Você está na página 1de 482

ARTE

» MAURILIO ANDRADE ROCHA | » RODRIGO VIVAS


» MARIANA LIMA MUNIZ | » JULIANA AZOUBEL

MANUAL DO
DE PERTO
PROFESSOR VOLUME ÚNICO
» MAURILIO ANDRADE ROCHA
Estudos Avançados em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa (Portugal).
Pós-Doutor no Instituto de Etnomusicologia – Música e Dança da Universidade Nova de
ARTE
Lisboa (Portugal) e na Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa
(Portugal). Professor do bacharelado e licenciatura em Teatro, do Mestrado Profissional em
Artes e do Mestrado Acadêmico e Doutorado em Artes da UFMG. Coordenador do PIBID –
Subprojeto Interartes na FAE/UFMG.

» MARIANA LIMA MUNIZ


Licenciada em Interpretação no Teatro do Gesto pela Real Escuela Superior de Arte
Dramatico – Resad, Madri (Espanha). Licenciada em Letras pela UFMG. Doutora em História,
Teoria e Prática do Teatro pela Universidad de Alcalá (Espanha). Professora do bacharelado
e licenciatura em Teatro, Mestrado Profissional em Artes e do Mestrado Acadêmico e
Doutorado em Artes da UFMG. Atriz e diretora teatral.

» RODRIGO VIVAS
Licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Mestre em História pela
UFMG. Doutor em História da Arte pela Unicamp. Professor do bacharelado em Artes Visuais,
Mestrado Acadêmico, Profissional e Doutorado da UFMG. Diretor do Centro Cultural UFMG e
curador independente.

» JULIANA AMELIA PAES AZOUBEL


Graduada em Dança (bacharelado e licenciatura) pela University of Florida (Estados Unidos).
Mestre em Artes da Cena pela University of Florida (Estados Unidos). Professora do curso de
licenciatura em Dança da UFMG. Ex-professora e ex-coordenadora do curso de licenciatura
em Artes da UFPR. Artista em residência e ex-professora das disciplinas World Dance and
Intercultural Performance, Dance Fundamentals, Dance Theory and Contemporary Dance na
University of Florida. Intérprete, professora de dança e coreógrafa.

DE PERTO
VOLUME ÚNICO
São Paulo • 1a edição • 2016

MANUAL DO
PROFESSOR
Arte de Perto – Volume Único
© 2016 Leya

Direção editorial Título original da obra:


Mônica Vendramin Arte de Perto – Volume Único
São Paulo * 1a edição * 2016
Coordenação editorial
Ebe Christina Spadaccini Todos os direitos reservados:
Leya
Edição
Av. Angélica, 2318 – 11o  andar – Consolação
Mariangela Secco
CEP 01228-200 – São Paulo – SP – Brasil
Assistência editorial Fone + 55 11 3129-5448
Helô Beraldo Fax + 55 11 3129-5448
Kelly Soares www.leya.com.br
Luciana Barbosano leyaeducacao@leya.com

Coordenação de produção
Nadiane Oliveira ISBN 978-85-451-0370-7 (aluno)
ISBN 978-85-451-0345-5 (professor)
Gerência de revisão
Miriam de Carvalho Abões

Assistência de coordenação de revisão Impressão e acabamento


Cláudia Renata Costa Colognori

Revisão de texto
Vânia Cobiaco
Célia Sunahara

Coordenação de arte, projeto gráfico e capa


Thaís Ometto
Imagem de Capa: Marcelo Ment Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha elaborada por: Tereza Cristina Barros - CRB-8/7410
Assistência de arte ____________________________________________________________
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Dados
Ficha Internacionais
elaborada de Catalogação
por: Tereza na Publicação
Cristina Barros (CIP)
- CRB-8/7410
Mayra França Ficha elaborada
de perto, por:único
volume Tereza/ Cristina
MaurilioBarros – CRB-8/7410
____________________________________________________________
Arte Andrade
Rocha...[et al.]. -– 1. ed. -- São Paulo :
Editoração eletrônica Leya, Arte
2016.de perto, volume único / Maurilio Andrade
Rocha...[et al.]. -– 1. ed. -- São Paulo :
Mayra França Leya, 2016.

Coordenação de iconografia Outros autores: Mariana Lima Muniz, Rodrigo


Vivas, Juliana Azoubel.
Jaime Toshio Outros autores: Mariana Lima Muniz, Rodrigo
Bibliografia.
Vivas, Juliana Azoubel.
ISBN 978-85-451-0370-7
Bibliografia. (aluno)
Iconografia
ISBN 978-85-451-0345-5 (professor)
ISBN 978-85-451-0370-7 (aluno)
Paula Dias
ISBN 978-85-451-0345-5 (professor)
Neto Gonçalves
1. Artes (Ensino médio) I. Rocha, Maurilio
Ilustrações Andrade. II.1.Muniz,
Artes Mariana Lima. III.
(Ensino médio) Vivas,Maurilio
I. Rocha,
Alberto Pasquantonio Rodrigo. Andrade.
IV. Azoubel, Juliana.
II. Muniz, Mariana Lima. III. Vivas,
Cibele Queiroz Rodrigo. IV. Azoubel, Juliana.
Fernando Pires
Miguel Carvalho
17.05/039-2016 CDD-700
Shutterstock
17.05/039-2016 CDD-700
Mapas Índices para catálogo sistemático:
Índice para catálogo sistemático:
Índices para catálogo sistemático:
Allmaps
1. Artes : Ensino médio 700
1. Artes : Ensino médio 700
Produção de áudio
Argila Produções Musicais
APRESENTAÇÃO
Caro(a) estudante,
Com este livro didático da disciplina Arte para o Ensino
Médio pretendemos contribuir com seu processo de aprendiza-
gem dos quatro campos artísticos dessa disciplina (artes visuais,
dança, música e teatro), integrando-os com outras linguagens
artísticas, como o circo, a performance, as intervenções urbanas.
Nosso objetivo é possibilitar que você conheça práticas ar-
tísticas da contemporaneidade, suas relações com a história e os
diálogos com a sociedade atual. Esse conhecimento passa tam-
bém por experimentar artisticamente os materiais, suportes e
temas das práticas artísticas analisadas, bem como pesquisar e
reconhecer a presença dessas artes em seu dia a dia.
Entendemos a arte como uma área do conhecimento hu-
mano específica que se expressa e comunica de maneira diversa
por meio da experiência e sensações com imagens, sons, texturas,
cores, luz e/ou sombra, texto escrito e/ou oral e com o movimen-
to. Esperamos que, conhecendo, praticando e refletindo sobre a
arte, você possa ampliar sua experiência em relação ao cotidiano e
à arte e, assim, contribuir para a construção de um futuro melhor,
em que as pessoas e linguagens possam conviver sem hierarquias
estáveis que valorizam umas em detrimento de outras.
A arte faz parte da cultura e envolve vários aspectos da vida
contemporânea: a tradição com expressões da cultura popular, a
inter-relação de diversos campos do conhecimento e as inova-
ções tecnológicas. Como o mundo, a arte contemporânea tam-
bém é plural. Desejamos que o conhecimento e a experiência
com a pluralidade das formas artísticas possibilitem uma percep-
ção igualmente plural da sociedade contemporânea.
Por último, ansiamos que os temas abordados neste livro
fomentem boas discussões e sejam capazes de envolvê-lo(a)
no universo artístico e em suas relações com a sociedade e
com o seu dia a dia. Ao final dessa jornada, esperamos que a
Arte, como disciplina escolar, contribua para uma formação
em que os conhecimentos se encontrem integrados e pos-
sibilitem a inovação e a criação de soluções e novas reflexões
sobre o presente e o futuro do país.
Os autores
CONHEÇA Este é seu livro de Arte. Ele

SEU LIVRO
vai acompanhá-lo durante o ano
letivo, vamos conhecê-lo?

ABERTURA DE UNIDADE

Imagem e texto sobre o conteúdo


a ser estudado nos capítulos
que formam a Unidade.

PREPARANDO AS TINTAS
E OS PINCÉIS

Traz um panorama do que será apresentado


na Unidade, e em cada um de seus capítulos.
Da mesma forma que o pintor começa seu
trabalho preparando as tintas e os pincéis, o
objetivo desta seção é contextualizar cada
capítulo, como preparação para os conteúdos
e atividades a serem desenvolvidos.

AFINANDO OS INSTRUMENTOS

Assim como os músicos afinam seus


instrumentos antes da execução
de uma peça musical, esta seção
apresenta imagem e texto iniciais
que contextualizam os conteúdos
a serem abordados no capítulo. O
objetivo desta seção é a preparação
para a “Roda de conversa” inicial.

FAZER ARTE

Momento de
RODA DE experimentação
CONVERSA prática dos conteúdos
Áudio tratados nos capítulos,
No início do capítulo,
com músicas, sons de conectando-os às
a seção “Roda de
instrumentos, ruídos. suas vivências lúdicas
conversa” visa explorar
e artísticas. Por
seus conhecimentos
Atividade oral meio de atividades
prévios e suas
para você se expressar interdisciplinares
opiniões a respeito
oralmente. ou interartes, revela
dos conteúdos a
possíveis conexões
serem abordados.
entre as diversas
práticas artísticas.
ARTE NO DIA A DIA GLOSSÁRIO

Boxe que propõe atividades Apresenta o significado de


variadas com o intuito de vocábulos importantes a
aproximar os conteúdos tratados cada campo artístico para
no capítulo com o seu cotidiano auxiliar na compreensão dos
por meio de pesquisas, entrevistas, textos, visando a familiarização
entre outras possibilidades. com o vocabulário.

ARTE PARA ASSISTIR/


ARTE EM DIÁLOGO LER/NAVEGAR/OUVIR
Boxe que trata de temas Boxe com indicações de filmes,
interdisciplinares tanto em livros, sites e CDs relacionados
relação aos diversos campos ao assunto estudado que
artísticos, quanto a outras áreas proporciona maior contato
do conhecimento, como: História, com os assuntos específicos.
Física, Matemática, entre outras.

ENSAIO CORRIDO
Da mesma forma que nas Artes
Cênicas, os artistas passam um
ensaio rápido do início ao fim da
obra para relembrar o que já foi
aprendido. Esta seção é uma revisão
dos conteúdos abordados em cada
capítulo, servindo como preparação
para a “Roda de conversa” final.

RODA DE CONVERSA

A seção “Roda de conversa” final


tem o objetivo de evidenciar a
ampliação dos seus conhecimentos
sobre os temas tratados.

ATIVIDADES
DE MÚLTIPLA PARA SABER
ESCOLHA MAIS

No final de cada No final de cada


Unidade, há uma Unidade, esta
seção com atividades seção apresenta
de múltipla escolha sugestões extras
que permitem de leitura, filmes,
o exercício com documentários e
atividades similares sites que permitem
ou retiradas das o aprofundamento
provas do Enem. do aprendizado.
SUMÁRIO
ARTE: CONHECIMENTO
E EXPERIÊNCIA, 11
§ Preparando as tintas e os pincéis, 11

Zonas de contato, 12
§ Afinando os instrumentos, 12
§ Roda de conversa, 13
Disciplina Arte – seus campos artísticos
e suas zonas de contato, 14
§ Arte em diálogo – Arte e Matemática, 14
§ Arte no dia a dia, 16
Arte e experiência, 16
Música e imagem, 18
§ Fazer arte, 20
§ Ensaio corrido, 21
§ Roda de conversa, 21

1 ARTE, TEMPO, ESPAÇO


E MOVIMENTO, 23
§ Preparando as tintas e os pincéis, 23

Capítulo 1 Música e espaço, 24


§ Afinando os instrumentos, 24
§ Roda de conversa, 25
Som é vibração, 25
§ Arte em diálogo – Música e Física, 26
§ Arte em diálogo – Música e Língua Portuguesa, 28
§ Arte em diálogo – Música e Biologia, 29
§ Fazer arte, 30
§ Arte no dia a dia, 31
Partituras e outras formas de
representação dos sons, 32
§ Fazer arte, 33
§ Ensaio corrido, 33
§ Roda de conversa, 33

Capítulo 2 Artes cênicas: tempo e espaço, 34


§ Afinando os instrumentos, 34
§ Roda de conversa, 35
Artes da presença: artistas e público em
um mesmo espaço ao mesmo tempo, 36
§ Arte em diálogo – Teatro e Língua Portuguesa, 41
§ Fazer arte, 43
Circo: tempo e espaço, 44
§ Arte em diálogo – Circo, educação e cidadania, 47
O corpo também tem memória, 48 Artes híbridas, 92
§ Arte no dia a dia, 49 § Arte em diálogo – Ópera de Pequim e História, 92
Espetáculo, ritual ou brincadeira?, 50 § Arte em diálogo – Capoeira e cultura brasileira, 93
§ Arte em diálogo – Artes cênicas e História, 52 § Arte no dia a dia, 94
§ Arte no dia a dia, 54 Teatro gestual, 95
§ Ensaio corrido, 55 § Arte em diálogo – Artes cênicas e deficiência
§ Roda de conversa, 55 física, 96
Dança, teatro e cinema, 97
Capítulo 3 Escultura: tempo, espaço e § Fazer arte, 98
movimento, 56 § Arte em diálogo – Artes cênicas e Língua
§ Afinando os instrumentos, 57 Portuguesa, 101
§ Roda de conversa, 57 § Ensaio corrido, 101
Movimento das esculturas e § Roda de conversa, 101
esculturas de movimento, 58 Atividades de múltipla escolha, 102
§ Fazer arte, 59 Para saber mais, 105
A escultura: arte do espaço, do
tempo e do movimento, 60
§ Fazer arte, 60
2 ARTE E SOCIEDADE, 107
§ Arte em diálogo – Artes visuais e artes cênicas, 61 § Preparando as tintas e os pincéis, 107
Esculturas e espaço público, 62
§ Arte no dia a dia, 63 Capítulo 7 Teatro e sociedade, 108
§ Arte em diálogo – Artes plásticas e História, 64 § Afinando os instrumentos, 108
§ Ensaio corrido, 65 § Roda de conversa, 109
§ Roda de conversa, 65 O teatro na Grécia, 110
§ Arte em diálogo – Teatro e História, 110
Capítulo 4 Imagem em movimento, 66 § Arte no dia a dia, 112
§ Afinando os instrumentos, 66 Teatro e resistência política no Brasil, 114
§ Roda de conversa, 67 § Fazer arte, 116
Desenhando com luz, 68 Teatro como expressão política: Zona
§ Arte em diálogo – Fotografia, Física e Química, 70
de Arte da Periferia – ZAP 18, 118
Cinema e ilusão de movimento, 71 § Ensaio corrido, 119
§ Arte no dia a dia, 73
§ Roda de conversa, 119
§ Fazer arte, 74
Arte holandesa – arte da descrição, 74 Capítulo 8 Imagem e poder, 120
§ Fazer arte, 75 § Afinando os instrumentos, 121
§ Ensaio corrido, 77 § Roda de conversa, 121
§ Roda de conversa, 77 Imagens reveladas – do primitivo
ao século XIX, 123
Capítulo 5 Música e movimento, 78
§ Afinando os instrumentos, 78
Das artes à arquitetura – produção
§ Roda de conversa, 79 de imagens no Egito Antigo, 126
Música é som em movimento, 79 A Grécia Antiga e a imagem como
§ Fazer arte, 80 representação de esplendor e nobreza, 128
O silêncio soa, 81 § Arte em diálogo – Artes visuais e História, 128
§ Arte em diálogo – Música e Física, 83 Arte como subversão na década de 1960, 130
§ Fazer arte, 84 § Arte no dia a dia, 133
§ Arte no dia a dia, 85 § Fazer arte, 134
Pulsação, 86 § Ensaio corrido, 136
§ Fazer arte, 88 § Roda de conversa, 136
§ Ensaio corrido, 89 Capítulo 9 Dança e sociedade, 137
§ Roda de conversa, 89 § Afinando os instrumentos, 137
Capítulo 6 Dança, teatro e movimento, 90 § Roda de conversa, 139
§ Afinando os instrumentos, 90 Quando a dança invade as ruas, 140
§ Roda de conversa, 91 § Arte em diálogo – Dança e Hip-Hop, 141
§ Arte no dia a dia, 143
§ Fazer arte, 145 § Roda de conversa, 201
Entre a dança da nobreza e
Capítulo 13 Artes visuais e cidade, 202
a dança de rua, 146
§ Afinando os instrumentos, 203
§ Arte no dia a dia, 149
§ Roda de conversa, 203
§ Ensaio corrido, 149
§ Roda de conversa, 150
Arte pública, 204
Muralismo mexicano – arte e política, 205
Capítulo 10 Música e sociedade, 151 § Arte no dia a dia, 207
§ Afinando os instrumentos, 152 § Fazer arte, 207
§ Roda de conversa, 152 Arte urbana – grafite e intervenção urbana, 208
Música popular e pobreza, 153 Pichação ou grafite?, 211
§ Arte no dia a dia, 157 § Arte em diálogo – Arte pública e patrimônio, 212
Nova paisagem sonora urbana no Brasil, 158 § Arte no dia a dia, 213
§ Arte em diálogo – Música e universidade, 158 Arte contemporânea: o papel do artista
Música em tempos de turbulência, 161 na sociedade, 214
§ Fazer arte, 163 § Ensaio corrido, 215
§ Ensaio corrido, 164 § Roda de conversa, 215
§ Roda de conversa, 164
Atividades de múltipla escolha, 165 Capítulo 14 Dança e cidade, 216
§ Afinando os instrumentos, 216
Para saber mais, 167
§ Roda de conversa, 217
Quando a dança ocupa a cidade
3 ARTE E AS CIDADES, 169 e desafia a gravidade, 218
§ Preparando as tintas e os pincéis, 169 § Arte em diálogo – Dança e Arquitetura, 219
Quebrando as regras e ocupando espaços, 220
Capítulo 11 Teatro e cidade, 170 § Fazer arte, 221
§ Afinando os instrumentos, 170 § Arte em diálogo – Dança e saúde, 223
§ Roda de conversa, 171 A dança das cidades brasileiras, 224
Teatro de palco, 172 § Arte no dia a dia, 225
Teatro de rua, 174 § Ensaio corrido, 226
§ Arte no dia a dia, 174 § Roda de conversa, 226
O circo, a rua e a família, 176 Atividades de múltipla escolha, 228
§ Arte no dia a dia, 177 Para saber mais, 231
Intervenção urbana, 178
§ Arte no dia a dia, 178
§ Arte em diálogo – Intervenção urbana, Geogra- 4 CULTURAS BRASILEIRAS, 233
fia e Sociologia, 180 § Preparando as tintas e os pincéis, 233
Performance arte em espaços urbanos, 181
§ Fazer arte, 182 Capítulo 15 Cultura ou culturas, 234
§ Ensaio corrido, 183 § Afinando os instrumentos, 234
§ Roda de conversa, 183 § Roda de conversa, 235
E o que é cultura?, 236
Capítulo 12 Música e cidade, 184 § Arte no dia a dia, 237
§ Afinando os instrumentos, 184 § Arte no dia a dia, 238
§ Roda de conversa, 185
§ Arte em diálogo – Teledramaturgia e o precon-
Timbre, 186 ceito racial, 239
§ Arte em diálogo – Música e Física, 187
O que é capital cultural?, 241
§ Arte em diálogo – Música e História, 188
Cultura e juventude, 242
Música e suas classificações, 189
§ Arte em diálogo – Cultura e rock brasileiro, 243
Os instrumentos da orquestra, 189
§ Arte no dia a dia, 245
§ Fazer arte, 194
§ Fazer arte, 246
Orquestras brasileiras, 194
§ Arte no dia a dia, 199 § Ensaio corrido, 247
§ Fazer arte, 200 § Roda de conversa, 247
§ Ensaio corrido, 201
Capítulo 16 Culturas brasileiras, 248 § Arte em diálogo – Teatro Documentário e do-
§ Afinando os instrumentos, 249 cumento histórico, 301
§ Roda de conversa, 250 Primeiros experimentos no
O fandango e a cultura caiçara, 252 Teatro Documentário, 302
§ Arte em diálogo – Dança e Gastronomia, 253 § Arte no dia a dia, 303
As dinâmicas e os fatores do movimento Teatro Documentário no Brasil, 304
nas danças populares brasileiras, 254 § Fazer arte, 306
§ Fazer arte, 257 § Arte em diálogo – Teatro e igualdade de gêne-
O bumba meu boi do Maranhão, 259 ro, 307
§ Fazer arte, 261 § Fazer arte, 310
Máscaras brasileiras, 262 § Ensaio corrido, 312
§ Arte no dia a dia, 263 § Roda de conversa, 312
§ Ensaio corrido, 264
§ Roda de conversa, 264 Capítulo 20 Arte e Matemática, 313
§ Afinando os instrumentos, 314
Capítulo 17 Música para imaginar e § Roda de conversa, 315
experimentar o mundo, 265 A invenção da perspectiva e o
§ Afinando os instrumentos, 265 domínio do espaço, 316
§ Roda de conversa, 266
§ Fazer arte, 319
O Turé do baixo Oiapoque, 267
Concretismo – a beleza da Matemática, 320
O Toré do Nordeste, 270
§ Arte no dia a dia, 326
§ Arte em diálogo – Arte e Geografia, 272
§ Arte em diálogo – Arte e Língua Portuguesa, 327
§ Arte no dia a dia, 272
Número de ouro – a beleza da
§ Fazer arte, 274
§ Ensaio corrido, 274 proporcionalidade, 328
§ Roda de conversa, 274 § Arte no dia a dia, 328
Mosaicos e M. C. Escher, 330
Capítulo 18 A visualidade das artes § Fazer arte, 332
indígenas brasileiras, 275 § Ensaio corrido, 332
§ Afinando os instrumentos, 275 § Roda de conversa, 333
§ Roda de conversa, 276
Arte, artesanato e artes indígenas, 277 Capítulo 21 Arte e tecnologia, 334
§ Arte em diálogo – Patrimônio imaterial e a arte § Afinando os instrumentos, 335
indígena, 278 § Roda de conversa, 335
§ Fazer arte, 282 Espetáculos e tecnologia, 337
§ Arte no dia a dia, 283 § Arte no dia a dia, 338
§ Ensaio corrido, 284 Dança e tecnologias digitais, 339
§ Roda de conversa, 284 § Arte no dia a dia, 341
Atividades de múltipla escolha, 285 § Fazer arte, 342
Para saber mais, 288 § Arte no dia a dia, 343
Performance digital, 344
§ Arte em Diálogo – Teatro e Cinema, 347
5 ARTE EM CONEXÃO, 291 Da flauta pré-histórica à guitarra elétrica, 350
§ Preparando as tintas e os pincéis, 291 § Arte no dia a dia, 350
§ Arte em diálogo – Música e Arqueologia, 351
Capítulo 19 Pintura, teatro e História, 292 Do fonógrafo à música pela internet, 353
§ Afinando os instrumentos, 292 § Arte em diálogo – Música e tecnologia digital, 355
§ Roda de conversa, 293 § Arte no dia a dia, 357
Pintura e identidade nacional, 294 § Fazer arte, 358
§ Arte no dia a dia, 296 § Ensaio corrido, 360
§ Arte em diálogo – Pintura e Biologia, 297 § Roda de conversa, 360
Atividades de múltipla escolha, 362
Duas histórias, 298
Para saber mais, 365
§ Arte no dia a dia, 299
Referências bibliográficas, 366
Teatro Documentário e História, 300
Neste livro, usa-se “Arte”, com a inicial maiúscula, quando se refere à disciplina de Arte; e “arte”, com a inicial
minúscula, quando se refere ao conjunto das práticas e dos conhecimentos artísticos em suas diversas lin-
guagens. Ao se referir aos conteúdos da disciplina Arte (artes visuais, dança, música e teatro) estabelecidos
pela Resolução 02/2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, é utilizado o
termo campos artísticos. Esse termo foi contemplado pelo Guia do Livro Didático – PNLD 2015 “dada a sua
neutralidade em relação às distintas abordagens adotadas em ensino/aprendizagem de Arte: arte como
linguagem, arte como expressão; arte como cognição inventiva, entre outras.” (p. 7). O termo linguagem
será utilizado em referência à arte conforme a atual legislação da área a exemplo da referida resolução
02/2012. Além disso, a Base Curricular Comum Nacional estabelece que a disciplina Arte é componente
curricular da área de Linguagem.

10
ARTE:
CONHECIMENTO
E EXPERIÊNCIA

RON ELLIS/ SHUTTERSTOCK


A disciplina escolar Arte é uma área do conheci-
mento humano, como também o são as disciplinas
Matemática, Geografia, Inglês etc. Isso ocorre porque
a arte é uma forma específica de conhecer o mundo,
vivenciá-lo e reinventá-lo; de conhecer as diferentes
formas com as quais as pessoas se relacionam.
Os artistas, assim como outros profissionais,
contribuem para o desenvolvimento da cultura,
da identidade de um povo e de um país.
Ao final desta Introdução, espera-se que você
possa:
§ conhecer um pouco sobre os campos ar-
tísticos contemplados pela disciplina Arte e
suas zonas de contato entre si e com outras
áreas do conhecimento;
§ experimentar e fruir artisticamente propostas
interartes que envolvam mais de um campo
artístico, praticando uma expressão artística
fronteiriça com outros conhecimentos.

Foto da obra Escadas sem fim, do artista visual e arquiteto


inglês Alex de Rijke (1960-), exposta em frente ao Tate
Modern, em Londres (Reino Unido). A obra, que convida os
visitantes a caminharem por quinze escadas interligadas,
dialoga com a produção de M. C. Escher (1898-1972), artista
gráfico holandês que desafiou as noções de perspectiva
representando estruturas arquitetônicas impossíveis.
Foto de 24 de setembro de 2013.

11
Conteúdos
 A disciplina Arte e

ZONAS DE CONTATO
seus campos artísticos
(artes visuais, dança,
música e teatro)
 Zonas de contato entre
os campos artísticos
 Experiência

O objetivo da Introdução é levar o estudante a contextualizar, por meio da teoria, Bocas, quantas bocas
da prática e da fruição, a arte como uma área do conhecimento, que possui téc- A cidade vai abrir
nicas, procedimentos e formas específicas de se relacionar com o mundo. Além Pr’uma alma de artista se entregar
disso, os estudantes são apresentados a expressões de fronteira entre os campos Palmas pro artista confundir
artísticos, e entre a arte e outras áreas do conhecimento. Pernas pro artista tropeçar
Chico Buarque e Edu Lobo, “Na carreira”, do disco O grande circo místico, de 1983.

LEO AVERSA

Foto da remontagem de O grande circo místico, dirigida por João Fonseca, apresentada no Rio de Janeiro (RJ), em 2014. Em primeiro plano, está
o ator Fernando Eiras, representando o administrador do circo. A obra é composta de elementos da música, balé, circo, teatro, ópera e poesia. A
primeira estreia aconteceu em 1983, com o balé do Teatro Guaíra, em Curitiba (PR).

A disciplina Arte é composta por quatro campos artísticos: artes visuais, dança, música e teatro. Cada um
deles tem, ao mesmo tempo, sua especificidade e grandes zonas de contato, ou seja, espaços em que cada
campo interage com elementos de outras expressões artísticas.

12 INTRODUÇÃO | Arte: Conhecimento e Experiência


Essa interação também está presente em outras disciplinas e é uma das características da última década
do século XX e do início do século XXI. No livro Os sete saberes necessários à educação do futuro, de Edgar Morin
(1921-), o filósofo francês trata da importância da integração entre todas as áreas do conhecimento para a com-
preensão e superação dos desafios do século XXI.

A educação do futuro deverá ser o ensino primeiro e universal, centrado na condição humana.
Estamos na era planetária; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encon-
trem. Estes devem reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversi-
dade cultural inerente a tudo que é humano. [...]
Disso decorre que, para a educação do futuro, é necessário promover grande remembramento dos
conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos co-
nhecimentos derivados das ciências humanas, para colocar em evidência a multidimensionalidade e a
complexidade humanas, bem como para integrar (na educação do futuro) a contribuição inestimável das
humanidades, não somente a filosofia e a história, mas também a literatura, a poesia, as artes...
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília, DF: Cortez/Unesco, 2000. p. 43-44.

Quem vive nesta segunda década do século XXI, pode afirmar que o futuro do qual fala Morin já chegou.
Por isso, essa integração das diversas áreas do conhecimento na escola é tão importante e é o que você irá
perceber ao longo do livro em relação à disciplina de Arte.

RODA DE CONVERSA
Responda às questões a seguir e, depois, discuta as respostas com os colegas:
1. Com qual dos quatro campos artísticos que compõem o componente curricular de Arte (artes vi-
suais, dança, música e teatro) você tem mais contato? Justifique a sua resposta.
1. Resposta pessoal. Estimule os estudantes a se lembrarem de suas experiências com artes visuais, dança, teatro ou mú-

sica tanto na escola quanto em igrejas, projetos socioculturais e até mesmo em casa ou com os colegas. Aliás, essas expe-

riências não se restringem ao “fazer arte”, pois a maioria dos estudantes escuta músicas ou assiste a filmes na televisão, por

exemplo.

2. O que é arte para você? Justifique sua resposta.


2. Resposta pessoal. Essa é uma pergunta muito subjetiva e, teoricamente, há vertentes diferentes que tentam responder à
questão no campo da Filosofia, da História e da Crítica da Arte. Comumente, arte é associada ao “belo” remetendo a uma longa
tradição no ocidente que ainda persiste. Porém, atualmente, há muitas obras de arte que não se enquadram nessa categoria
de beleza. Além disso, há coisas belas, como um pôr do sol, que não são arte a priori. Também há teorias que defendem que
arte é o que a crítica especializada chama de arte, bem como outros pensamentos que acreditam que arte é aquilo que o ar-
tista e o público com o qual ele compartilha sua obra chamam de arte. Não se trata de encontrar uma resposta única, mas de
levar os estudantes a pensarem sobre isso e debaterem sobre suas definições de arte.

Arte: Conhecimento e Experiência | INTRODUÇÃO 13


Disciplina Arte – seus campos
artísticos e suas zonas
de contato
Para evidenciar os territórios de cada campo artístico e as suas interse-
ções, chamadas, aqui, de zonas de contato, vamos dialogar com a teoria ma-
temática dos conjuntos.

Arte e Matemática

De acordo com a teoria matemática dos conjuntos, um conjunto é uma


coleção não ordenada de zero ou mais objetos distintos, que são chama-
dos de elementos do conjunto. Para pertencer a um conjunto, os elemen-
tos têm de compartilhar as características que o definem. Por exemplo, no
caso do conjunto dos números pares, o número 2 é um elemento perten-
cente a esse conjunto; já o número 3 não pertence ao conjunto dos nú-
meros pares, pois é ímpar. Há, também, a possibilidade de interseção en-
tre os conjuntos, ou seja, em dois conjuntos A e B, pode haver uma série
de elementos que pertençam, simultaneamente, a A e a B. Se pegarmos,
como exemplo, o conjunto dos números primos, haverá interseção entre Disponível em: <www.
esse conjunto e o conjunto dos números ímpares e o dos números pares. ekac.org/gfpgalaxia.html>.
Acesso em: 28 jan. 2016.
O número 17 é um número que pertence, ao mesmo tempo, ao conjun-
Eduardo Kac (1962-), artista
to dos números primos e ao conjunto dos números ímpares. O número 2, carioca, realiza propostas que
por sua vez, pertence ao conjunto dos números primos e ao conjunto dos integram a arte a diversos
campos do conhecimento. No
números pares. Assim, podemos pensar que o conjunto dos números pri-
projeto GFP bunny (2000), Kac,
mos possui duas zonas de interseção: uma com o conjunto dos números com a ajuda de pesquisadores
pares e outra com o dos ímpares. Esses conjuntos (números pares e ímpa- de engenharia genética,
inseriu em uma coelha uma
res), no entanto, não possuem interseções entre si.
proteína fluorescente verde.
Essa modificação genética
EDITORIA DE ARTE

fez com que a coelha, ao


Conjunto dos ser exposta sob luz azul,
números primos emitisse uma luz verde.
7 Uma das preocupações
13 Ilustração da obra é estabelecer um
2 3 esquemática do
Conjunto dos 5
diálogo permanente entre
Conjunto dos conjunto dos
números pares 11 profissionais de diferentes
números ímpares números primos e campos (arte, ciência, filosofia,
6 8 de suas interseções direito, ciências sociais, entre
12 com os conjuntos
14 15 9 outros) e o público sobre as
4 10 dos números pares e implicações culturais e éticas
ímpares. da engenharia genética.

14 INTRODUÇÃO | Arte: Conhecimento e Experiência


Se cada um dos campos artísticos da disciplina Arte (artes

EDITORIA DE ARTE
1
visuais, dança, teatro e música) fosse tratado como um conjun-
ARTE
to, poderiam ser representados graficamente conforme figura 1.
Dança e teatro, se pensados dentro da teoria matemática
dos conjuntos, fazem parte do conjunto denominado “artes cê-
Teatro Dança
nicas”, que contém também o circo, a ópera e outras expressões
artísticas, como a performance, a intervenção urbana, que serão
aprofundadas na Unidade 3 (vide figura 2).
A ópera, por sua vez, está contida na interseção dos con-
juntos teatro e música. Observe:

EDITORIA DE ARTE
Música Artes visuais

Teatro Música

Ilustração esquemática dos campos artísticos: teatro,


Ópera dança, artes visuais e música.

EDITORIA DE ARTE
2
ARTES CÊNICAS

Ilustração esquemática da interseção entre os campos teatro e música que gera uma
Performance Circo
outra forma de expressão artística, no caso a ópera.

Pensando nas intervenções urbanas, em que a cidade é um


dos grandes motores dessas práticas, vê-se que a interseção se
expande para outras áreas do conhecimento, como a Geografia,
Intervenção
a Sociologia, entre outras. Teatro
urbana
Da mesma forma que as artes cênicas, a música e as artes vi-
suais fazem interseções com outros campos artísticos e com outras
áreas do conhecimento. A música aborda diversos estilos musicais,
como funk, rock, música de concerto, pagode etc. As artes visuais,
Dança Outros
por sua vez, abrangem diversas modalidades artísticas, como pin-
tura, escultura, desenho, instalação, site specific. Também há expres-
sões artísticas que aparecem como zonas de fronteira entre as ar-
tes, como é o caso da performance, sobre a qual haverá um estudo Ilustração esquemática do campo artístico artes cênicas
aprofundado na Unidade 3. e de suas diversas formas de expressão artística.

Site specific: a expressão em inglês pode ser traduzida literalmente como “local específico”. Consiste em um movimento das
artes visuais iniciado na década de 1970 no qual uma obra é criada para um espaço específico em uma relação estreita entre
a arquitetura e outras características específicas desse espaço e a obra de arte. Também é uma característica presente em ou-
tras artes na contemporaneidade, principalmente nas artes cênicas.

Arte: Conhecimento e Experiência | INTRODUÇÃO 15


Pense em uma expressão artística que envolva diferentes campos artísticos. Depois, descreva as
suas características, apontando os elementos de outras artes ou de outras áreas do conhecimento
que contribuíram para a construção dessa expressão artística.
Resposta pessoal. O videoclipe, por exemplo, trabalha com vídeo, música, dança, teatro, artes visuais. O vídeo é o meio

de expressão. A música e a dança se relacionam na composição das imagens. A interpretação teatral colabora na expres-

sividade dos artistas envolvidos e em algumas situações ficcionais, uma vez que o videoclipe, muitas vezes, conta uma

história. As artes visuais estão presentes na produção dos cenários, na iluminação, no figurino, nos efeitos visuais etc.

Arte e experiência
“Experimentar” é uma palavra bastante utilizada no dia a dia, em diver-
sas situações. Experimenta-se uma comida, uma roupa, uma aula de dança
ou de arte marcial, um procedimento no laboratório. Nesse sentido, a expe-
riência parece estar muito ligada a fazer algo pela primeira vez, com a possi-
bilidade de gostar ou não (no caso de uma roupa ou uma determinada ativi-
dade) ou de dar certo ou não (no caso de um procedimento em laboratório).
A experiência, nos exemplos citados, também está intimamente relacionada
à prática.
No campo da filosofia e das artes, “experiência” é uma palavra sobre a
qual muitos estudiosos e artistas se debruçaram, tratando de compreender
a amplitude dos seus significados. O filósofo espanhol Jorge Larrosa (1958-)
tem uma forma de entender a experiência diferente da usada no dia a dia.

A experiência não é uma realidade, uma coisa, um fato, não é fácil


de definir nem de identificar, não pode ser objetivada, não pode ser
produzida. [...] A experiência é algo que (nos) acontece e que às ve-
zes, treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer
ou gozar, algo que luta pela expressão, e que às vezes, algumas vezes,
quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a esse tremor, en-
tão, somente então, se converte em canto. E esse canto atravessa o tem-
po e o espaço. E ressoa em outras experiências, em outros tremores e
em outros cantos.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. p. 10.

16 INTRODUÇÃO | Arte: Conhecimento e Experiência


AKGIMAGES/LATINSTOCK
Detalhe de vaso grego de cerca de
450 a.C., que retrata Orpheu, no centro,
com a lira. Orpheu é um personagem
da mitologia grega que, à moda dos
rapsodos, canta músicas e histórias com
a lira.

A palavra “canto”, usada por Larrosa, pode remeter aos cantos dos rap-
sodos, artistas que iam de cidade em cidade recitando poemas na Grécia
Antiga. Esses poemas falavam de guerras e de notícias distantes, bem como
da relação dos seres humanos entre si e com os deuses. Assim, podemos per-
ceber que, há muito tempo, as artes ocupam um lugar no qual há a possibi-
lidade de converter uma experiência em canto e fazê-lo ressoar em nossas
próprias experiências.
A experiência é algo que acontece com as pessoas e que pode ocorrer
quando se está lendo um livro, comendo, se divertindo com os amigos, em
um laboratório, fazendo ou fruindo de uma prática artística. Não há como prever
quando você será tocado por uma experiência, já que a experiência é algo
que nos acontece individualmente e pode ou não acontecer ao outro, mes-
mo que ele tenha estado presente no mesmo momento, no mesmo lugar.
Sendo assim, quando as artes são experimentadas e são apreendidas
suas técnicas e também seus procedimentos, estamos possibilitando que
aconteçam experiências estéticas. Em alguns momentos, as propostas prá-
ticas deste livro podem levar a uma experiência, a esse tremor transformado
em canto de que nos fala Larrosa. Em outros, podem levar a um envolvimen-
to prático com a materialidade artística. De qualquer forma, estudar Arte en-
volve praticar arte, assim como fruir da arte como espectador, e compreen-
der a arte em seu contexto histórico, artístico e social. Conhecendo sobre
arte e fruindo arte, também é possível ter experiências significativas, tanto
quanto praticando uma arte. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Arte: Conhecimento e Experiência | INTRODUÇÃO 17


Música e imagem
O consumo de música está cada vez mais associado às imagens. Ouve-
-se música nas novelas da TV, nos filmes a que assistimos no cinema, nos es-
petáculos de dança e em vários trabalhos contemporâneos de artes visuais
e, especialmente, nos videoclipes.
Os videoclipes são vídeos musicais curtos, produzidos com a associa-
ção de imagens e efeitos visuais com a música, criando uma narrativa visual
integrada à narrativa musical.
Desde a década de 1980, os videoclipes são uma das principais formas
de se divulgar uma canção e a ampliação do acesso à internet contribuiu
muito com essa forma de se ouvir música vendo imagens.
DAVID WILSON

Fotograma do videoclipe da canção “We got time”, do músico britânico Moray McLaren, dirigido por David Wilson.

David Wilson é diretor musical e artista inglês, que alcançou grande su-
cesso como criador de videoclipes produzidos para artistas como Lady Gaga
e os grupos Arctic Monkeys, Metronomy, Tame Impala, entre outros. Em suas
obras, ele cria imagens que misturam diversas técnicas visuais, tradicionais e
digitais, compondo uma crônica visual para as músicas e proporcionando uma

18 INTRODUÇÃO | Arte: Conhecimento e Experiência


experiência ampliada para o espectador. As imagens de seus vídeos, muitas Este e outros vídeos de David Wilson
podem ser encontrados em seu site,
vezes, apresentam associações inesperadas e surpreendentes, como no vi-
disponível em: <http://thisisdavid-
deoclipe da música ”We got time”, de Moray McLaren. Nesse vídeo, seis vitro- wilson.com>, acesso em 15 fev. 2016.
las de vinil são plataformas giratórias sobre as quais há um cone espelhado. Em “We got time”, observe como as
imagens formam uma narrativa vi-
Junto ao movimento da plataforma, imagens desenhadas vão surgindo e se sual que parece ser ao mesmo tem-
transformam a partir da técnica da animação. po complementar e independen-
te da música de Moray McLaren. Se
possível, mostre o clipe da canção

Projeto Sofar Sounds – som para pequenos “We got time“ para os estudantes.

ambientes
O projeto Sofar Sounds é formado por uma comunidade global de mú-
sicos independentes e apreciadores de apresentações ao vivo de música
popular e ocorre em mais de 190 cidades ao redor do mundo, inclusive no
Brasil. A sigla “Sofar” vem da abreviação de sound for a room que, em tradu-
ção livre, significa “som para pequenos ambientes”. Trata-se de apresenta-
ções de músicos ainda desconhecidos do grande público que acontecem
em residências ou pequenos ambientes como ateliês, galerias de arte, cafés.
Há três formas de participar do projeto: se apresentando como artista, assis-
tindo aos shows ou abrigando alguma edição do evento em sua casa ou es-
paço comercial. Os locais das apresentações e os artistas de cada edição são
revelados somente poucos dias antes da apresentação ao público seleciona-
do para cada edição, geralmente composto por cinquenta pessoas. As apre-
sentações são filmadas e gravadas em alta resolução, e ficam disponíveis no
canal do projeto na internet.
O projeto Sofar Sounds modificou a relação de copresença entre músi-
cos e plateia. Como as apresentações ocorrem em formatos intimistas, com
as pessoas próximas aos músicos, a plateia tem uma relação com os artistas
que não existe nos grandes eventos de música popular. Por outro lado, a dis-
ponibilização das gravações dos shows na internet faz essas apresentações
intimistas alcançarem multidões ao redor do mundo. Portanto, a experiên-
cia desse projeto pode ser múltipla: durante as apresentações, presencia-se
a parte artesanal do trabalho musical; na internet, participa-se de um evento
de divulgação musical em massa.

Disponível em: <www.sofarsounds.com>. Acesso em: 30 jan. 2016. Música popular: o termo música
Visite o site do projeto Sofar Sounds, escolha uma cidade entre as 190 que popular é usado em contraposi-
fazem parte dessa rede e assista a uma apresentação que já esteja disponível ção à música de concerto. Existem
online. Você fará um passeio sonoro ao redor do mundo, conferindo várias vertentes de música popular
apresentações musicais realizadas em diversas partes do planeta. como o jazz, o rap, o pop, o rock, o
samba etc.

Arte: Conhecimento e Experiência | INTRODUÇÃO 19


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Materiais Objetivo
 câmera fotográfica digital, tablet, celular ou computador;  Experimentar uma
prática que envolva
 aplicativos ou programas gratuitos de edição de fotos e vídeos. duas expressões
Como fazer artísticas (música e
fotografia) para a criação
 Em grupos, vocês deverão tirar fotos de espaços da escola. As fotos
de uma terceira (vídeo),
devem ser de espaços, não de pessoas, para que vocês possam cap- em uma perspectiva
tar as cores, texturas, formas, luzes e sombras de cada espaço e não transdisciplinar.

expor nenhum colega. Prestem atenção aos detalhes dos ambientes.


 Selecionem de cinco a dez imagens de que vocês mais gostaram. Editem as imagens em um pro-
grama de computador ou aplicativo de edição de imagens. Depois da edição das fotos, respondam
às seguintes questões. As respostas servirão como um roteiro para a primeira parte da apresentação.
1. Qual critério vocês usaram para escolher as fotos?
1. Resposta pessoal. É importante investigar os critérios utilizados para definir as escolhas dos estudantes, por exemplo:

melhor qualidade da foto (foco, luz); enquadramento da foto; cores; texturas, entre outros.

2. Quais modificações vocês fizeram nas fotos escolhidas?


2. Resposta pessoal. É importante discutir e evidenciar qualquer elemento de tratamento das fotos, como filtros. Também
é importante refletir sobre os recursos de animação das fotos utilizados, o tempo entre cada foto, a maneira que cada uma
aparece na tela etc.

 Organizem a sequência de imagens em um programa de apresentação de slides. Depois, cada grupo


fará uma de apresentação para a turma, explicando os motivos das escolhas das fotos, bem como os
novos elementos inseridos na edição das fotos, por exemplo, os efeitos, filtros, entre outros.
 Selecionem duas músicas, que serão as trilhas sonoras do vídeo que vocês fizeram. Experimentem
várias músicas de estilos diferentes, com ou sem letra, e escolham duas bem diferentes. Por exemplo:
se uma das músicas escolhidas é suave, a outra deve ser forte. Com o aplicativo de edição de vídeo,
criem dois videoclipes, um com cada música, seguindo a mesma ordem de apresentação das fotos.
Lembrem-se de que o único elemento da produção do videoclipe que muda é a música.
 Apresentem as duas versões do videoclipe para os colegas.
 Depois de assistirem aos vídeos de toda a turma, conversem com os colegas sobre as questões a seguir.
3. Quais características das fotografias chamaram mais a atenção em cada um dos vídeos? Justifiquem
suas respostas.
3. Resposta pessoal. É importante que os estudantes se lembrem das cores, texturas, formas, luzes e sombras de algumas
das fotografias apresentadas. Também pode haver a descrição de sensações, histórias acontecidas ou imaginadas e até
formas humanas ou animalescas a que cada imagem pode remeter. Não se trata de uma resposta certa ou errada, trata-se
de estimular os estudantes a falar sobre as imagens que os colegas captaram.

4. Qual recurso de edição de imagens foi o mais utilizado?


4. Resposta pessoal. A resposta dependerá do que for produzido pela turma.

20 INTRODUÇÃO | Arte: Conhecimento e Experiência


5. Quais sensações as músicas escolhidas para cada vídeo causaram em você? Justifique sua resposta
dando exemplos dos vídeos dos grupos que mais lhe chamaram a atenção.
5. Resposta pessoal. A música costuma produzir sensações diversas de acordo com o conjunto de instrumentos envolvidos,

seu andamento, o timbre, a altura, entre outros. Mesmo que os estudantes não citem esses elementos técnicos da música,

que serão estudados ao longo deste livro, é possível que apareçam pares de adjetivos como forte/suave; intenso/relaxado;

rápido/lento, entre outros, para explicar as sensações que cada um sentiu com os vídeos apresentados.

6. O que você achou da experiência de assistir aos videoclipes editados com duas músicas diferen-
tes? O impacto das imagens mudou dependendo da música escolhida? Dê exemplos.
6. Resposta pessoal. O objetivo desta atividade é chamar a atenção para o fato de cada música ter o poder de mudar sig-

nificativamente a percepção das imagens. Caso a música seja composta com instrumentos de sonoridade suave, a per-

cepção é uma. Caso seja uma música com um andamento rápido, com o uso de muitos instrumentos de percussão,

a percepção das imagens pode mudar.

Na Introdução foi apresentada, nas palavras de Edgar Morin, a ideia da educação do futuro, na qual “os
conhecimentos precisam ser remembrados”, ou seja, ordenados novamente de modo integrado para que
se possa compreender o ser humano e suas relações em todas as suas dimensões.
Partindo da teoria matemática de conjuntos, foram apresentados os campos artísticos da disciplina de Arte
(artes visuais, dança, música e teatro) e suas zonas de contato entre si e com outras áreas de conhecimento.
Conheceu-se o que Jorge Larrosa chama de “experiência”: algo que acontece a alguém individualmen-
te e que, algumas vezes, pode ser convertido em um “canto” que será capaz de tocar as experiências indi-
viduais de várias outras pessoas. A arte pode ser entendida como um canto de experiência capaz de res-
soar de maneira diferenciada em cada um que a vivencia.

RODA DE CONVERSA
§ Que contribuição a arte pode trazer para a compreensão do mundo, dos seres humanos e de
suas relações? Justifique sua resposta com elementos do que você já teve como experiência.
Resposta pessoal.

Arte: Conhecimento e Experiência | INTRODUÇÃO 21


22
ARTE, TEMPO,
ESPAÇO E
MOVIMENTO

TITINA ONGKANTONG/ SHUTTERSTOCK


Na Introdução, foi visto que alguns elementos
técnicos e expressivos atravessam os diversos cam-
pos artísticos. Foram selecionados três deles: tempo,
espaço e movimento, por ajudarem a conhecer, fruir
e praticar a dança, o teatro, as artes visuais e a música.
Tempo é a duração, ou seja, o tempo que de-
corre entre um acontecimento e outro, como a
duração de uma sinfonia.
O espaço é o lugar ou o suporte de uma obra: a
rua para artistas cênicos, a partitura para o composi-
tor. Ele determina muitas características de uma obra.
O movimento é o que acontece no espaço e no
tempo. Em um filme, por exemplo, o movimento da
cena se dá pela passagem de um número determi-
nado de fotogramas em uma duração de tempo.
Ao final dessa Unidade, espera-se que você possa:
 reconhecer os elementos tempo, espaço e
movimento nos campos artísticos;
 conhecer alguns momentos históricos impor-
tantes e a influência dos elementos tempo, es-
paço e movimento nos campos artísticos;
 experimentar o teatro, a dança, as artes vi-
suais e a música a partir dos elementos tem-
po, espaço e movimento.

Imagem de onda sonora que ilustra o


movimento de propagação do som em um
determinado espaço e tempo. 23
KEY/ SHUTTERSTOCK
Conteúdos
§ Música no espaço

MÚSICA E ESPAÇO (ondas sonoras)


§ Altura do som:
graves e agudos

UNDERWOOD ARCHIVES/ GETTY IMAGES


Foto representando o som que se propaga em ondas, desde sua fonte sonora até às orelhas de quem ouve. F. K. Harvey demonstra o direcionamento de
lente acústica nas ondas sonoras emitidas a partir da corneta, à esquerda, no Bell Telephone Laboratories. Foto de 20 de junho de 1950.

A música é considerada por muitos estudiosos como a arte do tempo, ao contrário das artes visuais –
como a escultura –, que são artes que existem no espaço. Isso se deve ao fato de a música ser uma arte que
precisa do passar do tempo para acontecer.
Toda música apresenta uma duração que pode ser medida, desde uma canção de três minutos, feita para
tocar no rádio, até uma sinfonia de uma hora, para ser executada em uma sala de concertos. Assim, para ouvir
uma música, precisamos de todo o tempo de sua duração.
Porém, além de considerar a música como uma arte da duração, é possível entendê-la também como uma
arte do espaço, como será estudado neste capítulo, ao tratar de ondas sonoras.

24 CAPÍTULO 1 | Música e Espaço


RODA DE CONVERSA
1. Você sabe como o som é produzido e propagado?
2. Converse com os colegas e imagine como e por que a música pode ser considerada também uma
arte do espaço. Ouça todas as possibilidades apresentadas pelos estudantes, especialmente no que se refere à música
como arte do espaço. Quanto à produção e à propagação do som, relacione as respostas dos estudantes
ao conteúdo abordado neste capítulo.

Som é vibração
Todo som vem de uma fonte sonora, que pode ser um instrumento
musical, a voz de uma pessoa, as máquinas, os fenômenos da natureza e
até o simples toque de um objeto em outro. O som é produzido a partir de

ALBERTO PASQUANTONIO
vibrações provenientes da fonte sonora e chegam ao cérebro humano por
meio da orelha. Além disso, o som que, junto ao silêncio, forma a “matéria-
-prima” da música precisa do espaço para se propagar desde sua fonte
geradora até às orelhas de quem o ouve.

Ilustração retratando situações


em que ocorre a propagação das
ondas sonoras em meio sólido,
como parede, pela água e pelo ar.

Música e Espaço | CAPÍTULO 1 25


Música e Física

O físico Heinrich Hertz (1857-1894) desenvolveu um modo de medir as vibrações produzidas por fontes
sonoras, em relação a determinada quantidade de tempo. Determinou-se que uma vibração por segundo seria
denominada 1 Hertz (1 Hz). O número de vibrações por segundo é a frequência do som. A partir daí foi possível
constatar que quanto maior o número de vibrações por segundo geradas pela fonte sonora, maior é a frequência
e mais agudo é o som que ouvimos. Inversamente, quanto menor o número de vibrações por segundo, menor é
a frequência e mais grave é o som que ouvimos. Foi possível também perceber que o sistema sensorial humano
não consegue registrar todos os sons que são produzidos. O limite inferior de vibrações por segundo que a
orelha humana é capaz de registrar é de 16 Hz e o limite superior está por volta de 20 000 Hz.

EDITORIA DE ARTE
Amplitude Alta frequência

Tempo Gráfico representando ondas


sonoras em alta frequência.

EDITORIA DE ARTE
Amplitude Baixa frequência

Tempo Gráfico representando ondas sonoras


em baixa frequência.

Para facilitar o entendimento sobre a produção do som, tome-se como


exemplo um corpo elástico como as cordas de um violão. Quando tocadas,
as cordas do instrumento produzem ondas sonoras, ou seja, vibrações que
são amplificadas pela caixa do violão e conduzidas por meio do ar, entrando
pelas orelhas até chegar ao cérebro como estímulos nervosos.
A diferença entre a espessura das cordas e o grau de tensionamento
faz cada uma das cordas de um violão vibrar em frequências diferentes,
produzindo sons mais graves ou mais agudos. Em música, denomina-se
altura a propriedade de os sons serem graves ou agudos. A altura é uma
qualidade do som que é determinada pela taxa de vibrações produzidas:
quanto menos vibrações na fonte sonora, mais grave será o som produzido;
quanto maior o número de vibrações, mais agudo será o som.

26 CAPÍTULO 1 | Música e Espaço


ASAF ELIASON/ SHUTTERSTOCK
A altura é uma das quatro características
fundamentais dos sons que serão estudadas no
decorrer deste livro. As outras três características são:
 Volume ou intensidade – relacionado(a) à
característica de os sons serem fortes e fracos;
 Timbre – relacionado à qualidade ou co-
loração dos sons;
 Duração – relacionada à característica de os
sons serem longos e curtos.
Reconhecer essas características faz parte do
treinamento auditivo dos estudantes de música. Foto de violão com cordas de aço. As cordas, da esquerda para a direita,
vão se tornando cada vez mais finas. Além da diferença na espessura, a
afinação do violão afeta o tensionamento das cordas. Quando as cordas do
violão ou da guitarra são afinadas no modo padrão e são tocadas da mais
grossa até a mais fina, elas soam uma mais aguda que a outra.
VALERIY LEBEDEV/ SHUTTERSTOCK

YURIY_FX/ SHUTTERSTOCK

GEMPHOTOGRAPHY/ALAMY/LATINSTOCK

BOONROONG/ SHUTTERSTOCK

Contrabaixo Violoncelo Viola Violino

Foto de instrumentos musicais da mesma família, de tamanhos diferentes. Nos instrumentos de corda, a frequência das vibrações produzidas
depende do comprimento, da espessura e do tensionamento das cordas. Quanto mais curta, mais fina e mais esticada a corda, maior será a
frequência das vibrações e mais agudas serão as notas produzidas.

Música e Espaço | CAPÍTULO 1 27


Música e Língua Portuguesa

Os irmãos Haroldo e Augusto de Campos foram,

AUGUSTO DE CAMPOS
com Décio Pignatari, os criadores da poesia concreta
brasileira na década de 1950. A poesia concreta utiliza-se
de recursos visuais como o aproveitamento do espaço
da página para a formação de imagens por meio da
disposição das palavras, cores e de diferentes tipos de
letra, integrando o som, a visualidade e o sentido das
palavras.
Uma das principais características dessa poesia é a
exploração do aspecto sonoro dos vocábulos, como se
Reprodução do poema “O pulsar”, escrito por Augusto de Campos
percebe no poema “O pulsar”, de Augusto de Campos. em 1975.
Toda a canção foi feita utilizando-se notas de apenas três alturas diferentes: a mais aguda corresponde à letra E, que no poema
foi grafada com símbolo de estrela (); a nota mais grave corresponde à letra O, que no poema foi grafada com símbolo () e a
Esse poema foi transformado em música pelo cantor e compositor baiano Caetano Veloso e gra-
nota de altura intermediária soa quando se cantam as letras A ou U. Percebam que a palavra
vado no CD Velô, de 1984.
2 OCO pode ser lida também como ECO. (Símbolo que mescla bolinha e estrela, o que remete
 Agora, leia o poema e ouça a gravação da canção na faixa 2 do CD de áudio. Perceba como a mú-
sica se relaciona com os aspectos sonoros dos vocábulos, através do uso de diferentes alturas.
às palavras eco e/ ou oco).

Para compreender a produção do som, o berimbau é outro instrumento


que pode ser usado para exemplificar como o som musical é produzido e
ouvido pelas pessoas. O berimbau é constituído por um arco de madeira e por
O velho orfeu africano (Oricongo), aquarela
um arame ou corda retesado (string), uma cabaça com o fundo cortado (que sobre papel, de Jean-Baptiste Debret,
funciona como caixa de ressonância), uma pedra (para pressionar a corda), 1826. Dimensões: 15,6 cm × 21,5 cm.
Em pinturas de Debret (séculos XVIII-XIX),
uma baqueta ou vareta (para percutir a corda) e um caxixi (pequeno chocalho o berimbau é utilizado pelos
que reforça a marcação do ritmo). O tocador segura o berimbau com uma das mercadores para atrair a freguesia.
mãos e a baqueta com a outra.
MUSEUS CASTRO MAYA, RJ

Com a baqueta, percute a corda


que vibra, produzindo ondas
sonoras. Essas ondas sonoras
percorrem o arco de madeira, são
amplificadas na cabaça e, através
do ar, alcançam a orelha das
pessoas. Introduzido no Brasil por
africanos escravizados, o berimbau
é conhecido principalmente por
ser usado para acompanhar o
jogo da capoeira.

28 CAPÍTULO 1 | Música e Espaço


AGNALDO ROCHA/ ORQUESTRA DE BERIMBAUS DO MORRO DO QUEROSENE
Disponível em: <www.
poesiaconcreta.com/>.
Acesso em: 24 mar. 2015.
No site do Projeto
Verbivocovisual, estão
disponíveis vídeos, áudios, e
imagens das poesias, além
das biografias dos principais
concretistas brasileiros. Há
inclusive o vídeo do poema
“O pulsar”, que foi musicado e
gravado por Caetano Veloso.
Navegue pelo site e descubra
as potencialidades visuais
dos poemas concretos.
Por fim, veja o vídeo do
poema “O pulsar” e compare
com a análise que você
fez na seção anterior.
Foto da Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene. O grupo é formado por capoeiristas, músicos
e pessoas da comunidade da Vila Pirajuçara, Butantã, na cidade de São Paulo. Foto de 2014.

Música e Biologia

As ondas sonoras se propagam pelo ar e, ao entrar pelo pavilhão auricular, são direcionadas para interior
da orelha, onde chegarão ao tímpano, fazendo-o vibrar também. Essa vibração do tímpano aciona um
complexo mecanismo de transmissão de vibrações através de três ossos minúsculos da orelha média:
primeiro, o martelo; depois, a bigorna; e, por último, o estribo. Esses ossos, um a um, vão passando adiante as
vibrações recebidas. Já na orelha interna, as vibrações fazem o líquido do interior da cóclea, uma estrutura em
forma de caracol, se movimentar. Esse movimento estimula as terminações nervosas que ali se encontram e
que, por sua vez, levarão a mensagem captada até o cérebro, que a interpretará em forma de som.
ANGELO SHUMAN

Pavilhão auricular (ou auditivo)


Canal semicircular (ciliado)

Ossículos
Conduto
auditivo Cóclea
externo Nervo
Cavidade
timpânica
Janela do
Tuba vestíbulo
Membrana auditiva Janela da
timpânica cóclea
Representação esquemática de orelha
humana com componentes anatômicos
Orelha externa Orelha média Orelha interna responsáveis pela audição.

Música e Espaço | CAPÍTULO 1 29


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Nesta atividade você irá associar movimentos corporais com diferen- Objetivo
tes alturas sonoras. Lembre-se de que, quando se trata da altura de um  Associar movimento sonoro
e movimento corporal.
som, não se refere ao volume ou à intensidade, mas à propriedade de
3
os sons serem graves e agudos.
1. Ouça a faixa 3 do CD de áudio com exemplos de sons agudos e graves. Quando ouvir um som grave,
4
abaixe-se ou sente-se. Quando ouvir um som agudo, levante-se, ficando de pé.
2. Agora a atividade ficará um pouco mais complexa, pois vocês ouvirão sons de altura intermediária
e não somente extremos de graves e agudos. Ouça a faixa 4 do CD de áudio e se abaixe ao ouvir um
som grave ou se levante ao ouvir sons agudos. Quanto mais grave for o som, mais perto do chão você de-
verá ficar, podendo agachar-se, ajoelhar-se ou deitar-se no chão. Quanto mais agudo for o som, mais para
o alto você deverá ficar, podendo levantar os braços, ficar nas pontas dos pés ou saltar.

As variações de altura são importantes para a construção de melodias e de arranjos de instrumentos


musicais. Quando você toca ou canta uma sequência de notas, variando as alturas, está construindo ou
interpretando uma melodia. Em outras palavras, melodia é uma sucessão de notas, de alturas iguais e
diferentes, que acontece no passar do tempo. Nas canções, o cantor interpreta a melodia e os instrumentos o
acompanham em arranjos musicais que também contemplam combinações de diferentes alturas. Na música
instrumental, a melodia geralmente fica a cargo de um instrumento solista, de um grupo de instrumentos ou
mesmo de vozes cantando sem texto, sobre uma ou mais vogais. É através da melodia que cantamos a letra de
uma música. Nas canções românticas, a melodia costuma ser rebuscada, buscando atingir emocionalmente
o ouvinte, em uma união entre desenho sonoro e conteúdo literário que leve ao estado emotivo despertado
pela canção. As melodias podem também ser repetitivas ou muito próximas ao registro da fala coloquial,
dependendo do estilo do compositor e dos objetivos da canção: fazer rir, despertar paixão, protestar etc.

Melodia

A melodia é um fenômeno humano universal que remonta à pré-história; em suas origens, serviram-
-lhe de modelo a linguagem, o canto dos pássaros e outros sons animais, bem como o choro e as brin-
cadeiras infantis. [...]
As concepções a respeito do que seja música melodiosa estão em constante mudança na música ocidental;
por exemplo, quase todas as gerações criticam a falta de melodia na música produzida pela geração seguinte. [...]
Na música vocal, desde a época dos trovadores medievais, passando pelos compositores de canções do
final do Renascimento e os compositores operísticos do bel canto, a melodia sempre teve importância
capital, e assim permaneceu particularmente nos períodos clássico [1750-1810] e romântico [1810-1910],
tanto na música instrumental quanto vocal.
SADIE, Stanley (Ed.). Dicionário grove de música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. p. 592.

Bel canto: expressão usada para se referir ao estilo vocal italiano dos séculos XVII a XIX, caracterizado pela busca da beleza das
vozes dos cantores e pela técnica de canto apurada.

30 CAPÍTULO 1 | Música e Espaço


5 As frases da letra da música foram numeradas para facilitar a atividade, que deverá ser realizada após a audição.
Com um grupo de colegas ou individualmente, ouça a música “Samba de uma nota só”, composta
por Tom Jobim e Newton Mendonça, na faixa 5 do CD de áudio, e acompanhe a letra.

Samba de uma nota só

1 Eis aqui este sambinha 12 Já me utilizei de toda a escala


2 Feito numa nota só. 13 E no final não sobrou nada,
3 Outras notas vão entrar 14 Não deu em nada.
4 Mas a base é uma só.
5 Esta outra é consequência 15 E voltei pra minha nota
6 Do que acabo de dizer. 16 Como eu volto pra você
7 Como eu sou a consequência 17 Vou cantar com a minha nota
8 Inevitável de você. 18 Como eu gosto de você
19 E quem quer todas as notas
9 Quanta gente existe por aí 20 Ré, mi, fá, sol, lá, si, dó.
10 Que fala, fala e não diz nada 21 Fica sempre sem nenhuma
11 Ou quase nada. 22 Fique numa nota só.
JOBIM, Tom; MENDONÇA, Newton. Samba de uma nota só. In: O amor, o sorriso e a flor. (LP), Odeon, 1960.
Disponível em: <www2.uol.com.br/tomjobim/ml_samba_de_uma_nota_so.htm>. Acesso em: 12 jan. 2016.

Existe um jogo de sentidos entre a letra da canção e as variações de altura da melodia. Em alguns
momentos, a melodia é feita pela repetição de uma nota da mesma altura, e, em outros, há uma grande
variação nas alturas para a construção da melodia. Repare que há uma conexão entre as repetições ou
variações das alturas da melodia com o sentido da letra.

 Identifique as frases em que a melodia é feita de notas de alturas repetidas e as frases em que
há variações. Para facilitar, utilize a numeração das frases. Pense em uma possível conexão en-
tre as repetições e variações na melodia e o sentido da letra e depois discuta os resultados ob-
tidos com os demais colegas e o professor.

A melodia das frases 1, 2, 3 e 4 foi construída por meio da repetição de uma nota da mesma altura. A variação dos acordes
responsáveis pela harmonia é que traz uma sensação de movimento sonoro. A letra apresenta o samba que foi feito de
uma nota só, conforme o nome da canção, e anuncia a entrada de outras notas. Nas frases 5 e 6, há uma mudança na altu-
ra da nota, acompanhada de um comentário da letra. Nas frases 7 e 8, a melodia retorna à nota inicial, variando apenas na
última sílaba. Até o final da oitava frase, notas de somente duas alturas diferentes foram utilizadas na melodia, em alusão
ao casal retratado na canção. Nas frases 9 a 14, há uma grande variação de alturas na melodia, em uma alusão ao grande
número de pessoas ou de notas musicais, que seriam sem significado para o cantor.
Nas frases 15 a 22, a melodia volta a ser construída com notas de somente duas alturas diferentes, remetendo novamente
ao casal retratado na canção e alertando para o risco de se variar muito, no amor e na música, e acabar sem nada.

Música e Espaço | CAPÍTULO 1 31


Partituras e outras formas
de representação dos sons
É possível registrar as diferentes alturas dos

IMAGENS: EDITORIA DE ARTE


sons de diversas maneiras. A forma mais tradicional
de escrita musical é por meio de uma partitura e
seu pentagrama, ou pauta musical, em que se pode Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó
registrar as alturas, a duração e a intensidade dos sons, Representação gráfica com exemplos de notas musicais no
entre outros elementos da linguagem musical. pentagrama. A escrita das alturas dos sons neste formato é absoluta,
ou seja, é possível representar exatamente a altura do som desejado.
No entanto, a partitura não é a única forma de
registro musical. Existem formas alternativas que
podem variar de acordo com a música que se quer
registrar. Na música popular, por exemplo, é muito
C Cm C7 D Dm D7
comum o uso de cifras, em que são representadas
apenas as posições dos dedos que pressionam as
cordas no braço do violão, o que dá uma grande
liberdade ao instrumentista para executar, por
exemplo, o ritmo da música. E Em E7 F Fm F7
Uma maneira de registrar a altura dos sons é em
forma de gráfico, no qual é apresentado o movimento
sonoro, ou seja, se os sons que se deseja registrar são
mais graves, mais agudos, se começam nos graves e
G Gm G7 A Am A7
depois se tornam agudos e vice-versa. Essa forma de
registro é apenas relativa, ou seja, só permite comparar
os sons que se pretende registrar entre si e não de
acordo com o número absoluto de Hz. Mesmo assim,
esse tipo de representação é útil tanto para a escrita B Bm B7

musical quanto para o treinamento musical inicial.


Observe no gráfico ao lado como o pedagogo
musical francês Maurice Martenot (1898-1980) propôs
a representação gráfica de pequenas frases de uma
Representação gráfica com exemplo de cifras de acordes usados
melodia através de pontos e linhas que sugerem notas para tocar violão ou guitarra.
de diferentes alturas. Nesse caso, a representação
gráfica ajuda a entender o termo altura, porque os
sons mais graves são representados embaixo, na parte
Agudo
inferior do gráfico, os sons agudos são representados
Intermediário
na parte superior do gráfico e os sons intermediários Grave
são representados distribuídos entre os mais graves e Gráfico para notação das alturas de uma melodia proposto pelo
os mais agudos. pedagogo musical francês Maurice Martenot em 1952.
Caso considere adequado, peça aos estudantes que representem a música “Samba de
32 CAPÍTULO 1 | Música e Espaço uma nota só” por meio de gráficos semelhantes aos apresentados neste capítulo.
Agora serão feitas a escrita e a leitura de sons em diferentes alturas Objetivo
por meio de representações dos movimentos sonoros. As figuras a seguir  Trabalhar dois
planos de altura –
representam sons graves e agudos que deverão ser tocados ou cantados agudos e graves.
separadamente, com uma pausa entre cada som.

Execute os sons registrados a seguir, emitindo sons graves ou agudos, de acordo com a represen-
tação. A leitura deve ser da esquerda para a direita. Lembre-se de que os sons graves estão represen-
tados por traços na parte inferior, e os agudos, na parte superior.
a. b.

EDITORIA DE ARTE

EDITORIA DE ARTE
 Agora, com o professor, vocês poderão criar diversas combinações de sons em dois planos diferen-
tes de alturas.
 Representem na lousa diversas combinações de sons, variando os planos de altura (graves e agudos).
Em seguida, executem as combinações por meio de vozes ou instrumentos musicais.
a) Uma nota grave, uma nota aguda, duas notas graves, duas notas agudas, uma nota grave, uma nota aguda e uma
nota grave. Os estudantes poderão executar os sons representados cantando ou tocando instrumentos que favoreçam
a audição dos contrastes de altura.

Neste capítulo, você verificou que é possível pensar a música, a arte do tempo, também como uma arte
do espaço. O som precisa do espaço para se propagar de sua fonte sonora até as orelhas e as diferentes
frequências que formam os sons provocam sensações de diferentes alturas: graves e agudas.

b) Duas notas graves, uma nota aguda, uma nota grave, uma nota aguda, uma nota grave e uma nota aguda.

RODA DE CONVERSA
Os sons podem ser classificados de acordo com suas alturas, ou seja, em graves ou agudos. A capacidade
de combinar sons de diferentes alturas faz parte da arte de fazer música.
 Descreva a forma como os compositores ou grupos de que você gosta combinam as alturas dos sons
nas músicas. Traga exemplos de músicas para a sala de aula e troque suas impressões com os colegas.

Resposta pessoal. Auxilie os estudantes dando alguns exemplos. Por exemplo, no rap existe uma linha melódica grave fei-

ta pelo contrabaixo que dá o suporte rítmico, além de o canto ser próximo à fala e também em registros mais graves. Outro

exemplo são os solos de guitarra na música pop ou rock, que, normalmente, são em registros mais agudos. As possibilidades

são muitas; se necessário, comente como a combinação de alturas pode tornar contrastantes os exemplos apresentados.

Música e Espaço | CAPÍTULO 1 33


2
ARTES CÊNICAS: Conteúdo
 O tempo e o espaço

TEMPO E ESPAÇO
nas artes cênicas

O cenário não deve falar a mesma linguagem que o ator. O cenário não pode ser da mesma
natureza que o ator. O cenário é instituído pelo ator e, como ele, sempre em movimento.
Jacques Copeau, cerca de 1915.

ALEXANDRE KUMA/ COMPANHIA JOGANDO NO QUINTAL/ DIVULGAÇÃO

Foto de um ator da companhia Jogando no Quintal durante apresentação em Ribeirão Preto (SP). Foto de 22 de janeiro de 2016.
Observe como a plateia parece estar conectada ao palhaço da mesma forma que ele está se dirigindo ao público. Essa relação só é possível porque
artistas e público estão compartilhando o mesmo espaço e o mesmo tempo.

O teatro, o circo, a ópera, a dança e mesmo os shows ou concertos musicais, apesar de serem formas de
expressão diferentes, têm sempre alguma característica em comum. Para se assistir a apresentações artísticas
como essas, normalmente, as pessoas saem de suas casas e dirigem-se a um determinado lugar para estar na
presença dos artistas. Da mesma forma, os artistas se preparam durante muito tempo, ensaiam, pesquisam, es-
tudam e praticam suas habilidades para, no dia, horário e local estabelecidos, estarem na presença do público.

34 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Ao refletir sobre a relação de tempo (duração) e de espaço (localização) nas artes cênicas (teatro, dança,
circo, performance, entre outras), o que chama atenção é o acontecimento cênico, isto é, o evento no qual ar-
tistas e público compartilham um mesmo local, durante um mesmo período. Essas artes, por estarem forte-
mente ancoradas em uma mesma coordenada temporal e espacial, têm como importante característica sua
efemeridade. Quando você assiste a uma peça de teatro, a uma apresentação de circo ou a um espetáculo
de dança, você está compartilhando um momento único que não voltará a se repetir, mesmo que haja outra
apresentação no dia seguinte ou que a apresentação seja gravada e reexibida em vídeo. Nas artes cênicas, há
um tempo e um espaço compartilhados entre artistas e público durante a apresentação.
O objetivo dessas atividades iniciais é sensibilizar os estudantes para a relação espacial nas artes cênicas e provocar uma percepção
temporal das experiências deles com as artes cênicas em geral. Aproveite as respostas dos estudantes para apontar diferenças entre

RODA DE CONVERSA
cada lugar, a divisão do espaço entre os artistas e o público e o comportamento das pessoas em cada local.
Com os colegas e o professor, conversem sobre os espaços onde ocorrem apresentações de teatro,
dança ou circo e a duração dessas apresentações e respondam às perguntas a seguir.
1. Vocês conhecem alguns desses espaços? Quais?

1. Resposta pessoal.

2. Quais são as principais características estruturais desses locais?


2. Resposta pessoal. Induza a comparação entre diferentes espaços, como teatros grandes e pequenos, teatros de arena, cir-
cos e até mesmo a própria rua, onde ocorrem diversas apresentações. Em função dos espaços, as apresentações adquirem
características diferentes, assim como o perfil e o comportamento do público. Por exemplo, em uma apresentação teatral na
rua, as pessoas podem se sentar no chão ou assistir à peça de pé, podem entrar e sair do espaço a qualquer momento etc.

3. Como as pessoas se comportam nesses espaços? 3. Resposta pessoal. Espera-se que os estudantes percebam
as diferenças de comportamento em diferentes espaços. Em teatros fechados, as pessoas ficam em silêncio após o terceiro
sinal, que anuncia que o espetáculo vai começar. Como isso se dá em espaços abertos? Há uma diferença também entre o
público de teatro ou dança em espaços fechados e o público do circo na lona. Enquanto no teatro, principalmente em peças
dramáticas, espera-se silêncio da plateia até que o espetáculo termine, os artistas de circo pedem aplausos depois de um
grande feito e a interação entre artistas e público é mais constante. Nos shows de música, o público aplaude ao final de cada
música. Nos concertos clássicos, aplaude-se somente no final da execução completa da peça musical. O objetivo é introduzir
os estudantes nessas diferenças a partir de suas respostas pessoais.
4. Em que horário essas apresentações costumam ocorrer com mais frequência?
4. Resposta pessoal. Espera-se que os estudantes notem que o horário das apresentações é variável, ainda que seja mais co-
mum serem realizadas no período noturno. A hora de apresentar-se também influencia algumas das características da apre-
sentação, como iluminação e som. Caso o espetáculo seja feito em espaços abertos durante o dia, por exemplo, é muito difí-
cil contar com recursos de iluminação e, muitas vezes, é preciso que os atores usem microfones de lapela e sem fio para que
a voz possa ser ouvida. Além disso, o público presente pode variar: é comum que os teatros fechados reservem os horários
diurnos a obras voltadas ao público infantil.

5. Quais diferenças pode haver em uma mesma apresentação de dança, teatro ou circo feita durante
o dia em um espaço aberto e durante a noite em um espaço fechado? 5. Resposta pessoal. Em um teatro
fechado, as apresentações durante o dia ou durante a noite sofrem pouca alteração em seus aspectos técnicos (iluminação
e sonorização), pois o edifício teatral veda a luz externa e possui tratamento acústico. Nesses casos, o que costuma variar é o
público. Segundo a classificação etária do espetáculo, é comum que haja mais crianças durante o dia do que durante a noi-
te. Na rua, como vimos anteriormente, a iluminação varia muito se é de noite ou de dia. O público da rua é bem mais diverso
e seu comportamento é menos preestabelecido do que num espaço fechado. No teatro fechado, é comum que, atrás dos
ingressos, esteja impressa uma série de regras de comportamento, tais como não beber ou comer no teatro, manter-se em
silêncio etc.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 35


Artes da presença: artistas e público
em um mesmo espaço ao mesmo tempo
Nas artes cênicas, podem acontecer apresentações ou ações artísticas
sem data, hora ou local previamente acordados com o público, em meio ao
fluxo de transeuntes de uma cidade.
Os artistas que fazem essas apresentações ou intervenções buscam jus-
tamente o encontro com o público. Da mesma forma, as pessoas que param
o que estão fazendo ou simplesmente esperam para ver ou participar dessas
propostas também se abrem para esse encontro que ocorre de maneira inu-
sitada e, muitas vezes, inesperada. É muito comum nessas formas de inter-
venção o público decidir se quer participar ou não.
A proximidade entre público e artistas é uma característica muito pre-
sente nas artes cênicas contemporâneas, sendo entendida como uma forma
de promover uma relação diferenciada com o público e mexer nas estrutu-
ras mais tradicionais da relação entre tempo e espaço nessas artes. Esse tema
será abordado novamente na Unidade 3.

FELIPE MESSIAS/MOVASSE – COLETIVO DE CRIAÇÃO / DIVULGAÇÃO

Foto da intervenção urbana “SE7


ABERTO”, do grupo Movasse, na praça
Sete de Setembro, em Belo Horizonte
(MG). Foto de 2013. A intervenção
propõe transformar locais públicos em
sets abertos de filmagem de vídeos
contando, inclusive, com a participação
do público, via redes sociais,
instituindo, assim, um processo criativo
colaborativo.
Na foto acima, observa-se que a ação da dançarina interrompe a roti-
na das pessoas que estavam paradas, provavelmente à espera do transporte
público. Há uma relação e um contato visual direto entre a bailarina e uma jo-
vem que espera de braços cruzados. Os demais observam o que ocorre en-
tre as duas. Como dito, em intervenções como essa, o público pode decidir
se quer observar/participar ou não.

36 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


O teórico e crítico teatral argentino Jorge Dubatti (1963-) afirma que Neste livro, optou-se por usar o ter-
mo “artes cênicas” para não reduzir
uma característica fundamental do teatro é que atores e público estão juntos toda a riqueza de experiências à no-
no mesmo momento e no mesmo lugar, compartilhando uma experiência menclatura de uma única forma de
arte cênica. No entanto, para com-
única e que não pode se repetir. A esse encontro único, ele chama de conví- preensão do texto a seguir, é impor-
vio, isto é, o encontro entre artistas, técnicos e público em um mesmo tem- tante ampliar o que o autor chama
de teatro para outras expressões das
po e espaço sem intermediações tecnológicas que interfiram na presença artes cênicas.
corporal entre eles. Para Dubatti, o termo “teatro” serve para designar tanto o
teatro propriamente dito, quanto a dança, o circo, a performance etc.

Insistimos na trilogia de Filosofia do Teatro que o convívio, mani-


festação ancestral da cultura vivente diferencia o teatro do cinema,
da televisão, do rádio, [...] dos chats, porque o teatro exige a presença
viva, real, de corpo presente, dos artistas em reunião com os técnicos
e os espectadores [...] Chamamos convívio teatral à reunião de artis-
tas, técnicos e espectadores numa encruzilhada territorial e espacial
cotidiana (uma sala, a rua, um bar, uma casa etc. no tempo presente)
[...]. A base insubstituível do acontecimento teatral está no convívio.
Para que haja convívio duas ou mais pessoas têm que se encontrar em
um ponto territorial e sem intermediação tecnológica que subtraia a
presença vivente, aurática dos corpos na reunião. O teatro é uma reu-
nião territorial dos corpos. O convívio remete a uma escala ancestral
da humanidade já que nasceu por primeira vez quando dois seres hu-
manos se encontraram.
DUBATTI, Jorge. Convivio y Tecnovivio: el teatro entre infáncia y babelismo.
In: Lamparina – Revista de Ensino de Teatro. v. 1, n. 5, novembro 2014. Belo Horizonte:
Escola de Belas Artes da UFMG, 2014. p. 104-105. (Tradução dos autores especialmente para esta obra.)

O teatro, a dança, o circo e outras formas de artes cênicas podem acon- Disponível em: <www.
teatrodavertigem.com.br>.
tecer em diversos espaços. O mais comum é assistir a peças e coreografias
Acesso em: 26 out. 2015.
em casas de espetáculo com palco e plateia, e apresentações circenses em
Nos últimos anos, o grupo
lonas com picadeiro e arquibancadas. No entanto, também é possível pre- Teatro da Vertigem, da
senciar expressões de teatro, circo, dança ou performance nas ruas da cidade, cidade de São Paulo, tem
se destacado por montar
em praças, parques, restaurantes, entre outros locais.
espetáculos em lugares
não usuais, tais como:
Aurática: adjetivo formado a partir do substantivo aura. No caso específico do texto aci- igrejas, presídios e hospitais
ma, Dubatti refere-se ao conceito de aura da obra de arte discutido pelo filósofo alemão desativados, barcos no Rio
Walter Benjamim no início do século XX. Benjamim questionava as formas de repro- Tietê, entre outros lugares.
dução técnica das obras de arte como uma perda de sua aura. O filósofo alemão usa o Para conhecer mais sobre
exemplo do cinema, surgido no início do século XX, em relação ao teatro para discutir a a história do grupo, além
aura de uma obra de arte. No teatro, para Benjamim, a obra de arte teria aura, pois seria de visualizar fotos e
produzida artesanalmente pelos atores diante do público. Já no cinema, Benjamim con- vídeos curtos de alguns
sidera que a arte teria perdido sua aura, pois seria fruto de uma reprodução técnica de espetáculos, visite o
uma arte aurática anterior, neste caso o teatro. O próprio filósofo, posteriormente, questio- site da companhia.
nou essa divisão categórica entre a aura da obra de arte e sua reprodutibilidade técnica.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 37


Existem experiências bem interessantes sobre o encontro entre especta-
dores e atores, tornando essa relação o mais próxima possível. Há espetáculos,
por exemplo, que são feitos apenas para um espectador por vez. É o caso das
propostas do diretor argentino Matías Umpierrez (1980-) em seu TeatroSOLO,
série de intervenções artísticas feitas em diferentes localidades de diversas ci-
dades do mundo e pensadas para que apenas um espectador assista de cada
vez. O projeto busca formas diferenciadas de relação entre o ator e o público
no tempo e no espaço, tirando o teatro do seu lugar tradicional, a casa de espe-
táculos, e o espectador da sua condição de coletivo, uma vez que é represen-
tada somente para um espectador. Leia o que diz Umpierrez sobre o projeto:

O ator é movido para fora de seu contexto habitual de signos artificiais e é colocado no centro de
uma cena real para desenvolver a história. Já o espectador deixa a habitual sujeição e anonimato que co-
mumente encontra no teatro e passa a ter um papel ativo e pessoal durante toda a performance.
UMPIERREZ, Matías. TeatroSOLO. Disponível em: <www.teatrosolo.com.ar/pt/>. Acesso em: 24 out. 2015.

Agora, observe, a seguir, a cena de uma das intervenções do TeatroSOLO.


DIVULGAÇÃO

Disponível em: <http://


teatrosolo.com.ar/pt/
videos/>.
Acesso em: 24 out. 2015.
No site do TeatroSOLO, é
possível assistir a vídeos
curtos com trechos de
algumas das apresentações
da companhia em diversas
cidades do mundo. Se
houver possibilidade de
assistir a eles, observe
como a ação cênica
muda de lugar para lugar,
evidenciando a influência
do espaço na obra.

Foto de intervenção artística do grupo TeatroSOLO, da Argentina, em um edifício abandonado da


cidade de São Paulo (SP). Foto de 2014.

No espaço onde é apresentada a cena acima, não se observam algumas


das características comuns aos teatros tradicionais, tais como: palco, plateia,
iluminação artificial etc. A cena acontece no terraço do prédio de uma gran-
de metrópole, e não há outro objeto cenográfico além de uma cadeira. O ce-
nário passa a ser a própria arquitetura do espaço. Para diferenciar o edifício
teatral tradicional da proposta do TeatroSOLO, observem a planta do Teatro
Colón na Argentina.

38 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


REPRODUÇÃO
Bastidores

Palco Plateia

Planta do Teatro Colón,


Buenos Aires, Argentina.

IAN LLOYD/ MASTERFILE/LATINSTOCK

Foto do interior do Teatro Colón, Buenos Aires, Argentina. Esse teatro entrou em um processo de restauração em 2006, concluído em maio de
2010, ano em que foi reaberto ao público.

Nessa planta, é possível observar que a parte central está destinada ao público com as poltronas organi-
zadas de modo que todos consigam ver o palco. O palco é um retângulo amplo, separado da plateia. A forma
como está distribuído o espaço nessa planta evidencia que artistas e público estão distantes e claramente se-
parados, o que não costuma acontecer tão explicitamente em outros espaços como a rua ou aqueles escolhi-
dos por Umpierrez em seu TeatroSOLO.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 39


A valorização do momento e de espaços não convencionais para o en-
contro entre atores e público também ocorre em diversas companhias bra-
sileiras. Parte da dramaturgia contemporânea tem chamado a atenção do
espectador para o aqui e agora do acontecimento teatral. Leia a seguir a
fala de um dos personagens da peça Por Elise, escrita pela dramaturga Gracê
Passô (1980-) e encenada pelo grupo Espanca!

Não adianta fingir que não sente. Gente sente tudo, se envolve com tudo! Sou eu que estou pedindo
isso. Façam isso por mim. Por mim! Por mim! Por mim! (Agora para os quatro atores). Por mim! Isso
também vale para vocês. Não se envolvam tanto! Escutem, vocês podem estar pensando que o que eu
estou falando agora, nesse momento, foi memorizado antes também, mas agora, não... nesse momento
eu juro que não, agora sou “eu” que estou falando: “eu”!, “eu!”, “eu!”.
PASSÔ, Grace. Por Elise. Belo Horizonte: Grace Passô, 2005. p. 40.

No trecho acima, é possível perceber que a personagem olha e fala direta- A leitura da peça Por Elise, de Grace
Passô, 2005, pode ser útil para am-
mente com o público e confunde propositalmente ficção e realidade: o tempo e
pliar as referências no gênero dra-
o espaço da história contada e o tempo e o espaço do encontro real com o es- mático, bem como para expandir as
pectador. Nesse exemplo, o público pode ficar em dúvida se a atriz está dizendo informações e comentários trazidos
neste capítulo.
realmente suas próprias palavras ou as palavras da personagem da peça memo-
rizadas previamente. No caso da peça Por Elise, a atriz que interpretou esse papel
era a dramaturga da peça. Para o público que tinha essa informação previamente,
o jogo entre realidade e ficção se tornou ainda mais curioso.
Na foto ao lado, é possível ob-

RENATA PIRES/ SECULT/ FUNDARPE


servar a cena em que a personagem
Dona de Casa (atriz de vestido, à es-
querda) dirige-se ao público. Os de-
mais personagens aguardam em fila
um pouco mais ao fundo. Observe
que o espaço da foto é uma caixa
preta: nome técnico usado para
designar o palco de um teatro e que
está relacionado ao fato de ser tudo
preto, destacando-se apenas os
personagens e objetos cênicos por
meio da iluminação artificial. Esse é
um exemplo de espetáculo feito no
palco de um teatro, com divisão en-
Foto da peça Por Elise, com as atrizes e atores Grace Passô, Renata Cabral, Marcelo Castro,
tre o lugar da cena (a caixa preta) e o Gustavo Bones e Sérgio Penna durante apresentação no Festival de inverno de Garanhuns
lugar do público (a plateia). (PE), 2013.

40 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Teatro e Língua Portuguesa

As personagens não agem para imitar os caracteres, mas adquirem os caracteres graças às ações.
Serão abordadas as distinções entre gênero dramático, épico e lírico para contextualizar o
Aristóteles, Arte poética.
tipo de texto da peça Por Elise e vocabulários técnicos como monólogo e rubrica.

Na Antiguidade clássica, Aristóteles em sua obra intitulada Arte poética organizou a produção literária
seguindo como critérios a forma e o conteúdo.
Assim, os gêneros literários abarcam um conjunto de obras literárias com características semelhantes e
que foram classificadas em grandes categorias: gênero dramático, gênero épico (ou narrativo) e, poste-
riormente, gênero lírico.
No gênero épico ou narrativo, muitas vezes, há a presença de um narrador responsável por contar a
história de um herói. Nele, há a predominância do uso da terceira pessoa. Exemplo:

Coisas extraordinárias aconteceram naquele verão de 1950. Cojinoba Lañas se declarou por
primeira vez a uma garota – a ruiva Seminauel – e ela, para surpresa de todo Miraf lores, disse
que sim.
LLOSA, Mario Vargas. Travessuras da menina má. Ari Roitman e Paulina Wacht (Trad.). Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. p. 6.

No gênero lírico, há maior presença da função poética da linguagem e da musicalidade das palavras.
Há também uma predominância do uso da primeira pessoa e da expressão de sentimentos e sensações.
Exemplo: O trecho em prosa presente nesta página é de um livro que mistura ficção com dados autobiográficos do autor.
Cojinoba Lañas é o nome de um personagem. Seminauel e Miraflores são bairros de Lima, capital peruana. Se sur-
gir a dúvida, explique isso aos estudantes.
Batata quente

Se eu te entregasse agora o meu amor você o guardaria um pouco na esquerda,


aceso como ele está, um pouco na direita,
como ele está, pesado, por quanto tempo antes de o passar adiante?
você o trocaria rapidamente de mão,
MARQUES, Ana Martins. A vida submarina. Belo Horizonte: Scriptum, 2009. p. 43.

Os textos dramáticos são aqueles criados para a representação teatral. Os atores contam uma história por
meio da ação dos seus personagens, através de monólogos – cena ou texto no qual há apenas um ator que
fala ao público ou consigo mesmo – ou diálogos – cena ou texto no qual há mais de um ator em cena.
Os fragmentos de texto dramático citados, anteriormente, da obra Por Elise são da primeira parte da
peça, em que a personagem Dona de Casa fala diretamente ao público. Em destaque, no primeiro frag-
mento citado, é possível observar uma indicação da movimentação da atriz: “(Agora para os quatro
atores)”. Essas indicações são usadas pelos dramaturgos para orientar a leitura da peça e a encenação,
mas não devem ser ditas pelos atores. O nome técnico dessas intervenções é rubrica. No caso citado, a
rubrica indica que a atriz deve, em determinado momento, parar de direcionar seu texto ao público, e falar
com os demais atores que estão em cena. Ainda assim, as rubricas são orientações que podem ou não ser
seguidas pelos atores, dependendo das propostas de cada encenação de um texto teatral.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 41


Apresentamos uma classificação de gêneros clássica, proposta por Aristóteles no século IV a.C. É inte-
ressante observar como essa classificação nos é útil até hoje para compreendermos os diferentes gêneros
literários. No entanto, na literatura atual, um mesmo texto pode ter características de diferentes gêneros.
Da mesma forma, no teatro contemporâneo, como será visto na Unidade 5, é comum que haja uma
mistura entre o ator e o personagem, entre a ficção e a realidade. Também é comum que não se trate de
contar uma história por meio das ações dos personagens, e sim de possibilitar vivências aos espectadores,
utilizando-se tanto dos gêneros narrativos e poéticos como do dramático. Por isso essa classificação não
deve ser tomada como regra, e sim como uma forma didática de compreender as diferenças entre os gê-
neros, bem como suas misturas na contemporaneidade.

Como já foi comentado anteriormente, nas artes cênicas, as formas de Audiodescrição: narração integra-
se apresentar, a relação dos artistas com a plateia, os espaços de encenação e da ao espetáculo teatral conten-
do descrições de sons e elemen-
o tempo de duração das apresentações podem variar bastante. Outro exem-
tos visuais que sejam importantes
plo interessante é o das apresentações da Cia. Las Brujas de teatro, um grupo à melhor compreensão do espetá-
de teatro de Porto Alegre que contempla audiodescrição e Libras em suas culo por pessoas com deficiência
visual.
apresentações teatrais.
O primeiro trabalho da companhia foi um espetáculo para crianças cha-
mado Filó de Bolso – A menina do cabelo vermelho, que aborda o tema das dife-
Disponível em: <http://
renças socioculturais. Buscando uma “arte para todo mundo”, como descrevem lasbrujasciadeteatro.
seu trabalho no blog da Companhia, as artistas começaram a investigar a audio- blogspot.com.br/p/
historico-do-grupo.html>.
descrição e a linguagem de sinais como formas de atingir um público compos-
Acesso em: 3 nov. 2015.
to também por pessoas que não enxergam ou que não ouvem. Essa prática, tão
O blog da Cia. Las Brujas
importante para aumentar o acesso de pessoas com deficiência às produções de teatro possui diversas
artísticas disponíveis, amplia os tempos e os espaços do teatro, fazendo-o che- informações sobre as
montagens teatrais da
gar a um público cada vez maior e mais diverso. Observe a foto a seguir e iden- companhia, com fotos e
tifique em que tipos de espaço acontece a apresentação do grupo Las Brujas. vídeos das apresentações.
RENATA IBIS/ CIA. LAS BRUJAS DE TEATRO

Foto de cena do espetáculo Filó de Bolso


– A menina do cabelo vermelho, da Cia.
Las Brujas de teatro, que estreou em
Porto Alegre (RS) em junho de 2013.
Observe, na foto, que a peça é encenada
em local aberto, envolto por árvores.
A atriz utiliza um microfone sem fio
para amplificar sua voz, de forma que
possa ser ouvida em diferentes espaços
abertos, como pátios de escolas, praças,
entre outros.

