estética. Deixa, pois, de ser considerado o polo negativo do belo e
emerge enquanto possibilidade artística.
A beleza representa a ordem e a proporção; o feio corresponde à desmedida, à desordem e desarmonia. O
que haverá na representação do feio capaz de suscitar um fascínio distinto daquele que é suscitado pela
representação do belo, e tão necessário quanto este último?

A arte contemporânea alterou a visão tradicional do belo e do feio, diluiu as fronteiras e as definições.
Esta indeterminação abriu as portas ao diálogo e à convivência entre perspetivas consideradas incompatíveis,
transformando a arte num território de absoluta liberdade.

.
À esquerda, o retrato do Papa Inocêncio X (1650), do pintor espanhol Diego Velásquez (1599-1660), em estilo
realista. O vermelho e o dourado marcam a imponência e a autoridade da figura. Em 1953, o pintor irlandês
Francis Bacon (1909-1992) fez um estudo sobre o mesmo quadro em que o amarelo dá ao trono a aparência
de uma cadeira elétrica e a figura papal parece gritar de dor (à direita). O horror que Bacon colocou na ex-
pressão do Papa diz-nos que ele é humano, falível e mortal.

Neste capítulo, vamos estudar várias respostas ao problema «O que é a arte?».

Comecemos desde já por dizer que a pergunta é de difícil resposta. Com efeito, definir a arte implicaria expli-
car o que têm em comum atividades diversas como a pintura, a fotografia, a arquitetura, o cinema, a música,
a poesia, o teatro, a dança, performances, happenings, site-specific art, etc. Por outras palavras, uma defini-
ção adequada de arte teria de aplicar-se e de valer para todas as atividades a que damos o nome de artísticas.

62
Dada a dificuldade, muitos pensadores consideraram que definir a arte é tarefa condenada ao fracasso. Con-
tudo, houve ao longo da história do pensamento diversas conceções sobre o que é a arte. Essas diferentes
conceções são reveladoras dos problemas que a definição de arte suscita. Serão referidas as mais habituais.

O problema, contudo, não acaba aqui. Se é um facto que nem tudo é arte, há, então, que aferir critérios de
validação. Ora, fazê-lo, inevitavelmente, é excluir dessa denominação tudo o que não os respeite ou os ultra-
passe. Mas a verdade é que o impulso criador (e criativo) do artista, desafia-o, permanentemente, a libertar-
se dos cânones e a produzir algo absolutamente inovador e transgressor. E a arte caracteriza-se, também,
por este dinamismo. Por isso, a sua definição encerra em si mesma uma contradição, pois visa encontrar os
limites de um conceito que, em si mesmo, é aberto.

Não obstante estas dificuldades, a resposta à questão "O que é a arte?" continua a ser objeto de reflexão da
Filosofia. Na realidade, o que se pretende saber é se existem elementos ou marcas comuns às diferentes
formas de arte ou critérios que nos permitam distinguir os objetos artísticos de quaisquer outros
objetos.

O ser humano, porque é capaz de criar, mobiliza os conhecimentos e as técnicas para que possa responder
à necessidade que sente de traduzir as experiências e emoções que o mundo lhe oferece. De cada vez que
o faz de um modo novo, único e original, recriando sentidos, produz arte. Assim, é pela arte que o ser humano
cria um espaço de transfiguração da realidade e descobre uma nova dimensão de possíveis deixando a sua
marca no mundo.

Em suma, a arte traduz a necessidade humana de compreender e dar novos sentidos à realidade e de ex-
pressar vivências, sentimentos e desejos que nascem de uma forma peculiar de ser, ver e estar no mundo.
São, por isso, inúmeras as produções que ao longo da história foram consideradas arte. Tê-lo-ão sido justa-
mente? E segundo que preceitos?

Retomemos então o problema: afinal o que é a arte? O que é um objeto artístico?

O que queremos é uma definição de arte, isto é, saber que características têm em comum todas as obras de
arte. O mesmo é perguntar pelas condições necessárias e suficientes para que um objeto seja considerado
artístico.

Este é um dos problemas centrais da filosofia da arte e ganhou uma enorme centralidade a partir do momento
— mais propriamente com a arte contemporânea — em que uma pluralidade de objetos passou a poder ser
classificado como artístico.

Ensaiemos então uma resposta a este problema, para já, através da análise de três das mais importantes
teorias de definição de arte: a teoria da arte como imitação/representação, a teoria da arte como expres-
são e a teoria da arte como forma.

As três teorias que iremos analisar a seguir são teorias essencialistas. São assim designadas porque pro-
curam encontrar a essência da arte, isto é, um núcleo de características essenciais que todos os objetos
artísticos possuem e só eles possuem.

63
1. TEORIAS ESSENCIALISTAS

A arte como imitação/representação


A arte como imitação

Luciano Ventrone, Pomegranate. Arte hiper-realista.

Diego Fazio, Riflesso (2015). Arte hiper-realista. Desenho a lápis sobre papel.

64
Ron Mueck, O Rapaz (1999). Escultura hiper-realista.

Desde a Antiguidade clássica1, e até ao final do século XVIII, a imitação foi o critério usado para classificar a
arte. Esta designação aplicava-se sempre que, através de uma criação, um artista reproduzia, fielmente, a
realidade. Se, pelo contrário, ele não a retratasse adequadamente, a sua obra não seria considerada artística.
Ou seja, só era considerada arte a obra que imitasse (ou copiasse) numa tela ou num bloco de mármore
aquilo que a realidade é. Quanto mais perfeita fosse a imitação, mais valor artístico teria. Zeuxis (464-398
a. C.), um pintor grego antigo, tornou-se famoso pela perfeição das suas imitações, nomeadamente ao pintar
uvas com um tal realismo que até os pássaros tentavam comê-las.

A ideia de que a arte — e sobretudo a pintura — imita ou deve imitar a realidade, constituindo-se como uma
cópia ou espelho no qual os objetos são refletidos o mais fielmente possível, tem, portanto, uma longa tradi-
ção. Não tendo hoje em dia aceitação nos meios artísticos ou nas teorias sobre a arte, continua, contudo, a
seduzir a opinião pública em geral.

Assim, a tese central dos defensores da teoria da arte como imitação é a seguinte:

Þ Se X é arte, então imita algo.

Esta teoria, apesar de muito antiga, continua a ser muito popular. Ouvimos frequentemente opiniões como as
seguintes:

— Mas isto é arte? Não vejo nada neste quadro a não ser riscos e manchas de tinta.
— O livro que acabei de ler não é um romance nem é nada, não tem a ver com coisa alguma.
— Se isto é uma escultura, é uma escultura do quê?

1
Uma das mais antigas teorias da arte foi defendida pelos filósofos gregos Platão (c. 427-347 a. C.) e Aristóteles (384-
322 a. C.). Ambos defendiam que a arte é imitação. Porque pensava que a arte era imitação, Platão encarava a arte de
forma negativa, neste aspeto, ao contrário de Aristóteles. Platão achava que qualquer imitação era digna de censura,
porque não nos mostrava a verdade: substituir o modelo original pela sua cópia é o mesmo que fechar os olhos à verdade.
Ainda por cima, pensava que a realidade que os artistas imitavam era por sua vez uma pálida imitação da realidade
suprema, que só existia para lá do mundo dos sentidos.