42 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


 Formem grupos de, no máximo, quatro estudantes. Objetivo
 Procurem um espaço que considerem especial na escola, isto  Experimentar cenicamente
diferentes espaços da escola
é, que tenha elementos que interessam ao grupo, por mais e perceber o que cada espaço
simples que sejam. Pode ser um corredor estreito, uma árvore, provoca na cena e vice-versa.
um banco, uma planta etc.
 Pensem em uma ação, gesto ou movimento de curta duração que possa ser executado por todos
integrantes do grupo e que valorize esse elemento que chamou atenção no espaço. Por exemplo,
se o local tem uma árvore, vocês podem fazer uma roda em torno dela. A ação escolhida pode ser
repetida diversas vezes. Vocês também podem cantar uma música, dizer uma palavra, declamar um
texto e até vestir uma roupa específica para essa ação, ou seja, um figurino.
 Depois desse tempo de preparação e memorização da ação pelo grupo no espaço escolhido, todos
os grupos deverão retornar à sala de aula e a turma toda deverá elaborar um percurso passando pe-
los espaços selecionados por todos os grupos.
 Decidam qual será o percurso do primeiro ao último espaço. Se necessário, desenhem um mapa ou
escrevam um roteiro com todos os pontos por onde a turma vai passar.
 Iniciem o percurso e, em cada espaço, o grupo que o escolheu deve realizar a sua ação para o restan-
te da turma. Depois, a turma segue até o lugar escolhido pelo próximo grupo e faz o mesmo, e assim
por diante.
 Depois dessa experiência, conversem e respondam às seguintes perguntas:

1. O que cada espaço trouxe de diferente a cada uma das ações? Descreva pelo menos uma diferen-
ça de cada lugar visitado.

1. Espera-se que os estudantes observem que os espaços nunca são neutros em uma ação artística. Eles têm características
específicas que se relacionam com as ações artísticas propostas. É diferente fazer uma roda ao redor de uma pedra ou de
uma árvore. Da mesma forma, é diferente, para quem vê, ver um texto ou ação em frente a uma parede branca ou grafi-
tada. Se possível, leve os estudantes a identificar os elementos de cada espaço e como eles se relacionaram com as ações.

2. Antes de registrarem as respostas, é importante que os estudantes conversem sobre cada uma das ações, que saibam des-
crevê-las e relacioná-las aos espaços escolhidos. A arte tem como característica evidenciar aspectos cotidianos, dando-lhes
uma nova moldura e provocando novos olhares. Sendo assim, chame a atenção dos estudante para os aspectos espaciais
destacados por cada ação. Nesse momento, é possível que apareçam histórias ou outros tipos de leitura sobres as ações.
Aceite-as e discuta-as sem pretender chegar a uma interpretação única das ações experimentadas. Independentemente
de qual foi o objetivo do grupo ao realizar uma ação em um determinado espaço, o espectador é livre para ter sua própria
experiência e interpretação sobre o que viu.

2. Depois de assistir às apresentações dos outros grupos, escreva em uma folha de papel avulsa
um texto sobre uma das ações feitas que modificaram a forma de você perceber cada espaço
escolhido.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 43


Circo: tempo e espaço
O circo é umas das tradições mais antigas das artes cênicas tanto no Brasil quanto em diversos países do
mundo. O espaço de apresentações, em geral, é semicircular, em uma arena chamada picadeiro, rodeada por
grandes arquibancadas debaixo de uma lona.

JEAN SCHWARZ/ AGENCIA RBS


O palhaço
Direção: Selton Mello.
Globo Filmes: Brasil.
Ano: 2011.
Duração: 90 min.
O filme conta a história
de um pai e um filho que
trabalham como palhaços
numa trupe itinerante de
circo na década de 1970.
Tudo vai bem até que o
filho entra em crise porque
sente que já não consegue
fazer as pessoas rirem. O
filme aborda a tradição
circense itinerante brasileira
e conquistou a crítica e o
público em sua estreia.

Foto de pessoas assistindo a acrobacias em tecido no Circo da Cultura, na Universidade de Passo Fundo
(UPF), que teve apresentações de música, dança e circo. Foto de 22 de agosto de 2011, Passo Fundo (RS).

O tempo no circo também é um elemento muito importante, pois essa arte se baseia fortemente na tra-
dição dos números circenses, breves apresentações de habilidades físicas, envolvendo equilíbrio, elasticidade,
saltos etc.; números de mágica; gags (rotinas cômicas) de palhaço e outros. Os números circenses tradicionais
são passados de geração para geração, tendo uma origem distante no tempo que se faz presente no espaço
do picadeiro a cada nova apresentação.
Sobre a história do circo, é muito difícil precisar a data e origem dos espetáculos. No livro O circo no Brasil,
de Antônio Torres (1940-), encontram-se algumas hipóteses para esse surgimento:

Há registros de que o circo tem suas raízes nos hipódromos da Grécia antiga e no grande Império
egípcio, onde já havia a doma de animais. [...] Diversos números circenses faziam parte das Olimpíadas –
diz a pesquisadora Alice Viveiros de Castro, para quem a arte circense é uma arte de superação, com uma
relação muito forte com o esporte. [...] Os chineses têm outra versão, que complica tudo: foi na China
que tudo começou. E com a arte acrobática, tão antiga quanto a sua música, a sua dança e o seu teatro.
TORRES, Antônio. Colaboração: Alice Viveiros de Castro e Márcio Carrilho. O circo no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE; São Paulo: Atração, 1998. p. 13-15.

44 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Sobre a chegada do circo no Brasil, Torres realiza uma entrevista com

NUANZ/ SHUTTERSTOCK
Omar Eliott, diretora da Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, na mes-
ma época da escrita do livro (1998). Leia a resposta de Omar Elliot:

No Brasil, a fase de ouro foi no século XIX, quando os grandes cir-


cos estrangeiros vinham para cá de acordo com os ciclos econômicos
como o do café, o da borracha, o da cana-de-açúcar etc. [...] Sabe-se
também que no último quarto do século XVIII já existiam grupos cir-
censes indo de cidade em cidade, em lombo de burros, fazendo de tudo
um pouco em pequenos espetáculos em dia de festa.
TORRES, Antônio. Colaboração: Alice Viveiros de Castro e Márcio Carrilho.
O circo no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE; São Paulo: Atração, 1998. p. 19-20.

Hoje o circo é uma arte que se relaciona fortemente com a tradição,


mas também introduz nas apresentações tanto inovações tecnológicas quanto
elementos do teatro, da dança e da música atual. Também é muito comum ver ar-
tistas circenses se apresentando em outros meios de comunicação como a TV, o
cinema etc. Sobre essa relação temporal do circo desde sua origem até a atualida-
de, leia a seguir o depoimento do bufão italiano Leo Bassi (1952-):

Quando meus pais e antepassados atuavam nos circos, o espetá-


culo circense era o divertimento popular por excelência e a magia do
picadeiro significava para as pessoas humildes um dos prazeres mais
importantes da vida. Como lugar de divertimento e lazer o circo não
tinha rival, e debaixo da lona, convergiam valores profundos como a
coragem, a perseverança ou a fé na capacidade humana. Com o cinema
e ainda mais com o invento da televisão, este protagonismo da arte cir-
cense na sociedade foi se diluindo e transformou-se em um entreteni-
mento menor, carregado de nostalgia, voltado para as crianças.
Pertenço à última geração que pode conhecer a força do circo como
mito utópico. [...] Mas além da necessidade de sobreviver, minha luta
constante é para dar voz ao bufão nos dias de hoje e manter seu humor
irreverente, é uma homenagem a uma antiga tradição, rica em signifi-
cado, que foi a essência da minha família durante quase dois séculos.
Disponível em: <http://nuevaweb.leobassi.com/la-espiritualidad-de-los-bufones-una-conferencia-
sobre-el-circo/>. Acesso em: 24 nov. 2015. (Tradução dos autores especialmente para esta obra.)

Bufão: personagem cômico e provocador existente na tradição do circo e do teatro popular desde suas origens greco-romanas.
Mito utópico: no texto de Leo Bassi, pode ser entendido como uma narrativa lendária, um lugar (que não existe) onde as pessoas
são iguais e vivem em harmonia. Para Bassi, o circo poderia ocupar este lugar lendário e utópico devido à sua força e tradição.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 45


Ainda que o circo esteja passando por grandes modificações, e o circo tra-
dicional no Brasil também conviva com dificuldades para sua sobrevivência –,
em cidades pequenas do país, os poucos espetáculos cênicos que chegam até
o público são os dos circos que circulam pelas estradas do interior dos estados.
Exemplo disso é o Circo Teatro Artetude, de Brasília, que em seu pequeno cami-
nhão percorre o interior de Goiás, Pernambuco, Ceará, Paraíba, entre outros esta-
dos, mantendo viva a magia do circo e levando arte aos lugares mais recônditos.

SALEH YUSUF AHMAD/ CIRCO TEATRO ARTETUDE

Artistas do Circo Teatro Artetude no espetáculo Brincadeiras de circo, rico em elementos como canções populares, jogos acrobáticos, mágicas,
brincadeiras de roda, equilibrismo, malabarismo e outros números circenses. Foto de 24 de junho de 2012, Brasília.

Disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/


fantastico/v/palhacos-rodam-o-interior-do-brasil-com-o-circo-
teatro-artetude/3059034/>. Acesso em: 28 out. 2015.
Acesse a reportagem sobre a trupe realizada em janeiro de 2014, intitulada
“Palhaços rodam o interior do Brasil com o Circo Teatro Artetude”, e
conheça um pouco mais do trabalho do Circo Teatro Artetude. De acordo
com um dos integrantes, “no fundo, cada um de nós está buscando
seu lugar no mundo. Como se o mundo fosse um grande circo e cada
um de nós precisasse saber onde pode contribuir no espetáculo”.

46 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Circo, educação e cidadania

No trecho a seguir, o artista circense e professor da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Fábio Dal Gallo, fala sobre o circo social. Surgido no Brasil, o circo social está presente também em outros países
e contribui para a educação de crianças e jovens por meio das artes circenses, promovendo um reconhecimen-
to das possibilidades e capacidades dos estudantes no desenvolvimento da cultura e da cidadania:

Atualmente, após mais de duas décadas de existência e experiências, o Circo Social ocupa um
lugar de destaque não apenas no que se refere à atividade artista circense, mas também em relação
à utilização da arte em âmbito da educação não formal. [...]
O Circo Social, que como termo e como experiência sistematizada surgiu no Brasil, está presente
hoje no mundo todo, despertando de maneira crescente o interesse de diferentes instituições que de-
senvolvem o fazer pedagógico através da arte. Na prática, o Circo Social atua por meio de cursos de
técnicas circenses articulados com um conjunto de atividades complementares que envolvem cursos
de outras áreas artísticas e profissões da área cultural, como figurinista, técnico de som, além de um
acompanhamento pedagógico dos alunos que visa à permanência no sistema formal de ensino e ao au-
mento do rendimento do educando; existe, como elemento de destaque de sua prática pedagógica, a
criação de espetáculos e montagens didáticas, que, em muitos casos, são inseridas no mercado cultural.
GALLO, Fábio Dal. O cotidiano no espetáculo de Circo Social.
In: Lamparina – Revista de Ensino de Teatro. v. 1, n. 5, novembro (2014).
Belo Horizonte: Escola de Belas Artes da UFMG, 2014. p. 72.

TÂNIA RÊGO/ AGÊNCIA BRASIL

Foto de jovem andando em um monociclo no Circo-Escola Benjamim de Oliveira, no bairro Venda Velha, em São João de Meriti (RJ). O Circo-
-Escola Benjamim de Oliveira representou o Brasil na 2ª- edição do Circomondo, festival internacional de Circo Social, em 2015, na Itália.
Foto de 18 de junho de 2015.
Após a leitura do boxe, responda:
§ Como o circo social pode ajudar no desenvolvimento da cidadania e da educação de jovens e
crianças? O circo social visa à permanência das crianças e jovens no ensino formal, além de possibilitar uma formação
técnica nas diversas áreas profissionais do circo, o que pode vir a se tornar uma profissão.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 47


O corpo também tem memória
Na dança, sensações como paixão, dor, felicidade, medo, entre ou-
tras, podem ser expressas por meio de movimentos. O espetáculo A vida
começa pela memória, da Cia. de Intérpretes Independentes, de Manaus,
leva para a cena dois personagens e um cenário composto por uma rede
de pesca e fotos do passado. À medida que as coreografias se desenvol-
vem no palco, essa rede de pesca que compõe o cenário vai se transfor-
mando em uma “rede de memórias”, um lugar onde as sensações e as
memórias que estão guardadas nos corpos dos intérpretes tomam forma
a partir de movimentos coreografados. Nas artes cênicas, e até mesmo no
cotidiano, essas sensações corporais que nos remetem a fatos que já pas-
saram, quando colocadas em movimento, formam o que se chama me-
mória corporal, que é ao mesmo tempo particular, dos intérpretes da
obra, e universal, incluindo o público que assiste a elas. A dor de uma des-
pedida ou o vivenciar um grande amor, por exemplo, são expressas pe-
los intérpretes da companhia no palco, resgatando memórias que podem
ser compartilhadas por qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.

FABIELE VIEIRA/ CIA. DE INTÉRPRETES INDEPENDENTES

Foto de apresentação do espetáculo de dança A vida começa pela memória, da Cia. de Intérpretes Independentes, de Manaus (AM). Foto de
divulgação para as apresentações de 20 e 21 de março de 2015, na Fundação Curro Velho e no Teatro Waldemar Henrique, em Belém (PA). Observe
a rede de pesca que compõe o cenário e a relação que os artistas estabelecem com esse elemento por meio do movimento coreografado.

48 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Na imagem da página anterior, é possível identificar a rede de pesca
utilizada pelos intérpretes Ricardo Risuenho e Anna Raphaella Costa, sim-
bolizando uma “rede de memórias”. Ao longo da apresentação, os intér-
pretes se aproximam das memórias de um passado distante, que é apre-
sentado ao público com os movimentos de seus corpos e também com os
elementos cênicos utilizados pela companhia. O cenário é composto por
uma imagem ao fundo que remete a uma fotografia antiga. O figurino uti-
lizado pelos intérpretes também faz referência ao passado, levando ao pú-
blico a ideia de que a cena, apesar de ser realizada no momento em que
todos a estão assistindo, aconteceu muito antes.
Também é interessante notar que, no ambiente criado pela companhia,
tudo estimula as lembranças. Em uma das cenas, por exemplo, ao observar al-
guns brinquedos, um dos personagens parece flutuar sentado em um banco.
Essa cena foi inspirada em um relato real de uma pessoa que tinha a sensação de
levitar ao visitar a casa dos pais e reencontrar o saco de brinquedos da infância.
No espetáculo de dança A vida começa pela memória e nos vários
exemplos das artes cênicas citados neste capítulo, é importante notar que
o tempo dessas artes é diferente do tempo da vida. Nesse espetáculo, artis-
tas da dança, imersos nos seus processos de criação e inspirados por suas
vivências pessoais, transformam fatos e memórias que podem ter durado
dias ou até anos em coreografias e espetáculos que podem ter apenas al-
guns minutos de duração.

Em casa, procure nos álbuns de fotografia, em um computador, aparelho de celular ou até mesmo nas
redes sociais três imagens de momentos que você considera importantes na sua vida. A ideia é que essas
fotos do passado lhe inspirem lembranças marcantes. Separe essas imagens ou tire uma cópia para mos-
trá-las aos colegas da turma.
A partir das fotografias selecionadas, associe uma emoção ou sensação a cada uma das imagens, por
exemplo, alegria, tristeza, raiva, dor, medo, tensão, dúvida etc. Lembre-se do conceito de memória corporal
que é explorado no espetáculo A vida começa pela memória. Busque resgatar as emoções e as sensações cor-
porais associadas a cada um desses momentos e transformá-las em movimentos com o seu corpo.
Sem mencionar para seus colegas qual emoção ou sensação você escolheu para cada imagem, ex-
presse-as fazendo apenas movimentos corporais.
Para finalizar, organize os três movimentos em uma sequência e repita-os até que você a memorize,
como em uma coreografia.
Combinem uma ordem de apresentação e, quando for a sua vez, faça a sua sequência para os cole-
gas, pedindo a eles que relacionem cada movimento a uma das imagens apresentadas. Assim, você po-
derá compartilhar com seus colegas memórias de sua vida por meio de imagens e da expressão corporal.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 49


Espetáculo, ritual ou brincadeira?
Na zona da mata de Pernambuco, cercada por usinas, engenhos, plantações de cana-de-açúcar, o
cavalo-marinho é uma expressão cultural que mistura dança, música e teatro, realizada por trabalhado-
res rurais em forma de um ritual definido por eles como brincadeira ou brinquedo e quem está envolvido
nela, brincante.
Participar da brincadeira, brincar o cavalo-marinho ou ser brincante significa, então, estar envolvido com
uma tradição popular que acontece em forma de ritual, com suas características próprias, e que constitui a
história e a memória de um povo.
Observe a imagem abaixo:

DANIELA NADER

Foto de apresentação de cavalo-marinho na zona da mata (norte de Pernambuco e sul da Paraíba), que acontece no período entre julho e janeiro,
com destaque para os dias de Natal, ano-novo e dia de Reis. Foto de 2014. O cavalo-marinho e outras manifestações, como o maracatu e o frevo,
são considerados patrimônios culturais imateriais do Brasil.

Tradicionalmente praticado por homens, o cavalo-marinho acontece no período natalino ou no ciclo na-
talino (que começa no início de dezembro e termina em 6 de janeiro, no dia de Reis) e retrata o cotidiano dos
trabalhadores nos engenhos de cana-de-açúcar. Os movimentos que acontecem durante a apresentação se
assemelham às ações físicas realizadas durante o trabalho nos engenhos de cana-de-açúcar. Leia a seguir o
trecho de uma entrevista do mestre do cavalo-marinho Inácio Lucindo, na qual foram mantidas as caracterís-
ticas de sua forma de falar.

50 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Atente para possíveis situações de discriminação por parte dos estudantes causadas por um estranhamento à forma de falar do mes-
tre Inácio Lucindo. Se isso acontecer, aproveite para enfatizar as diferenças regionais e até para alertar os estudantes para as peculia-
ridades dos saberes populares, que nem sempre são equivalentes à cultura letrada.
A física do coipo do trabalhadô é a mesma física do coipo do brincadô. Óia, a física do coipo da brincadeira
é essa aqui que eu disse a vocês, o cabra que tá cortano cana, o coipo dele vai aqui, ele corta aqui, arreia aqui,
arreia ali, num instante ele vem pá’qui, pá esse lado, ele corta pá todo lado, o coipo dele é molinho, é um coi-
po doce, é um coipo mole, um coipo recaído. É a mesma coisa quando um cabra tá brincando com o outro, a
gente brinca. É a física do coipo. A física do coipo do trabalhador é a física do brincador. O trabalhador tem
a física do coipo pá todo canto... quando ele vem com a enxada cobrindo a cana, óia, ele já vem com o coipo
no manejo, cobrindo aqui, cobrindo ali. Óia, pro cara que brinca, esse é o tombo. É a mesma coisa de sambá.
Vale informá-los de que um SILVA (2002) Apud AMARAL A. PARDO, J. Em busca de corporeidades para o ator/bailarino a partir da dança tradicional do cavalo-
mestre da cultura popular -marinho. In: OLIVEIRA, E. (Org.). Tradição e contemporaneidade na cena do cavalo-marinho. Salvador: UFBA/PPGAC, 2012. p. 11-23.
domina outros tipos de saberes, mas nem sempre aprendeu a ler e a escrever. Importante enfatizar que essas diferenças estão rela-
cionadas às diferentes maneiras de acesso à leitura e à escrita das diversas classes sociais que formam o nosso país.
O cavalo-marinho não conta sempre a mesma história, mas se renova a cada vez que acontece, mantendo
viva a energia alimentada pelo ritmo da música, que ajuda a compor as ações e a improvisação feitas pelos par-
ticipantes. As trocas de personagens, a variação dos seus passos e do enredo da história, a beleza dos figurinos
e a surpresa que esses elementos podem causar no público e nos brincantes fazem o cavalo-marinho durar até
uma noite inteira. Vale lembrar que essa manifestação cultural é transmitida de geração em geração e o traba-
lhador do engenho realmente vive, naquela noite de festa, momentos que constroem suas histórias como atores
da tradição popular brasileira. São personagens que retratam fatos do cotidiano, mas também, assim como os in-
térpretes das artes cênicas se propõem fazer, os trabalhadores rurais assumem papéis diferentes dos quais estão
acostumados no cotidiano. Também por esse motivo, quem participa de manifestações culturais como essa diz
que está “brincando o cavalo-marinho”, ou seja, associa o ritual a uma brincadeira, a um momento de transforma-
ção e diversão. Assim, o tempo de duração e o novo espaço criado por uma “brincadeira natalina” transformam
simbolicamente trabalhadores rurais também em patrões, donos de engenhos e usinas.
ROBERTA GUIMARAES

Foto de apresentação de cavalo-marinho Estrela de Ouro, do Mestre Aguinaldo, de Pernambuco. Aguinaldo Roberto (1966-), no centro da imagem,
é artista popular, dançarino e tocador, brinca de cavalo-marinho e maracatu rural desde os 12 anos de idade.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 51


Observe, na imagem anterior, o colorido das fitas e do figurino utilizado, que Se houver possibilidade, assista ao
vídeo sobre cavalo-marinho e mara-
nem sempre leva a pensar na rotina dura e nas mãos calejadas dos cortadores de catu disponível em: <http://g1.globo.
cana da zona da mata pernambucana. Na roda do cavalo-marinho, é possível as- com/pernambuco/carnaval/2015/
videos/t/todos-os-videos/v/ma-
sistir a uma festa que pode ser cômica e muito alegre, mas que, ao mesmo tempo,
racatus-e-cavalo-marinho-tradi-
é um ritual e transmite oralmente e corporalmente o choque entre o cotidiano vi- coes-do-carnaval-de-pernambu-
venciado pelos participantes. Mais uma vez, é a memória que faz a festa unir pas- co/3962738/>. Acesso em: 28 out.
2015. Ou mostre outras imagens de
sado e presente, a fim de unir os diferentes contextos e as classes sociais presentes apresentações de cavalo-marinho
no Brasil, fazendo com que movimentos do passado construam histórias atuais. aos estudantes, para que eles te-
nham uma compreensão mais com-
Trabalhadores rurais se transformam nos atores principais da festa. pleta sobre essa manifestação po-
É importante salientar que o cavalo-marinho, além de ser reconhecido pular brasileira.
como patrimônio cultural imaterial do país, inspira a criação de espetáculos
de dança e de teatro pelo mundo todo, em um constante movimento entre
a afirmação, a manutenção e a transformação de uma tradição. Disponível em: <www.
Você acabou de observar como a memória dos fatos vividos no cotidiano descubraminas.com.
br/Cultura/Pagina.
pode inspirar a criação de coreografias, performances e espetáculos de dança.
aspx?cod_pgi=1751>.
Fatos que levaram meses e anos para acontecer podem ser representados em Acesso em: 28 out. 2015.
apenas alguns minutos por meio do corpo dos intérpretes. Ao mesmo tempo, Ao acessar esse site,
esses movimentos, quando vistos pelo público, podem ficar gravados em suas além de conhecer um
pouco da história da
memórias por toda a vida. A dança nem sempre é um espetáculo, ou seja, nem festa, você entenderá o
sempre é feita para se apresentar a um público específico, e nem sempre precisa que ela representa para
a cidade de Ouro Preto,
acontecer em um curto espaço de tempo. Nas danças da cultura popular brasilei- para os participantes
ra, muitas vezes, sem se preocupar com um tempo de apresentação, as pessoas das guardas de congado
e para a comunidade
“brincam” por horas seguidas, com movimentos que também surgem das expe-
afrodescendente de Minas
riências do seu cotidiano. Apesar de também terem a função de apresentação Gerais, que tem nessa festa
para os membros da comunidade onde essas danças acontecem, elas têm princi- um ritual de manutenção da
tradição e de muita devoção.
palmente a função de um ritual ou de uma brincadeira para quem participa delas.

Artes cênicas e História

Muitas são as expressões da cultura popular que acontecem em forma de ritual. É comum a associação
da palavra ritual às cerimônias religiosas, mas são várias as definições dessa palavra. Vivemos pequenos rituais
nas práticas diárias ao repetirmos certas formas de agir. E, quando se fala da cultura popular, é necessário lem-
brar que muitas das danças que conhecemos nasceram das relações do ser humano com os seus afazeres diá-
rios e, por isso, quando se associa uma dança a um ritual, é preciso lembrar que os movimentos, o tempo de
duração, e os símbolos utilizados no palco pelos intérpretes, sintetizam as etapas do ritual com o qual aquela
dança está associada. Também é importante lembrar que, na contemporaneidade, rituais tradicionais servem
de inspiração para a criação de movimentos, coreografias e espetáculos de grupos artísticos que levam ao
palco suas versões condensadas, mas que ainda acontecem, em forma de ritual, nas diversas partes do país.

52 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Agora, observe a imagem a seguir.

PAULO ABREU/ GRUPO ARUANDA/ DIVULGAÇÃO


Foto que representa a festa do Rosário do espetáculo Brasil Poranga, do grupo folclórico Aruanda, de Belo Horizonte (MG). Foto de maio de 2015.
Nessa imagem, o Grupo Aruanda, de Belo Horizonte, leva ao palco as manifestações populares bra-
sileiras em forma de espetáculo. Nessa cena, são apresentados alguns dos principais elementos da Festa
de Nossa Senhora do Rosário, celebração religiosa que acontece em diversas cidades de Minas Gerais com
danças e cantos em louvação a Nossa Senhora do Rosário.
As louvações a Nossa Senhora do Rosário acontecem desde o início da colonização brasileira, quan-
do os colonizadores definiram que os negros, alforriados ou não, deveriam rezar organizados em confra-
rias, ou irmandades, definidas como grupos sociais protegidos por um determinado santo. A Igreja Católica
definiu que a devoção deveria ser a Nossa Senhora do Rosário. Em Minas Gerais, foi fundada a irmandade
de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no início do século XVIII, na cidade de Ouro Preto.
Hoje, pessoas que dançam em louvor a Nossa Senhora do Rosário são agrupadas nas denomina-
das “guardas de congado” e, com suas danças e rituais, mantêm uma tradição que nos remete ao tem-
po da colonização.
Quando a festa é levada ao palco e interpretada pelo movimento dos integrantes de grupos de pro-
jeção folclórica, os passos do congado, que representam a festa, duram uma média de dez minutos. Para
que isso aconteça, momentos e movimentos específicos da festa original são escolhidos em uma pesqui-
sa feita pelos grupos que fazem do palco dos teatros mais um espaço para manutenção, transformação e
transmissão de tradições, unindo passado e presente, fazendo com que seus corpos também escrevam a
história pelo espaço, por meio de uma coreografia.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 53


Agora que você conheceu um pouco do cavalo-marinho pernambucano e da festa de Nossa Senhora
do Rosário, pesquise na internet, em jornais, revistas, centros culturais, museus, bibliotecas ou com ami-
gos e familiares as manifestações da cultura popular brasileira presentes na sua região. Depois, responda
às questões a seguir.
1. Qual a principal expressão da cultura popular da sua região?

1. Resposta pessoal. Exemplos: Frevo (PE); Boi-bumbá (AM) etc.

2. Em que época do ano essa manifestação popular acontece e qual o tempo de duração?
2. Resposta pessoal. Exemplos: Frevo em fevereiro ou março (durante o Carnaval); Boi-bumbá no mês de junho etc.

3. Pesquise grupos de dança que tenham criado coreografias e/ou espetáculos inspirados nessa ex-
pressão da cultura popular.
3. Resposta pessoal. Exemplos: O “Balé Popular do Recife” (PE) pesquisou sobre as tradições populares do Nordeste bra-

sileiro; o “Balé Folclórico da Bahia”, sobre as tradições afro-brasileiras; o “Grupo Corpo” (MG) montou coreografias inspira-

das nas tradições populares brasileiras etc.

4. Quais elementos cênicos, que representam símbolos de afirmação da identidade de um povo, de


uma comunidade ou de um grupo social (música, dança, figurino, etc), caracterizam essa expres-
são da cultura popular?
4. Resposta pessoal. Exemplos: sombrinhas de frevo e seus movimentos rápidos; figurinos de rei, rainha e princesa e os

instrumentos musicais, como alfaia e xequerê, utilizados no Maracatu (PE).

54 CAPÍTULO 2 | Artes Cênicas: Tempo e Espaço


Falar de tempo e espaço nas artes cênicas, em geral, significa reconhecer as possibilidades da arte em
recriar e transformar as vivências do passado e do presente e lembrar que essas representações podem acon-
tecer em qualquer tempo e em qualquer lugar. O tempo de uma experiência artística varia de acordo com a
intenção de quem a cria. Das brincadeiras do cavalo-marinho da zona da mata pernambucana e dos cortejos
em Minas Gerais aos palcos e ruas das grandes metrópoles do mundo, as várias formas de expressão artística
e cultural recriam experiências e transformam os lugares.

Neste capítulo, foi possível conhecer, experimentar e refletir sobre diversas formas de relação das ar-
tes cênicas com o tempo e com o espaço. Foi possível observar como o espaço é fundamental para o
teatro e para a dança, e como cada espaço determina ou influencia tanto o processo criativo dos artistas,
quanto a fruição do público. Também se observou como o tempo nas artes cênicas é diferente do tempo
da vida cotidiana, bem como do tempo ritualístico. As mesmas expressões da cultura popular que duram
noites inteiras nas comunidades onde são realizadas podem ser condensadas em minutos de apresenta-
ções realizadas nos palcos.

RODA DE CONVERSA
Agora que vocês já experimentaram, conheceram e pensaram sobre as relações entre espaço e
tempo nas artes cênicas, vocês vão refletir sobre as diferenças entre o teatro, a dança, o circo, a televi-
são, o cinema e a internet. Este tema será retomado e aprofundado no capítulo 21.

Converse com os colegas e o professor e responda:


 Quais são as diferenças entre assistir a um espetáculo de teatro ao vivo e assistir a dramaturgias
no cinema, na televisão ou na internet?
Converse com os estudantes e estimule-os a pensar sobre a experiência ao vivo em um espetáculo ou festa popular, con-

trastando-a à experiência mediada pela televisão, internet ou cinema. Entre essas diferenças, está a existência de uma mes-

ma coordenada espaço temporal, no caso das artes cênicas ao vivo, diferentemente da experiência produzida pela tele-

visão, cinema ou internet. Quando os estudantes assistem a uma novela, por exemplo, os atores não estão presentes no

mesmo espaço e o telespectador assiste a algo gravado. Mesmo quando a gravação é ao vivo, como acontece em alguns

programas de televisão, o telespectador não está na presença dos artistas. Não se trata de fazer um juízo de valor sobre o

que é melhor ou pior, o importante é ser consciente das diferenças e, assim, entender melhor o funcionamento de cada arte

ou meio de comunicação e expressão.

Artes Cênicas: Tempo e Espaço | CAPÍTULO 2 55


3
ESCULTURA: Conteúdo
 Escultura – narrativas

TEMPO, ESPAÇO
do espaço, tempo
e movimento

E MOVIMENTO

O material mental específico do escultor consiste em ideias cinestésicas, às quais ele dá expressão
transformando-as com as mãos em material concreto. A projeção visual dessa representação, quando feita, propor-
ciona ao espectador uma ideia unificada da forma do objeto. Alcançar esse fim é o verdadeiro problema do escultor.
O “cinestésicas” se refere às ideias que indicam sensações de movimento, e nesse caso, aos movimentos realizados Adolf Hildebrand, 1907.
pelos olhos para apreensão da forma.

DEA / G. CIGOLIN/ GETTY IMAGES

Formas únicas da continuidade no espaço, escultura em bronze, de Umberto Boccioni, 1913. Dimensões: 117,5 cm × 87,6 cm × 36,8 cm.
A obra é considerada um símbolo dos ideais futuristas. Observe como as diferentes dobras simulam velocidade e movimento ao redor da figura.

56 CAPÍTULO 3 | Escultura: Tempo, Espaço e Movimento


Por serem construídas em um suporte material rígido como o mármore, o concreto ou a madeira, as esculturas, em geral, são está-
ticas. No entanto, a imaginação é capaz de ampliar a duração dos movimentos e o espaço físico no qual as figuras se movimentam.
As propostas de percepção do movimento descritas neste capítulo têm como objetivo ampliar a possibilidade de interpretação ante

as artes visuais, principalmente a escultura.


O artista Umberto Boccioni (1882-1916) foi considerado um importante teórico do movimento futurista.
O objetivo desse movimento artístico foi incorporar a agitação das cidades modernas com seus ruídos, suas
multidões e a velocidade dos automóveis. Consideravam o espaço dos museus de arte muito intelectualizado
e distante da agitação da vida cotidiana. Porém, como oferecer a sensação de movimento em uma escultura
que está fixada no chão por uma base? Na escultura da página anterior, Boccioni tenta demonstrar a resistên-
cia do corpo ao se deslocar pelo espaço em uma caminhada. O escultor utiliza diversos materiais, como argila,
mármore, pedra e madeira com o objetivo de criar, em três dimensões, formas que lhe interessar. No período
compreendido entre o século IV d.C. até o século XIV, as esculturas estavam inseridas nas fachadas ou nos alta-
res dentro das igrejas. Nesse sentido, a interpretação da escultura estava associada à da arquitetura.
A escultura moderna, do final do século XIX à primeira metade do século XX, não exclui as representações an-
teriores, mas amplia o repertório de formas e expressões. Ao observar novamente a escultura de Boccioni no início
deste capítulo, é possível perceber a manutenção – segundo a concepção tradicional – dos músculos tensionados,
que indicam a presença de uma força física capaz de colocar o corpo em movimento, e, ainda, de uma base, que
fixa a figura sobre um espaço determinado. Entretanto, os músculos não estão tensionados pela simples força cor-
poral, mas pelo próprio contato do corpo com o espaço, como se estivessem vencendo a resistência do ar. A forma
do corpo humano é então desconstruída e reconstruída em partes, em fragmentos. O corpo deixa de ter uma exis-
tência objetiva e palpável e cabe ao observador entrar no jogo da interpretação. Outra questão interessante para se
observar é que, mesmo que a figura esteja fixa a uma base, essa não é contínua. A base observada na imagem está
dividida em duas, fazendo com que o equilíbrio da figura esteja localizado no espaço entre as pernas da escultura.
Por último, devemos levantar uma outra questão: onde estão os braços dessa figura? A escultura moderna, na qual
Boccioni se insere, possui o objetivo de oferecer a sensação de movimento, de dinâmica e de expressão.

RODA DE CONVERSA
1. Para você, o que é uma escultura? Como você imagina que ela é feita?
1. Resposta pessoal. É possível que os estudantes entendam escultura como o “resultado do processo de esculpir”. Em sen-
tido ampliado, a escultura caracteriza formas visuais compostas por meio de volumes ou relevos, que podem ser originadas
a partir do entalhe ou da modelagem. O entalhe pode ser realizado diretamente sobre a pedra, madeira etc. A modelagem
trabalha com materiais de fácil manuseio e também podem ser utilizados como molde para outras esculturas.

2. Descreva alguma escultura ou monumento que esteja em algum local público ou museu. O que
mais chamou sua atenção nessa obra?
2. Resposta pessoal. Se necessário, solicite uma pesquisa prévia antes de propor essa atividade. Oriente os estudantes a des-
creverem a escultura fornecendo informações como: título, material, nome do artista, ano em que foi feita, tamanho, onde
está exposta, o que representa, motivo da escolha da escultura etc. Leve-os a refletir também sobre o fato de que muitos
monumentos pelos quais eles passam diariamente são esculturas.

3. Observe novamente a escultura de Boccioni, no início deste capítulo: o que chama atenção na sua
visualidade? Que história você imagina para essa escultura? 3. Resposta pessoal. Oriente os estudantes a ob-
servarem atentamente a imagem, pensando em sua estrutura, no seu material e no tipo de movimentação sugerida por ela.

Escultura: Tempo, Espaço e Movimento | CAPÍTULO 3 57


Movimento das esculturas
e esculturas de movimento
Os monumentos históricos e os bustos podem representar um evento his-
tórico ou uma personalidade política ou pública. Neste caso, geralmente são re-
presentados estáticos e ocupam espaços de grande circulação como parques
ou praças públicas. Muitos artistas, entretanto, visaram representar uma ação em
movimento. Fisicamente a escultura continua imóvel, mas o observador é convi-
dado a reconstruir mentalmente os movimentos considerando a sequência lógi-
ca de equilíbrio corporal. Os movimentos materializados pelas esculturas podem

ESAG
GLOW IM
ser muito expressivos. Além das obras históricas, é possível encontrar inúmeras

CHIVE/
AGES AR
esculturas que tiveram como tema a mitologia grega. O artista italiano Gian

ART IM
Lorenzo Bernini (1598-1680), por exemplo, representou, entre 1622 e 1625, o
mito de Apolo e Dafne. Observe, nas imagens ao lado, que os dois personagens
dão a impressão de correr e quase voar próximos a um casco de árvore. Os movi-
mentos dos corpos se aproximam aos de uma dança. Da mesma forma, pode-se
imaginar como cada gesto dessa “dança” sugerida pela escultura poderia estar
articulado a um som musical. Os corpos e os cabelos se movimentam como se o
vento exercesse muita força sobre os personagens. Observe que quase todos os
elementos da escultura sugerem movimento; tudo é ação e inquietação. Fotos de dois pontos de vista
diferentes da escultura Apolo
Na possibilidade de visualizar a própria escultura, o visitante de um mu-
e Dafne, feita de mármore, de
seu também é convidado, de certa forma, a agir, movimentando-se ao redor Gian Lorenzo Bernini, 1622-1625.
da obra para contemplar o todo e perceber a delicadeza de cada detalhe Dimensão: 243 cm (altura).
que a constrói. No mito grego que inspirou a criação da escultura, Dafne, ao
ser tocada pelo deus Apolo, transforma-se em árvore.
Nas fotografias ao lado, observa-se a mesma escultura sob ângulos di-
ferentes. Perceba a diferença que essa mudança na posição de observação
revela. Na fotografia acima é possível notar mais claramente a ação de Apolo,
que envolve sua amada pelo braço. As mãos de Dafne se transformam em
galhos, e as pernas, em troncos. O observador da escultura pode completar
ALINARI/ ART RESOURCE, NY.

mentalmente o movimento implícito no objeto tridimensional, imaginando


o restante da transformação da personagem. Dessa forma, somos solicitados
a imaginar que Dafne continuará sua transformação em árvore.
No início deste capítulo, foram tratadas algumas características responsáveis
pela definição da escultura. A escultura clássica, anterior à moderna, tenta repre-
sentar o mais fielmente possível as características do corpo humano, de modo
a torná-la compreensível para o observador. Nesse sentido, o escultor seria um
grande especialista da dinâmica dos movimentos do corpo. E o simples ato de
mover o dedo, que coloca em ação um número enorme de estruturas do cor-
po, seria representado, pelo escultor, da forma mais próxima da realidade possível.

58 CAPÍTULO 3 | Escultura: Tempo, Espaço e Movimento


No século XIX, com o início da arte moder-

DAVID HEALD/ SOLOMON R. GUGGENHEIM MUSEUM, NEW YORK


na, alguns escultores ampliaram o universo de
imagens representadas pela escultura. Alexander
Calder (1898-1976), por exemplo, construiu e insta-
lou móbiles no espaço das galerias de arte que, in-
teragindo diretamente com o local, movem-se pela
ação do vento presente no ambiente. Como se ob-
serva na figura ao lado, essas esculturas lembram
os móbiles utilizados nos berços, que são aciona-
dos mecanicamente pelas crianças ou por adultos
que cuidam delas.
Mais que representar a ação em suas escul-
turas, como visto nos exemplos anteriores, Calder
permite que o movimento aconteça quando seus
móbiles são colocados em determinado espaço.
Os móbiles de Calder permitem observar a relação
de forças naturais, como o vento, com as estrutu-
ras criadas por ele para ocupar os ambientes, assim,
obra e observador compartilham de um mesmo es-
Red Lily Pads (Ninfeias Vermelhas), chapas de metal pintado, hastes de metal
paço (localização) em um mesmo tempo (duração). e fios, de Alexander Calder, 1956. Dimensões: 106,7 cm × 510,5 cm × 276,9 cm.

Até aqui foram vistos alguns exemplos da forma tridimensional fei-


Objetivos
tos por diversos artistas. Agora, é hora de produzir esculturas. O primei-
 Compreender os processos de
ro passo é reunir os materiais para a atividade. Para isso, procure em montagem de uma escultura
casa objetos, como garrafas plásticas, papéis recortados, caixas de sa- a partir de materiais variados.
 Analisar a passagem do projeto
pato, barbante, lã etc. É fundamental que os materiais escolhidos não inicial à realização material.
representem nenhum perigo, como materiais cortantes (cacos de vi-
dro) ou químicos (baterias, pilhas etc.). Com os materiais em mãos, pense em cada um deles: qual é a sua
função inicial? De quais materiais são compostos? Imagine possíveis combinações para esses objetos,
explorando as texturas, cores, resistência e suas funções anteriores.
Combine as formas, os tamanhos e as cores. Use a imaginação e, se necessário, desenhe antes o
que você deseja fazer. Sua escultura não precisa ter um objetivo específico ou uso prático e deverá
ser criada de acordo com seu interesse.
Os meios para a fixação dos materiais reunidos dependerão de sua constituição. Por exemplo,
para os papéis, é possível uni-los com colas variadas ou fitas adesivas. Caso exista a necessidade de
usar fios de arame para a fixação de garrafas plásticas, por exemplo, peça o auxílio do professor.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Escultura: Tempo, Espaço e Movimento | CAPÍTULO 3 59


A escultura: arte do espaço,
do tempo e do movimento
Para compreender os movimentos sugeridos de forma dire-
ta ou indireta em uma escultura, observe ao lado uma obra de
Auguste Rodin, artista francês que viveu entre 1849 e 1917.
Em um primeiro olhar, a partir da posição da figura, pode-se
ter uma ideia de que ela está estática e imóvel. Porém, com um
olhar mais atento, é possível notar que todos os músculos estão
contraídos. Na perna direita flexionada e apoiada sobre uma pe-
dra, é possível ver a tensão do pé, o estiramento dos músculos da
coxa e da panturrilha. O mesmo se repete na perna esquerda, esten-
dida. O corpo quase por completo está tensionado. Uma energia

THE PHILADELPHIA MUSEUM OF ART / ART RESOURCE, NY


vital que passa pelo pescoço, peito, abdômen, antebraço e dedos.
A força concentrada está prestes a explodir em um movimento
que não se sabe qual poderia ser, e esse aspecto deixa a escultura
ainda mais interessante. A resposta sobre qual seria o movimento
subsequente está apenas na imaginação do observador.

Adão, escultura de bronze, de Auguste Rodin, 1925.


Dimensões: 191,8 cm × 74,9 cm × 74,9 cm.

Fique de pé, com os dois pés apoiados no chão, deixando o peso Objetivo
do corpo bem distribuído entre as pernas, a coluna ereta e os braços  Facilitar a compreensão
do movimento proposto
estendidos ao longo do corpo. pela escultura Adão por
Perceba como o seu corpo está no espaço e como está o peso meio da reprodução
de seu posicionamento
de cada parte do corpo.
com o próprio corpo.
Agora, reproduza a mesma posição da escultura de Rodin e ob-
serve o que mudou.
Ao tentar reproduzir a posição da escultura, perceba que essa posição não é muito confortável e
que o peso do corpo não consegue ser dividido igualmente entre as duas pernas, pois, mesmo que
a perna esquerda esteja totalmente estendida e apoiada no chão, ela não produz um possível relaxa-
mento para a perna direita. O movimento do ombro, dos braços, das mãos esquerda e direita (atente
para o posicionamento de cada um dos dedos das mãos) e da cabeça também exige um posiciona-
mento que tampouco é confortável. A observação dessa escultura permite imaginar o desdobramento
de várias cenas em ação, em que o olhar aguarda pelo próximo instante de articulação do personagem.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

60 CAPÍTULO 3 | Escultura: Tempo, Espaço e Movimento


Como demonstrado na página anterior, pode-se entender que a figura
criada pelo artista forma um conjunto de gestos que permitem uma visua-
lização completa de sua configuração final no espaço. Assim, apesar de es-
sencialmente espacial, a escultura também contém em si a duração do mo-
vimento implícito na imagem.

Artes visuais e artes cênicas

O estudo do movimento implícito na estatuária clássica grega foi fun-


damental para que o ator Étienne Decroux (1898-1991) criasse uma técnica
corporal de treinamento e de criação do ator, chamada mímica corporal
dramática, na década de 1940. Essa técnica é muito utilizada até hoje por
artistas da dança e também do chamado teatro do gesto, que será estudado
posteriormente no capítulo 10.
Os exercícios propostos com a escultura Adão foram inspirados na
técnica criada por Decroux. Esse é um bom exemplo de como as artes,
em suas diferentes linguagens, podem ser compreendidas de maneira
integrada e complementar.

ELIOT ELISOFON/ GETTY IMAGES

Foto do ator e mímico Étienne Decroux lecionando na Universidade de Baylor, no Texas (EUA).
Foto de 1º- de maio de 1958. Observe a postura corporal dos artistas, indicando movimento.

Escultura: Tempo, Espaço e Movimento | CAPÍTULO 3 61


Esculturas e espaço público
Talvez você já tenha observado que as esculturas não estão apenas nos
museus. É possível encontrá-las em diversos espaços das mais variadas cidades.
Muitos lugares possuem monumentos comemorativos que, por meio de suas for-
mas, narram uma história ou homenageiam uma pessoa, um grupo ou local.
Como na obra intitulada Monumento a Goiânia, a escultura realizada em
bronze e granito por Neusa Moraes (1932-), em 1968, tem como objetivo re-
gistrar a mistura entre as etnias indígena, branca e negra, que representam
a base da origem do povo brasileiro. As três figuras erguem uma coluna de
granito, onde é possível observar o brasão da cidade de Goiânia.
Também há monumentos que utilizam uma linguagem mais abstrata ou
que não têm intenção de representar necessariamente um personagem consa-
grado pela História ou política, como a obra da artista Tomie Ohtake (1913-2015).
ROGÉRIO REIS/ PULSAR IMAGENS

Foto de Monumento a Goiânia, escultura


de bronze e granito, de Neusa Moraes,
1968. Dimensão: 7 m (altura). Essa obra
está localizada no centro da Praça Cívica
Doutor Pedro Ludovico Teixeira em
Goiânia (GO). Foto de maio de 2014.
VERDEIL MATTHIEU / HEMIS.FR / ALAMY / FOTOARENA

Sem título, escultura em aço, de Tomie


Ohtake, 2001. Dimensão: 10 m (altura).
Essa obra compõe a fachada de um
hotel em Brasília (DF). Foto de 2013.

62 CAPÍTULO 3 | Escultura: Tempo, Espaço e Movimento


Observe na foto abaixo um monumento projetado pelo arquiteto Oscar
Niemeyer (1907-2012) em Belém do Pará. Ao observá-lo, têm-se a impressão
de que a passagem da enorme rampa foi interrompida, o que pode provocar
diversas interpretações. O monumento foi construído em homenagem a um
dos principais movimentos sociais brasileiros: a Cabanagem. Assim como no
monumento, o movimento em direção à vitória na Cabanagem foi interrom-
pido e abafado pela violência do governo na época, que conteve as ações da
população e empregou medidas violentas de repressão.
FERNANDO BUENO/ PULSAR IMAGENS

Foto do Memorial da Cabanagem,


obra de Oscar Niemeyer construída
em homenagem ao Movimento da
Cabanagem, em Belém (PA). Foto de
março de 2010.

Para esta atividade, é necessário o uso de algum tipo de câmera fotográfica.


Durante o estudo, foi ressaltada a importância da relação estabelecida entre obra e observador. O mo-
vimento do observador em torno da escultura é fundamental para a visualização ampla da obra.
Faça uma pesquisa de campo no entorno da escola, seguindo o roteiro abaixo.
1. Escolha uma escultura localizada em espaços públicos, como praças e parques. Em uma folha de
papel avulsa, escreva o título da escultura, o autor, a data e o local.
2. Selecione um ponto de vista, observe a obra, fotografe-a e anote suas impressões.
3. Agora, modifique seu ponto de vista, alterando sua posição em relação à obra. Observe-a e foto-
grafe-a novamente e, por fim, anote suas impressões.
Dicas Essa atividade requer uma realização individual, o que por sua vez indica respostas e análises pessoais. Entretanto,
o objetivo principal é colocar em debate entre os estudantes as relações estabelecidas entre observador e objetos
 Esteja atento às diferenças na percepção da obra conforme a mudança de ponto de vista.
tridimensionais. Eles terão a possibilidade de experimentar diferentes pontos de vista de uma escultura.
 Lembre-se de considerar a instalação da obra em seu respectivo espaço, ou seja, a relação entre a
obra e o seu entorno.

Escultura: Tempo, Espaço e Movimento | CAPÍTULO 3 63


Artes
Artesplásticas
plásticas eeHistória
História

Cabanagem foi uma revolta popular que ocor- CABANAS


As aldeias eram organizadas
reu na província do Grão-Pará (atual estado do Pará), em casas simples, cuja
entre os anos de 1835 e 1840. O movimento de opo- estrutura era feita em
barro e o teto recoberto por
sição ao governo do regente D. Pedro II reivindica-
palha. Essas construções
va melhorias nas condições de vida das camadas receberam o nome de
cabanas, e podiam abrigar
mais pobres da população e foi violentamente con-
ou não integrantes de
tido pelo governo. Segundo historiadores, estima-se uma mesma família. Seus
que mais de 30 000 pessoas foram mortas durante habitantes recebiam o nome
de cabanos.
os conflitos; entre elas, estavam os cabanos (índios
e mestiços) e também comerciantes e fazendei-
ros locais. Esses dois grupos, apesar de diferencia-
dos, estavam igualmente insatisfeitos com o gover-
no regencial. Os cabanos buscavam melhorias nas
condições de alimentação, moradia e trabalho, já o
segundo grupo, composto por elementos da consi-
derada “elite local”, objetivava uma maior participa-
ção nas decisões políticas e administrativas referen-
tes à situação da província do Grão-Pará.
A revolta teve início com uma intensa e violenta
guerra em 1835. Apesar de os cabanos terem con-
quistado a cidade de Belém – capital da então pro-
víncia –, a colocação do fazendeiro Félix Malcher
no posto de presidente da província representou a
ruptura da antiga aliança, uma vez que Malcher fez
acordos com o governo regencial. O fazendeiro foi
morto pelos cabanos, sendo substituído pelo lavra-
dor Francisco Pedro Vinagre. Entretanto, o governo
central brasileiro possuía apoio externo, conseguin-
do reprimir a revolta após cinco anos de combate. O
resultado do evento foi um grande número de mor-
tos em combate, e os cabanos não conseguiram ter
seus objetivos alcançados.

64 CAPÍTULO 3 | Escultura: Tempo, Espaço e Movimento


ALBERTO PASQUANTONIO
SUSTENTO TRABALHO
A população cabana vivia da retirada de elementos dos A economia da província do Grão-Pará estava estruturada
rios e da mata, criava aves (perus, galinhas e patos) na extração de madeira, na pesca e na exploração de
e trabalhava na lavoura, inclusive a maior parte do plantas medicinais, pimenta, baunilha e castanha e os
armamento utilizado na Cabanagem estava associado a cabanos trabalhavam em condição de semiescravidão.
tais práticas, como facas e foices.

MULHERES
Elas participaram indiretamente do
conflito, fornecendo alimentos e
informações aos cabanos. Nas aldeias,
ocupavam-se de tarefas associadas ao
cultivo e ao preparo de alimentos.

Neste capítulo, foram abordadas esculturas que lidam com a representação do movimento de formas
humanas ou da natureza por meio da tridimensionalidade. A escultura não se relaciona somente a uma
temática, podendo surgir em contextos religiosos, dentro de igrejas e templos; em contextos históricos,
como registro de um evento importante; e ocupando espaços públicos ou museus.

RODA DE CONVERSA
Agora que você já estudou alguns aspectos das esculturas, converse com os colegas e o professor
sobre os diferentes lugares onde elas podem ser encontradas.
§ Quais as relações estabelecidas entre observador e escultura quando se está em um espaço am-
plo (como uma praça ou um parque) ou em uma sala fechada (como um museu)?
Oriente os estudantes a pensar em como a escultura, quando exposta em determinado local – seja ele interno ou externo –,
estabelece diferentes relações com o observador e com o seu entorno. Leve-os a refletir também sobre como esse ambiente
ao redor da escultura também é capaz de influenciar a percepção do observador.
Escultura: Tempo, Espaço e Movimento | CAPÍTULO 3 65
4
IMAGEM EM Conteúdo
 A fotografia e o

MOVIMENTO
início do cinema

As fotografias de Marey, como os produtos de seu método gráfico, foram desenvolvidos para capturar aspec-
tos da realidade que não podem ser percebidos com os olhos nus. Como signos do invisível inscrito nelas mesmas,
elas marcam, no século XX, o começo da incursão dentro do invisível.
Marta Braun. The Photographic Work of E. J. Marey. 1983.

MAREY/ REPRODUÇÃO
O voo dos pássaros, estudo realizado por Étienne-Jules Marey, na França, em 1882. É possível observar na foto várias fases do movimento do pelicano.

Este capítulo explorará o universo das imagens em movimento e a forma como a fotografia possibilitou o
surgimento do cinema. Antes da invenção das câmeras filmadoras, pesquisadores das mais diferentes áreas
buscaram concretizar a ideia de movimento a partir da sequência de imagens. O fisiologista Étienne-Jules
Marey (1830-1904) inventou um mecanismo – o fuzil cronofotográfico – capaz de captar vários movimentos
em uma única imagem, como a figura acima, que representa seis estágios do voo de um pelicano, captada
pela técnica desenvolvida por Marey.
A origem do cinema só foi possível devido à invenção da fotografia por volta de 1843. A fotografia permitiu a
captação de imagens, como se congelasse aquilo que estava em frente às lentes. Para chegar ao cinema, contudo,
houve a transformação de uma captura de movimento estática (fotografia) para o registro de um movimento con-
tínuo (cinema). A seguir, será possível compreender como a fotografia foi gradualmente dando origem ao cinema.

66 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


Observe a imagem a seguir.
No ano de 1882, Marey construiu o fuzil cronofotográfico, que era for-
mado por um tambor com uma chapa fotográfica circular, com o objeti-
vo de registrar várias imagens ao mesmo tempo. Esse equipamento tinha
a capacidade de registrar 12 frames em um segundo. Os registros fica-
vam reunidos em uma única imagem sobreposta. Na prática, significava Frame: palavra do inglês que signi-
“congelar” uma sequência de movimentos na imagem, a fim de obser- fica “moldura” ou “quadro”. Seu uso
no cinema e na fotografia designa
var detalhes que o próprio olho humano teria dificuldade em perceber as imagens fixas que compõem
isoladamente. Foi através deste instrumento que Marey pôde estudar de- um filme.
talhadamente o voo do pelicano, como observado anteriormente. Foto do fuzil
Seus estudos também foram aplicados a ovelhas, elefantes, cava- cronofotográfico,
inventado por
los, peixes, cães e até mesmo pequenos insetos. Esse instrumen- Étienne-Jules Marey em
to encontra-se nas bases de formação do cinema, pois passou 1882 para observar e
a oferecer a possibilidade de regis- registrar várias fases do
movimento.
trar o movimento e não somente os

LE MOUVEMENT/ REPRODUÇÃO
momentos em sequência .

RODA DE CONVERSA
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Com relação às experiências da fotografia e do cinema, converse com os colegas sobre as seguin-
1. Resposta pessoal. Oriente os estudantes a informarem os dados básicos do filme assistido: título, ano de produ-
tes questões: ção, nome do diretor, além de alguns aspectos básicos sobre a narrativa.
1. Qual foi o último filme a que você assistiu? Faça um resumo em uma folha de papel avulsa, contan-
do em poucas linhas do que trata o filme e qual sua opinião a respeito dele.
2. Onde você assistiu a esse filme: em casa ou no cinema?
2. O objetivo dessa pergunta é saber se os estudantes reconhecem a experiência de ir ao cinema como algo distinto do filme
assistido em casa. É também importante conhecer a relação que eles estabelecem com a cultura cinematográfica ao busca-
rem informações sobre novos filmes, atores, cineastas etc.

3. Existe relação entre fotografia e cinema? Justifique sua resposta.


3. Resposta pessoal. O objetivo dessa pergunta é levantar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre as relações entre

as duas técnicas, pois elas serão desenvolvidas ao longo desse capítulo.

4. Na sua opinião, é possível contar uma história utilizando apenas fotografias? Justifique sua resposta.
4. Resposta pessoal. O objetivo dessa pergunta é saber o que os estudantes consideram como essencial para a construção
de uma narrativa, cenas em ação ou capturas pontuais de uma cena, que, apesar de oferecer a ideia de uma ação ou de um
gesto específico, está congelada. Faça-os refletir sobre as possibilidades oferecidas por uma imagem no que diz respeito à
construção de uma história.

Durante o compartilhamento das preferências cinematográficas, fique atento a comentários desrespeitosos e precon-
ceituosos. Caso ocorra alguma situação de conflito, explique que a conversa não tem como objetivo encontrar respostas
“certas” ou “erradas”. Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 67
Desenhando com luz
De origem grega, a palavra fotografia significa “desenhar com luz”: [fós] (“luz”),
e [grafis] (“estilo”, “pincel”). Pode ser resumida, portanto, como a técnica de
captação de imagens por meio da exposição de materiais sensíveis à luz.
A origem da fotografia dependeu de inúmeras descobertas anteriores, mas
convencionou situar sua “invenção” no século XIX. A câmera escura possui
uma importância fundamental no desenvolvimento da fotografia, mas não
é possível saber ao certo quem a inventou, sendo atribuída tanto ao filósofo
grego Aristóteles (384-322 a.C.) quanto ao chinês Mo Tzu (século V a.C.).
Por alguns séculos, o conhecimento da câmera escura ficou reservado
ao oriente. Ibn al Haitam – um estudioso árabe – observa, em princípios do sé-
culo XI, um eclipse solar com a câmara escura. Com o decorrer dos séculos, a
prática se difunde pela Europa. No século XIV, a câmara escura passou a ser
utilizada como auxílio na elaboração de trabalhos de desenho e pintura, ten-
do em vista sua capacidade de aproximar objetos distantes mantendo sua
proporção real.
Além dos artistas italianos, como Leonardo da Vinci, artistas holandeses
também fizeram uso da câmera escura para conseguir maior realismo e rique-
za de detalhes em suas obras. Os artistas holandeses do século XVII contaram
com dois modelos de câmera escura: uma imóvel e outra em menor formato.
Na câmera escura imóvel, uma lente era fixada a uma parede de um
quarto ou sala escura. A lente, com o efeito da luz, tinha a capacidade de pro-
jetar a imagem do modelo na tela situada na parte interna da câmera escura.
Assim, bastava o artista utilizar a imagem projetada para a realização da sua
pintura. É importante esclarecer que a imagem era projetada invertida. Existia,
também, uma outra versão de câmera escura, que era menor e poderia ser
transportada sem maiores problemas.
Giovanni Baptista della Porta (1541-1615), cientista proveniente da cidade
de Porta, Itália, publicou em 1558 a obra Magiae Naturallis. Dentre a varieda-
de de temas abordados pelo autor, caso das amplas descrições sobre espe-
lhos, lentes, ele se refere também a possibilidade de obtenção de imagens
por meio do uso da câmera escura.
A câmera escura é como uma caixa constituída por paredes escuras e
opacas que, exceto por um pequeno orifício em uma das paredes, é total-
mente fechada. Essa abertura é o que permite a entrada de luz para a poste-
rior formação da imagem. Desse modo, quando posicionada com o orifício
direcionado para a entrada de luz em frente a um objeto iluminado ou lumi-
noso, os raios de luz seguem do objeto, passam pela abertura e projetam, na
parede oposta, uma imagem invertida do objeto.

68 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


Nos séculos XVII e XVIII são registradas as primeiras experiências com
substâncias químicas com o intuito de fixar as imagens obtidas com a câme-
ra escura. Entretanto, o sucesso era obtido somente no processo de grava-
ção das imagens, uma vez que esses testes ainda não contemplavam a etapa
de interrupção do processo, fazendo com que as imagens desaparecessem
logo após a retirada da câmera escura.
STEFANO DELLA BELLA/ MAX PLANCK INSTITUTE FOR THE HISTORY OF SCIENCE

Câmera escura com vista de Florença, desenho atribuído a Stefano della Bella, cerca de 1630. Dimensões:
11,5 cm × 17 cm. Observe no desenho como a imagem da vista de Florença é projetada invertida.

Em 1826, Joseph Nicéphore Niépce (1765-1833), ao pesquisar as possi-


bilidades de gravação e fixação das imagens, obtém sucesso fazendo uso
de sais de prata e batiza a técnica com o nome de heliografia. Niépce man-
tém suas pesquisas em sigilo até conhecer Louis Jacques Mandé Daguerre
(1787-1851) e passarem a trabalhar juntos. Com a morte de Niépce em 1833,
Daguerre prossegue com suas experiências até descobrir a ação do vapor
de mercúrio no processo de revelação de imagens e sua capacidade em re-
duzir o tempo de exposição para alguns minutos. Deste modo, ampliou-se
a gama de elementos que poderiam ser captados através da prática, ade-
quada somente para paisagens e objetos inanimados em vista do extenso
tempo de exposição.
O método de sensibilização de uma placa de cobre revestida de prata po-
lida com vapor de iodo, cuja fixação era realizada com cloreto de sódio, recebe
o nome de daguerreótipo. O dia oficial de invento do daguerreótipo é 19 de
agosto de 1839. Estudos posteriores, como o do inglês William Fox Talbot, reali-
zados por volta de 1850, tornaram o processo de gravação mais rápido e barato.
Entretanto, até o século XIX, a possibilidade de registrar imagens em
movimento ainda não havia sido concretizada.

Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 69


Fotografia, Física e Química

WESTLICHT PHOTOGRAPHICA ACTION


A invenção da fotografia dependeu de inúmeros
conhecimentos advindos da Física e da Química. Em
1839, o francês Louis Daguerre apresentou o seu in-
vento, que recebeu, em sua homenagem, o nome
de daguerreótipo. Esse foi o primeiro equipamento
fotográfico produzido em larga escala para comercia-
lização. O processo de captação da imagem pelo da- Foto de equipamento de daguerreótipo bastante usado em 1855.

guerreótipo ocorre através do registro da imagem em

PORTLAND PRESS HERALD/ GETTY IMAGES


uma placa de prata (ou outro metal, como o cobre),
que necessita ser sensibilizada com vapor de iodo.
A luz, quando em contato com a placa sensibi-
lizada, transforma os cristais de iodeto de prata em
prata metálica, formando uma imagem nítida que
será revelada com o auxílio do vapor de mercúrio.
Para fixar a imagem, é usado hipossulfito de sódio.
Fotografia de James W. Bradbury tirada por um daguerreótipo.
O equipamento foi utilizado no Brasil até a dé- Ela fez parte da exposição “Buscas apaixonadas: a história pelos
cada de 1870. olhos do colecionador”, no Maine Historical Society Museum.

LOUIS DAGUERRE/ THE LIFE IMAGES COLLECTION/GETTY IMAGES

Natureza morta, primeira fotografia de que se tem registro produzida com daguerreótipo por Louis Jacques Daguerre. Note, na
imagem, os contrastes entre luz e sombra e os efeitos de volume.

70 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


Cinema e ilusão de movimento
Além do trabalho de Étienne-Jules Marey com o fuzil cronofotográfico,
o fotógrafo inglês Eadweard J. Muybridge (1830-1904) criou, em 1879, o zoo-
praxiscópio, que permitia a apresentação de fotos sequenciais em velocida-
de, oferecendo ao observador a ideia de movimento.

EVERETT HISTORICAL/ SHUTTERSTOCK

Imagens de cavalo em movimento, de Eadweard Muybridge, 1872. É possível notar nas imagens as diferentes posições das pernas dos cavalos ao
galopar. Antes da invenção da fotografia, os artistas representavam esse movimento de outra forma. É interessante comparar a representação
desse tema em obras anteriores e posteriores a esse período.
A partir do caminho apontado pela fotografia ao registrar imagens es-
táticas, e com o desenvolvimento das técnicas por parte de pesquisadores,
o cinema pôde alcançar o formato conhecido atualmente, registrando uma
série de imagens de um mesmo acontecimento em movimento que, quan-
do projetadas em grande velocidade, criam a sensação de movimento con-
tínuo. Esse processo foi longo. Foram necessários muitos estudos e gran-
de conhecimento técnico das mais variadas áreas para a associação entre as
imagens estáticas da fotografia.

Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 71


A estreita relação entre cinema e fotografia não se encerra no início do
século XX. Ainda hoje, diretores de cinema se utilizam de câmeras fotográficas
como forma de estudar os possíveis enquadramentos de uma mesma cena e
também como forma de conhecimento e estudo do espaço. Os diretores de
fotografia, por exemplo, são profissionais importantes para a produção de um
filme, atuando diretamente na visualização das imagens constituintes do fil-
me, definindo essas imagens a partir de um nível técnico e também artístico.
Tal qualidade ou padrão será determinado, também, pela escolha dos equi-
pamentos – feita pelo diretor de fotografia –, mais adequados para a capta-
ção das imagens, como os responsáveis pela iluminação do ambiente (mes-
mo quando a ação é desenrolada ao ar livre e/ou no conjunto de cenários e
locações internas) e a seleção das lentes e câmeras.

Pré-cinema
Os primeiros filmes produzidos pelos irmãos Lumière apresentavam situa-
ções do cotidiano filmadas ao ar livre, muitas vezes, sem cortes. Auguste (1862-
-1954) e Louis Lumière (1864-1948) foram dois engenheiros franceses que revo-
lucionaram a história do cinema com a invenção do cinematógrafo. Apesar das
controvérsias sobre quais os procedimentos responsáveis pela invenção do cine-
ma, já que era possível localizar no século XIX invenções como o praxinoscópio
(França), o kinetoscópio (Estado Unidos), nenhum desses instrumentos conse-
guiu conciliar, tal qual o cinematógrafo, a capacidade de filmar e projetar pelí-
culas. As primeiras sessões que apresentaram filmes captados com essa técnica
foram apresentadas por eles no dia 28 de dezembro de 1895 no Grand Café, em
Paris, entre eles A saída dos operários da fábrica Lumière, A chegada do trem na esta-
ção, O mar, Almoço do bebê e O regador regado. O novo aparelho seria experimen-
tado por eles em momentos variados do dia a dia e em cenas próximas ao pró-
prio cotidiano deles – como a primeira obra dos Lumière, A saída das indústrias
Lumière, que registra trabalhadores saindo da fábrica de produtos fotográficos da
qual eram diretores. É possível visitar o local dessa primeira filmagem, que atual-
mente funciona como uma cinemateca na cidade de Lyon, na França.

Disponível em: <http://www.linguagemdocinema.latec.ufrj.br/index.


php/quem-e-quem/87-irmaos-lumiere>. Acesso em: 18 mar. 2016.
Neste site desenvolvido pelo grupo de pesquisa transdisciplinar LATEC/UFRJ é possível
conhecer um pouco mais sobre os irmãos Lumière, além de assistir às suas primeiras
produções: A chegada do trem na estação, O grande roubo do trem e Primeiros filmes.

72 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


O objetivo desta atividade é levar os estudantes a identificar e compreender as noções básicas da estrutura e linguagem do
filme. Oriente as duplas ou trios a se organizarem para assistir ao filme A chegada do trem na estação na casa de um deles.

Em duplas ou trios, assistam ao filme produzido pelos irmãos Lumière em 1895 A chegada do trem na
estação e, a seguir, façam o que se pede. Peça a eles que anotem suas observações individuais para, depois,
compartilhar com seus próprios grupos e com o restante da turma. Caso não seja possível, tente exibi-lo durante a aula e, de-
pois, oriente os grupos a seguirem o roteiro de pesquisa proposto.
1. As produções dos irmãos Lumière apresentam relações com o gênero cinematográfico atualmen-
te conhecido como “documentário”. Façam uma pesquisa sobre esse gênero, registrem quais as
características responsáveis por essa definição e indiquem quais aspectos desse gênero foram
percebidas no filme A chegada do trem na estação.

1. Auxilie os estudantes a identificar as ações registradas pelo filme e como essas ações são o ponto principal da produção

assistida, interessada em captar os movimentos, e não em contar uma história, o que justifica a ausência de uma estrutura

narrativa e a participação de personagens fictícios. Faça a relação com o gênero documentário, caracterizado, em suma,

pelo registro do real em oposição a uma história fictícia. É importante demarcar para os estudantes que documentar uma

cena não quer dizer registrá-la imparcialmente, considerando que o diretor atua ativamente na escolha do tema, dos en-

quadramentos, o que resulta em sua forma de retratar a realidade.

2. Assim como o filme assistido, outros filmes produzidos pelos irmãos franceses, caso de A saída dos
operários da fábrica Lumière, são curtos. Escreva abaixo uma justificativa para tal fato.
2. Reflita sobre a forma de captação utilizada pelos irmãos Lumière e sobre a operacionalização dos materiais feita por eles.
O primeiro aspecto é perceber que o filme não possui cortes na filmagem, é o resultado completo da captação da cena –
com a câmera fixa – a partir da possibilidade técnica do filme utilizado: a película. Os filmes usados pelos Lumière vinham
em rolos de 35 mm de largura por 15 metros de comprimento, os quais, passando pelo cinematógrafo na velocidade mé-
dia de então (entre 16 e 18 quadros por segundo), davam um tempo de filmagem e de projeção em torno de 45 a 50 se-
gundos; por isso, o tempo de todo o filme intacto dentro da câmera (que quase chegava a um minuto) se constitui como o
tempo total do filme exibido.

3. Pesquisem os termos “tomada”, “plano” e “cena” e analisem como essas técnicas se relacionam no
filme assistido.
3. O objetivo desta atividade é fazer os estudantes compreenderem a estratégia de captação do movimento executada

pelos irmãos Lumière, e como essas três noções não podem ser tão facilmente separadas, pois o filme possui uma cena,

constituída por um único plano, que é, também, toda a tomada registrada pela câmera.

Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 73


 Em grupos formados por cinco integrantes, cada grupo deverá Objetivo
possuir uma câmera fotográfica, que pode ser a de um telefone  Compreender uma das
formas de captação do
celular. Depois, basta escolher algum objeto que possa ser colo-
movimento a partir de um
cado sobre uma mesa para ser fotografado. objeto parado utilizando
 Apoiem a câmera sobre a superfície de modo que ela não mude fotografias em sequência.

de posição durante a execução da atividade.


 Em seguida, posicionem o objeto na frente da câmera e fotografem-no. Depois, façam uma pequena
mudança na posição do objeto e tirem outra foto.
 Repitam o processo, fazendo pequenas alterações na posição do objeto e tirando uma nova fotogra-
fia a cada alteração, até completar 10 fotos.
 Descarreguem as fotos em um computador e coloquem-nas na mesma sequência em que foram ti-
radas ou utilizem um software para exibição de slides.
 Assistam à série de fotos em sequência e observem que o objeto fotografado parece se movimentar
sozinho.
 Testem diferentes velocidades na passagem da sequência de imagens e observem os efeitos visuais que
isso provoca. Esse é o princípio da construção do movimento com a utilização de sequências fotográficas.
 Experimentem também ver a sequência de trás para frente.

Arte holandesa – arte


da descrição
O uso da câmera escura é mais diretamente associado aos pintores
holandeses. Svetlana Alpers (1936-), em seu estudo sobre a arte holandesa,
destaca a presença dos artifícios associados ao uso da câmera na criação
das obras de artistas como Johannes Vermeer (1632-1675). Uma questão
interessante a ser ressaltada é que a adoção da câmera escura, apesar de
recomendada, era vista com certo negativismo, sendo considerada como
uma “via mais curta” para aqueles que não conseguiam realizar a perspec-
tiva através de preceitos matemáticos, tal qual realizada pelos italianos.
Entretanto, segundo Svetlana, no livro A arte de descrever: a arte holandesa
no século XVII, “em vez de servir como meio de acesso a uma imagem cons-
truída do mundo visível, a câmera escura, [...], fornece os testemunhos em-
píricos diretos do mundo visível, por assim dizer, que o artista usa em sua
arte” (p. 93-94). É como um guia mecânico capaz de construir imagens em
perspectiva e não a fórmula pronta da imagem pintada.

74 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


Até aqui foram estudadas as imagens e os meios para sua cap- Objetivos
tação. Agora, você vai construir a sua própria câmera escura. Ela  Construir uma câmera escura ou
pinhole para que seja possível
possui o mesmo princípio óptico utilizado na fotografia e vai au-
observar a imagem de objetos
xiliar a compreender o processo de formação da imagem. Uma sendo projetados em seu interior.
câmera escura pode ser uma caixa ou uma lata onde a luz proce-  Compreender o processo
de formação de imagens
dente de um objeto iluminado penetra por um pequeno orifício através da luz.
e reproduz, dentro da câmera, na parede oposta à abertura, uma
imagem invertida desse mesmo objeto.
Ao colocar um objeto iluminado, de tamanho ho, de frente Pinhole: processo alternativo de foto-
para o orifício feito na câmera escura, a uma distância Do, forma- grafia utilizando-se uma câmera escura
com um pequeno furo, por onde entra
-se uma imagem invertida refletida na face oposta da câmera, de a luz. O termo pinhole vem das palavras
tamanho hi, a uma distância Di. Observe a imagem a seguir. em inglês pin = alfinete, e hole = buraco.

EDITORIA DE ARTE
ho
hi

Representação
esquemática da
formação da imagem
Do Di
em uma câmera escura.
Pode-se representar o processo indicado acima por meio da seguinte equação:
ho Do
=
hi Di
Dentro da câmera escura, coloca-se um papel fotossensível, capaz de propiciar uma reação química
entre suas partículas e a luz que incide sobre ele.

Construção da câmera escura ou pinhole


Materiais
 caixa de sapato de papelão;  fita isolante preta;
 papel-alumínio;  régua;
 agulha no 9;  caneta hidrocor preta;
 tesoura;  lanterna;
 estilete;  quatro folhas de papel celofane vermelho ou
 papéis fotográficos preto e branco; lâmpada vermelha de 15W.
 cola branca;
 tinta preta à base de água;

Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 75


G18_EM_ARTE_C4_I03
G18_EM_ARTE_C4_I03aa06
06
Cibele Queiroz
G18_EM_ARTE_C4_I03
Cibele Queiroz a 06
Cibele Queiroz

Como fazer

Z
IRO
QUE
ELE
1. Pintem a parte interna da caixa com tinta preta. Cuidem para que

CIB
todas as partes internas estejam totalmente pintadas; se necessário,
pintem uma vez, esperem secar e repitam o procedimento.
2. Com uma régua, marquem o centro da tampa da caixa e um
quadrado de 1 cm × 1 cm.
3. Com tesoura ou estilete, recortem o quadrado, formando uma “jane-
la”, e pintem a borda interna da “janela” com caneta hidrocor preta.
4. Recortem um pedaço de papel-alumínio, de 5 cm × 5 cm, e façam
um furo com a agulha. Cuidem para que o furo fique bem redondo.
5. Preservando o orifício feito com a agulha, colem o papel-alumí-
nio na parte externa da janela utilizando fita isolante. E, para garantir
que não haja nenhuma passagem de luz pelas frestas, passem fita
isolante na parte interna também.
6. Ainda utilizando a fita isolante, façam uma pequena aba na par-
te externa da janela cobrindo o orifício. Essa aba tem a função de
controlar a passagem de luz pelo orifício.

Importante: na hora de manusear o papel fotográfico, é impor- aba feita com


fita isolante
tante que todo o ambiente esteja escuro. Para isso, usem a lanterna
com a lâmpada vermelha ou encapem a parte luminosa da lanter-
na com quatro camadas de papel celofane vermelho. Certifiquem-se
de que não haja nenhuma outra luminosidade no ambiente.

7. Coloquem o papel fotográfico na parte interna oposta da caixa


cuidando para que a face fosca do papel fique colada na parede
da caixa e a parte brilhante e lisa fique de frente para o orifício.
8. Depois, coloquem a tampa e vedem toda a lateral da tampa com
a fita isolante para impedir a entrada de luz e fechem a aba de parte brilhante do
papel para cima
fita isolante que cobre o orifício antes de acender as luzes.

Tirando fotos
Com a pinhole em mãos, escolham um lugar ao ar livre. Se for um dia
ensolarado, a aba deve ficar aberta cerca de 1 minuto. Se for um dia nu-
blado, o tempo aumenta para 2 a 4 minutos.
Auxilie os grupos na marcação do tempo dependendo da luminosidade do dia e orien-
te-os a utilizar um cronômetro.
Atenção
 Quanto maior a pinhole, maior o tempo de exposição, pois a luz perde
força à medida que viaja do furinho até a parede onde está o papel.

76 CAPÍTULO 4 | Imagem em Movimento


 Se o papel fotográfico estiver longe do furo,

DONATAS1205/ SHUTTERSTOCK
mais próxima ficará a imagem, e quanto mais
perto estiver do furo, mais “informações” entra-
rão na foto, pois o ângulo de visão será maior.
 O tempo de exposição à luz deverá ser menor
se o orifício for maior. Porém, a imagem capta-
da será menos nítida, ficará embaçada.
Como os tempos de exposição são longos,
para a foto não sair tremida, apoiem a pinhole em
uma superfície fixa.
A pinhole não possui nenhum botão para dar
o click e, por isso, para captar a imagem escolhida,
você deve levantar a aba da fita adesiva preta que Retrato obtido com pinhole em dia ensolarado. Observe que a foto está
cobre o orifício. embaçada.
Depois de tirar a foto, abaixe a aba de fita adesiva e mantenha a sua pinhole totalmente fechada. Sua
abertura deverá ser feita somente em local totalmente escuro escolhido para a revelação, iluminado ape-
nas pela lâmpada vermelha, onde você deverá retirar o papel fotográfico de dentro da câmera. Porém o
papel ainda não traz a foto, e sim o seu negativo; por isso, é importante mantê-lo longe da claridade para
que não ocorra a perda da imagem, uma vez que essa ainda não é a imagem fixada.
Para melhores resultados, é possível mudar alguns materiais. A caixa de sapato pode ser substituída por uma lata com tampa de alu-
mínio, por exemplo, latas de leite em pó; nesse caso, para fazer o orifício é preciso ter cautela, para utilizar outras ferramentas, como
 Converse com os colegas e com o professor sobre todo o processo e sobre a imagem final. Se
possível, registre a mesma imagem com uma câmera fotográfica e leve para a sala de aula.
prego e martelo, além de forrar a lata com cartolina preta. Se houver possibilidade, essa atividade pode contar com o apoio do pro-
fessor de Física para um debate ampliado, que aprofunde os conhecimentos obtidos de maneira prática.

Neste capítulo, foi possível perceber diversas relações entre as artes e as ciências, principalmente no
que diz respeito à fotografia e ao cinema, e conhecer outras possibilidades de captação de imagens,
como o daguerreótipo, anteriores aos mecanismos digitais atuais. Foi mostrado também como o cinema
se originou a partir da fotografia, trazendo movimento às imagens. Por fim, uma câmera escura foi feita e
foram produzidas as primeiras imagens fotográficas.
1. Resposta pessoal. O objetivo aqui é perceber a categoria fotografia dentro do cinema. No caso do cinema, a fotografia
destina-se ao trabalho com a luz das cenas, o enquadramento e outros elementos importantes para a captura da imagem
RODA DE CONVERSA
pela câmera cinematográfica.
1. Fotografia é uma das categorias de premiações internacionais de cinema, como o Oscar (nos
Estados Unidos) e Cannes (na França). Para você, o que um filme precisa ter para receber a premia-
ção nessa categoria?
2. Como a Física contribui para o processo de captura de fotos e da produção das imagens em
movimento?
2. Resposta pessoal. Oriente os estudantes a rever o que foi experimentado na construção da pinhole. É importante que eles
percebam também que existe uma relação estreita entre as artes e as ciências. A fotografia e o cinema são um bom exem-
plo dessa relação.
Imagem em Movimento | CAPÍTULO 4 77
5
MÚSICA E Conteúdos
 Movimento sonoro

MOVIMENTO
 Leitura musical por gráficos

Nenhum som teme o silêncio que o extingue. O mundo se apresenta suficientemente espaçado
[...] para estar sempre vazado de vazios, e concreto
John Cage. de sobra para nunca deixar de provocar barulho.
José Miguel Wisnik.

ELZA LIMA / ASCOM SECULT

Foto do maestro Laércio Sinhorelli Diniz, regente titular da Orquestra Sinfônica de João Pessoa (PB) e da Orquestra Filarmônica do Brasil, em apresentação
do Concerto Didático da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz em Belém (PA). Foto de 6 de maio de 2015. Com os movimentos de seu corpo, o maestro se
comunica com os músicos a partir das indicações da partitura. Juntos, o maestro e os músicos revelam a musicalidade presente nas partituras que executam.

No capítulo 1, foi possível perceber que a música, mesmo sendo considerada uma arte da duração, pode ser
entendida também como uma arte do espaço. Agora, você poderá observar e entender a música também como
movimento.
Como visto anteriormente, o som é produzido por meio de vibrações e se movimenta através do ar ou de
outros condutores, desde sua fonte sonora até as orelhas das pessoas. Porém há outras formas de entender o
som e a música como movimento, que serão exploradas a seguir.

78 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento


RODA DE CONVERSA

 Converse com os colegas e imaginem possíveis maneiras de entender o som como movimento.
Dica: lembre-se da relação das diferentes frequências das ondas sonoras com a diversidade de
Os estudantes podem dizer como as melodias se movimentam em dife-
sons que se pode ouvir no dia a dia. rentes alturas ou se referir aos diversos andamentos que dão aos estilos
musicais diferentes características. Poderão, ainda, referir-se às alterações de andamento em uma mesma música, como
aceleração ou diminuição da pulsação. Aceite as diferentes respostas e conduza a abordagem para o conteúdo deste capí-
tulo: movimento sonoro através das mudanças de altura.

Música é som em movimento


Como visto anteriormente, os sons possuem alturas diferentes, poden-
do ser graves ou agudos, e é possível registrar os sons em dois diferentes pla-
nos de altura. Entretanto, na prática, os sons não estão organizados somente
em extremos. Entre os sons mais graves e os mais agudos que a orelha hu-
mana consegue perceber, há uma gama enorme de alturas que fazem parte
da paisagem sonora de cada lugar e que são transformados em músicas de
diferentes estilos. Em música, chamamos de movimento sonoro as mudan-
ças de altura que ocorrem no decorrer de uma música ou de uma sequência
de sons.
Os sons também podem ser grafados de diversas maneiras, como nas
partituras e nos gráficos de altura. Pode-se, por exemplo, utilizar linhas retas
para facilitar a visualização quando se quer representar diferentes planos de
altura dos sons, como na figura a seguir.
Observe que, na figura, há três retas horizontais e alguns círculos. Na
reta superior, são representados os sons agudos; na do meio, os sons de al-
tura intermediária; e na inferior, os sons graves. A leitura também deve ser da
esquerda para a direita, e os sons, nesse caso, estão representados pelos cír-
culos. As retas servem para diferenciar os três planos de altura dos sons. 6
EDITORIA DE ARTE

Agora, ouça a faixa


Sons agudos 6 do CD enquanto lê
a representação do
movimento sonoro
do gráfico ao lado.
Sons de altura
intermediária

Sons graves

Esquema representando sons em três planos de altura. Nesse exemplo, ao tocar ou cantar as alturas
indicadas no gráfico, deve-se seguir esta sequência, da esquerda para a direita: uma nota grave, uma
nota de altura intermediária, uma nota aguda, uma nota de altura intermediária, uma nota grave e
uma nota aguda.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 79


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Agora, divididos em grupos, realizem exercícios de leitura musical e Objetivos
treinamento auditivo relacionados ao movimento sonoro. Vocês de-  Reconhecer graficamente
sons de diferentes alturas.
verão reconhecer graficamente sons de diferentes alturas e executá-los
 Praticar movimento
cantando ou tocando instrumentos. sonoro por meio da
leitura gráfica de sons.

1. Execute os sons registrados a seguir, emitindo sons graves, de al-


1.a) Uma nota grave, duas notas
tura intermediária, ou agudos, de acordo com a representação.
agudas, uma nota de altura inter-
a. mediária, uma nota grave e uma

EDITORIA DE ARTE
nota aguda.
1.b) Três notas agudas, duas notas
graves, uma nota de altura inter-
mediária e uma nota aguda.
1.c) Uma nota de altura interme-
b. diária, duas notas agudas, uma
nota de altura intermediária, uma
EDITORIA DE ARTE

nota grave.

2.a) Uma nota grave, duas notas


c. de altura intermediária, uma nota
EDITORIA DE ARTE

aguda, uma nota de altura inter-


mediária, uma nota grave.
2.b) Uma nota de altura interme-
diária, duas notas graves, uma
nota de altura intermediária, duas
7
notas agudas, uma nota grave.
2. Agora, ouça a faixa 7 no CD e registre nas linhas a seguir as alturas
2.c) Uma nota aguda, uma nota
dos sons que você ouviu: grave, um nota de altura inter-
a. mediária, duas notas graves, uma
nota de altura intermediária, duas
notas agudas, uma nota grave.
Crie outras combinações de altu-
ras e execute-as ou cante-as para
a turma em forma de “ditado mu-
b. sical”. Depois, os estudantes pode-
rão propor combinações de sons
em três diferentes planos de altu-
ras. Como exemplificado nos exer-
cícios anteriores, oriente-os a re-
presentar em folhas avulsas ou em
c. seus cadernos diversas combina-
ções de sons em diferentes planos
de altura e, em seguida, executar
as combinações com vozes ou ins-
trumentos musicais.

80 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento


O silêncio soa
Durante a reprodução de uma música existem momentos em que algum
instrumento ou mesmo a voz deixam de soar por alguns instantes. Em música,
damos o nome de pausa a esses momentos de silêncio. Cada instrumento ou
voz pode ter pausas em momentos diferentes da música e também pode acon-
tecer de todos os sons serem interrompidos ao mesmo tempo por alguns instan-
tes, dando uma sensação de silêncio ainda maior. Esse tipo de organização entre
sons e silêncios, junto às variações de outros parâmetros sonoros como o timbre,
a altura e a intensidade, aumenta a complexidade da música e pode torná-la mais
interessante.
Porém, como vivemos em um ambiente de muitos sons, é impossível
pensar em silêncio absoluto dentro das músicas, mesmo quando há uma
pausa em todos instrumentos e vozes. Os sons da natureza, das máquinas
em funcionamento, dos sapatos quando tocam o chão, dos celulares, papéis
de bala sendo abertos, entre outros, estão presentes na vida diária e interfe-
rem em maior ou menor grau na escuta musical.
John Cage, artista estadunidense que viveu entre os anos 1912 e 1992,
realizou importantes trabalhos como compositor, teórico musical e escritor,
tendo sido também um precursor de várias ações artísticas, como a reunião de
performances simultâneas em eventos conhecidos como happenings. Cage era
muito interessado na questão da relatividade do silêncio nas vidas das pessoas. Happenings: traduzido literalmen-
te como “acontecimentos”, é um
Certa vez, Cage visitou por alguns instantes uma sala preparada para impedir a
termo criado pelo estadunidense
reflexão das ondas sonoras e eletromagnéticas e que é usada para testes cien- Allan Kaprow (1927-2006), em 1959,
tíficos, chamada câmara anecoica. Esse tipo de sala também é isolada dos sons e engloba acontecimentos híbri-
dos entre as artes visuais e as ar-
exteriores, de modo que esses espaços são tão silenciosos que um ser huma- tes cênicas que nunca se repetem
no pode ter a sensação de completa ausência de som. a cada apresentação.
MIRA/ ALAMY/ GLOW IMAGES

Foto de câmara anecoica do National


Institute of Standards and Technology
(em tradução livre, Instituto Nacional de
Padrões e Tecnologia) dos Estados Unidos.
A câmara anecoica é utilizada para testar
antenas e interferência eletromagnética
de aparelhos de telecomunicação. Essas
câmaras são os locais mais silenciosos
construídos pelo ser humano.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 81


Durante sua permanência nessa câmara, Cage ouviu dois tipos de som: Se julgar interessante, procure na in-
ternet um vídeo de uma apresenta-
um mais grave e outro mais agudo. Ao perguntar ao engenheiro responsável
ção da peça musical 4’33” de John
pela sala, Cage foi informado de que o som mais agudo vinha de seu pró- Cage. Digite o nome da peça e do
prio sistema nervoso em funcionamento e o som grave era seu sangue cir- compositor em algum site de bus-
cas e selecione o vídeo desejado. Se
culando. A partir dessa experiência, Cage concluiu que “o silêncio não existe. possível, apresente o vídeo aos es-
Sempre está acontecendo alguma coisa que produz som”. tudantes e assistam à peça em toda
sua duração. Oriente os estudantes
Depois disso, Cage compôs sua peça musical mais importante: 4’33”.
a observarem a reação da plateia e
A peça escrita pode ser tocada por qualquer instrumento ou combinação os sons que ela produz durante a
de instrumentos e vozes e dura exatos quatro minutos e trinta e três se- execução. Peça à turma que faça si-
lêncio, que preste atenção aos sons
gundos durante os quais nenhuma nota musical é executada. A peça já foi
que vêm do ambiente e anote os
apresentada por pianistas e também por orquestras inteiras, além de ter sido sons ouvidos em uma folha avulsa
lançada em CDs. Com essa criação, Cage pretendeu mostrar a relatividade do ou no caderno. Pergunte aos estu-
dantes se já tinham consciência da
silêncio, pois durante a audição da peça, apesar de não se ouvirem notas mu- existência desses sons antes dessa
sicais, um grande número de sons provocados pela plateia ou pelo ambiente, experiência. Depois, organize um
debate com a turma para que com-
talvez até então não percebidos, se fazem ouvir de maneira mais clara. Assim, sua
partilhem suas anotações.
criação musical era, na verdade, composta unicamente pelos ruídos que vinham
da plateia. Cage foi um dos precursores na incorporação de ruídos considerados
não musicais em suas peças, ampliando o conceito de música no século XX.
A seguir, leiam um trecho de um texto do músico Murray Schafer (1933-)
sobre a relação entre som, silêncio e música. O pensamento de Schafer sobre as
relações entre os sons do mundo, o silêncio relativo e a escuta musical influen-
ciou vários músicos em todo mundo e também no Brasil.

O som do silêncio

O silêncio é um recipiente dentro do qual é colocado um evento musical.


O silêncio protege o evento musical contra o ruído. Os eventos mu-
sicais precisam dessa proteção, por serem acontecimentos sensíveis.
O silêncio torna-se cada vez mais valioso, na medida em que nós o
perdemos para vários tipos de ruído: sons industriais, carros, esportes,
rádios [...] etc.
[...] O silêncio é a característica mais cheia de possibilidades da mú-
sica. Mesmo quando cai depois de um som, reverbera com o que foi
esse som e essa reverberação continua até que outro som o desaloje ou
ele se perca na memória. Logo, mesmo indistintamente, o silêncio soa.
O homem gosta de fazer sons e rodear-se com eles. Silêncio é o re-
sultado da rejeição da personalidade humana. O homem teme a ausên-
cia de som como teme a ausência de vida.
Não há nada tão sublime ou atordoante em música como o silêncio.
O último silêncio é a morte.
SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora UNESP, 1991. p. 71-72.

82 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento


Até o momento, foram representados graficamen-

HUMBERTO OLARTE CUPAS /ALAMY/ LATINSTOCK


te os sons de curta duração, utilizando pequenos traços
ou círculos. Também é possível representar sons mais
longos que realizam movimentos sonoros, ou seja, que
podem começar graves e ir se transformando em sons
agudos, ou vice-versa, sem que haja uma pausa entre os
sons. A esses sons que se movimentam em termos de
mudanças de altura, sem pausas entre essas mudanças,
damos o nome de sons ligados.
Foto de artista de rua tocando flauta de êmbolo em Praga,
JUAN CARLOS/ CORBIS/ LATINSTOCK

República Tcheca, 2006. A flauta de êmbolo apresenta uma vareta


em seu interior, que regula a coluna de ar, que a atravessa enquanto
soprada. Assim, de acordo com o movimento da vareta, pode-se
executar sons ligados, em movimento ascendente (do grave ao
agudo) ou descendente (do agudo ao grave), formando glissandos.

Foto de músico tocando marimba na reserva natural Laguna de


Apoyo, em Masaya, Nicarágua. Foto de 15 de agosto de 2014. As
marimbas são instrumentos de percussão formados por lâminas
de madeira de diferentes tamanhos que são percutidas com
baquetas. Assim como as flautas de êmbolo, as marimbas são
instrumentos que também produzem sons glissandos.

Glissando: termo derivado da língua francesa que pode ser traduzido por deslizar e que é usado para definir sequências de sons liga-
dos em que se passa rapidamente de um som grave para outro mais agudo, ou vice-versa, executando todos os sons de altura inter-
mediária existentes entre eles, de acordo com a característica de cada instrumento musical.