65
— O filme que acabei de ver é uma grande obra, pois mostra bem a futilidade da sociedade dos anos 80.

A qualquer destas opiniões está subjacente a ideia de que a arte é imitação. As três primeiras sugerem, direta
ou indiretamente, que o quadro, o romance e a escultura não merecem ser chamados «arte» por não se
perceber o que imitam. A última opinião atribui valor artístico ao filme por apresentar uma imitação fiel de
algo, mais precisamente da sociedade dos anos 80.

Nas galerias de arte dos nossos dias, ainda encontramos pessoas a dizer, em tom de aprovação, que toma-
ram o quadro pela realidade que ele supostamente representava. Para quem concebe a arte como imitação
ou cópia do real, a obra artística seria tanto mais valiosa quanto mais iludisse e enganasse, isto é, quanto
maior fosse a «ilusão de realidade» provocada em quem a contempla.

Vejamos os principais pontos que perecem favoráveis a esta teoria:

a. Adequa-se ao facto incontestável de muitas pinturas, esculturas e outras obras de arte, como peças
de teatro ou filmes imitarem algo da natureza: paisagens, pessoas, objetos, acontecimentos, etc.
b. Oferece um critério de classificação das obras de arte bastante rigoroso, o que nos permite, aparen-
temente, distinguir com alguma facilidade um objeto que é uma obra de arte de outro que o não é.
c. Oferece um critério rigoroso de avaliação das obras de arte, permitindo-nos distinguir facilmente as
boas das más obras de arte. Neste sentido, uma obra de arte seria tão boa quanto mais fiel fosse a
imitação.

Mas poder-se-á considerar que é arte tudo o que imita alguma coisa?

VAMOS DEBATER?
Suponhamos que um falsário recria com perfeição uma obra de Dali – feita ao estilo exato do mestre, imacu-
lada até à última pincelada, indetetável como falsa pelos peritos. Normalmente, por melhor que seja, uma
cópia é desprezada, já que não é uma obra do mestre, é uma mera imitação à qual falta a originalidade e o
génio criativo. Mas logo que a obra seja separada das suas raízes, não passarão tais considerações a ser
secundárias? O que responderão os defensores da teoria da arte como imitação?

Coloquemos, novamente, a questão: Poder-se-á considerar que é arte tudo o que imita alguma coisa?
A resposta é, obviamente, não.

A teoria da arte como imitação levanta uma série de problemas:

a. Não sendo a imitação um exclusivo da arte, tudo o que é imitação é arte?


b. Que interesse pode ter a arte se se limitar a imitar?
c. A imitação de uma obra de arte é ela mesma arte? Isto é, a fraude e a contrafação podem ser consi-
deradas arte?
d. Será que é esta capacidade para reproduzir a realidade que dá valor artístico a uma obra?
e. Será que uma obra é artística se «copiar» a realidade, se nos iludir ao ponto de pensarmos que
estamos a olhar para a realidade natural e não para um simples quadro ou escultura?

66
Vejamos os principais pontos que perecem desfavoráveis a esta teoria:

a. Há imitações que, mesmo realizadas na perfeição, jamais poderão ser consideradas arte. Tal acon-
tece, por exemplo, quando, numa situação social, alguém imita um comportamento exemplar ou con-
denável de outrem. Neste caso e, por muito fiel que seja o decalque, estamos certos de que ele não
é arte e de que o seu autor não é artista. Conclui-se, pois, que não basta imitar para ser arte.
b. Se a arte fosse mera imitação, poderia, por exemplo, a arquitetura ou a maioria das composições
musicais serem considerados arte? Certamente que não. Afinal, o que imitam a Nona Sinfonia, de
Beethoven, ou o Requiem, de Mozart? E quando a ficção literária nos transporta para além da reali-
dade? Isso não é arte?
c. Se a imitação fosse o critério de separação entre arte e não arte, a arte ficaria reduzida a um certo
número de produções. A não ser que recusemos o estatuto de arte a muitos quadros e esculturas
que são geralmente classificadas como tal, dificilmente poderemos concordar que a imitação é ne-
cessária à arte. Milhares de obras de arte abstrata e de peças de música instrumental, as quais não
imitam seja o que for, refutam a tese de que toda a arte imita algo. Por isso, a imitação não é uma
condição necessária para algo ser arte.
d. Se o valor estético de uma obra dependesse do seu grau de aproximação à realidade, o belo natural
seria sempre superior ao belo artístico.
e. E como aceder à realidade original que motivou a obra a fim de determinar a exatidão e perfeição da
cópia? Tal não parece possível, pelo intervalo temporal que separa o momento da criação do da
contemplação, pela dificuldade em aceder ou recuperar o objeto original. Basta pensar em obras que
imitam algo que já não existe ou não é do conhecimento de quem as aprecia. Como podemos saber
se A Escola de Atenas, pintada por Rafael em 1510, reproduz com perfeição as figuras de Platão e
Aristóteles ou o ambiente da Academia do séc. IV a.C.? Pior, como sabemos que o Jardim das Delí-
cias, de Bosch, imita bem aquelas figuras estranhas e inverosímeis, admitindo que algo está a ser
imitado? Como podemos saber se O Nascimento de Vénus, de Botticelli, é uma boa imitação, se é
que, mais uma vez, algo é imitado?

A Escola de Atenas, pintado


por Rafael em 1510. Museus
do Vaticano, Roma.

Como podemos saber se A


Escola de Atenas, pintada
por Rafael em 1510, reproduz
com perfeição as figuras de
Platão e Aristóteles ou o am-
biente da Academia do séc.
IV a.C.?

67
Jardim das Delícias, de Bosch. Criado entre 1503 e 1515. Museu do Prado, Madrid.
Como sabemos que o Jardim das Delícias, de Bosch, imita bem aquelas figuras estranhas e inverosímeis,
admitindo que algo está a ser imitado?

O Nascimento de Vénus, de Botticelli.1483. Galleria degli Uffizi, Florença, Itália


Como podemos saber se O Nascimento de Vénus, de Botticelli, é uma boa imitação, se é que, mais uma
vez, algo é imitado?

68
A Tentação de Santo Antão, de Salvador Dali (1946)
O que imita esta obra de Dali? Os elefantes e os cavalos são assim na realidade? As patas dos elefantes
são como as patas dos mosquitos?

Pietà, de El Greco. 1592.

Pietà, de Miguel Ângelo. 1499 Pietà, de Van Gogh. 1889

Nestas três imagens, encontramos representado um tema da arte cristã: Jesus Cristo após a crucificação,
nos braços da sua mãe, a Virgem Maria. Ou seja, estamos perante três obras que representam o mesmo
tema. Como poderemos saber qual delas é a melhor imitação do tema representado? Das três, a que nos
pode parecer mais realista e, por isso, a que poderá imitar melhor a realidade é a escultura de Miguel Ângelo.
Mas as restantes obras deixarão de ter valor artístico por parecerem representar a realidade de forma menos
realista? Uma obra de arte não implicará sempre que o seu autor faça uma interpretação subjetiva da reali-
dade, logo uma recriação e nunca uma imitação?