Música e Física

A acústica, uma área de estudo da Física, é conhecida como a ciência do som que estuda a produção,
o comportamento e a recepção das ondas sonoras, ou seja, o conjunto dos fenômenos de reflexão e
absorção sonoras que favorecem ou prejudicam a audição em um determinado lugar.
As câmaras anecoicas são um dos espaços construídos pelo ser humano para o estudo do som e do
silêncio. O texto a seguir traz algumas informações sobre esse curioso local de pesquisa sonora:

À prova de som

Essa câmara é uma sala especial, com paredes metálicas, isolada do exterior e revestida com ma-
teriais (lã de vidro, espumas plásticas e outros) de alto nível de absorção de sons. Esse revestimento
interno garante isolamento sonoro de quase 100% e ausência absoluta de reflexões das ondas sono-
ras – portanto, o silêncio é o maior possível.
Essa sala é usada para testar equipamentos acústicos, como microfones e alto-falantes, para ava-
liar o nível de ruído de máquinas e aparelhos (produtos automotivos, eletrodomésticos, médico-
-hospitalares e de outros setores) e para estudos científicos.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 83


Estar sozinho em uma sala anecoica é de fato uma experiência única. A audição humana capta a imensa
multiplicidade de sons e os mínimos detalhes sonoros de qualquer ambiente, incluindo pequenas reflexões
dos sons. O cérebro processa essas informações a todo instante, de modo inconsciente, e elas contribuem
para a autolocalização horizontal e vertical e para a determinação de características ambientais.
Visão e audição são responsáveis pelo senso de equilíbrio. Os cegos, como já mostraram experi-
mentos, tendem a perder o equilíbrio em uma sala anecoica.
As pessoas logo percebem que se trata de uma experiência não natural, mas a suscetibilidade é diferente
para cada um. Após um “choque” inicial, podem-se ouvir as batidas do próprio coração, o sangue se mo-
vendo nos vasos e o ar entrando e saindo dos pulmões. Com maior tempo de adaptação, nota-se um ruído
agudo, originado provavelmente da vibração dos tímpanos causada por sons corporais. [...]
Assim, acredita-se que a ausência de referências sonoras, durante prolongada permanência em
uma câmara anecoica, pode desorientar pessoas mais suscetíveis.
XIMENES, Gilmar M. À prova de som. 12 mar. 2013. Disponível em: <http://cienciahoje.
uol.com.br/revista-ch/2013/301/a-prova-de-som>. Acesso em: 23 mar. 2016.

Agora será realizada a leitura de sons ligados em diferentes movimen- Objetivo


tos sonoros por meio de imagens que representam esses movimentos.  Realizar a leitura gráfica de
Observe a seguir as representações de sons em movimento, que movimentos sonoros.

deverão ser tocados ou cantados de maneira ligada, ou seja, sem


pausas. Nesse caso, a representação gráfica também nos ajuda a entender o termo altura, porque os sons
mais graves continuam a ser representados nas partes inferiores do gráfico, os sons agudos são represen-
tados nas partes superiores do gráfico e os sons intermediários são representados distribuídos entre os
mais graves e os mais agudos.
 Observe as figuras a seguir, que representam sons ligados, e identifique os movimentos sonoros.
a. a) Do som grave ao agudo. c. c) Do som agudo
para o grave.

b. b) Do som grave ao agu- d. d) Do som agudo


do, sustentando a nota para o grave, re-
mais aguda. tornando para o
agudo.

 Produzam os sons sugeridos pelas imagens acima utilizando suas próprias vozes. Se houver
possibilidade, também podem ser utilizadas flautas de êmbolo, xilofones ou marimbas.
Crie outras combinações de alturas e movimentos sonoros e peça aos estudantes que as executem ou cantem, como forma
de “ditado musical”. Isso quer dizer que, enquanto um estudante realiza um movimento sonoro com a voz ou instrumentos,
os colegas deverão ouvir e transcrever em forma de gráficos os sons realizados.
84 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento
Na música orquestral ou de concerto, utiliza-se o termo movimento para nomear as partes de uma
composição musical. Por exemplo, o Concerto para piano n-o 5 em Mi bemol maior, Op. 73 de Ludwig van
Beethoven, está estruturado em três partes ou movimentos: I. Allegro em Mi bemol maior; II. Adagio un
poco mosso em Si maior, III. Rondó: Allegro ma non troppo em Mi bemol maior.
Os termos Allegro e Adagio são provenientes da língua italiana e indicam o andamento dos movi-
mentos, ou seja, a velocidade em que as peças musicais devem ser executadas. Alguns termos que in-
dicam andamentos podem também sugerir a atmosfera emocional das peças musicais. Assim, allegro
poderia ser traduzido para o português como alegre e ligeiro; adagio un poco mosso poderia ser tradu-
zido como lento, mas avançando; e allegro ma non troppo seria algo parecido com “alegre ou rápido,
mas não muito”.
Na música popular, o andamento e a atmosfera das músicas geralmente estão relacionados com os es-
tilos ou gêneros. Por exemplo: os boleros costumam ser lentos e tristes; o frevo e o samba-enredo costu-
mam ser mais acelerados e alegres.

FELIX LIMA/ FOLHAPRESS

Foto de apresentação da orquestra da Osesp interpretando Beethoven sob a regência do maestro espanhol Rafael Frühbeck de Burgos na
Sala São Paulo, em São Paulo (SP). Foto de 7 de março de 2011.
8
§ Ouça, na faixa 8 do CD, os fragmentos iniciais dos três movimentos do Concerto para piano n-o 5
em Mi bemol maior, Op. 73, de Ludwig van Beethoven.
Reproduza os fragmentos para os estudantes ouvirem e ajude-os a relacionar os nomes dos andamentos a cada movimen-
to do concerto. Promova uma discussão para verificar se os nomes dos andamentos parecem adequados à velocidade e à
atmosfera musical da peça.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 85


Pulsação
Ao ouvir uma canção, o ato de bater os pés no chão ou bater palmas repe-

RSTOCK
SHUT TE
tidamente são formas de acompanhar a pulsação da música. O termo pulsação,

DELLA/
em música, pode ser pensado a partir de uma analogia com o pulso

PETER GU
da circulação sanguínea, dos batimentos do coração, dos movimen-
tos respiratórios e das pisadas em uma caminhada. São pulsos que se
repetem regularmente e que podem ser medidos no decorrer do tempo.
A música também ocorre no passar do tempo e, por isso, a fre-
quência de suas pulsações pode ser medida. Para isso utiliza-se um metrô-
nomo, que é um aparelho, mecânico ou eletrônico, que emite pulsos sono-
ros em intervalos regulares de tempo. Os músicos utilizam metrônomos em
gravações ou quando estão estudando para manter uma pulsação constante
ao longo de uma música ou em algumas de suas partes. Cada som produ-
zido pelo metrônomo é chamado de batimento por minuto. Os intervalos
de tempo entre os pulsos e que são gerados pelo metrônomo podem ser
regulados de acordo com o andamento desejado para a música, ou seja,
pode-se ajustar o metrônomo para produzir diferentes quantidades de
batimentos por minuto (BPM). Quanto maior o número de BPM, menor
será o intervalo de tempo decorrido entre um pulso e outro. Na práti-
ca, se o número de BPM aumentar, o pulso será acelerado, aumentan-
do a velocidade das batidas e, consequentemente, o andamento da
Fotos de diferentes tipos de
música. Pode-se então dizer que o andamento está relacionado à velocida-
metrônomos. Acima vê-se um
de do pulso de uma música ou de um de seus trechos. metrônomo mecânico que utiliza um
Na maior parte da música popular e da música de concerto ocidentais do pêndulo para a regulação do pulso.
Abaixo vê-se um metrônomo eletrônico.
final da Idade Média até o século XX, o tempo é geralmente organizado para es- Existem também vários metrônomos
tabelecer uma pulsação regular, que pode ser acompanhada com batidas dos digitais disponíveis gratuitamente na
pés ou com palmas. internet para uso online.
A pulsação e o andamento da música são alguns dos principais
REPRODUÇÃO

elementos de ligação entre o som musical e o movimento corporal na


dança. Assim, além do movimento sonoro relacionado às variações de
alturas dos sons, podemos entender também movimento em música
por meio de seu pulso e de seus andamentos. O que se ouve na mú-
sica em forma de pulso e andamento pode ser visualizado em forma
de movimento nos corpos dos bailarinos em vários tipos de dança.
Leia agora um trecho de um artigo que o músico, ensaísta e compositor
brasileiro José Miguel Wisnik (1948-) escreveu sobre o papel da música nas cria-
ções do Grupo Corpo, um dos principais grupos de dança do Brasil. Para ele,
as músicas criadas para os espetáculos do grupo são transformadas em movi-
mento pelos corpos dos bailarinos.

86 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento


Grupo Corpo: a música do movimento

Desde os anos 1990, o Grupo Corpo vem encomendando de compositores da música popular brasi-
leira as trilhas originais para seus espetáculos. Marco Antonio Guimarães, Arnaldo Antunes, Tom Zé,
João Bosco, + 2, Caetano, Lenine, Samuel Rosa fizeram, para dança, experiências que certamente não
fariam no rumo central de suas carreiras. Uma trilha de mais de 40 minutos, toda voltada para a cena
dançante, predominantemente instrumental, e guiada por um fio condutor, é muito diferente do costu-
meiro álbum de canções a que quase todos estão acostumados. [...]
Tive a sorte de participar desse processo desde 1993, quando fui convidado pelo diretor artístico
Paulo Pederneiras para fazer a música de “Nazareth”. [...]

JANETE LONGO/ ESTADÃO CONTEÚDO

Foto da coreografia “Sem mim” do Grupo Corpo, em São Paulo (SP). Foto de 3 de agosto de 2011.

No trabalho do Grupo Corpo, a música tem o privilégio de ser o disparador do espetáculo todo: a
partir dela nascem a coreografia, o cenário, a luz, os figurinos. [...] Feita a música, ela passa por um
processo de transfiguração em movimentos corpóreos (nós, os músicos, temos então a felicidade única
de ver a música acontecer literalmente aos nossos olhos) e de visualização inteligente e também trans-
figuradora do espaço cênico, que integra e multiplica o que se dança.
WISNIK, José Miguel. Grupo Corpo: a música do movimento. 5 set. 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/
livros/grupo-corpo-musica-do-movimento-17407571#ixzz3yNMzJMu2>. Acesso em: 27 jan. 2016.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 87


Utilizando instrumentos musicais capazes de produzir sons de di- Objetivo
ferentes alturas (por exemplo, flauta, violão ou teclado) e com as vo-  Vivenciar possibilidades de
combinação de alturas de
zes dos estudantes e do professor, a turma irá compor uma peça sons a partir da criação de
musical que será chamada “Melodia de alturas”. Isso quer dizer que a uma pequena peça sonora.
música deverá combinar diferentes alturas.
Primeiramente, descubram os sons de altura oposta e testem quais os Devido à sua complexidade, a
atividade deverá ser desenvol-
sons mais graves e os mais agudos que as próprias vozes são capazes de vida em mais de uma aula para
produzir. Testem também os sons mais graves e agudos de cada instru- que seja realizada com sucesso.
À medida que o trabalho for pro-
mento musical disponível.
gredindo, poderão ser adiciona-
Depois, explorem os sons de altura intermediária que podem ser pro- dos novos objetivos, como o es-
duzidos com as vozes e os instrumentos que têm à disposição. tabelecimento de pulsações e a
alteração de andamentos. Se jul-
Vocês podem se dividir em subgrupos, sendo que cada subgrupo fi-
gar interessante, organize uma
cará responsável pela execução de um som ou de uma sequência de sons apresentação dos resultados para
de determinada modalidade de altura (grave, agudo ou intermediário). toda a escola em algum evento ou
organize uma mostra musical en-
Em seguida, organizem os momentos em que cada modalidade de tre as turmas que estejam desen-
altura deverá ser executada, formando uma sequência de sons de dife- volvendo esse mesmo conteúdo.
rentes alturas. Quando um som termina, outro começa. Vocês podem
também combinar sons de diferentes alturas que serão executados ao
mesmo tempo e ter subgrupos que executarão sons ligados em movi-
mento sonoro.

Atenção: lembrem-se de inserir instantes de silêncio em alguns


momentos.

Dicas
 Façam um revezamento de modo que um estudante fique respon-
sável por anotar a sequência de sons que todos acharem interes-
sante, para criar um registro da composição.
 Inicialmente, o professor poderá ser o regente, ou seja, aquele
que determina por quanto tempo cada subgrupo deverá produ-
zir cada tipo de som, combinando subgrupos e inserindo momen-
tos de silêncio. Depois, caso queiram, algum estudante poderá ser
o regente.
 Se possível, gravem as sequências para ouvir posteriormente e per-
ceber as diferentes alturas de sons presentes na peça produzida.

88 CAPÍTULO 5 | Música e Movimento


Neste capítulo, foi possível pensar a música também como som em movimento por meio da combi-
nação de alturas em sons ligados. O som precisa do espaço para se propagar de sua fonte sonora até as
orelhas, e as diferentes frequências que formam os sons dão sensações de movimento sonoro, do grave
ao agudo, e vice-versa. Também se observou que o silêncio pode fazer parte das composições musicais
em instantes conhecidos como pausas. Em um mundo cada vez mais barulhento, é importante saber va-
lorizar e preservar momentos e ambientes silenciosos no dia a dia.

RODA DE CONVERSA
Em grupos de cinco estudantes, selecionem uma música para compartilhar com os outros grupos.
Se possível, levem o CD ou o áudio da música para a sala de aula para que todos possam ouvir juntos.
Depois de ouvir as músicas trazidas pelos colegas, conversem sobre a altura dos sons e sobre o anda-
mento delas e respondam:
1. Qual é o título da música? Quem é o intérprete? E o compositor?

1. Resposta pessoal.

2. Como você percebe os movimentos sonoros no canto, os contrastes entre os graves e os agudos
nos instrumentos musicais e as mudanças no andamento da música escolhida pelo grupo?
2. Analise pequenos trechos das músicas trazidas pelos estudantes, em que os contrastes entre planos de altura e andamen-

to forem mais evidentes. Aproveite para identificar se há instantes de silêncio na música ou se algum instrumento ou mes-

mo a voz que canta não são ouvidos em algum momento. Verifique se a melodia realiza movimentos sonoros amplos ou se

está mais próxima à fala cotidiana; chame atenção para o desenho dos instrumentos graves como contrabaixo, se houver,

e agudos, como solos de guitarras ou violinos; chame atenção para as pulsações e os andamentos de cada música e se há

mudanças de andamento no seu decorrer.

Música e Movimento | CAPÍTULO 5 89


6
DANÇA, TEATRO Conteúdos
 Artes híbridas

E MOVIMENTO
 Teatro gestual
 Dança-teatro
 Dança moderna

Se possível, assista com os estudantes ao vídeo “O mascareiro” (The mask maker), de Marcel Marceau, encontrado em alguns sites de
vídeo na internet. A cena foi gravada nos anos 1950 e narra, por meio da mímica e Dance, dance... Senão estamos perdidos.
sem o uso de palavras, a história de um mascareiro que experimenta várias máscaras invisíveis, transformando completamente sua
expressão facial e forma de mover-se a partir de cada uma das máscaras. Em um dos trechos, é Pina Bausch, coreógrafa alemã.
curioso observar, por exemplo, como a face do ator permanece imóvel em uma expressão de alegria, enquanto seu corpo demonstra
o desespero por não poder tirar a máscara alegre.

MICHEL BOUTEFEU/ GETTY IMAGES

Foto de “Mounsier Bip”, personagem do lendário mímico Marcel Marceau (1923-2007), que desenvolveu um teatro baseado no gesto e sem a
utilização de palavras em cena. Foto no Geffen Playhouse, de 31 de julho de 2002, Westwood, Califórnia.

Este capítulo pretende mostrar como o movimento é essencial e pode conectar diversas áreas do conhe-
cimento artístico. Serão exploradas relações entre diferentes áreas e as semelhanças e diferenças entre a dan-
ça e o teatro. Serão observados movimentos como o teatro gestual e a dança-teatro, sendo este último
importante para a criação do que hoje se conhece como dança moderna. Também será abordada a capoeira,
uma expressão artística brasileira que une música, dança e luta.

90 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


A classificação de expressões como teatro, dança e música é uma característica ocidental, determinada
por uma forma compartimentada de entender o mundo. No oriente, assim como em algumas expressões cul-
turais brasileiras, há diversas expressões artísticas em que as palavras “teatro”, “dança” ou “música” não podem
ser utilizadas para defini-las completamente.
A divisão entre as artes acabou concedendo o movimento do corpo à dança, enquanto a palavra se ligou
essencialmente ao teatro. Essa separação vem sendo questionada desde o final do século XIX, tanto no campo
do teatro quanto no da dança, como será visto a seguir.

RODA DE CONVERSA
A partir das questões a seguir, converse com os colegas e com o professor sobre teatro e dança.
Procure lembrar-se também de alguma apresentação a que você já tenha assistido.
1. Para você, quais são as principais diferenças entre o teatro e a dança? Cite duas ou três delas e
explique-as.
1. Resposta pessoal.

O estudante pode exemplificar algumas diferenças, como: no teatro é mais comum haver personagens que na dança, à ex-

ceção do balé de repertório; na dança é mais comum que os movimentos sejam mais complexos que no teatro, à exceção

do teatro físico ou gestual; no teatro é mais comum haver palavras ditas pelos atores que na dança; na dança é mais comum

haver música durante toda a obra do que no teatro, à exceção do teatro musical. Como foi observado, cada vez que se bus-

ca uma diferença, é necessário apontar as exceções, o que acaba reforçando ainda mais as semelhanças entre o teatro e a

dança contemporâneos. Ainda assim, algumas dessas respostas podem servir para conduzir essa roda de conversa inicial.

2. O teatro e a dança possuem características em comum? Quais? Citem duas ou três semelhanças
principais e explique-as.
2. Pode-se exemplificar algumas semelhanças: tanto na dança como no teatro, normalmente, há um espaço de representa-

ção no qual ficam os atores e os bailarinos, e um espaço no qual ficam os espectadores ou público; há movimento em cena;

a música, as luzes, os figurinos e os cenários são elementos importantes da obra e contribuem para seu sentido e para as sen-

sações que pretende provocar; a obra se dá no momento de encontro entre público e artistas.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 91


Artes híbridas
Arte híbrida é a arte que não pode ser definida da forma tradicional (teatro,
dança, música ou artes visuais) e que é o resultado de um entrecruzamento de
elementos de um ou mais campos artísticos em sua criação e exibição ao público.
Quando se pensa na profissão do ator, é comum vir à memória a ima-
gem de um artista que se comunica essencialmente pela fala ou pela expres-
são facial. Da mesma forma, quando se pensa em dança, é comum imaginar
bailarinos se movimentando pelo palco, sem a utilização de palavras. Porém,
o teatro também pode ser o corpo em movimento e a dança também pode
ser palavra. Um exemplo de arte híbrida, unindo teatro, música e dança, é a
Ópera de Pequim, expressão artística e cultural da China.

Ópera de Pequim e História

A Ópera de Pequim é uma expressão artística chinesa que une música, dança e teatro, originária das
primeiras peças musicais realizadas durante a dinastia Ming (1368 a 1644). Começou a se desenvolver no
século XVIII, durante a dinastia Ching (1644 a 1911), como uma arte que une canto, recitação, música, dan-
ça, e acrobacia com figurinos e objetos de cena complexos, em um palco destituído de cenário ou outros
elementos decorativos. Segundo Margot Berthold, no livro História mundial do teatro, sobre a Ópera de
Pequim, “o ator atua num palco vazio. Não conta com nenhum acessório externo para ajudá-lo. Tem de
criar tudo unicamente por meio de seus movimentos – a ação simbólica, como também a ilusão espacial.
É ele quem sugere o cenário e torna visíveis os acessórios cênicos inexistentes” (p. 67).
Na imagem ao lado, é pos-

CHINA STOCK PHOTOS/ GLOWIMAGES


sível perceber a beleza das co-
res, do vestuário e da gestuali-
dade de um personagem da
Ópera de Pequim contemporâ-
nea. Observe a expressividade
de seus olhos e boca, atrela-
dos à delicadeza das mãos no
manuseio de objetos.

Foto de personagem feminina da Ópera de


Pequim. Foto de 3 de dezembro de 2009.

92 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


Não é só no continente asiático que teatro, dança e música estão inti-
mamente relacionados. Na cultura brasileira – de matrizes indígenas, africa-
nas, portuguesas, espanholas, entre outras – há muitas manifestações que
englobam diferentes campos artísticos. Esse assunto será tratado de maneira
mais completa na Unidade 4. De momento, vejamos o caso da capoeira, pa-
trimônio cultural da humanidade reconhecida pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2014.
Em 2008, a roda de capoeira e o ofício de mestre de capoeira foram regis-
trados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esses
reconhecimentos nacionais e internacionais contribuem para que a capoeira
seja valorizada, bem como seus mestres e praticantes, e para a continuidade
dessa tradição brasileira.

Capoeira e cultura brasileira

Não há consenso sobre a origem da capoeira mesmo entre os estudiosos e mestres que a ensinam e
a praticam. Alguns afirmam que a capoeira se originou na África e veio ao Brasil trazida pelos africanos da
família linguística banto, procedentes, sobretudo, da região de Angola, influenciada pela dança e luta afri-
cana conhecida como N´golo. Outros dizem ser uma manifestação surgida já em terras brasileiras.
Atualmente, a capoeira é amplamente praticada no Brasil, sendo uma das expressões culturais brasilei-
ras mais conhecidas no mundo todo. Assim como a Ópera de Pequim, a capoeira é uma manifestação hí-
brida, pois inclui jogo, música, dança, brincadeira, acrobacia e luta.
A capoeira se divide em duas formas mais conhecidas: capoeira angola e capoeira regional. Na capoeira
angola, o jogo entre os capoeiristas é mais fechado e os movimentos acontecem majoritariamente no pla-
no baixo, ou seja, mais próximos do chão, com um contato direto entre os participantes.
ACERVO PESSOAL

Reproduza a faixa 9 do CD
de áudio e ouça trechos do
toque dos instrumentos e
cantos da capoeira angola
e da capoeira regional.

Foto de roda de capoeira angola do


grupo Calunga, de Goiânia (GO). Foto
de 2014.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 93


O andamento da música da capoeira angola é mais lento do que o da capoeira regional. Essa diferença sugere também o an-
damento do jogo dos capoeiristas, uma vez que é o toque do berimbau que determina a velocidade do jogo.

Por sua vez, a capoeira regional possui um

CESAR DINIZ/ PULSAR IMAGENS


jogo mais aberto entre os capoeiristas, dando
espaço, inclusive, para movimentos mais di-
nâmicos e acrobáticos.
Observem, agora, a diferença no anda-
mento das músicas, que também determi-
nam diferenças nas práticas corporais da ca-
poeira. A tradição da capoeira é bastante
ampla, envolvendo movimentos e “golpes”
do jogo, a cantoria das músicas, o toque dos
instrumentos e o desenvolvimento de uma
Foto de roda de capoeira regional da Associação de Capoeira Sereia do Mar
movimentação característica dessa arte. comemorando o dia de Iemanjá às margens do açude Vilobaldo Alencar no
município de Ruy Barbosa (BA). Foto de fevereiro de 2014.

Se possível, convide um mestre, contramestre ou praticante de capoeira para dividir suas experiências com os estudantes.
Em duplas, pesquisem imagens que representem a prática da capoeira. Depois de selecionadas, analisem al-
guns aspectos como: as roupas dos participantes, os instrumentos e, principalmente, os movimentos. Anotem,
em uma folha de papel avulsa, as informações discutidas sobre cada imagem e compartilhem com os colegas.
Na capoeira há uma atividade conhecida como “arranca-rabo”. Essa atividade é utilizada por mestres de ca-
9
poeira para ensinar aos praticantes as diferentes formas de se movimentar, atacando e se defendendo.
Como o ritmo é fundamental na capoeira, a atividade será realizada em duas etapas: primeiro, ao som
dos toques e cantos da capoeira angola, depois da capoeira regional. Em duplas, primeiro, um de vocês
irá amarrar um balão na cintura. Aquele que estiver com o balão deve assumir uma postura de defesa, en-
quanto o outro ataca o balão, tentando estourá-lo. Depois, vocês invertem os papéis de ataque e defesa.
Tentem reproduzir os movimentos retratados nas imagens pesquisadas anteriormente.
Em círculo, compartilhem suas impressões ao criar os movimentos de ataque e/ou de defesa dos ba-
lões e sobre os movimentos criados pelos demais colegas.
1. Qual a influência do tipo da música, capoeira angola ou regional, na criação e execução dos movimentos?
1. Os primeiros movimentos são feitos durante a execução de uma música de capoeira angola, que tem o andamento mais
lento, por isso normalmente é acompanhada por movimentos mais lentos. Já a capoeira regional possui um andamento
mais rápido, que exige, portanto, movimentos mais rápidos.

2. Como esses movimentos se diferem ou se assemelham aos seus movimentos do cotidiano?


2. Resposta pessoal.

3. Foi mais fácil se movimentar com a música mais rápida ou com a música mais lenta?
3. Resposta pessoal.

94 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


Teatro gestual
Na virada do século XIX para o século XX, vários atores e diretores passa-
ram a buscar uma forma de teatro que se voltasse mais ao corpo, desvinculan-
do o teatro da palavra como forma primordial ou única de expressão. Nesse
período, foram incluídas disciplinas corporais, como acrobacia, ginástica rítmi-
ca, esgrima, entre outras, nos principais conservatórios europeus de teatro. Essa Pantomima: arte de narrar por meio
atenção ao corpo do ator acabou dando origem ao teatro gestual, entre outros do movimento corporal e das ex-
pressões faciais podendo prescindir
movimentos teatrais com princípios parecidos. O teatro gestual também pode
da palavra, por exemplo, a obra O
ser considerado uma arte híbrida, pois tem em sua expressividade elementos mascareiro, de Marcel Marceau.
técnicos e estéticos do teatro, do circo, da pantomima e da dança.
De acordo com Patrice Pavis, teórico francês do teatro, no Dicionário de
teatro, o teatro gestual é uma “forma de teatro que privilegia o gesto e a ex- Disponível em: <www.
dosadeux.com/spip.
pressão corporal sem, todavia, excluir a priori o uso da fala, da música e de to- php?article593&lang=pt_
dos os recursos cênicos imagináveis. Esse gênero tende a evitar não só o teatro br>. Acesso em: 4 nov. 2015.
de texto, mas também a mímica, muitas vezes escrava demais da linguagem Acesse a página da Cia. Dos
codificada e narrativa da pantomima clássica à Marcel Marceau, para fazer do a Deux e assista a um vídeo
com trechos do espetáculo
corpo do ator o ponto de partida da cena e mesmo da fala, na medida que o Irmãos de sangue. A obra
ritmo, a frase, e a voz são concebidos como gestos expressivos.” (p. 391). em questão trata da relação
entre três irmãos e sua
Há vários grupos teatrais que trabalham com o teatro gestual. Dentre eles,
mãe, e tem início com o
destaca-se a Cia. Dos a Deux, criada pelos brasileiros Artur Ribeiro e André Curti velório da mãe e a reunião
na última década do século XX, na França. Seus espetáculos trabalham uma dos três irmãos já adultos.
A partir dessa reunião, eles
técnica corporal muito precisa, utilizando elementos do teatro, da dança e do começam a relembrar os
circo, explorando a manipulação de objetos, bonecos e elementos móveis do ce- momentos da infância e a
nário. Por serem sem palavras, são apresentados para públicos de diversas nacio- reconstruir uma delicada
trama familiar que os une.
nalidades, facilitando a comunicação e a circulação da obra por todo o mundo.
Sobre o boxe “Arte para assistir”, in-
XAVIER CANTAT/ CIA. DOS A DEUX

centive os estudantes a observarem


como é possível criar uma narrativa
de situações e conflitos dramáticos
por meio de imagens sem o uso de
palavras. Na mesma página, há ou-
tro vídeo mostrando um pouco a
forma como o espetáculo foi idea-
lizado. Mesmo estando em francês,
vale a pena assistir.

Foto de cena do espetáculo Irmãos de


sangue, da Cia. Dos a Deux dirigida por
André Curti e Artur Luanda Ribeiro.
O espetáculo originalmente estreou em
Paris, em março de 2013.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 95


Artes cênicas e deficiência física

A busca do movimento nas artes cênicas contemporâneas não passa, necessariamente, pela ideia de
“perfeição” dos corpos normalmente atribuída aos bailarinos de danças clássicas. Muitos grupos começaram
a construir suas obras a partir da incorporação da deficiência física ao vocabulário de seus movimentos com
resultados artísticos instigantes e provocativos.
A companhia francesa MPTA – Les mains, les pieds et la tête aussi (As mãos, os pés e a cabeça também), por
exemplo, trabalha com dança, teatro e circo em suas obras. Um de seus artistas teve uma perna amputada em
decorrência de uma doença. Depois desse acontecimento, o grupo passou a explorar seus movimentos co-
reográficos partindo das possibilidades e impossibilidades dessa perna “ausente”. O espetáculo Nós somos se-
melhantes a esses sapos... trata de um triângulo amoroso, interpretado de forma impressionante pelo artista que
perdeu uma das pernas e seus dois colegas da companhia. Em cena, é possível observar um compartilhamen-
to de pernas, braços, cabeças e muletas na qual os personagens e seus corpos se confundem propositalmente.
MANON VALENTIN/ DIVULGAÇÃO

Foto de cena da peça Nós somos semelhantes a esses sapos…, da companhia MPTA com os atores Artémis Stavridi, Mathurin Bolze e Hedi
Thabet na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, ocorrida em março de 2014.

Se possível, proponha aos estudan-


tes que assistam aos trechos des-
Disponível em: <www.ntl.matrix.com.br/rodaviva/html/ sa peça na internet, disponível na
companhia.htm>. Acesso em: 4 nov. 2015. página da Mostra Internacional de
Teatro de São Paulo (MIT), de 2014:
A Companhia Roda Viva de Dança, do Rio Grande do Norte, trabalha com pessoas com <http://mitsp.org/2014/portfolio/
deficiência física. A companhia surgiu em 1995, a partir de dois projetos de extensão da nos-somos-semelhantes-a-
Universidade Federal do Rio Grande Norte, que reunia professores da área de fisioterapia esses-sapos-ali>. Acesso em: 13 maio
e de dança no trabalho com pessoas com lesão medular, unindo os contextos da saúde, 2016.
da socialização e da arte. A repercussão dos espetáculos da companhia garantiu sua
continuidade e participação em diversos festivais de Artes Cênicas no Brasil e no exterior.

96 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


Dança, teatro e cinema
Observe uma das cenas do filme Pina, do cineasta alemão Win Wenders.
LAURENT PHILIPPE/ DIVULGAÇÃO

Fotograma do filme Pina, de Win Wenders, sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch. O longa-metragem foi filmado em 3D com o elenco do
Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.

“É dança? É teatro? Ou é apenas vida?” Essas perguntas aparecem no início do trailer oficial do filme que,
em 2011, levou às telas do cinema o trabalho da bailarina e coreógrafa Pina Bausch (1940-2009), responsável
pela criação do movimento artístico conhecido como dança-teatro.
Iniciadas na Alemanha entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, as criações de artistas europeus des-
se período demonstram que o teatro e a dança não podem ser compreendidos por separações, mas sim pela
união de seus principais elementos: o movimento e a palavra.
Já foi dito anteriormente que o teatro também é o corpo em movimento e a dança também pode ser palavra.
A dança-teatro de Pina Bausch leva ao palco o movimento da vida e se nutre da necessidade de expressão huma-
na. A expressão “dança-teatro” define, até os dias atuais, a necessidade que os artistas europeus do início do século XX
tiveram de criar obras que expressavam as angústias vividas nas situações de guerra, e entreguerras, misturando e co-
nectando o uso dos elementos cênicos, que até então representavam as duas áreas do conhecimento: o movimento,
que representava a dança, e a palavra, que representava o teatro.
A expressão dança-teatro continua a ser usada para definir uma das correntes mais consolidadas da dan-
ça moderna, que surge impulsionada pela dança expressionista alemã, uma dança caracterizada pelas an-
gústias da Alemanha do período entreguerras, entre 1920 e 1950, e que expressa os sentimentos sombrios vi-
vidos pelo ser humano daquele período.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 97


Para a próxima atividade, se possível, assista ao trailer do filme Pina, de Win Wenders, com os estudantes. Ele pode ser encontrado em
diversos sites que disponibilizam vídeos na internet. No trailer aparecem as seguintes palavras: vida, amor, liberdade, esforço, sauda-
de, alegria, desespero, reencontro, beleza e força.
Os artistas Pina Bausch, Mary Wigman (1886-1973) e Kurt Jooss expressa-
ram, por meio de suas coreografias e de seus próprios movimentos de dança, as
Pina
questões políticas, econômicas e sociais de um período de conflitos.
Direção: Win Wenders.
Já o termo dança moderna é mais amplo e define a dança que sur- Alemanha: Imovision.
ge no início do século XX na Europa, mas que se propaga e se transforma Ano: 2011.
Duração: 106 min.
ao chegar nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, questionan-
Win Wenders, cineasta
do os padrões de movimento e a estética estabelecidos pelo balé clássico.
alemão, fez um filme em
Nesse período, destacam-se artistas que propõem movimentos mais relacio- homenagem ao trabalho de
nados ao cotidiano dos indivíduos e às aspirações do ser humano comum. Pina Bausch, no qual registra
tanto o processo criativo da
Isadora Duncan (1877-1927), Rudolf Laban, Doris Humphrey (1895-1958), Ruth coreógrafa alemã, quanto seus
St. Denis (1879-1968) e Ted Shawn são alguns dos principais nomes entre os espetáculos. Assista ao filme
que ficaram conhecidos como a primeira geração da dança moderna. para conhecer mais sobre o
trabalho desta coréografa.

Aproveite as práticas deste boxe para desenvolver com os estudantes as noções de


Que tal associar as palavras aos movimentos que você pode criar Objetivos
concentração, atenção e engajamento, bastante necessárias ao § Fruir e criar movimentos.
com o corpo? desenvolvimento dos processos criativos.
§ Motivar processos de criação
§ O professor vai escrever dez palavras na lousa e, em grupos de até do movimento inspirados nos
quatro estudantes, anotem as palavras em pedaços separados de pa- princípios da dança moderna
e da dança contemporânea,
pel. Vocês poderão utilizar as dez palavras, ou somente algumas delas. privilegiando a diversidade
§ Agora, escolham um movimento para representar cada palavra que o dos corpos e as inúmeras
possibilidades de movimento
seu grupo anotou no papel. Por exemplo, se o grupo selecionar a pa-
dos participantes.
lavra “alegria”, que movimento o grupo encontrará para representá-la?
§ Depois de escolhido um movimento para cada palavra, dobrem todos os papéis. Uma pessoa do
grupo deverá sortear a ordem de execução dos movimentos abrindo um dos papéis. O primeiro pa-
pel aberto conterá a palavra que representará o primeiro movimento da sequência a ser criada, e as-
sim por diante.
§ Após sortear todas as palavras, façam a sequência de movimentos na ordem do sorteio. Se foram es-
critas dez palavras, o grupo terá uma sequência de dez movimentos.
§ Em um segundo momento, vocês compartilharão as sequências de movimentos criadas com os outros
grupos da turma, em cinco versões:
Versão 1: Os grupos compartilham a sequência criada com os outros grupos da sala, associando cada
movimento a um número e dizendo esse número em voz alta.
Versão 2: Os grupos compartilham a sequência criada com os outros grupos da sala, em silêncio.
Versão 3: Os grupos apresentam a sequência criada associando cada movimento a um som.
Versão 4: Os grupos apresentam a sequência dizendo a palavra que gerou cada movimento.
Versão 5: Por último, os grupos apresentam juntos as sequências elaboradas ocupando os diferentes
espaços da sala, e seguindo as diretrizes anteriores (repetindo os números, em silêncio, associando os mo-
vimentos aos sons e, por fim, dizendo a palavra que gerou cada movimento).

98 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


Motivados pelo significado das palavras anotadas, ao criar movimen-
tos e ao compartilhar com os outros integrantes da turma as várias versões
das sequências de movimentos criadas pelo grupo, foram reproduzidas al-
gumas qualidades do movimento. Percebam que é infinito o potencial cria-
tivo do corpo em movimento e que os movimentos criados possuem diver-
sas qualidades. “Nossos corpos em movimento têm um grande potencial
expressivo, criativo, comunicativo.” (MARQUES, 2012, p. 58).
Um dos grandes estudiosos do movimento humano, o coreógrafo aus-
tro-húngaro Rudolf Laban (1879-1958) afirmava que:

[...] o movimento [...] revela evidentemente muitas coisas diferentes. É o


resultado, ou da busca de um objeto dotado de valor, ou de uma condição
mental. Suas formas e ritmos mostram a atitude da pessoa que se move
numa determinada situação. Pode tanto caracterizar um estado de espírito
e uma reação, como atributos mais constantes da personalidade.
LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo, Summus, 1978. p. 20. Apud
MARQUES, Isabel. Interações: criança, dança e escola. São Paulo: Blucher, 2012. p. 58.

O movimento humano é formado pelo corpo, que se move de várias


formas e utiliza diferentes dinâmicas em um determinado espaço e tempo.
Portanto, ao criar ou executar movimentos, você está se relacionando com o
tempo e com o espaço. Na dança-teatro, esses movimentos são associados
às emoções que os geram. Com as ações dos corpos, as emoções podem se
transformar em movimentos, diminuindo as fronteiras entre duas áreas de
conhecimento que se completam e se integram: a dança e o teatro.
Ao falar das diferenças e das semelhanças entre o teatro e a dança, é im-
portante lembrar que, muitas vezes, tanto coreógrafos e diretores de teatro,
como os intérpretes da dança ou do teatro têm uma intenção em comum: ex-
pressar as ações do homem em um determinado espaço e em um determi-
nado tempo.
Quando o alemão Kurt Jooss (1901-1979), influenciado por suas expe-
riências no teatro alemão, fez uso de uma mesa verde, de máscaras e do rit-
mo marcante de uma música, ele tinha como objetivo expressar por meio de
movimentos ritmados a discussão política das negociações de paz que ocor-
reram na Alemanha de 1930.
Ao criar essa obra, tornou-se pioneiro na utilização do movimento em
espaços inusitados, uma vez que a obra inteira acontece em torno de uma
mesa, e, para ele, a eliminação das falas nas cenas de A mesa verde aumenta
a qualidade do movimento.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 99


Outro elemento importante que revela o caráter híbrido dessa obra é Peça aos estudantes que observem
as imagens com atenção e pergun-
a utilização das máscaras, identificadas historicamente com o teatro, como
te o que eles acham que essas cenas
forma de esconder o rosto dos intérpretes e revelar a imagem da máscara representam. Essa atividade pre-
contribuindo para a identificação caricatural e paródica dos corpos em mo- tende incentivar a leitura de ima-
gens como estratégia para fruição
vimentos com os políticos. artística. Se preferir, imprima es-
Agora, observe a sequência de cenas abaixo. sas imagens e leve-as para sala de
aula em tamanho
KURT JOOSS, 1932, PARIS, FRANÇA

maior para facilitar a


visualização.
AKG-IMAGES/ LATINSTOCK

Fotos de cenas da primeira montagem de A mesa verde, no Théâtre des Champs-Élysées. Foto de 3 de julho de 1932, Paris.

100 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


1. Resposta pessoal. O movimento humano pode sofrer modificações e pode ser executado em um ritmo mais lento ou mais
rápido, assim como pode ser executado nos diferentes planos do espaço (baixo, médio e alto) e em diversas direções (para
frente, para o lado, para cima, para baixo). Deixe que os estudantes exercitem o seu potencial criativo nessa atividade.

Artes cênicas e Língua Portuguesa

A paródia é uma figura de linguagem utilizada amplamente na Literatura e em textos de propa-


ganda. Trata-se de recuperar elementos de uma referência conhecida por todos e mudar sua forma
causando um efeito cômico. No caso da A mesa verde, de Kurt Jooss, a referência é a política alemã
do pós-guerra, o uso das máscaras, dos ritmos e dos movimentos que denotam um automatismo,
entre outros elementos, que provocam um efeito cômico em relação aos políticos. Para que a paró-
dia seja eficaz, é importante que o público tenha conhecimento das referências da obra. Em A mesa
verde, mesmo não conhecendo os políticos específicos da Alemanha pós-guerra, pode-se traçar um
paralelo da coreografia com situações vivenciadas nas mesas de negociações políticas no mundo
inteiro, inclusive no Brasil.

Assista com os estudantes a trechos de A mesa verde, de Kurt Jooss; para isso digite em um site de buscas as palavras “kurt jooss
a mesa verde” e selecione o vídeo desejado.

Neste capítulo, foi explorada a utilização dos movimentos do corpo como elemento essencial para a
conexão entre a dança e o teatro. Você conheceu o teatro gestual; a relação entre música, dança e luta pro-
posta pela capoeira e alguns elementos que unem o teatro aos movimentos da dança moderna. Para enten-
der ainda mais a importância do movimento para a dança e para o teatro, uma vez que ambos os campos
do conhecimento artístico refletem as experiências vivenciadas pelo ser humano ao longo da vida, vale
lembrar o que disse uma vez Pina Bausch: “não estou preocupada com como as pessoas se movem, mas
sim com o que move as pessoas”.
2. Resposta pessoal. As ações do cotidiano, quando sistematizadas em uma sequência de movimentos e associadas a um determina-
do ritmo, podem ser consideradas dança. Os coreógrafos da dança moderna e da dança contemporânea se utilizam bastante dessas

RODA DE CONVERSA
ações como inspirações para as suas criações coreográficas. Assim como atores se inspiram nos movimentos do cotidiano para
Para refletir sobre o que foi visto neste capítulo, conversem em grupo usando, além das palavras, os
criar cenas teatrais.
movimentos criados e executados pelo corpo nos momentos já vivenciados. Aqui serão relembrados
alguns dos movimentos criados nas atividades desenvolvidas.
1. Como os movimentos que foram criados pelo seu grupo e pela turma podem ser modificados?
2. Em sua opinião, como as ações do seu cotidiano poderiam se tornar dança ou uma cena de teatro?
Dê exemplos para justificar sua resposta.
3. É possível utilizar uma ou várias partes do corpo para criar e executar movimentos e cenas teatrais.
Que partes do corpo você utiliza para executar as ações do cotidiano citadas na atividade anterior?
3. Resposta pessoal. Não existe resposta certa ou errada. Todas as partes do corpo podem ser utilizadas e servir como estí-

mulo para criações em teatro e dança.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 101


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. (Enem) O simples fato é que, à medida que a cres-
O folclore é o retrato da cultura de um povo. cente margem a que chamamos de vanguarda
A dança popular e folclórica é uma forma de re- continua suas explorações sobre as fronteiras do
presentar a cultura regional, pois retrata seus va- som, qualquer definição se torna difícil. Quando
lores, crenças, trabalhos e significados. Dançar John Cage abre a porta da sala de concerto e en-
a cultura de outras regiões é conhecê-la, é de coraja os ruídos da rua a atravessar suas compo-
alguma forma se apropriar dela, é enriquecer a sições, ele ventila a arte da música com concei-
própria cultura. 1. Resposta: D. tos novos e aparentemente sem forma.
BREGOLATO, R. A. Cultura corporal da dança. São Paulo: Ícone, 2007.
SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991 (adaptado).

As manifestações folclóricas perpetuam uma


A frase “Quando John Cage abre a porta da sala
tradição cultural, é obra de um povo que a
de concerto e encoraja os ruídos da rua a atraves-
cria, recria e a perpetua. Sob essa abordagem,
sar suas composições”, na proposta de Schafer
deixa-se de identificar como dança folclórica
de formular uma nova conceituação de música,
brasileira
representa a
a. o Bumba meu boi, que é uma dança teatral
a. acessibilidade à sala de concerto como metá-
onde personagens contam uma história en-
fora, num momento em que a arte deixou de
volvendo crítica social, morte e ressurreição.
ser elitizada.
b. a Quadrilha das festas juninas, que associam
b. abertura da sala de concerto, que permitiu que
festejos religiosos a celebrações de origens
pagãs envolvendo as colheitas e a fogueira. a música fosse ouvida do lado de fora do teatro.
c. o Congado, que é uma representação de um c. postura inversa à música moderna, que de-
reinado africano onde se homenageia san- sejava se enquadrar em uma concepção
tos através de música, cantos e dança. conformista.
d. o Balé, em que se utilizam músicos, bailari- d. intenção do compositor de que os sons extra-
nos e vários outros profissionais para contar musicais sejam parte integrante da música.
uma história em forma de espetáculo. e. necessidade do artista contemporâneo de
e. o Carnaval, em que o samba derivado do ba- atrair maior público para o teatro.
tuque africano é utilizado como objeto de 3. (Enem) FABIANA, arrepelando-se de raiva.
contar ou recriar uma história nos desfiles. – Hum! Ora, eis aí está para que se casou meu fi-
2. (Enem) 2. Resposta: D. lho e trouxe a mulher para a minha casa. É isto
Era um dos meus primeiros dias na sala de constantemente. Não sabe o senhor meu filho que
música. A fim de descobrirmos o que deveríamos quem quer casa... Já não posso, não posso, não
estar fazendo ali, propus à classe um problema. posso! (Batendo com o pé). Um dia arrebento, e en-
Inocentemente perguntei: – O que é música? tão veremos! 3. Resposta: B.
Passamos dois dias inteiros tateando em
PENA, M. Quem casa quer casa. Disponível em: <www.
busca de uma definição. Descobrimos que tí- domíniopúblico.gov.br>. Acesso em: 7 dez. 2012.
nhamos que rejeitar todas as definições costu-
meiras porque elas não eram suficientemente As rubricas em itálico, como as trazidas no trecho de
abrangentes. Martins Pena, em uma atuação teatral, constituem

102 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


a. necessidade, porque as encenações preci- b.

BERTEL THORWALDSEN, 1821. PALAZZO BRERA, MILÃO


sam ser fiéis às diretrizes do autor.
b. possibilidade, porque o texto pode ser mu-
dado, assim como outros elementos.
c. preciosismo, porque são irrelevantes para o
texto ou para a encenação.
d. exigência, porque elas determinam as carac-
terísticas do texto teatral.
e. imposição, porque elas anulam a autonomia
do diretor.
4. No desejo de transcender a informação parcial As três graças, escultura de mármore
de Bertel Thorwaldsen, 1821.
que qualquer aspecto isolado de uma figura pode
Dimensões: 125,5 cm × 101,5 cm.
transmitir, o escultor neoclássico divisa estraté-
c.
gias para apresentar o corpo humano de múlti-

DEPOSITPHOTOS/ GLOW IMAGES


plas vistas. Seu interesse nos pontos de observa-
ção múltiplos provém de uma convicção de que
deve encontrar um ponto de vista ideal, que con-
terá a totalidade da informação necessária a uma
apreensão conceitual do objeto.
KRAUSS, Rosalind. Caminhos da escultura
moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 22.

Qual das imagens abaixo NÃO demonstra o


princípio exposto acima? 4. Resposta: D.
A dança, escultura de terracota
a.
de Jean-Baptiste Carpeaux, 1873.
ARALDO DE LUCA/ CORBIS/ LATINSTOCK

Dimensões: 228 cm × 142 cm.


d.
VANNI ARCHIVE/ ART RESOURCE, NY

As três graças, escultura de mármore As três sombras, escultura de bronze de


de Antonio Canova, 1813-1816. Auguste Rodin, 1902-1904.
Dimensão: 182 cm (altura). Dimensões: 188 cm × 180 cm × 76 cm.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 103


e. diferentes dos palcos dos edifícios teatrais é uma

MUSEU DO LOUVRE, PARIS


característica do teatro brasileiro contemporâneo.
Abaixo, estão relacionadas algumas motiva-
ções para a busca de espaços não convencio-
nais. Assinale a única alternativa ERRADA.

NELSON KAO
As três graças, escultura de mármore de
Jean-Jacquer Padrier, 1825. Dimensões:
172 cm × 102 cm × 45 cm.
5. Em seu Dicionário de teatro, o estudioso francês
Patrice Pavis define o Teatro Gestual como:
Forma de teatro que privilegia o gesto e a ex-
Foto do espetáculo BR-3 do Teatro da Vertigem encenado no
pressão corporal sem, todavia, excluir a priori o
Rio Tietê, em São Paulo (SP). A peça é uma viagem pelos três
uso da fala, da música e de todos os recursos cê- BRS do título: Brasília (DF), Brasileia (AC) e Brasilândia (bairro
nicos imagináveis. da periferia de São Paulo). Como pano de fundo, os problemas
socioeconômicos do Brasil. Foto de 2006.
PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 391. 6. Resposta: B.
a. Ampliar as possibilidades expressivas do
A partir dessa citação, podemos entender que
teatro incorporando os elementos arquite-
no teatro do gesto: 5. Resposta: C.
tônicos, texturas, odores dos espaços não
a. o gesto e a expressão corporal substituem a
fala e demais elementos sonoros e cênicos; convencionais à dramaturgia da obra.
b. o gesto e a expressão corporal são valoriza- b. Encontrar melhor recurso de iluminação,
dos como complementares à palavra e de- maquinaria teatral e acústica que os comu-
mais elementos sonoros e cênicos; mente encontrados nos bons edifícios tea-
c. o gesto e a expressão corporal são valoriza- trais do Brasil.
dos como elementos principais da criação c. Buscar uma relação diferenciada com o pú-
teatral, podendo ou não estar articulados a blico provocada pelas diferentes relações
outros elementos cênicos; espaciais presentes em cada lugar não con-
d. os gestos e a expressão corporal são insufi-
vencional escolhido.
cientes para sustentar uma obra teatral;
d. Estabelecer uma relação da obra teatral com
e. os gestos e a expressão corporal são ele-
a história do espaço não convencional esco-
mentos acessórios na criação teatral e preci-
lhido contribuindo para diferentes níveis de
sam estar articulados à fala, música e demais
elementos cênicos. leitura da obra.
6. A imagem a seguir é do espetáculo BR – 3 do Teatro e. Experimentar outras possibilidades cênicas
da Vertigem apresentado no Rio Tietê em São e técnicas provocadas pelo espaço não con-
Paulo. A apresentação de espetáculos em lugares vencional e suas diferentes arquiteturas.

104 CAPÍTULO 6 | Dança, Teatro e Movimento


Artigos, livros e revistas sem palavras, e as imagens e a trilha sonora são as responsáveis
por conduzir o espectador.
 SERRONI, J. C. Teatros – uma memória do espaço cênico no Brasil.  Can we talk about this?, direção de Lloyd Newson. Disponível em:
São Paulo: Senac SP, 2002. <www.dv8.co.uk/media-portal/explore-our-videos/ann-cryer>.
 O cenógrafo S. J. Serroni organizou uma obra que reúne imagens
Acesso em: 27 jan. 2016.
de alguns dos mais importantes edifícios teatrais brasileiros
Esse vídeo mostra fragmentos do espetáculo de mesmo nome
e depoimentos de arquitetos, cenógrafos e técnicos sobre a
arquitetura teatral. que é baseado em entrevistas à Ann Cryer – primeira parlamentar
 SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991. inglesa a discutir a questão do matrimônio forçado no Parlamento
Nesse livro, o compositor canadense Murray Schafer compartilha suas britânico. Nessa peça, o movimento acaba por destacar o conteúdo
experiências em sala de aula e seus pensamentos sobre as relações da entrevista, fazendo parte de uma série de experimentações do
entre os sons do mundo, o silêncio relativo e a escuta musical. grupo sobre a relação entre texto e corpo. O vídeo está em inglês,
 FERNANDES, S. & AUDIO, R. (Org.). BR-3. São Paulo: Perspectiva, 2006.
ainda assim, é possível observar a relação que se estabelece
Esse livro recolhe entrevistas e relatos dos artistas e criadores do grupo
entre o bailarino que sustenta, de diferentes formas, a bailarina
paulistano Teatro da Vertigem, que realizou um percurso geográfico
desde a Brasilândia, bairro periférico de São Paulo, passando pela que representa a parlamentar enquanto ela argumenta sobre o
capital do país, Brasília, e chegando à cidade de Brasileia, no Acre. A casamento forçado e toma um chá.
partir dessa experiência, o grupo realizou o espetáculo BR-3 encenado  Estranhos, direção de Paulo Alcântara, Brasil, 2008. (113 min.)
no Rio Tietê, na capital paulista. O filme é rodado em Salvador e conta quatro histórias de pessoas que,
 FO, Dario; RAME, Franca (Org.). Manual mínimo do ator. São Paulo: em diferentes lugares da cidade, têm seus destinos entrecruzados de
SENAC SP, 2004.
maneira surpreendente durante o período que precede o Natal até as
Nesse livro, o escritor, dramaturgo e comediante italiano Dario Fo
festividades de Ano-novo. Esse é um exemplo de roteiro no qual as
reúne, em colaboração com Franca Rame, suas metodologias de
trabalho com o ator/ atriz de teatro. O corpo e o movimento são as coordenadas temporais e espaciais são o principal elemento da trama.
principais referências de seu processo de criação de personagens e  Grupo Corpo 30 anos – uma família brasileira, direção de Fábio
de improvisação teatral. Barreto. Brasil, 2006. (80 min.)
 BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. São Paulo: Martins Esse documentário acompanha o cotidiano dos cinco irmãos da família
Fontes, 2001. Pederneiras que criaram o Grupo Corpo em Belo Horizonte no final
Esse livro traz uma reflexão sobre como a dança é peça
da década de 1970 e o transformaram em um dos mais importantes
fundamental na história das sociedades humanas, e traça um
grupos de dança contemporânea no mundo. Por meio de gravações
panorama da história da dança no ocidente.
das coreografias e dos ensaios, é possível perceber a importância do
corpo e do movimento no processo de criação do grupo.
Filmes e vídeos
 O som ao redor. Direção de Kleber Mendonça Filho, 2012. (131 min.)
 Pollock, direção de Ed Harris. Estados Unidos, 2000. (122 min.) O filme mostra o dia a dia de um bairro de classe média do Recife (PE),
O filme faz uma referência de diálogo entre música, gesto e e como a rotina da vida das pessoas daquele bairro se modifica com a
pintura. Em uma das cenas, o ator Ed Harris, que representa o chegada de uma milícia que passa a cobrar para trazer segurança ao
pintor estadunidense Jackson Pollock, compõe um mural tendo
bairro. A maneira como o trabalho sonoro do filme é realizado ressalta
como trilha sonora uma música especificamente composta para
a ausência de silêncios nas grandes cidades e os diversos sons que
o filme, do compositor Jeff Beal. Nessa cena é possível perceber
a junção entre o gesto, a textura da pintura e a orquestração da rodeiam o cotidiano urbano, violento e barulhento.
música instrumental.
 Fantasia, direção de Norman Ferguson (et al). Estados Unidos, CDs e músicas
1940. (124 min.)
O filme traz histórias curtas animadas desenvolvidas a partir de  ANTUNES, Arnaldo; BROWN, Carlinhos. O silêncio. Arnaldo Antunes
peças do repertório clássico regidas por Leopold Stokowski e (CD). BMG, 1996.
tocadas pela Orquestra de Filadélfia. No filme, é possível perceber A letra da canção “O silêncio”, é uma reflexão poética sobre o
a perfeita junção entre os gestos e estados de ânimos dos
silêncio, segundo artistas “a primeira coisa que existiu”, e sobre
personagens e a música. O mesmo ocorre na composição das cenas
sons que, na realidade, não conseguimos ouvir.
e em seu movimento.
 O menino e o mundo, direção de Alê Abreu. Brasil, 2013. (85 min.)  NZINGA. Capoeira angola. Gravadora Pôs do Som, 2003.
O filme conta as peripécias de um menino que descobre o O CD reúne 38 músicas de capoeira angola, sendo uma importante
mundo quando sai à procura de seu pai. Toda a trama é contada referência sonora da capoeira no Brasil.

Dança, Teatro e Movimento | CAPÍTULO 6 105


106
ARTE 1
PESO
UNIDADE

E SOCIEDADE

BOX_titulo

ALBUM CINEMA/ LATINSTOCK


§ BOX_bullet
§ BOX_bullet

Nesta Unidade serão abordados campos artís-


ticos, como o teatro, as artes visuais, a dança, a
música e a relação dessas expressões com a so-
ciedade. Será possível perceber que as artes são
fontes de conhecimento, expressão, comunica-
ção e invenção do mundo. Assim, elas influen-
ciamSECAO_teoria
e são influenciadas pelas mudanças sociais
e políticas ao longo do tempo.
SECAO_teoria
Serão apresentados exemplos artísticos, ana-
lisando-os em relação aos aspectos políticos, so-
ciais e culturais que lhes contextualizam. Também
serão realizadas atividades práticas interartes, que
envolvem mais de uma expressão artística.
Ao final desta Unidade, espera-se que você possa:
 fruir de diferentes obras e processos artísticos,
contextualizando-os histórica e socialmente;
 entender que a arte é um conceito amplo
em permanente reconstrução na sociedade
e que está presente nos mais diversos seto-
res sociais;
 se expressar artisticamente e fruir da produ-
ção dos colegas a partir de elementos interar-
tes (que envolvem mais de uma expressão ar-
tística) e relacioná-los ao seu contexto social.

Fotograma do filme de Charles Chaplin (1889-1977) Tempos Modernos,


LEGENDA_ESQUERDA
no qual o cineasta e ator aborda artisticamente a temática da
mecanização do trabalho na sociedade moderna.
107
7
TEATRO Conteúdos
§ O teatro como uma arte política e social

E SOCIEDADE
§ Origem do teatro na Grécia
§ O Teatro do Oprimido de Augusto Boal
§ O teatro como expressão política
§ A Zona de Arte da Periferia – ZAP 18

Todos podem fazer teatro, inclusive os atores.


Pode-se fazer teatro em todas as partes, inclusive nos teatros.
Augusto Boal, teatrólogo brasileiro.

JOI SEARS/ DIVULGAÇÃO

Foto do grupo de Teatro do Oprimido Marias do Brasil durante uma de suas apresentações teatrais na Praça dos Arcos da Lapa,
no Rio de Janeiro (RJ). Foto de 1998.

O teatro, tal como é conhecido no mundo ocidental, surgiu na Grécia, no século VI a.C., passando por
diversas transformações ao longo de sua história e por mudanças importantes em sua forma de comunicação
e de expressão. No entanto, manteve como característica o fato de ser uma arte do encontro entre pessoas,
uma arte social. Pode-se afirmar que o teatro foi fundamental para o surgimento de outras formas de expressão
conhecidas na atualidade, como o cinema e as teledramaturgias, como as telenovelas e as séries exibidas pela
televisão e pela internet.

108 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


RODA DE CONVERSA
Atualmente, o teatro é uma arte que pode ocorrer tanto em um local construído especificamente para sua
apresentação (um edifício teatral), quanto em lugares como escolas, associações de bairros, sindicatos, par-
ques, ruas, instituições religiosas etc., sendo possível assistir desde apresentações de grupos profissionais co-
nhecidos a grupos amadores.

CASSIA TAMURA
Foto de grupo de teatro do Museu da Maré, no Complexo da Maré, Rio de Janeiro (RJ). O grupo encenou uma adaptação da peça Romeu e Julieta,
de William Shakespeare, incorporando elementos do Hip-Hop. Foto de 2012.
§ Converse com os colegas e responda às seguintes perguntas:
a. Você participa ou conhece pessoas que participam de grupos de teatro em escolas, clubes, institui-
ções religiosas ou parques? Cite alguns exemplos.

a. Há diversas possibilidades de resposta a esta pergunta e o que se pretende é que o professor conheça a experiência pré-

via dos estudantes com o teatro. É importante que não seja feito nenhum juízo de valor sobre formas e lugares diferentes

de se fazer teatro. O importante é verificar que o teatro, seja ele profissional ou amador, pode fazer parte da vida dos es-

tudantes do Ensino Médio.

b. Que características você já viu ou imagina que estejam presentes em uma peça teatral?
b. É importante perceber algumas características do teatro que os estudantes já conhecem. O professor pode contribuir fazendo

perguntas específicas sobre o espaço onde é representada e ensaiada aquela peça, quem são os integrantes do grupo, quem é

o público, qual é o tema da peça, entre outras perguntas.

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 109


O teatro na Grécia
O surgimento do teatro como forma de expressão está muito relacionado
à formação da polis, cidades-estado que compunham o território grego no final
do período Homérico (XII a.C.-VIII a.C.) na Grécia.
É interessante observar a conexão entre o surgimento das cidades, da
política e do teatro na Grécia. Assim como a democracia grega, exercida
por meio de debates em praça pública sobre os destinos da sociedade, o
teatro também surge em praça pública, como uma forma de refletir sobre
as relações entre os seres humanos e entre estes e os deuses, expurgando
coletivamente os males da sociedade através do que o filósofo grego
Aristóteles chamou de catarse em suas reflexões.
Aristóteles descreveu e analisou a tragédia grega em um texto chama-
do Poética. Nele, propõe diversos conceitos que até hoje ajudam a entender
a prática teatral. Um desses conceitos é a catarse, que, resumidamente, refe-
re-se à reação do público tomado por compaixão e terror diante do desti-
no trágico do herói. Segundo Aristóteles, ao conhecer o destino nefasto dos
heróis trágicos, a sociedade grega expurga os erros representados em cena.
Sendo assim, a emoção catártica, que só pode acontecer coletivamente, é
uma ação realizada pela sociedade com o fim de expurgar e corrigir seus
possíveis erros. Isto é, por meio da catarse, uma comunidade reconhece seus
limites e se distancia das desmedidas de seus heróis trágicos.
A palavra teatro se origina do vocábulo
grego theatron, que significa “lugar de onde se ARTE EM diálogo Teatro e História
vê”, lugar dos antigos teatros gregos que era A polis instituiu um espaço de desenvolvimento e
ocupado pelo público. Pode-se observar, nas criação de diversas formas de organização política. Os
ruínas dos teatros gregos da Antiguidade, que moradores nascidos na polis, homens livres e iguais,
a orquestra, lugar central ocupado pelo coro, eram os politikos, aqueles que exerciam a civilidade, os
está rodeada por grandes arquibancadas e que cidadãos. Por meio de assembleias, os politikos discu-
todo o espaço é ao ar livre. Milhares de pessoas tiam o destino de toda a comunidade. Era uma forma
se acomodavam nessas arquibancadas por da razão e do debate superarem a violência e o medo
ocasião das festas dionisíacas. Essas festas eram como únicos meios de exercício do poder e de parti-
feitas em homenagem ao deus grego Dionísio, cipação social, sendo o início da prática da democra-
cia. A política, portanto, era o que faziam os politikos.
deus do vinho e da fertilidade, e aconteciam
No entanto, é importante lembrar que entre os politikos
na primavera, período da colheita do vinho na-
não estavam as mulheres, nem as crianças, nem os es-
quela região. As festas dionisíacas eram rituais
trangeiros, nem os escravos. Sendo assim, a maioria
sagrados que contemplavam danças, músicas,
dos habitantes das cidades-estado estava excluída do
procissões e, a partir do século V a.C., festivais
exercício da política na polis.
de tragédias, comédias e sátiras.

110 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


Caso considere necessário, comente com os estudantes que, além dos atores, há outros profissionais que podem estar envolvidos na
composição e na representação de uma obra teatral. São eles: o diretor teatral (responsável pela composição cênica e pelo trabalho
dos atores), o dramaturgo (responsá-

NEJDET DUZEN/ SHUTTERSTOCK


vel pela composição do texto e de-
mais elementos referentes à peça),
o cenógrafo (responsável pela com-
posição do cenário), cenotécnico
(responsável pela confecção do ce-
nário), figurinista (responsável pela
composição dos figurinos e obje-
tos de cena), costureira (responsá-
vel pela confecção do figurino), pro-
dutor (responsável por viabilizar a
montagem teatral em sua logística
e financiamento), iluminador (res-
ponsável pela composição da ilumi-
nação), compositor de trilha sonora,
técnico de iluminação e técnico de
som (responsáveis pela execução
Foto das ruínas do Teatro de Mileto. Mileto foi uma colônia grega e, atualmente, essa região faz parte técnica da luz e do som) etc.
da Turquia. Foto de 2012.

“Eu sou Dionísio!” Alguns historiadores atribuem a essa frase o surgi-


mento do teatro no ocidente. Téspis, um participante do coro de música
e dança das festas dionisíacas, teria se distanciado de seus companheiros
e gritado essa frase, para espanto de todos. Pela primeira vez, um homem di-
zia ser alguém que não era e, para agravar a situação, fingia ser um deus, um
ser intocável para os gregos. Surgiam, assim, o teatro e o primeiro ator.
Téspis representa o surgimento do teatro na Grécia. Afirmando ser
Dionísio, cria uma ficção, uma metáfora, e o faz diante do público e para o

ES
AG
IM
público. Ao mesmo tempo, surgem duas figuras igualmente importantes na

TY
ET
/G
UIG
E/
arte teatral: o ator e o público.

AG
EM
LE
O teatro começa, portanto, como uma maneira de ser o que não se
é e, dessa forma, abre um novo campo de comunicação e de expressão
Foto de vaso grego representando
das relações humanas em sociedade. Por isso, diz-se que o teatro é, desde Dionísio com uma mênade, pintado
sua origem, uma arte social. Esse aspecto social se reflete também em sua por Syriskos, 470-460 d.C. As mênades
são adoradoras de Dionísio e foram
realização, por se tratar de uma arte essencialmente coletiva. Mesmo quando
representadas no teatro grego de
se vê um só ator em cena, para que ele possa se apresentar, é necessário que Eurípedes na peça As bacantes,
haja vários outros artistas e técnicos trabalhando, além do público. E todos nome pelo qual foram conhecidas na
mitologia romana.
precisam estar no mesmo local ao mesmo tempo.
Por consequência, como arte social, feita pela comunidade e para a
comunidade, com a participação de diferentes indivíduos, o teatro pode ser
considerado uma arte política. Isso não significa que uma peça teatral tenha que
tratar explicitamente do que o senso comum classifica como “política” ou que deva
defender, necessariamente, uma ideologia, um partido político ou um conjunto de Ficção: neste caso, pode ser en-
ideias ou de valores específicos. O teatro é uma arte política no sentido observado tendida como arte de imaginar, ou
obras que não partem de acon-
na sociedade grega da antiguidade, que representa o debate democrático sobre tecimentos reais e sim de coisas
as diversas formas de organização de um grupo ou comunidade. imaginadas.

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 111


Assim, quando Téspis proclama “Eu sou Dionísio!”, passa a ser e, ao
mesmo tempo, não ser o deus grego. As pessoas que presenciaram essa
fala sabiam que Téspis não era Dionísio, mas aceitaram participar desse
jogo de ser o que não se é. Por isso, um dos grandes símbolos
do teatro é a máscara. Além disso, uma máscara de forma hu-
mana ornada de uvas possibilitou a Téspis “transformar-se” em
Dionísio.
A máscara de Dionísio permitiu a Téspis ser o deus e continuou
sendo utilizada nas representações das comédias e tragédias gregas, MA
GE
S
YI
E TT
tornando-se um dos grandes símbolos do teatro. A máscara é um objeto GL
IO
RT
I/ G

. DA
/G
simbólico e ritualístico utilizado por várias culturas desde os primórdios da DE
A

humanidade até os dias atuais e também esteve presente no surgimento


do teatro na Grécia, sendo importante não só para a representação dos Foto de máscara teatral moldada
em terracota, dos séculos
personagens, mas também para a visualização das cenas pelo público, visto V a.C. - II a.C., aproximadamente.
que as peças eram encenadas em espaços enormes a céu aberto. Foto de dezembro de 2006.

Na Grécia antiga, os atores eram chamados de hupokritês, que deu origem à palavra hipócrita, em
português e que, atualmente, significa fingido ou falso.
Para os gregos, hupokritês designava o ator durante a sua representação, momento em que o ator
passava a ser algo que não era, como no caso de Téspis que se “transformou” em Dionísio.
1. Leia os dois textos a seguir e, depois, faça o que se pede.
§ Texto 1 § Texto 2
A vida é sonho Autopsicografia

Que é a vida? Um frenesi. O poeta é um fingidor.


Que é a vida? Uma ilusão, Finge tão completamente
Uma sombra, uma ficção; Que chega a fingir que é dor
O maior bem é tristonho, A dor que deveras sente.
Porque toda a vida é sonho, PESSOA, Fernando. Autopsicografia. In: Fernando Pessoa
E os sonhos, sonhos são. – obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1972. p. 164.
BARCA, Pedro Calderón de la. A vida é sonho.
Renata Palotini (Trad.). São Paulo: Hedra, 2007. p. 23.

No texto 1 estão algumas falas de Segismundo, personagem da peça A vida é sonho, de Pedro
Calderón de la Barca (Espanha, 1600-1681). Nele, Segismundo questiona a diferença entre realida-
de e ilusão e afirma que a vida é sonho.
No texto 2 estão alguns versos do poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa (Portugal, 1888-
-1935) em que o eu lírico afirma que o poeta é um fingidor e que por fingir sentir dor de modo tão
completo, acaba por senti-la.

112 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


2. Em uma folha avulsa, escreva um breve texto, em verso ou em prosa, sobre a relação entre reali-
dade e ilusão no teatro. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Se preferir, você pode se expressar por meio de um desenho, de uma colagem, fotografia ou outra
forma artística que tenha a folha como suporte.
3. Em grupos de três ou quatro colegas, pesquisem em jornais, revistas, livros ou na internet sobre as
diferentes máscaras usadas artisticamente na atualidade.
Reflitam também sobre o uso de máscaras em situações do cotidiano, como festas, comemora-
ções e rituais. Depois, respondam às questões a seguir, anotando os exemplos encontrados:
a. Atualmente, em que formas de expressão cênica são utilizadas máscaras? Quem as utiliza? Cite
três exemplos.
3.a. Resposta pessoal. O uso das máscaras é muito comum no teatro ou em outras expressões cênicas, como o circo, a dan-
ça, a ópera ou mesmo no cinema. Elas são utilizadas por atores, cantores de ópera, bailarinos, personagens de circo, entre
outros. É comum o uso tanto de máscaras inteiras (que cobrem todo o rosto), como de meia-máscara (que cobrem somen-
te a região dos olhos). Há também as máscaras neutras, cuja utilização permite que os atores explorem mais a expressão
corporal. O nariz de palhaço, utilizado tanto no teatro quanto no circo, é considerado a menor máscara do mundo no meio
teatral e circense.

b. Além das artes cênicas, pode-se observar a utilização de máscaras em outras situações do co-
tidiano. Citem pelo menos três dessas situações e qual a função das máscaras nesses casos.
3.b. Resposta pessoal.
Espera-se que os estudantes citem outras situações nas quais eles identificam o uso de máscara. Pode ser citada a máscara
do palhaço no teatro, no circo, na rua ou em festas infantis; máscaras utilizadas para caracterizar um personagem em uma
contação de histórias; máscaras utilizadas com objetivo de protesto em uma manifestação popular para reivindicar direi-
tos de um grupo. Podem ser citadas também máscaras utilizadas em desfiles de carnaval e máscaras ritualísticas presentes
em festas ou rituais populares etc. Em situações fora do teatro, as máscaras também cumprem uma função de esconder o
rosto de quem as veste e revelar outro ser. Nos rituais, elas têm uma característica sagrada e mágica, próxima à transmu-
tação. No carnaval e em outras festas não religiosas, as máscaras permitem que se brinque com a própria identidade. No
teatro, há uma longa tradição no trabalho com as máscaras que contém ambas as características: a do ritual e a da brinca-
deira, mas que é aplicada à construção corporal de um personagem que é mantido durante toda a representação.

c. As máscaras cênicas atuais têm a mesma função que as utilizadas na época de Téspis, na Grécia?
Descreva brevemente as semelhanças e as diferenças.
3.c. Resposta pessoal
Não há respostas corretas ou incorretas. No caso de Téspis, a máscara funciona como um objeto que permite uma trans-
mutação, uma transformação do ator em algo que ele não é. As semelhanças podem ser encontradas na ideia do disfar-
ce, do ocultamento da identidade em máscaras carnavalescas ou até mesmo em manifestações políticas. As diferenças
podem ser evidenciadas no fato do ator ter a intenção de, com o uso da máscara, assumir outra identidade de uma forma
que pode ser mais duradoura, pelo menos durante o tempo da peça. No carnaval ou nas festas infantis, as máscaras são
usadas como disfarces que podem ser colocados e retirados pelas pessoas a qualquer momento.

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 113


Para mais informações sobre a his-
tória do teatro moderno brasi-
Teatro e resistência leiro, indica-se a leitura do livro:
PRADO, Décio de. Peças, Pessoas e
política no Brasil Personagens. São Paulo: Companhia
das Letras, 1993. Nesse livro, o autor
conta o contexto cultural e histórico
Um momento determinante da história recente do teatro brasileiro foi do desenvolvimento do teatro mo-
derno brasileiro no século XX, im-
a criação do Teatro de Arena, em São Paulo na década de 1950. O Teatro
portante para o entendimento das
de Arena foi importante para o desenvolvimento da dramaturgia brasileira, práticas de Boal.
desde sua criação até seu encerramento na década de 1970, sendo um Se julgar interessante, assista ao do-
relevante espaço de discussão da cultura brasileira e dos rumos da política cumentário sobre Augusto Boal e o
Teatro do Oprimido, produzido pelo
do Brasil. Dentre os jovens dramaturgos do Teatro de Arena, estava Augusto Arquivo N, da Globo News, para ter
Boal (1931-2009), que se tornou um dos principais nomes do teatro brasileiro conhecimento geral sobre as pro-
postas desse teatrólogo, o que po-
conhecido mundialmente.
derá facilitar a abordagem do tema
No contexto da ditadura militar brasileira (1964-1985), diversos grupos com os estudantes. Caso seja possí-
teatrais tiveram como objetivo denunciar a opressão e contestar as formas vel, selecione fragmentos do vídeo
para mostrar aos estudantes. Para
de poder existentes naquele período. O teatro brasileiro representou uma acessar, em um site de busca, digite:
importante maneira de resistência ao regime militar em todas as regiões “Augusto Boal Arquivo N”. Devem
do país. Nesse período, várias peças e espetáculos foram censurados; vários surgir algumas opções de vídeo.
Escolha uma delas.
atores, dramaturgos e diretores teatrais tiveram que se exilar em outros países.
Nesse contexto, surgiu uma prática teatral criada e desenvolvida pelo
diretor e dramaturgo Augusto Boal: o Teatro do Oprimido. Essa forma de
BOAL, Augusto. Jogos
fazer teatro começou a ser experimentada no Brasil em 1971 e continuou a para atores e não atores.
ser desenvolvida durante o exílio de Augusto Boal em diversos países pelos São Paulo: Cosac Naify,
2015.
quais ele passou, como o Peru e a França. Consiste em uma série de técnicas
Neste livro, é possível
e jogos criados para atores e não atores com o objetivo de evidenciar e
conhecer diversas técnicas
transformar as estruturas de opressão presentes nas relações humanas desenvolvidas por Augusto
em sociedade nos seus mais diversos contextos: familiar, afetivo, laboral, Boal em seu trabalho com
atores. Como explicitado
institucional etc. Nesses jogos, há uma intenção de dissolver a distância entre no título, o método
atores e público, sendo que os espectadores são, muitas vezes, chamados à não se destina apenas a
cena para intervir em um momento de conflito que está sendo encenado, profissionais do teatro, mas a
qualquer pessoa que tenha
sugerindo outras formas de solução do problema. interesse pelo teatro como
Ao aproximar atores e espectadores, ao mesmo tempo em que tratava meio de se expressar e de
refletir sobre sua realidade.
de temas relacionados à opressão, Boal ampliou o alcance da arte teatral
para classes sociais menos favorecidas, pessoas que tinham pouco acesso
ao teatro ou que eram pouco representadas por ele. A elite brasileira de Dramaturgo: antigamente, a pa-
lavra “dramaturgo” era sinôni-
cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente, mas também
mo de escritor de peças teatrais.
das capitais dos outros estados, era o público praticamente exclusivo do Atualmente, o dramaturgo é o
teatro das décadas entre 1950 e 1970. Da mesma forma, era sua principal profissional responsável pelas rela-
ções de sentido entre os diversos
fonte temática. Boal buscava um teatro efetivamente popular, feito pelo elementos do teatro: atuação, fi-
povo e para o povo, com temáticas próprias da classe trabalhadora da gurino, luzes, som, encenação etc.
cidade e do campo. Laboral: referente ao trabalho.

114 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


Augusto Boal faleceu em maio de 2009, mas seu trabalho no teatro continuou sendo uma importante referência para diversos gru-
pos, sendo seu método conhecido e praticado no mundo inteiro. Um dos grupos que mantém essa abordagem é Centro do Teatro do
Oprimido (CTO) no Rio de Janeiro que, unido a movimentos sociais, ONGs, escolas, universidades e espaços terapêuticos, propõe a prá-
O Teatro do Oprimido continuou seu desenvolvimento após o fim tica das técnicas do Teatro do Oprimido
em várias cidades do Brasil e do mundo.
da ditadura militar brasileira e ocupou-se também de outros assuntos
Se possível, visite com os estudantes a pá-
importantes da sociedade contemporânea, como a globalização e a ameaça gina do Centro do Teatro do Oprimido
na internet, disponível em: <http://ctorio.
às culturas minoritárias. Para Boal, o teatro era considerado uma arte marcial,
org.br/novosite/>, acesso em 21 set. 2015.
pois “é a arte que revela nossa identidade e a arma que a preserva” (BOAL, Nesse site é possível conhecer mais sobre
a atuação do Teatro do Oprimido em di-
2003, p. 91). versas regiões brasileiras.

O teatro como arte marcial

CEDOCFUNARTE
O teatro é um meio privilegiado para desco-
brirmos quem somos, ao criarmos imagens do nos-
so desejo: somos nosso desejo, ou nada somos.
Por que o teatro? Porque existem artes, como
a música, que organizam o som e o silêncio, no
tempo; outras, como a pintura, que organizam a
forma e a cor, no espaço; e existem artes como o
teatro, que organizam ações humanas, no espa-
ço e no tempo. [...]
No Teatro do Oprimido, aquele que entra
Foto do dramaturgo brasileiro Augusto Boal em Paris, 1975. Seus
em cena para contar um episódio de sua vida
livros foram traduzidos para vários idiomas, e sua obra foi uma das
é, ao mesmo tempo, o narrado e o narrador – contribuições metodológicas mais importantes do teatro brasileiro
pode, por isso, imaginar-se no futuro. internacionalmente.
Entra em cena para fazer teatro, porque teatro não se faz sozinho, e para que possamos todos dizer
eu, antes de nos juntarmos numa palavra mais bela: nós!
“O teatro é um espelho onde podemos ver nossos vícios, nossas virtudes” – disse Shakespeare. Pode-
-se também transformar em espelho mágico, como no Teatro do Oprimido, espelho que podemos inva-
dir se não gostarmos da imagem que nos mostra e, ao penetrá-lo, ensaiar modificações desta imagem,
fazê-la mais ao nosso gosto. Neste espelho, vemos o presente, mas podemos inventar o futuro dos nos-
sos sonhos: o ato de transformar é transformador – ao mudar nossa imagem, estaremos mudando a nós
mesmos, para mudarmos, depois, o mundo.
BOAL, Augusto. O teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003. p. 90-91.

Os jogos criados por Boal objetivam a expressão do indivíduo –


como membro de uma comunidade – por meio do teatro. Diferentemente
das tragédias e comédias gregas, que pretendem expurgar os males da
sociedade por meio da catarse, o Teatro do Oprimido expõe os problemas
sociais e discute alternativas de mudança da realidade.
Nas técnicas teatrais do Teatro do Oprimido, os membros de uma
comunidade, sejam atores ou não, alternam-se na posição de oprimidos ou
opressores em uma representação com o objetivo de transformar a situação
no teatro e, posteriormente, na vida.

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 115


Em Jogos para atores e não atores, de Augusto Boal, há um jogo do Objetivo
Teatro do Oprimido chamado “sentando-se nas pernas uns dos outros”. § Integrar o grupo a partir
Esse exercício teatral faz parte da série de jogos propostos por Boal como de um jogo de equilíbrio
e de cooperação.
jogos de integração, pois tem como intuito proporcionar uma percepção
do coletivo nos participantes, no qual cada indivíduo faz parte de um gru-
po que necessita a cooperação de todos para se manter em equilíbrio.
No teatro, trabalhar em coletivo é uma das primeiras coisas a se A seguir há uma variante proposta por
aprender, pois é uma arte que se faz sempre com a colaboração de vá- Boal que pode ajudar na realização do
jogo proposto inicialmente ou pode
rias pessoas: atores, técnicos, diretor, dramaturgo, cenógrafo etc. e que só
ser um desenvolvimento dele. “Um
se concretiza na presença do público. exercício similar também pode ser fei-
to já em círculo, com os atores de pé.
O círculo deve ser bastante regular, os
Como fazer joelhos bem juntos. Conta-se até três,
Para a realização da atividade, será necessária uma cadeira sem braço e todos, bem devagar, sentam-se nos
e um espaço amplo. Para isso, afaste todas as mesas e carteiras para as joelhos do parceiro de trás, sem cadei-
ras.” BOAL, Augusto. Jogos para atores
laterais da sala de aula, liberando uma área no centro da sala. Esse jogo e não atores. Rio de Janeiro: Civilização
deve ser realizado com a turma toda ao mesmo tempo. Brasileira, 2005. p. 112.

Sentando-se nas pernas uns dos outros


Um ator senta-se numa cadeira, as pernas bem fechadas. Agarra a
cintura de outro ator, que se senta sobre seus joelhos e segura, igual-
mente, a cintura de um terceiro, e assim por diante, até que todos
estejam sentados uns sobre os joelhos dos outros, e o último sobre
a cadeira. Começam a dizer juntos “esquerda, direita” e a mexer o
pé direito e o pé esquerdo, com ritmo. Tira-se a cadeira e ninguém
cai. Porque estão todos sentados e agarrados uns nos outros. O
primeiro da fila deve tentar se encaixar com o último – formando,
assim, um círculo de pessoas sentadas, todas em movimento. Neste
momento, poderão soltar a cintura dos outros, porque não terão mais
necessidade de se agarrar – todos estarão confortavelmente sentados
e equilibrados. Ilustração do jogo “Sentando-se nas
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 111-112. pernas um dos outros”.
Resposta pessoal. Espera-se que na
É preciso tentar várias vezes até conseguir. Esse jogo demanda muita realização da atividade, seja possí-
concentração, mas qualquer grupo é capaz de realizá-lo. vel vivenciar que a colaboração de
todas as pessoas de um grupo em
§ Depois de experimentar o jogo proposto, reflita sobre ele e a torno de um objetivo comum é pos-
forma de nos relacionarmos em sociedade, levantando os se- sível e prazerosa. Assim, o teatro,
guintes pontos: como é possível encontrar equilíbrio em um em jogos como esse, faz lembrar
que a convivência em sociedade é
grupo e como trabalhar de maneira cooperativa para que todos um equilíbrio difícil de ser atingido
ajudem e sejam ajudados? Escreva um texto com suas reflexões. e que trabalhar de modo cooperati-
vo traz benefícios a todos.

116 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


As propostas do Teatro do Oprimido tiveram como referência o
trabalho do dramaturgo e diretor alemão Bertolt Brecht (1898-1956), que
revolucionou o teatro no século XX, rompendo com o conceito de catarse
do teatro clássico grego. No teatro proposto por Brecht, o público não
deveria ser tomado emocionalmente pela trama da peça, mas sim perceber
as implicações políticas e ideológicas de cada situação representada. Para
o diretor alemão, o público deveria compreender que o destino de um
personagem era resultado de uma série de escolhas individuais determinadas
por suas condições sociais e históricas, e não fruto do acaso ou do destino.
Toma-se como exemplo o enredo da peça Mãe Coragem e seus filhos, escrita
e encenada por Brecht.

ULLSTEIN BILD/ GETTY IMAGES

Foto de cena da primeira montagem da


peça Mãe Coragem e seus filhos, dirigida
por Bertolt Brecht. Foto de 1956.

A ação da peça transcorre em um período de doze anos (1624 a 1636)


durante a Guerra dos 30 anos ocorrida na Europa. A guerra já se desenvolve há
BRECHT, Bertolt.
alguns anos quando entram em cena Anna Fierling, conhecida por Coragem,
Teatro completo.
e seus três filhos de pais diferentes: Eilif, Queijo Suíço e Kattrin. Coragem é uma Rio de Janeiro:
comerciante, mulher de negócios que vive da guerra e cujos lucros oscilam frente Paz e Terra,
1991. Vol. 6.
às possibilidades de paz ou de acirramento das batalhas. O caráter mercenário
Neste sexto volume de uma
de Coragem a leva a perder os filhos no decorrer da trama, todos mortos nas coletânea composta por
circunstâncias da guerra e em decorrência de atos ou omissões de Coragem. 12 livros, com toda a obra
teatral de Bertolt Brecht,
Em uma das cenas da peça, um sargento interroga Coragem: “Para você,
há uma compilação de três
então, a guerra há de roer os ossos e deixar a carne? Você engorda as suas obras: Os fuzis de senhora
crias com a guerra, e não quer dar nada em troca? Ele precisa saber de onde Carrar, Vida de Galileu e
Mãe Coragem e seus filhos.
vem a comida...” (BRECHT, Bertolt. Mãe Coragem e seus filhos.)

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 117


Saber de onde vem a comida é ter consciência das consequências
da maneira de Coragem ganhar a vida. Assim, percebe-se que a
tragédia da perda dos próprios filhos não é fruto do destino ou de
forças sobrenaturais, como ocorre nas tragédias gregas, mas sim das
escolhas da protagonista em seu contexto social: a guerra. O público
é confrontado aos atos ou às omissões da protagonista frente a guerra
que, ao mesmo tempo em que lhe dá de comer, pela venda de suas
mercadorias, leva-lhe os filhos.

Teatro como expressão


política: Zona de Arte
da Periferia – ZAP 18
Arte PARA ASSISTIR
Há diversos grupos teatrais nas diferentes regiões do Brasil que
Esta noite Mãe
desenvolvem um teatro declaradamente político, contestando aspectos Coragem
morais, éticos e de organização da sociedade brasileira. Entre esses grupos, Direção: Cida Falabella.
está a Zona de Arte da Periferia – ZAP 18, da cidade de Belo Horizonte, em Brasil.
Ano: 2006.
Minas Gerais. Assim como o Teatro do Oprimido, a experiência desse grupo
É possível assistir a um
também é bastante influenciada pelas propostas de Bertolt Brecht. fragmento da peça Esta noite
A ZAP 18 surgiu da Cia. Sonho & Drama, que foi um grupo teatral mineiro Mãe Coragem na internet;
da década de 1970 e que esteve ativo até o início dos anos 2000. Em 2002, para isso basta digitar “Esta
noite mãe coragem” em um
após uma fase de transformações, a companhia mudou de nome e obteve site de buscas. Na peça, é
sede própria, na periferia de Belo Horizonte. A mudança do grupo para a possível observar momentos
em que os personagens
periferia da cidade representa a opção por um fazer teatral comprometido
estão vestidos com roupas
com as questões sociais, com a formação de atores e de público e com a de época e que representam
descentralização da produção e fruição artística na cidade. a peça Mãe Coragem e
seus filhos, de Brecht; e
há outros momentos em
GLENIO CAMPREGHER

que os atores estão com


roupas contemporâneas
e representam uma
comunidade marcada pelo
tráfico de entorpecentes.
Essa atualização da
peça de Brecht é um
dos pontos fortes da
montagem da ZAP 18.

Foto da peça Esta noite Mãe Coragem,


com os atores Elisa Santana e Thiago
Macedo, dirigida por Cida Falabella e
dramaturgia de Antônio Hildebrando.
Belo Horizonte (MG). Foto de 2007.

118 CAPÍTULO 7 | Teatro e Sociedade


Entre as produções da ZAP 18, destaca-se Esta noite Mãe Coragem, que estreou em 2006, versão livre da
obra Mãe Coragem e seus filhos, de Bertolt Brecht. Uma das personagens da peça questiona os motivos do fazer
teatral: “Se eu não posso falar nada nessa meleca de teatro, pra quê que isso me serve?”.
A versão de Mãe Coragem e seus filhos da ZAP 18 aproxima a obra de Brecht à realidade do tráfico de
drogas nas principais capitais brasileiras. Em Esta noite Mãe Coragem, atores profissionais, estudantes de teatro
e membros da comunidade discutem a morte de jovens de periferia por ação de traficantes ou por violência
policial. Nessa versão, a personagem Coragem vende suas mercadorias aos chefes do tráfico na comunidade
e perde seus três filhos também em consequência de seus atos ou omissões. Desvendam-se as condições
sociais que determinam as escolhas dos personagens em participar ou não do crime organizado. A peça tem
um final aberto no qual público e atores compartilham suas experiências pessoais relacionadas à violência em
locais tomados pelo tráfico de entorpecentes.

Neste capítulo, foi possível perceber como o teatro surgiu, no ocidente, a partir da criação da polis na
Grécia Antiga, o que aproxima essa forma de expressão da ação política desde a sua origem, ou seja, ba-
seada na livre expressão individual em praça pública e do debate coletivo sobre os rumos da sociedade.
Ao tratar do teatro no Brasil, explorou-se o Teatro do Oprimido de Augusto Boal, que desenvolveu uma
série de jogos e técnicas para atores e não atores com o objetivo de provocar transformações sociais.
Foi abordada, também, a influência do teatro de Bertolt Brecht no Brasil, detendo-se em um exemplo
atual do teatro brasileiro como expressão política e transformadora da realidade: a ZAP 18.

RODA DE CONVERSA
Neste capítulo, foi possível perceber que o teatro está presente em diversos locais, tanto em produções de
companhias profissionais quanto em outros contextos.
Para conhecer mais sobre o teatro apresentado perto de você, em duplas, pesquisem grupos teatrais
existentes em seu bairro ou região. A pesquisa pode ser feita na internet, em revistas de bairro, em jornais
e conversando com funcionários de um centro cultural, entre outros.
1. Citem o nome de um grupo teatral existente em seu bairro ou região, o local onde ensaia ou onde cos-
tuma se apresentar e um nome de uma peça já apresentada.
1. Resposta pessoal.

2. Caso você ou seu colega tenham assistido a alguma apresentação teatral desse grupo, descreva como
foi a experiência. Caso não tenha assistido, qual título de peça chamou mais a atenção durante a pes-
quisa? Por quê?
2. Resposta pessoal. Caso o estudante tenha assistido a uma apresentação teatral, ele pode comentar a trama, a forma de
interpretação, o espaço cênico, o figurino etc. É possível que alguns estudantes não tenham assistido a uma peça do grupo
escolhido. Essa é uma boa oportunidade para você entrar em contato com algum grupo e articular os recursos necessários
junto à direção da escola para viabilizar essa experiência.

Teatro e Sociedade | CAPÍTULO 7 119


8
IMAGEM Conteúdos
§ Imagem na Pré-história

E PODER
§ Imagem na Antiguidade
§ Imagem como subversão

KUNSTHISTORISCHES MUSEUM, VIENNA, AUSTRIA

Arte da pintura, óleo sobre tela, de Johannes Vermeer, 1665-1666. Dimensões: 120 cm × 100 cm. Esta obra também é
conhecida como “O pintor e sua modelo como Clio”. Clio é a musa grega da História e da criatividade.

120 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


É comum ouvir a afirmação de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Ao dizer isso, certamente,
se sabe da carga de informações que uma única imagem pode ter, mesmo que não venha acompanhada
de um texto. Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia, a ampliação do acesso à internet e, mais
recentemente, a utilização das redes sociais, o uso das imagens, que já era bastante frequente nos jornais,
programas de televisão ou mesmo nos sinais de trânsito, passou a ter uma importância ainda maior.
É possível perceber que a imagem exerce diferentes funções de acordo com o meio e a intenção de
sua utilização. No caso dos jornais e outras mídias, por exemplo, ela pode exercer uma função meramente
ilustrativa ou que complementa a leitura do texto. No caso da sinalização de trânsito, ela substitui o texto,
sendo suficiente para transmitir a mensagem desejada. Da mesma forma, na publicidade apresentada na
televisão, em outdoors e em outras mídias, a imagem também pode falar por si mesma, mas ao contrário do
que acontece na sinalização, exerce uma função de atração e identificação a ser despertada no espectador.
No caso da arte, a imagem adquire diferentes atribuições e possibilidades, uma vez que a própria imagem é a sua
forma de manifestação. Há tanto imagens abstratas, que não se referem diretamente à realidade, quanto imagens fiéis
a ela, o que não significa que pretendam apenas registrar e representar um acontecimento. É comum, por exemplo,
a afirmação de que uma obra de arte realista “parece uma foto”, proferida por visitantes de um museu. Percebe-se,
então, que antes mesmo da invenção da fotografia, artistas já se interessavam pela representação mais próxima
possível da natureza. Essas cenas, por mais realistas que fossem, tinham – e continuam a ter – como objetivo despertar
os sentidos, os sentimentos e o senso estético de quem as vê. Esse é o principal aspecto que diferencia a imagem na
arte da imagem utilizada com outras finalidades.

RODA DE CONVERSA
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
É importante considerar que, ao longo da história, foram criados, desenvolvidos e modificados os
meios de se produzir uma imagem, tanto com o objetivo de representar a realidade tal como é vista
pelas pessoas de modo geral quanto de recriá-la de maneira subjetiva a partir do ponto de vista de
um artista, por exemplo.
Converse com os colegas e o professor para responder às questões a seguir.
1. Explique como você imagina que seja o processo de realização de uma pintura e o de uma fotogra-
fia atualmente.
1. Resposta pessoal. Se possível, incentive os estudantes a conversar com pintores e fotógrafos, perguntando a eles sobre
seus processos de trabalho. Caso domine essas técnicas, reserve um tempo da aula para que conheçam de perto esses
meios de expressão.