69
Vejamos um resumo dos aspetos a favor e contra a teoria da arte como imitação.

TEORIA DA ARTE COMO IMITAÇÃO


Aspetos a favor Críticas
É incontestável que muitas obras de arte imitam Quanto ao critério de classificação, a teoria falha,
algo: paisagens, pessoas, objetos, etc. pois há obras que são reconhecidamente arte e não
são tidas como tal.
A teoria da arte dá-nos um critério para classificar
aquilo que pode ser considerado arte. Há obras de arte que não imitam coisa alguma. A
música instrumental, por exemplo, não parece imitar
Dá-nos, igualmente, um critério para valorar as
o que quer que seja. Neste sentido, o seu critério
obras de arte. As melhores obras de arte serão
valorativo falha.
aquelas que melhor imitarem o objeto representado.
Como saber se uma obra imita ou não realmente o
seu objeto? Por exemplo, o quadro A Escola de Ate-
nas, de Rafael, até que ponto é uma imitação da es-
cola real?

A arte como representação


A teoria da arte como imitação foi inquestionável durante muito tempo. No entanto, a partir do momento em
que começaram a surgir obras de arte, reconhecidas como tal na Modernidade e que não encaixavam nesta
definição, os seus defensores foram obrigados a reinterpretá-la. O conceito de imitação foi substituído pelo
de representação. Assim, todas as obras de arte devem representar algo.
A tese central da teoria da arte como representação é: um objeto é uma obra de arte se representar algo.
O conceito de representação é mais abrangente do que o de imitação. Toda a imitação é representação, mas
há representações que não são imitações. Exemplos de representações que não são imitações são as cinco
quinas e o emblema do Benfica. O primeiro representa Portugal e o segundo o Benfica. Mas nenhum deles
imita seja o que for.
Assim, já se torna possível classificar como arte coisas que a teoria da imitação excluía. Porque o conceito
de representação é mais abrangente do que o de imitação, pode até incluir obras de arte abstrata que, reco-
nhecidamente, não imitam seja o que for. Mesmo que as cores, linhas e manchas das pinturas abstratas de
Kandinsky não possam imitar a morte, a vida, a dor ou a alegria, podem, contudo, representá-las. Foi isso
que o próprio artista afirmou. A tese passa, então, a ser:

Þ Se X é arte, então representa algo.

Embora a Nona Sinfonia, de Beethoven, o Requiem, de Mozart, ou uma ficção literária não imitem nada, o
facto é que podemos argumentar que representam a alegria, a vida ou o amor e que, por isso, são arte.
Assim já poderíamos dizer que as quatro primeiras notas da 5.ª Sinfonia de Beethoven não imitam direta-
mente a morte a bater à porta, mas representam a morte a bater à porta. O mesmo se passaria com a
literatura, da qual talvez não se possa dizer que imita, mas que representa sempre algo que acontece no
mundo.

Ainda assim, esta nova versão da teoria não parece escapar a contraexemplos, pois continua a haver pinturas
abstratas que dificilmente se consegue mostrar que representam algo. O que representam, por exemplo, as

70
pinturas monocromáticas de Yves Klein (ver imagem)? E obras de arquitetura, como a casa da cascata de
Frank Lloyd Wright? O mesmo se pode dizer da música, pelo menos da maior parte da música instrumental.
Parece, pois, que a teoria da representação também acaba por não incluir tudo o que desejaríamos que
incluísse para se tornar aceitável.

YKB 2 (1961), de Yves Klein (1928-62). A Casa da Cascata ou Fallingwater House, de Frank Lloyd
Este quadro monocromático Wright, Pittsburgh, anos 30 do séc. XX, um dos marcos da ar-
(de uma só cor) representa algo? quitetura moderna.

O que representam a pintura Composição (1946) de Jackson Pollock (ver imagem) ou as Suites para Violon-
celo Solo de Bach? Dificilmente diríamos que representam algo.

Composição (1946), de Jackson Pollock

Portanto, mesmo após a revisão do conceito, esta abordagem não está isenta de críticas, pois continua a
haver obras que nada representam, como é o caso dos exemplos que demos ou de algumas pinturas com
jogos de cores ou composições geométricas (por exemplo, na Op Art e na arte cinética — ver imagens) que

71
não são concebidas para representar nada, mas tão-somente para criarem efeitos visuais interessantes e
que, não obstante, recebem a denominação de arte.

Victor Vasarely, Vega III, Op Art. 1957-1959

Arte cinética (= movimento)

72
Fonte (1917), de Marcel Duchamp (1887-1968).

Este ready-made é uma das mais famosas e provoca-


tórias obras de arte do séc. XX. Ready-made foi o nome
dado a objetos vulgares de produção industrial que o
artista utilizava, limitando-se a pegar neles e a exibi-los
em galerias e museus.

Duchamp pegou num objeto comum, um urinol, e deu-


lhe uma nova configuração, criou uma nova forma de
ver o objeto, e, através desse ato, destituiu-o da utili-
dade que o tornava um objeto comum. Transformou-o
em objeto de contemplação.
Será isso suficiente para considerarmos que estamos
perante uma obra de arte? Poderemos considerar arte
um objeto que não foi produzido para o ser?

Assim, a teoria da representação também não é suficientemente abrangente, pois há contraexemplos impor-
tantes que não podem deixar de ser levados em conta. Porém, continua a ser verdade que muita arte imita
ou representa algo.
Apesar destes e de outros contraexemplos possíveis, o principal problema da teoria da representação está
no facto de muitas coisas representarem algo e não serem arte. Por exemplo, os sinais de trânsito represen-
tam e não são arte.

Discussão
«Que vaidade a da pintura que atrai a admiração pela semelhança com coisas que não despertam por si
admiração!», exclama o filósofo francês Blaise Pascal. Concorda? Porquê?

Será que a obra O Nascimento de Vénus, de Botticelli, imita ou representa mesmo o nascimento de Vénus?
Justifique.

A arte como expressão


(Teoria expressivista)

Esta teoria, também conhecida como teoria expressivista, tenta ultrapassar as limitações da teoria da imi-
tação. Agora, o lugar central já não é ocupado pelo objeto que o artista deve imitar, mas pelo próprio sujeito,
cujas emoções está a expressar. O ponto de referência é o mundo interior do artista e já não a realidade
exterior.

Podemos sintetizar esquematicamente a teoria do seguinte modo:

Emoções do Mesmas emoções


Obra de arte
artista no espetador

73
TEXTO
A atividade da arte é baseada no facto de que o homem, ao receber pela audição ou visão as expressões dos
sentimentos de outro homem, é capaz de experimentar os mesmos sentimentos daquele que os expressa. O
exemplo mais simples: um homem ri e outro homem sente-se alegre; ele chora e o homem que ouve esse
choro sente-se triste; um homem está animado, aborrecido, e outro, olhando-o, entra no mesmo estado. Com
os seus movimentos, o som da sua voz, um homem demonstra alegria, determinação ou, ao contrário, me-
lancolia, calma – e essa disposição comunica-se aos outros. (…) A atividade da arte baseia-se nessa capa-
cidade que as pessoas têm de ser contagiadas pelos sentimentos de outras pessoas. (…) A arte começa
quando um homem, com o propósito de comunicar aos outros um sentimento que ele experimentou certa vez,
o invoca novamente dentro de si e o expressa por certos sinais exteriores. (…) É arte se um homem, tendo
experimentado na realidade ou em imaginação o horror do sofrimento ou a delícia do prazer, expressa esses
sentimentos sobre a tela ou no mármore de tal maneira que outros sejam contagiados por eles. E da mesma
forma será arte se um homem que vivenciou ou imaginou sentimentos de regozijo, felicidade, tristeza, deses-
pero, alegria, melancolia, bem como as transições entre esses sentimentos, vier a expressá-los em sons, de
forma que os ouvintes se contagiem deles e os vivenciem da mesma maneira como ele os experimentou.
L. Tolstoi, O que é a Arte?, Edidouro, 2002, pp. 73-75 (adaptado).

— Utilizando frases do texto, exponha as características da arte, segundo o autor.

A teoria da arte como expressão considera que só existe arte se houver expressão de emoções e senti-
mentos por parte do artista e se a sua obra contagiar com as mesmas emoções e sentimentos o seu público.
A arte é o veículo privilegiado para a comunicação de sentimentos e emoções do artista.

O escritor e pensador russo Tolstoi (1828-1910), autor de Guerra e Paz e de Anna Karenina, foi um dos
protagonistas desta teoria.
Para Tolstoi, a arte é um meio de comunicação de sentimentos, de emoções, e o artista deve, pela sua obra,
expressá-los e contagiar o recetor. O estado emocional do artista é exteriorizado, trazido à superfície e trans-
mitido aos espectadores, leitores e ouvintes.
Na obra de arte, o artista cria algo que exprime o sentimento que experimentou. Segundo Tolstoi, a
criação de uma obra de arte é um processo constituído pelos seguintes momentos: primeiro, o artista tem
uma experiência ou um sentimento que pode ser o medo ou a alegria, a angústia ou a esperança. Decide
então partilhar esse sentimento com os outros, incuti-lo, dar-lhes esse mesmo sentimento de modo a que se
tornem, por exemplo, alegres e esperançados ou angustiados e receosos. Para comunicar este sentimento
aos seus semelhantes, cria uma obra de arte – uma história, um romance, uma peça teatral, um poema, um
tema musical, que lhe dará de novo aquele sentimento original que a motivou. Mas — mais importante —
produzirá nos outros seres humanos o mesmo tipo de sentimento. A arte é essencialmente uma forma de
comunicação no sentido em que o sentimento que levou o artista a criar a sua obra é também vivido pela sua
audiência. O artista não se limita a descrever o seu sentimento de alegria ou de dor; não se limita a revelar
ou a mostrar o seu sentimento de raiva ou de medo; o artista partilha os seus sentimentos com os seus
semelhantes (os outros homens), criando uma obra de arte que os faz sentirem-se alegres, aterrorizados, etc.

74
Não é de surpreender que Tolstoi rejeite como pseudoarte (= falsa arte) muitas obras que usualmente são
aceites como artísticas. A arte deve ter como sua origem uma experiência ou um sentimento do artista. Muita
pseudoarte deve-se à falta de sinceridade do artista ou à tentativa de criar uma obra de arte que não tem a
sua origem num sentimento ou numa experiência reais.
Em resumo, a arte exige a adequada expressão de um sentimento genuíno.
Tem-se definido a arte como a linguagem das emoções, tem-se dito que a arte exprime e comunica senti-
mentos. A caraterística distintiva da teoria de Tolstoi é a de que o sentimento real do artista é efetivamente
comunicado pela obra que cria. Segundo Tolstoi, não nos limitamos a reconhecer que o autor de um poema
foi afetado por um autêntico sentimento de dor. Se o poema for uma genuína obra de arte, sofremos. A teoria
de Tolstoi estabelece uma íntima conexão entre arte e vida.

O Grito, de Edvard Munch (1893). Obra-prima do expressionismo.

Mas esta teoria também coloca problemas:

a. Há artistas que criam obras — um poema, um quadro ou uma sinfonia — num estado de espírito do
qual está ausente a ideia de transmitir sentimentos e emoções. Concluiremos que tal criação é uma
obra de arte inferior?
b. Uma obra de arte deve valer por si e não pelo que quer transmitir.
c. Há obras que não exprimem qualquer sentimento ou emoção.
d. Há obras que são encomendadas, não resultando de uma emoção vivida pelo seu autor, e que este
aceita, muitas vezes por necessidades financeiras.
e. Presume-se que a obra de arte exprime uma emoção ou um sentimento experienciado pelo artista.
Mas como poderemos ter a certeza da existência dessa experiência e da sua efetiva a tradução na
sua obra? Os estados mentais dos artistas são-nos inacessíveis.
f. Será plausível sugerir que trabalhos arquitetónicos expressam emoção?

75
A obra que se apresenta a seguir exprime que emoções ou sentimentos? Muito dificilmente poderemos afir-
mar isso.

Kandinsky, Negro e Violeta (1923)

Em resumo, vejamos que aspetos podem ser apontados como positivos à teoria da arte como expressão e
que críticas lhe podem ser feitas.

TEORIA DA ARTE COMO EXPRESSÃO


Aspetos a favor Críticas
Dificilmente se podem classificar como arte todas as
Vários são os artistas que reconhecem que na ori-
obras de arte.
gem de sua criação artística estão emoções e senti-
mentos. Há obras que não exprimem qualquer emoção ou
sentimento.
Apresenta um critério abrangente para classificar
Há muitos objetos que geram emoções e que não
um objeto como obra de arte.
são obras de arte.
O seu critério valorativo é claro, já que uma obra de O critério de valoração falha, pois como podemos
arte será tanto melhor quanto melhor conseguir ex- saber se uma obra exprime exatamente as emoções
pressar os sentimentos do seu criador. do artista quando ele já morreu ou decide ocultá-
las?
É uma teoria que, maioritariamente, se caracteriza
pela simplicidade. Não há qualquer garantia que aquilo que sentimos
perante uma obra de arte corresponde ao senti-
Permite incluir no universo da arte obras que a teoria mento do seu criador.
da imitação excluía (algumas obras de arquitetura,
composições musicais, algumas pinturas abstratas).

76
A arte como forma significante
A TEORIA FORMALISTA

Como vimos, alguma das principais dificuldades levantadas pelas teorias da arte como imitação e arte como
expressão ligavam-se ao facto de elas não oferecerem um critério de classificação suficientemente abran-
gente, acabando por destituir de valor artístico muitas obras que, atualmente, são reconhecidas como arte.
Por isso, a questão mantém-se: o que separa a arte da não arte?

Clive Bell (1881-1964), no início do século XX, procurou responder a esta questão.