2. Em que situações você, seus amigos e familiares costumam tirar fotografias?


2. Resposta pessoal. Converse com os estudantes sobre os motivos apresentados por eles que justificam o uso da fotogra-
fia em festas, comemorações, viagens etc. Esse resgate possibilita mostrar como a fotografia funciona como um registro
de memória afetiva.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 121


3. Selecione uma foto sua entre familiares e amigos e faça uma cópia colorida. Em seguida, pesquise
na internet ou na biblioteca fotografias e pinturas antigas que retratem pessoas, escolha uma e
imprima-a. Depois, cole-as em uma folha avulsa, compare as duas imagens: escreva quais são as
semelhanças e diferenças entre elas?
3. Resposta pessoal. Incentive os estudantes a observar as características visuais das fotos: a nitidez, as cores, o estado de
conservação etc. É interessante que eles tenham a noção das mudanças das imagens a partir das modificações das técnicas
fotográficas.

4. Selfie é um termo inglês originado do termo self-portrait, que em português é o mesmo que autor-
retrato. Observe a imagem a seguir e responda:
ELLEN DEGENERES/ GETTY IMAGES

Foto do tipo selfie com atores de


cinema de Hollywood.
Durante a cerimônia do Oscar 2014,
o ator Bradley Cooper tirou a foto,
na qual apareciam diversos astros
presentes no evento. O selfie foi
compartilhado nas redes sociais na
internet instantaneamente.

a. Por que você acha que os selfies são tão populares?


4. a) Resposta pessoal. Possibilite o debate entre os estudantes sobre o interesse contemporâneo em se retratar inúme-
ras vezes. É uma ótima possibilidade para levantar o tema da superexposição em mídias sociais ou outros sistemas de
comunicação.

b. Os atores parecem estar se divertindo na situação retratada. Por qual razão é tão divertido rea-
lizar um selfie em grupo?
4. b) Resposta pessoal. Possibilite o debate sobre o uso do selfie coletivo como uma forma de marcar um momento de fe-
licidade ou confraternização.

122 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


Imagens reveladas – do
primitivo ao século XIX
No século XIX, a produção de uma imagem era lenta e dispendiosa.
Pode-se dizer que o ato de revelar uma fotografia carregava uma poesia,
Disponível em: <www.
uma energia do gesto e da curiosidade. Disparar o mecanismo da câmera lascaux.culture.fr/>.
fotográfica apenas iniciava o processo de captação da imagem. Depois disso, Acesso em: 28 set. 2015.

era preciso entrar em uma sala escura, retirar o material fotossensível da É possível fazer uma visita
virtual à caverna de Lascaux,
câmera e passá-lo por processos químicos que gerariam a imagem.
na França, a partir de seu
Hoje, com o grande número de aparelhos que permitem a captação site. A página não está em
de imagens, como smartphones, tornou o registro de fotografias acessível a português, mas pode-se
navegar pelo menu lateral
um grande número de pessoas, modificando a relação dos indivíduos com à esquerda da página.
as imagens produzidas. Quando se quer tirar uma foto entre familiares ou Clicando em “Visite de la
grotte”, tem-se a impressão
amigos, por exemplo, é possível tirar várias fotos para, posteriormente fazer
de estar dentro da caverna
seleção da “melhor”, excluir as fotos indesejadas na própria câmera, modificá- e pode-se observar pinturas
-las ou mesmo publicá-las na internet em tempo real, não sendo mais rupestres preservadas
por muitos séculos.
necessário o tempo de espera para a revelação dos antigos rolos de filme
fotográfico. Estratégias como o uso de filtros, edição por meio programas ou
aplicativos em computadores, tablets ou smartphones também se tornaram
de mais fácil acesso e utilização.
Voltando a um período de cerca de quinze mil anos – último período
da Pré-história conhecido como Neolítico, bem distante da invenção da
televisão, do computador e até mesmo da escrita, um outro mundo é
revelado por meio de imagens presentes nas cavernas de Altamira (Espanha),
Lascaux (França), em Pedro Leopoldo (Minas Gerais) ou na Serra da Capivara
(Piauí). Uma das hipóteses é que os povos primitivos do período Neolítico
acreditavam que, se desenhassem um bisão sendo caçado em uma caverna,
FRANCO HOFF/ PULSAR IMAGENS
o fato iria acontecer na realidade. Acredita-se que, na complexa forma de
pensar desses povos, não havia diferença entre o fazer e o usar imagens.
Não haveria, portanto, uma separação entre realidade e imagem. Naquelas
épocas distantes, a imagem tinha uma função muito clara: transformar
vontade em realidade. O que é diferente da relação com a imagem
atualmente, que pode estar relacionada ao registro histórico, à apreciação
estética, a um sentimento em relação à imagem etc.
Como citado anteriormente, o Parque Nacional Serra da Capivara,
localizado no Piauí, é outro exemplo de patrimônio cultural pré-histórico.
De acordo com o Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), os Foto de pintura rupestre encontrada na Toca
do Boqueirão no Parque Nacional Serra da
vestígios ali preservados demarcam a passagem do ser humano há cerca de Capivara, em São Raimundo Nonato (PI).
100 000 anos antes do presente, com sítios arqueológicos majoritariamente Foto de novembro de 2011.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 123


compostos por pinturas rupestres. Os pesquisadores compreendem tais
sítios a partir dos usos feitos por esses povos que são identificados por
meio da tipologia dos vestígios, se relacionados à alimentação, à produção de
utensílios, à prática funerária, entre outros.
O cadastramento feito até então comporta 912 sítios, dos quais 657
possuem pinturas rupestres e os 255 restantes se configuram como sítios ao
ar livre, caso de aldeias e acampamentos de coletores-caçadores (que viviam
da caça e da coleta de produtos vegetais e animais), aldeias de ceramistas-
-agricultores (produtores de peças feitas em cerâmica e cultivadores de
plantas para a alimentação), grutas, abrigos ou sítios funerários.
O estudo das pinturas rupestres é realizado por meio da tentativa de
identificação das figuras e dos seus temas associados. Algumas dessas pinturas
permitiram que pesquisadores realizassem paralelos com os rituais sagrados
desses povos. A perspectiva adotada para esses estudos é o estabelecimento
de tradições, que visa uma análise capaz de traçar as semelhanças e as
recorrências formais entre as pinturas rupestres, acompanhando o acréscimo
de ornamentações, as cores usadas e o tema, como as caçadas.
Foi esse o impulso que dominou os seres humanos que ocuparam a terra
em períodos que chegam a indicar 32 000 anos a.C., quando desciam pelos
estreitos corredores das cavernas para desenhar ou pintar. Será que o simples
desejo de decorar uma caverna poderia ter movido alguém por vias tão
tortuosas? O que parece fazer mais sentido é a crença desses seres humanos
no poder das imagens. Ao produzirem imagens dos animais que desejavam
caçar e, uma vez em posse desses animais por meio do domínio de seus
contornos e cores desenhados ou pintados, dominariam os animais de carne
e osso, tão verdadeiros para eles quanto as imagens nas paredes das cavernas.
Observe a imagem ao lado.

CORBIS/ LATINSTOCK
Mais do que observar se o animal é bem
representado e perfeitamente desenhado, pode-se
refletir sobre a relação entre a imagem e a sua
duração. É curioso que as fotografias se desgastem
com facilidade em poucos anos e que um desenho
feito com gordura e pigmentos retirados da natureza
ainda possa ser observado após milhares de anos.
A seguir, a matéria assinada pelo jornalista,
escritor e cineasta estadunidense Walter Chip (1951-)
para a revista National Geographic, em 2015, conta qual
foi a impressão do escritor ao adentrar pela primeira
vez a caverna Chauvet-Pont-D’Arc, na França, e ver em
primeira mão aquelas pinturas rupestres. Foto de pintura rupestre, de cerca de 15 000 a.C., que representa
bisão na caverna de Altamira, Espanha.
Aproveite esse momento para estimular os estudantes a refletirem e levantarem hipóteses
sobre a preservação das pinturas rupestres até os dias atuais.
124 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder
Primeiros artistas

É como entrar pela garganta de um ani-

ROBERT PRATTA/ REUTERS/ LATINSTOCK


mal enorme. A língua é uma calçada de metal
que sobe em arco e depois pende para a escu-
ridão lá embaixo. O teto rebaixa-se, e em al-
guns trechos as pesadas paredes da caverna se
estreitam até tocar meus ombros. Por fim os
flancos de calcário se abrem, e adentramos o
ventre de uma espaçosa câmara.
É aqui que estão os leões. E os rinoceron-
tes-lanudos, mamutes e bisões, um zoológico
de criaturas antigas correndo e lutando em ab-
soluto silêncio. Fora da caverna, no mundo real, Foto de réplica de pinturas rupestres mostrando cavalos, rinocerontes
todas já desapareceram. Mas aqui elas perma- e auroques nas paredes do projeto Caverna Pont-D’Arc, inaugurada em
necem vivas nas sombras e gretas das paredes. 2015, que recriou parte da caverna original Chauvet-Pont-D’Arc. Foto de
junho de 2014.
Por volta de 36 mil anos atrás, alguém que
vivia em um tempo bem diferente do nosso veio até a câmara onde nos encontramos e, à bruxuleante
luz do fogo, começou a desenhar nas paredes nuas: perfis de leões-das-cavernas, manadas de rinoceron-
tes e mamutes, um magnífico bisão mais à direita e uma criatura quimérica, parte bisão, parte mulher,
conjurada de um enorme cone de rocha pendente. Outras câmaras abrigam cavalos, cabritos-monteses,
auroques, uma coruja moldada em lama com um só dedo em uma parede de rocha e ursos das cavernas
passeando tranquilamente, como quem procura um lugar para uma soneca de inverno. A maioria das
obras é desenhada com uma só linha contínua.
Ao todo, os artistas representaram 442 animais no decorrer, talvez, de milhares de anos, usando
como tela a superfície da caverna. Alguns bichos são solitários, escondidos, mas a maioria se congrega
em grandes mosaicos como o que vejo agora, na parte mais profunda da caverna.
Escondida por um deslizamento de rocha durante 22 mil anos, a caverna veio à luz em dezembro
de 1994, quando três espeleólogos franceses, Eliette Brunel, Christian Hillaire e Jean-Marie Chauvet,
se espremeram por uma fenda estreita em um penhasco e se deixaram cair na entrada escura. Nenhum
deles imaginava o que iria encontrar. Desde então, o local, hoje chamado Caverna de Chauvet-Pont-
-d’Arc, é ferozmente protegido pelo Ministério da Cultura da França. [...] A idade desses desenhos
torna jovens as históricas pirâmides do Egito, e, no entanto, cada traço em carvão, cada salpico de
ocre parece fresco como se aplicado ontem. São de uma beleza que perverte nossa noção de tempo.
Em um momento, estamos ancorados no presente, observando friamente. No instante seguinte, ve-
mos as pinturas como se todas as outras obras de arte – em outras palavras, toda a civilização – ainda
estivessem por vir.

Bruxuleante: trêmula, cintilante, que se move.

Quimérica: algo que não existe, é fictício ou ilusório.

Auroque: tipo de animal de grande porte com características similares ao boi. Dados registram sua extinção em 1627. Chegava
a medir dois metros de altura e poderia pesar até uma tonelada com os chifres alcançando mais de um metro de comprimento.

Ocre: variedade de argila colorida pelo óxido de ferro que assume tons próximos ao vermelho.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 125


[...] Talvez a explosão de criatividade que vemos nas paredes dessas cavernas tenha sido inspirada, em
parte, pela profundidade e escuridão – ou melhor, pelo jogo da luz com as trevas. Na iluminação treme-
luzente das fogueiras ou tochas de pedra acesas com sebo de animal, as saliências e reentrâncias nas pa-
redes das rochas talvez sugiram formas de animais, como as nuvens que despertam a imaginação de uma
criança contemplativa. Em Altamira, no norte da Espanha, os pintores responsáveis pelo famoso bisão
aproveitaram as lombadas e os afundamentos da rocha para dar mais vida e dimensão às suas imagens. [...]
No livro La Préhistoire du Cinéma, [A Pré-história do cinema] o cineasta e arqueólogo Marc Azéma afir-
ma que alguns desses artistas antigos foram os primeiros animadores visuais, combinando a sobreposição
de imagens com a luz oscilante no breu das cavernas para criar a ilusão de que as pinturas se movem. [...]
A interpretação de Azéma condiz com a do estudioso da Pré-história Jean Clottes – o primeiro cien-
tista a entrar em Chauvet, alguns dias depois da descoberta. Clottes supõe que as imagens se destina-
vam a produzir em nós o mesmo efeito dos filmes, peças de teatro e cerimônias religiosas: um afasta-
mento do mundo real que hipnotizava a plateia e a unia em uma poderosa experiência comum.
WALTER, Chip. Primeiros artistas. In: National Geographic. Fevereiro de 2015. p. 30 e 43.

Das artes à arquitetura – produção


de imagens no Egito Antigo
As imagens como representação de poder também remetem aos períodos mais remotos da humanidade,
como é o caso da civilização egípcia, formada à beira do Rio Nilo, norte da África há mais de 3 000 anos a.C. e
chegando a se estender até o século IV d.C.
A dificuldade de construção das pirâmides no Egito Antigo é evidente em sua própria estrutura: a extrema
precisão dos encaixes entre as pedras e o equilíbrio produzido por estruturas que apenas se tocam, sem o uso
de materiais colantes. Escolher, cortar, aparar, arrastar, transportar e empilhar. Muito provavelmente, foram várias
as ações necessárias para que as pedras, juntas como pirâmides, representassem o poder político e os efeitos
místicos associados a elas. Todo esse trabalho não seria pela simples produção de mais um monumento, mas pela
capacidade dessas imensas construções em garantir a vivência da alma do faraó e o poder por ele desempenhado,
abrigando-o após a morte. As pirâmides, mais que monumentos, representavam a ascensão da alma do faraó
e eram feitas para receber seu corpo embalsamado para que retornasse para junto dos deuses. Nesse caso, são
imagens da eternidade e da ligação existente entre o deus (por ora na terra) e o deus no além-mundo.
WAJ/ SHUTTERSTOCK

Foto das pirâmides de Gizé: Quéops,


Quéfren e Miquerinos, de cerca de
2 550 a.C., no Egito. Foto de 2013.

126 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


Em uma estrutura teocrática, a natureza religiosa direciona o poder
instaurado. Sendo assim, todos os poderes que controlavam o Egito Antigo
nessa época estavam concentrados na imagem do faraó. O chefe político
era aceito como representante de uma divindade, chegando à condição de
divindade encarnada. Essa relação entre o faraó e o povo egípcio, justificava,
portanto, todos e quaisquer sacrifícios, desde que fosse assegurada a
felicidade pessoal do faraó e o apaziguamento dos deuses, garantindo, por
consequência, um bom elo entre ele e as demais divindades.
Assim, como a manutenção da vida do faraó era consolidada pela

ALBUM/ FOTOARENA
arquitetura das pirâmides, o mesmo deveria ocorrer nas esculturas que eram
colocadas no interior delas, produzidas de maneira idêntica à cabeça do rei.
Nas esculturas, os bustos dos faraós precisavam conter as características
físicas deles e, ao mesmo tempo, uma imagem de imortalidade e
Foto de escultura em rocha calcária,
eternidade. Por isso a escolha por materiais resistentes para a sua produção. de cerca de 2 700 a.C., encontrada
O escultor era considerado “aquele que mantém vivo”, justamente por captar em um túmulo em Gizé, no Egito.
os traços definidores do rei, transformando-os em linhas básicas e conformações geométricas que pudessem eternizar
sua imagem sobre um suporte de pedra. Tais esculturas eram criadas para serem colocadas dentro das pirâmides.
A ideia de manutenção da vida no Egito Antigo não terminava com as pirâmides e nem mesmo com
as esculturas feitas a partir das características mais importantes do faraó. Quando um governante morria,
deveriam morrer também todos os seus servos. Acreditava-se que, assim, o faraó poderia chegar ao “além”
acompanhado por aqueles que o serviram na Terra. Em algumas situações, ocorria a substituição desses
mesmos servos por suas representações feitas em escultura.
ALBUM / FOTOARENA

Foto de detalhe do templo de Hator, Egito,


mostrando faraó Ramsés II sendo adorado pelos
deuses Seth (à esquerda) e Hórus (à direita).

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 127


A Grécia Antiga e a imagem 1

EGYPTIAN MUSEUM OF CAIRO


como representação de
esplendor e nobreza
Diferentemente da sociedade do Egito Antigo, nas quais
todos os membros eram representados pela imagem do faraó,
as polis gregas, como visto no capítulo 7, eram democracias nas
quais os artistas tinham participação, mesmo que mínima, nos
assuntos de governo. No século V a.C., especialmente no governo
de Péricles, a democracia ateniense alcança seu mais alto grau de
desenvolvimento, tendo em seu governo um grande incentivador
das artes, do teatro e da filosofia.
A arte do escultor Fídias permitiu aos gregos uma nova com-
preensão do divino, aproximando os deuses e a humanidade. E, por
mais que essas esculturas guardem semelhanças de composição –
Foto da estátua egípcia de Ranofer, de cerca
como a simetria – com a arte egípcia, é notável o grande conheci- de 2 450 a.C., proveniente de Saqqara, Egito.
mento da forma por parte dos gregos, como é possível observar na Dimensão: 186 cm.
comparação entre as imagens 1, 2 e 3.

2
ARTE EM diálogo Artes visuais e História

Depois de Atenas conquistar a vitória sobre a Pérsia em 490 a.C.,

FLETCHER FUND, 1932/ MUSEU METROPOLITANO DE NOVA YORK


Péricles, que governou a cidade-Estado grega por quinze anos,
deu início à reconstrução dos danos causados pela invasão persa.
Templos haviam sido incendiados ou saqueados durante a guerra e
era preciso representar o esplendor e a nobreza gregos novamente.
O arquiteto Ictino foi designado para fazer a planificação da cidade
e dos templos. Já o escultor Fídias foi escolhido para esculpir as
figuras dos deuses aos quais os gregos destinavam a adoração e
os sacrifícios.

A imagem 1 representa Ranofer, sacerdote durante a V dinas-


tia do Egito que perdurou entre os anos de 2493 a.C. a 2344 a.C. A
estátua foi encontrada em um nicho da capela de seu túmulo em
Saqqara. A imagem 2 traz a vista frontal de um kouros (termo grego
que em português significa “jovem”, “rapaz”), esse tipo de estátua
Foto da estátua, feita de mármore, representando
associada à Grécia Antiga foi bastante comum no período com- um kouros ático de cerca de 590-580 a.C.,
preendido entre 650 a.C. a 500 a.C. proveniente de Atenas. Dimensão: 194,6 cm.

128 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


Geralmente são apresentadas em pé, em uma 3
posição de aparente rigidez, sem vestimentas e um
rosto de expressões faciais simples. O tipo de com-
posição formal adotado para os cabelos também
pode ser encontrado em outros kouroi (plural do
termo kouros), que trazem igualmente cabelos fri-
sados ou trançados em várias pequenas mechas.
A imagem 3 é a representação feita por Fídias da
deusa Atena para ser colocada dentro do Paternon
em Atenas.
As imagens dos reis egípcios estavam reduzidas
aos seus elementos principais e considerados essenciais
para a representação, ou seja, para o corpo os

MUSEU ARQUEOLÓGICO NACIONAL, ATENAS


membros, como braços, pernas, tronco, e para o
rosto, sem uma atenção excessiva com detalhes
mínimos, apresentam traços básicos que indicam
nariz, boca e etc., contudo, sem perder o elo capaz
Foto da estátua Athena Parthenos. Cópia romana em mármore de
de identificar determinada figura ao seu modelo.
uma grande estátua de templo feita por Fídias entre 447 e 432 a.C.,
Nos gregos, aparecem muitas outras possibilidades, Atenas. Dimensão: 104 cm.
como o efeito do caimento de um tecido sobre o
corpo. Isso pode ser visto na escultura Vitória de
Samotrácia, ao lado, na qual o contato do tecido
com o corpo da deusa representada é evidente na
escultura de mármore. Mesmo materiais duros e de
difícil trabalho para o artista eram transformados
com a leveza e a fluidez típicas de um tecido que
cai sobre a coxa direita da figura e contribuem para
a construção da ideia de movimento.
Desse modo, percebe-se na arte grega uma
forte ligação com a arte egípcia, devido a repetição
dos padrões geométricos. Porém, enquanto a
primeira possuía uma estruturação rígida para
representar a ideia de permanência, as esculturas
gregas visavam a construção do movimento e
PHILIPPE FUZELA / MUSÉE DU LOUVRE. 2014

leveza.
Até agora foi possível observar o lugar ocupado
pelas imagens em vários períodos históricos;
passamos pelos povos primitivos, pelo Egito e Grécia
antigos, conhecendo um pouco de suas respectivas Foto da escultura de mármore Vitória de Samotrácia, de cerca
formas de expressão. de 190 a.C. Dimensão: 3,28 m.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 129


Arte como subversão
na década de 1960
De 1964 até 1985, o Brasil passou por um momento histórico marcado
por governos ditatoriais. Entre outras características, o regime militar no Brasil
simbolizou a restrição das liberdades individuais e a repressão a diversas formas de
expressão, inclusive artística, por meio da censura. Músicos, artistas plásticos, atores,
cartunistas, escritores e outros artistas da época procuraram, por meio da arte,
denunciar abusos e violações aos direitos humanos que ocorriam naquele período.
Um caso interessante é a série Inserções em circuitos ideológicos, do artista
multimídia Cildo Meireles (1948-). Ele resolveu criar mensagens cifradas para
burlar a censura vigente na época.
Meireles, então, utilizou dois meios de grande circulação para poder se
comunicar: as garrafas de refrigerante e as cédulas monetárias em vigência
em 1975 – o cruzeiro.
REPRODUÇÃO

Foto da série Inserções em circuitos


ideológicos. Projeto cédula, de
Cildo Meireles, 1970. Mensagem
estampada com carimbo:
“QUEM MATOU HERZOG?”.

130 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


Essas duas formas de expressão de uma mesma ideia principal podem
ser compreendidas como constituintes de uma “série” que, no contexto das
artes plásticas, indica que um artista fez uma sequência de trabalhos que
compartilham de um objetivo principal. Nesse caso, sua conexão independe
do suporte escolhido, como na série aqui analisada, Inserções em circuitos
ideológicos, onde há duas formas completamente diferentes de circulação: o
produto e a moeda utilizada para adquirir o produto.
As embalagens de refrigerante eram apropriadas pelo artista por meio de
impressões gráficas com a mesma técnica utilizada na fabricação original. Era
feito um decalque com cada mensagem escrita em tinta branca vitrificada, que
posteriormente, seria aderido à superfície da garrafa de vidro por meio de um
procedimento industrial. Depois de receberem as inscrições, as garrafas eram
devolvidas à circulação. O curioso é que essas inscrições eram nítidas apenas
enquanto a garrafa estava cheia, de maneira que a mensagem poderia ser
acessada tanto pelos consumidores do líquido, quanto por aqueles que apenas
passavam pelas prateleiras que continham as garrafas com as mensagens. Ao
contrário do que pode parecer, esse processo não facilitava a revelação, pois a
devolução dos recipientes vazios não denunciava as mensagens inscritas, que
se tornavam ilegíveis, de modo que só após o processo de reutilização das
garrafas, já cheias de refrigerante é que as mensagens se tornavam legíveis
novamente, processo que era, e ainda é, realizado quase que exclusivamente
por máquinas, e no que se refere à função dos operários que lidavam com essa
estrutura de produção, tratava-se de um trabalho repetitivo, rápido e de pouca
atenção, o que facilitava que as mensagens passassem despercebidas.
As frases impressas nas garrafas poderiam ser o nome de pessoas
desaparecidas durante a ditadura militar ou expressões como: “Yankees, go
home”. Havia ainda, a possibilidade de que as pessoas imprimissem suas
próprias opiniões, pois algumas das garrafas continham a descrição da
técnica utilizada pelo artista.
CILDO MEIRELES, 1970/ © TATE <HTTP://WWW.TATE.ORG.UK >

Foto de cédula
de 5 cruzeiros,
com carimbo
“YANKEES GO
HOME”, de Cildo
Meireles, da
série Inserções
em circuitos
ideológicos 2:
Projeto Cédula,
1970.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 131


Tome-se o exemplo da frase “Yankees, go home” que, traduzidas,
significam: “Yankees, voltem para casa”. A ironia está no uso de um produto
produzido em massa nos Estados Unidos para espalhar uma ideia contrária
aos próprios interesses do país de origem desse produto. O termo “yankee” era
muito usado na época para designar uma pessoa proveniente dos Estados
Unidos, mas, nesta série, podia se referir tanto ao estadunidense quanto a
um estrangeiro indesejado, bem como a todas as tradições estadunidenses
ou, ainda, para as intervenções políticas do governo dos Estados Unidos, que
apoiava a ditadura militar, sobre o governo do Brasil.
Dessa forma, Cildo Meireles expressava, por meio de sua obra, que a
influência estadunidense no Brasil não era necessária nem desejada. A ideia
foi a de apropriação do poder da imagem de um refrigerante estadunidense,
transformando-a em um questionamento sobre a sua própria imagem como
produto de consumo.
Nesse e em outros trabalhos de Cildo, foi possível perceber que o
poder da imagem dentro da sociedade poderia ser invertido por meio
de uma intervenção artística. O objetivo de Cildo era questionar a própria
sociedade e os meios usados para o seu controle, que nesse caso, se referia
à importação de produtos não produzidos no Brasil, como um tipo de
dominação estadunidense que instituía produtos para a circulação interna no
país. É importante demarcar que Cildo Meireles não foi o único e/ ou primeiro
artista a utilizar a arte como forma de subversão ou questionamento; outro
detalhe de igual importância é que não é possível compreender essa atitude
explícita de embate como uma verdade única a todas as suas produções,
sendo apenas um recorte dos trabalhos produzidos por ele.
O trabalho demonstrava a insatisfação do artista sobre o contexto
político e social da época e incentivava o questionamento em conjunto.
Pode-se dizer que as Inserções em circuitos ideológicos do artista são
também circuitos de poder, do poder de apropriação das imagens, mesmo
modificando seu significado original, como no caso do refrigerante.
A intervenção proposta por Cildo Meireles representa uma possibilidade de
comunicação diferente do propósito original das garrafas. Existe a utilização de
um circuito pré-existente modificado, subvertido a partir de uma ação adicional:
a do artista. Essa ação é completamente diferente da modificação observada
recentemente em latas produzidas pela mesma marca de refrigerante que,
com a finalidade de incitar ao consumo e aumentar as vendas do produto,
passou a fabricar latas e garrafas do refrigerante com nomes de pessoas,
oferecendo, também, a possibilidade de sugestão de nomes que poderiam ser
posteriormente impressos e colocados em circulação. Os objetivos são bastante
diferentes: o de Cildo é artístico e o da marca de refrigerante é publicitário.

132 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


Neste capítulo, foi possível observar a importância da imagem presente em desenhos feitos por povos pré-
-históricos, do Egito Antigo e da Grécia Antiga e, no contexto da ditadura militar brasileira.
Com base nos elementos estudados, pesquise em jornais, em revistas, na internet ou converse com
familiares e amigos sobre as formas de circulação das imagens e responda às seguintes questões:

1. Em jornais e revistas, por exemplo, é possível perceber que esses materiais possuem uma organiza-
ção interna que reveza anúncios publicitários e reportagens. Como você compreende a utilização
de imagens feitas por essas duas formas de comunicação? Diferencie uma imagem veiculada em
uma propaganda e uma imagem que faz parte de uma reportagem.
1. Resposta pessoal. É importante que os estudantes reflitam sobre o fato de que as imagens continuam tendo um papel
muito importante na sociedade atual, seja como forma de convencimento – caso de uma propaganda –, ou para corro-
borar com uma certa interpretação – caso de uma notícia que pode esconder a realidade dos fatos e apresentar imagens
que reforcem o texto escrito. Entretanto, com a tecnologia e os usos de ferramentas como a internet, as imagens também
podem apresentar um caráter efêmero e passageiro, diferentemente de outras épocas e lugares.

2. Você acha que a relação entre arte e poder, seja como forma de exaltação ou subversão, é atual?
Justifique sua resposta.
2. Resposta pessoal. Os estudantes podem citar imagens pesquisadas em diferentes meios de comunicação, como jor-
nais, revistas etc., percebendo também, como essa arte – de exaltação ou subversão – circula por esses meios. Seria im-
portante levar em consideração o texto que acompanha a imagem com o objetivo de compreender quais as interpreta-
ções pretendidas.

3. Pense nas imagens que você utiliza para se identificar, seja em documentos ou em redes sociais.
Quais são os objetivos delas? Cite as semelhanças e as diferenças.

3. Resposta pessoal. É importante que os estudantes reflitam sobre a “efemeridade” dessas imagens e o que elas comu-
nicam para quem as vê. A foto de um documento, por exemplo, tem o objetivo de identificação e não pode ser trocada
com tanta frequência, o que exige um formato específico. Já a foto utilizada nos perfis pode ser mudada sempre que o
usuário da rede social desejar e pode expressar outras informações sobre o indivíduo que vão além da identificação física.

4. Em uma folha avulsa, faça uma colagem utilizando apenas imagens que represente quem você é.

4. Essa atividade pode ser utilizada como importante ferramenta de avaliação da aprendizagem e compreensão dos es-
tudantes. Nesse sentido, oriente-os a obterem uma pasta (ou outra forma de armazenamento possível) que permita suas
produções para uma possível exposição final e conjunta de todos os trabalhos individuais feitos por eles. Cada atividade
funciona como um registro que permite, também, uma avaliação dupla, tanto por parte do professor como do próprio es-
tudante, instigando-o a refletir sobre suas experiências.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 133


fazer arte
Mário Chamie foi um poeta e crítico brasileiro, nascido em Cajobi (SP), Objetivos
§ Discutir e expressar-se
em 1933. Ganhador de diversos prêmios, entre eles o Jabuti em 1962 pelo
artisticamente sobre
livro Lavra Lavra, o qual insere, no Brasil, a poesia práxis, pautada mais questões relativas à
pela valorização do conteúdo do que da forma. Seus poemas foram tra- rotina do trabalhador
e à rotina de estudos.
duzidos para vários idiomas: inglês, francês, espanhol, italiano, alemão § Praticar jogos inspirados
entre outros. Chamie faleceu em 2011, aos 78 anos. no teatro imagem
de Augusto Boal.
Leia, abaixo, um dos poemas de Chamie, “O operário”, que faz parte § Fruir da produção
do livro A quinta parede, de 1986. artística dos colegas.

O operário

1 — Tiro a camisa. 14 Apresso o passo.


2 Desato o cinto. 15 Recebo a ordem,
3 Não visto farda. 16 sou ordenado.
4 Abafo a briga 17 Fora do leito,
5 dentro do peito 18 penso no leite,
6 e me preparo. 19 a boca amarga. G18_EM_ARTE_C8_F15:
7 Estou em marcha. 20 Pesa o trajeto, Imagem calhau (pode ser
8 Caminho reto 21 caminho reto uma ilustração free) referen-
9 sob a sereia 22 e não estaco. te ao poema “O operário 2”.
10 que me alerta. 23 Atrás de mim,
11 Não faz sentido 24 me empurra o vento
12 em meu ouvido 25 que não me leva,
13 esta chamada. 26 que não me lava.
CHAMIE, Mário. O operário. In: A quinta parede. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986. p. 35-36.

Se possível, antes das atividades a seguir, entreviste


familiares, vizinhos ou alguém que trabalha na esco-
la sobre o dia a dia no trabalho e anote as respostas.

Roteiro de pesquisa O objetivo das atividades propostas a seguir é aproximar


§ Nome: os estudantes do universo do trabalho, levando-os a re-
fletir sobre as relações das pessoas com o trabalho.
§ Idade:
SHUTTERSTOCK/TROPININA OLGA

§ Profissão:
§ A que horas acordam?
§ Que tipo de transporte utilizam para chegar ao trabalho?
§ Quanto tempo leva o trajeto de casa para o trabalho?
§ Que horas chega ao trabalho?

134 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


§ Com que idade começou a trabalhar?
§ Gostam do que fazem? Justifique a resposta.
§ Que horas sai do trabalho? Esta é apenas uma sugestão de roteiro de entrevista, portanto os estudantes
podem fazer outras perguntas à pessoa entrevistada.
§ Que horas chega em casa?
§ É realizada alguma atividade antes ou depois do trabalho? Qual?

Depois, converse com os colegas e o professor e responda às perguntas a seguir.


1. Cite semelhanças e diferenças entre a rotina do trabalhador retratada no poema e a das pessoas
entrevistadas.
1. Resposta pessoal. Para responder a esta questão, é interessante que os estudantes entrevistem pessoas que eles co-
nhecem, contando como são suas rotinas de trabalho, seus horários e atribuições etc., e relatando-a, posteriormente, aos
colegas.

2. Imagine como é se sentir preso a uma rotina sem muitas possibilidades de mudanças. Em uma fo-
lha avulsa, faça uma representação dessa sensação por meio de palavras ou de desenhos.
2. Resposta pessoal. Essa atividade permite uma identificação dupla; primeiro, a forma como os estudantes prefe-
rem se expressar, se por meio de palavras ou desenhos, sendo possível a reflexão em conjunto sobre a preferência
expressiva; a forma em que eles se sentem mais à vontade para construir respostas, o que pode facilitar aplicações
futuras. Outra questão mais diretamente associada ao objetivo dessa pergunta é perceber quais formas e palavras
são usadas por eles como associadas ao sentimento descrito na pergunta, ou seja, o que confere a eles a sensação
de impossibilidade de mudança.

3. Cite uma mudança que melhoraria a rotina de trabalho descrita no poema.


3. Resposta pessoal. Oriente os estudantes a buscar as ações executadas pelo eu lírico e leve-os a se colocarem nessa po-
sição, como se eles realizassem essas ações e o que poderiam fazer para modificá-las tornando-a melhor; um exemplo se-
ria no 20o verso que se refere ao peso do trajeto, alterá-lo, não caminhando “reto” como indicado no verso seguinte, mas
buscando um novo caminho.

4. Atualmente, estudar é uma das principais atividades dos jovens. Que semelhanças os estudos têm
com o trabalho?
4. Resposta pessoal. Nesse momento será importante analisar como os estudantes concebem a rotina de estudos e se per-
cebem semelhanças com a rotina de um trabalhador, como a necessidade de realização de tarefas específicas, o recebi-
mento de notas pelo trabalho escolar, a exigência por seguir o horário estipulado pela escola e demais paralelos.
Se julgar interessante, realize com a turma a atividade “quadros vivos”. Essa atividade é muito usada durante a análise de um
texto no início dos ensaios de uma peça de teatro, a fim de que os atores possam enriquecê-la com experiências pessoais ou
de pessoas próximas a eles, facilitando uma apropriação da temática por parte dos atores. Veja orientações na Assessoria
Pedagógica.

Imagem e Poder | CAPÍTULO 8 135


Neste capítulo, foi explorado o poder das imagens dentro das sociedades, desde os seres humanos
que ocuparam cavernas até dias atuais. Foi possível observar a forma como as imagens adquirem signifi-
cados e como eles são mantidos ou alterados pelo receptor.
Alguns exemplos apresentados foram as pinturas rupestres em cavernas, preservadas até a atualidade,
em contraponto a imagens do cotidiano que, muitas vezes, são esquecidas. Acrescenta-se ainda, o fato de
que as imagens podem ter seus objetivos modificados intencionalmente para transmitir uma ideia, como
é o caso das garrafas de refrigerante da série produzida por Cildo Meireles.
Mais do que passear por cada um dos lugares ocupados por essas imagens, é importante que você
perceba que está rodeado por imagens, como elas são definidas e como elas definem as pessoas, em
uma relação de troca frequente.

RODA DE CONVERSA
Caso julgue interessante, as fotografias produzidas podem ser impressas e expostas no corredor da escola com legenda em
cada uma destacando os aspectos discutidos em sala de aula.
Como observado neste capítulo, a imagem, desde os primórdios, é muito importante para o ser hu-
mano e costuma estar relacionada à construção da identidade, à captura e imortalização do momento
vivido ou almejado.
 A partir do que foi observado até agora sobre as diferenças da relação do ser humano com a ima-
gem hoje (por exemplo, a fotografia tirada por meio de um smartphone) e há cerca de quinze mil
anos, converse com os colegas e escreva diferenças que vocês perceberam na relação entre as ima-
gens produzidas pelos seres humanos primitivos e as imagens produzidas atualmente.

Resposta pessoal. Como duas possibilidades de reflexão a essa pergunta, podemos destacar a instantaneidade dessas ima-

gens e também em sua portabilidade. A instantaneidade permite o compartilhamento rápido com um grande número de

pessoas, já a portabilidade oferecida pelas novas tecnologias de impressão, smartphones, tablets, pendrives, ou mesmo o arma-

zenamento na internet, permite que essas imagens sejam acessadas praticamente de qualquer lugar, sem a necessidade de

constante retorno ao local de realização de fotografia.

136 CAPÍTULO 8 | Imagem e Poder


9
DANÇA Conteúdos
§ Dança na contemporaneidade,

E SOCIEDADE
história da dança, dança
de rua e balé clássico
§ Fruição, apreciação, apropriação
e criação em dança

Embora a “ dança” seja um fato social, eu admito que ela seja derivada das capacidades específicas
da nossa espécie sendo, portanto, parte da constituição humana e uma força básica da vida social,
e não mera consequência da invenção humana, em algum tempo e espaço particular.
John Blacking, 1976.

RENATO MANGOLIN/ DIVULGAÇÃO COMPANHIA URBANA DE DANÇA

Foto da Companhia Urbana de Dança em apresentação da coreografia de Sonia Destri Lie na Praça XV, Rio de Janeiro (RJ).
Foto de março de 2013.

Dança é movimento. As danças de salão, as danças de rua, as danças tradicionais, a dança contempo-
rânea, o jazz, o balé e maioria das danças que conhecemos têm formas e histórias próprias que represen-
tam traços das sociedades nas quais estão inseridas. A dança, quando compreendida como expressão ar-
tística é um sistema de relações e de símbolos, e que tem o movimento do corpo como veículo principal.

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 137


Nossos corpos, e nossos movimentos, são constituídos e transformados pelos contextos sociais em
que se encontram. Nesse sentido, não existe um tipo de corpo ou uma forma de se mover, mas muitos corpos,
e muitos movimentos, refletindo a diversidade das sociedades nas quais esses corpos e esses movimentos
estão inseridos.
Nossos corpos não estão livres de serem influenciados pelas vivências e experiências do cotidiano. Um
dos pesquisadores da dança na atualidade, Johnson (1990) afirma que nossos corpos são “projetos de co-
munidades”, e, por isso, nossos corpos, quando dançam juntos, também dançam as diversas comunidades
às quais pertencemos e levam para as ruas, para os palcos, ou para qualquer outro espaço, as experiências
que vivemos.
Assim como as artes visuais, a música e o teatro, a dança é parte da identidade cultural, étnica e social de
um povo. A antropóloga da dança Judith Lynne Hanna (1979) lista sete comportamentos humanos que refle-
tem a dança que fazemos ao longo das nossas vidas:

1. Físico: o corpo humano libera energia através de respostas musculares aos estímulos do cérebro.
O movimento e a energia organizada é a essência da dança;
2. Cultural: os valores, as atitudes, os conceitos de um povo determinam parcialmente as conceitua-
ções da dança e suas produções físicas, seu estilo, sua estrutura, suas modalidades de execução;
3. Social: a dança reflete e influencia as formas de organização social, a relação entre os indivíduos
no grupo e entre os grupos;
4. Psicológico: implica experiências cognitivas e emocionais, afetadas pela vida pessoal e coletiva de
um indivíduo, e o afetando por sua vez;
5. Econômico: a dança pode fornecer um complemento de renda ou constituir a renda principal de
profissionais. Outros investem sua renda no aprendizado da dança ou para apreciar outros dançarem;
6. Político: a dança como um lugar de articulação de atitudes e valores políticos e um meio de con-
trole, de julgamento e de mudança;
7. Comunicativo: pela “linguagem do corpo”, a dança como instrumento físico ou como um símbolo,
permite exprimir sentimentos e pensamentos: os movimentos corporais se transformam em símbo-
los que os membros da sociedade compreendem e cujo objetivo é o de representar as experiências do
mundo exterior e psíquico.
HANNA, Judith Lynne. To dance is human. Austin and London: University of Texas Press, 1979. Apud ZEMP, Hugo.
Para entrar na dança. In: CAMARGO, Giselle. (Org.). Antropologia da Dança I. Florianópolis: Insular. 2013. p. 31-32.

Esses comportamentos humanos, como foram definidos pela antropóloga, ajudam a entender que a
nossa dança surge das situações que vivemos. Dançar é ser e estar em sociedade. A dança está presente nas
diversas situações vividas.
Apesar de ser muito difícil determinar quando, como e por que o ser humano dançou pela primeira vez,
hoje é possível afirmar que o ser humano dança desde a Pré-história. Sabe-se que o ser humano do paleolítico
registrava nas paredes das cavernas suas ações e tudo que lhe importava, inclusive os movimentos.

Paleolítico: período em que os seres humanos viviam somente da caça, da pesca e da coleta, eram nômades, e utilizavam a
tecnologia da pedra lascada.

138 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


Por ser a dança fruto da necessidade de criação e expressão humanas, ela acompanha a história, e se mo-
difica com ela. Atualmente, as pessoas dançam pelas mais diversas razões, dançam profissionalmente e ocu-
pam ruas, praças e palcos das cidades com os movimentos dos corpos, que podem ter uma ou várias funções
tanto para quem dança quanto para quem assiste.
Observe novamente, na imagem do início deste capítulo, os integrantes de uma companhia profissional
de dança. Eles são moradores da periferia do Rio de Janeiro e têm a dança como profissão. Com as coreogra-
fias que apresentam, esses jovens levam aos palcos o vigor e a diversidade dos seus movimentos e das suas
experiências nas ruas dos bairros onde cresceram.
A princípio, esses jovens não eram dançarinos profissionais, mas a dança que faziam nos bailes dos bairros e
nas ruas do Rio de Janeiro inspirou a fundação de uma companhia profissional de dança que atualmente leva a arte
de rua, as experiências e as ideias produzidas por esses jovens aos palcos dos grandes teatros do Brasil e do mundo.
Nesse exemplo, a dança de rua se profissionaliza, e o público que, na maioria das vezes paga para assistir
aos espetáculos, pode observar, das cadeiras dos teatros, os movimentos que são feitos nos subúrbios do Rio
de Janeiro. Apesar de saber que, muitas vezes, a dança acontece como forma de divertimento, ou de expres-
são social, sem a intenção de profissionalização, é preciso lembrar que a dança como profissão é mais uma das
muitas formas de se dançar e de afirmação da identidade de quem dança.

RODA DE CONVERSA
Que tal conhecer um pouco mais sobre a dança presente no seu bairro ou na sua comunidade? Você
já sabe que as pessoas dançam por diversas razões e que a dança sempre esteve presente na história da
1. Atente para o fato de que as pessoas podem dançar sempre, em diversos lugares da cidade onde moram. É
humanidade.
muito provável que o estudante encontre algum grupo para utilizar como exemplo, seja um grupo que dança
1. Entreviste cinco pessoas que moram perto da sua residência e, a partir das respostas obtidas, reflita
na rua, nas praças, nas instituições religiosas, nos clubes
sobre a presença da dança na vida de cada uma delas.etc. Caso o estudante não encontre um grupo que se en-
Roteiro de pesquisa caixe na categoria “dança de rua”, motive-o a procurar a
presença de dança na cidade, de qualquer estilo de dança.
a. Nome, idade, profissão, sexo, local onde mora.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
b. Você gosta de dançar ou conhece alguém que goste?
c. Com que frequência e em que ocasiões você dança?
d. Onde você costuma dançar? Na escola? Em uma instituição religiosa? Na rua?
e. Por que você dança? E para que você dança?
2. Em grupo, em uma roda, a ideia é conversar, e, para responder e melhor compreender as respostas,
dançar também. Primeiro converse e compartilhe com os colegas os dados coletados e suas impres-
sões sobre como os seus vizinhos ou as pessoas que você conhece dançam. Depois, ouça os dados
coletados, as opiniões e impressões que os colegas tiveram em relação às entrevistas feitas e compa-
rem-nas com as suas. Note que poderá haver diferenças entre as respostas dos entrevistados, afinal, a
dança tem papéis diferentes e ocupa diferentes espaços na vida de cada um. Converse com os colegas
sobre que espaços são esses.
3. A Companhia Urbana de Dança levou aos palcos os movimentos dançados nos subúrbios cariocas.
Será que as danças do seu bairro, da sua comunidade, da sua cidade, ou até mesmo do seu estado,
poderiam ser transformadas em espetáculos?

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 139


Quando a dança

BIBLIOTEQUE DE L’ ARSENAL, PARIS


invade as ruas
A dança é uma forma de expressão que
sempre esteve presente em situações e cele-
brações importantes da vida das pessoas em
diversas culturas. Diariamente, as pessoas pro-
duzem movimentos variados a partir de suas
interações com os espaços que ocupam. Os
corpos de cada indivíduo se movem constan-
temente e, atualmente, graças aos recursos au- Renaud de Montauban e Clarice em um banquete e depois a câmara nupcial,
diovisuais e cinematográficos, é possível captar manuscrito, cerca de 1470. É possível observar na imagem uma das danças da
nobreza no século XV.
e registrar quaisquer tipos de movimento físico,
sejam eles movimentos de dança ou não.
No entanto, nem sempre foi assim.

HOURS OF CHARLES OF ANGOULEME/ BIBLIOTECHE NATIONALE DE FRANCE


Eram outras as formas de registro utilizadas
para as danças que eram feitas antes do sur-
gimento da escrita. São poucos os registros
de que se tem da dança antes do surgimen-
to da escrita, e menos ainda ao se conside-
rar as danças que ocorriam fora do hemisfé-
rio ocidental. Entretanto sabe-se da função
da dança em diversas culturas para aproxi-
mar o ser humano dos seus deuses e suas
crenças, dos seus anseios, e de como ela in-
tegra os rituais de socialização e de sobrevi-
vência da humanidade.
Para a sociedade ocidental, o sentido so-
cial da dança torna-se mais conhecido no pe-
ríodo da Renascença, no século XV, quando
ocorre na Europa uma divisão entre a dança da
nobreza e a dança dos camponeses. Porém, é
importante lembrar que todos os períodos da
história da humanidade tiveram danças com
características próprias e que a forma de as
pessoas dançarem sempre refletiu a história,
a cultura e a sociedade em que viviam. Isso Dança camponesa, Livro das Horas de Charles de Angouleme, 1480. Observe,
na imagem, um exemplo de dança de camponeses no século XV. Ao fundo,
aconteceu em todas as formas de expressão é representado um castelo, o que caracteriza a distância dessas danças do
artística, em todos os períodos da história. ambiente da realeza.

140 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


Nos séculos XX e XXI, o corpo que dança é também um corpo político
e social. Seus movimentos refletem conflitos e desejos. Independentemente
das mudanças que aconteceram ao longo da história, as várias formas de
se dançar nesses dois séculos demonstram a necessidade que se tem de
usar os movimentos do corpo para afirmar direitos e para interagir com o
meio em que vivemos. É o corpo que mantém os indivíduos conectados ao
contexto em que estão inseridos, e por isso, seus movimentos se transfor-
mam, mas também são transformados diariamente. Assim como visto ante-
riormente, no capítulo 7, a dança também é uma arte feita pelo e para o ser
humano, uma arte social e política, que não existe sem a interação dos indi-
víduos com os outros e com o seu entorno.

Dança e Hip-Hop

O Hip-Hop é um movimento cultural composto pela inte-


FERNANDA ABDO/ CIA. FUSION DE DANÇAS URBANAS

gração da discotecagem, do ritmo e da poesia do rap, da per-


formance dos Mestres de Cerimônia ou MCs, da dança (inicial-
mente o break e, hoje, o que é chamado de dança de rua ou
dança urbana) e do grafite. O movimento nasceu nos guetos
da cidade de Nova York (EUA), na década de 1970, com o objeti-
vo de criar um modo de resistência à violência e uma alternativa
para a rivalidade entre os grupos de jovens que dividiam as ruas
dos subúrbios. Atualmente, a dança de rua é um dos elementos
principais da cultura Hip-Hop no Brasil e no mundo. Ela foi um
dos veículos para a entrada desse movimento cultural no Brasil,
no início da década de 1980, em grandes centros urbanos como
São Paulo e, mais tarde, em muitas outras cidades brasileiras.

Foto dos dançarinos Jefferson Siqueira e Leandro Belilo, da Companhia Fusion,


de Belo Horizonte (MG), grupo que mistura o Hip-Hop com outros estilos de
danças urbanas, em ensaio fotográfico para a montagem do espetáculo Meráki.
Foto de 2013.

A dança de rua (ou street dance, como também é conhecida no Brasil), é


um estilo de dança recente e que vem conquistando cada vez mais espaços.
Suas primeiras manifestações aconteceram na época da grande crise eco- Rap: A palavra rap vem da sigla
da expressão de língua inglesa
nômica dos Estados Unidos, em 1929, quando os músicos e dançarinos que
rhythm and poetry que, em por-
trabalhavam nos cabarés, ao ficarem desempregados, invadiram as ruas com tuguês, significa “ritmo e poesia”.
seus shows. Assim, essa dança surgiu não só como forma de expressão cultu- Esses são os dois elementos prin-
cipais utilizados pelos Mestres de
ral que retratava o cotidiano e os problemas enfrentados por afrodescenden- Cerimônia ou MCs (ou rappers) na
tes e moradores das periferias, mas também como forma de sobrevivência composição das músicas.

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 141


para músicos e dançarinos de outras etnias. Mais tarde, na década de 70, os
primeiros dançarinos que receberam o nome de breakdancers e B. Boys cria-
Ela dança, eu danço
ram passos em protesto contra a guerra do Vietnã e representaram, por meio
Direção: Anne Fletcher.
de seus movimentos, a violência física causada pela violência da guerra. Estados Unidos: Europa Filmes.
No Brasil, a dança de rua só começou a surgir em meados de 1982, por Ano: 2006.
Duração: 103 min.
meio de manifestações de dançarinos amadores. Somente em 1991 é que se
Depois de depredar uma
tem registros da prática desse estilo por grupos específicos de dança de rua
das escolas de Artes
em locais destinados ao desenvolvimento desta expressão. mais conceituadas dos
Atualmente, esse estilo de dança é reconhecido como uma forma de Estados Unidos, Tyler
Gage (Channing Tatum)
expressão artística, tendo papel importante na educação e na transforma- tem como punição fazer
ção da realidade de muitos indivíduos, principalmente os jovens. Por meio da serviços comunitários nessa
utilização de músicas com batidas eletrônicas fortes e contagiantes, o dan- escola. Lá, ele conhece
Nora Clark (Jenna Dewan),
çarino é estimulado a usar os movimentos do seu corpo para expressar seus uma estudante de dança
sentimentos, desejos e anseios. que precisa urgentemente
de um novo parceiro. Tyler
A dança que hoje se assiste nos teatros, filmes e programas de televisão
está acostumado com as
nem sempre representou a cultura dos jovens pertencentes às classes da socie- danças de rua, mas reluta à
dade menos favorecidas economicamente, como é o caso da dança de rua na ideia de ser o novo parceiro
de Nora. Aos poucos, ele
atualidade. Aos poucos, esse estilo tem sido vivenciado por várias pessoas de di- aceita a ideia e passa a se
ferentes grupos sociais e culturais. As coreografias de diversas companhias da envolver com a moça.
atualidade se caracterizam pela mistura de movimentos que representam a força
Caso queira utilizar esse filme
política de cidadãos jovens que levam aos palcos uma arte com origem nas ruas. É como recurso pedagógico em
o caso da Companhia Fusion, de Minas Gerais, da Companhia Urbana de Dança, sala de aula, você pode assisti-lo
previamente e escolher algumas
do Rio de Janeiro, da Recife City Breakers Companhia de Danças Urbanas, de
das cenas que contenham dan-
Pernambuco, e tantas outras espalhadas pelo nosso país. ça, especialmente hip-hop, para
estimular os alunos a observar os
WEDSN MARQUES

movimentos e a refletir sobre as


relações entre dança, classe social,
etnia e gênero que estão presentes
nesse filme. A apreciação do movi-
mento e o conhecimento de con-
textos relacionados à dança são os
objetivos neste momento do pro-
cesso de ensino-aprendizagem.

Foto de integrantes do grupo


de hip-hop Recife City Breakers
Companhia de Danças Urbanas, de
Pernambuco. Foto de 2011.

No entanto, esse encontro entre os movimentos feitos na rua e os gran-


des teatros não aconteceu repentinamente. Muitas mudanças ocorreram, in-
cluindo a divisão da dança de rua em estilos específicos. Esse processo acon-
teceu naturalmente, mas hoje caracteriza a divisão de seus dançarinos em
vários grupos e em vários estilos de dança.

142 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


ALCEU BETT/DIVULGAÇÃO
Foto de apresentação de grupo de
dança de rua Fúria das Ruas durante
o 26º- Festival de Joinville (SC).
Foto de 25 de julho de 2008.

No Brasil e no mundo, a classificação da dança de rua em diferentes es-


tilos facilitou sua inserção em festivais de dança e eventos importantes. Por
exemplo, em 1993 e 1994, os primeiros grupos de dança de rua participaram Nas atividades a seguir, não há res-
do Festival de Joinville, no estado de Santa Catarina, na modalidade jazz (nos postas corretas. Porém, à medida
festivais, os diferentes estilos de dança são chamados de “modalidades”). E, que os estudantes conhecem mais
sobre a dança de rua e as propostas
em 1994, o Festival do Triângulo Mineiro, na cidade de Uberlândia, em Minas das companhias, espera-se que eles
Gerais, criou a modalidade “jazz de rua”, contribuindo para a inserção dos comecem a compreender a relação
entre as escolhas dos movimentos
grupos de dança de rua nos palcos brasileiros.
de dança e o sentido que essas dan-
Como resultado desse movimento, que funde estilos e até outras for- ças têm no contexto de origem de-
mas de se dançar na atualidade, grupos de dança de rua ocupam os festivais las. Além disso, a pesquisa permite
aos estudantes conhecerem mais as
de dança, transitam entre rua e palco e misturam suas técnicas, construindo produções artísticas presentes em
assim outros modos de se fazer dança na contemporaneidade. locais próximos a eles.

§ Em grupos com quatro estudantes, pesquisem em jornais, revistas ou na internet sobre um grupo de
dança de rua presente na região ou bairro onde vocês moram. Se possível, conversem também com
pessoas que moram na região ou com funcionários de um espaço cultural.
§ A partir da pesquisa, respondam às questões a seguir.

1. Qual o nome do grupo ou da companhia de dança que vocês pesquisaram?


1. Resposta pessoal.

2. Quem são os integrantes? Onde são os ensaios e as apresentações?


2. Resposta pessoal.

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 143


3. Descrevam a dança dos integrantes da companhia ou grupo pesquisado.
3. Resposta pessoal. Embora se espere que as respostas venham das vivências dos estudantes, nessa questão, abra

espaço para que a discussão gire em torno das características da dança de rua: movimentos que usam o chão, execu-

tados com velocidade, com torsão do tronco, passos do break dancing etc.

4. Na sua opinião, por que esses movimentos têm essas características?


4. Resposta pessoal. Permita que os estudantes expressem suas opiniões; porém, é importante lembrar que muitas

companhias de danças de rua buscam levar ao palco a realidade das ruas, muitas vezes permeada por situações de

violência e conflito.

5. Para você, o que esses movimentos representam?


5. Resposta pessoal. Atente para o fato de que muitos desses movimentos podem representar a violência e os confli-

tos urbanos, bem como outras questões que as companhias tenham intenção de discutir.

6. Compare os movimentos de dança da companhia pesquisada e de outras danças que você conhe-
ce ou já assistiu (mesmo que pela televisão). Cite as semelhanças e as diferenças entre eles.
6. Resposta pessoal. Nesse exercício de fruição artística e estética, espera-se que os estudantes observem as diferen-

tes formas que o movimento pode ter de acordo com a estética construída por cada estilo de dança. É importante

atentar que o objetivo aqui está diretamente relacionado com as possibilidades de fruição como estímulo aos pro-

cessos de criação, e não ao juízo de valores. Para contemplar o olhar com foco na diversidade e nas múltiplas possibi-

lidades do movimento, não será estabelecido qualquer tipo de hierarquia entre os estilos estudados.

144 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


Conhecer um pouco do trabalho da Companhia Urbana de Dança e pesquisar companhias existentes na re-
gião onde você mora são formas de se aproximar da dança de rua, um estilo de dança que se consolidou no final
do século XX e continua a ser desenvolvido e influenciado pela mistura de vários estilos de dança no século XXI.
O termo “dança de rua” caracteriza os movimentos dos dançarinos como atos políticos nas ruas das ci-
dades. A dança em si, que nasce da cultura Hip-Hop, representa as experiências de jovens e adolescentes dos
subúrbios brasileiros ao ocuparem os espaços das cidades em que vivem com seus estilos e formas de dançar.
Porém, é importante considerar que vários desses estilos começaram nas ruas e hoje também ocupam os pal-
cos dos teatros, mas outros têm como proposta justamente ocupar espaços inusitados e, por isso, as apresen-
tações nem sempre são feitas em locais fechados.
Para compreender um pouco mais dessas relações espaciais criadas pelos vários estilos utilizados pe-
los dançarinos da dança de rua, é necessário perceber as características dessa dança e de seus movimentos.
Inicialmente, é preciso compreender que o rótulo “dança de rua” engloba os mais variados estilos, e todos têm
uma característica em comum: foram criados e aprendidos nas ruas, nos guetos, nas favelas, nas festas de bair-
ros e nos clubes noturnos. Atualmente, a dança de rua é ensinada em escolas de dança, mas não foi sempre
assim. Alguns pesquisadores dividem a dança de rua em dois grandes grupos: o estilo antigo e o estilo novo.
As danças que vieram das ruas e dos clubes noturnos estadunidenses das décadas de 1970 e 1980 compreen-
dem o estilo antigo, e são elas: popping, locking, b-boying, waacking e voguing. Essas danças são consideradas
originais e têm regras próprias que as diferenciam uma das outras. Já as danças que misturam as técnicas das
danças originais, criando outras formas de dançar se encaixam no chamado “estilo novo”.
De acordo com um dos principais teóricos da dança, Rudolf Laban, em relação a utilização do espaço, o
movimento dançado acontece nas “áreas espaciais” ou “níveis espaciais”. Para Laban, a dança pode acontecer
no chão (no plano baixo), na altura de uma mesa padrão (no plano médio), ou acima da altura de uma mesa
padrão (no plano alto). No caso da dança de rua, os corpos dos dançarinos utilizam os três planos dos níveis
espaciais descritos por Laban, e subvertendo as leis da gravidade, deslocam o peso do corpo para as mãos,
explorando o plano baixo com movimentos rasteiros e torcendo o corpo nas mais variadas direções, de acor-
do com o estilo dançado. No estilo b-boy, estão os passos do break toprock (no chão), uprock (em pé) e freezes
(congelar o movimento), só para citar alguns. Para a realização dessa atividade, solicite aos estudantes que utilizem bexigas
para explorar os três planos: primeiro apenas no nível baixo (chão), depois no médio (altura de uma mesa comum) e por último, no nível
alto (altura acima de uma mesa comum). Depois, oriente-os a se mover pelo espaço com as bexigas, mas sem usar as mãos. Isso irá es-
timulá-los a utilizar outras partes do corpo na construção do movimento ao se locomoverem nos diversos planos do espaço. O uso de

fazer arte
música de fundo é opcional, mas a utilização de um rap, pode auxiliar os estudantes a se aproxima-
rem e fruírem do contexto apresentado. Objetivo
A exploração da liberdade individual e das diversas e infinitas possibi-
§ Experimentar e
lidades de criação de movimento caracteriza a dança de rua e todos os conhecer os planos
seus estilos. A fim de explorar as diversas possibilidades que os corpos do espaço conforme
os princípios de
têm de criar e reproduzir movimentos, vamos experimentar e conhecer Rudolf von Laban.
os planos do espaço conforme os princípios de Rudolf Laban.
Abra espaço na sala de aula, afastando as carteiras.
Comecem a se movimentar pelo espaço experimentando com os
corpos os planos baixo, médio e alto.Como fonte de pesquisa sobre o assunto, indica-se o livro: RENGEL, Lenira. Os
temas do movimento de Rudolf Laban I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII (modos de aplicação e referências). São Paulo: Annablume, 2008.

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 145


Entre a dança da nobreza
e a dança de rua
Atualmente, é comum observar o sucesso de companhias de dança de Observe a imagem com os estudan-
rua e de outros estilos se apresentando nos teatros de grandes centros urba- tes e peça a eles que notem a suntuo-
sidade do Teatro Municipal do Rio
nos. No entanto, até o final do século XIX e início do século XX, a dança que de Janeiro em comparação com es-
predominava nos grandes teatros era o balé clássico. paços observados em vídeos e ima-
gens da dança de rua. Esse contras-
O primeiro espetáculo de balé apresentado no Brasil aconteceu em 1813,
te é importante para a comparação
no Rio de Janeiro. Naquela época, a dança, que era considerada arte, era pri- entre estilos de dança que surgem
vilégio das classes mais altas da sociedade brasileira, e as apresentações acon- e reforçam a ideia de classes sociais,
como será explorado a seguir.
teciam nos palcos dos grandes teatros para uma plateia restrita. É importan-
te compreender que, nesse mesmo período, as

ACERVO ESTADÃO CONTEÚDO


classes menos privilegiadas economicamente
da sociedade brasileira também tinham as suas
formas de dança, que posteriormente ficariam
conhecidas como danças populares e que ori-
ginaram o samba, o batuque, o frevo, o coco, o
forró etc. No entanto, no século XIX, as danças
da cultura popular que aconteciam nas ruas e
terreiros do Brasil não eram consideradas arte
pelas classes mais favorecidas, e, por esse moti-
vo, não eram levadas ao palco.
No Teatro Municipal do Rio de Janeiro
aconteceram as primeiras apresentações de balé
clássico no Brasil. Diferentemente da dança de
rua, que tem sua origem como forma de expres-
são dos jovens em grandes centros urbanos, o
que se conhece atualmente como balé clássi-
co teve sua origem nas representações de boas
maneiras dos nobres da corte francesa no início
do século XVI, quando o balé era considerado
uma das artes da nobreza, assim como a equi-
tação e a prática do tiro ao alvo. Aprendia-se a
dançar em escolas de esgrima, e os movimen-
tos de dança eram meios de disciplinar os cor-
pos de acordo com os padrões de educação da
época. Por ser dançado por nobres, também ser-
Foto da bailarina Bertha Rosanova (1930 -2008), que ingressou no Corpo
via como uma forma de educar o corpo para a de Baile oficial do Teatro Municipal do Rio de Janeiro aos 13 anos, e, aos 15,
etiqueta social estabelecida. tornou-se a primeira bailarina. Foto de dezembro de 1957.

146 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


A importância do balé também é retra-

ALEKSANDAR TODOROVIC/ SHUTTERSTOCK


tada nas produções de pintores e escultores
nos vários momentos da história. Na imagem
abaixo, o pintor francês Edgar Degas (1834-
-1917) retrata um ensaio de balé. Ao obser-
var essa obra, o figurino, a postura das bailari-
nas e o espaço onde é feito o ensaio, é possí-
vel perceber algumas diferenças do balé em
relação às danças de rua e outros estilos de
dança da atualidade, que têm maior liberda-
de de movimentos, posturas e figurino, além
da possibilidade de serem apresentados tan- Foto da fachada do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (RJ), onde aconteceram as
to nos palcos quanto fora deles. primeiras apresentações de balé clássico no Brasil.

GIANNI DAGLI ORTI / THE ART ARCHIVE AT ART RESOURCE, NY

Sala de dança na ópera da rua Le Peletier, óleo sobre tela de Edgar Degas, 1872. Dimensões: 32,7 cm × 46,3 cm. Degas frequentava os bastidores de
óperas para observar as bailarinas, as quais considerava um pretexto para reproduzir o movimento fluido.
No link <http://entretenimento.uol.com.br/album/kirov_2011_album.htm#fotoNav=15>, acesso em: 15 dez. 2015, há imagens do
A dança de rua, por ser uma arte que nasce de movimentos inseridos em um contexto urbano permeado por
diferenças sociais e econômicas, reflete em seus movimentos o comportamento, o ritmo das músicas compostas pe-
los integrantes do hip-hop e os conflitos entre grupos de jovens que lutam pelo estabelecimento da paz nas ruas dos
grandes centros urbanos. Já o balé clássico, em seu início, refletia os costumes dos palácios reais do século XVII, e re-
tratava a forma de vida das classes mais privilegiadas da Europa daquela época. ensaio da companhia russa Kirov, em sua
turnê em São Paulo. Ao observar as imagens, note parte da estética associada ao estilo de dança hoje conhecido como balé clássico.
É possível encontrar um vídeo de O lago dos cisnes interpretado pela companhia de dança Kirov Ballet, digitando o nome desse balé
em um site de vídeos na internet. Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 147
Saber que esses dois estilos de dança coexistem na atualidade leva a Arte PARA ASSISTIR
perceber que a dança do século XXI abriga diferentes formas de expressão
Sob a luz da fama
de conflitos políticos, sociais e econômicos, e que esses conflitos também
Direção: Nicholas Hytner.
servem de inspiração para a criação. Sony Pictures: Estados Unidos.
Em 1760, a obra Cartas sobre a dança e sobre os bailados, escrita pelo co- Ano: 2001.
Duração: 155 min.
reógrafo Jean-Georde Noverre, influenciou bastante o estabelecimento do
O filme conta a história
balé como uma arte da elite. Na obra, Noverre rejeita a dança somente como de um grupo de jovens
divertimento e propõe que ela seja essencialmente uma forma artística de bailarinos que se dedica
exaustivamente ao
“representação”, ou uma imitação da ação. Na tentativa de reproduzir ações
balé clássico, muitas
do cotidiano, o balé passa a representar as ações da sociedade da época e vezes sacrificando a
se transforma até chegar ao que se conhece hoje como balé clássico. Com o convivência em família, os
relacionamentos amorosos
passar do tempo, os balés foram se consagrando, e escolas e métodos foram e seus hábitos alimentares
desenvolvidos para treinar os bailarinos que levariam ao palco não apenas a para atingirem o objetivo de
representação das ações, mas também as questões sociais vividas. Aos pou- entrar em uma das maiores
companhias de dança do
cos, essas formas de representação se desdobraram em diferentes métodos, mundo, o American Ballet
que passaram a ser escritos em livros e transmitidos de geração em geração. Theatre, (ABC) de Nova Iork.

Os passos do balé, que até hoje são ensinados nas escolas de dança es-
palhadas pelo mundo, permitem identificar o balé clássico como um estilo de
dança formalizado e como uma arte cênica, uma arte dos palcos e dos teatros.
Embora os espetáculos de balé clássico continuem sendo apresentados por
diversas companhias até hoje, os palcos e teatros do século XX e XXI passaram
a exibir também criações de dança de outros estilos, inclusive danças inspira-
das nos movimentos do cotidiano que acontecem nas ruas e nos bairros das
periferias das grandes cidades, como é o caso das danças de rua.
O século XX para a dança ocidental representa o século das rupturas e cria-
ções modernas, é nesse século que a dança moderna alemã e a dança moderna
americana se estabelecem como formas de romper os rígidos padrões corporais
estabelecidos pelo balé clássico e de expressar com o corpo as angústias vividas
pelo ser humano moderno. Durante o século XX, a criação de estilos e métodos
compostos por técnicas específicas e por muitos considerados como teorias da
dança moderna, impulsionam criações coreográficas que definem a dança da épo-
ca e influenciam até hoje o cenário da dança no mundo inteiro. Por ser uma dança
que tem como característica principal as criações e os anseios individuais, nomes
como Rudolf Laban, Isadora Duncan, Mary Wigman e Martha Graham se consa-
gram como intérpretes e mestres de uma dança que influenciaria gerações. Na se-
gunda metade do século XX, surge o movimento artístico conhecido como dança
contemporânea, que abarca até os dias atuais, todos os outros movimentos pauta-
dos nas fusões de movimento e na diversidade dos corpos que dançam. Conhecer
um pouco sobre a história da dança e as diversas formas de se dançar permite uma
aproximação com os muitos lugares que a dança ocupa em uma sociedade.

148 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


Em duplas, façam uma pesquisa em jornais, na internet ou em um espaço cultural da sua cidade
e respondam:

1. Há companhias de balé clássico que já se apresentaram em sua cidade? Citem pelo menos uma.
1. Resposta pessoal.

Os estudantes podem pesquisar companhias de outras cidades ou países, caso não haja companhias de balé

clássico que tenham se apresentado onde eles moram.

2. Como vocês imaginam que seja a rotina de aulas e ensaios de uma companhia de balé clássico
profissional? A pesquisa feita mudou a percepção de vocês sobre o tema?
2. Resposta pessoal.
Esta questão permite que os estudantes reflitam sobre o cotidiano profissional de qualquer área, seja artística ou não,
percebendo que todo trabalho depende de prática e dedicação para ser bem executado. Nesse momento, pode ser
discutido com os estudantes que algumas vezes a rotina de aulas e ensaios do balé clássico propõe exageros na prá-
tica e na dedicação dos profissionais em busca de uma estética específica, condicionada ao virtuosismo e aos rígidos
padrões de execução de movimento.

Neste capítulo, foi possível observar os aspectos sociais e culturais da dança de rua, um estilo de dan-
ça utilizado por muitos jovens como forma de expressar seu papel político.
Também foi observado que os espetáculos de companhias de balé clássico vindas da Europa foram
os primeiros a ocupar os teatros brasileiros. Aos poucos, os teatros passaram a receber apresentações de
outros estilos de dança, mas somente no final do século XX e início do século XXI, a dança de rua come-
çou a ocupar os palcos dos grandes teatros. Nas observações e atividades foram comparadas a dança de
rua, que integra a cultura hip-hop e o balé clássico, que surgiu alguns séculos antes nos palácios reais. Cada
um desses estilos representa os movimentos de corpos que expressam os conflitos e as relações de poder
das várias classes de uma sociedade.
Aproximar estilos de dança tão diferentes e que surgiram em contextos tão distintos é um dos desa-
fios do mundo contemporâneo. É importante lembrar que vida e arte se misturam e que os movimentos
levados ao palco podem refletir tudo que acontece fora dele. As experiências diárias de cada indivíduo
transformam a sua dança e a dança de cada indivíduo também transforma as suas experiências diárias.

Dança e Sociedade | CAPÍTULO 9 149


Com base nas discussões e pesquisas propostas neste capítulo, converse com os colegas e responda:
1. Quais são as diferenças que você percebe entre os movimentos utilizados no estilo de dança conheci-
do como dança de rua e o balé clássico?
1. Resposta pessoal. É importante que o estudante reflita e responda a partir da sua própria percepção e capacidade de

análise, porém vale enfatizar que a dança de rua se caracteriza pelo uso da força no tronco, por ações acrobáticas que

exploram o movimento de braços e pernas e pelos diferentes usos do chão. Em uma sequência de dança de rua, é possí-

vel fazer movimentos muito variados; e a força, a agilidade e a improvisação que privilegiam a liberdade do movimento

também são características essenciais a esse estilo de dança. Já o balé clássico é caracterizado por movimentos, posições

e posturas pré-estabelecidas, passadas de geração em geração e que enfatizam a leveza como característica essencial

dos seus passos, sempre inspirados nos movimentos das cortes europeias.

2. De acordo com Rudolf von Laban, em relação à utilização do espaço, o movimento dançado acontece
nas “áreas espaciais” ou “níveis espaciais”. Para Laban, a dança pode acontecer no chão, ou próximo
ao chão (no plano baixo), na altura de uma mesa padrão (no plano médio), ou acima da altura de uma
mesa padrão (no plano alto). Quais os planos do espaço utilizados nos passos da dança de rua? E no
balé clássico?
2. Para desenvolver mais a compreensão dos planos do espaço de acordo com os princípios de Rudolf von Laban, es-

timule os estudantes a experimentarem, na prática, as diferenças entre os movimentos executados nos planos baixo,

médio e alto.

150 CAPÍTULO 9 | Dança e Sociedade


0
MÚSICA Conteúdos
 Música e identidades

E SOCIEDADE
 Música e diferenças
 Paisagem sonora

Tudo no morro é melhor que na cidade


Tanto na dor como na felicidade
Quando a cidade adormece sonhando
O morro penetra na noite cantando
Vida no morro. Hannibal Cruz.

Me digam quem é feliz, quem não se desespera


Vendo nascer seu filho no berço da miséria.
Homem na estrada. Racionais.

TUCA VIEIRA

Foto de um edifício de alto padrão na região do Morumbi, na cidade de São Paulo, com uma grande área de lazer comum, além de varandas com
piscinas privativas voltadas para a favela Paraisópolis. Foto de 2005.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 151


Neste capítulo, veremos que os contrastes sociais têm sido abordados na música popular brasileira des-
de o início do século XX.
Você provavelmente já ouviu ou mesmo já disse algumas expressões como “que música chata, isso é mú-
sica de gente velha!”, ou “isso não é música, é só barulho”, ou “as músicas do meu tempo é que eram boas” ou
“ter que ouvir essa música é uma tortura”. Isso se deve ao fato de a música estar relacionada não apenas à in-
dividualidade de quem a produz ou de quem a escuta, mas também à complexidade da vida em sociedade.
A música pode ser muito agradável a quem a ouve, pode fazer companhia nos momentos de solidão,
alegrar ambientes e festas etc. Porém ela não serve só para esses momentos. Música também é conhecimen-
to, expressão humana e um fator bastante relevante para a construção de identidades e comportamentos de
grupos sociais, sendo uma importante parte da vida das pessoas em diferentes culturas.

RODA DE CONVERSA
Converse com os colegas e o professor e responda às seguintes questões.
1. Para você, o que é música?
1. Resposta pessoal. Neste livro será trabalhada a ideia de que não existe uma definição de música que possa ser considerada

melhor ou a mais correta. Acolha as diversas definições que poderão surgir das colocações dos estudantes e atente para pos-

síveis juízos de valor ao classificarem determinados tipos de música como “boa” ou “ruim”, “erudita” ou “popular”. Procure não

impor gostos pessoais em relação ao tema.

2. Qual é o tipo de música que você gosta de ouvir?

2. Resposta pessoal. Considere as preferências pessoais de cada estudante, sem expressar julgamentos que classifiquem os

gostos como bons ou ruins.

3. Será que todas as pessoas acham que essa música que você gosta de ouvir é boa música? Justifique
sua resposta.

3. Espera-se que ocorra uma conversa na qual os conflitos entre os julgamentos sobre o valor das várias expressões musicais

venham à tona. Atente para o fato de que uma música pode ser classificada pelas pessoas como boa ou ruim de acordo com

sua complexidade técnica e criativa, mas também de acordo com os gostos e opiniões do público que a produz e a consome.

Provavelmente, a discussão em sala de aula mostrará que não há um consenso entre o que seja música, muito menos entre o

que seja boa música ou música de mau gosto. O que é boa música para alguns pode ser música ruim para outros, ou talvez nem

seja considerada música.

152 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


Música popular e pobreza
O Brasil é um país de muitos contrastes socioeconômicos, em que
um simples muro pode separar as moradias de grupos sociais tão distintos,
como mostrado na fotografia do início do capítulo. A pobreza e a exclusão
social são problemas que atingem muitos brasileiros e que têm sido temas
de várias canções, desde o início do século XX aos raps atuais.
Porém, esses assuntos nem sempre foram tratados da mesma maneira.
Durante o surgimento do que hoje chamamos de música popular brasileira
e no decorrer do século XX, vários fatores interferiam na produção musical
dos compositores que queriam abordar a violência ou a pobreza da popula-
ção em suas canções.
Como o acesso à produção de discos era muito restrito, essa era a primei-
ra barreira a ser transposta: convencer os produtores de discos a gravar músi-
cas que tratavam desses temas. Em seguida, outro desafio era ter suas músicas
tocadas nas rádios, que durante décadas foram a principal forma de divulga-
ção musical no país. Ao longo da segunda metade do século XX, esta tarefa
de divulgação musical passou a ser dividida com a televisão. Assim, era preciso
encontrar a dosagem certa para tratar desses temas e agradar aos produtores,
aos radialistas e, por fim, ao público.
Foram escolhidas três canções dessa fase inicial da produção musical no
Brasil para exemplificar e discutir como a pobreza e seus problemas foram tra-
tados. As canções estudadas serão o samba “Ave Maria no morro”, composto
em 1942 por Herivelto Martins (1912-1992), o samba “Com que roupa”, compos-
to em 1929 por Noel Rosa (1910-1937), e a seresta “Chão de estrelas”, composta
por Sílvio Caldas (1908-1998) e Orestes Barbosa (1893-1966) na década de 1950.
A primeira música a ser analisada é a canção “Chão de estrelas”, de Sílvio
Caldas e Orestes Barbosa.
A letra descreve a tristeza de alguém que, ao ser abandonado pela mu-
lher amada, perde a felicidade que preenchia seu abrigo e sua vida. Nos ver-
sos da canção, repare que há um contraponto entre a simplicidade do local
descrito e as imagens poéticas geradas no mesmo cenário. Apesar de o teto
da habitação ser de zinco, os raios da lua, ao atravessarem os buracos do te-
lhado, formavam no chão um “tapete de estrelas”.

Seresta: canções românticas cantadas à noite nas serenatas, quando os músicos se colo-
cavam sob a janela da pessoa amada. O conjunto de músicas desse estilo formou o que
no Brasil passou a ser conhecido como serestas, mesmo que não sejam necessariamen-
te cantadas em uma serenata.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 153


Chão de estrelas 10

Minha vida era um palco iluminado Reproduza a faixa 10 do


Eu vivia vestido de dourado CD para ouvir a canção
Palhaço das perdidas ilusões e leia a letra da música
Cheio dos guizos falsos da alegria enquanto a ouve.

Andei cantando a minha fantasia


Entre as palmas febris dos corações
A
YUK
ABA
C K/B
ER STO
Meu barracão no morro do Salgueiro SH UT T

Tinha o cantar alegre de um viveiro


Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou

Nossas roupas comuns dependuradas


Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam um estranho festival
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional

A porta do barraco era sem trinco


Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas nos astros, distraída
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
CALDAS, Sílvio; BARBOSA, Orestes. Chão de estrelas. Disco 78 rpm, Sinter, 1952.

A canção descreve um barraco com uma porta que não se pode trancar,
Guizo: pequenas bolas ocas, ge-
mostrando a precariedade daquela construção. Um telhado de zinco furado, ralmente de metal, com uma ou
por onde passa a luz da lua, e provavelmente também a chuva, o vento e o mais bolinhas maciças em seu in-
terior e que produzem sons quan-
frio. No entanto, o lirismo dos versos em sinergia com a composição musical do agitadas.
criam uma atmosfera romântica, levando o ouvinte a acreditar que a alegria Cabrocha: mulher jovem e bonita,
dessa vida é mesmo a “cabrocha, o luar e violão”. A pobreza econômica nes- descendente de pai e mãe de cor
de pele diferentes, sendo um de-
-sa canção aparece apenas como pano de fundo, predominando a descrição
les negro e o outro branco.
da tristeza pelo grande amor que se foi.
Sinergia: quando duas coisas jun-
A segunda música que será analisada é a canção “Ave Maria no morro”,
tas causam um efeito superior ao
de Herivelto Martins. que causariam separadamente.

154 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


Ave Maria no morro 11

Barracão de zinco E o morro inteiro no fim do dia Reproduza


Sem telhado, sem pintura Reza uma prece Ave Maria a faixa 11 do
Lá no morro E o morro inteiro no fim do dia CD de áudio
Barracão é bangalô Reza uma prece Ave Maria para ouvir a
canção e leia a
Lá não existe Ave Maria letra da música
Felicidade de arranha-céu Ave enquanto
Pois quem mora lá no morro E quando o morro escurece a ouve.
Já vive pertinho do céu Elevo a Deus uma prece
Ave Maria
Tem alvorada, tem passarada
Ao alvorecer
Sinfonia de pardais MARTINS, Herivelto. Ave Maria
Anunciando o anoitecer no morro. Disco 78 rpm, Odeon, 1942.

O tema da canção é a precariedade das moradias nos morros do Rio de


Janeiro em 1950, as contradições entre a vida nas favelas e nas áreas urbanizadas
da cidade e, no final, há uma exaltação do morro como local de proximidade à na-
tureza e a Deus. Repare que, em sinergia ao conteúdo triste da letra, a parte mu-
sical confere à canção um caráter lírico e religioso. Nessa canção, a precariedade
A introdução da canção interpre-
da moradia e da situação econômica estão em primeiro plano, diferentemente tada por Dalva de Oliveira lembra
do que foi visto na canção interpretada por Sílvio Caldas, onde a perda da pessoa a obra “Ave Maria”, do compositor
francês Charles Gounod, que é to-
amada era o tema central. Entretanto, em “Ave Maria no morro” há também um cada frequentemente às 18 horas
recurso poético que ameniza os problemas sociais: o apelo à religiosidade pare- em muitas rádios e igrejas católi-
ce trazer conforto tanto para quem interpreta como para quem ouve a canção. cas brasileiras. Os arranjos musicais
da orquestra e do grupo vocal lem-
A terceira música a ser estudada é a canção “Com que roupa”, de Noel Rosa. bram também o estilo de música
Noel Rosa nasceu em 11 de dezembro de 1910 na cidade do Rio de dos Estados Unidos que chegava ao
Brasil na década de 1940 por meio
Janeiro e, apesar de ter vivido apenas 26 anos, devido a uma tuberculose
do cinema, misturando romantismo
que tirou-lhe a vida, é considerado um dos principais compositores de músi- e religiosidade.
ca popular no Brasil. Noel era um cidadão de classe média do Rio de Janeiro Para enriquecer o trabalho, se possí-
vel, em um site de buscas da internet,
e circulava tanto pelos morros cariocas quanto pelos bares da cidade, assi- digite “Ave Maria Charles Gounod”
milando a diversidade cultural da época e transformando tudo em samba. e escolha um dos links para ouvir a
Bem diferente do que foi visto nas duas músicas anteriores, na canção de música e apresentá-la aos estudan-
tes. Depois, ouçam novamente a in-
Noel Rosa observa-se a voz de um personagem sem dinheiro, coberto de farrapos, trodução da canção “Ave Maria no
em uma mistura de ironia e bom humor. Essa mistura se tornaria uma das princi- morro” (faixa 11) e, com os estudan-
tes, compare as introduções de am-
pais características do estilo de Noel, que cantou a pobreza do povo brasileiro de
bas as músicas.
maneira bem-humorada nos versos de suas canções. Seu modo de olhar para um Caso julgue interessante, apresen-
país em constante crise econômica incentivava as pessoas a conservarem sempre te à turma uma interpretação mais
atual de “Ave Maria no morro” nas
o sorriso, mesmo “que a vida esteja feia, e que vivas na pinimba, passando a pirão vozes de Caetano Veloso e João
de areia”, como cantou em seu “Samba da boa vontade”, gravado em 1931. Gilberto.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 155


Com que roupa? 12

Agora vou mudar minha conduta Eu hoje estou pulando como sapo
Reproduza
Eu vou pra luta pois eu quero me aprumar Pra ver se escapo desta praga de urubu a faixa 12 do
Vou tratar você com a força bruta Já estou coberto de farrapo CD de áudio
Pra poder me reabilitar Eu vou acabar ficando nu para ouvir
a canção e
leia a letra
Pois esta vida não está sopa Meu terno já virou estopa
da música
E eu pergunto: com que roupa? E eu nem sei mais com que roupa enquanto
Com que roupa que eu vou Com que roupa que eu vou a ouve.
Pro samba que você me convidou? Pro samba que você me convidou?

Agora eu não ando mais fagueiro Seu Português agora deu o fora,
Pois o dinheiro não é fácil de ganhar Já foi-se embora e levou seu capital.
Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro Esqueceu quem tanto amou outrora,
Não consigo ter nem pra gastar Foi no Adamastor pra Portugal,

Eu já corri de vento em popa Pra se casar com uma cachopa,


Mas agora com que roupa? Mas agora com que roupa?
Com que roupa que eu vou Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou? Pro samba que você me convidou?
ROSA, Noel. Com que roupa? Disco de 78 rpm, Parlophon, 1930.

Cada uma à sua maneira, as três canções que foram analisadas até aqui
falam em suas letras do modo de vida de uma parte da população brasileira,
em uma época passada, marcado pela pobreza urbana. “Chão de estrelas” é
uma canção de amor onde a pobreza é apenas o pano de fundo; a canção
de Herivelto Martins aborda o tema dentro de um clima religioso; e “Com
que roupa” aborda a pobreza com ironia e bom humor. As três músicas al-
cançaram muito sucesso em suas épocas e continuam a ser gravadas e to-
cadas até hoje. Talvez um dos motivos desse sucesso que atravessa os anos
seja a pluralidade de maneiras que essas canções podem afetar o público. Ao
mesmo tempo em que podem despertar alguns ouvintes para o conteúdo
social retratado em seus versos, são também consideradas por muitas pes-
soas como belas canções, clássicos que se canta para celebrar e festejar, ape-
sar do conteúdo de suas letras.
Tais canções foram compostas e inicialmente veiculadas quando o Brasil co-
meçava seu processo de urbanização e industrialização. A pobreza e os contras-
tes sociais já estavam presentes e eram marcantes, mas as canções daquele tem-
po ainda não eram veículos para expor os conflitos sociais ou protestar contra a

156 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


violência urbana. Nas canções estudadas até aqui e em muitas outras gravadas na Peça aos estudantes que observem
com atenção a fotografia de 1912 da
mesma época, a pobreza e a exclusão foram retratadas de modo conformista, as-
favela Morro do Pinto. Questione-
sociadas a preceitos morais e religiosos ou com muito bom humor e ironia. -os sobre as possíveis relações entre
as moradias que aparecem na foto
e o cenário descrito nos versos das

REPRODUÇÃO
três canções estudadas. Espera-se
que eles concluam que a fotografia
apresenta moradias precárias. A po-
breza é documentada de maneira
objetiva na foto, em um contrapon-
to aos recursos poéticos utilizados
nas canções.

Foto da favela Morro do Pinto, no Rio de


Janeiro (RJ) fotografada em 1912, pelo
importante fotógrafo Augusto Malta,
que registrou as profundas mudanças
por que passou o Rio de Janeiro no início
do século XX, quando a cidade ainda era
a capital federal do Brasil.

Arte PARA NAVEGAR


Disponível em: <http://
Agora você irá realizar entrevistas com pessoas mais velhas e confe- ims.com.br/ims/explore/
rir se elas conhecem algumas dessas músicas que estamos estudando e acervo/musica>. Acesso
em 13 out. 2015.
se reconhecem que essas canções abordam problemas sociais em suas
No site do Instituto Moreira
letras. Você vai elaborar um questionário e fazer breves entrevistas com
Salles, é possível conhecer
seus pais, avós ou conhecidos mais velhos que você. a vida e a obra de alguns
Você pode se basear no seguinte roteiro: músicos importantes para a
história da música brasileira,
além de consultar on-line
1. Nome do entrevistado: o acervo de fonogramas
do instituto. Desça a barra
2. Idade:
de rolagem, escolha um
3. Sexo: dos músicos e navegue
4. Profissão: pelo menu referente a
cada um deles, que pode
5. Você conhece o samba “Ave Maria no morro”, o samba “Com
trazer um texto sobre a
que roupa?” ou a seresta “Chão de estrelas”? biografia do artista ou até
6. Vocês gostam dessas canções? músicas e partituras.

7. Qual assunto é tratado nessas canções?


Fonograma: registro de sons em
suporte material (disco, CD, fita
 Se necessário, inclua mais perguntas, mas é importante manter as magnética etc.)
perguntas 5, 6 e 7 do roteiro acima. Também é importante não dar
nenhuma dica sobre a temática das letras aos entrevistados. Anote
as respostas para compartilhar em sala de aula.
O objetivo desta atividade é levar os estudantes a perceber como essas músicas podem
ter sido apreciadas pelos ouvintes mais velhos. Alguns entrevistados poderão comentar
sobre a temática da pobreza abordada e outros poderão simplesmente considerar como
canções bonitas ou românticas, por exemplo. O importante será discutir a diversidade de
Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 157
maneiras de ouvir e compreender as canções pelos entrevistados.
Nova paisagem sonora
urbana no Brasil
A expressão “paisagem sonora” foi proposta pelo músico e professor
canadense Murray Schafer (1933-), que desenvolveu a ideia de que as pes-
soas, de alguma maneira, reproduzem os ambientes sonoros em que vivem
em forma de linguagem e de música. Isso quer dizer que populações e cul-
turas diferentes apresentam paisagens sonoras diferentes, as quais podem
também ir sofrendo modificações internas, de acordo com o desenvolvi-
mento histórico de suas sociedades.
O Brasil passou por grandes modificações em sua estrutura social durante
as últimas décadas do século XX, como a crescente concentração da popula-
ção nos centros urbanos e o agravamento da violência. Isso se refletiu também
na produção musical dos compositores de canções. Alguns passaram a abor-
dar os problemas sociais em suas músicas de uma forma muito mais direta e
contestadora do que nas canções que foram estudadas até agora.

Música e universidade

O grupo de pesquisa Musicultura foi criado a partir da parceria en-


tre o Laboratório de Etnomusicologia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e é coordenado pelo professor Samuel Araújo, e a ONG
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Os trabalhos do
grupo contam com a participação de moradores da Favela da Maré (se-
gundo maior complexo de favelas da cidade do Rio de Janeiro), estudan-
tes de Ensino Médio, professores e alunos da UFRJ e com o apoio finan-
ceiro de órgãos de fomento à pesquisa no Brasil.
A pesquisa do grupo baseia-se em levantamentos sobre a produção
musical, memória e sociabilidade na Maré. Os pesquisadores registram
em áudio e vídeo as práticas musicais locais, construindo assim um ban-
co de dados de acesso público na Maré e desenvolvem programas de di-
fusão de seu conteúdo. Nas palavras do professor Samuel Araújo, “a ideia
central do projeto é o foco na participação efetiva da juventude no pro-
cesso de criação e formulação de atividades de pesquisa, manifestando
a liberdade de opinião, sem hierarquias e privilegiando, dessa forma, a
participação política na própria periferia e, de uma maneira geral, na so-
ciedade” (ARAÚJO e colaboradores, 2006).

158 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
Foto de moradores e artistas do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ), protestam com
caminhada e performances contra o fechamento do Museu da Maré, centro de referência
histórica e cultural da comunidade, criado pelo Ceasm. Foto de 18 de outubro de 2014.
Em desenvolvimento desde o início de 2004, as ações do grupo
Musicultura se caracterizam por uma abordagem dialógica junto à comu-
nidade da Maré. Por meio de seus trabalhos, o professor Samuel Araújo
e seus colaboradores têm mostrado que, além dos riscos reais de violên-
cia física a que estão sujeitas as populações de favelas do Rio de Janeiro e,
por extensão, das comunidades pobres residentes nas grandes cidades do
Brasil, tais pessoas também estão fortemente expostas a violências simbóli-
cas. Políticas governamentais (ou a ausência delas), ações policiais violentas,
interpretações negativas e preconceituosas de suas próprias expressões ar-
tísticas e invisibilidade cultural seriam alguns aspectos dessa violência sim-
bólica. Ao consenso geral de que o tráfico de drogas é o único ou principal
motor da violência nas periferias brasileiras, os autores adicionam outras
realidades, como os índices agudos de pobreza e desigualdade social e
o desemprego estrutural, entre outros fatores que tornam extremamente
complexas quaisquer intervenções públicas nesses contextos.

Disponível em: <https://somdamare.wordpress.com/>. Acesso em: 15 dez. 2015.


Neste site é possível conhecer o projeto Som da Maré – um projeto participativo
de arte sonora, que é um desdobramento das ações do grupo Musicultura
nas comunidades da Maré, Rio de Janeiro. Nos cursos e oficinas realizados
nas favelas da Maré, foram criadas intervenções culturais compostas de
instalações, expostas no Museu da Maré, e passeios sonoros guiados no
Parque do Flamengo. As obras incluem depoimentos e paisagens sonoras e
convidam as pessoas a vivenciar espaços cotidianos de maneiras ampliadas.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 159


Alguns fatores foram fundamentais para essa mudança na forma de
se fazer canções. O primeiro deles foi o agravamento da distância social
entre as populações pobres e as classes brasileiras de maior poder aquisi-
tivo, verificado especialmente a partir da década de 1970 em decorrência
do gigantesco endividamento externo e do processo desordenado e rápi-
do de urbanização das principais metrópoles. Foi também nessa década
que começaram a se propagar os bailes black nas grandes cidades brasi-
leiras, que abriram caminho para a chegada do movimento Hip-Hop e da
música rap no país.
Na década de 1980, além dos problemas econômicos gerados na década
anterior vários fatos políticos importantes contribuíram para que composi-
tores passassem a abordar questões sociais nos versos de suas canções de
maneira mais dura e direta: o término da ditadura militar, o fim da censura e
a promulgação da nova Constituição Brasileira em 1988. Juntos, esses fatores
garantiram a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e cien-
tífica do país e, assim, os compositores puderam abordar questões sociais
em suas canções de uma forma que até então não se tinha conhecimento. O
movimento Hip-Hop já havia se espalhado pelas metrópoles e os rappers co-
meçaram a denunciar, por meios de suas músicas, o racismo e a marginaliza-
ção da população afrodescendente presente no país.
A partir da década de 1990, o avanço das tecnologias digitais associa-
do ao barateamento dos computadores domésticos tornou mais acessível
o processo de produção de discos. Desde então, já não era mais necessário
estar associado a uma gravadora para poder gravar um disco, o que trouxe
uma grande liberdade aos artistas. Eles já não precisavam atender às expec-
tativas das gravadoras para terem acesso ao mercado fonográfico nem se
ajustar aos limites apresentados pelas rádios, como viveram os compositores
que foram estudados no início deste capítulo.
Com a internet multiplicaram-se as formas de se divulgar a produção musi-
cal, que não era mais exclusividade das rádios e da televisão. Dessa forma, já não
era preciso gravar apenas o que seria adequado a um suposto gosto dos ouvintes,
o que também trouxe maior liberdade aos compositores.
Tudo isso preparou o terreno para que os artistas da atualidade tives-
sem maior liberdade de expressão e mais acesso aos meios de produção e
de divulgação de suas obras para abordar os problemas sociais do país de
modo mais incisivo.