Quando descrevemos uma obra de arte, podemos descrever as linhas e as cores, como no caso da pintura,
as rimas, a métrica e a aliteração, como no caso da poesia. No caso da música, podemos dar atenção à clave
— em Dó ou em Fá, por exemplo —, aos movimentos de que se compõe — allegro, andante, etc. —, ao ritmo,
etc. Costumamos, nos nossos juízos estéticos, dizer que uma obra está bem organizada, que é harmoniosa
na conjugação dos seus elementos. Uma escultura pode ser considerada bem proporcionada. Um bailado
pode ser apreciado esteticamente dando relevo à elegância e graça dos movimentos quer individuais quer
coletivos. Ao falarmos destes aspetos, estamos a referir-nos à forma das obras artísticas, às suas propri-
edades formais, e não ao seu conteúdo. A forma tem que ver com uma certa relação que se estabelece
entre as partes que compõem uma obra.

Clive Bell defendeu que a forma é o objeto da nossa apreciação estética. Para dizermos que uma obra é
artística, é suficiente a consideração da forma. Não importa para a apreciação artística o que a obra eventu-
almente representa, se o faz com precisão ou não. Também não importa a intenção do artista ao produzir a
obra nem o meio cultural em foi realizada. As qualidades formais de uma obra são tudo o que interessa para
decidir se tem valor artístico ou não, se é arte ou não. A essa “forma” capaz de produzir no espetador um
modo particular de emoção, a emoção estética, chama Bell “forma significante”.

Ou seja, o verdadeiro objeto artístico tem em si uma propriedade particular que o distingue de todos os outros
objetos: essa propriedade é a forma significante.

Sabemos que estamos diante de uma obra de arte quando esta desencadeia em nós um tipo específico de
emoção, a emoção estética, a qual, por sua vez, é provocada por um tipo igualmente específico de proprie-
dade que só a arte detém: a forma significante.
Esta propriedade particular da arte radica na estrutura da obra, na relação que se estabelece entre as suas
várias partes. Por exemplo, na harmonia de sons de uma canção, na sequência de cenas de um filme, na
estrutura narrativa de um romance ou na combinação de cores numa pintura, capazes de gerar em nós uma
emoção estética. Falamos, portanto, de propriedades formais da obra, e não do seu conteúdo ou do que ela
pretende imitar/representar. É uma determinada disposição dos elementos (e não, por exemplo, uma suposta
mensagem a transmitir) que, por despertar em nós uma emoção estética, faz de algo uma obra de arte.
A qualidade do trabalho do artista resulta da maior ou menor competência na disposição dos elementos que
constituem a sua obra. É nessa competência que se mede, em rigor, a sua capacidade criativa.

77
E o que está na origem da forma significante?

Segundo Bell, é a capacidade do artista em articular formas, linhas e cores. Esta capacidade produz a forma
significante que, por sua vez, irá ser captada pelo observador e despertar nele a emoção estética. Deste
modo, enquanto observadores da obra de arte, devemos procurar a forma significante (e não a emoção do
artista), pois só ela pode dar origem à emoção estética.

Podemos assim concluir que a teoria formalista define arte a partir do sujeito e não do objeto, ou seja, sem a
captura da forma significante através da emoção estética, não é possível classificar nada como sendo arte.

Frases como “Este quadro é uma verdadeira obra prima devido à excecional harmonia das cores e ao equilí-
brio da composição”, ou como “Aquele livro é excelente porque está muito bem escrito e apresenta uma
história bem construída apoiada em personagens convincentes e bem caracterizadas”, exprimem habitual-
mente uma perspetiva formalista da arte.

Podemos perguntar: mas não será que quase tudo tem uma forma, inclusive os objetos que não consideramos
artísticos? Sim, mas o que distingue a forma artística é ela resultar do facto de o artista manipular, explorar,
organizar e desenvolver certas qualidades formais unicamente tendo em vista a contemplação da obra e o
despertar de uma emoção estética no momento dessa contemplação.

É esta «forma significante» que produz no espetador a emoção estética. A forma significante é uma carac-
terística comum a todas as obras de arte, resultante da combinação estabelecida entre as partes que a cons-
tituem (cores, linhas, sons, movimentos...). O que desperta a emoção estética são precisamente essas rela-
ções entre as partes. A tarefa do artista é dispô-las e combiná-las entre si. O poder para produzir emoção
estética é inerente à forma significante.

Imaginemos que certos objetos, quando contemplados adequadamente, não despertam em nós uma emoção
estética. Se não o fazem, não são arte porque não têm em si a forma significante que necessariamente a
despertaria. Mas podemos perguntar: e se alguém não sente emoção estética perante uma efetiva obra de
arte? Então, diz Bell, isso deve-se a um problema de sensibilidade do espetador e não à obra em si. Ora, isto
pode ser considerado elitismo... pois defende que só algumas pessoas conseguem sentir a emoção estética
que a obra de arte transmite.
O reconhecimento da forma significante exige do observador sensibilidade e inteligência, como condição para
a sua captação. É a forma significante que nos conduz ao êxtase, que nos provoca a emoção estética. Mas
já sabemos que nem todos os espectadores são capazes de perceber a forma significante e ter uma emoção
estética: apenas os que forem dotados de uma certa sensibilidade são capazes de perceber, intuitivamente,
a forma significante na obra de arte. Para o conseguirem, devem abstrair-se do conteúdo da obra e dar aten-
ção apenas aos seus elementos estruturantes — a forma. Trata-se de captar a alma da obra, aquilo que lhe
dá ser. Entre as mais contundentes críticas apontadas a esta teoria está o facto de nem todos os espectadores
serem capazes de reconhecer uma obra de arte por não perceberem a sua forma significante ou por não
experimentarem em qualquer emoção estética.

78
Para já, esta teoria parece ter uma grande vantagem: pode incluir todo o tipo de obras de arte, inclusivamente
obras que exemplifiquem formas de arte ainda por inventar. Desde que provoque emoções estéticas qualquer
objeto é uma obra de arte, ficando assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias anteriores.

Considere, por exemplo, a Composição, de Mondrian (1923).


O que faz a singularidade dessa pintura é a inesperada har-
monia entre as cores puras, as formas e dimensões dos seus
retângulos, o que deve constituir uma forma significante.

Característico da forma significante é que ela produz uma


emoção estética em pessoas com sensibilidade para a arte.

A teoria da arte como imitação da realidade centrava-se nos objetos representados. A teoria da arte como
expressão centrava-se nas emoções e sentimentos do artista. A teoria formalista de Bell centra-se na ca-
pacidade de a forma da obra artística provocar emoções estéticas.

A verdadeira obra de arte é reconhecível pelo facto de provocar uma emoção estética independente de qual-
quer interesse ou utilidade prática e completamente diferente das emoções quotidianas e vulgares. Em virtude
de certas propriedades (organização e harmonia dos elementos, equilíbrio entre as partes e o todo, etc.), um
objeto pode provocar a referida emoção, que o torna verdadeiramente artístico.

TEORIA DA ARTE COMO FORMA


Aspetos a favor Críticas
Há quem não sinta nenhuma emoção perante obras
Pode incluir todo o tipo de obras de arte.
que são consideradas arte.
Tudo o que provoque emoção estética é arte. Esta Centra a sua teoria nas artes visuais (pintura e es-
é a condição necessária e suficiente para atribuir a cultura) e extrapola as suas conclusões para todas
designação de arte a um objeto. as formas de arte.
Tem dificuldade em explicar de modo convincente o
conceito de forma significante.
É uma teoria circular, já que define a forma signifi-
cante em função da emoção estética e esta é defi-
nida como resultado da forma significante.
É uma teoria elitista, pois, segundo Bell, nem todos
conseguem sentir a emoção estética que uma obra
de arte transmite. Acredita que apenas um pequeno
número de afortunados a poderá sentir.

79
Poderíamos, ainda, considerar outras objeções:
1. Existem obras de arte que são exatamente iguais a objetos que não são arte. Refira-se, por exemplo, e
uma vez mais, A Fonte, de Marcel Duchamp. Por que razão todos os urinóis iguais à obra A Fonte não são
arte, e só A Fonte o é? Se é a forma que dá à obra o estatuto de arte, e a forma de todos estes urinóis é
precisamente a mesma, não se percebe porque é que um deles é arte e os restantes não.
2. Bell afirma que o conteúdo é irrelevante para a identificação de objetos artísticos. Ora, outro problema é
que nem sempre se consegue distinguir completamente a forma do conteúdo. Vejamos um exemplo. A ideia
de perfect pop song (canção pop perfeita) radica em grande parte na estrutura da canção, com um refrão
facilmente cantável, uma melodia simples e imediatamente reconhecível, uma duração de aproximadamente
três minutos e meio, etc. Fazem parte deste conjunto canções como “Luka”, de Suzanne Vega, “Forever
Young", dos Alphaville, ou “Just Like Heaven”, dos The Cure. O que dizer, no entanto, de "Imagine", de John
Lennon e Yoko Ono? Além da sua estrutura melódica, o que dá a esta canção o estatuto de arte parece ser
também a mensagem que veicula: o sonho de um mundo livre. O conteúdo não é, neste caso, irrelevante
para a consideração da obra.

O esquema que segue apresenta o elemento motivador de cada uma das teorias analisadas.

Teoria da arte

...como imitação ...como forma


...como expressão
centra-se nos objetos centra-se no sujeito que
centra-se no artista.
representados. aprecia a obra de arte.

O QUE TORNA ARTÍSTICA UMA OBRA?


O QUE FAZ COM QUE ALGO SEJA ARTE?
TRÊS RESPOSTAS
A arte como imitação A arte como expressão A arte como forma
Uma obra é artística se imitar a re- Uma obra é artística se expressar Uma obra só é artística se possuir
alidade que representa. e comunicar de forma genuína as forma significante que provoque a
emoções do artista. emoção estética.
OBJEÇÕES OBJEÇÕES OBJEÇÕES
Muitas obras de arte não repre- Há obras que dificilmente pode- Há pessoas que não sentem emo-
sentam nada. mos considerar que exprimem as ção estética perante determina-
emoções do artista. dos aspetos formais da obra artís-
tica.
Mais do que representar, o artista
cria novas formas de ver a reali- É difícil saber se a emoção do ar- O conceito de forma significante é
dade. tista foi verdadeira e se o que sen- controverso já que, por exemplo,
timos corresponde ao que o ar- todas as pinturas possuem uma
tista nos quis transmitir. certa combinação de linhas, cores
e formas.
É controverso o facto desta teoria
considerar que apenas a forma é
relevante para a obra de arte e
não o conteúdo.

80
81
2. TEORIAS NÃO ESSENCIALISTAS DA ARTE

Teoria institucional da arte

Uma teoria é não essencialista se defende que o que faz com que um determinado objeto seja um objeto de
arte tenha de ser encontrado fora do objeto e não no objeto em si.
A arte, portanto, não se define por propriedades essenciais intrínsecas às obras de arte, mas por propriedades
extrínsecas.

Que propriedades essenciais possui esta obra considerada arte?

Andy Warhol, Caixa de Brillo. 1964

Exprimir e explorar emoções, proporcionar boas experiências, divertir e entreter, comunicar ideias, criticar
aspetos da sociedade, transformar o mundo, criar beleza, dar sentido às nossas vidas, etc. Ou seja, uma obra
de arte pode servir muitas e diferentes funções.
E essa definição para os não essencialistas tem de ser procurada fora da própria obra. Tem de ser procurada
no seu contexto (fora da obra).
Além disso, a definição não tem de ser valorativa (distinguindo as boas das más obras) mas talvez e apenas
classificativa (distinguindo o que é e não é uma obra de arte, ou decidindo quando um objeto adquire o esta-
tuto de arte)

Pergunta a fazer
Como é que um objeto adquire o estatuto de obra de arte?
ou

Qual o contexto específico que faz com que um objeto se torne arte?

Uma conversa sobre arte:

Mariana: Olha, não acho isso arte! Não gosto nada disso. Não passa de um objeto vulgar.
Joaquim: Sim, também não gosto, é até estranho que seja arte. Mas é!
Mariana: É porquê? Porque dizes que é?
Joaquim: Repara! Este objeto é arte porque estamos numa galeria de arte e as coisas que estão expostas
numa galeria de arte são arte.

82
Mariana: Então aquele extintor que ali está ao canto também é uma obra de arte?
Joaquim: Não, aquele extintor está ali apenas para apagar incêndios.

Este pequeno diálogo de certa maneira expressa uma das duas teorias não essencialistas da arte que vamos
analisar: quando o Joaquim refere que um objeto, estando no mundo da arte (galeria), pode ser considerado
arte, estamos a falar da teoria institucional da arte.

A teoria institucional da arte de George Dickie (1926-2020)


Dickie começa por aderir à ideia de que o projeto tradicional de encontrar uma definição essencialista deve
ser abandonado. As propriedades físicas parecem não ser suficientes para explicar a inserção de certos
objetos na ampla classe das obras de arte.

As grandes teorias não conseguiam mais responder à extensão do que chamamos “arte” ou “obras de arte”.
Perante os novos casos de arte, parecia difícil encontrar uma propriedade comum a todos eles. Obras de arte
pertencentes a novos movimentos ou simplesmente ao que hoje intitulamos de Fluxus, Novo Realismo, Pop
Art, Minimalismo, Arte Concetual, entre outros, tornaram-se exemplos emblemáticos da dificuldade em definir
arte.
Dickie vê no sucesso histórico dos ready-mades — tipo de objeto que consiste em um ou mais artigos de uso
quotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte —
uma indicação para uma redefinição do conceito da arte. Era inviável manter as definições anteriores, dada
a confusão causada pela diversidade de objetos considerados artísticos. Se um urinol (Marcel Duchamp)
tinha ido parar ao museu, significava então que tudo era arte, já que qualquer coisa poderia potencialmente
ter as suas formas apreciadas? Obras como Fonte, o famoso urinol branco enviado ao Salão dos Indepen-
dentes de Nova York em 1917, e suas correlatas haviam enfatizado, antes de qualquer outra coisa, que é o
lugar de exposição que torna os objetos arte e não as propriedades que eles carregam.