160 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


Música em tempos de turbulência
Foi dentro desse panorama de crescente liberdade artística, independência
na gravação e divulgação da música, urbanização desordenada e um contexto
econômico desigual e excludente que surgiram importantes grupos de rap, espe-
cialmente na cidade de São Paulo. Talvez o grupo mais emblemático da música
rap, no Brasil, seja o Racionais, que despontou com o lançamento de seu primeiro
disco Holocausto urbano em 1990. O grupo se des-

ARIEL FAGUNDES
tacou por músicas que abordam situações de ra-
cismo, pobreza, violência e o ambiente de crimina-
lidade a que estão expostas as comunidades mais
pobres das grandes cidades.
A letra do rap “Beco sem saída”, que será
analisada, descreve a situação de pessoas que
dormem sob os viadutos, vivendo sem perspec-
tivas de dias melhores. A letra também chama a
atenção para o fato de essas pessoas serem, em
sua maioria, afrodescendentes, “vítimas de uma Foto do show de lançamento do CD, Cores e Valores do grupo Racionais, em Porto
ingrata herança”. Alegre (RS). Foto de 22 de agosto de 2015.

Beco sem saída


13
Às vezes eu paro e reparo, fico a pensar Reproduza a faixa 13 do CD
qual seria meu destino senão cantar de áudio, ouça um trecho
um rejeitado, perdido no mundo, é um bom exemplo do rap “Beco sem saída”, do
irei fundo no assunto, fique atento grupo Racionais, e leia um
trecho da letra da música.
A sarjeta é um lar não muito confortável
O cheiro é ruim, insuportável
O viaduto é o reduto nas noites de frio
Esta música também pode ser ou-
onde muitos dormem, e outros morrem, ouviu?
vida no CD “Holocausto urbano” do
São chamados de indigentes pela sociedade grupo Racionais, de 1990.
A maioria negros, já não é segredo, nem novidade
Vivem como ratos jogados, Incentive os estudantes a lerem o trecho da
música e a comentarem suas impressões.
homens, mulheres, crianças,
Ressalte que, apesar de apontar as pessoas
Vítimas de uma ingrata herança excluídas como vítimas, os Racionais sem-
A esperança é a primeira que morre pre evocam seu público a combater as de-
E sobrevive a cada dia a certeza da eterna miséria sigualdades e a não se resignar perante a
realidade social histórica do país. Também
O que se espera de um país decadente
é importante lembrar que a escravidão no
onde o sistema é duro, cruel, intransigente? Brasil foi marcada pela grande resistên-
Beco sem saída! cia, inclusive cultural, da população negra
escravizada.
[…]
HO
AL
RV
CA

RACIONAIS. Beco sem saída. In: Holocausto urbano (LP). Zimbabwe, 1990.
EL
GU
MI

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 161


DIVULGAÇÃO

Foto de grafite de Eduardo Kobra, representando o grupo Racionais, feito em 2014, que ocupa uma
parede de 14 metros de comprimento por 7,5 metros de altura em um imóvel na comunidade da Vila
Fundão, zona sul da cidade de São Paulo (SP). Foto de 2014.

Observe como é abordada a questão da pobreza nesta letra e como a cons-


trução musical (o arranjo, a forma de cantar e a batida da base instrumental) pare-
ce reforçar o caráter de denúncia e contestação da letra, em sinergia.
A interpretação dos cantores se aproxima da fala e utiliza do ritmo das
palavras para acentuar um ambiente sonoro, onde tudo parece indicar uma
situação incômoda e inaceitável. Observe que as metáforas nos versos des-
te rap não são usadas para amenizar as situações de pobreza. Ao contrário,
a pobreza, a exclusão e a violência são expostas diretamente e sem rodeios.

Disponível em: <http://eduardokobra.com>. Acesso em: 14 dez. 2015.


Eduardo Kobra é um artista paulistano, reconhecido internacionalmente pelos
murais e painéis que realiza com sua equipe em muros e fachadas de prédios ao
redor do mundo. No site do artista você poderá ver mais algumas de suas obras.

162 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


fazer arte
Muitos compositores de diversos estilos criaram músicas a partir de Objetivo
poemas. E, como foi visto anteriormente, o rap é a abreviatura para “rit- § Criar, apresentar e fruir
mo e poesia”, em inglês. breves esboços de
15
coreografia a partir da base
Agora, utilizem o rap como base musical para a prática a seguir. musical apresentada.

§ Afastem as carteiras para as laterais da sala, liberando espaço no cen-


14
tro e formem um círculo.
§ Começando pelo colega que está do lado esquerdo do professor,
Ouça, na faixa 14 do
cada integrante do círculo criará um movimento que, em seguida, CD de áudio, um rap
deverá ser repetido por todo o grupo. que foi composto com
o poema “O operário”,
§ Durante a atividade, todos os integrantes executarão o movimento
estudado no capítulo 8.
que criaram e repetirão os movimentos criados pelos outros mem- Preste atenção na batida
bros do grupo que estão no círculo, criando assim uma coreografia. musical e em como o
poema se transforma
§ A atividade poderá ser repetida algumas vezes com objetivos di-
quando é musicado.
ferentes, por exemplo: aquecimento do corpo; memorização dos
movimentos; percepção das variações rítmicas.
Nas faixas 14 e 15 do CD de áudio
Vocês podem se basear nos movimentos da dança de rua que vocês há, respectivamente, um rap com-
posto a partir do poema “O ope-
estudaram no capítulo 9, ou em outros tipos de dança. Também podem rário” e a base musical, sem a voz,
utilizar gestos, poses e movimentos do cotidiano (bater palmas, bater o que pode servir para criar um ou-
tro rap, caso considere adequado.
pé no chão etc.).
Se os estudantes tiverem familiari-
dade com esse estilo musical, eles
§ Depois de experimentarem esses movimentos em círculo, reúnam-
mesmos podem fazer as batidas,
-se em grupos de cinco alunos. Cada grupo escolhe de quatro a cin- mas, se preferir, utilizem o con-
co movimentos criados pelos colegas e os coloca em sequência no teúdo do CD como apoio para a
atividade.
ritmo da música, criando uma coreografia.

Pratiquem os movimentos criados e vejam se gostaram do resultado.


Tentem ampliar essa coreografia até abarcar a música toda, escolhendo
movimentos e colocando-os em sequência no ritmo da música. Os mo-
vimentos podem se repetir em outras partes da música também. Se possível, repita o áudio do rap
Se houver tempo para isso, experimentem os movimentos criados “O operário” várias vezes duran-
te este exercício, para que o mo-
com outras músicas também. vimento não seja interrompido.
Com acompanhamento do professor, caso haja possibilidade, en- Caso algum estudante não se sin-
ta à vontade em participar da pro-
saiem a coreografia e apresentem para os colegas durante o intervalo de posta se movimentando, sugi-
aula ou em uma feira cultural da escola. ra outras formas de participação,
tais como: gravando ou fotogra-
Se possível, filmem a coreografia da turma. Além de ser um excelente
fando o que os colegas fazem, en-
registro, também poderá ser exibida em outros espaços da escola. tre outras.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 163


Neste capítulo, foi possível observar que nem sempre há um consenso entre as pessoas sobre o que é
música e sobre o que é música boa ou ruim. É importante notar que há diferentes formas de se fazer e de
se apreciar música e que todas podem ser interessantes, dependendo da disponibilidade do ouvinte para
observar essas diferenças. Algumas visões preconcebidas sobre a música podem impedir o ouvinte de usu-
fruir das criações de compositores talentosos e inventivos e, ao mesmo tempo, tão diferentes entre si, como
Herivelto Martins, Noel Rosa ou Mano Brown. Além disso, foram analisadas diferentes letras de música po-
pular que abordam a vida em sociedade, a pobreza, a violência e a exclusão social, entre outros temas.

RODA DE CONVERSA
A partir do que foi visto até agora, converse com os colegas e professor e responda:

1. Cite semelhanças e diferenças entre a música “Beco sem saída” e as demais músicas estudadas nes-
te capítulo.
1. Entre as semelhanças, pode-se citar a temática das letras que, de alguma forma, abordam situações do cotidiano das cida-

des; todas se ligam ao tema da pobreza. Entre as diferenças, estão o estilo de cantar, a instrumentação, o gênero musical e a

forma como os temas são abordados em cada canção.

2. Quais os fatores que contribuíram para as mudanças na paisagem sonora da canção brasileira nos
últimos anos?
2. O agravamento da violência, o fim da censura, os avanços tecnológicos e a chegada da cultura hip-hop no Brasil são alguns

fatores. É importante ressaltar que, dentro dessa nova paisagem sonora, temas como a exclusão social ou a violência urbana

têm sido abordados nas canções de uma forma mais direta do que se fazia até então.

164 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. (Enem) 1. Resposta: C. evidencia que a proposta de Boal se apro-
Teatro do Oprimido é um método teatral que xima das regras do teatro tradicional para a
sistematiza exercícios, jogos e técnicas teatrais preparação de atores.
elaboradas pelo teatrólogo brasileiro Augusto
e. a metodologia teatral do Teatro do Oprimido
Boal, recentemente falecido, que visa à desme-
segue a concepção do teatro clássico aristo-
canização física e intelectual de seus pratican-
tes. Partindo do princípio de que a linguagem télico, que visa à desautomação física e inte-
teatral não deve ser diferenciada da que é usa- lectual de seus praticantes.
da cotidianamente pelo cidadão comum (opri- 2. (Enem)
mido), ele propõe condições práticas para que No Brasil, a origem do funk e do hip-hop re-
o oprimido se aproprie dos meios do fazer tea- monta aos anos 1970, quando da proliferação
tral e, assim, amplie suas possibilidades de ex- dos chamados “bailes black” nas periferias dos
pressão. Nesse sentido, todos podem desenvol- grandes centros urbanos. Embalados pela black
ver essa linguagem e, consequentemente, fazer music americana, milhares de jovens encontra-
teatro. Trata-se de um teatro em que o espec-
vam nos bailes de final de semana uma alterna-
tador é convidado a substituir o protagonista e
tiva de lazer antes inexistente. Em cidades como
mudar a condução ou mesmo o fim da história,
o Rio de Janeiro e São Paulo, formavam-se
conforme o olhar interpretativo e contextuali-
equipes de som que promoviam bailes onde foi
zado do receptor.
se disseminando um estilo que buscava a valo-
Companhia Teatro do Oprimido. Disponível em: <www.
ctorio.org.br.> Acesso em: 1 jul. 2009 (adaptado). rização da cultura negra, tanto na música como
nas roupas e nos penteados. No Rio de Janeiro
Considerando-se as características do Teatro do ficou conhecido como “Black Rio”. A indústria
Oprimido apresentadas, conclui-se que fonográfica descobriu o filão e, lançando discos
a. esse modelo teatral é um método tradicio- de “equipe” com as músicas de sucesso nos bailes,
nal de fazer teatro que usa, nas suas ações difundia a moda pelo restante do país.
cênicas, a linguagem rebuscada e hermética DAYRELL, J. A música entra em cena: o rap e o funk na so-
falada normalmente pelo cidadão comum. cialização da juventude. Belo Horizonte: UFMG, 2005.
b. a forma de recepção desse modelo teatral se 2. Resposta: D.
A presença da cultura hip-hop no Brasil caracte-
destaca pela separação entre atores e públi-
riza-se como uma forma de
co, na qual os atores representam seus per-
a. lazer gerada pela diversidade de práticas ar-
sonagens e a plateia assiste passivamente
tísticas nas periferias urbanas.
ao espetáculo.
c. sua linguagem teatral pode ser democrati- b. entretenimento inventada pela indústria fo-
zada e apropriada pelo cidadão comum, no nográfica nacional.
sentido de proporcionar-lhe autonomia crí- c. subversão de sua proposta original já nos
tica para compreensão e interpretação do primeiros bailes.
mundo em que vive. d. afirmação de identidade dos jovens que a
d. o convite ao espectador para substituir praticam.
o protagonista e mudar o fim da história e. reprodução da cultura musical norte-americana.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 165


3. (Enem) 3. Resposta: C. c. o registro do pensamento e das crenças das
sociedades em várias épocas;
Texto 1
d. a repetição dos temas e a restrição de uso

REPRODUÇÃO
pelas classes dominantes;
e. o uso exclusivista da arte para atender aos
interesses da elite.
4. (Universidade Federal de Sergipe) Considere as
afirmações sobre a dança contemporânea.
I. A dança contemporânea não se define
em técnicas ou movimentos específicos,
Toca do Salitre - Piauí pois o intérprete/bailarino ganha autono-
Disponível em: <http://www.fumdham.org.br>. Acesso em: 27 jul. 2010.
mia para construir suas próprias partituras
Texto 2 coreográficas.
II. A improvisação, contato improvisação,
REPRODUÇÃO

Método Laban, Técnica de release, Body


Mind Centering (BMC) são métodos e pro-
cedimentos utilizados pelos coreógrafos de
dança contemporânea para sua pesquisa
coreográfica.
III. O bailado dramático, a reprodução de uma
Arte Urbana. técnica específica e as dinâmicas de movi-
Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br>. Acesso em: 27 jul. 2010. mentos são ferramentas para a composição
cênica da dança contemporânea.
O grafite contemporâneo, considerado em al- IV. Temas relacionados a questões políticas, so-
guns momentos como uma arte marginal, tem ciais, culturais, autobiográficas, comporta-
sido comparado às pinturas murais de várias épo- mentais e cotidianas são instrumentos para
cas e às escritas pré-históricas. Observando as ima- os intérpretes de dança contemporânea
gens apresentadas, é possível reconhecer elemen- criarem suas composições.
tos comuns entre os tipos de pinturas murais, tais Está correto o que se afirma em: 4. Resposta: D.
como: a. I, somente.
a. a preferência por tintas naturais, em razão b. III, somente.
de seu efeito estético; c. I e II, somente.
b. a inovação na técnica de pintura, rompendo d. I, II e IV, somente.
com modelos estabelecidos; e. I, II, III e IV.

166 CAPÍTULO 10 | Música e Sociedade


Artigos, livros e revistas e a violência no Brasil, sendo voz ativa e protagonista na luta
contra a ditadura. No documentário, também é possível ver sua
 FARO, Antonio José. Pequena história da dança. Rio de Janeiro. participação ativa na cena teatral do Rio de Janeiro e São Paulo
Jorge Zahar. 1986. durante a ditadura brasileira.
Nesse livro, Antonio Faro, crítico de dança, apresenta uma visão
 Dzi Croquette, direção de Tatiana Issa e Raphael Álvares. Brasil,
panorâmica da história da dança na sua forma de arte, de ritual,
2009. (110 min.)
e de entretenimento e faz reflexões relacionadas ao surgimento
dos estilos de dança mais conhecidos ao longo da história. A partir de depoimento de diversos artistas, este documentário
 MACK, Lorrie. Dança para crianças. Maria Elisa Bifano (Trad.). São retoma a trajetória do grupo de atores/ bailarinos que se tornaram
Paulo. Publifolhinha, 2013. ícones da contracultura na década de 1970, fazendo oposição à
Esse livro surpreende pela sua abordagem simples e direta. ditadura brasileira de modo bem-humorado, irônico e inteligente.
Mesmo sendo direcionado ao público infantil, ele ajuda a O grupo fez muito sucesso no Brasil e também em Paris.
compreender a diversidade de estilos de dança desenvolvidos  Primeiro sinal – história do teatro em Belo Horizonte dos primórdios até
ao longo da história da humanidade, utilizando imagens e
1980, direção de Chico Pelúcio e Rodolfo Magalhães. Brasil, 2014.
descrições de estilos como a dança de salão, a dança de rua, as
Este documentário traz depoimento de artistas, técnicos e
vivências em dança contemporânea, inclusive os musicais, uma
forma de unir no mesmo palco a dança, a música e o teatro. críticos teatrais de Belo Horizonte que retratam a história do
 SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira. São teatro na cidade desde as décadas de 1940 até 1980. É uma boa
Paulo: Editora 34, 2008. opção para ampliar o olhar sobre a história do teatro brasileiro
O livro traz uma contextualização histórica dos gêneros e para além do eixo Rio-São Paulo.
movimentos musicais, além de compositores e intérpretes que  Rize, direção de David LaChapelle. Estados Unidos, 2005. (86 min.)
ajudaram a construir a música popular no Brasil, desde 1770 até o
Esse documentário apresenta dois estilos de dança de rua que
início do século XXI.
se originaram em Los Angeles na década de 1990: o clowning
e o krumping. Com várias entrevistas, o filme se divide em três
CDs partes. Na primeira, é apresentado o estilo clowning. A segunda,
 CRIOLO. Convoque seu Buda (CD). Universal, 2014. mostra como o clowning se desenvolveu até se transformar no
Criolo é um compositor e cantor de rap que alcançou o sucesso krumping. E a terceira, mostra uma batalha de dança entre “clowns
com o lançamento do CD Nó na orelha em 2011, disco que foi and krumpers”. Uma excelente opção para conhecer um pouco
considerado por setores da crítica especializada como o melhor das culturas que originaram esses estilos de dança.
lançamento daquele ano. No CD seguinte, Convoque seu Buda,
 Planet B-Boy, direção de Benson Lee. Estados Unidos, 2007. (101 min.)
Criolo aprofunda as relações com outros gêneros musicais em
Esse documentário revela a popularidade de um estilo de dança
canções marcadas pela mistura do rap com várias vertentes da
música popular brasileira. que se inicia nos Estados Unidos e rapidamente se espalha pelo
 EMICIDA. Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa (CD). mundo. O filme descreve a cultura B-Boy e mostra muitas cenas
Laboratório Fantasma, 2015. das competições de dança de rua, com foco nas diferenças entre
Neste CD, o rapper Emicida apresenta músicas que tratam de as culturas de origem dos dançarinos, ao mostrar alguns B-Boys
racismo, preconceito e de diferenças sociais ao mesmo tempo da Alemanha, do Japão, da França, da Coreia do Sul e dos Estados
em que celebra as possibilidades de superação das dificuldades Unidos.
enfrentadas por segmentos desfavorecidos da população
brasileira.
Sites
Filmes e vídeos  Criolo. Disponível em: <www.criolo.net/convoqueseubuda/>.

 Billy Elliot, direção de Stephen Daldry. Inglaterra. 2000. (111 min.) Acesso em 14 dez. 2015.
Esse filme conta a história de um menino de 11 anos que morava No site do artista Criolo, é possível fazer o download gratuito de
numa pequena cidade e era obrigado pelo pai a treinar boxe. diversos trabalhos, como alguns de seus CDs, DVDs de shows
Porém, o menino acaba se encantando com as aulas de balé gravados ao vivo, videoclipes e documentários.
ministradas na academia que frequentava. Ao escolher praticar o  Fumdham. Disponível em: <www.fumdham.org.br/>. Acesso em:
balé em vez do boxe, Billy enfrentará o preconceito de seu pai e 15 dez. 2015.
de seu irmão e descobre na dança a sua paixão.
O Museu do Homem Americano pertence à Fundação Museu
 Chico – artista brasileiro. Direção de Miguel Faria Jr., 2015.
do Homem Americano (Fumdham) e está localizado em São
O documentário apresenta depoimentos, cenas históricas e
interpretações de canções de Chico Buarque, um dos mais Raimundo Nonato (PI). No site do Fumdham, há diversas imagens
importantes compositores da música popular no Brasil. Chico de pinturas rupestres e textos explicativos sobre a fundação e
Buarque, a seu modo, também denunciou a desigualdade social sobre as linhas de pesquisa.

Música e Sociedade | CAPÍTULO 10 167


168
ARTE E
AS CIDADES

UBIRAJARA MACHADO/ OLHAR IMAGEM A abordagem desta Unidade baseia-se na ci-


dade como elemento principal para a experi-
mentação, criação e fruição no teatro, na música,
nas artes visuais e na dança.
No teatro, serão tratadas as diferentes relações
entre artistas e público em função do espaço: edi-
fícios teatrais, rua, entre outros.
Na música, será trabalhado o conceito de timbre
musical em orquestras e bandas de música do Brasil.
Nas artes visuais, serão contempladas experiên-
cias de arte pública, arte urbana, grafite e muralismo.
Em diálogo com a dança e o teatro, a interven-
ção urbana e a performance serão importantes
para contextualizar, fruir e produzir arte.
Ao final desta Unidade, você será capaz de:
 identificar as relações entre as artes e as cida-
des na contemporaneidade, com exemplos de
diversas cidades brasileiras e de outros países;
 experimentar e fruir a sua cidade como es-
paço de criação nos campos artísticos;
 contextualizar e fruir a arte produzida em
sua cidade como uma experiência local e
também em conexão com outras práticas,
em outras cidades do mundo.

Foto de jovem dançando break em encontro de


B-boys e B-girls, em Brasilia (DF). Foto de 2012.
169
TEATRO E CIDADE Conteúdos
 Teatro de palco
 Teatro de rua
 Circo
 Intervenção urbana
 Performance arte

RODOLFO BLANCI CUE/ AIN FOTO/ AFP


Foto de apresentação da performance Medea de Barro, baseada na tragédia grega, da Companhia teatral D’Moron durante o XIII Festival Nacional
de Teatro, na praça El Carmen, em Camagüey, Cuba. Foto de 31 de maio de 2010.

Na Unidade 1, você percebeu que o espaço é um elemento fundamental das artes cênicas e que pode mo-
dificar tanto o significado de uma obra quanto seu processo de criação. Observou também experiências tea-
trais realizadas em espaços da cidade que não são pensados para o teatro; por exemplo, o Rio Tietê, na cidade
de São Paulo. Também experimentou, na prática, como um determinado espaço da escola pode ser transfor-
mado por uma ação cênica e como cada ação também é transformada pelo espaço.
Como você observou na Unidade 2, o surgimento do teatro se deu após o surgimento das cidades no
ocidente. Ele foi uma das principais atividades artísticas das urbes gregas, sendo, portanto, uma arte urbana.
Também vimos que, como arte vinculada às cidades, o teatro surgiu primeiramente nas ruas e, só depois, fo-
ram construídos os teatros gregos, mantendo como característica o fato de serem ao ar livre.
Neste capítulo será aprofundada a relação entre teatro e a cidade na contemporaneidade.

170 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


1. Mesmo que não exista um teatro na cidade, incentive os estudantes a pensar em espaços que têm sido utilizados para esse fim: audi-
tórios, quadras etc. Leve-os a descrever os aspectos arquitetônicos desses espaços: onde os artistas se apresentam, onde o público se

RODA DE CONVERSA
senta etc. Se possível, mostre aos estudantes fotos de diferentes espaços onde se pratica teatro para comparar, caso haja mais de um.
1. Em grupos de três estudantes, façam uma breve pesquisa em jornais, revistas ou na internet sobre
edifícios teatrais na cidade onde moram. Depois, escolham um deles e, em uma folha avulsa, colem
uma imagem do edifício teatral e descrevam-no, destacando aspectos de sua arquitetura.
2. Compartilhem com os demais grupos da turma sua pesquisa e conversem sobre a diversidade
dos edifícios teatrais na cidade ou região em que moram. Depois, registre nas linhas abaixo suas
impressões.
2. Resposta pessoal.

3. Você e seus colegas já viram alguma ação teatral em algum espaço que não seja o próprio teatro?
Escreva abaixo como foi sua experiência e, depois, compartilhe-a com os colegas.
3. O objetivo é conhecer as experiências que os estudantes já tiveram com peças em diversos espaços.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 171


Teatro de palco
No Renascimento, a partir do século XV, foram construídos espaços es-
pecíficos para o teatro em diversas cidades europeias. Esses espaços eram
muito diversificados, e a maioria ainda mantém a característica de ser ao ar
livre, ainda que circundado por construções.
Observe, na foto abaixo, o Teatro Clássico de Almagro, da Espanha. Este
teatro foi construído no século XVI e é o único que se manteve conservado
em sua integridade na Europa. Sua estrutura é a de um pátio compartilha-
do por várias casas, com formato quadrado e um palco. Os atores ficavam
cobertos por um telhado, assim como a parte mais nobre do público, nos
camarotes que se veem nas laterais da imagem. O restante do público per-
manecia na parte descoberta, no centro do pátio. Apesar de, atualmente,
possuir cadeiras na área central, no século XVII, as pessoas ficavam em pé, gri-
tavam e comiam dentro do teatro. As representações duravam mais de três
horas e há, inclusive, relatos da época que descrevem lutas de espada entre
o público durante as peças.
Esse tipo de teatro leva o nome de
FERNANDO GARCIA ESTEBAN / SHUTTERSTOCK “corral de comedias”. Corral ou cor-
rala é o nome espanhol para os pá-
tios que se formavam por três sobra-
dos em sua parte interna. Comédias
é o nome genérico para peça teatral
na Espanha do século XVII, indepen-
dente do gênero da trama ser comé-
dia ou drama.

Foto do interior do Teatro de Almagro,


construído no final do século XVI,
localizado em Castela-Mancha
(Espanha). Foto de 8 julho de 2014.

Este espaço teatral ficou encoberto por outras construções entre os sé-
culos XVIII e XX. Somente na década de 1950 iniciou-se um processo de re-
cuperação de sua estrutura original que foi finalizada em 1952. Repare que
as cores presentes no espaço são vibrantes e que o palco não é todo preto, e
sim uma construção de dois andares, com portas, janelas e balcões.

172 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


Os espaços teatrais fechados da atualidade são, em sua grande maioria,
o que se chama de palco italiano. Surgido na Itália durante o Renascimento,
o palco italiano caracteriza-se pela ideia de uma “caixa mágica” que apaga e
neutraliza as características do espaço real em prol do espaço fictício. Observe
na foto abaixo uma das salas do Centro Municipal de Cultura Goiânia.

EDILSON PELIKANO
Foto de sala de teatro com palco italiano, no Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, que foi inaugurado em 21 de junho de 2006, com o
objetivo de democratizar o acesso da população aos bens culturais, e fomentar o talento local. Foto de 2012.

Sem as luzes da plateia e com as luzes do palco acesas, o público pode


até se esquecer de onde se encontra de fato e entrar nas histórias apresen-
tadas no palco. Quase não há interferências externas e a plateia deve, prefe-
rencialmente, permanecer em silêncio para não atrapalhar o acontecimento
teatral. Se chover fora do teatro, a apresentação ainda pode acontecer, pois o
espaço é coberto e protegido.
Até a segunda metade do século XX, era bastante comum, mesmo em
cidades pequenas, do interior dos estados brasileiros, encontrar um edifício
teatral utilizado também como cinema. Com o tempo, esses espaços foram
vendidos e utilizados para outros fins ou vieram abaixo por falta de manu-
tenção. Atualmente, poucas cidades do interior possuem edifícios teatrais, o
que acaba limitando a possibilidade de receber espetáculos de outras cida-
des produzidos para o palco. No entanto, o palco italiano é apenas uma das
possibilidades de espaços para as artes cênicas.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 173


Teatro de rua
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

O Brasil está repleto de grupos que se dedicam ao teatro de rua em


muitas capitais e cidades do interior. O teatro de rua, em muitos lugares do
país, é uma das poucas alternativas de contato com a arte teatral, seja para os
artistas, seja para o público.
A rua é um espaço cheio de potencial para apresentações teatrais e sua
relação com o público é bastante específica. Muitas vezes, o público não foi
previamente avisado sobre a apresentação, a circulação de pessoas é intensa,
os espectadores podem sair e chegar a qualquer momento, animais podem Teatro de rua: conjunto de ações e
atravessar a cena, e é bastante comum que alguém interrompa a ação e co- procedimentos teatrais feitos na rua.

mece a disputar a atenção do público com os artistas. Fazer teatro de rua é Improvisação: capacidade de criar,
de forma rápida e sem preparação
ser capaz de lidar com todos esses imprevistos e a improvisação e o diálogo prévia, tendo como base os ele-
direto com o público são recursos recorrentes dessa prática. mentos disponíveis na cena.

Amir Haddad é um diretor de teatro brasileiro que trabalha, desde a década de 1970, com espaços não
convencionais para suas peças – adotando principalmente a rua como espaço cênico. É fundador do gru-
po Tá na Rua, da cidade do Rio de Janeiro, referência nacional e internacional do teatro de rua.

DIVULGAÇÃO CIA TÁ NA RUA

Foto de cena do espetáculo Natal dos “Pobres”, do grupo Tá na Rua, dirigido por Amir Haddad na praça Arariboia, Niterói (RJ). Foto de 2013.

174 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


Leiam abaixo o depoimento de Haddad sobre sua experiência de teatro na rua:

Lembro que, na primeira vez que fui fazer teatro de rua, estava com meu grupo e de repente fiz
um gesto (abre os braços) e fiquei estatelado... Falei: Santo Deus, já vivi isso, já vivi isso, estou me
reconhecendo, não é a primeira vez que faço isso, nem será a última, não sei onde, mas já vivi isso,
sei que já vivi isso! Uma sensação que nunca tinha tido fazendo teatro nas salas fechadas, mas fa-
zendo esse gesto na rua, abrindo meus braços, o povo ali fora... Gente pobre, gente rica, todo mun-
do, cachorro, polícia, todo mundo ali em volta... Eu já vivi isso! Já vivi isso não só no meu gesto,
já vivi nessa gente que está em volta de mim, nessa plateia heterogênea que se formou em volta de
mim, nessa construção de um novo edifício teatral, que é o cidadão livre se expressando no meio da
praça dizendo à sua maneira o que ele quer dizer para o outro e respeitando a inteligência do outro,
em nenhum momento tratando nenhum ser humano na praça como se ele não fosse capaz de enten-
der todas as linguagens, a melhor das linguagens: a mais direta, a mais viva, a mais perturbadora, a
mais transformadora que é essa relação direta que o teatro estabelece com as pessoas.
HADDAD, Amir. Arte urbana e a (re)construção do imaginário da cidade. Rio de Janeiro: Sesc,
Administração Regional no Rio de Janeiro, 2015. p. 10. (Caderno diverso, n. 1.)

Depois de ler o texto, responda:

1. Quais características do teatro de rua citadas por Amir Haddad são possíveis pelo fato de o teatro
ser feito na rua?
1. Haddad se refere à presença de um público heterogêneo: gente pobre, gente rica, cachorro, polícia etc. A liberdade de

expressão do cidadão em um local público falando diretamente para o público também é outra característica importante

que Haddad destaca no teatro feito na rua.

2. De acordo com o texto, há uma linguagem ou composição teatral específica pelo fato de ser feito
na rua? Justifique sua resposta.
2. Não, o diretor afirma que todas as linguagens podem coexistir no teatro de rua e que o importante é a “relação direta

que o teatro estabelece com as pessoas”.

Atualmente, o teatro de rua no Brasil tem influências de diversas áreas.


Muitas vezes, os espetáculos se relacionam e incorporam elementos de ou-
tras artes, como o circo, a dança, a música etc. A cultura popular e as tradições
brasileiras também são fontes de pesquisa e formação de muitos artistas.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 175


O circo, a rua e a família
A história do circo no Brasil e no mundo está associada à história de famí-
lias de artistas que peregrinam de cidade em cidade, montando sua lona em
espaços ociosos e fazendo a alegria dos moradores da região. Há muitas can-
ções populares brasileiras que trazem em suas letras as chegadas das compa-
nhias circenses, que costumam ser acompanhadas de grande euforia.
Leia a seguir um trecho da letra da música “Canções de palhaço”.

Canções de palhaço

Eita! O raio, o Sol suspende a Lua


Vai começar o te-te-re-te-tê “Olha o palhaço no meio da rua”
O raio, o Sol suspende a Lua
Oh, meninage
“Olha o palhaço no meio da rua”
“Oi”
O raio, o Sol suspende a Lua
Vocês já estão todos preparados?
“Eu tô!” “Olha o palhaço no meio da rua”
Posso dar início a passeada?
“Pode!” Eu vou ali, eu volto já
Eita, madeira! “Vamos todos passear”
Eu vou ali, eu volto cedo
Tombei, tombei, tornei tombá
“Vou chupar limão azedo”
“A brincadeira já vai começar”
[...]
Tombei, tombei, tornei tombá
“A brincadeira já vai começar” Domínio público.
SÉRGIO NEVES/ ESTADÃO CONTEÚDO

Foto da apresentação da peça “O


Circo Imaginário e Outras Estórias”
da companhia Fantasia de Artes
Cênicas, de Vitória (ES), durante o
Festival de Teatro (Mostra Fringe)
na praça Rui Barbosa, em Curitiba
(PR). A peça mostra a preparação
dos artistas circenses para o público.
Foto de 21 de março de 2009.
Se possível, ouça com os estudantes outras canções da Cia. Carroça
de Mamulengos, disponível em <http://carrocademamulengos.org/
nossas-musicas/>, acesso em: 11 fev. 2016.
176 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade
Como toda tradição, o circo foi se adaptando, influenciando e recebendo a Teatro de formas animadas: gêne-
influência de outras artes como o teatro e a dança. Há espetáculos de circo que são ro de teatro que envolve a mani-
pulação de objetos. Pode ser o
apresentados em edifícios teatrais, outros que são apresentados na rua e há, tam-
teatro de bonecos, em toda sua di-
bém, espetáculos circenses feitos embaixo da tradicional lona. Há companhias cir- versidade de técnicas, o teatro de
censes compostas por pessoas formadas em escolas, como a Escola Nacional de objetos (no qual objetos cotidia-
nos são manipulados), teatro de
Circo, no Rio de Janeiro. Porém, também há companhias itinerantes que mantém sombras etc.
a estrutura familiar como base de sua formação técnica e artística. Esse é o caso da
Cia. Carroça de Mamulengos, composta por Carlos Gomide, Schirley França e os fi-
lhos do casal. Há mais de três décadas, a companhia viaja por todo o Brasil levando
seus espetáculos – que misturam técnicas circenses, teatro de formas animadas,
música e contação de histórias – às mais remotas localidades.
Disponível em: <http://
carrocademamulengos.org>.

DIVULGAÇÃO
Acesso em: 2 dez. 2015.
Para conhecer mais
sobre a Cia. Carroça de
Mamulengos, acesse sua
página na internet, onde é
possível saber a história da
companhia, ler as sinopses
de seus espetáculos, e
visualizar fotos e vídeos
de suas apresentações.

Foto dos integrantes da Cia. Carroça de


Mamulengos. Foto de 2011.

Fugir com o circo fez parte do imaginário de muitos jovens no século XX.
Peça a uma pessoa com experiência nesse contexto para contar como era o circo quando ela era crian-
ça e pergunte se, para ela, o circo era um importante momento de diversão e contato com a arte. É possí-
vel que ela ainda se lembre da emoção que sentia com a chegada dos artistas itinerantes em sua cidade.
Anote a resposta, compartilhe-a com os colegas, percebendo as semelhanças e diferenças entre
elas. Depois de conversar com os colegas, responda:
 Atualmente, como você percebe o circo?
Resposta pessoal. Espera-se que o estudante consiga expressar sua percepção do circo na atualidade, tanto com expe-

riências que eles possam ter tido em espetáculo de circo quanto vendo algum espetáculo ou número circense na televi-

são, no cinema ou na internet.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 177


Intervenção urbana
Disponível em: <http://
A intervenção urbana se caracteriza por ocupar os lugares mais varia- poro.redezero.org/>.
Acesso em: 1º- fev. 2016.
dos da cidade com uma ação artística, modificando a forma das pessoas se
Poro é uma dupla de artistas
relacionarem com os espaços e reivindicando a cidade como lugar de livre formada por Brígida Campbell
criação, circulação, convivência e uso dos cidadãos. e Marcelo Terça-Nada! que
realizam ações artísticas
As intervenções urbanas costumam ser bastante transdisciplinares,
desde 2002. Como a maioria
são um entrecruzamento de várias expressões artísticas e de outras prá- dos coletivos de arte urbana,
ticas e conhecimentos de diversas áreas, criando algo que não se limita um dos principais meios de
divulgação de sua arte é a
a apenas uma das disciplinas que colaboraram em seu processo. Por isso,
internet. Nesse site, é possível
ao se tratar de intervenção urbana, não se pode se restringir sua análise às conhecer mais sobre a dupla,
artes cênicas. As ações artísticas de intervenção no espaço da cidade são e assistir ao documentário
“Poro – intervenções
múltiplas e diversas, sendo essa forma de arte uma arte híbrida, como ex- urbanas e ações efêmeras”.
plorado na Unidade 2.

Leiam o texto a seguir sobre intervenções urbanas.

Intervenções urbanas se espalham pelas cidades com arte e criatividade

A cidade vive um intenso processo de transformação. A arte se transforma e encontra, esbarra,


flerta e convive com ela nos muros, ruas, postes, viadutos e árvores. A arte toma o espaço público
e se apresenta para todos, humanizando o concreto. Artistas de todo o país levam para as ruas suas
intervenções, saem com suas ferramentas e ideias para dialogar com uma nova maneira de olhar a
monotonia das paisagens cotidianas.
O coletivo Muda, do Rio, é um exemplo: espalha painéis de azulejos pelos muros e viadutos da
cidade. “O objetivo do nosso trabalho não é transformar o espaço em um espaço mais agradável,
[...] pois isso seria até um pouco presunçoso da nossa parte. O objetivo é questionar o espaço urba-
no. Você olha e não parece que é feito para as pessoas passarem por ali, não é feito para interagir. A
gente propõe uma humanização desses espaços”, diz João Tolentino.
Em São Paulo, postes e árvores são coloridos por novelos de lã pelas mãos da artesã Letícia
Matos, do 13 Pompons. “Sempre acho que as pessoas andam pela rua sem se olhar, sem olhar por
onde andam. Talvez a forma seja colocar algo bem colorido no meio da correria da cidade para que
as pessoas parem para olhar mais para as cidades, para as pessoas”, aponta ela.
GLOBO NEWS. Intervenções urbanas se espalham pelas cidades com arte e criatividade. 10 abr. 2014. Disponível em:<http://g1.globo.com/globo-news/
noticia/2014/04/intervencoes-urbanas-se-espalham-pelas-cidades-com-arte-e-criatividade.html>. Acesso em: 7 dez. 2015.

Depois de ler a reportagem, forme grupos de até quatro pessoas, e respondam às atividades
a seguir.

178 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


1. Pensem sobre as suas relações com a cidade onde moram e conversem com os colegas do grupo
sobre essas questões:
 Vocês estão sempre com pressa?
 Vocês conhecem seus vizinhos ou relacionam-se com eles?
 As ruas e os espaços públicos da cidade são lugares de lazer e cultura para vocês ou são apenas
vias de passagem e acesso a outros lugares fechados?
1. Resposta pessoal.

O objetivo dessa atividade é conhecer como os estudantes se relacionam com a sua própria cidade e como eles percebem

as relações dos demais habitantes de sua cidade.

2. Os artistas entrevistados para a reportagem concordam em apontar a necessidade de olhar de


modo diferente para as cidades. Você acha que, hoje em dia, a relação das pessoas com as cidades
precisa ser modificada? Justifique sua resposta.

2. Resposta pessoal.

Participe da discussão levando em consideração a observação dos artistas citados no texto que destacam a correria e a

falta de contato entre as pessoas na cidade grande. É possível que em cidades do interior dos estados ou em outras capi-

tais do Brasil essa relação seja um pouco diferente da relatada pelos artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Caso você já tenha visto alguma intervenção urbana na sua cidade, descreva-a para os estudantes e conte se ela interfe-

riu ou não na sua maneira de se relacionar com aquele espaço. Podem ser exemplos mais relacionados a outros campos

artísticos como o grafite, ou a dança urbana etc.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 179


Intervenção urbana, Geografia e Sociologia

O sociólogo francês Henri Lefebvre publicou em 1968 um livro cuja tradução para o português é O di-
reito à cidade. Esse livro define como direito à cidade o direito de toda a sociedade urbana de usufruir dos
benefícios e da qualidade de vida nas cidades, independentemente de sua condição socioeconômica.
No entanto, observa-se nas grandes cidades brasileiras um crescente processo de gentrificação, isto é,
um processo de mudança imobiliária em uma região que envolve a troca de um grupo social por outro
de maior poder aquisitivo. Isso faz com que os grupos sociais de menor poder aquisitivo acabem sendo
levados a regiões cada vez mais distantes do centro urbano e cultural das cidades. Junto a este processo, a
dificuldade das cidades brasileiras em promover uma melhor mobilidade urbana por meio de transportes
públicos de qualidade, a preços acessíveis e sustentáveis ambientalmente, acaba restringindo o acesso aos
bens culturais e espaços de lazer da cidade a grupos sociais com maior poder aquisitivo.
Muitos coletivos de intervenção urbana têm questionado esse processo de gentrificação por meio de
ações artísticas e sociais. É o caso do movimento Praia da Estação, em Belo Horizonte. Esse movimento sur-
giu da união de diversos coletivos artísticos, políticos e sociais em resposta ao decreto 13.792 de 2009, que
limitação a realização de eventos culturais na Praça da Estação (região central da cidade). O movimento,
que tem muitos outros desdobramentos artísticos e sociais, tem como principal ação a reunião de cente-
nas de pessoas em trajes de banho na Praça da Estação, transformando-a em uma “praia”. Entendendo a
praia como um espaço cultural e de lazer democrático e de livre acesso a toda a população, essa interven-
ção chama a atenção para a necessidade de se pensar a cidade e seus equipamentos culturais e de lazer
não apenas como espaço de circulação, mas também de convivência entre seus cidadãos.

PRISCILA MUSA

Foto de banhistas na Praça da Estação, em Belo Horizonte (MG), comemorando a ocupação livre do espaço público e celebrando o terceiro
aniversário da Praia da Estação. Foto de 2 de janeiro 2012.

180 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


Performance arte em espaços urbanos
A performance arte é um campo artístico de difícil definição, pois está em mudança constante e abarca di-
versas expressões artísticas. Tendo surgido nas décadas de 1960 e 1970, a performance arte caracteriza-se por
ações artísticas nas quais as noções de personagem, história e conflito das artes cênicas tradicionais não se apli-
cam, bem como a divisão usual entre artistas e espectadores ou, ainda, os espaços pré-determinados como es-
paços “artísticos”. Da mesma forma, a performance arte é um campo artístico autônomo que influencia e recebe
influências das artes cênicas, da música, das artes visuais e de outros campos do conhecimento humano. Em espa-
ços urbanos, ela tem sido uma expressão recorrente não só no Brasil, mas também no exterior.
Desvio Coletivo é um grupo de teatro, performance e intervenção urbana da cidade de São Paulo que
realiza a performance urbana CEGOS, que consiste na união de dezenas de homens e mulheres vestidos em
trajes sociais, cobertos de argila e com os olhos vendados que perambulam pelas ruas das grandes cidades.
O Desvio Coletivo anuncia o dia, horário e local da performance no seu site e nas redes sociais, convidando a
todos os interessados a participar. Com os olhos vendados e as roupas cobertas de argila, o grupo sai em seu
trajeto pela cidade. Assim, não apenas os artistas do grupo Desvio Coletivo participam da ação performática,
mas também outras pessoas interessadas, tratando de as fronteiras entre artistas e espectadores. A imagem
do grupo caminhando às cegas pelas cidades leva à reflexão sobre o relacionamento das pessoas com a cida-
de e com o universo do trabalho nos dias atuais.

THOMAS FESSEL/ DIVULGAÇÃO DESVIO COLETIVO

Foto da performance urbana CEGOS, do grupo Desvio Coletivo, no centro de Curitiba (PR). Foto de 8 de agosto de 2014.

Disponível em: <www.desviocoletivo.com>.


Acesso em: 2 dez. 2015.
No site do grupo Desvio Coletivo é possível conhecer mais sobre
o trabalho desses artistas. Dentre os trabalhos disponíveis para a
visualização, está a performance Cegos descrita anteriormente.

Se possível, apresente aos estudantes o vídeo da performance Cegos. Para isso, digite
em um site de buscas as palavras “cegos desvio coletivo” e selecione o vídeo. Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 181
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Primeira etapa Objetivo
Um dos elementos mais importantes no processo de criação artística é a  Experimentar a
observação do mundo à sua volta. Nessa atividade, você vai observar a cidade, performance arte como
intervenção urbana no
seus caminhos, seus meios de transporte, a circulação das pessoas, o mobiliário
entorno da escola.
urbano, seus personagens, a forma de relação entre as pessoas etc.
Você e seus colegas farão um percurso da escola até um centro urbano. Pode ser uma praça, uma estação
de ônibus ou metrô, um shopping, um parque etc. A turma toda irá definir o local e planejar o trajeto a ser reali-
zado até o destino utilizando um mapa da cidade ou, se possível, um programa de geolocalização na internet.
Depois de planejado o trajeto, combinem um dia para a realização da ação de observação. No dia com-
binado, levem um bloco de anotações e, se possível, câmeras fotográficas. Durante o percurso, observem
cada detalhe, anotem, tirem fotos, filmem e comentem com outros colegas. Tentem ficar em silêncio em
alguns momentos para ouvir melhor o que se passa na cidade. Tudo o que chamar a atenção é importan-
te e deve ser registrado.
Segunda etapa
Formem grupos de, no máximo, cinco estudantes.
Compartilhem as anotações e as imagens entre o grupo e escolham dois ou três registros que chama-
ram a atenção de vocês. Pode ser uma pessoa, um mobiliário urbano, uma frase ou palavra que vocês ou-
viram etc. Depois dessa escolha, pensem em uma ação cênica que vocês podem fazer inspirados por esse
contexto. A performance deve ter em torno de cinco minutos. Pode ser uma pessoa vestida com determi-
nada roupa, um grupo de pessoas dizendo uma mesma frase, a disposição de algum objeto que modifi-
que um determinado espaço.
Atenção: não se trata de pregar uma peça nas pessoas. O objetivo da atividade é fazer os transeuntes
repararem naquilo que vocês observaram e, desse modo, verem a cidade de um modo diferente, ainda
que por apenas um momento. Se vocês forem usar mobiliário urbano, tudo o que vocês colocarem no
espaço deve ser possível de ser retirado sem depredá-lo. Escrevam uma proposta de intervenção em um
papel e mostrem ao professor para que ele possa ajudar.
Terceira etapa
Depois de definida a proposta de intervenção e com o auxílio do professor, definam o local de cada
performance, fazendo o mesmo percurso da primeira vez. No dia determinado, realizem a ação em um
tempo inferior a cinco minutos. Os demais colegas devem observar a certa distância, para que os tran-
seuntes também possam fruir da ação. Depois de finalizada a performance, voltem para a escola, assistam
aos vídeos e, ainda em grupos, conversem sobre a ação:
 Vocês conseguiram realizar a ação?
 Qual foi a reação dos outros colegas? E dos transeuntes?
 O que vocês mudariam na ação se fossem fazê-la de novo? Mobiliário urbano: refere-se aos
objetos que compõem as ruas e
 Qual aspecto da cidade as pessoas olharam de modo diferente em praças. Podem ser postes, lixei-
decorrência da performance que vocês fizeram? Por quê? ras, pontos de ônibus etc.

182 CAPÍTULO 11 | Teatro e Cidade


Neste capítulo, você pôde retomar a estreita relação entre teatro e cidade e perceber como os edifícios
teatrais surgiram após o surgimento do teatro na rua. Observou a função do palco italiano como uma “cai-
xa mágica”, que permite a concentração do público na ação fictícia do palco, sendo esse o tipo de palco
mais comum nos edifícios teatrais no Brasil.
No teatro de rua, você estudou as possibilidades de ampliação e democratização do acesso ao teatro
a todos por meio dos inúmeros grupos de teatro de rua das mais diversas regiões.
Na intervenção urbana, viu a conexão entre arte e o direito à cidade, no qual todos os cidadãos po-
dem usufruir dos benefícios e das qualidades da cidade, independentemente de sua condição socioe-
conômica. Inspirados pelas propostas de intervenção urbana e performance arte, foi realizado um tra-
balho de campo na cidade com o objetivo de transformar o olhar do transeunte para seus espaços de
circulação cotidianos.

RODA DE CONVERSA
A partir do que foi estudado neste capítulo, converse com os colegas e responda quais são as prin-
cipais diferenças entre um espetáculo que é apresentado no palco e um que é apresentado na rua.
É importante que os estudantes observem que, na apresentação no palco, o público está mais concentrado na cena e é

mais homogêneo, sendo, em sua maioria, espectadores usuais de espetáculos de teatro ou dança. Já na rua, o ambiente é

mais disperso, e os artistas devem estar preparados para as mais diversas situações. Em uma apresentação na rua o públi-

co é heterogêneo e todos podem participar de maneira democrática. No palco, o preço dos ingressos e a lotação do teatro

podem limitar o acesso do público. Os espetáculos de rua podem circular por diversas cidades; já os espetáculos de palco

só podem ser apresentados em cidades que possuam edifícios teatrais. Algumas companhias também fazem adaptações

do espetáculo de palco para apresentação na rua ou em outros espaços como ginásios etc.

Teatro e Cidade | CAPÍTULO 11 183


2
MÚSICA E CIDADE Conteúdos
 Música de concerto
 Banda de música
ou fanfarra
 Timbre

2012 TIM MOSENFELDER

Foto do segundo dia do Ultra Music Festival 14, no parque Bayfront, Miami, Florida (EUA). Foto de 24 de março de 2012.

Na Unidade 2, você conheceu o conceito de paisagem sonora e a ideia de que as pessoas, de alguma ma-
neira, reproduzem os ambientes sonoros em que vivem em forma de linguagem e de música.
De acordo com o censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010 mais de 80% da população bra-
sileira vive na área urbana. Pense em uma cidade bem movimentada e na diversidade de sons que for-
mam a paisagem sonora desse lugar: máquinas de todo tipo, telefones, veículos, multidões. Certamente

184 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


há um grande ruído e é difícil conseguir momentos de silêncio para ouvir Bandas de música: existem diver-
o som do vento, dos pássaros ou da chuva, por exemplo. Além disso, há sas formações musicais conhe-
cidas pela expressão bandas de
uma produção musical bastante intensa e diversificada veiculada pelas
música, como as bandas de rock,
rádios, pela TV, pela internet, ou que é tocada em festas, eventos de rua, bandas de jazz ou bandas milita-
shows e concertos. res, por exemplo. Neste capítulo
utilizaremos a expressão “bandas
Neste capítulo, serão apresentados grupos de música instrumental de de música” para designar agrupa-
várias cidades brasileiras que promovem experiências muito ricas para mentos de música instrumental
quem deles participa e para o público, devido, entre outras coisas, às mui- formados principalmente por ins-
trumentos de sopro e percussão,
tas possibilidades de combinações de timbres: as orquestras e as bandas também conhecidos em várias lo-
de música. calidades como fanfarras.

RODA DE CONVERSA
Mesmo havendo uma variedade tão grande de expressões musicais nas cidades, muitas pessoas
acabam ouvindo somente um estilo musical. Algumas pessoas gostam de rap, outras, de música clássi-
ca, outras preferem ouvir sertanejo ou heavy metal, mas nem todos se interessam por vários estilos ao
mesmo tempo.
Para gostar de alguns tipos de música, basta ser tocado por ela, sem que seja necessário fazer qualquer
esforço. Porém, para apreciar outros estilos, é preciso ouvir várias vezes, utilizando de interesse e vontade
em ampliar o gosto musical.
 Converse com os colegas e o professor e responda às questões a seguir:
a. Cite o título de uma música que você goste muito e explique o que faz você gostar dela.

a) Resposta pessoal. Os estudantes poderão citar as letras das canções ou o fato de serem divertidas ou dançantes. É im-

portante acolher todas as opiniões sem julgamentos de valor e sem impor seu gosto pessoal.

b. Relate alguma experiência musical em que, após ouvir mais de uma vez uma música de um
estilo novo para você, começou a se interessar por ela.
b) Resposta pessoal. O objetivo dessa conversa e de todo o capítulo é incentivar os estudantes a ampliarem seu universo

musical, abrindo-se para novas experiências sonoras.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 185


Timbre
A característica ou qualidade sonora dos instrumentos musicais ou da voz
é dada pelo material de que é construído cada instrumento, pela forma como o
som é produzido (através de um arco ou dos dedos; percutindo com as mãos ou
baquetas etc.) pelo modo como o som ressoa dentro dos instrumentos e pelas
características anatômicas de cada cantor. Tudo isso interfere na produção sonora,
gerando sons característicos que permitem reconhecer os diferentes instrumen-
tos. Essa característica de cada instrumento ou voz é chamada de timbre.

ANA CECÍLIA BRIGNOL

Foto da harpista Cristina Braga durante show no Teatro Café Pequeno, no Leblon, ao lado do contrabaixista Ricardo Medeiros. A harpa de concerto
possui 47 cordas e sete pedais que ajustam o comprimento das cordas, alterando sua afinação. O contrabaixo possui 4 cordas e, devido ao seu
tamanho, deve ser tocado em pé ou parcialmente sentado em um banco bem alto. Os dois instrumentos pertencem à família das cordas; os
materiais de que são feitos e as diferenças nos tamanhos e na composição de suas cordas tornam o contrabaixo e a harpa instrumentos de timbres
muito diferentes. Foto de 14 de outubro de 2007, Rio de Janeiro (RJ).

O timbre é o que caracteriza o som de cada instrumento, é aquilo que


o identifica sonoramente e confere a ele o “colorido” sonoro próprio. É o tim-
bre que permite reconhecer o som de diferentes instrumentos (uma flauta,
um piano ou um violão, por exemplo), mesmo que eles estejam tocando a
mesma nota.

186 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Música e Física

O fator mais importante entre os res- 1/1 1/2 1/3 1/4 1/5 1/6 1/7 1/8
ponsáveis pelo timbre característico de

EDITORIA DE ARTE
um instrumento são seus harmônicos.
O timbre resulta da série harmônica, que
é o conjunto de frequências sonoras que
soa junto a uma nota principal.
Quando ouvimos uma nota produzi-
da por um instrumento ou pela voz, es- Ilustração esquemática representando a vibração principal e as vibrações
secundárias de uma corda, gerando os sons que formam a série harmônica. Na
cutamos também uma série de outras
figura, é possível visualizar as vibrações separadamente, mas, na prática, as
notas mais agudas que formam um con- vibrações ocorrem simultaneamente em uma corda.
junto sonoro. Isso acontece porque um
corpo em vibração (as cordas ou o tubo de um instrumento, por exemplo), além de vibrar como um
todo, vibra ao mesmo tempo em pequenas partes proporcionais: suas duas metades, seus três terços,
seus quatro quartos etc.
A nota fundamental é a mais grave e a responsável pela percepção da altura de um som. Porém, ela é
apenas uma de uma sequência de notas que são produzidas ao mesmo tempo e que é chamada de série
harmônica. As notas geradas pelas demais vibrações do corpo sonoro (das metades, dos terços etc.) são
mais fracas e mais agudas, e são chamadas de harmônicos. Esses, por sua vez, são o fator mais importan-
te para dar o “colorido” final do som, ou seja, seu timbre. Alguns instrumentos geram mais harmônicos que
outros e podem ressaltar ou mesmo suprimir alguns harmônicos da série.

EDITORIA DE ARTE

Formato de onda
do som complexo

Frequência
fundamental ou
1-º harmônico

2-º harmônico
Representação
gráfica das ondas
relativas aos
3-º harmônico três primeiros
harmônicos de
um som.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 187


Na figura ao lado, pode-se ver uma

EDITORIA DE ARTE
representação das ondas sonoras (fre-
quência fundamental e seus harmô- Oboé
nicos) produzidas por diferentes ins-
trumentos musicais ao executarem a
mesma nota. Clarinete
No decorrer deste capítulo, você per-
ceberá que as orquestras e fanfarras são
agrupamentos musicais muito interessan-
Oboé e clarinete
tes, pois reúnem instrumentos diferentes
Gráficos representando as ondas sonoras produzidas por diferentes instrumentos
entre si e que produzem uma grande va-
musicais executando a mesma nota. As diferenças na produção dos harmônicos fazem
riedade de sons de diferentes timbres. os instrumentos produzir sons de timbres diferentes, mesmo se tocarem a mesma nota.

Música e História
A palavra orquestra vem do grego orkhéstra e significa “lugar para dançar”.
Na Grécia Antiga, os espetáculos eram encenados ao ar livre, nos anfiteatros. Havia um local em frente à área
de representação dos atores que era destinado às movimentações do coro, que cantava e também dançava. Ali
também ficavam os músicos. Muito tempo depois, já no início do século XVII, começaram a ser encenadas as pri-
meiras óperas na Itália que, originalmente, pretendiam ser imitações dos dramas gregos. Por isso, manteve-se o
nome orquestra para designar o local onde deveriam ficar os músicos, entre a plateia e os cantores. Com o passar
do tempo, o termo foi sendo utilizado para denominar grupos de muitos instrumentistas que tocavam juntos,
como as orquestras de música de concerto e as orquestras de música para festas, por exemplo.

STEVEN BOSTOCK/SHUTTERSTOCK

2 3

Foto do anfiteatro Odeon de Herodes Ático, localizado em Atenas, capital da Grécia. Os locais da orquestra e da plateia foram
restaurados na década de 1950. Foto de 2014. 1. Skene: significa “cenário” e era onde ficavam os atores. 2. Orkhéstra significa “lugar
para dançar”. 3. Theatron significa “lugar de onde se vê” e era onde ficava a plateia.

188 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Música e suas classificações
Classificar os tipos de música é um trabalho complicado e que gera
muitas divergências. Talvez a classificação mais usual seja a que divide a mú-
VIVALDI, Concerto n.1
sica em dois grupos: o da música popular e o da música clássica. Primavera, de “As quatro
Existem inúmeros gêneros e estilos de música popular, como o rock, o estações”, Pina Carmirelli
(solista). Orquestra I
samba, o chorinho, o funk e o rap. Musici. CD. Philips, 2001.
Música clássica é uma expressão usada para se referir a músicas de Nesta famosa música,
várias culturas e épocas como a música erudita ocidental e as músicas tradi- o instrumento de
destaque é o violino.
cionais seculares japonesas ou indianas e que, normalmente, não são classifi-
cadas como música popular. BACH, Suíte para violoncelo
No ocidente, o termo clássico refere-se a um período da história da mú- solo n. 1 em Sol maior.
Klaus-Peter Hahn (solista).
sica ocidental, o Classicismo (1750 a 1810), do qual o compositor Mozart é um CD. Menuetto Classics, 2009.
dos mais conhecidos. Ultimamente tem-se preferido usar a expressão músi- Esta música é executada
ca de concerto para denominar a música ocidental que não é chamada de inteiramente por um
único violoncelo.
popular, e essa será a denominação utilizada neste capítulo.

Solo: parte de uma música que é


Os instrumentos da orquestra executada por um único intérprete
ou música executada inteiramente
por um único instrumentista.
Para executar o repertório de música de concerto, as orquestras normalmen-
te são compostas por quatro diferentes naipes ou famílias de instrumentos: fa-
mília das cordas, família das madeiras, família dos metais e família da percussão.

Família de cordas

DIVULGAÇÃO
Os instrumentos desse naipe são o violino, a viola (viola de concerto, não
a viola de 10 cordas, também conhecida como viola caipira), o violoncelo e o
contrabaixo; sendo o violino o instrumento que produz os sons mais agudos
entre esses quatro instrumentos, e o contrabaixo o que produz os sons mais
graves. Esses instrumentos possuem quatro cordas cada um e produzem sons
a partir da passagem de um arco pelas cordas. Às vezes, o músico usa também
a ponta dos dedos para pinçar as cordas e produzir um som. A harpa também
é um instrumento desse naipe e suas 47 cordas produzem sons aos serem pin-
çadas com os dedos do músico.
O piano é um instrumento que produz som quando suas cordas são
percutidas por um mecanismo ativado por meio de um teclado. Apesar dis-
Foto de Antônio Meneses, violoncelista
so, o piano não faz parte do naipe de cordas de uma orquestra, sendo utiliza-
pernambucano, considerado um dos
do principalmente como instrumento solista nos concertos. melhores do Brasil. Foto de 2012.
Se possível, reproduza as músicas sugeridas para os estudantes e, com eles, identifique os instrumentos da família das cordas em
maior destaque. Se julgar interessante, oriente os estudantes a formarem grupos para
Música e Cidade | CAPÍTULO 12 189
realizar a atividade de audição proposta.
Família das madeiras
Os instrumentos desse naipe, usualmente, são as flautas e o flautim, o
clarinete, o oboé, o corne-inglês, o fagote e o contrafagote.
Esses instrumentos foram originalmente construídos em madeira, mas,
com o tempo, receberam também outros materiais em sua fabricação. Por isso,
as flautas que são construídas em metal também estão na família das madeiras.
O saxofone também é feito de metal, mas utiliza palhetas de madeira e, por isso,
também está nessa família. O som desses instrumentos é produzido por meio
do sopro do músico, que faz vibrar a coluna de ar dentro do tubo do instru-
mento. Eles possuem orifícios controlados por chaves e alavancas, que, ao serem
abertas ou fechadas pelo músico, alteram o comprimento da coluna vibratória
de ar. Assim, quanto mais curta for a coluna de ar, mais agudo será o som produ-
zido. Quanto mais longa a coluna de ar, mais grave será o som produzido.
LUIS PAULO / AGÊNCIA O GLOBO

MARCOS ISSA/ ARGOSFOTO

Foto de Alfredo da Rocha Viana, mais conhecido como Pixinguinha (1987-1973), flautista, Foto do clarinetista Paulo Moura
arranjador e compositor carioca. Considerado o principal nome da música popular brasileira da (1932-2010) em apresentação em São
primeira metade do século XX, ajudou a renovar e consolidar o chorinho como gênero musical Paulo (SP). Foto de 2 de maio de 2002.
brasileiro por meio de suas composições, arranjos e apresentações ao vivo. Algumas de suas
músicas como Carinhoso, Rosa e Lamento estão entre as obras-primas do repertório musical
nacional. Foto de 30 de novembro de 1972.
Disponível em: <www.
institutopaulomoura.com.
br/home/index.html>.
HAENDEL, George Frideric. Sonata para flauta n. 5, Handel: Sonatas for flute and basso
Acesso em: 12 fev. 2016.
continuo. Jan de Wine, Lorenzo Ghielmi & Marco Testori. CD. EPR-Classic, 2010.
No site do Instituto Paulo
Nessa música, a flauta é o instrumento solista, sendo acompanhada por um cravo,
Moura, é possível conhecer
que é instrumento de teclado com cordas.
o trabalho desse músico que
foi um dos maiores
STRAUSS, Richard. Concerto para oboé e orquestra em Ré maior, François Leleux,
clarinetistas do país e ajudou
Swedish Radio Symphony Orchestra & Daniel Harding. CD. Sony Music, 2010.
a desenvolver gêneros
Nessa música, o oboé é o instrumento solista, acompanhado pela orquestra. Repare musicais brasileiros como o
na diferença da sonoridade do oboé em relação à flauta ouvida na música anterior. samba e o choro.

190 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Se possível, reproduza as músicas sugeridas para os estudantes e, com eles, identifique os instrumentos da família das madeiras em
maior destaque. Se julgar interessante, oriente os estudantes a formarem grupos para realizar a atividade de audição proposta.
Família dos metais

SILVANA MARQUES/ ASSCOM SEDAC


Os instrumentos desse naipe, usualmente, são
as trompas, os trompetes, os trombones e as tubas.
Como o próprio nome indica, esses instrumen-
tos são formados por tubos de metal que têm uma
de suas extremidades alargadas em forma de boca
de sino e, na outra extremidade, um bocal em forma
de taça. A altura das notas musicais é controlada pelo
músico, pela tensão de seus lábios enquanto sopra o
instrumento e por sistemas de válvulas que contro-
Foto do Quinteto Villa-Lobos. Os instrumentos tocados pelos músicos do
lam a extensão da coluna vibratória de ar, exceto no grupo são das famílias das madeiras (fagote, clarineta, flauta e oboé) e dos
caso do trombone, que possui uma vara móvel. metais (trompa). Foto de 2012.

Família da percussão
Existe uma grande variedade de instrumentos de percussão, feitos de
diversos materiais, que produzem sons ao serem batidos, sacudidos ou mar-
BAKER, Jason. Allston
telados. Alguns, como o tímpano e o carrilhão, produzem notas de altura de- Memoir. In: Mark Berry,
finida e podem ser usados para tocar melodias. Outros, como o bombo, o Sounds, shapes and synergy:
music for triangles. CD.
triângulo e a caixa clara, não produzem notas definidas e são usados apenas
Tresona Multimedia, 2015.
para a execução de ritmos.
A música foi composta
As formações das orquestras de música de concerto foram se alterando para ser interpretada por
com o tempo, incorporando ou substituindo instrumentos à medida que os um percussionista que
toca três triângulos de
avanços tecnológicos iam interferindo na sua maneira de tocar e na sua sonori-
tamanhos diferentes.
dade. No infográfico da página seguinte, é possível visualizar a formação básica
de uma orquestra atual de música de concerto. Essa formação varia de acordo BARTÓK, Béla. Sonata
para dois pianos e
com a música que vai ser tocada e pode haver a inclusão de instrumentos me- percussão. In: Béla Bartók:
nos comuns nas orquestras, como o violão ou o saxofone, por exemplo. Piano performances
1928-1945. CD. Essential
MARIANA GARCIA/ INSTITUTO CULTURAL FILARMÔNICA/ DIVULGAÇÃO

World Masters, 2010.


Música feita para dois
pianos e vários instrumentos
de percussão, incluindo
tímpanos, xilofone, caixa
clara, pratos e triângulo.

Foto do Grupo de Percussão da


Filarmônica de Minas Gerais tocando
“Incipit Vita Nova”, de Sérgio Aluotto,
com objetos do cotidiano, como bacias
e escovas. Foto de 2015.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 191


Orquestra de Música de Concerto

CORDAS
1 Harpa É sempre dedilhada.
2 Contrabaixo É o mais grave e o de maior tamanho dos instrumentos de corda.
3 Violoncelo Pelo seu tamanho, precisa ser tocado entre as pernas do músico, que deve estar sentado.
4 Viola Um pouco maior que o violino, possui um timbre um pouco mais escuro e produz notas mais graves do que o violino.
5 Violino É o mais agudo dos instrumentos de cordas friccionadas.

1 2 3 4 5

Trompetes Clarinetes
Flautas
Flautim
Harpas

Violas

Segundos
violinos
Spalla É o
principal
Primeiros violinista e
violinos atua como
elemento de
Piano Quando sua participação é menor Violinos São divididos em dois ligação entre
em uma música, normalmente fica atrás dos grupos: os primeiros e os segundos os demais Partitura Cada
violinos. Quando utilizado como instrumento violinos. Os primeiros geralmente músicos da pentagrama refere-se
solista, fica à frente da orquestra e à tocam notas mais agudas e os orquestra e o a um instrumento
esquerda do maestro. segundos mais graves. regente. musical.

14
7 10
13
9 15
11
6 8 12 16

192 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


PERCUSSÃO
17 Pratos Construídos com liga de metal, normalmente são tocados aos pares, golpeados uns contra os outros.
18 Tímpano Tambor que produz notas de alturas definidas.
19 Caixa clara Instrumento proveniente dos eventos militares.
20 Bumbo Normalmente tocado com uma baqueta.

17 18 19 20

Trombones Tuba
Bumbo
Contrafagote
Fagotes

Trompas
Oboés
Pratos
Tímpanos
Corne Caixa clara
inglês

Contrabaixos

Batuta Marca os compassos


da música. Violoncelos

O maestro Comanda os músicos

ALBERTO PASQUANTONIO
determinando a intensidade, o
andamento e as dinâmicas da música de
acordo com sua interpretação da obra.
Infográfico mostrando como é a formação básica de uma orquestra de música de concerto.

SOPROS 11 Flautim Possui a metade do comprimento de uma flauta e um


som agudo e penetrante.
METAIS 12 Clarinete é o instrumento de sopro com a maior extensão de
6 Trompete Possui um sistema de válvulas que lhe proporciona notas produzidas.
grande agilidade e extensão de notas. 13 Oboé devido ao seu timbre penetrante, é o instrumento que
7 Tuba Toca as notas mais graves da família dos metais.
toca a nota usada como referência para afinação da orquestra
8 Trompa Apresenta grande variedade de timbres.
antes de um concerto.
9 Trombone Em lugar de válvulas, utiliza uma vara móvel.
14 Contrafagote Toca as notas mais graves dos instrumentos de
MADEIRAS sopro.
10 Flauta O músico a segura para o lado, ao invés de apontá-la 15 Corne inglês Um pouco maior do que o oboé.
para frente como os outros instrumentos desta família. 16 Fagote Muito utilizado para tocar notas graves.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 193


16

Para realizar a atividade proposta neste boxe, reproduza a faixa


Objetivo
16 do CD de áudio e ouça os primeiros minutos do concerto Guia dos  Identificar sons das
Jovens para a Orquestra (o nome original é The Young Person’s Guide to the diversas famílias de
Orchestra) do compositor inglês Benjamim Britten. • Toda a orquestra toca a instrumentos de orquestra.
melodia.
Note que a música começa com todos os instrumentos da orquestra • Em seguida, uma variação da melodia
tocando ao mesmo tempo e que, em seguida, a mesma melodia vai ser é executada somente pelo naipe das
madeiras.
tocada outras vezes, com algumas variações, cada vez com um naipe di- • Depois, é executada outra variação da
ferente de instrumentos. melodia somente pelo naipe dos metais.
• Novamente, uma variação da melodia é
 Ouça atentamente cada variação e anote a sequência em que
executada, mas somente pelo naipe de
cada família de instrumentos é tocada. cordas.
• Outra variação da melodia é executada, dessa vez apenas pela percussão. Os tímpanos é que tocam as primeiras notas da melodia.
• Finalmente, toda a orquestra volta a tocar a melodia original em conjunto.

Orquestra sinfônica: grupo com-


Disponível em: <www.wdrso.de>. Acesso em: 11 dez. 2015. posto por instrumentistas das di-
Acesse o site oficial da Orquestra Sinfônica da WDR de Colônia, Alemanha versas famílias ou naipes de ins-
e assista ao vídeo da Orquestra Sinfônica da WDR, interpretando The trumentos musicais, dedicado à
Young Person’s Guide to the Orchestra. Para isso, clique no menu em execução de música de concerto
“Youtube” e assista ao vídeo Britten: Young Person’s Guide to Orchestra. e geralmente vinculado aos gover-
nos municipais ou estaduais.

Orquestras brasileiras
No Brasil, há várias orquestras de música de concerto, geralmente
vinculadas aos governos municipais ou estaduais. As orquestras também
podem ser chamadas de filarmônicas quando são mantidas por institu-
tos culturais, associações ou organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (Oscip), de caráter privado, mas que mantêm parcerias com o po-
Disponível em: <http://
der público. multirio.rio.rj.gov.br/index.
Agora você vai conhecer um pouco sobre algumas das orquestras de php/interaja/76-objetos-
de-aprendizagem/8401-
música de concerto existentes no Brasil. Além dos concertos tradicionais nos instrumentos-da-orquestra>.
grandes teatros, a grande maioria dessas orquestras realiza também concer- Acesso em: 13 out. 2015.

tos didáticos em escolas, igrejas ou praças, com entrada gratuita. Nesses con- Neste link da Multirio, é
possível conhecer como
certos, o maestro ou os músicos apresentam detalhes sobre alguma obra
funciona uma orquestra.
que vai ser tocada ou sobre algum instrumento de destaque no repertório Para isso, passe o mouse
do computador pelos
do dia. A seguir, serão apresentados alguns exemplos.
instrumentos, ouça os
A Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba), além de realizar concertos no formato sons que produzem e
tradicional, mantém uma programação de apresentações de cameratas, que são conheça um pouco mais
sobre cada um deles.
pequenos grupos formados entre os músicos integrantes da própria orquestra.

194 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Os grupos de câmara ou cameratas realizam concertos gratuitos em escolas, igrejas, centros culturais, órgãos co-
munitários e instituições filantrópicas em Salvador e em municípios do interior da Bahia.
A Orquestra do Estado de Mato Grosso realiza concertos didáticos para estudantes tanto nas escolas
como nos teatros.
PROTÁSIO MORAIS

Foto do concerto didático da Orquestra do


Estado de Mato Grosso em uma escola da
zona rural de Cuiabá (MT). Foto de 2012.

A Orquestra Filarmônica de Goiás faz seus concertos tradicionais no Teatro Goiânia e também promove uma
série de concertos didáticos nas redes pública e particular de ensino de Goiás: a série Orquestra nos Bairros, que in-
clui apresentações em espaços alternativos de Goiânia, além das turnês regionais pelo interior do estado.
A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), no Rio Grande do Sul, realiza várias séries de concertos na
capital gaúcha e em cidades do interior do estado. Uma importante ação da Ospa é a manutenção da Escola de
Música, onde são ministradas aulas pelos próprios músicos da orquestra e os jovens interessados podem apren-
der gratuitamente a tocar violino, flauta transversal, clarinete, percussão e outros instrumentos de orquestra.
RAFAELA PESSOA

Grupo de câmara: peque-


no conjunto de instru-
mentistas que se dedica
à execução de música de
concerto. Pode ser com-
posto por instrumentos
de apenas um naipe ou
por instrumentos de fa-
mílias diferentes.

Foto de concerto da
Orquestra Filarmônica de
Goiás realizado em
uma igreja na cidade de
Anápolis (GO).
Foto de 2013.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 195


Além de formar jovens interessados em música de concerto, a escola
realiza uma série de recitais de grupos de alunos em hospitais, escolas, lares
de idosos e bibliotecas. Assim os alunos da escola podem ter a experiência de
tocar em público e levar a música para outros locais que não apenas as salas
de concerto.

MARIANA SIRENA
Foto de alunos da Escola de Música da
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
se apresentando na Escola Estadual
Rafaela Remião, do bairro Lomba do
Pinheiro, Porto Alegre (RS). A exibição
foi parte do projeto Escola da Ospa
na Comunidade, lançado em 2015,
que tem o objetivo de levar música
a diferentes lugares da região, como
escolas, lares de idosos, hospitais e
centros comunitários. Foto de 27 de
maio de 2015.

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) tem várias ati-


vidades didáticas dentro do programa “Descubra a Orquestra”, que oferece Disponível em: <http://
concertodigital.osesp.
cursos para professores, para que possam preparar seus alunos para assistir art.br/>. Acesso em:
aos concertos didáticos e ensaios abertos da Orquestra. A Osesp mantém 13 out. 2015.
também um coro infantil e um coro juvenil e cursos avançados para forma- A Orquestra Sinfônica do
ção de instrumentistas. Estado de São Paulo (Osesp)
disponibiliza concertos ao
vivo e também gravações
MARCIA MINILLO/ OLHAR IMAGEM

das apresentações em seu


site. Se possível, acesse a
página indicada e assista
a um desses vídeos.

Se julgar interessante, peça aos estudantes


que se reúnam em grupos de dois ou três
pessoas e visitem a página <www.osesp.
art.br/paginadinamica.aspx?pagina=
aosiniciantes>, que traz informações so-
bre a música de concerto. Cada grupo
deverá ler um dos tópicos abordados no
site, discutir em grupo e apresentar as in-
formações aos outros colegas da turma
durante uma das aulas.
Foto de apresentação de músicas de
Heitor Villa-Lobos, pela Osesp, na Sala São
Paulo, em São Paulo (SP). Foto de 2014.

196 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Além das orquestras já citadas, há muitas outras no país que realizam
concertos e atividades para a formação de público, além de ações para for-
mar novos músicos. Por exemplo: a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais;
a Orquestra Sinfônica de Sergipe; a Orquestra Amazonas Filarmônica,
em Manaus; a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, em Belém do Pará;
a Orquestra Sinfônica de Teresina, no Piauí; a Orquestra da Universidade
Federal de Alagoas; e a Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte.

MARIANA GARCIA

Foto da orquestra Filarmônica de


Minas Gerais em concerto ao ar livre
na cidade de Ouro Preto, no Festival
de Inverno de 2013.

A reunião dos instrumentos em uma orquestra depende das ideias mu-


sicais do compositor, podendo ser maior ou menor de acordo com as exi-
gências da obra. No texto da página seguinte você poderá ter uma ideia so-
bre o desenvolvimento histórico das formações das orquestras, do século XV
até os dias atuais.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 197


A orquestra completa

O número e os diferentes tipos de instrumentos que constituem


uma orquestra variam consideravelmente de um século para outro, de uma
composição para outra – e até entre os movimentos de uma mesma
composição. Para uma peça, o termo “orquestra completa” pode sig-
nificar vinte ou trinta instrumentistas. Para outra, cento e vinte ou
mais. [...]
Uma das primeiras orquestras que nós conhecemos mais detalhada-
mente foi a usada pelo compositor italiano Monteverdi em 1607 para
sua ópera A Lenda de Orfeu. [...]
Durante o século XVII, o aperfeiçoamento dos instrumentos de
cordas, particularmente do violino, possibilitou que o naipe das cordas
[...] se estabelecesse como uma unidade equilibrada e completa em si
mesma, um núcleo central ao qual os compositores acrescentavam ins-
trumentos isolados ou em pares: flautas e oboés [...], fagotes, trompas e
ocasionalmente trompetes e tímpanos. Para completar a formação, um
cravo ou um órgão eram incluídos. [...]
Ao se aproximar do final do século XVIII, os instrumentos de so-
pro, agora acrescidos das recém-inventadas clarinetas, organizaram-se
como uma seção da orquestra completa em si mesma [...].
[...] Porém, foi somente depois da adaptação do mecanismo das vál-
vulas aos trompetes e trompas, [...] que os compositores começaram
realmente a pensar nos metais como uma seção orquestral tão impor-
tante quanto as outras. Entretanto, a grande flexibilidade proveniente
da adaptação das válvulas, juntamente com aperfeiçoamentos na pro-
dução do som e afinação, levaram os metais muito mais além, colocan-
do-os na importante posição que eles ocupam na orquestra usada pelos
compositores românticos do século XIX. [...]
Os instrumentos extras da seção de madeiras – flautim, corne in-
glês, clarineta-baixo e contrafagote – também estavam disponíveis.
Agora, uma seleção de outros instrumentos de percussão frequente-
mente tocava ao lado dos tímpanos, enfatizando os ritmos, criando
nuanças tímbricas. [...]
No final do século XIX e no início do século XX a orquestra foi,
por vezes, extremamente ampliada. [...] compositores começaram a fa-
zer experiências com novos sons, novas técnicas, a usar instrumentos
recém-inventados, a descobrir novos horizontes sonoros a partir de ins-
trumentos bem familiares, e mais recentemente a explorar as fascinan-
tes possibilidades dos sons eletrônicos.
BENNETT, Roy. Instrumentos da orquestra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p. 72-74.

198 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Bandas de música
As bandas de música, também conhecidas como fanfarras, são grupos
de música instrumental que, geralmente, reúnem apenas instrumentos de
sopro (metais e madeiras) e de percussão. Elas estão espalhadas por diversas
cidades do Brasil e despertam a vocação musical em muitos jovens, possibili-
tando o convívio social e reforçando a identidade cultural de seus integrantes.
Esses grupos se apresentam em encontros de bandas, festas religiosas ou em
datas comemorativas das cidades e costumam ser compostos por pessoas de
todas as idades, desde aprendizes até pessoas mais experientes em música. O
repertório geralmente inclui os tradicionais dobrados e pode apresentar in-
fluência da cultura musical regional, como o frevo e as cirandas, por exemplo.
A cidade de Teresina, no estado do Piauí, por exemplo, abriga várias
bandas de música que são também escolas de música, como a banda
infanto-juvenil Maestro Duda.

MARIANA SIRENA
Dobrado: estilo musical original-
mente utilizado para acompanhar
marchas militares em andamento
rápido. Com o tempo, o estilo foi
recebendo modificações, passan-
do a ser uma das principais formas
musicais utilizadas pelas bandas
de música.

Foto da banda infanto-juvenil Maestro


Duda, da cidade de Teresina (PI), em
concerto didático em um colégio, sob
regência de Gustavo Cipriano.
Foto de 2003.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


Em grupos formados por quatro estudantes, façam uma pesquisa em jornais, revistas, na internet ou
em centros culturais para descobrir se existe alguma banda de música instrumental ou fanfarra na cidade
onde vocês moram ou em alguma localidade perto de vocês.
Elaborem uma apresentação sobre a banda musical pesquisada a partir dessas informações: nome, ano
de fundação, número de integrantes, tipos de instrumentos musicais, local onde costuma se apresentar com
mais frequência, nome do regente, data da última apresentação e fotos. Para enriquecer a pesquisa, se possível,
traga um vídeo de uma apresentação ou o áudio da banda musical pesquisada para compartilhar com a turma.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 199


GOLDENARTS/ SHUTTERSTOCK
Você já aprendeu o que é altura em música e sabe identificar um mo- Objetivo
vimento sonoro. Entendeu também a importância do silêncio nas com-  Identificar e produzir
sons de diferentes
posições. Agora, você e os colegas vão criar uma composição musical co- timbres em uma
letiva, combinando sons de diversos timbres. composição musical.
Utilizando a voz, instrumentos musicais ou objetos capazes de pro-
duzir sons vocês irão compor uma música que será chamada “melodia
de timbres”. Isso quer dizer que o objetivo principal na criação da música
será combinar timbres diferentes em uma sequência sonora.
Inicialmente, com a ajuda do professor, combine sons de timbres bem
diferentes, mesmo que estejam no mesmo plano de altura. Por exemplo:
um violão produz sons de determinado timbre quando tocamos suas
cordas e outros de diferentes timbres quando percutimos com as mãos
em sua caixa de madeira. Depois, observem as nuances de timbres apro-
ximados, como as vozes de colegas ou o som das diferentes partes de
um mesmo instrumento musical ou de um objeto sonoro.
Formem pequenos grupos de estudantes. Cada grupo ficará respon-
sável pela execução de sons de determinado timbre. Os sons produzidos
por cada grupo de estudantes podem ser longos ou curtos, podem va-
riar na intensidade e na altura, podem ser notas únicas ou uma sequência
de notas. O importante é que haja diferença de timbres entre os grupos.
Depois, organizem os momentos em que cada grupo irá produzir seus
sons, alternadamente, formando uma sequência de sons de diferentes
timbres. Quando o som de determinado timbre termina, outro começa,
ou seja, os grupos de estudantes irão se alternar na execução da melodia
de timbres. Em seguida, vocês podem também combinar sons de diferen-
tes timbres que serão executados ao mesmo tempo, ou seja, mais de um
grupo poderá produzir seus sons simultaneamente. Lembrem-se de inse-
rir instantes de silêncio em alguns momentos.
A turma pode se revezar de maneira que um estudante fique responsá-
vel por anotar a sequência de sons que todos acharem interessante, criando
um registro da composição. Inicialmente, o professor pode ser o regente, ou
seja, aquele que determina por quanto tempo cada grupo deverá produzir
cada tipo de som, combinando grupos e inserindo momentos de silêncio.
Posteriormente, alguns estudantes deverão fazer o papel de regentes.
Para tornar a composição ainda mais elaborada, vocês podem fazer
combinações, incluindo, além do controle sobre o timbre, sons de dife-
rentes alturas. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

200 CAPÍTULO 12 | Música e Cidade


Neste capítulo, você pôde compreender que o timbre é a característica do som que permite diferenciar
os instrumentos, mesmo que estejam tocando a mesma nota. Percebeu também que as tentativas para
definir o que são músicas de concerto e músicas populares nem sempre são adequadas e que alguns gru-
pos brasileiros contemporâneos de música instrumental vêm rompendo as barreiras entre o erudito e o
popular ao transitarem com liberdade e apuro técnico por diferentes repertórios. Viu também como são
formadas as orquestras e as bandas de música e como elas são ricas em possibilidades de combinações de
timbres, além de conhecer várias orquestras e bandas de música existentes em diversas cidades do Brasil.

RODA DE CONVERSA
Neste capítulo, foi possível perceber que há muitas formas de se fazer música além das que comumente
são apresentadas pela maioria dos meios de comunicação. Você também pôde observar que o Brasil abriga
várias orquestras e que existem muitas bandas de música espalhadas pelo seu território.
Pesquise se na cidade onde você mora existe alguma orquestra ou grupo de câmara que se dedi-
que à música de concerto. Procure saber como é a formação instrumental desses grupos, se há pes-
soas que você conhece na orquestra ou no grupo de câmara, qual repertório é tocado e outros aspec-
tos que achar interessantes e, depois, compartilhe com os demais colegas da turma.

Resposta pessoal.

O objetivo dessa atividade é mostrar estas formações musicais como algo que pode estar próximo de muitos estudantes

e despertar a curiosidade daqueles cujas cidades não apresentem tais grupos. Se na cidade em que se localiza sua escola

não existir nenhum agrupamento musical desse tipo, você pode combinar alguma localidade com os estudantes ou sugerir

uma orquestra ou grupo que conheça e considere pertinente.

Música e Cidade | CAPÍTULO 12 201


3
ARTES VISUAIS Conteúdos
 Arte pública

E CIDADE
 Muralismo mexicano
 Grafite, sociedade de
massas e indústria cultural
 Papel do artista
na sociedade

CORBIS/ FOTOARENA

Marilyn, serigrafia, de Andy Warhol, 1967. Dimensões: 15,2 cm × 15,2 cm.

202 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Neste capítulo, serão analisadas as transformações ocorridas nas artes visuais na segunda metade do sécu-
lo XX e, principalmente, a redefinição dos lugares da arte e do artista na sociedade. Essas modificações podem
ser gradativamente percebidas desde o início do século XX, mas é no final da década de 1950 que se percebe
o surgimento do conceito de arte contemporânea. Tal modificação pode ser explicada a partir da própria ex-
pansão do conceito de artes visuais.
Os artistas da década de 1960 abriram novas possibilidades para as artes, tanto no que se refere à inte-
gração de materiais não artísticos, como lixo, secreções humanas, sangue e ossos de animais em suas obras,
quanto à integração com outros campos artísticos, como a música, o teatro e o cinema. Além disso, passaram
a apropriar-se de outros espaços, não restringindo as obras aos museus e galerias.
Dessa forma, as artes visuais deixaram de ser reconhecidas apenas nas modalidades pintura e escultura e
passaram a ser vistas de maneira mais ampla, o que levou à construção de novas denominações. É o caso das
instalações, performances, vídeo-instalações, artes públicas etc.
Um exemplo desse deslocamento no campo das artes visuais é o trabalho do artista estadunidense Andy
Warhol e do movimento da Pop Art. Com a utilização de técnicas como a serigrafia, Warhol reproduziu temas do dia a
dia, das celebridades e da indústria cultural, elementos esses que, anteriormente não estavam associados ao campo
artístico, que tendia em sua maioria, a privilegiar questões não diretamente presentes no cotidiano. Seu obje-
tivo era explorar os objetos de consumo da sociedade, estivessem esses disponíveis em supermercados (latas
de sopa de tomate, por exemplo) ou em mídias diversas (caso do retrato de Marilyn Monroe).
Para entender as transformações anteriormente citadas e o cenário da Pop Art, é importante conhecer alguns
conceitos como o de “indústria cultural” e “sociedade de massa”. Até a década de 1950, a comunicação estava
restrita à mídia impressa, que não atingia um grande número de pessoas em vista das dificuldades de distribui-
ção e do expressivo contingente de analfabetos. Com a popularização do rádio e da televisão, criou-se um fenô-
meno de comunicação sem precedentes, capaz de vencer tanto a barreira de transmissão – chegando a lugares
mais distantes –, como a de comunicação, pois utilizava mecanismos que não exigiam a leitura de textos escritos.
O resultado dessa popularização foi visto por alguns teóricos como um processo de massificação. A cultura,
nessa interpretação, passa a ser vista em seu valor de consumo e mercadoria. Pessoas são rapidamente transfor-
madas em ícones de beleza, de sensualidade e de felicidade, e desse modo, passam a ser conhecidas como cele-
bridades. É nesse universo que se encontra o trabalho de Andy Warhol, ao produzir, por exemplo, a obra Marilyn
(observada no início deste capítulo). Marylin Monroe foi uma atriz que se transformou em um dos ícones mais
importantes da cultura de massa estadunidense, sendo representativa da beleza e da sensualidade. Andy Warhol
apropriou-se de uma fotografia da atriz que já estava em circulação e modificou as cores, em compasso com as
características de imagens publicitárias da época.
Comente com os alunos que a técnica de serigrafia era até então usada apenas em reproduções de peças publicitárias e mídias
de massa. Esse deslocamento da técnica para o contexto da arte foi uma inovação de Andy Warhol.
RODA DE CONVERSA
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Você observou que o desenvolvimento de alguns meios de comunicação teve reflexos na produ-
ção artística da época. Converse com os colegas sobre de que forma o surgimento de novas tecnolo-
gias, como as atuais, influenciam ou podem influenciar as formas de fazer arte? Resposta pessoal.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 203


Arte pública
Arte pública é um conceito que, em seu sentido comum, refere-se à
arte realizada em ambientes públicos, ou seja, fora dos locais habituais, como
as galerias de arte e os museus. Uma de suas características é o fato de po-
der ocupar diversas áreas das cidades e atuar modificando a paisagem ur-
bana, de modo permanente ou momentâneo, permitindo o acesso livre da
população a tais produções artísticas. Desde a antiguidade, temos exemplos
de arte pública representados, por exemplo, por meio de monumentos his-
tóricos como as esculturas e algumas construções de arquitetura. Em cada
época, as sociedades constroem novas percepções para apropriação dos es-
paços nas cidades.
A definição de arte pública pode ser compreendida inicialmente como
qualquer monumento ou obra artística que ocupa o espaço público e
possui livre acesso para a população. Há cidades onde é possível encon-
trar obras artísticas de grande importância cultural espalhadas em seu espa-
ço. Algumas delas são consideradas como cidades-monumento, por terem
como característica a preservação do patrimônio cultural. Olinda, Ouro
Preto e Recife são exemplos de cidades que preservaram seus centros histó-
ricos, o que possibilita conhecer parte da história da sociedade retratada em
sua arquitetura e obras artísticas.
IPHAN  INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL

Foto de centro histórico de Olinda (PE).


O conjunto arquitetônico, urbanístico
e paisagístico foi tombado pelo
Iphan, em 1968. A cidade de Olinda
foi reconhecida como Patrimônio
Mundial Cultural pela Unesco, em
1982. Na área de 1,2 km2 e cerca
de 1 500 imóveis, estão presentes
diferentes estilos arquitetônicos:
edifícios coloniais do século XVI
harmonizam-se às fachadas de
azulejos dos séculos XVIII e XIX e às
obras neoclássicas e ecléticas do início
do século XX.

Há também expressões de arte pública que estão vinculadas a ideais po-


líticos e ideológicos. Movimentos como o Muralismo Mexicano são exemplos
desse tipo de perspectiva e será apresentado a seguir.

204 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Muralismo mexicano –
arte e política
O muralismo possui grande expressividade na América Latina, princi-
palmente no México, e pode ser compreendido nas relações estabelecidas
entre arte e política, estando associado às modificações políticas ocorridas
na Revolução Mexicana em 1910. A Revolução se deu a partir das reivindica-
ções de acesso à terra e melhores condições de trabalho por parte dos cam-
poneses e descendentes indígenas. Eles buscavam independência e liberda-
de. Entre os ideais revolucionários estava a utilização da arte como forma de
disseminação do ideário político da revolução.

SCHALKWIJK / ART RESOURCE, NY/ ARTRES


A grande cidade de Tenochtitlan, afresco, de Diego Rivera, 1945. Dimensões: 492 cm × 971 cm. Tenochtitlan, centro do império asteca, era formada
por canais, praças, mercados, pirâmides, templos, palácios, lojas e residências. Na época da conquista espanhola, a cidade já se caracterizava como
uma metrópole de duzentos mil habitantes.

Os artistas que ficaram mais conhecidos nesse contexto foram: Diego


Rivera (1886-1957), José Clemente Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros
(1896-1974). A chamada pintura mural tinha o objetivo de democratizar as
produções das obras, utilizando o espaço público como definidor das ações
artísticas, o que, nesse sentido, justifica a adoção pelo nome “muralismo”. A
principal característica técnica dessa modalidade artistica é a realização da
pintura diretamente sobre a parede. Conhecida como afresco, seu procedi-
mento tradicional consiste em recobrir a parede com três camadas de cal e
areia de diferentes espessuras; a primeira camada – mais grossa, dá sustenta-
ção ao trabalho, já a segunda entra com a função de planificar a superfície,

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 205


sendo também, o momento de execução do desenho, que será traçado
quando essa segunda camada estiver completamente seca. A terceira e últi-
Disponível em: <www.
ma camada, de qualidade mais fina, é o da pintura com rápidas pinceladas e hacienda.gob.mx/cultura/
com a estrutura ainda úmida, para que ocorra, simultaneamente, a secagem museo_virtual_pal_nac/
shcp_mv.htm>.
da parede e da tinta. Em vista da necessidade de integração entre a tinta e a
Acesso em: 4 fev. 2016.
parede, o pigmento é utilizado em pó e diluído em água, para que, durante a
É possível conhecer mais
secagem, a cor seja diretamente fixada no local de sua aplicação. sobre o Palácio Nacional da
Outros artistas participantes do movimento se reuniram com o objetivo Cidade do México, visitando o
link indicado e realizando uma
de oferecer possibilidades de comunicação entre a arte e o povo, atendidas
visita virtual pelos espaços
pela pintura feita em escala monumental. O conteúdo da produção associava- do museu, desde a fachada e
-se à denúncia da exploração política e econômica e à busca pela valorização os jardins às salas onde estão
localizados os cinco murais
da identidade indígena. realizados por Diego Rivera
A obra de Diego Rivera é um importante exemplo dessa produção mu- no período entre 1929 e 1951.
ral. Rivera construiu uma obra na qual tentava resgatar o passado dos Astecas,
sociedade que foi praticamente destruída no processo de colonização espa-
nhola. Para isso, o artista elaborou um quadro que representa a civilização no
período anterior à invasão dos colonizadores.

DAVID ALFAROS SIQUEIROS/ CIUDAD DE MEXICO, 1929


Na obra da página anterior é possível per-
ceber a construção de uma sociedade ideal,
desejável, rica e com inúmeras pessoas traba-
lhando em harmonia. Ao fundo, vê-se uma ci-
vilização próspera e inúmeras construções im-
ponentes. Um dos objetivos principais dessa
obra era o de resgatar a identidade que foi fra-
gilizada pela opressão dos colonizadores.
Já a característica de denúncia da vio-
lência contra a população camponesa pode
ser vista em inúmeras obras de David Alfaro
Siqueiros. Na obra ao lado, é possível se co-
mover com a situação da mulher represen-
tada, que parece estar impotente com a si-
tuação de fome e falta de recursos. As crianças,
que aparentemente são seus filhos, parecem
tentar consolá-la. A obra de arte se transforma
em uma denúncia contra a desigualdade social.

Mãe camponesa, de David Alfaro Siqueiros, 1929.


Dimensões: 220 cm × 170 cm. Na obra, o espaço ocupado
pela mãe e três filhos é estreito e sufocante, o que
confere um ar claustrofóbico à composição. O semblante
da mãe parece sugerir sofrimento, e seu olhar é distante
e profundo e não se direciona ao espectador.

206 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Outra característica importante da produção artística conhecida
como muralismo mexicano está na ideia de uma arte coletiva. O artista
não é um sujeito que se distancia dos outros trabalhadores da socieda-
de, como pode ocorrer em uma pintura de cavalete. A produção torna-
-se coletiva tanto no fazer como no fruir, já que é feita para ser vista por
todos que por ela passam. A produção realizada pelos muralistas tinha
um fim político e revolucionário: o de propor reflexões sobre a desigual-
dade social. O muro se transforma, então, no instrumento fundamen-
tal de comunicação política. As histórias narradas a partir das imagens
tinham o objetivo de esclarecer a realidade política em que viviam o
México e a América Latina como um todo. As imagens geralmente enal-
tecem o passado pré-colombiano e buscam denunciar a violência pro-
vocada pelos colonizados.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


Formem nove grupos com até cinco estudantes. De modo que os grupos 1, 2, 3 trabalhem com três
obras diferentes de Rivera; os grupos 4, 5 e 6 com três obras diferentes de Siqueiros; e os grupos 7, 8 e 9
trabalhem com três obras diferentes de Orozco.
Os grupos deverão buscar informações sobre o contexto histórico das obras, compreendendo as mo-
dificações relacionadas também ao cenário político do México. O mais importante é realizar a interpreta-
ção e análise das obras selecionadas, respondendo também às seguintes perguntas:

1. O que o artista retratou?


2. Como as temáticas escolhidas pelo artista foram retratadas?
3. Qual técnica foi utilizada pelo artista?

O primeiro passo é verificar se na escola há uma parede que possa ser Objetivo
usada para a realização da atividade.  Redecorar as paredes
Em seguida, é necessário definir com os colegas e professor um tema da escola com pinturas
executadas pelos
para os trabalhos que irão figurar as paredes da escola. Independente da próprios estudantes e
temática selecionada, o importante é que os estudantes trabalhem jun- perceber as possíveis
aproximações com a
tos de modo que o trabalho funcione não apenas individualmente, mas
técnica adotada pelo
também em conjunto, ou seja, são produções individuais de cada estu- muralismo mexicano.
dante, mas que, juntas, formarão uma composição unificada nas paredes
da escola. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 207


Arte urbana – grafite
e intervenção urbana
O fenômeno da arte urbana, ou seja, uma arte que ocupa os espaços
públicos da cidade, como o grafite, pode ser entendido como um conjunto
de transformações ocorridas no circuito de arte a partir da década de 1980,
que ficaram conhecidos pelas características do retorno à pintura.
Na década anterior, os artistas ficaram fascinados com a produção da foto-
grafia e do vídeo, o que fez muitas pessoas pensarem que os artistas abandona-
riam a pintura. Porém, na década de 1980, o interesse pela pintura e por novas for-
mas de arte dominou tanto o cenário internacional como o brasileiro. Nos Estados
Unidos, a exemplo de cidades como Nova York, assistiu-se à ocupação dos mais
diferentes espaços da cidade além dos muros, como os vagões de trens aban-
donados e prédios afastados do centro da cidade. Esse movimento permitiu a
democratização dos meios de expressão artística, tendo em vista que não
apenas as galerias e museus seriam as divulgadoras da arte.
RICHARD LEVINE/ALAMY/LATINSTOCK

Foto de grafite de Kenny Scharf, em Nova York. Foto de 4 de dezembro de 2010.

O grafite passa, então, a ocupar o espaço da cidade com bastante exu-


berância e expressividade. O material mais utilizado é o spray, em razão de
seu preço, da facilidade de compra e, principalmente, da capacidade de apli-
cação rápida nos espaços.

208 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Em Nova York, na década de 1980, o grafite foi compreendido como parte
de uma nova cultura urbana emergente. A partir da década de 1990, principal-
mente na Europa e nos Estados Unidos, em um processo lento, o grafite passou
a ser reconhecido tanto pelo circuito de arte como também pelo público em
geral. Pode-se destacar a presença de artistas como Kenny Scharf (1958-), Keith
Haring (1958-1990) e Jean-Michel Basquiat (1960-1988). A produção de Basquiat
deve ser compreendida politicamente ao reivindicar a valorização dos estratos
menos favorecidos da população, principalmente os afrodescendentes.
A obra de Basquiat une inúmeras técnicas distintas. O artista rabiscava, reali-
zava colagens e deixava um aspecto inacabado em sua produção, que pode ser
observado na imagem abaixo, onde é possível perceber o suporte amarelo reco-
berto parcialmente por papéis recortados que trazem palavras inscritas e algumas
figuras. Seu trabalho se apresentava mais como uma apropriação do cenário ur-
bano do que uma proposta restrita ao campo da pintura. O artista demonstrava,
por meio de sua produção, que o mais importante era a intervenção, a ocupação
de espaços que não eram considerados artísticos e que, principalmente, não esta-
vam destinados às artes, como os espaços da periferia da cidade.

COLEÇÃO PARTICULAR

Sem título, giz pastel oleoso e serigrafia


sobre tela, de Jean-Michel Basquiat,
1984. Dimensões: 223,52 cm x 195,58 cm.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 209


Outros trabalhos interessantes de intervenção

CHANTAL REGNAULT
urbana foram os do artista Keith Haring. O artista co-
meçou a desenhar com giz em superfícies de papel
preto e a afixar seus desenhos sobre pôsteres nas es-
tações de metrô, como se pode ver na fotografia ao
lado. Haring vendia seus desenhos na cidade de Nova
York e destinava parte da renda aos eventos bene-
ficentes em favor da campanha contra a Aids. É im-
portante destacar que a Aids transformou-se em uma
verdadeira epidemia na década de 1980, o que fez
com que vários artistas se posicionassem em campa-
nhas públicas ou com doações monetárias. O próprio
Haring era soropositivo e faleceu em 1990.
No contexto da arte urbana, verificam-se expres-
sões e palavras como grafite, stickers (adesivos feitos
por meio digital ou manualmente), cartazes, pôste-
res lambe-lambes (pôsteres artísticos que geralmente
são fixados com um cola caseira), estêncil (técnica uti-
lizada com um molde vazado para aplicar o desenho
com tinta), flash mob (conjunto de pessoas que exe-
Foto de Keith Haring desenhando com giz em papel preto no
cutam, inusitadamente, ações ensaiadas em espaços espaço subterrâneo do metrô de Nova York, EUA, 1981. No começo
públicos) etc. da década de 1980, ele criou centenas desses desenhos.
JACK GUEZ/ AFP

Disponível em: <http://derlon.


com.br/?page_id=224>.
Acesso em: 4 fev. 2016.
O artista Derlon Almeida
realiza uma pesquisa que
visa integrar a linguagem
do grafite à técnica
de xilogravura. Nesse
sentido, o artista consegue
ocupar espaços diversos
das cidades além de
problematizar a interseção
entre as linguagens.

Foto de flash mob de acroyoga em


frente ao Teatro Habima, em Tel
Aviv, Israel. O flash mob consiste em
aparições inesperadas e coreografadas
de um grupo de pessoas em espaços
públicos. Foto de 11 de março de 2016.

210 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Pichação ou grafite?
No contexto da arte urbana, o grafite é uma expressão estética cuja produção aproxima-se, principalmente,
de pinturas em paisagens urbanas, mas podem ser ilustrações, textos, e artes gráficas, que se estendem às vias pú-
blicas, postes, muros, calçadas, edifícios, viadutos etc. O artista responsável pela pintura é denominado grafiteiro
ou writer (palavra em inglês que significa “escritor”). Muitos grafiteiros escrevem seus próprios nomes em muros e
em suas mensagens. Além disso, quando o trabalho é realizado por mais de um artista, o nome que o grupo re-
cebe é crew (palavra em inglês que significa conjunto de pessoas, equipe técnica). Nesse contexto, é importante
demarcar ainda a existência da pichação, também caracterizada pela intervenção em locais públicos. Nas imagens
desta página, é possível ver exemplos dessas duas formas de manifestação que compartilham do mesmo suporte
para suas intervenções, mas que, por vezes, podem se diferenciar pelos objetivos dos seus interventores.

WC.TAKEUCHI
Foto de belvedere (edifício construído
em local elevado) pichado na Praça João
Cândido, em Curitiba (PR). Construído
em 1915, abrigou a primeira emissora de
rádio do Paraná, tornou-se observatório
astronômico e meteorológico e, em
1962, passou a ser sede da União Cívica
Feminina. Foto de 21 de abril de 2012.
KEILA SURRUYA

Maria, a santa do guaraná, de Hipz,


Manaus (AM), 2016. O artista comenta
que, em seus trabalhos, busca pintar em
locais que estão abandonados, tanto
pelo poder público como pela sociedade
para chamar atenção e abrir um diálogo.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 211


Antes de iniciar este conteúdo, comece instigando os estudantes com as seguintes perguntas: o que faz um monumento ser considerado
patrimônio cultural? Todos os monumentos são também patrimônios? Só monumentos podem ser considerados patrimônio público?

Arte pública e patrimônio

O conceito de patrimônio aparece pela primeira vez no Brasil no Decreto-lei nº- 25, de 30 de novem-
bro de 1937 como Patrimônio Histórico e Artístico, ou seja, “o conjunto de bens móveis e imóveis existen-
tes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
A modificação e consequente ampliação do seu significado de patrimônio veio com a Constituição
Federal de 1988, na qual o anterior Patrimônio Histórico e Artístico passa a chamar-se Patrimônio Cultural e
refere-se aos bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”,
conforme o artigo 216 da Constituição citada.
A mudança, mais do que simples teor nominal, passa a reconhecer elementos não somente materiais,
como também os imateriais e relacionados à cultura, como os modos de criar, fazer e viver. Também fa-
zem parte desse conjunto as manifestações artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edifi-
cações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Portanto, nem todos os monumentos são considerados patrimônio. Para que isso ocorra, é necessário
que seja aberto um processo de tombamento, que irá decidir, conforme as legislações vigentes, se o mo-
numento atende às exigências patrimoniais – possuem valor artístico, histórico e etc. –, que condiciona-
rão sua preservação. Um monumento “tombado” e, por isso, parte do patrimônio, é um monumento re-
conhecido como digno de proteção. O tombamento é aplicado para bens móveis (pinturas, esculturas e
etc.) e para bens imóveis (equipamentos urbanos e de infraestrutura, paisagens naturais, ruínas, jardins e
parques históricos, terreiros e sítios arqueológicos). Sua instituição está presente no Decreto-Lei nº- 25, de
30 de novembro de 1937.
A respeito da tipologia dos bens que devem ser preservados, a Constituição em 1988 insere em seu
campo de proteção os bens imateriais e relacionados à cultura e, nesse caso, pode-se concluir que não
somente os monumentos são considerados como dignos de preservação, que também é válida para sa-
beres, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e
para lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas).
Dentro da categoria dos saberes está o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, que tem como pon-
to central o cultivo da mandioca brava, praticada por mais de 22 povos indígenas distribuídos ao longo
das margens do rio Negro, entre os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da
Cachoeira, no estado do Amazonas, até a fronteira do Brasil com a Colômbia e com a Venezuela.

Tombamento: tombar um bem é o mesmo que fazer um registro do valor a ser preservado de determinado patrimô-
nio. O tombamento é feito em livros específicos responsáveis por separar esses bens em grupos, dos quais: Livro nº- 1
do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Livro nº- 2 do tombo histórico; Livro nº- 3 do tombo das belas artes;
Livro do tombo das artes aplicadas.
Terreiro: nome popularmente atribuído ao espaço onde se realizam rituais de diversas modalidades dos cultos afro-bra-
sileiros, como folguedos, bailados, cantos e desafios.

212 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Os povos indígenas que habitam a região noroeste do Amazonas, ao longo da calha do rio Negro e
das bacias hidrográficas tributárias, detêm o conhecimento sobre o manejo florestal e os locais apropria-
dos para cultivar, coletar, pescar e caçar, formando um conjunto de saberes e modos de fazer enraizados no
cotidiano. O Sistema acontece em um contexto multiétnico e multilinguístico em que os grupos indígenas
compartilham formas de transmissão e circulação de saberes, de práticas, de serviços ambientais e de pro-
dutos. É possível identificá-lo, uma vez que ele é elaborado constantemente pelas pessoas que o vivenciam.
IPHAN. Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/75>. Acesso em: 1o abr. 2016.

Em grupos formados por quatro estu-

BRUNO MEDLEY/ALAMY/LATINSTOCK
dantes, planejem e façam um mapeamen-
to de arte pública. Identifiquem, nas pro-
ximidades de casa, da escola entre outros
lugares, as obras que modificam a paisa-
gem urbana, como a imagem ao lado, que
traz o exemplo de um estêncil em que a
imagem é realizada a partir de um molde
vazado feito em papel, plástico ou metal
com formatos variados (letras, desenhos,
símbolos etc.), colocado sobre a parede
– ou outra superfície desejada. O preen-
chimento pode ser efetuado utilizando tinta
spray, rolo ou pincel. Se possível, pesquisem
quem são os artistas responsáveis pelas inter-
venções presentes nesses espaços visitados.
Passeiem por esses lugares, registrem
os trabalhos dos artistas por meio de foto-
grafias e tragam para a sala de aula.
Conversem com os colegas dos outros
grupos e com o professor sobre como essas
Foto do estêncil Swept under the carpet (em tradução livre “Varrido para
imagens se relacionam com a paisagem e debaixo do tapete”), realizado pelo artista conhecido como Banksy, em 2006,
com o seu entorno. em Londres, Inglaterra. Foto de 2010.
Outra possibilidade é compor um mapa da região pesquisada com as informações coletadas por to-
dos os grupos. Vocês podem demarcar todos os pontos nos quais foram identificadas manifestações de
arte pública. Nesse caso, cada grupo pode usar uma marcação diferente (um grupo usa a cor vermelha,
enquanto outro usa a cor verde etc.). Observem se nos espaços visitados, há alguma proximidade entre
as práticas e qual a região com o maior número de exemplos. Levantem hipóteses sobre os resultados.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 213


Arte contemporânea: o papel
do artista na sociedade
Uma questão importante levantada pela arte contemporânea refere-se ao papel do artista na sociedade e, prin-
cipalmente, à redefinição de conceitos artísticos como o de “genialidade” e “criação”. No exemplo abaixo, Andy Warhol
propõe uma obra denominada: Faça você mesmo. O artista fornece números para que qualquer pessoa saiba que co-
res utilizar em cada lugar e assim concluir a obra. Warhol aproxima o fazer artístico do sujeito comum, desmistificando
a profissão do artista cercada pela ideia de distanciamento social e do conceito de genialidade. Essa ampliação do fa-
zer artístico colocou em jogo os “lugares da arte”, questionando se estaria somente nos museus ou também em es-
paços diversos da própria cidade, e refletindo sobre o próprio “lugar” do produtor de arte como exclusivo ao artista.

AKG IMAGES/LATINSTOCK

Faça você mesmo (flores), acrílico, lápis e


letraset no linho, de Andy Warhol, 1962.
Dimensões: 177,2 cm × 137,5 cm. Para
a série de pinturas Faça você mesmo,
o artista se apropriou de diferentes
imagens, como paisagens e flores.
Nessa obra, ele manteve espaços em
branco com números que sugerem as
cores a serem pintadas. É interessante
que se trata apenas de uma ideia, pois
sua obra jamais será realmente pintada.

Outro elemento fundamental para a compreensão da arte contemporânea pode ser denominado de
politização do meio artístico mais latente na década de 1960 ou como estudo na América Latina, por meio do
Muralismo mexicano, intensificando a presença de movimentos que reivindicaram a redescoberta da história
dos indígenas, dos afrodescendentes e de outros povos que foram dominados durante a colonização.

214 CAPÍTULO 13 | Artes Visuais e Cidade


Este capítulo voltou-se para as relações entre arte, cidade e sociedade. Foram abordadas as modifica-
ções surgidas com a arte contemporânea e os questionamentos dos artistas sobre os lugares comumente
aceitos como locais de expressão, bem como os meios indicados para o fazer artístico. As categorias tradi-
cionais de pintura e escultura são deixadas em segundo plano por algum tempo. Mais tarde, a arte passa a
ocupar diretamente o próprio cenário urbano, em muros, paredes – fora das galerias e locais institucionais.
São explorados elementos do cotidiano, já saturados pelos meios de comunicação, e incorporados ao
universo artístico, sendo uma forma de questionar o que se sabe das informações disponibilizadas e por-
que se deve conviver com essas informações todos os dias e a todo momento. O cotidiano invade o espaço
da arte. Um questionamento presente nesse contexto é o próprio papel do artista na sociedade que, nesse
caso, abandona a esfera anterior que o separava de seu público. Outros questionamentos de igual impor-
tância estão relacionados ao patrimônio público, em que se observa a diferença entre bens materiais e ima-
teriais e, ainda, o que permite considerá-los dignos de preservação. A questão do patrimônio também abar-
ca o processo posterior ao fazer, pois têm-se atualmente a certeza da existência de inúmeras manifestações
artísticas, mas, talvez, nunca se tenha parado para pensar sobre as condições que levam à sua preservação.

RODA DE CONVERSA
Após o estudo deste capítulo, converse com os colegas e o professor e responda:
1. Qual a sua opinião sobre as intervenções que têm como suporte os espaços públicos? Justifique sua
resposta.
1. Resposta pessoal. Reflita sobre as diferentes formas de ocupação do espaço público, seja na transformação de espaços

abandonados em lugares de arte ou em propostas que sujam e degradam os espaços públicos.

2. Das manifestações de arte urbana estudadas, quais delas você pôde observar em seus trajetos no dia a dia?
2. Resposta pessoal. Estimule a percepção dos estudantes com relação aos locais de acesso rotineiro, questionando-os sobre

a identificação do conteúdo aprendido em sala de aula, e incentivando sua aplicação no dia a dia.

3. Caso você tivesse a possibilidade e a liberdade de ocupar um espaço público com algum trabalho
artístico, o que você faria? Justifique sua resposta.
3. Resposta pessoal. Desperte o interesse sobre espaços, prédios ou monumentos que são considerados importantes.
Considere tanto as definições de patrimônio material (como praças, estátuas, prédios) como também imateriais (alimentos,
danças, formas de expressar sua identidade ou religiosidade etc.).

4. Você conhece algum bem material ou imaterial tombado pelo Iphan? Caso não conheça, você tem
alguma sugestão de bens que poderiam ser tombados na sua cidade?
4. Resposta pessoal. Converse com os estudantes sobre a importância de respeitar e preservar espaços públicos e, ainda nes-

sa perspectiva, faça-os refletir sobre a importância da preservação desses bens para a sociedade.

Artes Visuais e Cidade | CAPÍTULO 13 215


4
DANÇA E CIDADE Conteúdos
§ Dança contemporânea
§ Performance, qualidade
do movimento,
elementos cênicos e
exploração do espaço

JU BRAINER/ DIVULGAÇÃO CIA ETC

Foto da intervenção urbana Involuntário, realizada pela Cia. Etc. na praia de Boa Viagem, em Pernambuco. Trata-se de uma intervenção urbana,
de 45 minutos, em que quatro intérpretes da dança se movimentam envolvidos por um tecido vermelho. O intuito é promover um encontro
inesperado e inusitado com a cidade, interferindo na normalidade estabelecida dentro e fora de cada pessoa. Foto de 2010.
Para conhecer mais o trabalho da Cia. Etc. visite o site <http://ciaetc.com.br/home/>, acesso em 9 maio 2016.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


Neste capítulo, será possível observar como o movimento pode ocupar os diversos espaços urbanos e
como a dança, a partir do século XX, começa a sair dos teatros e dos salões para ocupar também os espaços
públicos, como ruas, praças, museus, laterais de edifícios, telhados etc. Serão abordados os novos usos que as
pessoas fazem dos espaços urbanos, a ressignificação desses espaços e sua transformação em espaços dan-
çantes, capazes de abrigar ações e movimentos como as performances.

216 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


Também será tratado como a participação do público presente e a interação dos intérpretes com esse públi-
co interfere nos processos de criação de movimentos nesses espaços. Serão apresentadas outras formas de mo-
vimento que surgem a partir da interação dos corpos com o espaço e o surgimento de iniciativas mais inclusivas,
que valorizam as diferenças entre os corpos e representam diversas formas de expressão por meio da dança.
A associação da dança a uma forma de espetáculo que acontece em teatros e salões pelo mundo afora
é parte essencial da história desse campo artístico. Afinal, os principais estilos de dança reconhecidos atual-
mente como arte no Ocidente são oriundos de um período da história que durou até o século XIX, em que a
Europa detinha o poder econômico. Ao longo desse período, esses estilos adentraram os teatros e salões para
que, assim, pudessem ser apresentados e ensinados para as classes sociais mais privilegiadas e que ditavam as
normas sociais da época. Cabe reconhecer que essa história sempre nos foi contada de acordo com uma visão
eurocêntrica do que pode ser considerado dança. Outros grupos sociais também dançavam em outros espa-
ços nesse período, a exemplo das sociedades africanas e dos povos indígenas que tinham suas muitas formas
de dançar, e, até mesmo na Europa, a dança não surgiu com o objetivo de apresentação. Assim como o teatro,
a dança teve sua origem nos rituais praticados por cada grupo social.
No entanto, ao considerarmos a dança como uma das várias formas de se fazer arte, vale lembrar que até
o final do século XIX e início do século XX, os espaços urbanos não eram considerados espaços apropriados
para os processos de criação e para as apresentações de dança, restringindo o acesso a essa arte às minorias
economicamente privilegiadas. Por muito tempo, somente aqueles que podiam pagar para entrar num teatro
tinham acesso e podiam assistir aos espetáculos de dança.

RODA DE CONVERSA
Converse com os colegas e o professor sobre as questões a seguir.
1. O que você pensa sobre a dança apresentada em espaços como ruas, sacadas, escadarias etc.?
2. Que espaços você considera propícios para apresentações de dança? Cite três deles e justifique suas
escolhas.
2. Resposta pessoal. No século XXI, apesar de encontrarmos a dança nas escolas, nos salões, nos clubes e inclusive em hos-

pitais, os teatros ainda são os lugares mais comumente associados às apresentações de dança. Incentive respostas que ex-

trapolem os lugares convencionais de apresentações, a exemplo de: supermercados, parques, telhados, laterais de prédios

etc. É importante que as respostas sejam consideradas de acordo com o contexto no qual os estudantes estão inseridos, pois

algumas questões podem se tornar mais polêmicas a partir, por exemplo, da orientação religiosa e/ou educacional. Dançar

em espaços como igrejas ou hospitais pode ser algo possível e comum para uns, mas impossível e inusitado para outros, e

a definição dessas possibilidades dependerá das orientações e construções culturais de cada um. É importante respeitar es-

sas diferenças.

1. Resposta pessoal. O estudante poderá responder a essa pergunta de diversas formas, a depender da sua cultura e das vivências
anteriores. Os estudantes que vivem em grandes centros urbanos podem estar mais acostumados com a dança apresentada nos es-
paços citados acima do que os estudantes que vivem em cidades menores. Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 217
Quando a dança ocupa a
cidade e desafia a gravidade
O movimento humano surge a partir das relações do corpo que se move no
espaço com as variadas qualidades (ou dinâmicas) do movimento. O corpo, o es-
paço e as variadas qualidades ou dinâmicas são os componentes do movimento.
Uma coreografia ou uma performance é elaborada com a combinação dos
movimentos do corpo no espaço em um tempo determinado pela criação do in-
térprete ou do coreógrafo e sempre é influenciado pelo espaço que o corpo ocupa.
A pesquisadora de dança Isabel Marques no livro Interações: crianças, dança
e escola, de 2012, sugere que, para compreender o movimento, deve-se conhe-
cer o corpo que dança (o que se move), o espaço que ele cria (onde esse corpo
se move) e as diferentes dinâmicas do movimento (como esse corpo se move).

ANGELO REDAELLI

Foto do espetáculo “Nascimento”, do


grupo de dança contemporânea Parsons
Dance, que utiliza em seu repertório
composições originais de diversos
artistas, entre eles Milton Nascimento.
Foto de 2012.

Essa concepção de dança de Isabel Marques é baseada nos princípios


desenvolvidos no início do século XX pelo teórico da dança Rudolph Laban.
Para ele “o espaço é um aspecto oculto do movimento e o movimento um
aspecto visível do espaço”. No entanto, é importante lembrar que são os mo-
vimentos que constroem o espaço onde se dança. De acordo com Isabel Disponível em: <www.
Marques, as pessoas modificam o espaço com a simples presença de seus parsonsdance.org/about/
parsons-dance/>.
corpos; e dão sentido a qualquer espaço por meio de seus movimentos. Em Acesso em: 31 mar. 2016.
locomoção ou em pausa, o corpo cria espaços pessoais, aqueles que corres-
No site da Parsons Dance
pondem ao corpo em si, aos espaços que cada corpo ocupa e também aos é possível ver fotos e
espaços gerais, aqueles que são desenhados pelos movimentos do corpo vídeos de apresentações
e, inclusive, de ensaios, e,
em relação ao ambiente que o corpo está. Ao explorar os diversos locais das desse modo, conhecer um
cidades como espaços dançantes, ou seja, espaços a serem explorados pelos pouco mais o trabalho da
movimentos criados pelos corpos, são criadas novas relações de cada corpo companhia estadunidense
de dança contemporânea.
e, consequentemente, dos movimentos com o espaço.

218 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


Dança e Arquitetura

CIA. IL POSTO/ DIVULGAÇÃO


Foto da apresentação aberta da companhia italiana II Posto nas paredes externas do edifício histórico do Museu Madre, em Nápoles, Itália.
Foto de 2014.

A companhia italiana Il Posto é fruto de um projeto concebido em 1994 pela coreógrafa Wanda Moretti
e pelo músico Marco Castelli. Por trabalhar essencialmente com apresentações de dança influenciadas pelos
espaços que os corpos dos intérpretes ocupam e pela interação desses corpos com a plateia presente nes-
ses espaços, essa companhia se especializa em performances urbanas. As performances dessa companhia
de dança desafiam a gravidade ao utilizar a dimensão aérea e as formas arquitetônicas de prédios e edifícios
como palcos e cenários para os seus movimentos. Para que os movimentos dos intérpretes aconteçam nesses
espaços, estudos que incluem as leis da física e conhecimentos da arquitetura desses espaços são essenciais.
Considere que qualquer corpo, quando solto no espaço, tende a cair, por causa da ação da gravidade
sobre ele. Ao observar os corpos dos intérpretes da companhia italiana Il Posto em suas performances, no-
ta-se que a força desses corpos, a relação entre os movimentos, a posição dos corpos no espaço e a arqui-
tetura dos espaços utilizados pela companhia são componentes essenciais para suas criações artísticas.
O público presente se torna parte do espetáculo e assiste aos movimentos executados ao som de uma
música tocada ao vivo. Seguindo a proposta de ocupação de espaço da companhia, esse público tem di-
ferentes visões dos movimentos criados e executados pelos intérpretes, dependendo do lugar escolhido
para assistir à performance.
Na imagem acima, observe os diferentes ângulos dos movimentos dos intérpretes.

Disponível em: <www.ilposto.org/en/videogallery>. Acesso em: 15 out. 2015.


No site da companhia italiana de dança Il Posto é possível assistir a trechos de vídeos
das performances realizadas pelo grupo em diversos espaços arquitetônicos.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 219


Quebrando as regras
e ocupando espaços
A tentativa de levar a dança a ocupar os espaços urbanos teve início nos
Estados Unidos e tomou a forma de um movimento artístico, motivado por ar-
tistas que desejavam quebrar as regras até então estabelecidas pelo balé clás-
sico e pelas escolas da dança moderna do início do século XX. O Judson Dance
Theatre ficou conhecido mundialmente como um dos movimentos mais im-
portantes para a história da dança. As experimentações de um grupo formado
por intérpretes da dança, como Trisha Brown, Steve Paxton e Yvonne Rainer, e
por artistas visuais e por compositores, no verão de 1962, na Judson Memorial
Church, uma igreja nova-iorquina, criou uma apresentação que marcou o início
de uma nova dança, inspirada nos movimentos de pedestres e que valorizava
a liberdade dos movimentos do cotidiano, em contraste com as técnicas e os
movimentos codificados estabelecidos pelo balé clássico e pela dança moder-
na até então.

AL GIESE/COURTESY OF FALES LIBRARY AND SPECIAL COLLECTIONS

Foto de apresentação do Judson Dance Theatre no Judson Memorial Church em Nova York, Estados
Unidos. Foto de 1963.

Na década de 1960, a dança buscava novos espaços para a interação


entre intérpretes e público, e já propunha formas mais inclusivas de explora-
ção de movimentos em espaços que passaram a dar lugar às várias formas
do movimento humano e à diversidade dos corpos.
A coreógrafa Trisha Brown, conhecida por sua dança nos espaços urba-
nos e pela interdisciplinaridade do seu trabalho, que envolve conceitos da
Física e das Artes Visuais, está entre os intérpretes e coreógrafos que partici-
param e que mais contribuíram para a difusão desse movimento.

220 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


Observe a seguir uma cena da performance Floor of the Forest Objetivos
que, em português, significa “o chão da floresta”. Essa obra de § Apreciar uma obra de dança
Trisha Brown foi apresentada pela primeira vez na 80 Street, em ou uma performance.
§ Aproximar-se da história
Nova Iorque, em abril de 1970. Apresentações como essa e como da dança contemporânea
as realizadas pela companhia italiana Il Posto, onde os intérpretes e da performance.
transformam espaços urbanos em espaços dançantes e criam no- § Conhecer as diversas
possibilidades de
vas possibilidades de movimentos a partir do contato com o públi- utilização do espaço.
co e com os espaços encontrados, na dança, também são conhe- § Reconhecer os objetos
cênicos presentes em uma
cidas como performances, e foi a partir do movimento artístico do
coreografia ou performance.
Judson Dance Theatre que essa forma de criar movimentos se con-
solidou como uma das formas de se fazer dança contemporânea.

JOHANNES SIMON/ GETTY IMAGES

Foto da performance Floor of the forest, da Trisha Brown Dance Company durante a “Documenta 12”, uma das maiores exposições de arte
moderna e contemporânea que acontece a cada cinco anos em Kassel, Alemanha. Foto de 13 de junho de 2007.

Observe cuidadosamente a imagem e responda: Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


1. Nas artes cênicas, muitas vezes o termo objeto cênico é empregado para definir os objetos que
são utilizados em performances, coreografias e peças teatrais e com os quais os artistas interagem
nos processos de criação. Quais objetos cênicos você observa nessa imagem?
1. O espaço utilizado, que nesse caso é um espaço fechado, as roupas, as cordas, a estrutura metálica onde os corpos se

penduram, os tecidos.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 221


2. Há várias formas de descrever o cenário, porém estimule os estudantes a observarem que o cenário da performance
é composto inclusive pelo chão do espaço ocupado (com as sombras das roupas e dos intérpretes), e pelas pessoas
2. Como você descreveria o cenário e o figurino na imagem?
que assistem, mas ao mesmo tempo esses objetos cênicos compõem o processo de criação da performance, ou seja,
servem de estímulos motivadores dos movimentos criados pelos corpos, além da estrutura metálica que parece um
varal com as roupas, as cordas e os corpos dos intérpretes. É importante observar que as pessoas também compõem
o cenário e o espaço que a performance ocupa.

3. Que tipos de movimento você imagina que são executados pelos corpos que participam da per-
formance na imagem?

3. Resposta pessoal. Movimentos que exploram a relação dos corpos com o espaço encontrado, a exemplo do uso das cor-
das para se pendurar sustentando o corpo, o balanço dos corpos pendurados e os deslocamentos, quando os corpos pas-
sam entre as cordas e as roupas.

Agora, em trios, escolham um espaço, dentro ou fora da escola, onde vocês possam criar movimentos
de dança e compor uma performance. De acordo com as ideias de cada trio, definam:
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. Qual será o espaço utilizado e por que ele foi escolhido.
2. Utilizem um tempo da aula para o processo de criação dos movimentos que integrarão a perfor-
mance. Nessa vivência, é importante atentar para os seguintes fatores:
a. Nos processos de criação em dança contemporânea, que podem vir a ser performances, os mo-
vimentos e a forma como eles serão utilizados durante um determinado tempo, podem sur-
gir à medida em que são experimentadas as diversas formas de mover dos corpos envolvidos,
e, portanto, nem sempre haverá passos a serem ensinados, memorizados e sincronizados em
muitos ensaios, mas, sim, oportunidades de vivenciar processos de criação dos movimentos.
b. Na dança contemporânea, o espaço, o cenário, o figurino e os objetos cênicos podem servir como
estímulos motivadores dos processos de criação, experimentação e transformação dos movi-
mentos criados. O processo de criação é, muitas vezes, mais importante do que o resultado final.
c. Diferentemente de outras formas de dança, em que os intérpretes repetem os movimentos criados
pelo coreógrafo, na dança contemporânea, muitas vezes, é a integração entre os corpos e a ação
deles no espaço que determinarão os movimentos a serem criados e executados. Mesmo quando
um dos membros do grupo atua como o coreógrafo daquela performance, um movimento criado
por um outro membro do grupo pode vir a ser movimento inspirador para o processo de criação.
3. Com o espaço definido, escolham um figurino a ser utilizado pelos integrantes dessa vivência em dança.
4. Definam, entre os integrantes do grupo, se haverá utilização de música no processo de criação da
performance. Na dança contemporânea, e nas performances, nem sempre a música é necessária
para a criação e apresentação dos movimentos.
5. Decidam se haverá a utilização de algum outro objeto cênico para que a performance aconteça, a
exemplo de cordas, bastões, cadeiras, mesas etc.
6. Depois de definidos os movimentos, os objetos cênicos, a utilização da música e o espaço a serem
utilizados, ensaiem algumas vezes em grupo a performance que será apresentada.
7. Depois de vivenciar com os colegas os vários momentos que compõem um processo de criação e
ensaio, compartilhe a performance criada pelo seu trio com os outros integrantes da turma e com
o público presente no espaço escolhido para apresentação.

222 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


Dança e saúde

É importante compreender que, independente do estilo, no século


XXI, a dança assume diferentes funções e pode acontecer em qualquer
lugar. Uma coreografia de dança ou uma performance pode ser uma for-
ma de abordar as diversas questões vividas por todos os seres humanos.
No início de sua formação, o Festival de Dança de Joinville, em Santa
Catarina, montava palcos móveis nos hospitais da cidade, para que as
companhias de dança participantes do festival se apresentassem tam-
bém aos doentes internados. Porém, recentemente, a partir da concep-
ção da dança contemporânea, que pode acontecer além dos palcos,
o festival está organizado de modo que algumas companhias de dan-
ça também entrem nos quartos das pessoas internadas. Dessa forma,
aumenta-se a possibilidade de acesso dos doentes às várias formas de
dança que acontecem no festival.
Leia a seguir o trecho de uma reportagem sobre a apresentação de
dança em um hospital de Joinville, em julho de 2015.

[...] Vários grupos estiveram no Hospital Regional Hans Dieter


Schmidt. Os bailarinos se dividiram entre os setores de psiquiatria,
clínico, cirúrgico e o refeitório. [...]
Entre os pacientes que receberam a visita estava o nordestino Mudança de hábito
Rui Verçosa de Moura, de 66 anos. Ele sofreu um infarto e passou Direção: Emile Ardolino.
por uma cirurgia cardíaca. Rui mora em Joinville há 15 anos [...] e Estados Unidos.
Ano: 1992.
ficou [...] animado com a apresentação dos bailarinos. Duração: 110 min.
— Com essa apresentação acho que vou melhorar — brincou.
Nesse filme, Whoopi
Ao lado de Rui estava Cenildo Mallon, de 55 anos. O paciente, Goldberg é Doris Van Cartier,
que também sofreu um infarto, aprovou a apresentação. uma cantora que presencia
um assassinato cometido
— Achei bacana, gostei muito.
pelo seu namorado Vince
Como o espaço do quarto é pequeno e não há a possibilidade de LaRocca. Ela é colocada em
colocar música, os bailarinos improvisaram alguns movimentos e um programa de proteção
às testemunhas, enviada
fizeram algumas explicações sobre a dança urbana. para um convento em
— Acho que se cada um fizesse a sua parte poderia promover San Francisco, onde se
alguma mudança. Para eles (pacientes) uma simples visita já é emo- disfarça de freira, ficando
conhecida como irmã Mary
cionante. E para nós foi uma experiência única que jamais vamos Clarence. Doris, com seu
esquecer — avaliou o coordenador do grupo de dança. jeito extrovertido, dá vida
ao coral das freiras que
A NOTÍCIA. Bailarinos que participam do Festival de Dança visitam pacientes de hospitais. Disponível moram naquele convento
em: <http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/cultura-e-variedades/noticia/2015/07/bailarinos-que-participam- e leva a arte a diversos
do-festival-de-danca-visitam-pacientes-de-hospitais-4809180.html>. Acesso em: 5 fev. 2016. espaços da cidade.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 223


A dança das cidades brasileiras
A dança contemporânea é uma forma de dança que surge em meados
do século XX e que tem como principal inspiração o movimento do corpo
no cotidiano. Ela não possui padrões fixos e específicos de movimento. Em
vez disso, mantém uma busca contínua pelas diferentes formas como os
corpos se movem em suas atividades diárias, e tem como uma das princi-
pais características a utilização de diversos espaços para as criações coreo-
gráficas e performances.
A relação do movimento humano com o espaço se modificou ao longo
do século XX e, atualmente, os espaços urbanos são cada vez mais explorados
como palco de criações coreográficas em todo o mundo. No Brasil, são mui-
tas as companhias de dança e os coreógrafos que transformam a rotina das
praças e das ruas com as suas criações. A performance “Es.Tra. DA II – ESpaços
TRAnsitórios de DAnça”, do grupo curitibano “quandonde intervenções ur-
banas em arte”, da Universidade de Artes do Paraná, é um exemplo de per-
formance que utiliza os movimentos da dança contemporânea para ocupar
os espaços públicos dos centros urbanos. A performance dá outro sentido
aos espaços que também dão novos sentidos à própria dança, transforman-
do os movimentos dos corpos. E são esses sentidos tão variados que cons-
tituem as criações em dança que compõem o que, atualmente, se conhece
como dança contemporânea.

Artistas fazem intervenções de dança nas calçadas da cidade e interagem com o público

Entre as calçadas de Curitiba, a arte


CASSIANA LOPES
respira e tem inspirado muita gente. Se
você já se deparou com uma placa nomea-
da por “Espaço para dançar” provavelmen-
te você participou de uma intervenção ar-
tística de um grupo que anda espalhando
arte por aí.
Diego Baffi e Juliana Liconti são
membros do “quandonde intervenções ur-
banas em arte” que está realizando a ação
“Es.Tra.DA II – ESpaços TRAnsitórios
de DAnça”, ideia que surgiu dentro da
Faculdade de Artes do Paraná (FAP). O Foto da performance Es.Tra.DA II – ESpaços TRAnsitórios de DAnça, do grupo
projeto teve início em março [de 2013], “quandonde intervenções urbanas em arte”, na praça Tiradentes, em Curitiba (PR).
Foto de 2013.

224 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


em parceria com Juliana Adur, membro do Investigação do Movimento Particular (IMP), o qual está
sediado no Vila Arte Espaço de Dança.
[...]
Segundo Diego Baffi, “o trabalho objetiva construir uma brecha espaço-temporal onde a possibilida-
de de dança possa bagunçar a hierarquia de uso do espaço funcionalista cotidiano”, explica.
O trabalho não possui um lugar fixo para acontecer, e o espaço das apresentações é uma estratégia
para provocar o público. [...].

Reações do público
Surpresa, espanto, alegria, pavor. As reações do público são muito variadas [...] Para os interventores,
os resultados incertos são esperados, já que é um propósito das intervenções.
Os dançarinos ainda contam que há pessoas que entram na brincadeira e outras ficam de fora, mas
sempre curiosas. “Algumas pessoas dançam conosco, outras entram no quadrado como um espaço de
visibilidade para outras ações. Há quem interaja de fora incentivando com frases, estimulando outras
pessoas a entrar ou dançando, fotografando, filmando”.
Os artistas ressaltam que todas as interações do público são bem-vindas, e que é um ótimo incentivo
para a apropriação poética e subjetiva do espaço público. [...]
OLIVEIRA, Bruna Martins. Artistas fazem intervenções de dança nas calçadas da cidade e interagem com o público.
Disponível em: <www.portalcomunicare.com.br/artistas-fazem-intervencoes-de-danca-nas-calcadas-
da-cidade-e-interagem-com-o-publico/>. Acesso em: 5 fev. 2016.

Pesquise na internet, em jornais ou revistas três companhias de dança que levam os movimentos
criados em suas performances para os espaços públicos não convencionais e anote o nome da com-
panhia e o espaço público onde foi realizada a apresentação. Resposta pessoal.
Espera-se que os estudantes busquem criações que são levadas aos espaços públicos como intervenções urbanas e perfor-

mances, a exemplo das que foram estudadas neste capítulo, e não as apresentações de dança que acontecem em eventos

programados por prefeituras, associações de bairros, escolas e igrejas em praças públicas. Amplie a atividade para que os

estudantes pesquisem de maneira mais específica sobre companhias de dança que se apresentaram em espaços públicos

da cidade ou no estado onde moram. Para incentivar a reflexão sobre como os movimentos do cotidiano podem ser trans-

formados em coreografia, sugira aos estudantes que formem grupos de até cinco pessoas e listem cinco movimentos diá-

rios simples, como escovar os dentes, pentear os cabelos, caminhar, amarrar os sapatos, e criem sua própria sequência de

movimentos. Depois, a sequência de movimentos poderá ser compartilhada com os demais colegas da turma.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 225


Nesta Unidade, você pôde observar os diversos espaços onde as criações de dança podem acontecer.
Ao ver alguns trabalhos da coreógrafa americana Trisha Brown, da Companhia italiana Il Posto, do Festival de
Dança de Joinville, da companhia pernambucana “Etc”, e do grupo paranaense “quandonde intervenções ur-
banas em arte”, você conheceu diversas formas que os corpos encontram para ocupar os espaços urbanos. Ao
criar uma performance com os colegas, você explorou os espaços, utilizando suas características como cenário
para os movimentos e viu também que os movimentos definem o espaço, mas também são definidos por ele.

RODA DE CONVERSA
 Agora que você já apreciou algumas performances que utilizam os espaços urbanos para os
seus processos de criação, experimentou espaços variados para os processos de criação e execu-
ção do movimento na dança contemporânea e conheceu o trabalho de companhias de dança que
utilizam espaços urbanos para suas criações e performances, converse sobre essas questões com
os colegas:
1. Na sua avaliação, qual foi o impacto da apresentação da performance criada pelo seu trio no boxe
“Fazer arte” para as pessoas que a assistiram? E como esse impacto se relaciona com as concepções
da dança contemporânea?
1. Resposta pessoal. Nessa questão, é importante considerar as várias respostas possíveis. Porém, é importante estimular o

relato sobre a opinião e/ou reação das pessoas ao assistirem à performance. Considerando que não há intenção de prever

ou controlar a reação de uma plateia, todas as respostas contribuirão para a discussão e para a compreensão de que a dan-

ça contemporânea privilegia as diversas possibilidades de criação de movimento e de interação com o público presente.

2. Neste capítulo, foi visto como determinados fatores, por exemplo, a participação ou não participa-
ção do público, a integração dos intérpretes com o espaço ou os imprevistos do momento da apre-
sentação são importantes para o processo de criação e apresentação de uma obra de dança. Como
se deu a interação entre o seu grupo que interpretava os movimentos criados e o público que assis-
tiu à performance, e como você relaciona essa interação com a dança contemporânea?
2. Resposta pessoal. Nas apresentações de dança contemporânea, deve-se sempre considerar o contexto onde os movi-

mentos são apresentados e como as pessoas reagem a esses movimentos, uma vez que elas integram a performance que o

grupo propõe. Fatores como a participação ou não participação do público, a integração dos intérpretes com o espaço ou os

imprevistos do momento da apresentação devem ser sempre considerados como parte do processo vivenciado.

226 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


3. Na sua opinião, como as características do local influenciaram a performance proposta?
3. Resposta pessoal. Considerar o tipo de chão, o figurino e o tipo de calçado utilizado pelos intérpretes, o som do ambiente (se

a apresentação utilizou músicas, analisar como a música funcionou naquele ambiente e, se não utilizou, de que modo o som

ambiente influenciou/alterou a movimentação dos intérpretes).

4. Diversos espaços podem ser utilizados para a criação e apresentação de uma performance. Conforme
o que foi estudado, cite outros espaços nos quais você poderia experimentar a performance cria-
da pelo seu trio. Você considera que a performance apresentada poderia ser feita em um hospital?
Justifique sua resposta.
4. Resposta pessoal. Diversos espaços podem ser utilizados para a performance criada pelo grupo, desde que sejam feitas as

adaptações necessárias e que se considerem fatores de segurança, climáticos, ambientais e logísticos típicos de cada lugar.

5. Escrever sobre as experiências vivenciadas pelo corpo que dança também é uma forma de registro e de re-
flexão sobre os processos de criação em dança. Escreva abaixo os principais desafios encontrados no desen-
volvimento desse trabalho. Ao finalizar, caso queira, compartilhe esses desafios com os colegas da turma.
5. Resposta pessoal. Os desafios encontrados terão caráter muito pessoal, portanto, essa atividade tem caráter reflexivo. O

mais importante é que os estudantes e o professor reflitam sobre as ações que a turma desenvolveu. Talvez alguns grupos não

se sintam à vontade para compartilhar essas experiências em voz alta com os demais estudantes da turma, mas isso não dimi-

nui a importância da atividade. Na dança, muitas vezes, a reflexão e a escrita servem como alicerces para a próxima ação em

um processo de criação.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 227


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. Leia o texto a seguir e assinale a única alternati- e. O Grupo Galpão sempre se preocupou em
va correta. 1. Resposta: B. conquistar um espaço junto ao público que
Ao longo da história do Galpão nenhum ele- já tem costume de frequentar o teatro.
mento foi tão importante para o nosso teatro como 2. (Enem) 2. Resposta: C.
o público. Talvez alguns até se incomodem com Na busca constante pela sua evolução, o ser
essa excessiva preocupação de dividir com o pú- humano vem alternando a sua maneira de pen-
blico o teatro que fazemos, especialmente um sar, de sentir e de criar. Nas últimas décadas
público mais amplo e heterogêneo que, infeliz- do século XVIII e no início do século XIX, os
mente, encontra-se alijado das casas de espetá- artistas criaram obras em que predominam o
culos tradicionais. Essa incapacidade do teatro de equilíbrio e a simetria de formas e cores, im-
chegar a camadas mais amplas da população é que primindo um estilo caracterizado pela imagem
constantemente acaba por criar certos preconceitos da respeitabilidade, da sobriedade, do concreto
precipitados como o de que o povo não gosta de e do civismo. Esses artistas misturaram o pas-
teatro. A população não tem oportunidade de ir ao sado ao presente, retratando os personagens da
teatro, mas quando assiste a um espetáculo vibra nobreza e da burguesia, além de cenas míticas e
como ninguém. [...] E eles [o público] nos ensina- histórias cheias de vigor.
ram também que o teatro se faz de uma comunhão
RAZOUK, J. J. (Org.). Histórias reais e belas nas telas. Posigraf: 2003.
profunda, de uma roda de pessoas em que os atores
propõem um jogo, uma charada, uma brincadeira Atualmente, os artistas apropriam-se de dese-
de crianças e o público, por sua vez, embarca nesse nhos, charges, grafismo e até de ilustrações de li-
faz de conta, se diverte, sofre, chora, torce. vros para compor obras em que se misturam per-
MOREIRA, Eduardo. Grupo Galpão: uma história de en- sonagens de diferentes épocas, como na imagem
contros. Belo Horizonte: Duo Editorial, 2010. p. 133-134.
a seguir:
Com base no texto acima, é possível afirmar que: a.

REPRODUÇÃO
a. As pessoas não gostam de teatro por-
que ele costuma ser rebuscado e de difícil
compreensão;
b. O teatro fora das casas de espetáculos tra-
dicionais permite que uma maior parcela da
população tenha acesso a essa arte e que
goste do que vê;
c. No teatro, apenas os artistas jogam um pa-
pel relevante, cabendo ao público o lugar
de um observador que não contribui com o
acontecimento teatral;
d. O teatro de rua e em espaços não conven-
cionais é menos importante, pois costuma
ser feito para um público popular e pouco
acostumado ao teatro; Romero Brito. “Gisele e Tom”

228 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


b. d.

REPRODUÇÃO

REPRODUÇÃO
Andy Warhol. “Michael Jackson”. Andy Warhol. “Marilyn Monroe”.

c. e.

REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO

Funny Filez. “Monabean”. Pablo Picasso. “Retrato de Jaqueline Roque com as Mãos
Cruzadas”.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 229


3. Leia o texto a seguir e, depois, responda à publicamente, pela primeira vez, a palavra sur-
questão. 3. Resposta: B. -realisme. Pablo Picasso desenhou o cenário e a
Imagine que está sentado em uma sala de indumentária, cujo efeito foi tão surpreendente
concerto, com a orquestra distribuída à sua que se sobrepôs à coreografia. A música de Erik
frente. Esse conjunto razoavelmente grande Satie era uma mistura de jazz, música popular
de instrumentos não é, em absoluto, um agru- e sons reais tais como tiros de pistola, combina-
pamento ao acaso dos elementos disponíveis. dos com as imagens do balé de Charlie Chaplin,
Na verdade, trata-se de uma unidade altamen- caubóis e vilões, mágica chinesa e Ragtime. Os
te organizada e equilibrada, composta de qua- tempos não eram propícios para receber a nova
tro naipes ou famílias de instrumentos: cordas, mensagem cênica demasiado provocativa devi-
madeiras, metais e percussão. Os instrumentos do ao repicar da máquina de escrever, aos zum-
de cada naipe compartilham certas “caracterís- bidos de sirene e dínamo e aos rumores de aero-
ticas comuns à família”. No naipe das cordas os plano previstos por Cocteau para a partitura de
sons são obtidos pela vibração produzida quan- Satie. Já a ação coreográfica confirmava a ten-
do se passa um arco transversalmente nas cor- dência marcadamente teatral da gestualidade
das retesadas. [...] No naipe das madeiras e no cênica, dada pela justaposição, colagem de ações
dos metais os sons são produzidos pelo sopro isoladas seguindo um estímulo musical.
do executante. [...] Todos os instrumentos de
SILVA, S. M. O surrealismo e a dança. GUINSBURG, J.; LEIRNER
percussão são percutidos ou agitados. (Org.). O surrealismo. São Paulo: Perspectiva, 2008 (adaptado).
BENNETT, Roy. Instrumentos da Orquestra. São
Paulo: Jorge Zahar Editor, 1985. p. 9-10. As manifestações corporais na história das ar-
tes da cena muitas vezes demonstram as condi-
De acordo com o texto acima, com relação aos
ções cotidianas de um determinado grupo social,
instrumentos que compõem uma orquestra de
como se pode observar na descrição acima do
concerto é correto afirmar:
balé Parade, o qual reflete:
a. pertencem à família das madeiras o violino,
a. a falta de diversidade cultural na sua pro-
a flauta, o piano e a clarineta.
posta estética.
b. pertencem à família das cordas o violino, a
b. a alienação dos artistas em relação às ten-
viola, o violoncelo e o contrabaixo.
c. pertencem à família dos metais o trombone, sões da Segunda Guerra Mundial.
o metalofone, a tuba e o trompete. c. uma disputa cênica entre as linguagens das
d. pertencem à família da percussão o tímpa- artes visuais, do figurino e da música.
no, o fagote, o triângulo e o pandeiro. d. as inovações tecnológicas nas partes cêni-
4. (Enem) 4. Resposta: D. cas, musicais, coreográficas e de figurino.
No programa do balé Parade, apresen- e. uma narrativa com encadeamentos clara-
tado em 18 de maio de 1917, foi empregada mente lógicos e lineares.

230 CAPÍTULO 14 | Dança e Cidade


Artigos, livros e revistas
 BENNETT, Roy. Instrumentos da orquestra. São Paulo: Jorge Zahar espetáculo, baseado na obra homônima de Willian Shakespeare,
Editor, 1985. é um dos grandes sucessos do teatro brasileiro tendo sido
Nesse livro, o autor apresenta a formação das modernas orquestras apresentado em diversas cidades do país e do mundo. Foi
de música de concerto, como são feitos os instrumentos que as convidado duas vezes a se apresentar no lendário Globe Theatre,
compõem e suas principais características e funções no grupo. O de Londres, que reproduz o espaço cênico das representações
livro também apresenta várias sugestões de músicas para auxiliar teatrais do século XVII na Inglaterra.
o ouvinte a se familiarizar com os sons de cada instrumento.
 Poetas do Repente, direção de Massangana Multimídia Produções.
 MOREIRA, Eduardo. Grupo Galpão: uma história de encontros. Belo Ministério da Educação, TV Escola. s/d.
Horizonte: Duo Editorial, 2010. Nessa série, a TV Escola aborda os poetas do repente. O repente
Esse livro conta, de maneira descontraída e a partir do olhar de um é uma tradição do Norte e do Nordeste do Brasil na qual violeiros
dos integrantes do grupo, a trajetória do Grupo Galpão de Minas improvisam versos e tratam dos mais diversos assuntos: amor,
Gerais. Desde 1982, o Grupo Galpão desenvolve uma pesquisa ciência, espiritualidade, violência, a vida no campo, a vida na
sobre o teatro popular e de rua. Mesmo em suas peças de palco é cidade etc. Seus artistas se apresentam normalmente na rua em
possível observar a abertura para o diálogo aberto com o público,
cidades do interior, bem como nas capitais.
bem como outras características do teatro feito na rua.
 Basquiat – Traços de uma vida, direção de Julian Schnabel. Estados
 SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: Nova
Unidos, 1996. (108 min.)
Fronteira, 2014.
O filme retrata a vida do jovem Basquiat, principalmente no
Essa peça teatral do dramaturgo paraibano Ariano Suassuna faz
momento de aproximação com o artista que o lançou no
uma mistura peculiar de elementos da cultura popular nordestina
mercado das artes visuais: Andy Warhol. O filme busca reconstituir
e dos autos teatrais. O auto teatral é um subgênero da literatura
o cenário do grafite e os dramas existenciais de um artista que
dramática, de origem medieval, que trata de temas religiosos.
tenta sobreviver com sua arte.
Essa peça foi adaptada várias vezes para espetáculos de palco e
de rua no Brasil, bem como para a televisão e para o cinema.  PIXO – Documentário sobre Pichação e Pichadores, direção de
João Wainer, Roberto T. Oliveira, Brasil. 2009. (62 min.)
 TORRES, Fernando. O circo no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação
Nacional de Arte, 1998. O documentário discute o fenômeno da pichação em São Paulo
Esse livro conta a história do circo no Brasil baseado em como política de ocupação do espaço. Demonstra os embates
depoimentos e imagens de trupes circenses. É acompanhado de entre o poder público e os pichadores levando questões
um CD gravado pelo grupo teatral paulista Parlapatões, Patifes e como o valor artístico das produções, assim como o debate da
Paspalhões com diversas músicas tradicionais do circo brasileiro. criminalização das ações.
 Amadeus, direção de Milos Forman. Estados Unidos, 1984. (161 min.)
O drama apresenta, em ficção, momentos da vida e da
Filmes e vídeos obra do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart,
 Lope, direção de Andrucha Wadington, 2011. (106 min.) contados em flashback por Alberto Salieri, compositor italiano
O filme é uma coprodução espanhola e brasileira e conta a e seu contemporâneo. Por meio do filme é possível conhecer
biografia do dramaturgo espanhol do século XVII, Lope de Vega. fragmentos de várias obras importantes de Mozart.
O filme reconstrói os pátios espanhóis, chamados de currais de  O Segredo de Beethoven, direção de Agnieszka Holland. Alemanha/
comédia, nos quais eram representadas as peças do Século de Estados Unidos/Hungria, 2006. (104 min.)
Ouro na Espanha, o processo de ensaios e as apresentações. O drama apresenta, em ficção, o último ano de vida do compositor
 Romeu e Julieta, direção de Alicate Conteúdo Audiovisual, 2012. alemão Ludwig Van Beethoven, quando, já praticamente surdo,
Dvd que traz, na íntegra, espetáculo de teatro de rua Romeu estava prestes a estrear sua nona sinfonia. Por meio do filme é
e Julieta do Grupo Galpão, dirigido por Gabriel Vilela. Esse possível conhecer fragmentos de obras importantes de Beethoven.

Dança e Cidade | CAPÍTULO 14 231


232
CULTURAS
BRASILEIRAS

DILA, 2011. © GALERIA JACQUES ARDIES


Nesta Unidade, você vai observar como o tea-
tro, as artes visuais, a dança e a música são par-
te da cultura. O Brasil é tão grande, diverso e rico
culturalmente que seria impossível tratar de to-
das suas expressões culturais e artísticas. Sendo
assim, serão apresentados alguns exemplos de
expressões artísticas e culturais de diferentes re-
giões do país.
Ao final da Unidade, você será capaz de:
§ compreender as tradições brasileiras como
expressões da cultura popular, com caracte-
rísticas próprias e representativas da cultura
dos estados onde se desenvolvem;
§ refletir sobre as produções artísticas e a di-
versidade cultural brasileira;
§ reconhecer o papel indígena e negro na
construção da arte e da cultura brasileira,
bem como a influência europeia;
§ compreender como os diversos campos ar-
tísticos estão presentes de modo integrado
nas expressões culturais brasileiras.

Detalhe da obra Bumba meu boi, óleo sobre tela, de Dila, 2011.
Dimensões: 50 cm × 100 cm. Dila, artista autodidata nascida em
Humberto de Campos (MA), participou de inúmeras exposições no
Brasil e no exterior. Em suas obras, ela explora imagens da memória,
o cotidiano nordestino e lembranças da infância. Nessa obra, é
possível reconhecer a diversidade de cores, fantasias e papéis no
bumba meu boi, uma expressão da cultura popular brasileira.

233
5
CULTURA OU Conteúdos
§ Conceito de cultura

CULTURAS
§ Capital cultural
§ Culturas dos jovens

RICARDO TELES/ PULSAR IMAGENS

Foto de indígenas da etnia Kuikuro, do Alto Xingu, registrando com smartphones a competição de cabo de força no I Jogos Mundiais dos Povos
Indígenas, realizado em Palmas (TO), que contou com a presença e participação de povos indígenas de diversos países como: Argentina, Bolívia,
Canadá, Chile, Mongólia, Rússia entre outros. Foto de outubro de 2015.

A palavra cultura é utilizada em diversas situações, seja em conversas familiares ou entre amigos, nos meios de co-
municação, na escola etc., muitas vezes como sinônimo de arte ou de escolaridade. No senso comum, normalmente,
quando se diz que uma pessoa é culta ou que tem cultura, deseja-se dizer que ela possui alto nível de escolarização,
que lê bastante, que frequenta eventos artísticos, entre outras características. No entanto, afirmar que alguém ou al-
gum grupo é culto pode levar à interpretação de que outras pessoas ou outros grupos não o são, o que não é verdade.
Neste capítulo, você conhecerá o conceito de cultura de maneira mais aprofundada, percebendo que não
existe apenas uma cultura, no singular, e sim várias culturas, no plural.

234 CAPÍTULO 15 | Cultura ou Culturas


RODA DE CONVERSA
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Este capítulo propõe um estudo das culturas brasileiras. Entretanto, antes, é importante explicar o porquê
de se usar a expressão “culturas brasileiras” no plural e não no singular, além de compreender e aprofundar
o conceito de cultura.
Para iniciar, responda a algumas perguntas que servirão de guia para a continuidade do estudo.
1. O que você entende por cultura? Justifique sua resposta.
1. Resposta pessoal. Aceite as respostas dos estudantes e conduza a conversa de maneira a explicitar as diferentes concep-

ções de cultura que surgirem e a diversidade de situações, objetos e ações que pertencem ao conceito de cultura.

2. No seu cotidiano, quais acontecimentos, festas, objetos artísticos, tradições etc. fazem parte da sua
cultura? Por quê?
2. Resposta pessoal. Aceite as respostas dos estudantes e conduza a conversa de maneira a explicitar a diversidade de ex-

pressões culturais que os estudantes já conhecem e estão imersos. Ajude-os a reconhecer elementos presentes em sua

cultura.

Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 235


E o que é cultura?
A cultura é composta por práticas, histórias, costumes, saberes e técni-
cas oriundos do convívio social de um grupo ou comunidade, identificando-
-se com o modo de vida de um determinado grupo social em todos os seus
aspectos: científicos, religiosos, artísticos, filosóficos etc. Considerando que
existem diversos grupos sociais e diversas formas de se viver em sociedade,
não é possível que a cultura seja uma só.
No caso do Brasil, um país de proporções continentais que abriga uma
grande diversidade de modos de vida, entender a cultura como “plural” pos-
sibilita dar voz às suas diversas formas de expressão. Conhecer a diversidade
cultural permite entender e continuar a construir a identidade do povo brasi-
leiro, compreendendo e respeitando os diferentes modos de vida existentes
como parte da riqueza cultural do país.
Alfredo Bosi (1936-), crítico e historiador da literatura brasileira esclarece
que a cultura não pode ser considerada única, por isso deveríamos usar a pala-
vra “culturas”, no plural. A utilização da palavra culturas abarca toda a diversida-
de cultural de uma nação, e não apenas uma cultura em detrimento de outras:

Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular,


como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifes-
tações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal
unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna al-
guma e, menos ainda, em uma sociedade de classes. Talvez se possa falar Sociedade de classes: é uma so-
ciedade composta por diferen-
em cultura bororo ou cultura nhambiquara tendo por referente a vida
tes classes sociais. Por sua vez, as
material e simbólica desses grupos antes de sofrerem a invasão e acultu- classes sociais são grupos amplos
ração do branco. Mas depois, e na medida em que há frações no interior que se diferenciam socioeconomi-
camente e possuem valores e cul-
do grupo, a cultura tende também a rachar-se, a criar tensões, a perder turas igualmente distintos entre si.
a sua primitiva fisionomia que, ao menos para nós, parecia homogênea.
Bororo: povo indígena brasileiro que
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 308. habita o estado do Mato Grosso.

Nhambiquara: povo indígena bra-


No trecho acima, pode-se concluir que, para Bosi, não é possível, na so- sileiro localizado no oeste do Mato
ciedade moderna, pensar em uma cultura única ou uniforme, pois há vários Grosso e em Rondônia.
fatores econômicos, sociais e culturais que diferenciam as culturas. Antropológica: referente à Antro-
Alfredo Bosi define cultura em uma perspectiva antropológica, sendo o: pologia, ciência que se dedica
ao estudo do ser humano e suas
“conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar de uma dada formação social”
formas de se relacionar entre si e
(BOSI, 1992, p. 319). Ou seja, a cultura é o conjunto de práticas e modos de ser, com a natureza produzindo cul-
pensar e falar de um grupo ou comunidade. O autor aponta para a necessi- tura. Sendo assim, a perspectiva
antropológica é aquela que parte
dade de se pensar nessa questão em um sentido mais amplo, abandonando da Antropologia como área do co-
a ideia de que cultura é apenas aquilo que se aprende nos livros ou na escola. nhecimento humano.

236 CAPÍTULO 15 | Cultura ou Culturas


Essa definição de cultura traz duas reflexões importantes:
 Cultura não é sinônimo de arte, uma vez que engloba vários outros as-
pectos da vida de um grupo social. Entre esses aspectos, pode-se citar
a culinária, a religião, a moda etc. A arte, por sua vez, é um dos elemen-
tos presentes na cultura.
 Não existe nenhum grupo social que seja desprovido de cultura. Ou
seja, todos os seres humanos, vivendo em sociedade, têm cultura, pois
possuem modos de ser, viver, pensar e falar do seu grupo social.

EMERSON SILVA/ DIVULGAÇÃO REDE TOCANTINS DE NOTICIAS


Foto de culto à Nossa Senhora do
Rosário na comunidade quilombola
Boa Esperança, no Tocantins. Foto de
2015. Comunidades quilombolas são
as comunidades remanescentes dos
quilombos certificadas pela Fundação
Cultural Palmares e fazem parte dos
programas governamentais.

Quilombos: foram lugares de refúgio dos negros em situação de escravidão no Brasil nos séculos XVII e XVIII. Muitos desses
quilombos existem até hoje, preservando a cultura e a tradição afro-brasileira.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


Você já pensou que existe uma cultura, ou seja, um conjunto de práticas, histórias, costumes, saberes e
técnicas, da sua família, do seu bairro e da sua escola? Escolha um desses contextos (família, bairro ou es-
cola) para fazer uma pesquisa sobre culturas. Converse com pessoas envolvidas no contexto escolhido e
compartilhe o que aprendeu em sala de aula com os colegas. Exemplos que podem ser explorados:
 Uma comida especial feita pelas pessoas que convivem no local escolhido. Traga a receita e uma
foto desse prato. Se possível, traga também o prato pronto para ser compartilhado com os colegas.
 As regras de convivência do contexto escolhido. Pense em quais são as regras, explícitas ou não, que
garantem uma boa convivência nesses contextos. Faça uma lista e traga para a sala de aula.
 Expressões de linguagem específicas utilizadas nesses contextos. Podem ser provérbios, gírias etc.
Faça uma lista contendo cada expressão ou gíria seguida do seu significado.
 Aplicativos e outros recursos tecnológicos usados com frequência nesses contextos. Faça uma lista e
explique a função de cada recurso, explicitando qual função é mais utilizada pela maioria.
Resposta pessoal. É importante entender como cada estudante reconhece e conhece sua cultura: Quais são suas escolhas? Como
ele se relaciona com os elementos presentes no seu dia a dia e os identifica com sua cultura? Incentive os estudantes a se apresen-
tar como sujeitos imersos em uma cultura e a falar sobre ela.
Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 237
Como visto no início deste capítulo, não existe pessoa desprovida de
cultura. No entanto, ainda é comum ouvir que alguém é culto ou que alguém
não tem cultura. Essa percepção é bastante ampla e pode referir-se tanto à
forma como as pessoas se comportam em certas situações sociais quanto ao
nível de escolarização de cada um. Cada ambiente tem sua própria cultura.
Observe, por exemplo, que existe uma série de regras de comportamento
em cada lugar. Essas regras muitas vezes não são ditas ou escritas, mas as pes-
soas que convivem em determinado local esperam que todos as cumpram.
Se você entra em um teatro, ou em um espaço religioso, ou em uma escola,
ou em um ônibus, entre vários outros exemplos, espera-se que seu compor-
tamento seja de acordo com a cultura desses lugares. O mesmo acontece
em cada casa. Há algumas casas que não permitem que as pessoas entrem
de sapatos, outras onde se faz uma oração antes das refeições etc. Entrar em
uma casa é adentrar em uma cultura específica e, para isso, é preciso enten-
der, respeitar e até mesmo praticar alguns dos costumes ali presentes para
começar a fazer parte daquela cultura. O mesmo acontece com os locais cita-
dos anteriormente. A escola é um dos lugares privilegiados para aprender so-
bre as culturas, e aprende-se tanto por meio dos livros e do professor, como
na convivência com a comunidade escolar e suas diversas culturas. Aprende-
-se sobre cultura o tempo todo. O que significa que todos estão imersos em
culturas e que tudo o que um indivíduo faz é parte de uma cultura também.

Pense em práticas comuns e regras de comportamento presentes onde você mora e tente se lembrar
de pequenas tradições que determinam a forma como você e as outras pessoas que moram com você
se relacionam.
Observe como vocês ocupam o tempo em casa e quais os horários reservados para cada atividade. Por
exemplo, assistir a um programa específico de televisão, preparar um determinado tipo de comida, as for-
mas específicas de almoçar ou jantar, uma música que sempre ouvem etc.
 Agora, descreva abaixo alguns desses pequenos “rituais culturais” comuns em sua casa.
Resposta pessoal.

Essa atividade é continuidade da atividade anterior. Ao se reconhecer imerso em uma cultura, os estudantes são capazes

de compreender seu conceito a partir da própria experiência.

238 CAPÍTULO 15| Cultura ou Culturas


O documentário foi lançado no iní-
cio dos anos 2000, de lá para cá mui-
A negação do Brasil: o negro nas telenovelas brasileiras tas telenovelas foram produzidas.
Direção: Joel Zito Araújo. Depois de assistir ao documentário,
País: Brasil. reflita se houve uma mudança no
Ano: 2000. espaço dado a atores e atrizes afro-
Duração: 92 min. -brasileiros nas tramas televisivas no
Brasil.
O documentário analisa a forma estereotipada como personagens
afrodescendentes foram retratados nas telenovelas brasileiras por muitos
anos, buscando promover reflexão e mudanças nesse cenário.

Teledramaturgia e o preconceito racial

As telenovelas brasileiras são parte constituinte da cul-

DIVULGAÇÃO
tura do Brasil, sendo exibidas também em vários outros
países. O documentário A negação do Brasil: o negro na te-
lenovela brasileira, dirigido por Joel Zito Araújo, em 2000,
apresenta uma extensa pesquisa da teledramaturgia brasi-
leira desde a novela O direito de nascer, exibida em 1964, até
novelas exibidas no início dos anos 2000.
A pesquisa tem como foco o lugar dos atores e persona-
gens afro-brasileiros na teledramaturgia nacional. Por meio
de fragmentos das novelas, entrevistas de importantes ato-
res afro-brasileiros como Zezé Motta, Milton Gonçalves,
Ruth de Souza, entre outros, o documentário discute como
o mito da democracia racial – a ideia de que no Brasil não
existe preconceito – perpassa também os roteiros das te- Fotograma do casamento entre os personagens de Zezé
lenovelas. Para Joel Zito, frente a uma sociedade miscige- Motta e Marcos Paulo na novela Corpo a Corpo, de 1984.
nada, a telenovela ainda apresenta um Brasil quase inteira-
mente branco, reservando um espaço muito reduzido aos atores e à cultura afro-brasileira.
O diretor destaca o papel protagônico de Zezé Motta na novela Corpo a Corpo, escrita por Gilberto Braga,
em 1984, como um marco da questão racial na teledramaturgia. A atriz fazia o par romântico com o ator
Marcos Paulo e foi alvo de críticas e de preconceito na época. Zezé Motta é uma importante atriz brasileira,
tendo feito papéis protagônicos no teatro, na televisão e no cinema. Ela também se destaca por sua atuação
no movimento negro contra o racismo e, com vários outros artistas, continua lutando pela ampliação do es-
paço para artistas afrodescendentes na teledramaturgia brasileira, bem como no teatro e no cinema.
Porém, não é apenas no Brasil que o espaço para atores e atrizes afrodescendentes vem sendo recla-
mado pelos artistas. Viola Davis foi a primeira intérprete negra a ganhar o principal prêmio da TV norte-
-americana, o Emmy, na categoria de melhor atriz em drama ao interpretar uma advogada na série televisiva
How to get away with murder (em livre tradução Como se livrar de um assassinato).
O portal Geledés – Instituto da Mulher Negra, disponível em: <www.geledes.org.br/>, acesso em: 11 maio 2016, traz inúmeras
informações, artigos e reflexões atuais, principalmente, sobre questões raciais e de gênero. Há também uma aba denominada
África e sua diáspora, sobre assuntos diretamente relacionados à cultura e história africana.
Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 239
Leia a seguir um fragmento do discurso da atriz ao receber o Emmy, no qual reafirma a importância de
papéis protagônicos escritos para atrizes e atores afrodescendentes:

“[...] a única coisa que separa as mulheres ne-

JASON LAVERIS/FILMMAGIC/GETTY IMAGES


gras de qualquer outra pessoa é oportunidade.
Você não pode ganhar um Emmy por papéis que
simplesmente não existem.”
Davis continuou, falando os nomes de ou-
tras atrizes negras como Taraji P. Henson, Halle
Berry e Kerry Washington, que, inclusive, não se-
gurou as lágrimas na plateia.
“Obrigada a estas mulheres que ajudaram a re-
definir o que significa ser bonito, [...] ser uma mu-
lher protagonista, ser negra. Então obrigada a todos
os escritores e o pessoal maravilhoso da indústria Foto da atriz estadunidense Viola Davis (1965-) vencedora do Emmy
da televisão que permitiu que isso acontecesse”. de melhor atriz de série dramática. Foto de 20 de setembro de 2015.
MARTINELLI, Andréa. Emmy 2015: Viola Davis é primeira mulher negra a ganhar Emmy de melhor atriz dramática e faz discurso emocio-
nante. Disponível em: <www.brasilpost.com.br/2015/09/21/viola-davis-discurso-emmy_n_8170162.html>. Acesso em: 16 fev. 2016.

Com base nessas informações, reflita sobre a situação dos afrodescendentes nas telenovelas e converse
com os colegas e o professor sobre o assunto, utilizando as perguntas a seguir como norteadoras.
1. Como você percebe a presença dos atores e personagens afrodescendentes na telenovela brasi-
leira atualmente?
1. Resposta pessoal. Normalmente, os estudantes assistem à televisão ou a programas televisivos em outros suportes
como computador, tablet ou celular. Peça a eles que observem quais são os personagens representados por afrodescen-
dentes na teledramaturgia brasileira e que tragam referências sobre esses personagens para a sala de aula.

2. Você considera que o espaço para os atores afrodescendentes nas telenovelas têm aumentado?
Justifique sua resposta citando exemplos.

2. Resposta pessoal. Conduza a conversa citando exemplos específicos de personagens interpretados por atores afrodes-
cendentes em telenovelas brasileiras. Exemplos: o personagem André Gurgel, interpretado pelo ator Lázaro Ramos em
Insensato Coração (2011); ou, ainda, a personagem Keila Machado, interpretada por Sheron Menezes em Além do Horizonte
(2013).

3. Como são retratados os personagens afrodescendentes nos roteiros das novelas? Os atores afro-
descendentes costumam ser protagonistas? Cite exemplos.

3. Resposta pessoal. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

240 CAPÍTULO 15| Cultura ou Culturas


O que é capital cultural?
É muito comum que algumas pessoas associem cultura à escolarização.
Nesse contexto, é interessante conhecer o conceito de capital cultural do
sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-). De acordo com esse conceito, cada
pessoa tem uma cultura específica determinada pelos laços familiares e pe-
las condições socioeconômicas das famílias ou do grupo social. Assim como
visto na concepção de Alfredo Bosi, cada grupo social tem sua própria cultura,
que lhe é transmitida por meio da convivência.
O problema apontado por Bourdieu é que as classes mais favorecidas
economicamente tendem a apresentar seus valores culturais como se fos-
sem hegemônicos. Ou seja, a cultura passa a ser identificada somente com
os valores dessas classes dominantes, como se os demais grupos sociais ti-
vessem uma cultura inferior ou inexistente.
Nesse contexto, a escola é, por vezes, responsável por reforçar a hege-
monia dos valores culturais. Assim, se o estudante não está inserido no con-
texto da chamada “alta cultura”, ele pode ter dificuldade em assimilá-la, o que
acabaria reforçando a ideia de que ele é desprovido de cultura.
Nesse caso, entra também a questão do gosto. Certas pessoas que
compartilham da “alta cultura” são consideradas “possuidoras de bom gos-
to”, enquanto outras são classificadas como “possuidoras de mau gosto”. Isso
é muito evidente na sociedade atual, principalmente no que diz respeito ao
gosto musical. Para Bourdieu “não há nada tão poderoso quanto o gosto mu-
sical para classificar os indivíduos e por onde somos infalivelmente classifica-
dos.” (BOURDIEU, 1979, p. 17). Porém, também se pode observar isso em rela-
ção à moda, à televisão, à arte e até mesmo na gastronomia.
Assim, a partir dos estudos de autores como Alfredo Bosi e Pierre
Bourdieu, chega-se à conclusão de que não existe uma cultura única.
Pode-se entender também que todos os grupos sociais são possuidores
de cultura e que todas as culturas devem ter seu espaço em uma convi-
vência democrática.

Disponível em: <http://tvcultura.com.br/videos/37449_


capital-cultural.html>. Acesso em: 16 out. 2015.
Na videoaula de quatro minutos, produzida pela Univesp TV em 2011,
há uma explicação para entender o conceito de capital cultural de
Bourdieu e a forma como ele se articula ao dia a dia escolar.

Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 241


Cultura e juventude
Há, ainda, um aspecto muito interessante a ser abordado quando se
pensa em cultura. São as culturas dos jovens, que se distinguem das culturas
da infância e também daquelas da vida adulta. Os jovens são, portanto, ao
mesmo tempo, fruidores e agentes culturais.
Néstor Canclini (1939- ), teórico mexicano que pesquisa os temas da cultura
popular, arte e juventude e suas relações realiza um estudo que pode ser estendi-
do à sociedade brasileira, que, como o México, é considerado um país emergente.
Também no Brasil, é possível observar a presença cada vez mais forte das tecnolo-
gias digitais nos diversos contextos sociais e nas diversas regiões do país.
Para entender as consequências do acesso constante às redes digitais,
Canclini realizou entrevistas e observação de jovens que atuam nas artes visuais,
na música e no mundo editorial no México.

Jovens, culturas urbanas e redes digitais


Os estudos atuais sobre a juventude deixaram de caracterizá-la como um conjunto homogêneo. Há
muitas maneiras de ser jovem na sociedade mexicana, devido a desigual distribuição do capital econômico
e educativo, das redes formais e informais às quais esses jovens conseguem ter acesso. [...] Mesmo com a
desvantagem de educação e de trabalho da maioria, os jovens já avançaram mais que o restante da popu-
lação no que diz respeito ao acesso e manuseio das tecnologias comunicacionais. Os jovens com menos re-
cursos econômicos também estão familiarizados com tecnologias digitais por meio dos cibercafés, da escola
e da sociabilidade geracional [entre os próprios jovens].
a) maior abertura ao que acontece fora de seu próprio país; [...]
b) disposição para estar sempre conectado e, portanto, a diminuir a diferença entre tempo de traba-
lho e tempo de ócio;
c) capacidade de ser um artista, um músico ou um editor multitarefa: isso significa, por um lado,
usar simultaneamente diversos meios e conexões [...]. Por outro lado, essa versatilidade se mostra ao
exercer tarefas que antes estavam separadas nas práticas artísticas tradicionais: o autor de uma músi-
ca ou de uma obra de arte visual pode ocupar-se do design, da publicidade e da promoção na internet.
d) maior habilidade para estabelecer interações sociais à distância e redes de cooperação em compa-
ração a gerações anteriores [...]
CANCLINI, N. G. CRUCES, F.; POZO, M. U. Jóvenes, culturas urbanas y redes digitales. Barcelona:
Ariel, 2012. p. 7-8. (Texto traduzido pelos autores especialmente para essa obra.)

Fruidor: é a pessoa que aprecia algo. Nesse contexto, refere-se à arte e à cultura.

Agente: aquele que age, que realiza uma ação. Nesse contexto, o agente cultural é aquele que promove ou realiza obras ar-
tísticas ou atividades culturais.

Sociabilidade geracional: refere-se às relações sociais que se dão entre pessoas de uma mesma geração.

Design: palavra de origem inglesa que, em sua tradução literal para o português, significa desenho. Refere-se ao aspecto vi-
sual da obra em sua divulgação. Pode ser a capa de um disco ou livro ou as demais peças visuais (cartazes, folhetos etc.) de
divulgação.

242 CAPÍTULO 15 | Cultura ou Culturas


No Brasil, a internet é um meio importante de criação e expressão cul-
tural dos jovens. Marc Prensky (1946-), escritor estadunidense e pesquisador
da educação, criou os termos nativos digitais e imigrantes digitais para
entender a relação entre jovens e adultos a partir do surgimento da internet.
Nativos digitais são aquelas pessoas que já nasceram imersas nas novas tec-
nologias e que possuem bastante fluência na linguagem digital, seja no uso Um exemplo de produto cultu-
do computador ou na navegação pela internet, uso de aplicativos, jogos etc. ral feito por jovens e para jovens é
o aplicativo G-TEA. Criado por três
Os imigrantes digitais são aquelas pessoas que nasceram antes da populari- estudantes e dois professores do
zação dos computadores, da internet e das mídias digitais e que, apesar de Instituto Federal do Piauí, é uma fer-
ramenta educativa, em formato de
estarem inseridas nessas linguagens, falam com “sotaque”, ou seja, não pos-
jogo, que contribui para a educação
suem a mesma fluência no uso desses recursos como os nativos digitais. É in- de crianças com autismo. Em sua pri-
teressante perceber que essa diferença costuma estar muito presente no dia meira etapa, direciona-se ao ensi-
no das cores, mas a perspectiva de
a dia da sala de aula, pois os estudantes são nativos digitais e os professores,
seus criadores é ampliá-lo também
em sua maioria, imigrantes digitais. para o ensino de letras, números,
formas e animais. Para saber mais sobre esse aplicativo, acesse: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=
article&id=19144:jogo-digital-criado-no-piaui-apoiara-educacao-de-autistas&catid=202&Itemid=86>. Acesso em: 29 set. 2015.

ROBERT HARDING IMAGES/ MASTERFILE LATINSTOCK

Foto de adultos (possíveis imigrantes


digitais) usando laptop no deserto do
Saara, na Tunísia. Devido ao avanço
tecnológico, atualmente, é possível estar
conectado em lugares inimagináveis,
como no deserto.

Cultura e rock brasileiro

Na década de 1980, o rock brasileiro se destacou como expressão máxima de uma parcela da juventu-
de no país. Vindo principalmente de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e de outras capitais do país, o rock
cantado em português passou a ser tocado com bastante frequência em estações de rádio até então
acostumadas a tocarem apenas músicas em inglês. Dentro desse movimento nacional, a banda Titãs, de
São Paulo, surgiu em 1981 com influências de estilos como o heavy metal, punk rock e o pop. Suas apresen-
tações na televisão e em shows eram bem-humoradas e eles foram um dos primeiros grupos musicais a
explorar a linguagem do videoclipe, que começava a despontar no Brasil e no mundo.

Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 243


“Comida”, uma de suas músicas mais marcantes na época, tratava da relação entre cultura, arte e a so-
brevivência. A música foi composta por Arnaldo Antunes, Sérgio Britto e Marcelo Fromer que, na época,
eram integrantes do Titãs. Leia um fragmento da canção:

Comida

Bebida é água!
Comida é pasto!

S
Você tem sede de quê?

PIRE
ANDO
Você tem fome de quê?...

FERN
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte
[...]
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade
[...]
Diversão e arte
Para qualquer parte
Diversão, balé
Como a vida quer
Desejo, necessidade, vontade
Necessidade, desejo
Necessidade, vontade
Necessidade...

FROMER, Marcelo; ANTUNES, Arnaldo; BRITTO, Sérgio.


Comida. In: Jesus não tem dentes no país dos banguelas, WEA, 1987.

244 CAPÍTULO 15 | Cultura ou Culturas


Após a leitura da letra da música “Comida”, converse com os colegas e o professor e responda às
perguntas a seguir.
1. Na sua opinião, que reflexões podem ser feitas a partir das perguntas “Você tem fome de quê?” e
“Você tem sede de quê?”?
1. Resposta pessoal.

Comer e beber são atividades básicas de sobrevivência do ser humano. Sem alimento e sem água, os seres vivos morrem.

No entanto, a canção chama a atenção para o fato de que a vida vai muito além da sobrevivência física do corpo. Ao fazer

essas perguntas, a música leva o ouvinte a refletir sobre quais elementos da cultura, entendida em seu conceito mais am-

plo, são importantes para a vida humana.

2. Entendendo que comida, diversão e arte também fazem parte da cultura, escreva abaixo alguns
desejos, vontades e necessidades que você tem em relação à sua cultura.
2. Resposta pessoal.

Para esta questão, interessa saber o que os estudantes consideram essencial para se viver e quais são seus modos de vida.

Isso ajuda a entender a cultura na qual eles estão inseridos. É possível que, para um estudante, participar de uma prática

religiosa seja fundamental, enquanto, para outro, jogar determinado jogo digital seja essencial. São essas as diferenças

que a atividade deseja apontar, compreender e respeitar.

3. Essa música provavelmente fez parte da juventude de seus pais e de alguns professores. Que músi-
ca da atualidade você escolheria para expressar, por exemplo, que viver é muito mais que “sobre-
viver”? Escolha uma canção e traga para a sala de aula em um CD, pen drive ou outra mídia para
mostrar aos colegas.
3. Resposta pessoal. É importante que o estudante compartilhe elementos da sua cultura com os colegas, valorizando tam-

bém suas escolhas e as expressões artísticas que falam diretamente à sua geração. Se possível, verifique se na escola há dis-

ponibilidade de algum equipamento para a reprodução das músicas trazidas pelos estudantes e selecione algumas delas

para serem ouvidas por todos. Caso considere pertinente, procure pelo videoclipe Comida dos Titãs em sites de vídeos na

internet e acesse com os estudantes. Se possível, acesse com os estudantes o canal oficial dos Titãs na internet, disponível

em: <www.youtube.com/user/TitasOficial1>, acesso em: 7 jan. 2016, para conhecer mais o trabalho atual do grupo.

Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 245


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Agora, você e seus colegas vão pesquisar sobre jovens brasileiros que Objetivos
criam e divulgam seus produtos e produções na rede.  Conhecer e estudar as
Como fazer produções culturais
de jovens brasileiros
Organizem-se em grupos de cerca de oito pessoas. Cada grupo escolhe- na internet;
rá um tipo diferente de produção cultural veiculado na internet. Pode ser,  Criar um blog ou
por exemplo, um blog literário, jornalístico, de moda, de receitas, de com- site com a produção
artística da turma.
portamento etc. Também pode ser um site ou portfólio pessoal que dispo-
nibilize e divulgue fotografias, vídeos e músicas, ou que divulgue espetáculos de dança ou teatro. O mais im-
portante é que o autor daquele blog ou site disponibilize seu contato na rede e que tenha entre 15 e 29 anos,
que é a faixa etária considerada jovem por estudiosos como Canclini. Essa referência etária foi utilizada ape-
nas para delimitar um grupo específico na atividade.
Depois de selecionar o blog ou site, mostre para o professor para que ele os ajude a entrar em contato
com o(a) autor(a). A maioria desses jovens tem perfis nas redes sociais e é possível enviar uma mensagem,
ou então comunicar-se por e-mail. É importante que o primeiro contato seja feito pelo professor, que deve
identificar-se, falar do trabalho que estão realizando na escola e perguntar se a pessoa tem disponibilidade
para responder a algumas perguntas a serem enviadas por vocês pela internet. Elabore uma breve entre-
vista, seguindo o roteiro proposto:
1. Nome, idade, gênero, cidade onde nasceu, cidade onde mora e ocupação.
2. Quanto tempo permanece conectado(a) na internet por dia.
É importante acompanhar o contato do grupo com cada pro-
3. Quais são as redes sociais que mais acessa. dutor(a) cultural, bem como o conteúdo da entrevista e de suas
4. Descreva em que consiste o trabalho e como é o processo de criação, produção e divulgação.
5. Se está em contato com produtores de outros países, estados ou cidades e como esse contato
foi estabelecido. respostas. Peça aos estudantes que copiem você nos e-mails ou mensagens de redes sociais que tro-
carem com o entrevistado. Isso permite que você tenha um controle do que está sendo produzido,
Se desejarem, acrescentem mais perguntas, mas lembrem-se de que deve ser uma entrevista curta
para que o(a) entrevistado(a) não desista de respondê-la. Caso o(a) produtor(a) escolhido(a) não responda,
e que também proteja os estudantes, caso algum entrevistado tenha um comportamento ina-
pode-se contatar outro(a). dequado. Para que a atividade se desenvolva, o contato com o(a) autor(a) do material na internet
Depois da entrevista, façam uma apresentação oral do grupo para a turma sobre o(a) jovem escolhi-
é fundamental. Por isso, aconselhe os grupos a esco-
do(a), com base na entrevista e nas informações sobre ele(a).
lher somente blogs ou sites que tenham o contato
Também é muito importante que vocês apresentem para a turma a produção desse(a) produtor(a) de con-
teúdo para a internet. Conversem com os demais integrantes do grupo e, em uma folha avulsa, elaborem con-
siderações sobre o blog analisado, sobre sua forma de criação e divulgação. Depois, em uma roda, reflitam se
do(a) autor(a). Caso um(a) entrevistado(a) não responda, outro(a) deve ser
vocês se reconhecem nessas culturas juvenis.
escolhido(a).
Inspirados nas produções estudadas neste boxe, se organizem para criar um blog, página ou perfil nas redes sociais com
a produção artística (textos, vídeos, fotos, áudios etc.) da turma realizada ao longo do ano letivo. Essa ação contribui para
registrar o percurso artístico experienciado, além de divulgá-lo para outras pessoas pela internet. É importante que sejam
publicados apenas os materiais de estudantes que tenham autorizado a divulgação de suas produções na internet.

246 CAPÍTULO 15 | Cultura ou Culturas


Neste capítulo, você observou que o conceito de cultura é mais amplo que o de arte (que também faz
parte da cultura). Também viu que não é possível tratar de cultura no singular, uma vez que cada grupo social
tem sua própria cultura. Percebeu, ainda, como é importante valorizar as diferenças culturais não somente
no âmbito escolar, mas em todos os lugares. Discutiu o preconceito racial na teledramaturgia e o conceito de
capital cultural de Pierre Bourdieu. Reconheceu que as culturas juvenis têm modos específicos de ser, falar e
pensar e que, atualmente, estão muito vinculados às tecnologias digitais. Por último, aprendeu os conceitos
de nativos e imigrantes digitais e pesquisou sobre jovens brasileiros(as) produtores(as) culturais na internet.
Assim, você entendeu que o conceito de cultura abrange tanto a arte quanto a escola, mas vai muito
além das produções artísticas e da educação formal. Por fim, percebeu que não há pessoas sem cultura,
pois a vida em sociedade é a vida na cultura. E que é no contato com o outro, seja com a família, os vizi-
nhos, os amigos, a arte ou as pessoas da escola, que as culturas são transmitidas e renovadas.

RODA DE CONVERSA
A partir do que foi estudado e experimentado neste capítulo, escolha uma cultura diferente da sua
e que tenha preferências das quais você não compartilha. Pode ser culturas de outras regiões do país
ou até mesmo no seu próprio bairro ou escola. Explique aspectos dessa outra cultura.
O objetivo principal desta pergunta é possibilitar o respeito à diferença. Reconhecer e compreender a diversidade e respei-

tá-la é um dos grandes desafios de uma educação democrática. A cultura escolhida pode ser de outro país ou até mesmo de

determinada turma na escola que gosta de determinado gênero musical etc.

Cultura ou Culturas | CAPÍTULO 15 247


6
CULTURAS Conteúdos
§ Culturas brasileiras e diversidade

BRASILEIRAS
§ Fandango caiçara, frevo,
congado, maculelê, bumba
meu boi maranhense e as
máscaras brasileiras

Primeiro eu peço licença, que assim foi o meu ensino...


Depois da licença dada, eu mesmo me determino.
Versos de fandango da Ilha dos Valadares, (PR).