O objetivo de Dickie é, pois, o de apresentar uma definição capaz de resolver o problema: como distinguir
arte de não-arte? Reparem que a Dickie não interessa uma avaliação qualitativa da arte no sentido de se
saber o que a boa ou a má arte. O que interessa é classificar, ou seja, saber o que é arte e o que não é arte.

Assim, sob o pano de fundo heterogéneo da arte contemporânea, ele desenvolve aquilo a que chamou “teoria
institucional da arte”. Esta teoria surgiu na década de 60 do séc. XX.

O que defende a Teoria Institucional da Arte?


Esta teoria enfatiza a importância da comunidade de conhecedores de arte na definição daquilo que pode ser
chamado arte.

A teoria de Dickie parte de uma dissociação fundamental entre o estético e o artístico, que já se vinha
desenhando na prática artística há muito tempo, desde que Duchamp propôs os seus ready-mades como

83
arte. Assim, ao verificar que objetos de uso quotidiano, sem qualquer valor estético (uma roda de bicicleta,
um urinol ou um secador de garrafas), eram elevados à condição de arte, apenas por serem apresentados
em espaços especializados, Dickie percebeu que o conceito deveria ser revisto. Começou por distinguir entre
o que é estético e o que é artístico. O estético teria que ver com uma experiência individual, enquanto o
artístico estaria relacionado com uma prática social, no sentido em que se considera a arte como uma produ-
ção coletiva de pessoas que pertencem a um grupo cultural. A arte, segundo Dickie, é então uma prática
institucionalizada que pressupõe uma relação entre público fruidor e artistas.

Para Dickie, então:


Algo é arte se e só se é 1) um artefacto que possui um conjunto de características ao qual 2) foi
atribuído o estatuto de candidato a apreciação por uma ou várias pessoas da instituição do mundo da
arte.

Esta definição apresenta duas condições necessárias e conjuntamente suficientes:

1 - A obra é um artefacto (em sentido amplo).

Para além dos objetos materiais produzidos ou transformados pelo homem, são também artefactos: movi-
mentos, coreografias, poemas, notas musicais… Também objetos que não foram produzidos, ou cujas pro-
priedades formais não foram alteradas pela intervenção de um ser humano, mas que em determinados con-
textos, por serem usados de determinada maneira, adquirem o estatuto de artefacto. A ideia é que um arte-
facto é tudo o que é feito por seres humanos, aí se incluindo, por exemplo, o conjunto de movimentos coor-
denados que constituem uma dança.
Uma das características mais salientes desta definição é que qualquer coisa pode ser uma obra de arte,
desde que alguém a proponha como candidata para apreciação de acordo com o procedimento descrito.
Assim, objetos completamente diferentes, sem qualquer semelhança percetível a não ser o facto de serem
artefactos, podem adquirir o estatuto de obras de arte.

2 – O estatuto de obra de arte é atribuído por pessoas ligadas à esfera artística, ou seja, por aquilo a
que Dickie chama o “mundo da arte”.
Para que algo tenha o predicado arte, para que pertença à classe das obras de arte, basta que seja inserido
no circuito do mundo da arte por alguém. O que torna algo artístico é o simples fato de ter sido exibida em
determinados contextos. O meio institucional onde a obra ganha significado é mais importante para classificá-
la como arte do que as suas características particulares.
O contexto cultural em que uma obra é criada e apresentada é o que faz com que ela seja reconhecida
como arte. Para ter o estatuto de arte, é necessário que o artefacto seja tratado como tal e disponibilizado
para apreciação do público, seja numa galeria, numa publicação, representado ou produzido.

O mundo da arte é uma instituição social, no contexto da qual há lugar a atribuições de estatuto, por parte
dos seus representantes. Em relação a esta segunda condição, Dickie esclarece que as pessoas aptas a
propor um dado artefacto para candidato a apreciação são geralmente os artistas (pintores, escritores, com-
positores...), os galeristas, os críticos de arte, os historiadores de arte e outros agentes ligados a museus,

84
revistas de arte, faculdades de artes, casas de espetáculos, etc. Essa é a instituição, genericamente desig-
nada ‘mundo da arte’, em nome da qual se confere a esse artefacto o estatuto de candidato para apreciação.
Estamos, portanto, perante condições necessárias e conjuntamente suficientes da arte, que não excluem
inovação artística alguma.

A proposta de Dickie não procura definir arte pelas suas propriedades específicas (essenciais). O que permite
que uma obra adquira o estatuto de arte é a presença de determinadas condições: ser um artefacto candi-
dato à apreciação. Todavia, como o conceito de artefacto é demasiado amplo, Dickie circunscreve o artefacto
artístico àquilo que, no seio de um contexto institucional, adquiriu esse estatuto, que lhe foi atribuído pelas
pessoas que, em virtude da sua ligação ao “mundo da arte”, sabem reconhecer e discernir entre artefactos
aqueles que são candidatos à apreciação – galeristas, editores, produtores…

Esse reconhecimento é de natureza cultural e está intrinsecamente ligado às instituições sociais de épocas
particular. Uma obra de arte é, então, um artefacto que adquire esse estatuto se a instituição – mundo da arte
– lho atribuir.

Mas esta teoria também coloca problemas:

a. Não permite distinguir a boa da má arte. A teoria institucional da arte não está isenta de críticas,
apesar da sua abrangência. Ela é por muitos considerada uma teoria pobre, por ser incapaz de dis-
tinguir a boa da má arte, servindo apenas para classificar artefactos como artísticos ou não artísticos.

b. A teoria institucional tem sido acusada de conter um círculo vicioso: um objeto de arte é um objeto
que é inserido no mundo da arte para ser apreciado como arte.

c. Esta teoria falha também ao não reconhecer como artistas aqueles que criam as suas obras à mar-
gem dos circuitos institucionais.

d. Esta teoria não explica todo o processo que conduz um objeto ao mundo da arte. Por que razão um
artista ou galerista propõe aquele objeto e não outro?

e. O que é ser “candidato a apreciação”? E quem exatamente tem autoridade para “agir em nome de
uma determinada instituição”? E em que sentido se diz que o chamado “mundo da arte” é uma insti-
tuição, dado que não exibe a formalidade – hierarquias, regulamentos escritos, cerimónias oficiais –
característica das outras instituições como as instituições religiosas, militares, académicas, etc.?

ORGANIZAR IDEIAS

Para a teoria institucional da arte, que artefactos podem ser considerados arte?
Todo e qualquer artefacto que, no interior de um dado enquadramento institucional, beneficie do estatuto de
candidato à apreciação.

85
Para Dickie, é possível que um artefacto sem qualquer valor estético associado possa ser considerado
arte?
Sim, para Dickie, arte é um conceito apenas classificativo, o que torna possível que um objeto sem qualquer
valor estético associado possa ser considerado arte.

Quem atribui a classificação de arte a um objeto?


A designação arte é atribuída pelo “mundo da arte”, no qual se incluem artistas, galeristas, produtores, edito-
res, entre outros agentes culturais.