ZIG KOCK/ NATUREZA BRASILEIRA

Foto de apresentação do grupo de fandango caiçara do Mestre Romão, em Morretes (PR). Em 2012, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Arquitetônico Nacional (Iphan) incluiu o fandango caiçara, uma das diversas expressões da cultura popular brasileira, na lista do patrimônio
cultural brasileiro. Note como a participação das crianças na dança é um modo de perpetuar a tradição. Foto de 2010.

248 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


MARCO ANTONIO SÁ/ PULSAR IMAGENS
Foto de bumba meu boi de Guimarães – sotaque de zabumba – criado nos engenhos da Vila São José de Guimarães, em São Luís (MA). Foto de
junho de 2013.

Neste capítulo, serão apresentadas algumas das diversas expressões da cultura popular brasileira, como o
fandango, dança típica da região Sul e do litoral do Sudeste; o frevo, dança típica de Pernambuco, praticada
principalmente durante o carnaval; o congado, expressão cultural mineira influenciada pelas culturas afro-
-brasileiras e europeias; o maculelê, dança de origem afro-brasileira e indígena, que se originou nas senzalas
e quilombos do Brasil; o bumba meu boi do Maranhão, uma das expressões culturais brasileiras que mais se
caracteriza pelo encontro entre encenação, música e dança; e as máscaras brasileiras, que fazem parte das
diversas expressões culturais espalhadas pelo país.
Todas as expressões da cultura popular que serão estudadas nesse capítulo são símbolos de identidade das
muitas culturas que compõem o Brasil, e todas têm algo em comum: nelas, não é possível separar a música da
dança e nem dos elementos teatrais que as compõem. Em Recife e Olinda, o frevo, uma expressão da cultura
popular associada ao carnaval, mas que também acontece em outras épocas do ano, e se tornou símbolo de
identidade cultural dos pernambucanos. Segundo o mestre de frevo Nascimento do Passo (1936-2009), o frevo
tem tantos passos quanto a quantidade de pernambucanos espalhados pelo mundo afora, e o bom passista
de frevo não dança sem a sombrinha de frevo, objeto típico e símbolo cultural da tradição pernambucana.
Em Minas Gerais, o congado, uma das tradições populares de origem afro-brasileira mais conhecidas
pelos mineiros, tem como um dos seus símbolos de identidade as gungas, peças utilizadas como parte
da indumentária, mas que funcionam como instrumentos sonoros no corpo dos integrantes do congado
conhecidos como moçambiqueiros.
Gungas: pequenas latas com pedaços de chumbo que são amarradas nos tornozelos dos integrantes do congado. As gungas funcio-
nam como instrumentos musicais, que produzem sons a partir do caminhar e dos movimentos dançados dos integrantes do congado.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 249


Outra tradição de origem afro-brasileira e indígena que se mantém viva até os dias atuais é o maculelê.
Originalmente dançado por homens; hoje em dia, a dança é praticada também por mulheres, que utilizam
as grimas, bastões que são utilizados para a execução de movimentos rápidos e acrobáticos simulando uma
luta armada. Várias versões tentam explicar a história dessa dança, mas uma das mais conhecidas associa a
palavra maculelê ao nome de um índio que, ao ser obrigado a defender seu povoado, usou bastões para lutar.
Por conta disso, os bastões, que ficaram conhecidos como grimas, são associados ao maculelê e utilizados na
execução dos passos dessa dança até os dias atuais.
O bumba meu boi maranhense surge em meados do século XVIII e tem uma grande influência da
cultura negra africana, da cultura indígena e da cultura ibérica (Portugal e Espanha). Embora expressões da
cultura popular com características semelhantes tenham surgido em outros estados, foram adotados nomes
diferentes (boi-bumbá no Amazonas; boi de mamão no Paraná e Santa Catarina; ou até mesmo o bumba
meu boi pernambucano). O bumba meu boi que será estudado neste capítulo tem características próprias,
representativas da cultura maranhense.

RODA DE CONVERSA
As expressões da cultura popular refletem o dia a dia de um grupo de pessoas. As danças, as músicas e
as comidas representam as vivências diárias de uma comunidade. Por exemplo, para quem dança fandango
desde criança, o baile não pode acontecer sem o uso dos tamancos. Da mesma forma, para se dançar o
frevo pernambucano, utilizam-se as sombrinhas típicas dessa dança.
O congado mineiro precisa de suas gungas para que os movimentos executados emitam o som tão
característico da tradição. As sombrinhas do frevo pernambucano, as grimas do maculelê, os tamancos do
fandango e as máscaras do bumba meu boi são objetos que pertencem à história dessas expressões da
cultura popular e à memória das pessoas que participam delas.
§ Agora, observe novamente a imagem da página 248 e as imagens a seguir, converse com os co-
legas sobre os objetos em uso e depois responda às perguntas.
JOHN MICHAELS/ ALAMY/ FOTOARENA

MARCOS AMEND/ PULSAR IMAGENS

Foto de passista de frevo durante Carnaval de Olinda (PE). Foto de desfile de rua do Congado de Santa Efigênia, em Ouro Preto
Foto de 2015. (MG). Foto de janeiro de 2015.

250 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


NITRO IMAGENS / LATINSTOCK

OSTILL/ SHUTTERSTOCK
Foto de estudantes durante oficina de maculelê em uma escola Foto de pessoas caracterizadas com máscaras típicas da celebração do
estadual de Timóteo (MG). Foto de 2007. bumba meu boi em São Luís (MA). Foto de 2008.

a. Após observar as imagens, pesquise e responda, em uma folha de papel avulsa, de que forma
os objetos, símbolos de identidade de cada uma das seguintes expressões da cultura popular
são utilizados. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
 Fandango caiçara
 Frevo
 Congado
 Maculelê
 Bumba meu boi
b. Cite duas expressões culturais que você conhece e/ou que estão presentes no estado onde
você mora, alguns dos respectivos objetos que simbolizam a identidade de cada uma delas e a
função desses objetos.
b) Resposta pessoal.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 251


O fandango e a cultura caiçara
Disponível em: <www.ebc.
com.br/cultura/galeria/
Conhecer o fandango significa se aproximar de uma das muitas
videos/2014/08/fandango-
culturas presentes no Brasil: a cultura caiçara. Nas festas em que se dança caicara-e-reconhecido-
e canta fandango também se prepara o barreado, prato típico da culinária como-patrimonio-
cultural-e-imaterial>.
paranaense que se tornou um dos símbolos de identidade associados a essa Acesso em: 8 jan. 2016.
tradição popular e ao Paraná. O fandango nasceu dos mutirões de trabalho Assista nesta reportagem
dos pescadores daquela região e, por isso, as coreografias, que são executadas uma festa de celebração
da comunidade caiçara de
em pares, e são chamadas de marcas, refletem a variedade de ritmos que Paranaguá, cidade portuária
compõem essa expressão da cultura popular. Um dos instrumentos típicos e do litoral paranaense, ao ter
o fandango reconhecido
mais característicos dessa tradição é a rabeca, um tipo de violino construído
como patrimônio cultural
pelos próprios fandangueiros com madeira das árvores da região, sendo e imaterial do Brasil pelo
acompanhado pelo sapateado dos tamancos, também feitos com madeira IPHAN, em 2012. No vídeo, é
possível observar as batidas
local. Atualmente, os bailes de fandango acontecem em diversas ocasiões, dos tamancos de madeira
mas principalmente nas festas dos santos protetores das comunidades no tablado, a indumentária
utilizada pelos fandangueiros,
caiçaras. assim como escutar um
O lugar de origem dessa expressão da cultura popular é muito discutido pouco a música tocada
e cantada pelos mestres
entre os pesquisadores, apesar de a comunidade caiçara afirmar que o
com seus instrumentos
fandango nasceu do mutirão feito pelos pescadores. Alguns apontam que de corda e percussão.
sua origem está ligada às terras ibéricas e comunidades da Ilha dos Açores,
outros afirmam que ela teve início no Brasil. Porém, há um consenso de que
o fandango, como é conhecido hoje, foi transmitido de geração a geração,
Disponível em: <www.
transformado pelas pessoas das comunidades caiçaras que mantêm viva até memoriacaicara.com.
br/site/index.php>.
hoje essa tradição.
Acesso em: 8 jan. 2016.
Neste site é possível
PULSAR IMAGENS  HTTP://WWW.PULSARIMAGENS.COM.BR

conhecer a cultura caiçara, ler


depoimentos, ouvir músicas
tradicionais e ver vídeos e
fotos coletados desde 1960,
num projeto intitulado Acervo
Memória Caiçara. O acervo
apresenta registros sonoros,
depoimentos e peças musicais
digitalizados na íntegra, fotos,
mapas da região estudada,
filmes em DVD, manuscritos,
impressos e publicações.

Foto de rabequista da Baía dos Pinheiros


no litoral paranaense, em Guaraqueçaba.
A rabeca é um acompanhamento
tradicional ao fandango caiçara. Foto de
outubro de 2006.

252 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


Assim como outras expressões culturais tradicionais, o fandango é uma
expressão cultural profundamente enraizada na tradição das comunidades
locais, mas que vem sendo transformada ao longo dos anos, pelo contato
dessas comunidades com os turistas que visitam as ilhas do litoral paranaense
e pelos processos de globalização que envolvem todas as tradições
populares. Antigamente, só era permitido aos mais velhos dançar fandango,
e só os homens aprendiam o sapateado dos tamancos. Atualmente, homens e
mulheres de qualquer idade dançam fandango e até misturam os traços dessa
tradição com outras formas de fazer dança e música; um processo que dialoga
com a globalização e, ao mesmo tempo, transforma e mantém a tradição.

Dança e Gastronomia

WALTER MORGENTHALER / STOCKFOOD / LATINSTOCK


As tradições populares são
compostas por diversos símbolos de
identidade, a exemplo do barreado,
que, por ser um prato de preparo
simples, manteve sua receita original
até os dias atuais. Conta-se que, ao
final do dia, o dono da lavoura oferecia
a todos que haviam trabalhado na
terra um baile de recompensa, que
passou a ser conhecido como baile do
fandango durante o qual as mulheres
cozinhavam o barreado. De acordo
com os caiçaras, o barreado teria sido Foto de barreado preparado com carne desfiada cozida em panela de barro, e os
acompanhamentos que são servidos com o prato. Para os paranaenses, o barreado
criado por portugueses que habitaram deve ser servido com bananas, laranjas e farinha de mandioca fina.
o litoral do Paraná no século XVIII, e a
cidade litorânea de Guaraqueçaba teria sido o lugar que primeiro desenvolveu a receita. O barreado era
feito dentro de uma panela de barro, que conservava o sabor mesmo quando precisava ser requentado.
Desse modo, o prato podia ficar no fogo, ou mesmo ser reaquecido quantas vezes fosse necessário durante
a festa. Enquanto o barreado era cozido, as mulheres aproveitavam para participar e 17

dançar na festa. Daí a conexão do prato com o fandango, pois, enquanto se cozinha
o barreado, dança-se o fandango. Ouça a faixa
17 do CD de
O barreado consiste em um ou dois tipos de carne bovina cozidas até desmanchar,
áudio para
e temperadas com toucinho de porco, cebola, alho, louro, cominho e pimenta do reino. conhecer
Na hora de servir o prato, a carne desfiada é misturada com farinha de mandioca até uma música
de fandango
chegar a uma consistência cremosa, lembrando a do barro. Por isso o nome barreado.
caiçara.
Rodelas de banana crua também são adicionadas ao prato depois de pronto.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 253


As dinâmicas e os fatores do movimento
nas danças populares brasileiras
Para o teórico Rudolf Laban, o movimento humano é constituído de vários elementos por meio dos quais
o movimento pode ser analisado. As dinâmicas do movimento podem ser definidas como os impulsos internos
para que ele aconteça, e são os elementos que definem a qualidade do movimento. Esses impulsos internos
podem ser conscientes ou inconscientes. Associados a esses impulsos estariam os fatores do movimento, que
são conhecidos como fluência, espaço, peso e tempo (duração do movimento).
Considerando o pensamento de Laban e buscando entrelaçá-lo com as dinâmicas do movimento das
expressões da cultura popular brasileira, é possível associar as danças populares brasileiras estudadas neste
capítulo e compreender que algumas delas, além de acontecerem espontaneamente, resultam em coreografias
que são passadas de geração em geração, contribuindo para a manutenção da tradição.
Como observado em outros capítulos, principalmente a partir dos estudos de Rudolph Laban, as noções de
fluência, tempo, peso, e espaço se relacionam e podem ocorrer das mais variadas formas em uma coreografia
ou em qualquer ação da vida humana. Os movimentos de contração e expansão de um bebê, por exemplo, são
manifestações da fluência dos movimentos, com qualidades de esforço liberadas e controladas. A integração dos
movimentos é, portanto, tarefa do fator fluência, que pode ser livre ou liberada, e controlada e/ou contida e/ou limitada.
Já em relação ao espaço, peso e tempo, pode-se observar que, até nas ações cotidianas, os corpos se movem
com um peso e com uma força que lhe são peculiares, dependendo da ação ou do movimento desenvolvido.
Considerando as danças populares brasileiras, um exemplo de como os movimentos acontecem e
representam ações do cotidiano de uma comunidade está na utilização dos tamancos do fandango, que
torna os movimentos mais firmes e ritmados com as batidas dos pés no chão seguindo o ritmo da música.
Por outro lado, as sombrinhas do frevo, que têm sua origem associada às lutas dos capoeiristas em frente aos
blocos de carnaval no início do século XX, atualmente são utilizadas para dar leveza e equilíbrio aos passistas.
Já as grimas utilizadas no maculelê tornam os movimentos mais diretos e mais fortes.
Observe a tabela a seguir, inspirada nos fatores de movimento propostos por Rudolf Laban em seus estudos:

Fatores do Movimento
Peso Tempo Espaço Fluência
Súbito ou Controlado
Firme ou suave Direto ou flexível
sustentado ou livre

(Direção)
(Velocidade) Parado ou
Forte ou fraco Direta ou
Rápido ou lento liberado
ondulante

(Duração) (Expansão) Fluido e


Pesado ou leve
Curto ou longo Direta ou flexível interligado

Observe a seguir, como as dinâmicas do movimento podem se relacionar com as expressões da cultura po-
pular apresentadas neste capítulo.

254 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


No fandango
O fandango é uma das muitas formas coreográficas encontradas no
Brasil. Entender que os movimentos produzidos pelas pessoas também
Disponível em: <http://
representam a cultura a que pertencem é essencial para se compreender a portal.iphan.gov.br/
diversidade cultural e a diversidade presente em cada uma das expressões videos/detalhes/27/
fandango-caicara/>.
culturais, mas principalmente para compreender as formas coreográficas
Acesso em: 3 jan. 2016.
presentes nessa tradição.
Neste link do Iphan, é possível
Para exemplificar, no fandango são encontrados diversos ritmos, que
assistir a uma matéria sobre
são dançados nas diferentes músicas e com diferentes passos. Cada ritmo fandango caiçara. O vídeo,
possui uma coreografia própria, com desenhos e movimentos distintos, com cerca de 18 minutos,
conta um pouco da origem
caracterizados pelas diversas formas de se utilizar o peso do corpo no
do fandango, relatos, músicas
espaço. Os fandangueiros ou fandagueiras, como são chamados e dança e mostra como todos
os brincantes do fandango, aprendem as várias coreografias. De acordo esses fatores formam um
contexto cultural mais amplo.
com a tradição caiçara, os passos que compõem as coreografias podem
Veja também como a palavra
acontecer a qualquer momento no baile do fandango, mas devem sempre fandango está relacionada a
obedecer ao ritmo tocado pela rabeca e pelos outros instrumentos típicos diferentes expressões culturais
brasileiras, não somente ao
do fandango. O nome de cada coreografia, a dinâmica dos passos e os
fandango caiçara, do litoral
fatores dos movimentos refletem o contato das comunidades caiçaras com do Paraná. No vídeo, você
a vida dos animais e, por isso, algumas dessas coreografias recebem o nome também poderá assistir a
desses animais, a exemplo de: andorinha, anu, caranguejo e sabiá. Sendo depoimentos de mestres, ver
coreografias e aprender sobre
assim, os movimentos do fandango de bater os pés no chão poderiam ser a religiosidade da população
caracterizados, em geral, como movimentos fortes (peso), rápidos (tempo), caiçara, parte integrante da
diretos (espaço) e livres (fluência). tradição do fandango.

Conhecer a forma de um povo dançar também é conhecer a cultura de um lugar. Para saber mais
sobre algumas das várias formas de dança das culturas brasileiras, se possível, assista ao vídeo
No frevo com os estudantes ou peça a eles que assistam em casa. Depois, estimule um debate em sala de
aula sobre os vídeos.
Tanto as pessoas que dançam frevo livremente, seguindo os blocos durante o carnaval, como os
passistas que executam passos acrobáticos e representativos dessa tradição, ao dançarem frevo, criam,
utilizando a improvisação, vários movimentos para o mesmo ritmo musical. Os passos do frevo podem
ser executados ora em ritmo lento, ora em ritmo rápido (tempo), mas sempre com base na habilidade
que os corpos têm em improvisar e criar movimentos em meio à multidão que ocupa as ruas do carnaval
pernambucano. Isso porque, além dos passistas, são os demais participantes do carnaval que fazem o
frevo nas ruas, ao interligarem os passos (fluência) e ao criarem, espontaneamente, novos passos e novos
movimentos para os frevos tocados pelas bandas que acompanham os blocos. Diversas expressões da
cultura popular têm como característica justamente o fato de as pessoas se juntarem e participarem de
um momento coletivo, onde todos contribuem dançando, cantando e integrando de várias formas aquele
acontecimento.
Assim como no fandango, no frevo, o modo de vida de uma população se reflete nos passos e nos
símbolos que representam aquela tradição e reforçam a identidade de quem dança. Resultado do movimento

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 255


da multidão no carnaval, alguns estudiosos tentaram encontrar a origem do frevo nas danças russas, por
causa dos seus passos acrobáticos, que lembram bastante a dança dos cossacos, quando, pelo movimento,
o peso dos corpos ocupa os diversos níveis espaciais (principalmente o nível baixo) (espaço). Porém, essa
hipótese reforça a contínua relação colonial que só reconhece qualquer expressão como arte e beleza quando
consegue associá-la aos padrões europeus.
O frevo pode ser compreendido a partir das suas relações com a cultura corporal afrodescendente, com
os movimentos urbanos das populações recém-libertas do regime escravista, que transformam suas memórias
e vivências de violência em dança, incluindo a movimentação corporal da capoeira, muito praticada no Recife
no início do século XX, dançada com passos acrobáticos e executada com a utilização de uma sombrinha.

No congado
A ênfase não está nos passos executados no congado, mas no objetivo dos brincantes em fazer um
cortejo, que, geralmente, acontece em ritmo lento (tempo), enfatizando a religiosidade mineira e a louvação
à Nossa Senhora do Rosário. Os passos executados nas coreografias normalmente ocupam os níveis alto e
médio (espaço), sendo executados de maneira mais suave (peso do corpo no espaço), e fluência controlada.
Isso ocorre, pois o conjunto apresentado pelo cortejo é o foco da festa, e nesse cortejo é possível encontrar a
complexidade e os diversos fatores culturais que compõem essa tradição mineira.

No maculelê
Semelhante ao frevo, o maculelê possui movimentos de fluência livre nos vários níveis do espaço (bai-
xo, médio e alto), executados em tempo rápido e com peso do corpo utilizado de maneira firme. Por se tratar
de uma dança que representa movimentos de luta, os movimentos do maculelê são caracterizados por mo-
vimentos firmes, rápidos e agressivos, que fazem referências a histórias de luta e valentia e, por essa razão, são
sempre executados com muita força. No início, o maculelê só era dançado por homens. Só com a espetacu-
larização dessa expressão cultural, ou seja, somente quando ela começa a ser levada aos palcos, as mulheres
passam a ser incluídas, e a fazer os mesmos movimentos que os homens.
Esse breve estudo sobre as dinâmicas e os fatores do movimento descritas por Rudolph Laban e a asso-
ciação feita com os movimentos do fandango, do frevo, do maculelê e do congado conduz à compreensão
de que essas expressões da cultura popular, assim como todas as expressões da cultura popular brasileira que
contêm dança, utilizam movimentos que variam nas dinâmicas e nos fatores de movimento, sendo, portan-
to, impossível resumir à fluência, à utilização do espaço, do peso e do tempo nessas expressões em uma
análise tão breve. Para uma maior precisão nessa análise, é necessário concentrar a observação em cada passo
e considerar que as expressões da cultura popular brasileira são muito ricas e complexas na quantidade e na
qualidade de passos e movimentos utilizados pelos seus brincantes, e que, a cada dia, surge mais uma forma
de se dançar, o que contribui tanto para a transformação como para a manutenção de cada tradição.

256 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


Materiais Objetivos
 balões de aniversário;  Experimentar as dinâmicas e os
fatores do movimento associados
 bastões, que podem ser feitos com cabos de vassoura
à utilização de objetos.
cortados em três partes;  Criar movimentos a partir das
 folhas de papel de seda. diversas dinâmicas e fatores
definidos por Rudolf Laban.
 Conectar as possibilidades de
Nas vivências a seguir, observe a relação entre o uso de movimento individual com os símbolos
objetos e as dinâmicas e fatores do movimento estudados. de identidade estudados neste capítulo.

Se julgar interessante, para am-


Vivência 1 pliar a sua leitura sobre os prin-
cípios de Laban, leia o texto: “A
contribuição do estudo do sis-

ALBERTO PASQUANTONIO
tema Laban para o gestual do
regente”, de Heloiza Branco,
disponível em: <www.uel.br/
pos/musica/pages/arquivos/
LabanSimpemus.pdf>.
Acesso em: 19 fev. 2016.

Ilustração para a vivência 1.

Encha de ar um balão e, com os colegas, comece a jogá-lo de um lado para o outro, sem deixá-lo cair,
ocupando todo o espaço disponível para a vivência, como se estivessem brincando. Continuem a jogar,
fazendo a mesma movimentação nos três níveis do espaço: baixo, médio e alto.
Depois, relacione seu movimento com o movimento de apenas um colega da turma e continuem
jogando o balão em duplas. Durante o processo de criação dos movimentos, inclua os estímulos sonoros
que você percebe no ambiente. Por exemplo, se o ambiente tiver música, tente fazer os movimentos
acompanhando o ritmo dela nos três níveis do espaço. Caso contrário, ouça os sons presentes no espaço
e tente criar movimentos inspirados nesses sons.
Deixe que a fluência, o tempo do movimento e o peso do seu corpo se conectem com o ritmo da música
e com o espaço. Nessa atividade, foi proposto um processo de criação em dança utilizando, como referencial,
os processos de criação em dança contemporânea. Considere que, nos processos de criação em dança
contemporânea, o corpo cria seu próprio ritmo independentemente da música do ambiente; assim, caso a
música não seja utilizada nessa atividade, tente se mover considerando o ritmo criado pelo próprio corpo ao
se mover no espaço.
Observe os movimentos que surgem.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 257


Vivência 2

ALBERTO PASQUANTONIO
Agora, faça a mesma experimentação
de antes, porém, em vez de utilizar os
balões, utilize folhas de papel de seda.
Primeiramente, jogue-as abertas para
os colegas, e tente não deixá-las cair
no chão. Essa tentativa criará novos
movimentos. Depois, amasse as folhas
criando movimentos a partir do ato de
amassá-las.
Compare os movimentos criados com os Ilustração para a vivência 2.
que foram produzidos na Vivência 1.
Se julgar interessante, utilize as seguintes estratégias para que as vivências atinjam os objetivos: 1. Trabalhar em um espaço
amplo, sem mesas ou cadeiras, como o pátio ou quadra escolar, ou afastar as carteiras da sala de aula. 2. Dividir a turma em
Vivência 3 dois, três, quatro ou cinco grupos para que cada grupo possa observar o trabalho um do outro. 3. Utilizar vá-
rios ritmos durante a prática. Se possível, utilize músicas das expressões da cultura popular estudadas neste
Nesta etapa, em vez de jogar objetos, você vai criar movimentos utilizando bastões semelhantes às
grimas que são utilizadas no maculelê. Movimente o corpo segurando os bastões e observe como as
características dos objetos interferem nos processos de criação e execução dos movimentos.
capítulo (fandango, frevo, maculelê e conga-
 Converse com os colegas e respondam às perguntas a seguir:do) e os ritmos que os estudantes trouxerem
a. Quais as diferenças e semelhanças encontradas nas três vivências? motivando o engajamento e o pro-
tagonismo deles nos processos de
b. Que movimentos surgem durante a criação dos movimentos com os bastões se for utilizado o
criação em dança. Essa última estratégia será importante para que os
mesmo ritmo empregado com os balões? estudantes relacionem essa prática às discussões iniciais do capítulo,
c. E o que acontece quando são criados movimentos utilizando as folhas de papel de seda? Há
compreendendo os objetos também como símbolos de identidade.
diferenças quando elas estão amassadas? Observe que nessas vivências os objetos cênicos são utilizados como
d. Como os movimentos dos corpos são transformados por cada objeto (balões, papel de seda e
bastões)? E os movimentos dos colegas? Quais as semelhanças e diferenças que você observou
motivadores dos momentos de criação, execução e improvisação dos mo-
entre os seus movimentos e os deles? vimentos individuais.
ALBERTO PASQUANTONIO

Ilustração para a vivência 3.

258 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


O bumba meu boi do Maranhão

MARCO ANTÔNIO SÁ/ PULSAR IAMGENS


Foto de apresentação do grupo
Bumba meu boi de Maracanã –
sotaque de matraca, em São Luís
(MA). Foto de junho de 2013.

O bumba meu boi foi declarado patrimônio cultural do Brasil em 2011


pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Surgido
em meados do século XVIII, tem grande influência da cultura negra africana,
bem como da cultura ibérica (Portugal e Espanha).
Atualmente, estima-se a existência de mais de 200 grupos de bumba
meu boi no Maranhão, que seguem um calendário de brincadeiras que
se inicia com o batismo do boi, entre maio e junho, e acaba com a sua
“morte” ao final dos festejos juninos, nos meses de junho e julho. Cada
grupo de bumba meu boi tem um “sotaque”, ou seja, um jeito próprio de se
expressar que se traduz tanto em sua musicalidade como nas vestimentas
e formas de dançar. Há cinco sotaques mais famosos do bumba meu boi
no Maranhão:

• Matraca
Vindo de São Luís, tem como principal instrumento a matraca, dois
pedaços de madeira que são batidos um no outro, e o pandeiro rústico,
feito de couro de cabra. O sotaque de Matraca tem um ritmo bem ace-
lerado, embalado por dezenas de matraqueiros.

• Zabumba
Forte na região de Guimarães e arredores, tem como puxadores o
ritmo africano das zabumbas, tambores bem grandes socados por uma
maceta. Pandeirinhos e matracas também participam, mas somente
como complementos. O figurino é bem rico. Os brincantes usam rou-
pas aveludadas, saias amplas bordadas e chapéus cheios de fitas que Maceta: espécie de baqueta gran-
quase cobrem seu rosto. de utilizada para tocar o tambor.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 259


• Orquestra
Tem origem na região de Munim, seu ritmo é festivo e de muita ale-
gria. Seu destaque é uma banda com instrumentos de sopro e corda. Os
participantes também têm trajes de veludo com ricos bordados e mi-
çangas e dançam ao som de saxofones, banjos e clarinetas.

• Baixada
[Característico da baixada maranhense – região a oeste e a sudes-
te da ilha de São Luís] tem o som mais leve e lento, apesar de também
usar pandeiros e matracas. Na verdade, é o toque ritmado que dá o tom
suave. A roupa vem com penas e bordados em bases de veludo e cha-
péus suntuosos. O Cazumba, bicho e homem são personagens caracte-
rísticas desse sotaque.

• Costa de mão
Surgido na região de Cururupu, esse sotaque vem embalado por um
ritmo cadenciado ao som de pandeiros tocados com as costas da mão,
caixas e maracás. As roupas também têm bordados em calças e casacos
e seus chapéus em cogumelo funil são adornados com flores.
Bumba meu boi do Maranhão. Disponível em: <http://bumba-meu-boi.info/
bumba-meu-boi-do-maranhao.html>. Acesso em: 3 jan. 2016.

O festejo do bumba meu boi é complexo, e cada grupo tem o seu


próprio jeito de brincar. Em muitos casos, a brincadeira gira em torno do
chamado “auto do boi”. O auto, de origem histórica pouco precisa, conta
a história de um casal, Pai Francisco e Catirina. A esposa está grávida e tem
o desejo de comer a língua do boi mais querido do dono da fazenda onde
o casal trabalha. A partir daí, há uma série de peripécias cômicas do Pai
Francisco tentando realizar o desejo da mulher, até que acaba por matar o
boi e é punido. Obrigado a ressuscitar o boi, Pai Francisco recorre a doutores e
pajés e consegue fazer o bicho voltar à vida e, assim, reconquista sua própria
liberdade. A comicidade é o tom forte das histórias que são representadas
pelo festejo, em comunhão com a música, a dança e com a beleza e o colorido
das vestes dos brincantes. Cada grupo representa a mesma história de um
modo diferente. Também há outras histórias cômicas que acompanham a
tradição do bumba meu boi.

ROCHA, Alexandre Nazareth da (Coord.). Comédias do bumba Banjo: instrumento musical de cor-
meu boi do Maranhão. Santarém: Cumbuca, 2014. das. Consta de um tipo de pandei-
Neste livro, há uma compilação de histórias cômicas contadas ro com duas ou mais cordas. O to-
pelos próprios brincantes do bumba meu boi. cador de banjo dedilha as cordas
com a base apoiada em seu braço.

260 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


A seguir, leia uma das histórias do bumba meu boi. Trata-se de uma toada Objetivo
de entrada em cena, uma espécie de canto que anuncia o início do festejo.  Conhecer uma das
histórias do festejo
do bumba meu
Troíra boi maranhense
e experimentá-
Eu sou pretinho, meu senhor -la teatralmente,
Eu sou pretinho, nunca tive dinheiro interpretando seus
personagens e
Nunca fui escravo
representando-a
Mas eu ando no mundo fazendo graça para a turma.

O boi adoecia e a Mãe D’água vinha curar. HO


L
VA
Um juramento eu tenho feito M IGU
E LC
AR

Dan rin dan dan


De não curar mais ninguém
Dan dan rin dan dan
Porque o pago que eles dão
Dan rin dan dan
É de falarem mal da gente
Dan rin dan dan

A Mãe D’água chupava o boi por uma taboca e curava o boi, tirando
uma troíra feita de buriti de dentro dele. Diz que a troíra era a flecha
que estava dentro do bicho, que quase estava matando o boi.
LEAL, Raimundo (Baguinho). Troíra. In: DA ROCHA, Alexandre Nazareth (Coord.). Comédias
do bumba meu boi do Maranhão. Santarém: Cumbuca, 2014. p. 65.

O texto acima pode ser representado pela turma. Para isso, formem grupos com quatro ou cinco
pessoas e dividam entre vocês os personagens do texto e o narrador que canta a história.
Criem uma melodia para acompanhar a letra da toada ou partam de uma melodia
Troíra: lagartixa.
já existente. Pensem no vestuário, nos gestos e movimentos dos personagens.
Mãe D’água: Iara ou Uiara,
Os personagens Mãe d’agua, boi e lagartixa podem ser representados como entidade do folclore bra-
se fossem metade bichos, metade humanos. Isso permite explorar gestos que sileiro de beleza extraor-
remetem a animais: o peixe (no caso da Mãe d’água), o boi e a lagartixa, bem como dinária que vive nas águas
os diversos planos (alto, médio e baixo). No caso do narrador, é importante que a voz doces dos rios e tem a
fama de enfeitiçar os ho-
e a forma de cantar ou dizer o texto capte a atenção do público. mens, levando-os à morte.
Apresentem a cena para os colegas mantendo o caráter de brincadeira e diversão
Taboca: espécie de bambu.
do bumba meu boi.
Buriti: planta da família das
Com essa atividade, é possível verificar que, a partir de um mesmo texto,
aerecáceas. Comum no es-
cada grupo pode criar formas diferentes para a cena de uma história, o mesmo tado do Maranhão, entre
Veja orientações na Assessoria
acontece entre os grupos de bumba meu boi. Pedagógica. outros estados brasileiros.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 261


Máscaras brasileiras

FABIO COLOMBINI
Como visto na Unidade 2, o surgimento do teatro
no ocidente está bastante vinculado ao uso da máscara.
Objeto ritualístico presente em várias culturas, a
máscara traz uma possibilidade de incorporação de
um outro ser. Os rituais são muito diversos, passando
da solenidade do culto aos mortos à festividade dos
carnavais, do sagrado ao profano.
No Brasil, uma grande parte das tradições culturais
tem a presença da máscara como um objeto marcante
de sua expressividade. Essas máscaras têm formas e
materiais diversos desde a madeira, látex, papel, tecido, e
até mesmo a pintura corporal, entre outros. O que há em
comum entre elas é a possibilidade daquele que as veste
de se transformar, incorporando atributos e características
específicas que se expressam por meio da máscara.
Foto de máscara indígena feita pelos Wayana e Aparai com fibras
As máscaras têm tamanhos diferentes, podendo de árvore, algodão e cera de abelha no distrito de Alter do Chão,
ir de um detalhe no rosto, por exemplo um nariz de em Santarém (PA). Foto de novembro de 2013.
palhaço, até o corpo inteiro, como no caso da máscara

REPRODUÇÃO
feita pelos índios Wayana e Aparai no norte do Pará e
usada em rituais.
Também há máscaras que são pintadas no rosto
ou corpo dos participantes de rituais e brincadeiras das
culturas brasileiras. Muito comum aos rituais indígenas
brasileiros, as pinturas faciais ou corporais também
fazem parte do carnaval, do circo e do teatro.
Benjamim de Oliveira, autor, ator e compositor
considerado o primeiro palhaço afro-brasileiro, nasceu
em Pará de Minas (MG) em 1870, um ano antes da
proclamação da Lei do Ventre Livre. Aos 12 anos de idade,
juntou-se à trupe do Circo Sotero. Fazia números de
trapézio e acrobacia. Introduziu o circo-teatro no Rio de
Janeiro e atuou até 1940, sendo respeitado como grande Foto de Benjamim Oliveira (1870-1954), primeiro palhaço afro-brasileiro,
também foi autor, ator e compositor, sendo uma das principais
artista pela classe teatral e circense da época. Além dos
referências do circo-teatro no Brasil.
números típicos do circo tradicional, Benjamim Oliveira
Lei do Ventre Livre: foi promulgada em setembro de 1871 e
interpretava operetas e até mesmo textos clássicos de considerava livre os filhos de mulheres escravizadas nasci-
Shakespeare e a Paixão de Cristo. Sua máscara de palhaço dos a partir da data de sua promulgação. Fez parte de um
processo lento de libertação dos trabalhadores forçados,
era uma pintura branca sobre o rosto, acentuando seus em virtude de um forte movimento abolicionista, até a abo-
lábios, olhos e sobrancelhas, pintados com outra cor. lição da escravatura em 13 de maio de 1888.

262 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


A pintura de rosto criou grande polêmica no contexto teatral brasileiro em 2015, devido à máscara black-
face usada pela companhia paulista Os Fofos Encenam na peça A mulher do trem. Os Fofos Encenam é um
grupo de teatro criado no início de 2000 que têm “as raízes do riso e suas variantes na expressão popular do
circo-teatro e da cultura nordestina […]” (Enciclopédia Itaú Cultural).
Leia um fragmento da análise do episódio feita por Djamila Ribeiro para a Revista Carta Capital, em
11 de maio de 2015:

[...] Após manifestações de repúdio nas redes sociais, o Itaú Cultural resolveu cancelar a apresentação da
peça nesse dia e, no lugar, realizar um debate com militantes, historiadores e pessoas ligadas ao teatro. O ob-
jetivo do debate é discutir por diversos ângulos o problema de se utilizar blackface ainda nos dias atuais. [...]
Pessoas ligadas à companhia se defenderam dizendo que máscaras fazem parte da tradição cir-
cense. Atores defendendo a peça disseram haver exagero por parte dos militantes e alguns usaram a
justificativa de que quem criticava não era do teatro. [...]
[...] fui ouvir pessoas ligadas à arte para falarem sobre esse caso e as respostas delas foram no
mesmo sentido da dos militantes. Renata Felinto, artista visual e doutoranda em Artes Visuais pela
Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz: “Como dizia Mário de Andrade, ‘a arte é uma expres-
são interessada na sociedade’”, diz. “Os Fofos enquanto artistas que se dizem conscientes estética e
politicamente devem, portanto, acatar e ponderar acerca de um segmento da sociedade que se ofende
a partir de um elemento presente em seu trabalho. Elemento que ofende, subjuga, recoloca o negro
em um lugar passível de ridicularização que é anacrônico, pois vivemos um momento de reivindica-
ções e de conquistas – na contemporaneidade não há lugar para essa forma de estética. [...]
RIBEIRO, Djamila. Artistas repudiam blackface de peça. Carta capital, 11 maio 2015. Disponível em:
<www.cartacapital.com.br/sociedade/artistas-repudiam-blackface-de-peca-4221.html>. Acesso em: 6 out. 2015.

Eugênio Lima, DJ e integrante do Núcleo

CHRISTINA RUFATTO
Bartolomeu de Depoimentos, fazia a media-
ção do debate e, ao final, expressou sua opi-
nião dizendo que mesmo que racismo não
tenha sido a intenção do grupo Os Fofos
Encenam, a técnica blackface foi construída
em cima de um ideário racista. Ao final do
debate, o diretor da companhia acabou reti-
rando o uso da máscara blackface do espetá-
culo e pediu desculpas aos que se sentiram Foto da peça A mulher do trem, da companhia Os Fofos Encenam,
ofendidos. de São Paulo (SP). Foto de 2015.

A partir da leitura dos textos anteriores, converse com o professor e os colegas.


§ O que você pensa sobre a polêmica tratada neste caso? Você e os colegas também podem pesqui-
sar em jornais, revistas ou na internet outras reportagens e depoimentos para enriquecer o debate.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Culturas Brasileiras | CAPÍTULO 16 263


Neste capítulo, você conheceu o fandango caiçara, além de outras expressões culturais do Brasil.
Para compreender o fandango, o frevo, o maculelê e o congado, foram trabalhadas a dança, a música,
a culinária e também a história. Quando se trata de cultura, deve-se lembrar que as pessoas dançam
e brincam o que elas são e o que vivem no dia a dia, que os corpos fazem a dança e a história sempre
reinventadas e transformadas por cada movimento.
Também conheceu a tradição do bumba meu boi do Maranhão, com seus sotaques, comédias, autos
e histórias. Foi possível, também, observar o caráter ritualístico das máscaras nas culturas brasileiras e
também no teatro e no circo. Conheceu um pouco da história de Benjamim Oliveira, primeiro palhaço
negro do Brasil e criador do circo-teatro. Por fim, discutiu sobre a tradição circense brasileira e o racismo a
partir da polêmica do uso da blackface em um espetáculo teatral.
O objetivo das atividades a seguir é incentivar os estudantes a conhecer suas próprias expressões culturais. Não há certo ou errado, é im-
portante que o estudante se sinta livre para falar da sua identificação ou não com as culturas brasileiras e poder argumentar sobre isso.

RODA DE CONVERSA
1. Você se identifica com as culturas brasileiras? Justifique sua resposta.
1. Resposta pessoal. Essa resposta depende da relação que os estudantes mantêm com as culturas brasileiras. Espera-se que

eles já tenham compreendido suas diversidades e possam manifestar suas identificações, ou não, inclusive com outras ex-

pressões culturais que não foram tratadas neste capítulo.

2. Que tipo de expressões culturais você observa ou participa no seu dia a dia, seja em casa, na escola
ou em outros lugares de convivência? Descreva pelos menos três delas e compartilhe com os
colegas.
2. Resposta pessoal. Com essa pergunta, os estudantes são incentivados a pesquisarem seu próprio cotidiano e associarem

suas práticas à ideia de culturas brasileiras. A descrição contribui para desenvolver a capacidade de observação de uma prá-

tica e compartilhamento dessas informações oralmente.

3. Resposta pessoal. O objetivo dessa atividade é incentivar os estudantes a pesquisarem sobre as expressões culturais de seu
cotidiano por meio do contato com os mais velhos. Essa prática desenvolve o respeito pela sabedoria que vem com a idade, in-
dependentemente da instrução formal da pessoa, e a consciência de que a tradição é algo que passe de geração para geração.

3. Você sabe a origem das expressões culturais das quais você participa ou observa? Converse com os
membros mais velhos dessas comunidades sobre isso, registre-as em uma folha avulsa e leve para
a sala de aula.

264 CAPÍTULO 16 | Culturas Brasileiras


MÚSICA PARA

7
Conteúdo

IMAGINAR E § Música e dança


em festas e rituais

EXPERIMENTAR
tradicionais

O MUNDO
Nós, habitantes da floresta, não maltratamos a Terra. Não desmatamos a floresta sem medida. Toda essa
destruição não é nossa marca, é a pegada dos brancos, o rastro de vocês na terra.
É isso que queremos falar. Os brancos carecem de sabedoria e não pensam muito longe.
Davi Kopenawa Yanomami.

SÉRGIO VALE/ SECOM

Foto do Festival Mariri Yawanawá, tradição indígena que envolve festas, brincadeiras e cultura, e celebra o sentimento de preservação da
natureza, realizado na Aldeia Mutum, da Terra Indígena (TI) do Rio Gregório. O festival ocorreu entre 27 e 31 de julho de 2015.

Desde os tempos mais remotos, a música e a dança fazem parte dos rituais e das festas de diferentes culturas.
O canto, por exemplo, é muito valorizado pelos povos indígenas devido ao papel que exerce nos rituais e festas e
pelo seu poder de cura. A sabedoria e o conhecimento de um povo indígena podem ser compartilhados por meio
de seus cantos. Além disso, para muitos povos indígenas cantar é uma forma de exercitar a memória, de ampliar e
relacionar diferentes conhecimentos, de ampliar as percepções de mundo, de imaginar e experimentar a vida.

Rituais: conjunto de práticas consagradas pela tradição e que devem ser seguidas durante cerimônias sagradas.

Música para Imaginar e Experimentar o Mundo | CAPÍTULO 17 265


No Brasil, há uma enorme variedade de rituais e festas tradicionais em que o canto é de vital importância
e que revela a complexidade e a multiculturalidade da sociedade brasileira e de suas expressões artísticas.
Neste capítulo, serão estudadas as manifestações de alguns povos indígenas do Brasil, com destaque para os
aspectos musicais.

RODA DE CONVERSA
O Brasil é um país rico em festas e celebrações que estão presentes em muitos momentos da vida das
pessoas. É possível que você ou alguém que conheça faça parte de um bloco de carnaval, de um grupo de
congado ou talvez já tenha acompanhado uma procissão de caráter religioso.
Converse com os colegas e com o professor sobre as questões a seguir.
1. Vocês praticam ou conhecem alguma festa popular ou ritual em que a música e a dança estejam
presentes? Caso não conheçam, pesquisem na internet, em revistas ou jornais se há alguma festa
popular na região onde mora.
1. Resposta pessoal. Poderão ser citadas diversas festas e cerimônias religiosas ou de caráter não religioso. É importante

acolher e valorizar as expressões culturais apontadas pelos estudantes.

2. Alguma dessas festas está relacionada a um ritual sagrado ou religioso? Cite um exemplo.
2. Resposta pessoal. Neste momento, os estudantes poderão compartilhar experiências e vivências artísticas envolvendo ri-

tuais e festas populares e refletir sobre as várias influências que essas manifestações recebem, mantendo-as vivas e ao mes-

mo tempo modificando-as. Auxilie os estudantes a identificar eventos de que participem, mas não os reconheçam como re-

ligiosos ou ritualísticos, como procissões, terreiros de umbanda, missas ou cultos, entre outros.

266 CAPÍTULO 17 | Música para Imaginar e Experimentar o Mundo


O Turé do baixo Oiapoque
Segundo o Instituto Socioambiental, atualmente no Brasil existem mais
de 230 povos indígenas espalhados pelo território nacional. Nesses grupos,
há aproximadamente 180 línguas diferentes.
Grande parte da população indígena brasileira se encontra na região
Norte do país, muitas vezes próximas às fronteiras com outros países. Segundo
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé), os povos indígenas Palikur,
Galibi-Marworno, Galibi Kali’na e Karipuna formam os povos indígenas do
baixo rio Oiapoque, que vivem na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa,
no Amapá. De acordo com o Iepé, atualmente, esses povos, juntos, formam
uma população de aproximadamente sete mil pessoas distribuídas em 39
aldeias localizadas às margens dos rios Oiapoque, Uaçá, Urukauá, Juminã
e Curipi.
Apesar de muitos desses povos manterem contato com culturas não
indígenas da região, eles conseguiram preservar o caráter sagrado e mágico
do ritual do Turé, uma festa tradicional realizada para os espíritos do Outro
Mundo em retribuição às curas de doenças feitas por intermédio dos pajés, TURÉ dos povos indígenas
do Oiapoque. Rio de Janeiro,
(curandeiros e orientadores espirituais das aldeias), os únicos que podem ver
São Paulo: Museu do Índio/
e se comunicar com os Karuãna, que são espíritos das estrelas, árvores e IEPÉ, 2009. Disponível
animais e vêm das águas dos rios, mares e lagos, das florestas e do espaço. em: <www.institutoiepe.
org.br/wp-content/
Os indígenas se preparam para esse ritual demarcando o espaço onde vai uploads/2008/01/livro_
ser realizada a festa, o lakuh. Para isso, eles fincam no chão varas de madeira ture_povos_indigenas_
oiapoque-iepe.pdf>.
especialmente preparadas para o ritual. Os homens também constroem os
Acesso em: 22 fev. 2016.
bancos de madeira onde o pajé se sentará e os instrumentos de sopro usados
Este livro, escrito por
no ritual. As mulheres preparam e servem uma bebida conhecida por caxixi, indígenas do baixo
que é servida a todos os presentes e oferecida aos Karuãna. Oiapoque, relata a
importância que o Turé
tem na vida daqueles
EQUIPE DO MUSEU KUAHÍ

povos, apresentando em
detalhes todos os aspectos
que constituem o ritual. O
livro é também ricamente
ilustrado com fotografias
e desenhos realizados
pelos próprios indígenas.

Foto de apresentação de Turé, dos


povos indígenas Galibi, Marworno,
Palikur, Karipuna e Galibi Kali´na,
reunidos na XI Assembleia Geral dos
Povos Indígenas do Oiapoque, ocorrida
nos dias 28 a 30 de agosto de 2012, na
Aldeia Kumarumã, Terra Indígena Uaçá,
município de Oiapoque (AP).

Música para Imaginar e Experimentar o Mundo | CAPÍTULO 17 267


Todos os anos o pajé deve conduzir uma grande festa de agradecimento que acontece durante a lua
cheia do mês de outubro, com dança, música e o caxixi.
No Turé, há vários cantos entoados pelo pajé e por seus ajudantes em cada fase da festa: enquanto se
preparam os mastros, os bancos e os instrumentos sonoros; para começar e terminar o ritual; e um canto
específico para cada Karuãna que chega para a festa. Assim, há cantos, que nunca se repetem, durante toda
a noite.

UGO MAIA ANDRADE/ IEPÉ  INSTITUTO DE PESQUISA E FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO INDÍGENA

Foto de pajé da região do baixo rio Oiapoque, com pinturas


corporais e segurando um maracá durante o Turé. O Maracá
é um chocalho indígena, geralmente feito com uma cabaça
seca sem miolo, onde são colocadas sementes ou pedrinhas.
O instrumento marca a pulsação das pisadas no Turé e, com o
tempo, foi incorporado a outras várias manifestações musicais
da cultura brasileira.

Os cantos e as danças são elementos fundamentais para a realização do Turé. Leia a seguir um texto
escrito por indígenas do Oiapoque, em que eles detalham alguns aspectos do canto e da dança no ritual.

Cantos e danças no Turé

As Danças
Para dançar o turé é preciso de 15 a 25 pares de dançarinos no lakuh, estes são os que vão imitar os Bichos
ou Karuãna. E há pequenas diferenças na coreografia da dança entre os Karipuna e os Galibi-Marworno. No
primeiro momento a dança é normal. Ela começa no final da tarde com a dança do gengibre (jite uarimã).
Quando dá meia-noite começam as imitações dos Bichos, aí logo têm que começar imitando um gran-
de Karuãna, como os Bichos da floresta (Djab dã bua), as Ondas (lamê), o Golfinho (masuê), o Tucano
(ghobek), o Sapo (khapô/kapô) e principalmente a Cobra Grande (ghã kulev/aramari/wamuí), que sem-
pre aparece no turé dos Galibi-Marworno para finalizar a festa. Para que isso aconteça é preciso fazer
uma dança especial, a kulev, para mandar a Cobra Grande de volta ao Outro Mundo.

268 CAPÍTULO 17 | Música para Imaginar e Experimentar o Mundo


A kulev é feita alguns dias depois que termina a primeira parte do turé e sem ela o pajé não pode ter-
minar o turé, pois a Cobra Grande fica vagando invisível pela aldeia. Lembrando que para cada dança
há um canto diferente.
[...]

UGO MAIA ANDRADE/ IEPÉ  INSTITUTO DE PESQUISA E FORMAÇ ÃO EM EDUCAÇ ÃO INDÍGENA


Foto de indígenas das etnias Palikur, Galibi Kali’na, Galibi-Marworno e Karipuna dançando o Turé, na Aldeia Espírito Santo. Foto de 2008.

Os Cantos
No turé há vários cantos que são cantados pelo pajé, participantes, palikás e outros ajudantes. Eles
começam a cantar para chamar as pinturas quando vão pintar os bancos e mastros. Isso se repete todo
dia até terminarem de pintar. Também cantam o canto do Karamatá durante todo o tempo de prepara-
ção da flauta turé (sinal/karamatá/powkanõ).
O pajé, os palikás e os participantes iniciam a festa, entrando no lakuh com o canto “kã solei ka pose”
(patuá)/ “ueiô mitãmi” (galibi antigo), que quer dizer “quando o sol se põe”. Depois tem o canto para
passar gengibre nas pernas dos dançarinos e jogar no lakuh, ou “ jite uarimã”. Em seguida, o pajé co-
meça a cantar o canto do dono do cigarro tawari que ele fuma. É este canto acompanhado do som dos
maracás e das flautas que vão chamar todo tipo de Karuãna para a festa. Quando eles chegam, cantam
e bebem e a quantidade de cantos que o pajé cantará durante o turé depende da quantidade de Karuãna
que chegam à festa, pois há um canto para cada um deles. Eles vêm de todo lugar (do espaço, da mata,
do fundo d’água, do pôr do sol, da nascente do sol, da costa do sol etc.), diz o pajé: são muitas pessoas,
de diferentes nações, que vêm para cantar seu canto. E com isso, num turé há cantos um atrás do outro,
a noite inteira, sem se repetirem.
TURÉ dos povos indígenas do Oiapoque. Rio de Janeiro/ São Paulo: Museu do Índio, IEPÉ, 2009. p. 16; 35.

Música para Imaginar e Experimentar o Mundo | CAPÍTULO 17 269


O Toré do Nordeste
O Toré é uma das principais tradições dos índios do Nordeste brasileiro. É um ritual que envolve música e
performance corporal. Nele, as pessoas dançam em círculos e cantam batendo os pés no chão, acompanhadas
por instrumentos sonoros como maracás, apitos e flautas de bambu, além de vocalizações em forma de
cantos, assobios e gritos inspirados em sons de animais.
Atualmente, encontra-se a prática do Toré na maior parte das comunidades indígenas do Nordeste. Cada
grupo pode ter uma forma própria de praticá-lo, apresentando variações de ritmos, cantos, usos e funções.
Os indígenas podem se vestir com saias feitas de palha, cocares, pulseiras, colares e utilizar pinturas corporais.
A prática do Toré remete a alguns elementos ritualísticos encontrados em cerimônias tupis registradas
nos séculos XVI e XVII, como o uso dos maracás, as batidas de pé no chão em uma dança circular, os gritos e
a forma de cantar. Porém essa prática também teve influência de outras culturas dessa região do país. Com
a intensificação do processo de urbanização do Brasil a partir do século XX e a crescente utilização de terras
em áreas rurais para a produção agropecuária e atividades de mineração, houve um grande aumento do
contato dos povos indígenas com a população não indígena. Esse contato interferiu sobre os modos de vidas
daqueles povos, com algumas modificações em suas identidades culturais.
A prática do Toré tem sido uma das principais formas de construção de identidade indígena e de
afirmação dessas culturas na região Nordeste, sendo ensinada até mesmo entre indígenas de diferentes
comunidades. O Toré ajuda a construir um sentimento de pertencimento a uma ancestralidade indígena,
em meio ao sincretismo cultural a que esses povos foram expostos a partir da colonização no Brasil. Além
disso, a prática do Toré no Nordeste já foi utilizada como comprovação da origem indígena para integrantes
de comunidades em luta política pela demarcação de terras. Esses indígenas deveriam, entre outras coisas,
realizar a prática do Toré na presença de agentes governamentais, comprovando assim que pertenciam à
cultura indígena e que teriam direito às terras demarcadas.
NIELS ANDREAS/ ESTADÃO CONTEÚDO

Sincretismo cultural: mistura de


elementos de culturas diferentes,
podendo formar uma nova ex-
pressão cultural. Essa nova expres-
são, apesar de se diferenciar, man-
tém características das expressões
originais. Na cultura brasileira, são
várias as expressões originadas
da mistura entre as culturas euro-
peias, indígenas e africanas.

Foto de índios da tribo Pankararu, que


moram na favela Real Parque, dançando
o Toré em São Paulo (SP). Eles fizeram
um CD com os cantos desse ritual.
Foto de 7 julho de 2007.

270 CAPÍTULO 17 | Música para Imaginar e Experimentar o Mundo


A prática do Toré existe em localidades e comunidades do Ceará, da
Paraíba e do Sertão do Rio São Francisco, entre outros. E são muitos os povos
indígenas que praticam o Toré, como os Tapeba, os Jenipapo-Kanindé, os
Potiguara, os Tumbalalá, os Kariri-Xocó, os Kiriri, os Kaimbé e os Kapinawá. Em
Pernambuco, os Kambiwá, os Pakararu, os Truká e os Truxá entoam os cânticos
em português, misturados com algumas palavras de suas línguas de origem,
que já não existem mais. Já os Fulni-ô ainda mantêm viva a sua língua nativa, a
Yaathe. Para eles, a identidade e a origem do índio vêm de sua linguagem.
O músico Leonardo Campos Mendes da Cunha estudou a prática do Toré
realizada por índios Kariri-Xocó que vivem na região metropolitana de Salvador.
Leia a seguir um trecho extraído de sua dissertação de mestrado que aborda
aspectos ligados ao canto do Toré praticado por esses indígenas:

As vozes do canto de Toré kariri-xocó sofrem influência do contingente numérico de índios dispo-
níveis nas apresentações dos grupos de Toré. Normalmente são dois homens que “tiram” o toré, consi-
derados mestres de Toré. Eles podem combinar ou “deixar a inspiração” decidir qual canto será tirado.
Tentam “casar” as vozes, de acordo com a tessitura de cada cantor. Dessa forma, não há uma altura de-
finida para puxar o canto. Pode-se observar em muitas ocasiões a mudança da altura de referência para
uma melhor adequação com o timbre e extensão de cada cantor, também visando uma melhor expressão
para o sentido dado a cada Toré em determinado contexto. O resto do grupo “responde” aos tiradores
em coro de dois, três e até quatro vozes, neste último caso quando há presença de vozes femininas, po-
dendo então ultrapassar o âmbito de uma oitava. [...]
Outra característica importante das vozes está na emissão, pelos índios que fazem coro responden-
do aos tiradores, de gritos, assovios, ataques vocais e imitações de sons da natureza ou de animais. [...]
Normalmente, o primeiro tirador, aquele que “puxa” o canto, também é quem define a pulsação ini-
cial tocando o maracá, acompanhado pelo maracá de seu parceiro e logo depois pelos outros do grupo.
Não há um limite para o número de maracás. A percepção rítmica é influenciada pelo diálogo entre
maracás, pisadas, canto e gritos. Muitas vezes o grito entra no contratempo da pisada ou deslocado, fa-
zendo com que o ritmo se acelere, a depender da intensidade e acentuação. Essa mudança se incorpora
assim que o maracá define o novo pulso.
A pisada se faz alternando os pés, coincidindo o pulso com o do maracá, mas podendo sofrer algu-
mas variações de acentuação e intensidade. [...]
CUNHA, Leonardo Campos Mendes. Toré – da aldeia para a cidade: música e territorialidade indígena na Grande Salvador. Dissertação de Mestrado em Música.
Escola de Música, UFBA, Salvador, 2008. p. 139, 140 e 142. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/
bitstream/ri/9106/1/Dissertacao%2520Leonardo%2520da%2520Cunha%2520seg.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2016.

Tessitura: parte da extensão de uma voz ou instrumento mais utilizada em uma música.
Extensão: o termo, quando aplicado à voz, se refere à gama de sons que o cantor consegue emitir, desde o mais grave até o
mais agudo. A extensão varia para cada pessoa, se deve à sua conformação física e pode ser ampliada com treinamento vocal.
Ataques vocais: no texto, a expressão se refere a sons emitidos vocalmente por meio de gritos e movimentos bruscos com as
pregas vocais.

Música para Imaginar e Experimentar o Mundo | CAPÍTULO 17 271


Organize as apresentações dos trabalhos de modo que colegas de outras turmas possam conhecer os resultados da pesquisa. Estimule
os estudantes a buscar arquivos sonoros relacionados às manifestações musicais dos povos indígenas estudados.

Arte e Geografia

A Amazônia Legal é uma área que englo- Domínio Amazônico e Amazônia Legal (2015)
ba a totalidade de oito estados (Acre, Amapá, G2015_GEO1_C11_M116
50º O

ALLMAPS
Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, VENEZUELA OCEANO
ATLÂNTICO
GUIANA
Roraima e Tocantins) e parte do Estado do COLÔMBIA
Guiana Francesa (FRA)
SURINAME

Maranhão. Nela estão mais de 94% das terras RORAIMA


AMAPÁ
Equador
indígenas brasileiras, em extensão. 50º O

VENEZUELA OCEANO
EQUADOR
Pesquise na internet ou na biblioteca de
ATLÂNTICO
GUIANA
Guiana Francesa (FRA)
COLÔMBIA
SURINAME

RORAIMA

sua escola povos indígenas que residem na


AMAPÁ
AMAZONAS
Equador
PARÁ MARANHÃO
EQUADOR

Amazônia Legal. Escolha um deles e identifi- AMAZONAS PARÁ MARANHÃO


PIAUÍ

PIAUÍ

que o nome, o estado em que vive e a língua PERU ACRE

OCEANO
PERU
RONDÔNIA
ACRE
RONDÔNIA
MATO GROSSO
MATO GROSSO
TOCANTINS
TOCANTINS

BAHIA
OCEANO PACÍFICO BAHIA
nativa. Depois, selecione uma manifestação PACÍFICO BOLÍVIA
GOIÁS
DF

MINAS

musical desse povo, anote suas principais ca-


GERAIS
MATO GROSSO

BOLÍVIA
DO SUL
DF
Domínio Amazônico
0 315 630 km
CHILE PARAGUAI
GOIÁS
Amazônia Legal

racterísticas e descreva para os colegas. MINAS


io Limite estadual
e Capricórn
Trópico d ARGENTINA Limite internacional GERAIS
MATO GROSSO
DO SUL

Domínio Amazônico
ALMANAQUE Brasil Socioambiental. São Paulo: ISA, 2007. 0 315 630 km
CHILE PARAGUAI
Amazônia Legal

p. 84. IBGE. Amazônia Legal. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge. T pico d


ró e Capricórn
io Limite estadual
ARGENTINA Limite internacional
gov.br/organizacao_territorial/amazonia_
legal/amazonia_legal_2014.pdf>. Acesso em: 8 dez. 2015. Mapa do Domínio Amazônico e Amazônia Legal (2015).

Pesquise sobre a existência de comunidades tradicionais próximas à região onde você vive. Informe-
-se sobre quais são os rituais dessa comunidade que envolvam música e dança e em que contexto cultural
eles são praticados. Se você fizer parte de alguma comunidade tradicional, seu relato pessoal também
poderá ser importante para a turma. Depois, o resultado da pesquisa poderá ser compartilhado com o
restante da turma em forma de conversa ou seminário. O objetivo aqui é dar visibilidade e valor às manifestações po-
pulares locais, auxiliando os estudantes a reconhecer as variadas formas em que a música pode se apresentar nas culturas brasileiras.

Ao estudar o Toré dos povos indígenas do Nordeste, é possível perceber que


as culturas indígenas são, em maior ou menor grau, influenciadas pelas culturas Disponível em: <www2.
dos povos não indígenas com quem se relacionam. A contribuição indígena na camara.leg.br/camaranoticias/
tv/materias/CAMARA-
construção da música brasileira é pouco reconhecida o que, de certa forma, revela LIGADA/420825-CAMARA-
a dificuldade presente no Brasil de reconhecer os índios do país como brasileiros. LIGADA-DISCUTE-
DESENVOLVIMENTO-
O fato é que essas trocas culturais entre os povos indígenas e não indígenas estão SUSTENTAVEL-(BL.1).html>.
na base da formação da cultura brasileira e continua a ocorrer nos dias de hoje. Acesso em: 22 fev. 2016.

Um exemplo das influências que povos indígenas do Brasil recebem de Assista ao programa
“Câmara ligada”, que
outras culturas do país é a música do Brô MC’s, grupo de rap formado por jovens apresentou um debate sobre
de reservas indígenas situadas no estado de Mato Grosso do Sul, onde vivem desenvolvimento sustentável
com a presença dos Brô MC’s.
cerca de 15 mil famílias das etnias Terena, Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

272 CAPÍTULO 17 | Música para Imaginar e Experimentar o Mundo


GOLDEMBERG FONSECA

Foto dos integrantes do Brô MC’s,


primeiro grupo de rap indígena do
Brasil, formado em 2009 por quatro
jovens das aldeias Jaguapiru e Bororó,
em Dourados (MS). Suas músicas,
cantadas em guarani e português,
defendem os valores indígenas e fazem
denúncias. Foto de 2012.

Assim como na música dos Racionais estudada na Unidade 2, as letras


dos raps cantados pelo Brô MC’s, em uma mistura das línguas Guarani e
Português, tratam de pobreza e violência. Os integrantes do Brô MC’s se
apropriaram da cultura do hip-hop para denunciar a triste realidade em que
vivem os povos indígenas remanescentes do Brasil: mortes em conflitos com
fazendeiros por posse de terras, envolvimento dos jovens com o uso de
drogas, exclusão social e invisibilidade cultural.
Leia a seguir um trecho da letra do rap “Tupã” do Brô MC’s.

Tupã

Aldeia, a vida mais parece uma teia


que te prende e te isola, não quero tua esmola
nem a sua dó, minha terra não é pó
meu ouro é o barro onde piso, onde planto
e que suja seu sapato quando vem na reserva fazer turismo
pesquisar e tentar entender o porquê do suicídio [...]
BRÔ MC’s. Tupã. MARIA, Júlio. MC’s Guaranis. In: RICARDO Beto; RICARDO, Fany. (Edit.).
Povos indígenas no Brasil 2006/2010. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2011. p. 152.

O rap do Brô MC’s é, ao mesmo tempo, símbolo de uma identidade


indígena contemporânea, que recebe influências de outras culturas, e também
instrumento de crítica social e de conscientização sobre a realidade. Em entrevista
ao jornal Estado de S. Paulo, em maio de 2011, Bruno Verón, integrante do
grupo, disse: “Eu não pensava nessas coisas antes do rap. Ele que me fez ver
nossa situação.” Os jovens integrantes do Brô MC’s se identificaram com uma
cultura juvenil planetária, o hip-hop, que os despertaram para seus problemas
locais: as dificuldades vividas pelos povos indígenas no Brasil.

Música para Imaginar e Experimentar o Mundo | CAPÍTULO 17 273


Nos dois exemplos, a música indígena não deve ser entendida dentro dos modelos da canção comercial a que muitos podem estar
acostumados, mas como parte de um ritual e de um modo de viver que envolve sociabilidades particulares e afirmação de identidades.

Agora, realize uma atividade de apreciação musical, ouvindo duas Objetivos


gravações de cantos indígenas.  Apreciar musicalmente
18
cantos indígenas.
1. Ouça na faixa 18 do CD de áudio o fragmento de um canto de Toré,  Perceber pulsação
executado pelo povo indígena Kariri-Xocó, de Alagoas. Com a ajuda musical, sons de
diferentes alturas e
do professor, identifique a marcação da pulsação que é feita pelo
repetição melódica.
maracá, o caráter repetitivo da canção, os gritos e assovios que
19
ocorrem durante sua execução.
2. Agora, ouça na faixa 19 do CD de áudio o canto das meninas do povo Maxakali, da Aldeia Verde,
em Minas Gerais. Com o auxílio do professor, perceba o caráter repetitivo da canção e o som
gutural que as meninas fazem com a voz quando cantam as notas mais graves da melodia.
Após ouvir as duas canções e identificar os aspectos sonoros citados, compartilhe com os colegas
suas opiniões sobre o que acabaram de ouvir.

Neste capítulo, você estudou o Turé dos povos indígenas do Oiapoque e o Toré dos povos indígenas
do Nordeste brasileiro, manifestações ligadas a festas e rituais desses povos. Foi possível observar como
essas práticas musicais dançadas se aliam à festividade e à religiosidade, sendo uma forma desses povos
reconhecerem e reinventarem sua identidade. A multiculturalidade é uma das características das culturas
brasileiras que se evidenciou, por exemplo, na música do Brô MC’s, que mistura a musicalidade do rap aos
idiomas português e guarani, denunciando a situação de precariedade das aldeias e dos povos indígenas
no Brasil contemporâneo.

RODA DE CONVERSA
Converse com o professor e os colegas sobre a ideia da existência de uma cultura “autêntica”, sem
trocas ou influências de outras culturas.
 Após os estudos apresentados neste capítulo, é possível afirmar que exista uma única cultura
brasileira, verdadeiramente “autêntica”?
O objetivo da reflexão proposta é instigar o estudante e reforçar o caráter multicultural da sociedade brasileira e suas múl-

tiplas fontes e interconexões, além de o ajudar a quebrar juízos preestabelecidos sobre o que é arte ou cultura autêntica.

274 CAPÍTULO 17 | Música para Imaginar e Experimentar o Mundo


A VISUALIDADE DAS

8
Conteúdos

ARTES INDÍGENAS
§ Os diferentes
tipos de produção
artística dos povos

BRASILEIRAS
indígenas brasileiros
§ O índio no Brasil
contemporâneo

Que é arte índia? Com esta expressão designamos certas criações conformadas pelos índios de
acordo com padrões prescritos, geralmente para servir a usos práticos, mas buscando alcançar a
perfeição. Não todas elas, naturalmente, mas aquelas entre todas que alcançam tão alto grau de
rigor formal e de beleza que se destacam das demais como objetos dotados de valor estético. Neste
caso, a expressão estética indica certo grau de satisfação dessa indefinível vontade de beleza que
comove e alenta aos homens como uma necessidade e um gozo profundamente arraigados.
Darcy Ribeiro.

RENATO SOARES/ PULSAR IMAGENS

Foto de mulher indígena da etnia Kayapó, da aldeia Moykarakô, pintando figura geométrica em tecido, em São Félix do Xingu (PA). Foto de 2015.

Na Unidade anterior, foram abordadas propostas artísticas realizadas fora do ambiente institucional. O foco
da reflexão esteve na arte de rua, do cotidiano, seja no trajeto para a escola ou em um passeio de fim de semana.
Foi possível observar que os artistas deslocaram seu fazer artístico para locais inusitados. Agora, serão exploradas as
práticas e os fazeres de povos indígenas do Brasil, que reúnem uma variada gama de gêneros artísticos, como,

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 275


arte lítica (termo usado para designar objetos feitos de pedra), trançados e tecidos, cerâmica, artes do corpo, pin-
tura, adornos, arranjos de decoro, arte plumária e máscaras.
Será possível perceber como os povos aqui estudados possuem suas expressão artísticas muito próximas às suas
práticas cotidianas, diferentemente da perspectiva de arte institucionalizada que isola os objetos em museus e gale-
rias de arte. Será conhecida uma ampla variedade de produções, desde os objetos e utensílios de uso mais prático e
que auxiliam na realização de tarefas como caçar e pescar, aos de uso especial, W.PULSARIMA
GENS.COM.BR
S  HTTP://WW
PULSAR IMAGEN
caso das máscaras e vestimentas, fundamentais para a realização de
alguns rituais. Outra questão interessante será notar a presença
de certos padrões visuais, ou seja, combinações de imagens
e formas que são repetidas e passam a compor a identida-
de de determinado grupo indígena, sendo representativas de
sua própria visualidade. Essas imagens serão percebidas também nas
pinturas corporais realizadas pelos grupos indígenas.
Foto de banco zoomorfo feito de
A imagem ao lado apresenta um banco que faz parte do acervo
madeira por índios Mehinako,
do Memorial da América Latina, em São Paulo (SP), e, apesar de ter sido criado habitantes da região do Alto Xingu, em
para um uso prático (sentar-se), é possível perceber a intenção de alcançar re- Mato Grosso, que faz parte do acervo de
arte indígena do Memorial da América
quinte e perfeição, distinguindo-o dos demais bancos. Esse objeto apresenta Latina, em São Paulo (SP). Foto de
maior grau de beleza e apuro técnico do que seria efetivamente necessário dezembro de 2005.
para o cumprimento de sua função original. Estimule os estudantes a observar a imagem e ler a legenda com atenção.
Depois, pergunte a eles se consideram esse objeto como arte ou não. Oriente-os a justificar suas respostas. Se julgar interes-
sante, organize um debate em sala sobre o assunto.
RODA DE CONVERSA
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
A fotografia da abertura deste capítulo mostra um grafismo, desenho geométrico que compõe os
objetos e as pinturas corporais realizadas pelos indígenas Kayapó, assim como os dois padrões repro-
duzidos a seguir.
Observe-os com atenção e identifique as características de cada um. Depois, compare as duas ima-
gens abaixo e faça uma descrição delas buscando aspectos comuns e/ou diferenças. Em seguida, con-
verse com o professor e os colegas.
RENATO SOARES/ PULSAR IMAGENS

RENATO SOARES/ PULSAR IMAGENS

Fotos de grafismos indígenas da etnia Kayapó, feitos sobre tecidos. Aldeia Moykarako, São Félix do Xingu (PA). Foto de 2015.

276 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


Arte, artesanato

FABIO COLOMBINI
e artes indígenas
A compreensão de arte indígena
tem interessado a pesquisadores de dife-
rentes áreas como antropólogos e histo-
riadores da arte. A dificuldade reside na
tentativa de definir objetos com concei-
tos formulados externamente a essas cul-
turas, caso do próprio conceito de arte
constituído na Europa ocidental. Para compreender essas questões, é neces- Foto mostra a realização de pintura
corporal dos Barasana, que vivem às
sário apresentar como o conceito de arte europeu foi estabelecido em opo-
margens do Rio Uaupés, em Manaus
sição ao de artesanato. O termo de origem latina ars, formulado no século (AM). Foto de setembro de 2014.
XI, designava um conjunto de atividades ligadas à técnica e à realização de
tarefas essencialmente manuais. Desse termo deriva tanto o conceito de ar-
tista como de artesão.
Como bem esclarece Marc Jimenez em seu livro O que é estética?, a ideia
de um “sujeito criador autônomo” surge no final do século XV. Essa distinção
é importante, tendo em vista que o artista passa a gozar de um status social
mais elevado que o do artesão, pois, como explica o mesmo autor, pintores
e escultores, entre os séculos XIV e XV, aproximam suas produções do saber
científico, o que fazia com que as ações de pintar e esculpir não estivessem
mais associadas às habilidades de um artesão, sendo vistas como atividades
Disponível em: <www.
intelectuais que repousavam sobre faculdades e aptidões não provenientes indioeduca.org/>. Acesso
em: 11 jan. 2016.
do ofício. Exemplo do pintor, escultor, músico e arquiteto Leon Battista Alberti
“Índio Educa” é um projeto
(1404-1472) que atribuía grande importância ao estudo da matemática para os que divulga, principalmente
interessados em pintura e escultura. (As relações entre Arte e Matemática se- via internet, conteúdos
produzidos pelos povos
rão aprofundadas no capítulo 20). Por sua vez, o artesão passa a ser responsá- indígenas, incluindo
vel pela produção de objetos funcionais e em série, como espadas, mesas e histórias, cultura e outros
temas variados. O objetivo
cadeiras. O valor de sua produção está na capacidade de produzir uma mesa é oferecer informações pela
resistente e durável, por exemplo. Ao artista cabe a produção de objetos ori- perspectiva do índio como
sujeito narrador. O projeto é
ginais, únicos, sem uma função prática no cotidiano e que sejam capazes de apoiado pela ONG THYDÉWÁ.
provocar emoções, elevar o espírito e deleitar. Essas diferenciações estabe- Outro aliado do projeto é
o Pontão de Cultura Viva:
leciam também uma escala de valor financeiro: enquanto uma obra de arte Esperança da Terra, parceria
poderia alcançar cifras astronômicas, um objeto de artesanato poderia ser fa- entre a ONG Thydêwá e
o Ministério da Cultura.
cilmente comprado nas feiras de diversas cidades.
É necessário esclarecer que essas distinções (entre artista e artesão) são didáticas, tendo em vista que é possível encontrar muitas
obras de artesanato que são feitas com grande criatividade e originalidade também.
A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 277
Patrimônio imaterial e a arte indígena

O Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé) desenvolve ações educativas com as
comunidades indígenas localizadas no Amapá e norte do Pará, com o objetivo de preservar e valorizar os
patrimônios culturais imateriais dessas comunidades, ou seja, suas formas de expressão, modos de fazer,
viver e criar. A importância da preservação dessas práticas imateriais está prevista nos artigos 215 e 216 da
Constituição Federal de 1988 e fica a cargo tanto do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPI/IPHAN) quanto do Centro Nacional de Cultura Popular
(CNP), entretanto, é fundamental que essas práticas e ações de intervenção nessas comunidades sejam fei-
tas com a participação e apoio delas.
O projeto “Valorização e gestão de patrimônios culturais indígenas” procura desenvolver um equilíbrio
nas relações estabelecidas entre os indígenas dos grupos Tiriyó, Katxuyana, Aparai, Wayana, Wajãpi, Galibi
do Oiapoque, Karipuna, Galibi-Marworno e Palikur e os sistemas sociais, econômicos e políticos de seus
estados e país, evitando que as práticas, os conhecimentos e os costumes indígenas sejam apagados em
detrimento da adoção de procedimentos contemporâneos.
Uma das principais dificuldades, como registrado no livro Patrimônio cultural imaterial e povos indígenas
– exemplos no Amapá e norte do Pará de 2006, está em manter o interesse dos indígenas mais jovens nos
conhecimentos dos mais velhos, que, ao deixar de aprendê-los, interrompem o processo de transmissão
e renovação desses saberes. Veja informações na Assessoria Pedagógica.

Agora você irá conhecer um pouco mais sobre algumas práticas

MARIO FRIEDLANDER/ PULSAR IMAGENS


simbólicas e fazeres artísticos de povos indígenas.
Os adornos são objetos produzidos pelos indígenas para de-
corar o corpo. Podem ser colares, pulseiras, tangas e apresentam os
mais diferentes materiais, como miçangas, plumas, sementes, peda-
ços de ossos, conchas, que variam conforme a disponibilidade da re-
gião ocupada pelos indígenas.
Esses objetos, além de servirem de adorno, podem ter funções
específicas dentro da comunidade e mesmo de um ritual, ao desta-
car a virilidade de um chefe do sexo masculino. Esses arranjos são
diferenciados como arranjos de decoro e são utilizados tanto na
genitália masculina quanto feminina. O próprio corpo é usado com
frequência como suporte, tanto para a pintura como para os ador-
nos. As pinturas são realizadas como forma de reconhecimento e
como aspecto de diferenciação. Entre os materiais utilizados, têm-se
o urucum (vermelho), cujas sementes maduras são usadas associadas
a óleos de origem vegetal, facilitando a aplicação no corpo e contri-
Foto de colar de penas dos índios Boe Bororo,
buindo para o efeito brilhante; o suco de jenipapo (negro esverdea- da aldeia Meruri, usado em rituais, em General
do), aplicado diretamente sobre a pele; e a tabatinga (branco). Carneiro (MT). Foto de maio de 2015.

278 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


A respeito dos grafismos Kayapó, se necessário, retome a seção “Roda de conversa” do início deste capítulo e observe novamente
as imagens.
Entre os Asurini, as pinturas corporais se-
guem determinados padrões, que podem ser
geométricos ou não. Os grafismos são práticas
exclusivas das mulheres.
O alto grau de geometrização desses desenhos
é considerado uma característica distintiva desse
povo. Esses desenhos podem se referir a três diferen-
tes domínios: o sobrenatural, a cultura ou a natureza,
podendo ser aplicados sobre potes de cerâmica, ca-

ROGÉRIO REIS/ PULSAR IMAGENS


baças recortadas (cuias) e sobre o próprio corpo hu-
mano. Quando feitos nos corpos, as configurações
observadas são resultantes do sexo, da idade e da ati-
vidade executada pela pessoa dentro da aldeia.
No conjunto de padrões dos Asurini, é possí-
vel destacar o padrão Tayngava, interpretado pela
antropóloga como a imagem do ser humano, por Foto de cerâmica do povo Asurini, do médio rio Xingu, próximo do
ser a combinação da palavra ayngava, que signifi- município de Altamira (PA). Foto de junho de 2009.
ca réplica, medida ou imagem, acrescida ao prefixo
“T”, forma gramatical que indica possuidor humano.
No artigo “Arte, Arte indígena, Arte Borum/

WWW.INDIOEDUCA.ORG
Krenak: os imbricados caminhos para a com-
preensão da arte”, a pesquisadora Edileila Portes
afirma, a partir das informações obtidas com o bo-
rum Itchó-Ittchó (Líder Borum do grupo Athorãn/
Krenak), que grande parcela dos desenhos Borum
possuem como temática os Maret (espíritos de
borum já falecidos). Os outros possuem inspira-
ção proveniente das formas presentes na natu-
reza, elementos que segundo a crença dos indí-
genas, encontram-se em sintonia com a vida e
valores do povo. Nesse sentido, os elementos de
inspiração dos indígenas, as formas, as linhas, os
pontos, os detalhes inspirados na natureza con-
formam padrões, trabalhados geometricamente
no espaço e “são exatamente esses padrões, es-
sas estruturas que caracterizam os desenhos mais
tradicionais dos borum, que revelam sentidos
particulares, que evidenciam o ‘Cosmos’: a terra, o
céu, as plantas, os animais, os homens, os espíritos Foto de pintura corporal, feita de jenipapo pelos indígenas da etnia
para constituírem a arte” (p. 97). Kayapó, que estão localizados nos estados do Mato Grosso e Pará.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 279


Também utilizada como adorno, é possível encontrar a arte plumária
3
(vide figura 1) que, como o próprio nome indica, é realizada a partir de plu-
mas de aves. Outro uso possível seria como integrante em ferramentas, e

ONG FORÇA VERDE


pode aparecer também em alguns rituais.
O rosto é uma parte do corpo que recebe atenção especial entre o con-
junto de artes produzidas pelos povos indígenas, caso das máscaras (vide fi-
gura 2) feitas para serem usadas em rituais e que possuem configuração dire-
tamente relacionada ao tipo de ritual no qual será utilizada. Compreendidas
em seu contexto cultural, as máscaras têm como propósito encarnar o má-
gico e o misterioso.
As artes líticas (vide figura 3) foram inicialmente responsáveis por de-
signar a produção do conjunto instrumental utilizado pelos indígenas em Foto de fragmento de machadinha de
pedra com cerca de 5 cm × 11,5 cm,
contextos de guerra, pesca e/ou caça; o ponto comum entre esses utensí- encontrado em 2004, em sítio arqueológico
lios reside em seu material de conformação parcial ou completo – a pedra, dos índios Puris Coroados. A formação
desse sítio arqueológico, localizado na zona
que no caso poderia aparecer em pontas de flechas e de arpões ou em ta- rural de Manhumirim (MG), é anterior à
manhos maiores como em machados. chegada dos europeus à América.

2
CASSANDRA CURY/ PULSAR IMAGENS

LUIS SALVATORE/ PULSAR IMAGENS

Foto de mulher indígena curandeira do povo Guarani Kaiowá,


em frente à oca de orações e cura denominada Kunhã Geguak,
usando uma coifa (adorno de cabelo usado pelas mulheres Foto de indígena de etnia Kayapó participando de ritual com máscara feita de
como uma touca), em Dourados (MS). Foto de janeiro de 2015. fibras. Aldeia multiétnica em Alto Paraíso de Goiás (GO). Foto de julho de 2014.

280 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


Entretanto, atualmente, há poucos registros disponíveis desses mate-

MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA/ UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


riais, uma vez que o contato com civilizações não indígenas e, consequen-
temente, com a ferramentaria de tais civilizações, levou quase ao completo
desaparecimento da prática lítica pelos indígenas.
A prática da cerâmica é amplamente identificada nas comunidades
indígenas. É possível mapear suas produções nas aldeias da Ilha de Marajó
(localizada no estado do Pará e cercada pelo oceano Atlântico e pelos rios
Amazonas e Tocantins) e pelos Kadiwéu, que, atualmente, ocupam as ter-
ras no município de Porto Moltinho, no Mato Grosso do Sul. As cerâmicas
são produzidas a partir da modelagem do barro e podem se apresentar
em urnas funerárias, vasos e outros objetos.
As peças podem ser recobertas por pigmentos naturais que reproduzem
padrões característicos de cada povo, ou em estado cru, que, por vezes, apa-
rece com pequenas incisões produzidas por materiais pontiagudos que re-
cobrem a superfície e oferecem novas visualidades, ou seja, novas con-
formações, feitas diretamente sobre a superfície do material, que passa
a ser composta pelas marcas deixadas pela ferramenta, como na ima-
gem ao lado, na qual é possível perceber as pequenas impressões cir-
culares que parecem formar a vestimenta da figura.
Um exemplo interessante que demonstra a capacidade indígena
de apropriar-se de elementos naturais que fazem parte do seu ambiente
são os trançados e tecidos, feitos a partir de matéria-prima variável entre
palmas, cipós, talas e fibras. Essas fibras produzirão as cordas e barbantes
Foto de licocó com
que irão formar peneiras, abanos, esteiras, faixas, redes, tipoias, cordas e cestos. tanga de liber, feita
de barro com incisões,
pigmentos naturais,
RENATO SOARES/ PULSAR IMAGENS

palha e cera de abelha,


pelos Karajá (ocupantes
das margens do rio
Araguaia nos estados
de Goiás, Tocantins e
Mato Grosso).
Dimensões: 22,3 cm ×
9,3 cm × 82 cm.

Foto de cestos de fibras trançadas feitos pelos índios da etnia Wajãpi, que vivem na região dos rios
Araguari, Oiapoque e Jari, no Amapá. Acervo Memorial da América Latina, São Paulo (SP). Foto de 2008.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 281


Leia um texto sobre o grafismo indígena obser- Objetivo
vado nas produções utilitárias e nas pinturas corpo- § Pesquisar e compreender o processo de realização
do grafismo na cultura indígena trabalhando suas
rais praticadas por eles. possibilidades de combinação e criação individual.

O grafismo indígena

O grafismo dos grupos indígenas sempre chamou a atenção de cronistas e viajantes, desde a
chegada dos primeiros europeus ao Brasil. Além da beleza dos desenhos, o que surpreendia os não
índios era a insistência da presença desses grafismos. Os índios sempre pintavam o próprio corpo e
também decoravam suas peças utilitárias.
No entanto, durante muito tempo essas pinturas foram pouco estudadas pelos europeus. Eram
consideradas apenas uma atividade lúdica, sem maiores significados dentro da cultura indígena a
não ser o mero prazer da decoração. Há algumas décadas, estudiosos perceberam que o grafismo
dos povos indígenas ultrapassa o desejo da beleza, trata-se sim, de um código de comunicação com-
plexo, que exprime a concepção que um grupo indígena tem sobre um indivíduo e suas relações com
os outros índios, com os espíritos, com o meio onde vive [...]
Iandé – Casa das Culturas Indígenas. Disponível em: <www.iande.art.br/boletim010.htm>. Acesso em: 11 jan. 2016.

A seguir, serão apresentados os procedimentos para a pintura ou desenho em uma folha


Queiroz avulsa a par-
G18_EM_ARTE_C18_I01:
Cibele

tir de grafismos indígenas encontrados em objetos e utensílios, bem como na pintura corporal de povos
indígenas brasileiros. Trata-se de um estudo prático. Para isso, pesquise vários tipos de grafismos indígenas e leve
imagens para a sala de aula que servirão de inspiração para 2
Materiais os alunos. Você pode trabalhar com diversos
suportes, como argila, papel etc. É fundamen-
§ papel kraft;
tal que a atividade se torne uma forma prática
§ tinta guache, giz de cera, caneta hidrocor etc.
de aproximar-se da arte indígena.
Instruções
1
1. Observe as imagens ao lado.
2. Desenhe ou pinte o papel kraft, ou parte dele,
a partir das imagens coletadas.
3. Depois de pronto, exiba seu trabalho em um
mural com todos os trabalhos dos colegas. O
RENATO SOARES/ PULSAR IMAGENS

importante é que, ao lado da sua produção, ve-


nham também as imagens de motivos indíge-
nas que te inspiraram com uma breve legenda
sobre a nação indígena correspondente.
A escolha dos materiais para a decoração deve ser feita conforme a disponibilidade dos estudantes, do professor e da própria
escola. Podem também ser utilizadas tintas acrílicas, giz pastel etc.
1. Foto de cesto produzido pelos Aparai-wayana da aldeia Bona na Serra do Tumucumaque (AP). Entre os vários padrões utilizados por eles, está o
desenho que representa o quatipuru (esquilo) roendo sementes. Foto de 2015.
2. Ilustração feita a partir do grafismo presente no cesto produzido pelos Aparai-wayana.
Com o objetivo de contribuir para uma visão mais ampliada das práticas indígenas, saindo da caracterização que poderia iden-
tificá-la como ingênua ou simplória, leia o livro VIDAL, Lux (Org.). Grafismo Indígena: estudos de antropologia estética. 2. ed. São
Paulo: Studio Nobel/ FAPESP, 2000.

282 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


Almires Martins é indígena do povo guarani. Foi boia-fria, cortador
de cana, trabalhou na fundação Curro Velho e na Secretaria de Meio
Ambiente (Sema), em Belém, onde conheceu Armando Queiroz,
que realizava uma pesquisa sobre estigmas históricos do contex-
to amazônico. Do encontro nasceu o vídeo Ymá Nhandehetama,
que significa “antigamente fomos muitos”.
Leia a seguir parte do depoimento de Almires Martins:

Nós sempre fomos invisíveis. O povo indígena, os povos


indígenas, sempre foram invisíveis para o mundo. Aquele ser ÃO

humano que passa fome, que passa sede, que é massacrado, perse- RE
PR
OD

guido, morto lá na floresta, nas estradas, nas aldeias. Esse não existe.
Para o mundo aqui fora existe aquele indígena exótico: o que usa cocar, Fotograma do vídeo Ymá
colar, que dança, que canta. Coisa para turista ver. Mas aquele outro que Nhandehetama, com imagem de
Almires Martins, indígena do povo
está lá na aldeia, esse sofre de uma doença que é a doença de ser invisível. guarani.
De desaparecer. Ele quase não é visto. Tanto para o mundo do Direito,
principalmente para o mundo do Direito, como ser humano. Ele desaparece. Ele se afoga nesse mar
de burocracia, no mar de teorias da academia, ele é afogado no meio das palavras. Quando a acade-
mia, os estudiosos, entendem mais de indígena, de índio, que o próprio índio. Ele é invisibilizado
pela própria academia […]
MARTINS, Almires. Ymá Nhandehetama (texto transcrito do vídeo exibido na 31-ª Bienal de São Paulo).
Disponível em: <http://alice.ces.uc.pt/news/?p=4203>. Acesso em: 23 fev. 2016.

 Analise a transcrição acima e reflita sobre as questões tratadas, principalmente sobre a disparida-
de entre a realidade do indígena exposta no depoimento e a “realidade” veiculada sobre os indí-
genas. Depois, escreva como você percebe o indígena, pesquise sobre os direitos dos povos indí-
genas no Brasil e compartilhe com os colegas e o professor.
Oriente os estudantes a pensar sobre essas diferentes formas de veiculação da imagem do índio e como isso se apresenta

na visão construída em torno dele pela sociedade. Incentive-os a relacionarem a questão dos direitos do índio no Brasil e

a realidade exposta no depoimento.

Ymá Nhandehetama, direção de Armando Queiroz. Disponível em: <http://www.31bienal.org.br/pt/post/1343>.


Acesso em: 23 fev. 2016. (9 min.)
Vídeo exibido na 31ª- Bienal de São Paulo, feito em parceria de Armando Queiroz e Almires Martins, indígena do povo guarani,
que foi cortador de cana. No depoimento, Almires Martins discorre sobre qual o real lugar do indígena – longe das imagens
vendidas pela mídia –, na sociedade brasileira.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 283


Neste capítulo, você conheceu diferentes tipos de arte indígena e o uso de materiais naturais pelos indí-
genas para a confecção de seus objetos de decoração, utensílios e para pintura, seja no corpo ou em outros
suportes, verificando que expressão artística e uso prático podem caminhar juntos. Também conheceu um
pouco sobre os grafismos dos grupos indígenas.

RODA DE CONVERSA
No decorrer deste capítulo foram vistos objetos produzidos pelos povos indígenas; alguns estão atual-
mente em acervos de museus distribuídos por todo o Brasil. Entretanto, algumas aldeias possuem objetos
destinados ao comércio.
 Pense sobre a inserção de objetos provenientes da cultura indígena na indústria de consumo,
seja diretamente, por meio dos objetos, ou por meio da apropriação de símbolos ou grafismos
provenientes desses povos. Reflita sobre esse processo e quais os possíveis reflexos dessa incor-
poração para os povos indígenas.
Conduza os estudantes a refletir sobre a incorporação da cultura indígena em meios como o mercado de consumo, ou seja,

em como a cultura pode se transformar em puro comércio e ser praticada somente por interesses financeiros. Entretanto,

é igualmente importante explorar o lado positivo da situação, que dependendo da como é conduzida, pode trazer bene-

fícios aos produtores indígenas e reconhecimento para o saber associado à prática. Outro ponto possível de discussão é

fazê-los pensar sobre as roupas, sapatos, móveis entre outros objetos já vendidos, ou atualmente em circulação, que tra-

zem elementos recortados da cultura indígena sobre o rótulo do “etno” ou “étnico”, refletindo sobre esse deslocamento.

284 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. (Enem) 1. Resposta: C. melancolia, do movimento romântico das
A feição deles é serem pardos, maneira d’aver- artes plásticas.
melhados, de bons rostos e bons narizes, bem b. o artista, na pintura, foi fiel ao seu objeto, re-
feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura, presentando-o de maneira realista, ao passo
nem estimam nenhuma cousa cobrir, nem mos- que o texto é apenas fantasioso.
trar suas vergonhas. E estão acerca disso com c. a pintura e o texto têm uma característica em
tanta inocência como têm em mostrar o rosto. comum, que é representar o habitante das
CAMINHA, P. V. A carta. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br terras que sofreriam processo colonizador.
Acesso em: 12 ago. 2009.
d. o texto e a pintura são baseados no con-

REPRODUÇÃO
traste entre a cultura europeia e a cultura
indígena.
e. há forte direcionamento religioso no texto e
na pintura, uma vez que o índio representa-
do é objeto da catequização jesuítica.

2. (Enem) 2. Resposta: E.
Chegança

Sou Pataxó
Sou Xavante e Cariri,
Ianomâmi, sou Tupi
Guarani, sou Carajá.
Sou Pancaruru,
Carijó, Tupinajé,
Sou Potiguar, sou Caeté,
Ful-ni-ô, Tupinambá.
Eu atraquei num porto muito seguro,
Céu azul, paz e ar puro...
Botei as pernas pro ar.
Logo sonhei que estava no paraíso,
Onde nem era preciso dormir para sonhar.