Que limitações são atribuídas à teoria da arte institucional?


A sua incapacidade em distinguir a boa da má arte, uma vez que não avalia o objeto, apenas o classifica
como sendo (ou não) arte, e o não reconhecimento daqueles que criam as suas obras fora dos circuitos
institucionais como artistas.

Teoria histórica da arte


O rumo criativo assumido pela arte contemporânea, marcado pela heterogeneidade das obras produzidas,
trouxe consigo a necessidade de determinar o que lhes concede o estatuto de arte, distinguindo-a dos demais
objetos. Assim, perante a impossibilidade de reduzir o conceito a uma mera enumeração de características
específicas devidamente identificadas, a sua clarificação passou a ser feita a partir do modo como a arte é
produzida.
É nesta linha que se apresenta a teoria histórica da arte de Jerrold Levinson, que procurará clarificar o con-
ceito de arte a partir do enquadramento de uma dada obra na história da arte. Na verdade, para Levinson, a
arte é um fenómeno absolutamente dependente da sua história, pelo que, enquanto atividade humana, ela
não pode ser encarada como uma mera sucessão de eventos apresentados e/ou reconhecidos em contextos
específicos.
Deste modo, o que faz de um objeto arte não é o contexto histórico em que ocorre, mas a ligação específica
que estabelece com outras obras do passado. Cabe ao artista fazer essa ponte, pelo que é essa intenção de
se encontrar com o passado - isto é, com o que, ao longo da história, tem sido considerado arte - que confere
a um objeto um tal estatuto. Resumindo, para o autor, um objeto é arte se puder ser perspetivado da mesma
maneira que o foram as obras do passado, as quais, por sua vez, são encaradas de idêntica forma às que as
antecederam.
Assim, e numa clara oposição à teoria de Dickie, Levinson defende que a arte é necessariamente retrospetiva,
pois não basta que um objeto seja candidato à apreciação no mundo da arte para merecer essa designação.
É preciso que estejam reunidas as condições que o tornem, historicamente, passível de ser reconhecida como
tal. E que condições são essas?
Levinson responde afirmando que, em primeiro lugar, o artista deve possuir a propriedade apropriada (direito
de propriedade) sobre o objeto em análise ou, então, estar devidamente autorizado pelo seu proprietário a
agir sobre ela. Tal significa, portanto, que um artista apenas pode designar como sua uma obra produzida a
partir dos seus materiais e recursos (por exemplo, as suas telas e tintas) ou dos que usou com a autorização
explícita do seu proprietário. Isto é, a apropriação indevida (ou não autorizada) de objetos ou de locais para

86
a criação de uma obra inviabiliza o seu estatuto artístico. Deste modo, e ao contrário do que acontecia com a
teoria institucional, não é possível que alguém, em nome da arte, transforme em arte (ao designar como tal)
um objeto que não é seu (ou sobre o qual não foi dada qualquer permissão).

Em segundo lugar, refere o autor, a arte não pode surgir de um impulso momentâneo. Para Levinson, só há
arte se houver, por parte do seu autor, uma intenção não passageira de relacionar a arte do presente (a sua
obra) com a do passado (a que já assim foi reconhecida). Tal implica, por isso, que o artista faça uso dos
seus conhecimentos de história ter, que saiba o suficiente acerca dos objetos e dos auditórios (espectadores,
críticos, historiadores da arte...) para poder fazer referência àquilo que a arte já foi. O propósito do artista é,
portanto, que a sua obra seja (historicamente) perspetivada como arte, tal como o foram ou são as obras do
passado e que o artista reconhece como tal. Em que medida pode a história da arte ajudar nesse reconheci-
mento?
Levinson refere que é o conhecimento da história da arte que nos torna capazes de dar atenção a determina-
dos detalhes — cor, luminosidade, textura —, de sermos sensíveis à estrutura formal de uma obra, de identi-
ficarmos o enquadramento histórico, ideológico ou cultural de uma composição ou de avaliarmos a sua capa-
cidade de representar (imitar) algo. Além disso, a história apresenta também os momentos em que a arte foi
encarada como forma de desafiar convenções, de soltar a criatividade humana ou de expressar emoções.
Em suma, mesmo que o artista não conheça a história da arte, o facto é que ela existe e que foi sempre sob
a sua luz e orientação que as obras foram perspetivadas como arte. Por isso, para o autor, somente a ligação
ao passado – e ao que tem vindo a ser (com sucesso) reconhecido como arte – torna possível reconhecer
uma obra como arte.

No entanto, apesar da clareza desta explicação, a verdade é que Levinson não responde, à questão
“O que é em si mesma uma obra de arte?", pois deixa-nos sem saber, exatamente, o que muda num
objeto quando ele se transforma em obra de arte.
Além disso, a teoria histórica enfrenta, ainda, outras objeções, nomeadamente a que se prende com o facto
de fazer do direito de propriedade uma condição necessária para que haja arte. Na verdade, se soubéssemos
hoje, por exemplo, que Leonardo da Vinci não era o proprietário da igreja de Santa Maria delle Grazie, em
Milão, e que não tivera qualquer autorização para pintar a A última ceia numa das suas paredes, será que
deixaríamos de a reconhecer como obra de arte? Com certeza que não.
Levinson supõe, ainda, como condição para a arte a existência de uma intenção por parte de um autor. Ora,
há obras que foram publicadas sem que para isso tenha havido uma intenção clara do seu autor (é o caso,
por exemplo, dos livros o Processo e o Castelo, de Franz Kafka que, consta, o autor pediu que fossem des-
truídos após a sua morte).
Por fim, critica-se no autor o facto de não ter clarificado de que modo se terão afirmado como arte as primeiras
obras. Na verdade, se só é arte o que se relaciona com a história, como podem as obras primordiais ser arte
se, antes delas, não há arte com que possam ser relacionadas? Além disso, se as obras primordiais não
forem arte, será possível que as subsequentes o possam ser?

87
Durante muito tempo, designaram-se arte as criações que, pelas suas propriedades intrínsecas, se diferenci-
avam dos restantes objetos. Foi, aliás, com base neste critério que as diferentes teorias essencialistas defini-
ram a arte como imitação, expressão ou forma significante. Porém, e apesar do seu contributo para a clarifi-
cação do conceito, esta abordagem foi alvo de contestação por parte de diversos pensadores: quer dos que
consideraram a arte um conceito indefinível, quer dos que recorreram a elementos extrínsecos à obra —
como o seu contexto institucional ou a história da arte — para a classificar como arte.

A definição de arte: um problema em aberto


Será a arte indefinível? Se a arte tem na sua génese a criatividade humana, defini-la não será, precisamente,
supor ou impor limites a essa criatividade? Vimos o quão difícil é encontrar um denominador comum a todas
as obras de arte, mais ainda quando novas manifestações artísticas continuam a aparecer e a obter o respe-
tivo reconhecimento do público e dos artistas em geral. Isso tem levado a que muitos filósofos considerem
não ser possível estabelecer uma definição explícita da arte, que indique as condições necessárias e sufici-
entes de tudo o que pode ser classificado como arte.

88

Você também pode gostar