ECKHOUT, A. “Índio Tapuia” (1610-1666). Disponível em: http://www. Mas de repente me acordei com a surpresa:
diaadia.pr.gov.br. Acesso em: 9 jul. 2009. Uma esquadra portuguesa veio na praia atracar.
Da grande-nau,
Um branco de barba escura,
Ao se estabelecer uma relação entre a obra de
Vestindo uma armadura me apontou pra me pegar.
Eckhout e o trecho do texto de Caminha, con-
E assustado dei um pulo da rede,
clui-se que Pressenti a fome, a sede,
a. ambos se identificam pelas característi- Eu pensei: “vão me acabar”.
cas estéticas marcantes, como tristeza e Levantei-me de Borduna já na mão.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 285


Aí, senti no coração, negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
O Brasil vai começar. negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
NÓBREGA,A; FREIRE, W. CD Pernambuco falando para o mundo, 1998. negro que foste para o algodão de USA
para os canaviais do Brasil,
A letra da canção apresenta um tema recorrente para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
na história da colonização brasileira, as relações de de todos os senhores do mundo;
poder entre portugueses e povos nativos, e repre- eu melhor compreendo agora os teus blues
senta uma crítica à ideia presente no chamado mito nesta hora triste da raça branca, negro!
Olá, Negro! Olá, Negro!
a. da democracia racial, originado das relações A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
cordiais estabelecidas entre portugueses e LIMA, J. Obras completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958 (fragmento).
nativos no período anterior ao início da co-
lonização brasileira. O conflito de gerações e de grupos étnicos re-
b. da cordialidade brasileira, advinda da forma produz, na visão do eu lírico, um contexto social
como os povos nativos se associaram econo- assinalado por
micamente aos portugueses, participando dos a. modernização dos modos de produção e
negócios coloniais açucareiros. consequente enriquecimento dos brancos.
b. preservação da memória ancestral e resis-
c. do brasileiro receptivo, oriundo da facilidade
tência negra à apatia dos brancos.
com que os nativos brasileiros aceitaram as
c. superação dos costumes antigos por meio
regras impostas pelo colonizador, o que ga-
da incorporação de valores dos colonizados.
rantiu o sucesso da colonização.
d. nivelamento social de descendentes de escra-
d. da natural miscigenação, resultante da for-
vos e de senhores pela condição de pobreza.
ma como a metrópole incentivou a união
e. antagonismo entre grupos de trabalhadores
entre colonos, ex-escravas e nativas para
e lacunas de hereditariedade.
acelerar o povoamento da colônia.
e. do encontro, que identifica a colonização 4. (Enem) 4. Resposta: E.
portuguesa como pacífica em função das re- Cordel resiste à tecnologia gráfica
lações de troca estabelecidas nos primeiros O Cariri mantém uma das mais ricas tradições
contatos entre portugueses e nativos. da cultura popular. É a literatura de cordel, que
atravessa os séculos sem ser destruída pela ava-
3. (Enem) 3. Resposta: B. lanche de modernidade que invade o sertão lírico
Olá! Negro e telúrico. Na contramão do progresso, que infor-
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos matizou a indústria gráfica, a Lira Nordestina, de
e a quarta e a quinta gerações Juazeiro do Norte, e a Academia dos Cordelistas
de teu sangue sofredor do Crato conservam, em suas oficinas, velhas
tentarão apagar a tua cor! máquinas para impressão dos seus cordéis.
E as gerações dessas gerações quando apagarem A chapa para impressão do cordel é feita à
a tua tatuagem execranda, mão, letra por letra, um trabalho artesanal que
não apagarão de suas almas, a tua alma, negro! dura cerca de uma hora para confecção de uma
Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi, página. Em seguida, a chapa é levada para a

286 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


impressora, também manual, para imprimir. A corpo, que fica robusto. Na aldeia, para prepa-
manutenção desse sistema antigo de impressão ro físico, dançamos desde cinco horas da ma-
faz parte da filosofia do trabalho. A outra etapa é nhã até seis horas da tarde, passa-se o dia in-
a confecção da xilogravura para a capa do cordel. teiro dançando quando os padrinhos planejam
As xilogravuras são ilustrações populares ob- a dança dos adolescentes. O padrinho é como
tidas por gravuras talhadas em madeira. A origem um professor, um preparador físico dos adoles-
da xilogravura nordestina até hoje é ignorada. centes. Por exemplo, o padrinho sonha com um
Acredita-se que os missionários portugueses te- determinado canto e planeja para todos entoa-
nham ensinado sua técnica aos índios, como uma rem. Todos os tipos de dança vêm dos primeiros
atividade extra-catequese, partindo do princípio xavantes: Wamarĩdzadadzeiwawẽ, Butséwawẽ,
religioso que defende a necessidade de ocupar as Tseretomodzatsewawẽ, que foram descobrin-
mãos para que a mente não fique livre, sujeita aos do através da sabedoria como iria ser a cultura
maus pensamentos, ao pecado. A xilogravura an- Xavante. Até hoje existe essa cultura, essa ce-
tecedeu ao clichê, placa fotomecanicamente gra- lebração. Quando o adolescente fura a orelha é
vada em relevo sobre metal, usualmente zinco, que obrigatório ele dançar toda a noite, tem de acor-
era utilizada nos jornais impressos em rotoplanas. dar meia-noite para dançar e cantar, é obriga-
VICELMO, A. Disponível em: <www.onordeste.com>. tório, eles vão chamando um ao outro com um
Acesso em: 24 fev. 2013 (adaptado). grito especial.
A estratégia gráfica constituída pela união entre WÉRÉ’ É TSI’RÓBÓ, E. A dança e o canto-celebração da existência xavante.
VIS-Revista do Programa de Pós-graduação em Arte da UnB. V. 5, n. 2, dez. 2006.
as técnicas da impressão manual e da confecção da
xilogravura na produção de folhetos de cordel A partir das informações sobre a dança Xavante,
a. realça a importância da xilogravura sobre o conclui-se que o valor da diversidade artística e da
clichê. tradição cultural apresentados originam-se da
b. oportuniza a renovação dessa arte na a. iniciativa individual do indígena para a prática
modernidade. da dança e do canto.
c. demonstra a utilidade desses textos para a b. excelente forma física apresentada pelo
catequese. povo Xavante.
d. revela a necessidade da busca das origens c. multiculturalidade presente na sua manifes-
dessa literatura. tação cênica.
e. auxilia na manutenção da essência identitá- d. inexistência de um planejamento da estética
ria dessa tradição popular. da dança, caracterizada pelo ineditismo.
5. (Enem) 5. Resposta: E. e. preservação de uma identidade entre a ges-
A dança é importante para o índio preparar tualidade ancestral e a novidade dos cantos
o corpo e a garganta e significa energia para o a serem entoados.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 287


Artigos, livros e revistas  VIANA, José de Ribamar. Os senhores cantadores, amos e poetas do
Bumba meu Boi do Maranhão. São Luís: IPSIS, 2015.
 GALLOIS, Dominique Tilkin. (Org.). Patrimônio cultural imaterial Esse livro reúne a biografia e as obras dos principais cantadores
e povos indígenas – Exemplos no Amapá e norte do Pará. Macapá: do bumba meu boi juntamente com textos de professores e
especialistas em cultura popular e em bumba meu boi.
Iepé, 2006. Disponível em:<www.institutoiepe.org.br/media/
livros/livro_patrimonio_cultural_imaterial_e_povos_indigenas-
baixa_resolucao.pdf>. Acesso em: 23 fev. 2016. Filmes e vídeos
Esse livro é o resultado do trabalho desenvolvido pelo Iepé com  Brilho da Sociedade – Bumba Boi de Curupuru, direção de Edu
os povos indígenas que atualmente habitam o norte do Pará Garcia. Brasil, 2009.
e o Amapá. Ele traz alguns exemplos de expressões culturais Documentário que reúne imagens da festa e depoimentos dos
características dos Tiriyó e Katxuyana, dos Wayana e Aparai, dos brincantes e mestres do Bumba Boi Brilho da Sociedade, sotaque
Wajãpi e dos povos indígenas do Oiapoque inseridas na discussão de costa-de-mão de Curupuru (MA). Integra o DVD da coleção de
da salvaguarda do patrimônio imaterial. curtas “Turista Aprendiz”.
 KLINTOWITZ, Jacob. Máscaras brasileiras. : Rhodia, 1986.  JARDIM, Maria Regina. Turistas são recebidos com o flashmob da
Nesse livro, você encontrará fotos de diversas máscaras de todas folia no aeroporto internacional do Recife, 28 jan. 2016. Disponível
em: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/jc-na-folia/
as regiões do Brasil. As máscaras podem ser pinturas facial e
noticia/2016/01/28/turistas-sao-recebidos-com-flashmob-da-
corporal e feitas de materiais como madeira, couro, papel machê,
folia-no-aeroporto-internacional-do-recife-219053.php>. Acesso
papelão, látex etc. Por meio das imagens, é possível observar a
em: 25 fev. 2016.
diversidade das culturas brasileiras e a importância das máscaras Reportagem do Jornal do Commercio com vídeo sobre um
em suas festas e seus ritos. flashmob de frevo que aconteceu no carnaval de 2016 que
 KRAUSE, Bernie. A grande orquestra da natureza: descobrindo as constata o frevo como símbolo da identidade do Pernambuco.
origens da música no mundo selvagem. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Ao desembarcarem no aeroporto de Recife e esperar suas malas,
O músico americano Bernie Krause trabalhou com artistas como turistas foram surpreendidos com passistas que saíam de dentro
Bob Dylan e George Harrison na década de 1960 e abandonou das malas que vinham nas esteiras, ganhavam sombrinhas de
esse trabalho para desenvolver um projeto transdisciplinar: frevo e eram convidados a entrar no ritmo do carnaval.
 Kotkuphi, direção de Isael Maxacali. 2012. (29 min.)
associar som e natureza em um trabalho de bioacústica. Há 47
Isael nasceu na aldeia de Água Boa, na Reserva Maxakali de Água
anos ele grava os sons de animais e da natureza em várias partes
Boa, no município de Santa Helena de Minas (MG). É professor
do mundo e atualmente possui um centro de pesquisa onde
e cineasta formado no curso de graduação em Formação
arquiva os sons de 15 mil espécies animais em seu hábitat natural. Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG. Nesse filme,
 RIBEIRO, Darcy. Arte índia. In ZANINI, Walter (Coord.). História Geral Isael mostra a colheita, o preparo do alimento, o canto e demais
da Arte no Brasil. 1. v. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles/ atividades envolvidas na realização de um yãmîyxop, o ritual em
Fundação Djalma Guimarães, 1983. homenagem a Kotkuphi, o espírito da mandioca (kohot).
Esse livro oferece uma das primeiras abordagens sobre a arte  Segredos da tribo, direção de José Padilha. Brasil, 2013. (90 min.)
indígena no Brasil, buscando compreender o significado de suas Esse documentário apresenta as incursões de antropólogos
práticas e fazeres sob uma perspectiva que associa o fazer ao uso nos estudos dos Ianomami (da região do baixo Orinoco, na
Amazônia venezuelana). O filme traz os primeiros momentos
prático.
da comunicação com os indígenas, iniciados na década de
 Sou eu, Maculelê, sou eu. Disponível em: <https://
1960. Esse primeiro contato somente poderia ser realizado por
quilombodascamelias.wordpress.com/2014/10/22/sou-eu-
antropólogos, para depois terem início os estudos que levariam
maculele-sou-eu/>. Acesso em: 3 jan. 2016. a preservação da cultura desses povos. Entretanto, esse processo
Texto sobre a história do maculelê, as relações entre a sua gera conflitos entre alguns antropólogos. O documentário analisa
indumentária e a capoeira, os movimentos utilizados na dança, a situação por meio de entrevistas e descobre um ambiente hostil
assim como a lenda que conta a sua origem. Fala da utilização de intrigas econômicas, sociais e acadêmicas.
dos bastões, conhecidos na tradição como grimas, e como a  Tarja Branca – a revolução que faltava, direção de Cacau Rhoden.
utilização delas determina os movimentos da dança. Brasil, 2014. (80 min.)
 TUGNY, Rosângela Pereira de. Cantos Tikmũ’ũn para abrir o mundo. Documentário brasileiro sobre a cultura do brincar, explorando
jogos, brinquedos e brincadeiras da tradição cultural brasileira e
Belo Horizonte: UFMG, 2013.
sua importância para a vida de crianças e adultos.
O livro apresenta o papel central que os cantos representam na
 Xingu, direção de Cao Hamburger. Brasil, 2012. (102 min.)
vida dos Tikmũ’ũn, povo indígena que vive em áreas do nordeste
O filme conta a trajetória dos irmãos Villas-Boas: Orlando, Claudio
de Minas Gerais. Tikmũ’ũn é o modo como os Maxakali se e Leonardo, que integram como voluntários a “Marcha para o
autodenominam e pode ser traduzido como “nós, os humanos”. Oeste”, movimento idealizado por Getúlio Vargas na década
O livro é acompanhado de um DVD com gravações de vários de 1940 para “redescobrir” a região Norte do Brasil. Entretanto,
cantos dos Tikmũ’ũn. longe da catalogação de lugares e do trabalho na construção

288 CAPÍTULO 18 | A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras


de estradas – objetivo do projeto –, os irmãos Villas-Boas foram seus cortejos. Nele, você também encontrará fotos das gungas
responsáveis por serem os primeiros a conseguirem contato com utilizadas pelos congadeiros.
povos do interior da Amazônia que nunca haviam estabelecido  Frevos de Pernambuco. Disponível em: <www.frevo.pe.gov.br/>.
relações com os não indígenas. Firmando um contato mais Acesso em: 26 fev. 2016.
estreito com esses povos, os irmãos Villas-Boas dão início ao Nessa página da internet, você encontrará um pouco sobre a
projeto do Parque Nacional do Xingu como forma de garantir o vida e a obra dos principais compositores de frevo. Ao navegar
espaço e a sobrevivência dos indígenas no local. por suas biografias você observará a ligação do frevo com outros
ritmos pernambucanos e como a música e a dança se encontram
Sites nessa expressão cultural e artística de Pernambuco.
 ONordeste.com. Disponível em: <www.onordeste.
 Apina. Disponível em: <www.apina.org.br/index.html>. Acesso co m /o n o rd es te /en cicl o p e diaN o rd es te / in d e x .
em: 23 fev. 2016. php?titulo=Frevo&ltr=F&id_perso=925>. Acesso em: 3 jan. 2016.
No site da organização Apina (nome dos antigos Wajãpi Nesse site, que traz informações sobre vários aspectos da cultura
considerados valentes pela tradição oral desse povo e que do Nordeste do Brasil, você terá acesso a uma parte da história
lançavam flechas que alcançavam longas distâncias) é possível do frevo assim como poderá assistir a um vídeo de passistas
acompanhar o desenvolvimento do atual projeto de registro dançando na cidade histórica de Olinda, que assim como Recife,
do patrimônio imaterial desse povo do Amapá, feita por 19 é berço do frevo pernambucano. Atente para a origem da palavra
pesquisadores indígenas a partir do download das publicações frevo, para os diferentes tipos de frevo existentes, e também para
disponíveis. As publicações contam com textos (escritos em a chegada do frevo na Bahia e sua participação e influência nos
português e na língua Wajãpi) e ilustrações que registram movimentos dos trios elétricos.
aspectos dos conhecimentos tradicionais desse povo e seus  Povos Indígenas no Brasil. Disponível em: <http://pib.
costumes. socioambiental.org/pt>. Acesso em: 23 fev. 2016.
 Festejo do Tambor Mineiro. Disponível em: <www.festejo.art.br/ Povos Indígenas no Brasil é um site que reúne informações e
galeria>. Acesso em: 24 fev. 2016. análises dos povos indígenas brasileiros. É possível acessar textos,
Nesse site, você encontrará uma vasta galeria de imagens de tabelas, mapas, imagens, notícias entre outros, reunidos com
uma festa intitulada “Festejo do Tambor Mineiro”, que acontece o auxílio de pesquisadores e profissionais de variadas áreas. O
anualmente em Belo Horizonte (MG), e quando as guardas principal objetivo da plataforma é oferecer informações sobre os
de congado homenageiam Nossa Senhora do Rosário com povos indígenas do país.

A Visualidade das Artes Indígenas Brasileiras | CAPÍTULO 18 289


290
ARTE EM
CONEXÃO

YOSHIKAZU TSUNO/ AFP


Nesta Unidade, será abordada a Arte em cone-
xão com a História, a Matemática e a Tecnologia.
Optou-se por destacar a História e a Matemática
por causarem grande impacto nas artes visuais,
na música, na dança e no teatro contemporâ-
neos. A relação entre artes cênicas e a tecnologia
será trabalhada no capítulo 21, por meio da con-
textualização, fruição e experimentação.
Ao final desta Unidade, espera-se que você possa:
 identificar a relação entre História, Matemática
e Tecnologia e artes visuais, música, dança,
teatro, circo, ópera, performance e outros
campos artísticos;
 contextualizar, fruir e experimentar produ-
ções artísticas interdisciplinares;
 criar projetos artísticos que envolvem outras
áreas do conhecimento ou outros campos
artísticos;
 compreender a arte contemporânea como
uma zona híbrida entre os diversos campos
artísticos e áreas do conhecimento;
 perceber que a Arte contribui para o desen-
volvimento tecnológico e o de áreas do co-
nhecimento, como a História e a Matemática.

Foto da adaptação japonesa para o teatro do livro A metamorfose, de Franz


Kafka, dirigida por Oriza Hirata. Nesta cena, a atriz francesa Irene Jacob
contracena com o androide Repliee S1, que interpreta o personagem Gregor
Samsa. O robô foi criado na Universidade de Osaka (Japão), em um projeto
interdisciplinar entre Robótica e Teatro. Foto de 7 de outubro de 2014.
291
9
PINTURA, TEATRO Conteúdos
 A representação histórica

E HISTÓRIA
do Brasil do século XIX
por meio da pintura
 O Teatro Documentário
e a visão crítica dos
acontecimentos
históricos

O teatro não é feito para nos reconciliar com um mundo que vai mal, mas para reconciliar nós
mesmos nesse mundo com aquilo que passamos nosso tempo a ignorar solenemente: o instante.
Jacques Lassalle.

CLÁUDIO ETGES

Foto do espetáculo de rua O amargo santo da purificação da tribo de atuadores do grupo do Rio Grande do Sul, Ói Nóis Aqui Traveiz, na Praça da
Batalha, Portugal. O espetáculo trata da trajetória do militante baiano Carlos Marighella, que lutou contra os regimes autoritários no Brasil e foi
morto em 1969 em uma ação da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops). Foto de 14 de maio de 2013.

As artes têm relação estreita com o tempo no qual se desenvolvem, como já foi observado nas Unidades 1
e 2. Os artistas são sujeitos imersos na sociedade e, sendo assim, também são marcados pelos acontecimentos
históricos à sua volta. Além disso, desde os rapsodos gregos, como citado na Introdução, a arte muitas vezes
serviu como forma de expressão e reflexão sobre determinado acontecimento histórico. Em muitos casos, as

292 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


obras de arte também se tornam registros históricos capazes de trazer para o presente momentos passados,
como no caso das pinturas rupestres trabalhadas na Unidade 2, entre outros exemplos como os que serão vis-
tos neste capítulo.
No caso da arte, a história mistura-se à memória no sentido em que os fatos são tratados em uma perspec-
tiva que inclui também a subjetividade e a sensibilidade próprias da expressão artística. Mais do que descrever
objetivamente um acontecimento e suas consequências econômicas e sociais, a arte tem um jeito próprio de
refletir, expressar e, muitas vezes, reinventar os fatos históricos.
A arte não tem compromisso com a verdade ou a objetividade dos fatos. Muitas vezes, seu foco é a subjeti-
vidade do artista, assim como daquele que frui da obra de arte, em sua interpretação e criação do mundo. Na
criação artística, há um desejo de dar forma ao que antes estava desordenado, relacionar o que antes estava se-
parado, reinventar significados a cada nova formação, novas maneiras de compreender e apreender o mundo.

Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo novo. [...]
Desde as primeiras culturas, o ser humano surge dotado de um dom singular: mais do que “homo
faber”, ser fazedor, o homem é um ser formador. Ele é capaz de estabelecer relacionamentos entre os
múltiplos eventos que ocorrem ao redor e dentro dele. Relacionando os eventos, ele os configura em sua
experiência do viver e lhes dá um significado.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 9.

RODA DE CONVERSA
Há diversas interações que ocorrem entre as artes e outras áreas do conhecimento. Neste capítulo, se-
rão estudadas as relações entre a pintura, o teatro documentário e a História. A pintura pode ser entendida
como elemento importante para a construção histórica da identidade de um povo; já o teatro documentá-
rio pode ser entendido como estratégia para evidenciar essa construção da identidade.
Converse com os colegas e o professor sobre as questões a seguir.
1. Qual definição você daria para “história”?
1. Resposta pessoal. É interessante registrar as definições de história apresentadas pelos estudantes e, a partir delas, traba-
lhar esse conceito por meio da arte ao longo do capítulo. O termo história pode comportar inúmeras definições. Pode-se
pensar na história de cada indivíduo relacionando sua infância e a visão construída sobre os eventos familiares. É possível
ampliar e pensar em histórias que, mesmo que privadas, pertencem a uma família ou a uma comunidade, eventos especí-
ficos que fazem parte da tradição de uma determinada cidade ou estado; como também situações que aproximam grupos
que não vivem na mesma comunidade, mas que compartilham histórias em comum como princípios religiosos, étnicos ou
de gênero.

2. Quais relações podem existir entre Arte e História? Discuta com os colegas e com o professor. Depois,
cite lugares, objetos, entre outros, em que você já percebeu a existência dessa relação.
2. Resposta pessoal. Levar em consideração o conhecimento prévio dos estudantes é importante para fomentar essa discus-

são. Algumas sugestões de exemplos que eles podem dar são: obras de arte e fotografias que ilustram os livros didáticos de

História, museus, monumentos históricos espalhados pelas cidades, entre outros.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 293


Pintura e identidade nacional
O fenômeno da constituição das nações modernas ocorreu no século XIX.
Para compreendermos a formação dessas novas organizações sociais, é ne-
cessário entender o conceito de “identidade nacional”. Um dos elemen-
tos para a construção do sentimento de nação deve-se ao movimento de
Independência ocorrido, no Brasil, em 1822. Na Literatura, é possível perce-
ber esses ideais expressos na exaltação da Pátria a partir de autores como
Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo, que participaram do Romantismo.
Para a construção dessa identidade nacional, foi criado um conjunto de
referências – o hino nacional, a bandeira e as festas cívicas –, que deveria ser
utilizado para dar ao povo a noção de pertencimento. A representação de
imagens que fortalecessem os ideais conferidos a esses símbolos nacionais
dependeu, em grande parte, do trabalho de pintores e escultores que ilustra-
ram os grandes acontecimentos dessas novas nações.
O Brasil transformou-se em sede administrativa do império português em Missão Artística Francesa: a Missão
Artística Francesa fundada em
1808, com a vinda da família real para o Rio de Janeiro. Dom João VI tinha como 1826 tinha o objetivo de criar a
plano fundar uma escola de artes e ofícios no Brasil, que seguisse os moldes das primeira Academia de Arte no
Reino Unido de Portugal, Brasil
academias europeias, com o intuito de formar artistas que servissem ao império.
e Algarves. Foi formada por um
Artistas franceses foram convidados a lecionar no país em 1816, com- grupo de artistas liderados por
pondo o que seria conhecido como Missão Artística Francesa. Essa vinda dos Joachim Lebreton (1760-1819) com
a participação do pintor histórico
artistas franceses foi coordenada por Joachim Lebreton, ex-secretário perpé- Debret (1768-1848); o paisagista
tuo do departamento de Belas Artes do Institut de France. No mesmo ano, a Nicolas Antoine Taunay (1755-1830)
Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios foi inaugurada. e seu irmão, o escultor Auguste-
-Marie Taunay (1768-1824); o arqui-
Em 1820, a escola passou a se chamar Real Academia de Desenho, Pintura, teto Grandjean de Montigny (1776-
Escultura e Arquitetura Civil e, em 1826, Academia Imperial de Belas-Artes -1850); e o gravador de medalhas
Charles-Simon Pradier (1783-1847).
(Aiba). Essa foi a primeira escola de Belas Artes do Brasil, responsável por tra-
zer o modelo de ensino europeu para o país. O termo “arte brasileira” passou, Institut de France: em português,
Instituto da França, foi funda-
então, a designar preferencialmente as obras artísticas que representassem os do em Paris (França) em 1795.
eventos da história nacional. A arte cumpriria, assim, a função de representar os Compunha o instituto as cinco
academias nacionais francesas:
grandes feitos e os heróis dessa “nova” sociedade ainda em processo de cons-
a Académie Française (Academia
tituição e também serviria como documento dos acontecimentos nacionais. Francesa), fundada em 1635; a
O francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) foi um dos artistas franceses Académie des Inscriptions et Belles-
-Lettres (Academia das Inscrições
que, vindo para o Brasil, se identificou com o papel de ilustrador e documen- e Belas-Letras), fundada em
tarista das cenas da época, como se pode ver na obra Coroação de D. Pedro I, 1663; a Académie des Sciences
de 1828, na página seguinte. Nessa obra, Debret constrói uma das primeiras (Academia das Ciências), fundada
em 1666; a Académie des Beaux-
referências da iconografia da pintura histórica brasileira. Representa D. Pedro -Arts (Academia de Belas-Artes),
no trono de maneira majestosa com inúmeros atributos: o colar de penas de fundada em 1816; e a Académie
des Sciences Morales et Politiques
galo silvestre, o manto, o cetro alto com o dragão de Bragança, o uniforme
(Academia das Ciências Morais e
militar e as botas de montaria. Debret funde inúmeras referências políticas e Políticas), fundada em 1795.

294 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


religiosas, visando criar uma identidade específica para o Novo império. É im-
portante destacar que Debret era um dos pintores oficiais do Império, sen-
do responsável pela representação das imagens de poder, política e cultura.
UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/ GETTY IMAGES

Coroação de D. Pedro I, óleo sobre tela, de Jean-Baptiste Debret, de 1828. Dimensões: 340 cm × 640 cm.

O brasileiro Victor Meirelles (1832-1903) estudou na Academia Imperial de


Belas-Artes (Aiba) e foi um dos principais representantes do ideário da pintura
histórica no Brasil. Uma de suas principais obras, Primeira missa no Brasil, trata-se
da representação da primeira missa, que passou a se configurar como um dos
primeiros documentos iconográficos do contato entre portugueses e indígenas.
DIVULGAÇÃO/ MNBA

Primeira missa no Brasil, óleo sobre tela, de Victor Meirelles, de 1860. Dimensões: 268 cm × 356 cm.

Para produzir essa pintura, Meirelles usou um documento escrito no Brasil


(e não trazido de Portugal, como a maioria): a Carta de Pero Vaz de Caminha.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 295


A obra Primeira missa no Brasil é uma construção ideológica a respeito do contato entre os portugueses recém-
-chegados e os habitantes locais, para conferir uma ideia positiva da nação.
É possível observar, no primeiro plano da cena, os indígenas assistindo à missa inaugural proferida por
Henrique de Coimbra. A disposição das figuras e da iluminação na tela convida o observador a assistir à missa
a distância, de modo que seja contagiado pelo sentimento de fascinação e adoração que envolve cada um
dos personagens que compõem a cena, ao mesmo tempo em que direcionam sua atenção para a cruz situa-
da em um ponto mais alto do quadro. Pode-se perceber que os indígenas são representados como se com-
preendessem o significado do ritual católico e, por isso, estão sentados de modo a não perder qualquer parte
da cerimônia.

1. No início deste capítulo, há duas imagens que tratam de temáticas históricas. Você já as viu em li-
vros didáticos de História? Em caso afirmativo, qual delas?
1. Resposta pessoal.

2. Pesquise e escolha, em seu próprio livro de História ou em um livro didático da biblioteca, uma pin-
tura. Escreva, no quadro a seguir, os dados da obra.

2. Resposta pessoal.
Título Converse com os estudantes sobre a função das imagens artísticas nos livros didáticos de
História e leve-os a refletir sobre essa associação entre artes visuais e história. Pergunte a eles
se essas imagens acrescentam novos significados aos conteúdos que representam ou simples-
Autor mente ilustram os fatos relatados.
Se possível, após ler as produções dos estudantes, oriente-os a exporem seus trabalhos.

Ano

Dimensões

Local em que
a obra está
Acontecimento
histórico que a
obra representa

296 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


Pintura e Biologia

No século XIX, outras expedições artísticas e científicas, muitas delas oriundas de projetos de outros países
– Inglaterra e Alemanha, por exemplo –, ocorreram no Brasil. Essas expedições tinham o objetivo de mapear e
reconhecer os territórios recém-descobertos. Nesse período, não existiam outros meios de captação e repro-
dução da imagem, como máquinas fotográficas ou filmadoras, portanto, a pintura era considerada meio pri-
vilegiado de retratação da natureza. É possível destacar a Missão Austríaca e da Baviera com a participação de
inúmeros pesquisadores: Johann Christof Mikan (1769-1844), botânico e entomólogo; Johann Emanuel Pohl
(1782-1834), médico, mineralogista e botânico; Johann Buchberger (?-1821), pintor de plantas; Johann Natterer
(1787-1843), zoólogo; Rochus Schüch (1788-1844), mineralogista e bibliotecário; Heinrich Schott (1794-1865),
botânico e jardineiro. O único membro da expe-

REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA AUTORIA DESCONHECIDA


dição que possuía formação em artes era Thomas
Ender (1793-1875), que retratou aspectos da flora,
fauna e os costumes do Brasil.
Portugal, por sua vez, organizou suas pró-
prias incursões para obter informações sobre
as possibilidades de exploração oferecidas em
todo o Brasil. Geralmente estruturadas como ex-
pedições, um grupo de pessoas percorria partes
específicas do território brasileiro, investigando
e registrando desde os costumes sociais – for-
Vista do início do Aqueduto, no Corcovado, em direção ao Pão de Açúcar,
mas de ocupação, informações sobre os habi- pena e lápis, de Thomas Ender, 1817. Dimensões: 32,40 cm × 47 cm.
tantes – até aspectos da fauna e da flora. Era
fundamental que artistas e cientistas estivessem presentes nessas expedições e trabalhassem em conjun-
to na realização dos desenhos, pois estes eram publicados como material científico posteriormente.
Durante o império de D. Pedro II, essas expedições científicas se multiplicaram. Um desses projetos de
descobrimento e classificação de espécies, proposto pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
e patrocinado pelo imperador, foi a Comissão Científica de Exploração. Essa comissão tinha como objetivo
identificar, mapear e representar os territórios desconhecidos.
Apesar da sua finalidade comum de descobrimento, a comissão foi fragmentada em cinco seções,
cada qual com uma tarefa específica de trabalho, o que permitia, aos grupos, fazerem percursos diferen-
tes. As cinco seções eram referentes às áreas: Botânica; Geologia e Mineração; Zoologia; Astronomia e
Geografia; e, por último, a seção Etnográfica e Narrativa da viagem. Entre os encarregados de produzir as
imagens da expedição, estavam o pintor José Reis do Carvalho (1798-1872) (aluno de Jean-Baptiste Debret,
na Academia Imperial de Belas-Artes) e o botânico e naturalista Francisco Freire Alemão e Cisneiro (1797-
-1874). O resultado dos estudos da comissão foi incorporado ao Museu Histórico Nacional.
Entomologia: faz referência à ciência que estuda os insetos nas suas relações com o meio ambiente, as plantas, os seres
humanos e os animais.
Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB): criado em outubro de 1838, tinha como objetivo reunir, organizar e siste-
matizar a história oficial do Brasil.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 297


Duas histórias
A obra Batalha dos Guararapes, de Victor Meirelles, foi realizada de 1875 a 1879. Já a obra Batalha do Avaí, de Pedro
Américo (1843-1905), foi realizada de 1872 a 1877. Na Exposição Geral de Belas Artes, em 1879, as duas obras foram ex-
postas lado a lado, o que motivou o debate público em vários jornais da época. Esse evento ficou conhecido como
“A questão artística”. No Jornal do Commercio, por exemplo, era possível ler que A Batalha do Avaí não é um simples
quadro. É a própria guerra sobrecarregada de todos os seus horrores”. (Jornal do Commercio, 1879).
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO

Batalha do Avaí, óleo sobre tela, de Pedro Américo, de 1872-1877. Dimensões: 600 cm × 1 100 cm.
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, RIO DE JANEIRO

Batalha dos Guararapes, óleo sobre tela, de Victor Meirelles, de 1879. Dimensões: 500 cm × 925 cm.

298 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


Ambas as telas permitem a comparação pelo tema, mas os contrastes de
execução e estilo as colocam em esferas completamente diferentes. Batalha
do Avaí constrói uma cena de luta e funciona como um contraponto em ter-
mos de movimento se comparada à versão estática de Batalha dos Guararapes.
No quadro de Meirelles, a forma de representação parece cristalizar as
figuras, deixando a cargo das espadas e lanças a condução do olhar pela
cena. Henrique Dias, o combatente brasileiro negro liberto que teve con-
tribuição expressiva contra a invasão holandesa, é representado no canto
esquerdo, portando seu escudo no braço esquerdo. João Fernandes Vieira
(1610-1681), um dos líderes da luta contra os holandeses, aparece a cavalo
erguendo sua finíssima espada. Antônio Henrique Cardoso, sargento-mor
dos infantes, corre a passos largos, com a espada abaixada. Na parte da
frente do quadro, os holandeses se amontoam e parecem derrotados após
a queda de Keeweer em seu cavalo branco. O movimento do quadro é
construído com a corrida do sargento-mor dos infantes. Pedro Américo rea-
liza uma obra com a valorização do movimento dos personagens. Os ho-
mens são apresentados em uma luta contínua, sem a possibilidade de reco-
nhecer o herói da batalha. Américo, mais que representar a batalha, pontua
a superfície da obra com as condições que permitem a transferência do ob-
servador para o campo de batalha. A cena não registra claramente a ação,
mas oferece o movimento. A superfície excede à fúria e à violência, em um
movimento que se compõe pela ação dos corpos montados nos cavalos e
pela própria natureza, que participa na ebulição de um céu que quase não
apresenta distinção com a intensa massa de fumaça que sobe dos canhões.
Outro aspecto que nos permite compreender a Batalha do Avaí como
diferente de uma pintura histórica associada à tradição do século XIX é a ine-
xistência da “figura do herói”, pois o fluxo entre os corpos acaba por neutrali-
zar a possibilidade de individualização de uma única figura.

Veja orientações na Assessoria Pedagógica.


Muitos espaços públicos, como escolas, bibliotecas, praças, hospitais, ruas e avenidas, receberam os no-
mes de pessoas importantes da história de uma cidade, de um estado ou de um país.
Observe os nomes presentes nos espaços públicos do seu bairro e escolha o nome de um deles.
Depois, faça uma pesquisa e responda às seguintes questões.
a. Quem foi a pessoa que deu nome ao espaço público que você escolheu? Em que ano ela nas-
ceu, qual foi a profissão dela e o que ela fez que marcou a história?
b. Existe alguma pintura ou busto que homenageia essa pessoa?
c. Por que esse espaço público tem o nome dessa pessoa? Resposta pessoal.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 299


Teatro Documentário e História
A expressão “teatro documentário” é ampla e compreende uma série
de experiências teatrais que evidencia ao público sua intenção de realizar
uma peça baseada em documentos históricos; isto é, os documentos histó-
ricos servem como matéria para a temática da peça e para a sua encenação.
GUTO MUNIZ

Foto da peça As Rosas no Jardim de Zula, de Zula Cia. de Teatro. Nessa peça, duas atrizes recontam a história da mãe de uma delas, que abandonou
os filhos. Foto de 2015.

Para Marcelo Soler, pesquisador teatral e membro da Cia. de Teatro


Documentário, de São Paulo:

[...] no teatro [documentário] é na relação entre a intencionalidade


em documentar, o consequente trabalho com dados não ficcionais e a
percepção por parte do espectador da natureza documentária do dis-
curso que é possível existir o que chamamos de documentário.
SOLER, M. O campo do teatro documentário. Revista Sala Preta, v. 13, i2, 2013. p. 137.

Encenação: trabalho que consiste na organização intencionada de todos os elementos


plásticos da cena teatral (iluminação, cenografia, figurino, objetos de cena, entre outros).
Dramaturgia e encenação costumam ser trabalhadas de maneira conjunta.
Discurso: forma de exposição do assunto.

300 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


Assim, em vez de trabalhar apenas com elementos oriundos da imagina- Dramaturgia: trabalho que consiste
ção do dramaturgo, ou do ator, ou do diretor, o Teatro Documentário busca nos na organização intencionada dos
materiais textuais ou visuais na
documentos históricos de determinada época a base da sua dramaturgia, po-
composição da obra cênica.
dendo incorporar esses documentos à encenação da peça. Ao se debruçar so-
bre a história de um lugar ou sobre a memória coletiva ou individual, o Teatro
Documentário pretende explicitar um ponto de vista sobre os fatos tratados,
podendo questionar a forma como a história tradicional os retratou e, também,
questionar o entendimento que o público tem desses fatos históricos.

Teatro Documentário e documento histórico

Para entender melhor o Teatro Documentário, é importante definir o que representa um documento
para a História. Jacques Le Goff (1924-2014), historiador francês, discutiu a questão do documento como fon-
te histórica. Para ele, a fonte que serve como documento para se estudar a história não é apenas a oficial,
ou seja, a história escrita em documentos oficiais – anais, livros de história etc. –, possuidora de uma verda-
de objetiva e autêntica sobre os fatos do passado, mas também outras fontes, como fotografias pessoais,
escritos não oficiais, registros audiovisuais etc. O historiador, para Goff, portanto, é aquele que interpreta e
analisa os fatos a partir de uma pluralidade de fontes, estabelecendo uma história das formas de represen-
tação das sociedades.
O movimento historiográfico de que Le Goff foi um dos inte-

REPRODUÇÃO
grantes é denominado Escola dos Annales, e inaugurou o que se
convencionou chamar de Nova História. Para ampliar essa discus-
são, a historiadora Rosângela de Lima Vieira discorre sobre a relação
entre documento e conhecimento histórico, tendo como ponto de
partida as ideias de Le Goff:

[...]“Monumento” em latim liga-se a “fazer”, “recordar”, “avi-


sar”, “iluminar”, “instruir”; herança do passado; sinal do passa-
do. É tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a re-
cordação [...].
Já a palavra “documento” tem originariamente o sentido de
“prova”, de “ensino”. [...]
A concepção do documento/monumento traz em seu bojo a
crítica do documento enquanto monumento, ou seja, como um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força
que detinham o poder. Não existem, portanto, documentos obje- Periódico acadêmico francês Annales d’histoire
tivos, inócuos, primários. économique et sociale (Les Annales). Edição de
outubro de 1912.
VIEIRA, Rosângela de Lima. A relação entre o documento
e o conhecimento histórico. Mimesis. v. 20. n. 1, Bauru, 1999. p. 151-152.
Escola dos Annales: movimento historio-
gráfico que surgiu, na década de 1920, em
Assim, o documento não é uma fonte neutra, mas sim uma torno do periódico acadêmico francês
construção social e de poder. Annales d’histoire économique et sociale.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 301


Primeiros experimentos Apoisfigura do revolucionário francês Danton é paradigmática,
propõe a discussão sobre os caminhos de uma revolução
depois da tomada do poder e a traição de seus ideais originais.
no Teatro Documentário Apesar de situada na Revolução Francesa, a peça A morte de
Danton continua sendo adaptada a diversos contextos sociais.

A peça A morte de Danton, escrita em 1835 pelo dramaturgo alemão


Georg Büchner (1813-1837), é considerada uma das primeiras experiências
Danton – O processo
com documentos históricos na construção de uma dramaturgia teatral. da revolução
Essa peça é baseada em documentos referentes à morte Georges Jacques Direção: Andrzej Wajda.
Danton (1759-1794), advogado e político francês que participou ativamente Pole Video: França/ Polônia/
Alemanha Ocidental.
da Revolução Francesa, sendo posteriormente julgado pelo tribunal revolu-
Ano: 1983.
cionário e guilhotinado em 1794. Duração: 131 min.
Em 1793, Danton retorna à
JORGE GONÇ ALVES/ TEATRO NACIONAL D. MARIA II

Paris e encontra instaurado


na cidade o Terror, política
imposta por Robespierre,
que tinha como objetivo
“eliminar os inimigos”
da Revolução Francesa.
Danton, líder revolucionário,
critica os rumos que a
Revolução está tomando e
é condenado à execução
na guilhotina pelo próprio
Robespierre, em 1794.

Foto do ensaio da peça A morte de


Danton, no Teatro Nacional D. Maria II,
em Portugal. A peça já foi remontada
em diversos países e adaptada para o
cinema. Foto de 2012.

O primeiro encenador a nomear de teatro documentário seus experi-


mentos foi o alemão Erwin Piscator (1893-1966). Impressionado com as possi-
bilidades de captura e reprodução de imagens em movimento, trazidas pelo
surgimento do cinema no início do século XX, Piscator utilizou-se ampla-
mente dos registros audiovisuais em seus espetáculos, como uma forma de Revolução Francesa: movimento
revolucionário iniciado em 1789,
“comprovar a veracidade histórica dos fatos narrados ou dramatizados pelos baseado nos ideais de liberdade,
atores. Esse uso se apoiava na crescente credibilidade dada às imagens au- igualdade e fraternidade. É um
marco divisório da história, pois dá
diovisuais, desde o advento do cinema, como registro confiável e comprová-
início à Idade Contemporânea.
vel” (SOLER, 2013, p. 132).
Revolução Alemã: (1918-1919) série
A primeira encenação baseada em documentos de Piscator, especial-
de acontecimentos que culmina-
mente em filmes, foi Apesar de tudo! (1925), peça que apresentava e discu- ram com a derrubada do Kaiser, tí-
tia os acontecimentos da Revolução Alemã. Nessa peça, Piscator desenvolve tulo alemão que significa “impera-
dor”, e o estabelecimento de uma
uma dramaturgia fragmentada, com colagens de documentos audiovisuais e república parlamentarista. Marcou
textos diversos, em uma construção próxima à edição cinematográfica. o fim da Primeira Guerra Mundial.

302 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


Atualmente, é comum as pessoas registrarem os momentos mais triviais do dia a dia. As redes sociais têm
funcionado como um espaço virtual para armazenar esses registros, e estes podem também servir como fon-
tes documentais da história de cada um dos internautas. Leia a tirinha a seguir e responda às questões.

RIOTIRAS.COM
Disponível em: <http://ryotiras.com/instangram/>. Acesso em: 25 maio 2016.
1. Qual a situação representada na tirinha?
1. A tirinha retrata um dos hábitos mais comuns de quem usa as redes sociais: fotografar pratos de comida.

2. Qual é o elemento de humor da tirinha?


2. Zumbis só comem cérebros e, mesmo assim, o zumbi azul quer tirar foto de todas as refeições que faz, para, supostamen-

te, postá-las em alguma rede social e compartilhar sua experiência (sempre igual) com seus colegas. Essa tirinha trata de

maneira cômica o hábito contemporâneo de postar suas atividades mais cotidianas nas redes sociais.

3. Entre na rede social que você mais acessa. Na página do seu perfil, selecione documentos (textos, memes,
fotos, vídeos, áudios etc.) que você acredita serem mais significativos para analisar um determinado acon-
tecimento da sua vida. Depois, escreva abaixo a história “contada” pelos documentos que você escolheu.
3. Resposta pessoal. O objetivo desta atividade é fazer os estudantes experimentarem o trabalho a partir de fontes do-

cumentais. Completar essas lacunas entre os documentos e o acontecimento em si, com possibilidades percebidas a

partir da análise deles.

4. Agora, compartilhe sua história com os colegas e o professor. 4. É importante criar um ambiente de respei-
to entre os estudantes para a realização desta atividade. A conversa entre os estudantes é um momento muito importante,
pois permite que contem suas histórias a partir das fontes que coletaram nas redes sociais. Incentive os estudantes a traze-
rem o material pesquisado de forma impressa ou digital para compartilhar suas fontes com os colegas.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 303


Teatro Documentário no Brasil
No Brasil, o Teatro Documentário foi bastante desenvolvido no perío-
do da ditadura civil-militar (1964-1985), como forma de contestar a versão
da história oficial da época. Dentre os diversos exemplos, temos a peça de
teatro musical Calabar – o elogio da traição de Chico Buarque e Ruy Guerra
(1973), cuja trama se passa durante as invasões holandesas em Pernambuco
no século XVII (1630–1654). A peça faz um elogio ao comerciante Domingos
Fernandes Calabar que traiu a coroa portuguesa e apoiou os holandeses, fato
histórico daquele momento. Os autores atribuem à traição a convicção do
personagem Calabar de que, assim, seria melhor para o povo brasileiro, ainda
que no século XVII esse conceito de identidade brasileira não estivesse formado.
No contexto da estreia da peça, na década de 1970, havia uma discussão sobre
desobediência civil frente ao governo ditatorial no Brasil. Essa traição de Calabar
foi, então, associada pelos autores à importância de fazer escolhas que, mesmo
sendo contrárias ao poder estabelecido, podem ser eticamente corretas.
Também podemos destacar a peça Liberdade, Liberdade, escrita por Flávio
Rangel e Millôr Fernandes, que estreou em 1965 em uma produção do Grupo
Opinião e do Teatro de Arena (visto na Unidade 2). O Grupo Opinião foi um gru-
po de teatro da cidade do Rio de Janeiro que, durante a década de 1960, foi um
dos principais expoentes do teatro de resistência à ditadura civil-militar no Brasil.
Segundo a crítica publicada no The New York Times, em 25 de abril de 1965:

Os noventa minutos do espetáculo exibem um apa-

DIVULGAÇÃO/ CP
nhado de acontecimentos históricos, do julgamento de
Sócrates à condenação a trabalhos forçados de um poeta
soviético desempregado, tudo ilustrando o sentido geral
da liberdade.
Paulo Autran, o astro principal entre os quatro intér-
pretes que representam no palco vazio, pronuncia, sob a
luz de único spotlight, a última palavra da peça: “Resisto!”.
A audiência de trezentas pessoas, que tinha pago o equi-
valente a um dólar e vinte e cinco centavos por pessoa
para sentar amontoada, levantou-se e aplaudiu vibrante-
mente. Alguns gritavam “Bravos!”.
Contudo, o que parecia conquistar a audiência era o
fato da irada mensagem da peça vir temperada com hu-
mor, música e um otimismo ansioso com respeito ao fu-
Foto dos atores Paulo Autran e Tereza Rachel em cena da
turo do Brasil. peça Liberdade, Liberdade, que foi proibida pela censura
THE NEW YORK TIMES. O New York Times comenta Liberdade, Liberdade. In: RANGEL, poucos meses depois de sua estreia, no dia 21 de abril de
F & FERNANDES, Millôr. Liberdade, Liberdade. 5. ed. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 10-11. 1965, no Rio de Janeiro (RJ).

304 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


Atualmente, o Teatro Documentário brasileiro também contempla es-
petáculos baseados em histórias de vida de pessoas comuns que não seriam
consideradas personagens históricos como Calabar ou os personagens cita-
dos em Liberdade, Liberdade. Para a construção da dramaturgia desses espe-
táculos, recorre-se a documentos pessoais, fotografias, cartas, e-mails, vídeos
e demais fontes, que se equilibram em uma linha tênue que separa realida-
de e ficção.
Exemplo da recorrência à história de vida de pessoas comuns como
matéria do teatro documentário contemporâneo é o espetáculo Festa de se-
paração, dirigido por Luiz Fernando Marques, estreado em 2008. O mote do
espetáculo é a separação real do casal Janaina Leite (atriz) e Felipe Teixeira
Pinto (músico e filósofo); o ex-casal está encenando sua própria separação.
Janaína Leite descreve o processo de criação do espetáculo.

[...] O processo de criação se deu através da realização e documen-


tação audiovisual de festas que funcionavam como happenings onde os
anfitriões eram ao mesmo tempo o casal que recebia parentes e amigos
para a sua festa de separação e também os “performadores” que impro-
visavam a partir de um conjunto de ações mais ou menos pré-estabe-
lecidas nos roteiros que se criavam para cada festa e se desenvolviam
para a festa seguinte.
LEITE, Janaina. Teatro documentário ou sob o risco do real. Questão de Crítica – Revista
eletrônica de críticas e estudos teatrais. Disponível em: <www.questaodecritica.com.br/2011/10/
teatro-documentario-ou-sob-o-risco-do-real/#more-2798>. Acesso em: 27 out. 2015.

Nesse espetáculo, registros diversos, tanto do relacionamento do casal quan-


to de sua festa de separação, são levados ao público. Músicas, cartas, vídeos são
entremeados por reflexões filosóficas e textos poéticos sobre a separação e as re-
lações de amor contemporâneas, tudo narrado pelos próprios sujeitos da história.

Performadores: neste caso, refere-se aos artistas que performam as ações na obra.

Improvisar: capacidade de criar, e compor cenicamente, diante do público, tendo como


base os elementos disponíveis na cena.

Disponível em: <http://canalbrasil.globo.com/programas/teatro-


sem-fronteiras/videos/1757042.html>. Acesso em: 15 jan. 2016.
O Canal Brasil realizou um vídeo, em seu programa “Teatro sem Fronteiras”,
dedicado ao documentário cênico Festa de separação, que estreou em
2008 com direção de Luiz Fernando Marques. A peça foi baseada na
história autobiográfica da separação do casal Janaina Leite (atriz) e Felipe
Teixeira Pinto (músico e filósofo). Ambos estavam em cena durante a longa
temporada do espetáculo que circulou por diversas cidades do Brasil.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 305


1. Em grupos de cinco estudantes, cada grupo deverá escolher uma Objetivo
 Por meio da narrativa
história marcante que, pelo menos, duas pessoas do grupo tenha
oral, elemento
vivenciado juntas. importante no Teatro
2. Primeiro, uma das pessoas conta o acontecimento para o grupo, Documentário, pretende-
-se abordar a ideia de
enquanto a outra pessoa aguarda do lado de fora da sala. Depois, que um acontecimento
quando essa pessoa estiver narrando o acontecido, a outra pessoa está sujeito a variações
que também viveu a história, deve sair da sala, para não ouvir a nar- de acordo com o
ponto de vista de
rativa. A ideia é que as duas pessoas que passaram pela experiência quem o conta.
marcante não ouçam os relatos uma da outra.
3. Depois de os integrantes do grupo terem ouvido as duas narrativas do mesmo fato, discutam as
seguintes questões:
a. O fato narrado mudou segundo cada narrador? Em caso positivo, quais foram as mudanças?
3. a) Resposta pessoal. É importante que os estudantes sejam capazes de evidenciar algumas mudanças, ainda que pe-

quenas, dependendo de cada narrador, e explicitem-nas, justificando sua resposta.

b. A forma de contar de cada pessoa contribuiu para a compreensão do que aconteceu? Por quê?
3. b) Resposta pessoal.

Os estudantes poderão perceber que há formas diferentes de se contar uma história, que o ponto de vista costuma variar

e que a relação de cada pessoa com o que aconteceu também é diferente.

Agora, discutam a questão a seguir com os colegas e o professor.


 Na tradição popular, há um ditado: “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Relacione esse
ditado à atividade que vocês experimentaram. Essa discussão pretende conduzir os estudantes a refletir
sobre a prática proposta. As mudanças que cada narrador introduz na história podem revelar diferentes pontos de vista e contri-
buir para a ideia de que cada história é uma construção, sendo difícil determinar apenas uma verdade sobre os fatos.

Jogo de cena
Direção: Eduardo Coutinho.
Videofilmes: Brasil.
Ano: 2007.
Duração: 104 min.
Documentário realizado pelo cineasta brasileiro Eduardo Coutinho
(1933-2014), no qual pessoas comuns são convidadas a contar suas
histórias de vida diante da câmera e, posteriormente, atores contam
essas mesmas histórias, como se tivessem acontecido com eles. Se possível, mostre aos estudantes
Enquanto se assiste ao documentário, fica a dúvida entre o que é o documentário Jogo de cena, que
realidade e o que é ficção; entre quem está contando a própria história e pode ser assistido na internet. Para
quem está contando a história de outra pessoa; entre quem é o sujeito isso, digite em um site de buscas as
da história e quem atua “como se fosse” o sujeito da história. palavras “Jogo de Cena Eduardo
Coutinho” e selecione o vídeo.

306 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


ILUSTRADOR: CIBELE QUEIROZ

G18_EM_ARTE_C19_G01 Gráfico da página 2 do PDF disponível em:


http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestic
a_contra_a_Mulher_2013.pdf
Título gráfico: Situação da proteção da mulher Teatro após Lei Maria dade
e igualdade Penha (2013)
gênero
Inserir cotas do gráfico
2% 5% 28%
O 66%
tema da redação do Enem de 2015 foi “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”.
Inserir legenda do gráfico
Essa discussão tem mobilizado vários setores da sociedade brasileira e gerou, entre outras medidas im-
[roxo] – Melhor
[amarelo] – portantes,
Igual a sanção da Lei no- 11.340, intitulada Lei Maria da Penha e promulgada em 7 de agosto de 2006.
[azul claro] – Pior
Dentre as várias mudanças promovidas pela lei [Maria da

AMANA SALLES/ FOTOARENA


[lilás] – Não sabem ou não responderam
Penha], está o aumento no rigor das punições das agressões contra
a mulher, quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. [...]
G18_EM_ARTE_C19_G02
O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, que
ILUSTRADOR: CIBELE QUEIROZ
foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas ve-
zes, ele tentou assassiná-la.
G18_EM_ARTE_C19_G02 – Gráfico da Napágina
primeira comPDF
3 do arma de fogo, dei-
disponível em:
xando-a paraplégica, e, na segunda, por eletrocução e afogamento.
http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestic
O marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos dos
a_contra_a_Mulher_2013.pdf
fatosAaqui
Título gráfico: narrados
violência e só ficou apenas
doméstica dois contra
e familiar anos emaregime
mulherfechado.
(2009 – 2013)
Inserir cotas do SOUZA,
eixo Paulo
vertical
Rogerio do
Areiasgráfico
de. A Lei Maria da Penha e sua contribuição na luta pela erradica- Foto de Maria da Penha Maia Fernandes
0% 20%ção da40% 60%
discriminação 80%da sociedade brasileira. Disponível em: <www.ambito-juridico. (1945-), farmacêutica bioquímica nascida em
de gênero dentro
com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5886>.
Inserir cotas do eixo horizontal do gráfico Acesso em: 14 jan. 2016. Fortaleza (CE). Foto de 23 de novembro de 2010.
2009 2011 2013
Inserir legenda
 Leia os gráficos a seguir e discuta com os colegas e o professor sobre os dados apresentados neles.
[roxo] – Aumentou
CIBELE QUEIROZ

Situação da proteção da mulher após a Lei Maria da Penha (2013)


[amarelo] – Continuou igual
5% 2%
[azul claro] – Diminiu
[laranja] - Não sabem ou não responderam

28%
Melhor
66% Igual
Pior
Não sabem ou não responderam

Gráfico da situação da proteção da mulher após a Lei Maria da Penha (2013).


CIBELE QUEIROZ

A violência doméstica e familiar contra a mulher (2009-2013)


80%

60%

Aumentou
40%
Continuou igual

Diminuiu
20%
Não sabem ou
não responderam
0%
0 2009 2011 2013

Gráfico da violência doméstica e familiar contra a mulher (2009-2013).


DataSenado realizou 1248 entrevistas, no período de 18 de fevereiro a 4 de março de 2013, as quais foram distribuídas nas 27 Unidades
da Federação (UF), mantendo a proporcionalidade da participação da população das UFs na população brasileira,
considerando dados do IBGE de 2012.
Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 307
G18_EM_ARTE_C19_G04
ILUSTRADOR: CIBELE QUEIROZ

G18_EM_ARTE_C19_G04 – Gráfico da página 5 do PDF disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/-


datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf
CIBELE QUEIROZ
Tipo de violência sofrida dentre as mulheres que declaram ter sido agredidas
Título gráfico: Violência doméstica contra a mulher: agressores (2013)
(2009-2013)
Inserir cotas do gráfico
18_EM_ARTE_C19_G0565%80%
13% 11% 2% 8% 1%
USTRADOR: CIBELE Inserir legenda
QUEIROZ
70%
[roxo] - Marido/ companheiro/ namorado
60%
18_EM_ARTE_C19_G05[amarelo]Gráfico
– Ex-marido/
páginaex-companheiro/ ex-namorado
6 do pdf encontrado no link: http://www.senado.gov.br/senado/-
Física
50%
[azul] – Familiar
atasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf
40% Sexual
[azul claro] – Padrasto
tulo gráfico: Atitude30%da mulher
[laranja] – Outro
após última agressão sofrida (2009-2013) Psicológica
serir cotas do eixo vertical
[cinza] do gráfico
20% – Não sabem / Não responderam
Moral
% 5% 10% 10%15% 20% 25% 30% 35%
serir cotas do eixo horizontal
0% do gráfico Patrimonial

009 2011 2013 2009 2011 2013

serir legenda Gráfico do tipo de violência sofrida dentre as mulheres que declaram ter sido agredidas (2009-2013).
oxo] – Denunciou em delegacia da Mulher
CIBELE QUEIROZ

Violência doméstica contra a mulher: agressores (2013)


marelo] – Denunciou80%
em delegacia comum
zul claro] – procurou ajuda dos amigos
aranja] – Procurou70%ajuda65%da família
inza] – Não fez nada60%

lás] – outra opção


50%

Marido/ companheiro/
40% namorado
Ex-marido/
ex-companheiro/
30%
ex-namorado
Familiar
20% Padrasto
13%
11% Outro
10%
8%
Não sabem ou
2% 1% não responderam
0%

Gráfico de violência doméstica contra a mulher: agressores (2013).


CIBELE QUEIROZ

Atitude da mulher após última agressão sofrida (2009-2013)


35%

30%

25%
Denunciou em Delegacia da Mulher

20% Denunciou em delegacia comum

15% Procurou ajuda dos amigos

10% Procurou ajuda da família

5% Não fez nada

Outra opção
0%
2009 2011 2013

Gráfico da atitude da mulher após última agressão sofrida (2009-2013).


SENADO FEDERAL. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Brasília: DataSenado, 2013. Disponível em: <www.senado.gov.br/
senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016.

308 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


O espetáculo Rosa Choque, do coletivo mineiro Os Conectores, propõe um questionamento sobre os
atributos e comportamentos tradicionalmente associados ao gênero masculino e ao gênero feminino e
sobre a violência contra as mulheres. Segundo Os Conectores, o espetáculo provoca o ato de:

Colocar-se no lugar do outro. [...] O choque não é de mulheres contra os homens. O choque é
contra um pensamento que limita a liberdade humana, mas principalmente, de mulheres. O cho-
que – sem violência – é para que haja o encontro [entre homens e mulheres].
Disponível em: <https://osconectores.wordpress.com/teatro/>. Acesso em: 14 jan. 2016.

GUTO MUNIZ/ DIVULGAÇÃO OS CONECTORES MG


Como outros exemplos de peças do Teatro
Documentário, Rosa Choque tem uma drama-
turgia fragmentada: contém dados da realida-
de brasileira sobre a violência contra a mulher,
situações fictícias, discursos conhecidos e rela-
tos biográficos dos atores.
Um dos recursos dramatúrgicos da peça
é colocar o personagem masculino em situa-
ções fictícias de agressão comuns às que mu-
lheres passam na vida real. Em uma cena fictí-
cia de Rosa Choque, um homem vai denunciar
uma agressão sexual sofrida por ele, perpetra-
da por uma mulher, e é interpelado por uma
advogada que sugere que a culpa é dele por Foto do espetáculo Rosa Choque, com direção de Cida Falabella, do
coletivo mineiro Os Conectores. Foto de 2015.
andar desacompanhado à noite ou por se ves-
tir de determinada maneira. Essa troca de gêneros proposta pelo espetáculo leva o público a confrontar-se
com uma ideia bastante difundida: a de que a violência contra a mulher é fruto do comportamento dela
ou da sua forma de vestir-se, e não responsabilidade do agressor.

Agora, converse com os colegas e o professor sobre as questões a seguir.


1. É mais comum às mulheres sofrerem assédio ou violência sexual em ambientes como o lar, o trans-
porte coletivo, o trabalho ou a rua? Justifique sua resposta. 1. Resposta pessoal.
2. Como você pode contribuir para mudar a realidade de violência contra as mulheres no Brasil?
Justifique sua resposta. 2. Resposta pessoal.

As respostas das questões devem


ser baseadas tanto na percepção
Disponível em: <https://osconectores.wordpress.com/ dos estudantes quanto nos da-
conexoes/>. Acesso em: 29 fev. 2016. dos apresentados nos gráficos. O
No blog do coletivo Os Conectores é possível assistir a um teaser de 2 minutos da objetivo é discutir sobre a violên-
peça Rosa Choque. Esse espetáculo discute sobre a questão de gênero ao dissociar cia contra as mulheres e envolver
situações de violência, normalmente vividas por mulheres e que, na peça, passam a os jovens em um esforço coletivo
ser experienciadas por homens provocando uma “desnormalização” dessa violência. para a transformação dessa reali-
dade social.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 309


A atividade proposta neste boxe pode ser
1. Escolhendo o tema Objetivo
feita interdisciplinarmente com História.
Escolham um lugar que interesse a vocês. Sugerimos que seja um lugar  Construir uma
que costumam frequentar (uma praça, a própria escola, um centro cultu- cena sobre um
acontecimento
ral). Quando decidirem, determinem de qual parte da história desse lugar próximo aos
vocês tratarão. Pode ser a história de sua criação/fundação, ou a sua história estudantes, tendo
como base as
atual, ou o cotidiano das pessoas que frequentam esse lugar, ou, até mes-
propostas do Teatro
mo, atividades que acontecem nesse lugar no dia a dia. Documentário.
Sugestão 1: oriente a turma a formar grupos de 5 a 10 estudantes. Cada grupo deverá esco-
lher um objeto de estudo, ou seja, uma temática, um documento, uma escultura etc. Esse modo de trabalho permitirá que cada
2. Coletando os documentos estudante participe ativamente da proposta.
Com os professores de História e de Arte, relacionem os documentos que podem fazer parte da pes-
quisa: fotos, pinturas, desenhos, grafites, registros escritos, sonoros ou audiovisuais. Vocês farão um tra-
balho coletivo para a coleta desses documentos. Coletem os documentos individualmente ou formem
duplas e/ou trios, para que consigam coletar o maior número de documentos possível.
Sugestão 2: trabalhe com a turma completa, auxilie-a na escolha de um objeto de estudo da prática proposta (por meio de uma
votação) e esteja atento para que todos os estudantes contribuam e participem da proposta.
3. Analisando os documentos
Em grupo e com os documentos em mãos, vocês devem: analisar as imagens, os registros sonoros, ler
e interpretar os textos. Essas análises e discussões têm como objetivo investigar como e por que esses
documentos contam a história do local escolhido.

4. Escrevendo o roteiro da cena


Escrevam uma cena da história escolhida por vocês. Não se preocupem em fazer uma história que tenha come-
ço, meio e fim. Vocês podem apresentar determinada sequência dos documentos selecionados entremeada
por narrações da história, ou por diálogos, que consigam expressar e comunicar os acontecimentos. Lembrem-
-se de que cada um tem um ponto de vista sobre os documentos pesquisados. Reflitam e discutam sobre a
perspectiva que o roteiro apresentará a história escolhida. O roteiro da cena deverá ter de 5 a 10 minutos.

5. Ensaiando a cena
Ensaiem a cena usando o roteiro que vocês produziram. Vocês podem, por exemplo, fazer a leitura em
voz alta de cartas, e-mails, entrevistas e demais registros escritos, e trabalhar com a projeção de ima-
gens, com músicas e demais recursos que contribuam para enriquecer a compreensão da história.

A apresentação pode ser feita durante o intervalo, na Feira de Cultura ou


6. Apresentando a cena
em outra atividade cultural da escola.
Apresentem a produção de vocês para as demais turmas da escola.

7. Refletindo sobre a prática


Depois da apresentação, respondam às questões individualmente.

310 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


1. Você deve ter adquirido informações sobre o lugar que seu grupo escolheu pesquisar. Cite pelo
menos três delas e escreva sobre o que mais lhe chamou a atenção.
1. Resposta pessoal.

2. Qual foi o ponto de vista da cena escolhido para narrar a história? Você concorda com ele? Justifique
sua resposta.
2. Resposta pessoal.

3. Quais elementos visuais ou sonoros foram mais importantes para contar a história encenada pelo
seu grupo? Justifique sua resposta.
3. Resposta pessoal.

4. Quais documentos foram mais relevantes para compor o roteiro da cena? Justifique sua resposta.
4. Resposta pessoal.

O objetivo da atividade é permitir que os estudantes tenham um espaço para refletir sobre a prática a partir de questões

objetivas. Estas referem-se a cada etapa do processo da construção de cena e à análise do resultado segundo a perspecti-

va de cada estudante envolvido.

Pintura, Teatro e História | CAPÍTULO 19 311


Neste capítulo, foi possível conhecer e experimentar algumas relações entre Pintura, Teatro e História.
No campo da pintura, foram apresentadas obras que retratam fatos históricos brasileiros do século XIX.
Essa representação de fatos históricos tinha como um de seus objetivos construir a identidade nacional.
No campo do teatro, estudamos o Teatro Documentário, que, tendo como base para a criação da dra-
maturgia documentos vindos de fontes variadas, trabalha a construção da história de um determinado
período de modo crítico, assim como retrata temas autobiográficos de artistas.

RODA DE CONVERSA
Converse com os colegas e o professor e responda às questões a seguir.
1. Qual foi a função da Missão Artística Francesa no Brasil? Justifique sua resposta.
1. A Missão Artística Francesa se constituiu no Brasil durante o reinado de D. João IV e a presença da corte de Portugal no Rio

de Janeiro. Tinha como objetivo documentar os acontecimentos do novo Estado. Foi responsável, também, pela fundação

da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios e pela formação de novos artistas no Brasil.

2. Qual é a relação entre o Teatro Documentário e os acontecimentos históricos? Justifique sua


resposta.
2. O Teatro Documentário estabelece uma relação crítica com os acontecimentos históricos selecionados. Tendo como base

diversos documentos levados à cena, ele pretende evidenciar que a história é uma construção social e não uma forma de

acesso à verdade.

312 CAPÍTULO 19 | Pintura, Teatro e História


20
ARTE E Conteúdos
§ Arte

MATEMÁTICA
§ Matemática
§ Perspectiva
§ Lógica

ALYSTA/ SHUTTERSTOCK

Foto do Domo da Catedral Santa Maria del Fiore, de Filippo Brunelleschi, de 1420-1436, Florença, Itália. Foto de 2010.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 313


Quando se pergunta às pessoas o que é Matemática, é comum se ouvir
respostas como: “Matemática é o uso dos números para fazer as operações
básicas, como adição, subtração, multiplicação, divisão...”. No entanto, a ma-
temática está associada a uma série de mecanismos essenciais para as mais
diversas atividades humanas, como a construção de edifícios, a composição
musical, a elaboração de obras artísticas e o desenvolvimento das tecnolo-
gias de informação.
Neste capítulo, portanto, será estudada a presença da matemática na
estruturação das obras artísticas no período clássico grego, Trecento italia-
no (1300) passando pelo Renascimento e, por último, pela arte moderna.
O Trecento italiano é considerado a primeira fase do Renascimento, onde é

UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/ GETTYIMAGE


possível encontrar o gradativo distanciamento do período medieval. Um con-
ceito fundamental tratado em todo o capítulo é o de perspectiva, a responsá-
vel por oferecer a ilusão de espaço tridimensional em obras artísticas e na
arquitetura. Inúmeras obras utilizaram o princípio da perspectiva, como A
Monalisa e a Última Ceia – ambas do artista Leonardo Da Vinci (1452-1519); A
Vênus, de Sandro Botticelli (1445-1510), entre outras.
Os artistas visuais, desde os períodos mais longínquos, como no Egito
Antigo, buscaram traduzir as formas do corpo humano e da natureza utili-
zando-se das representações geométricas básicas: o triângulo, o círculo e o
quadrado. O círculo para representar a cabeça e os olhos; o triângulo, o ab-
dômen; e o quadrado, o tronco. A estatuária grega praticada do século VII ao
fim do século VI a.C., traz exemplos dessa concepção que vê nas formas geo-
métricas o modelo de representação da realidade, cuja construção da figura
humana acontece por meio de um sistema de proporções entre as partes e
das partes com o todo, ou seja, trabalha a figura humana a partir do princí-
pio harmônico – proporcional das dimensões relativas de seus componen-
tes. Observando a imagem ao lado, é possível perceber como sua organiza-
ção combina as formas dos sólidos de faces planas e os de superfície curva.
UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE/ GETTYIMAGE

Renascimento: compreende o período entre os anos 1400 e 1650, mais associado à ci-
vilização europeia. Uma das características do período é a valorização do ser humano,
deixando de lado concepções pautadas, por exemplo, na religião. Vários são os avanços
desse período nas áreas de ciência, literatura e artes. Alguns princípios básicos, como ra-
cionalidade, retomada artística de preceitos greco-romanos e o rigor científico são nor-
teadores do Renascimento. Kouros jônico proveniente de Milo, feita
de mármore, de cerca de 600 a.C. Altura
Perspectiva: técnica que permite representar objetos, figuras e espaços de maneira rea- 214 cm. Esta escultura colossal estava,
lista em terceira dimensão, oferecendo a ilusão de profundidade e espessura em planos originalmente, no templo de Poseidon e
bidimensionais (de duas dimensões). foi encontrada no final do século XIX.

314 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


Com relação à pintura grega, o historiador da arte Giulio Carlo Argan indica – no livro História da arte italiana:
da Antiguidade a Duccio – os poucos registros materiais existentes das pinturas realizadas no século V a.C.;
nesse caso, limitando seu conhecimento às fontes literárias e com base em alguns exemplos similares de con-
cepção pintados sobre vasos. Desses testemunhos indiretos, o mesmo autor cita alguns dos pintores atuantes
daquela época, como Polignoto de Tasos, cuja pintura seria totalmente desprovida de efeitos de profundida-
de, e Parrásio (c. 470-400 a.C.), que em concepção diferente, buscou conferir simetria aos corpos retratados por
meio da definição de seus contornos.
Os modelos geométricos atravessaram o tempo e o espaço (ver capítulo 18 sobre a arte indígena). Nesse
tipo de arte, os padrões geométricos, como as padronagens dos objetos em palha e as representações nos te-
tos das ocas, correspondem tanto a valores estéticos como também se apresentam como fundamentais em
rituais da comunidade.

RODA DE CONVERSA
A observação atenta da natureza é uma condição básica que acompanha a história de sobrevivência do
ser humano desde o início de sua história no planeta. Essa observação permite identificar padrões geomé-
tricos na própria natureza.
1. Cite no mínimo três exemplos de padrões geométricos que existem na natureza.
1. Resposta pessoal. Sugestões de resposta: No reino animal, as estruturas hexagonais das colmeias; no reino vegetal, o

miolo de um girassol, um repolho cortado ao meio. As plantas e as flores em geral possuem formas que, normalmente, re-

petem o número de pétalas.

2. Faça uma pesquisa em jornais, revistas ou mesmo na internet e traga para a sala de aula imagens
com exemplos de padrões geométricos.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 315


A invenção da perspectiva
e o domínio do espaço
Foi a Matemática que forneceu a base para que artistas do século XV desen-
volvessem uma técnica capaz de representar, de maneira mais realista, a tridimen-
sionalidade dos objetos e do espaço pictórico. Como se sabe, um quadro é feito
em duas dimensões (altura e largura) e o desafio dos pintores do Renascimento
foi o de criar a ilusão de uma terceira dimensão (a profundidade). As primeiras so-
luções foram encontradas no Império Romano e nos afrescos de Pompeia. O uso
da matemática foi fundamental para construir as relações proporcionais entre as
figuras, como pode ser verificado no afresco a seguir, localizado em Pompeia, na
Casa dos Vettii. A ilusão de profundidade foi construída com base em linhas incli-
nadas em direção a uma figura central, caso da lança localizada na mão do perso-
nagem de costas com vestimenta azul – à esquerda do observador – , e na outra
lança, na mão do personagem de vermelho à direita do observador.

DE AGOSTINI/ GETTY IMAGES

Hércules esmagando
serpentes, afresco
da Casa dos Vettii,
Pompeia, Itália, século
I d.C. Foto de 5 de
setembro de 2007.

316 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


Outro elemento que contribui para a “falsa” ideia de tridimensionalidade presente na cena é a construção
arquitetônica atrás dos personagens; a parede cinza demarca a separação da cena em dois planos, pois a sua
própria profundidade, que cresce em direção ao fundo, contribui para o alongamento do primeiro plano em
relação ao segundo. O primeiro – mais próximo do observador – é ocupado pelas quatro figuras, sendo se-
guido pela segunda construção arquitetônica observada na mesma cena e representada pelas quatro colunas
verticais ao fundo. Nesse sentido, o que se percebe na imagem a seguir são soluções relacionadas a princípios
matemáticos, mas que ainda não os exploram sistematicamente com base na realização efetiva de cálculos.
Boa parte do conhecimento matemático no uso da perspectiva foi ignorada durante mais de setecen-
tos anos, o que pode ser explicado pelo fato de a Igreja centralizar grande parte do conhecimento nas biblio-
tecas dos mosteiros e pela dominação da cultura bizantina que, durante todo o século XIII, dominou com seu
repertório de imagens e sistema compositivo a pintura italiana. Para Giulio Carlo Argan, esse processo gradual
de transformação pode ser compreendido entre a passagem da representação simbólica para a representação
histórica com finalidade edificante, pois a perspectiva funcionaria justamente no sentido de dividir o plano bi-
dimensional, conferindo uma nova espacialidade à cena, cujos planos demarcariam uma narrativa com início,
meio e fim. É necessário esclarecer que o tempo do sagrado distingue-se da temporalidade humana. O tempo
sagrado é imutável. Nesse sentido, o processo de apresentação de imagens é substituído pelo processo de re-
presentação de ações humanas. É importante registrar que esse processo de substituição demonstra uma mo-
dificação na própria forma de pensar dos artistas, que deixam de reproduzir imagens, consideradas “eternas”,
para trabalhar na construção espacial e temporal dos fatos por meio de um pensamento histórico, que dire-
ciona-se – novamente conforme apresentação de Argan – ao esclarecimento do significado e valor das ações.
Foi com o artista Giotto di Bondone, no Trecento, que as propostas de organização do espaço em três
dimensões começaram a ser recuperadas, pois, diferentemente dos artesãos bizantinos, Giotto não buscou
refúgio nos cânones herdados dos gregos, “é o personagem histórico que muda a concepção, os modos, a fi-
nalidade da arte, exercendo uma profunda influência sobre a cultura do tempo” (ARGAN, 2003, p. 21).
As cenas retratadas por Giotto não aludem a uma realidade que seja externa ao quadro, resolvem no
suporte pictórico o impasse existente entre a representação icônica e a representação não icônica, caracte-
rístico dos primeiros séculos do cristianismo ainda permeados pela influência bizantina. Esse tipo de repre-
sentação icônica indica a recorrência

ANDRÉ HELD/ AKGIMAGES/ ALBUM/ LATINSTOCK


a figurações indiretas, que, por isso,
significam além de sua própria for-
ma, como o caso de representações
onde a figura de Orfeu (personagem
da mitologia grega) é utilizada como
estratégia indireta para referenciar a
figura de Cristo.

Cristo como Orfeu encanta animais selvagens


com sua música, detalhe da pintura mural das
catacumbas de Domitila, século III, Roma, Itália.
Dimensões: 50 cm × 90 cm.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 317


Essa utilização se justifica não pela semelhança formal entre as duas figu-
ras, mas pela narrativa associada à imagem de Orfeu que, após o rapto de sua
esposa Eurídice, ele a teria procurado em todos os cantos da Terra, chegando
até mesmo ao Hades, região onde se encontravam pessoas mortas. Nesse sen-
tido, sua figura passa a ter significado equivalente ao de Cristo libertando al-
mas do limbo (na crença cristã, é o local onde estariam as almas afastadas da
presença de Deus), que nas palavras de Argan, “seria uma concepção total da
realidade”, e tem no fato representado a determinação de perspectiva da cena.
No afresco a seguir, que traz cena da vida de São Francisco, é possí-
vel observar como as duas construções arquitetônicas, localizadas uma à di-
reita e outra à esquerda, condicionam a espacialidade

STEFAN DILLER/ ALBUM / AKGIMAGES / LATINSTOCK


da cena e conferem profundidade aos espaços laterais
ocupados pelos grupos de figuras. A cena traz o mo-
mento em que São Francisco renuncia aos bens mate-
riais e terrenos de sua família para dedicar-se comple-
tamente a uma vida religiosa dentro da Igreja.
Contudo, foi o arquiteto e escultor Filippo
Brunelleschi quem estruturou o conhecimento da pers-
pectiva linear com a representação das figuras dentro do
espaço. Nesse sentido, Brunelleschi compreendeu que
G18_EM_ARTE_C20_I01A
as Queiroz
Cibele linhas paralelas em um plano, ao convergirem, são ca-
pazes de produzir a noção de ponto de fuga eNão a ilusão
há o traço horizontal marcado no
de três dimensões. Na figura 1, é possível visualizar comode emenda
pedido
estão situadas a linha do horizonte e o ponto de vista do
observador. Na figura 2, pode-se compreender como o G18_EM_ARTE_C20_I01B
Cibele Queiroz
ponto de fuga – para o qual convergem as representa-
Renúncia dos bens paternos, de A vida de São Francisco, afresco, de
ções das linhas paralelas em perspectiva – define a confi-
Giotto di Bondone, 1296. Dimensões: 270 cm × 230 cm. Basílica de
guração dos objetos. São Francisco, igreja superior, Assis, Itália.

PV
2
ILUSTRAÇÕES: CIBELE QUEIROZ

1
a
fug
de
ha
Lin

PF
LH LH

Ilustrações mostram a localização das linhas responsáveis pela composição da perspectiva do ponto de vista do observador (PV), em que é possível
perceber a linha do horizonte (LH) e o ponto de fuga (PF).

318 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


Para entender a aplicação dos princípios

RABATTI  DOMINGIE/ ALBUM / AKGIMAGES / LATINSTOCK


da perspectiva, é possível analisar o afresco
Santíssima Trindade. Tomando como base o es-
quema de representação ao lado, percebe-se
onde está situado o ponto de fuga e a maneira
que as linhas servem como caminho de cons-
trução da proporcionalidade da cena. O olhar
do observador é direcionado para a represen-
tação de Jesus, que parece flutuar dentro do
espaço da cúpula. Masaccio faz uso do princí-
pio das paralelas, verificadas nos quadrados que
compõem o arco do teto, criando a ideia de afu-
nilamento, como um “túnel”.

TV ESCOLA. Disponível em: <http://tvescola.mec.


gov.br/tve/videoteca/serie/arte-e-matematica>.
A série “Arte e Matemática”, produzida em
13 episódios, apresenta em uma perspectiva
temática e temporal as relações existentes entre
os conhecimentos artísticos e matemáticos.
Para tanto, analisa pinturas, esculturas,
arquitetura e música demonstrando como o
conhecimento matemático é peça fundamental
para a construção das formas artísticas.

A Santíssima Trindade com a Virgem, São João e doadores,


afresco, de Masaccio, 1426-1427. Dimensões: 680 cm X 475 cm.
O ponto indicado em vermelho é o ponto de fuga. Nessa mesma
altura, seria também a linha do horizonte do observador, por
isso, o Cristo é visto de baixo para cima, já que a figura está
acima da linha do horizonte.

Para atribuir tridimensionalidade às representações da natureza, às figuras, aos Objetivo


objetos e às estruturas arquitetônicas no plano bidimensional, a perspectiva é § Desenhar em
construída a partir do traçado de uma linha imaginária à altura dos olhos do obser- perspectiva.

vador denominada “linha do horizonte”, de modo que tudo o que estiver abaixo
dela será visto de cima para baixo, enquanto o que estiver acima, é visto de baixo para cima. Os elementos
situados exatamente na linha do horizonte são vistos de frente, sem variação. As profundidades dos obje-
tos são alcançadas por meio de pontos colocados sobre a “linha do horizonte”, que recebem o nome de
“ponto de fuga”, cujas posições serão definidas a partir do ângulo de visão do observador.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 319


Como desenhar em perspectiva (com um ponto de fuga)
1. Selecione uma cadeira ou mesa e disponha-a na sala de aula conforme achar mais adequado.
2. Em uma folha avulsa, trace a linha do horizonte e decida a posição do objeto em relação à linha, ou
seja, se ele estará abaixo, sobre a linha ou acima dela e se estará exatamente na frente, à esquerda
ou à direita do observador. Levando em consideração essas informações, marque o ponto de fuga
(lembre-se de que ele deve estar sempre sobre a linha do horizonte).
3. Para facilitar a execução do desenho, se preferir, trace diversas retas partindo do ponto de fuga para
nortear seu trabalho. Trace essas linhas levemente, pois serão apagadas na finalização do desenho.
Elas serão responsáveis pela ideia de tridimensionalidade do objeto.
4. Agora, trace, no espaço definido anteriormente, a parte do objeto que estará voltada para você, ou seja, o
lado do objeto frontal ao observador.
5. Defina a partir das linhas traçadas a profundidade do objeto e, por fim, apague as linhas traçadas em
direção ao ponto de fuga e demarque os contornos do objeto com uma caneta colorida.

Concretismo – a beleza da Matemática


Concretismo é um termo oriundo da expressão “arte concreta”, usado pela primeira vez pelo artista plás-
tico holandês Theo van Doesburg, em manifesto publicado no único exemplar da revista Arte Concreta lança-
da em 1930. Van Doesburg demarca no manifesto seis princípios da pintura concreta:

Dizemos:

1-º A arte é universal.


2-º A obra de arte deve ser inteiramente concebida e formada pelo espírito [(mente)] antes de sua
execução. Ela não deve receber nada dos dados formais da natureza, nem da sensualidade, nem da
sentimentalidade.

Queremos excluir o lirismo, a dramatismo, o simbolismo etc.

3-º O quadro deve ser inteiramente construído com elementos puramente plásticos, isto é, planos
[(superfícies)] e cores. Um elemento pictural só significa “a si próprio” e, consequentemente, o quadro
não tem outra significação que “ele mesmo”.
4-º A construção do quadro, assim como seus elementos, deve ser simples e controlável visualmente.
5-º A técnica deve ser mecânica isto é, exata, anti-impressionista.
6-º Esforço pela clareza absoluta.
DOESBURG, Theo van. Arte concreta. In: AMARAL, Aracy A. (Coord.). Projeto construtivo na arte: 1950-1962.
Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977. p. 42

Um dos principais objetivos do grupo, como foi verificado no manifesto, era buscar uma arte mais obje-
tiva possível com a construção de formas e linhas que se aproximassem da matemática. Nesse caso, a pintura
era realizada com ângulos e linhas retas, somente com o uso de vermelho, amarelo e azul (cores primárias) e
cinza, branco e preto (consideradas negativas).

320 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


A crítica concretista [...] pretende situar definitivamente o âmbito de uma arte em ruptura com a represen-
tação, não apenas no nível das aparências visíveis do mundo, como também de toda e qualquer forma de repre-
sentação, seja ela expressão da subjetividade do artista, ou qualquer outra. Desvincular a arte da representação
pressupunha fundar a pintura-coisa, concreta em sua especificidade, como o restante dos objetos existentes na
realidade. E essa concretude específica da obra definia-se a partir de uma plástica essencial.
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Compil.). Introdução. In: Abstracionismo geométrico
e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: FUNARTE/ INAP, 1987. p. 15-16.

O Concretismo possui em suas bases os mo-

© 2016 ESTATE OF PABLO PICASSO / ARTISTS RIGHTS SOCIETY ARS, NEW YORK
vimentos racionalistas, que, por volta de 1910,
abandonaram gradativamente as representações
figurativas ou passaram a trabalhar na constitui-
ção de um repertório visual geométrico. Exemplo
desse abandono da representação em prol da
abstração pode ser encontrado já no início da
década de 1910 nas aquarelas desenvolvidas por
Wassily Kandinsky (1866-1944), e, no que diz res-
peito à adoção da forma geométrica como princí-
pio para a composição, é possível ressaltar as pro-
duções associadas ao Cubismo, que trouxeram
uma nova abordagem à questão da representa-
ção volumétrica – tridimensional dos objetos – na
superfície plana e bidimensional do quadro ao re-
cortar geometricamente os elementos represen-
tados, tornando possível registrar o aspecto tridi-
mensional dos objetos, por meio da reunião dos
Retrato de Daniel-Henry Kahnweiler, óleo sobre tela, de Picasso, 1910.
vários perfis do mesmo. Essa estratégia das múlti- Dimensões: 100,6 cm × 72,8 cm.
plas vistas do objeto pode ser observada no rosto © VASSILY KANDINSKY, VEGAP/ ALBUM/ DE AGOSTINI/ M. CARRIERI/ LATINSTOCK

desconstruído de Daniel-Henry, personagem re-


presentado no quadro.

Schwebende Kraft, aquarela em


papel, de Wassily Kandinsky, 1928.
Dimensões: 34 cm × 47 cm.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 321


Envolvidos pelos avanços tecnológicos,

ACERVO MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP, SÃO PAULO


os artistas que participaram desse movimen-
to se empenharam em conceber uma nova
linguagem visual, aproximando-se dos obje-
tos produzidos em série pela indústria.
O artista suíço Max Bill (1908-1994) dá
continuidade aos ideais desenvolvidos por
Theo van Doesburg a partir do ano de 1936 e
o movimento se espalha pela Suíça, chegan-
do à cidade de Ulm, na Alemanha e à América
Latina. Max Bill acreditava na possibilidade
de desenvolver uma arte que expressasse os
conceitos matemáticos (abstratos) da forma
mais objetiva possível, assim como na forma-
lização de uma equação matemática, ou seja,
acreditava que era possível realizar artistica-
mente os preceitos matematicamente expres-
sos. A concepção de arte de Bill influenciou
artistas na América Latina, principalmente na
Argentina e no Brasil, e ele foi premiado na
I Bienal de São Paulo, em 1951, com a escul-
tura Unidade Tripartida, que pode ser obser-
vada na imagem ao lado. A escultura traz a Unidade Tripartida, escultura aço inoxidável, de Max Bill, 1948-1949. Dimensões:
114,0 cm × 88,3 cm × 98,2 cm.
demonstração tridimensional do princípio da

GIPHOTOSTOCK/ PHOTO RESEARCHERS, INC./ LATINSTOCK


fita de Moebius, cuja denominação matemáti-
ca como objeto “não orientado” indica a pre-
sença de uma única superfície e uma única
borda, sendo uma estrutura contínua que alu-
de a ideia de infinito, já que sua construção se
verifica por meio da união das duas pontas de
uma fita torcida a 180°.
Max Bill explora a tal ponto a noção de
continuidade e infinitude da faixa de aço, que
a escultura oferece um duplo cruzamento en-
tre seu próprio espaço interno, pois o retorci-
mento presente na base da escultura permite
que a mesma face se volte ora para dentro e
ora para fora. Foto de fita de Moebius: uma única superfície e uma única borda.

322 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


O Concretismo no Brasil teve seus expoentes principais nos grupos Frente e
Ruptura, localizados, respectivamente, nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo.
O grupo Ruptura contou inicialmente com os artistas Waldemar
Cordeiro (1925-1973), Lothar Charoux (1912-1987), Geraldo de Barros (1923-
-1998), Kazmer Féjer (1923-1989), Anatol Wladyslaw (1913-2004), Luiz Sacilotto
(1924-2003) e Leopoldo Haar (1910-1954). Tal configuração foi inicialmen-
te registrada na exposição de mesmo nome, realizada no Museu de Arte
Moderna, em São Paulo, em 9 de dezembro de 1952. O objetivo era oficializar
o ideal de renovação das artes plásticas por meio da recusa à arte figurati-
va. O programa do grupo foi registrado no Manifesto Ruptura, assinado pelos
seis artistas e distribuído ao público da exposição. Durante a década de 1950,
outros artistas viriam a fazer parte do grupo, como Maurício Nogueira Lima
(1930-1999), Judith Lauand (1922-), Alexandre Wollner (1928-) e Hermelindo
Fiaminghi (1920-2004).
Esta obra de Waldemar Cordeiro, por exemplo, ilustra a formalização
matemática no desenvolvimento circular de linhas repetidas com leves des-
locamentos calculados a partir de um ponto central. Esse deslocamento cria
uma noção de movimento e dinamismo ao simular o movimento das formas
dentro do espaço.

PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ideia visível, esmalte sobre hardboard,


de Waldemar Cordeiro, de 1957.
Dimensões: 100 cm × 100 cm.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 323


O grupo Frente surgiu de um conjunto de artistas reunidos em torno de
Ivan Serpa (1923-1973), que atuava como professor de artes em cursos realiza-
dos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro desde 1952. Os primeiros in-
tegrantes do grupo, entre eles João José da Silva Costa (1931-2014), Lygia Pape
(1927-2004), Aluísio Carvão (1920-2001), Carlos Val (1937-), Lygia Clark (1920-1988),
Décio Vieira (1922-1988), além do próprio Serpa foram vistos na exposição reali-
zada em 30 de junho de 1954 na galeria do Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU)
em Copacabana. A segunda exposição do grupo Frente ocorreu em 14 de julho
de 1955 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, momento no qual se in-
tegram ao grupo os artistas Franz Weissmann (1911-2005), Hélio Oiticica (1937-
-1980), João José da Silva Costa (1931-2014) e Abraham Palatnik (1928-).
O crítico de arte Mário Pedrosa foi o responsável pelo texto de apresen-
tação da exposição, realizando análises sobre os artistas participantes, caso
de Lygia Pape, que segundo o crítico, “grava, com audácia crescente em pre-
to e branco e em cores, numa matéria rica e delicada, formas que se vão de-
purando e universalizando cada vez mais, à medida que o pensamento plás-
tico se alteia”. (PEDROSA, 1998, p. 255).
As palavras do crítico fazem referência às gravuras expostas denominadas
por Lygia Pape como Composição, em que é possível perceber as marcas deixa-
das pelos veios presentes na matriz de madeira, material selecionado pela artis-
ta como suporte para a gravação, cuja técnica recebe o nome de xilogravura.
COLEÇÃO PARTICULAR

Xilogravura: técnica que consiste


na realização do desenho direta-
mente sobre a madeira por meio
da incisão feita com goivas, (ferra-
mentas pontiagudas e cortantes
utilizadas para o entalhe em ma-
deira), onde a superfície de madei-
ra é colocada um nível abaixo da
imagem desejada, como em um
carimbo, para que, no momento
de aplicação da tinta sobre a pla-
ca de madeira, somente a imagem
em alto relevo receba o pigmento
Composição, xilogravura de Lygia Pape, 1955. Dimensões: 33 cm x 48 cm. e seja impressa no papel.

324 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


É interessante analisar como a artista organiza as formas geométricas sobre o plano, de modo que seja possí-
vel obter a sensação de profundidade. Por exemplo, no lado à direita do observador, é possível ver que os dois só-
lidos maiores de cor negra foram dispostos como se atravessassem o plano em uma movimentação realizada em
diagonal, ou seja, como se partissem do ponto mais próximo ao observador àquele mais afastado situado ao fundo.
A iminência do contato entre as duas arestas das duas figuras demarcam a cadência do movimento, con-
tribuindo na ação de direcionamento do olhar do observador a esse mesmo ponto. A sensação de profundida-
de se completa no momento em que a ação se concentra na proximidade entre a segunda forma e a terceira
– polígono de cinco lados –, que sequencia o deslocamento, mas, agora, de dentro para fora, ou seja, do ponto
situado mais ao fundo àquele mais próximo à esquerda. É possível ainda desenhar o caminho percorrido pelas
formas geométricas de uma segunda maneira, como se essas traçassem um “V” invertido, cuja primeira ponta
se fixa no lado direito da cena, com o vértice ao centro, e a segunda e última ponta, no lado esquerdo.

COLEÇÃO PARTICULAR

Composição, xilogravura de Lygia Pape, 1955.


Dimensões: 33 cm x 48 cm.
Feita a apresentação sobre as origens compartilhadas pelos dois grupos: Ruptura (São Paulo) e Frente (Rio de
Janeiro) é preciso agora frisar suas respectivas diferenças, demarcadas justamente na interpretação e na prática efeti-
vada pelos grupos com relação ao debate internacional da arte concreta. O grupo de São Paulo – Ruptura –, desde o
surgimento em 1952, tratou de referenciar em sua prática as questões teóricas do Concretismo desenvolvido por Max
Bill e pela Escola de Ulm na Alemanha, enquanto o grupo do Rio de Janeiro – Frente – cultivou, já na primeira mostra
de 1954, uma maior independência com relação a tais preceitos.
O ano de 1959 marca uma condição inconciliável entre os dois grupos, fazendo o grupo carioca, com-
posto naquele momento por Amílcar de Castro, Franz Wissman, Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, Aluísio
Carvão, Décio Vieira e posteriormente Willis de Castro e Hércules Barsotti (único vindo de São Paulo) e os poe-
tas Cláudio Mello e Sousa, Ferreira Gullar, Reynaldo Jardim, Theon Spanudis, entre outros, realizar sua dissidên-
cia com o Concretismo e promover a fundação do Neoconcretismo, publicando no mesmo ano o Manifesto
Neoconcreto, que formaliza, principalmente, a preferência do grupo à experiência artística como princípio
construtor da obra, e não a teoria, como visto na prática paulista.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 325


Leia o Manifesto Ruptura e depois responda às questões.
REPRODUÇÃO

Foto do Manifesto Ruptura (assinado


por Lothar Charoux, Waldemar Cordeiro,
Geraldo de Barros, Kazmer Fíjer, Leopold
Haar, Luis Sacilotto, Anatol Wladyslaw).
Distribuído na exposição Grupo Ruptura,
realizada em 1952 no Museu de Arte
Moderna de São Paulo.
1. Qual o objetivo de publicação do Manifesto Ruptura? O objetivo era realizar uma distinção entre os que criam
formas novas de princípios velhos e aqueles que criam formas novas de princípios novos. Leve os estudantes a compreen-
der que o objetivo da arte concreta é romper totalmente com os princípios básicos da representação naturalista sistema-
tizada pelo Renascimento – e por Leonardo – e mantida como prática posteriormente. Esse tipo de representação natura-
lista, firmada principalmente na perspectiva, pressupõe uma ilusão que sugere a tridimensionalidade dos objetos e, por
isso, era considerada pelos artistas concretos como “falsa”, uma vez que o plano usado como suporte para a pintura possui
somente duas dimensões. Outro fator importante era romper com o tonalismo, que no mesmo preceito ilusório, conferia
volumetria aos objetos pintados com a técnica claro-escuro. Como proposta, os artistas concretos buscavam as cores pu-
ras e uniformes sem qualquer variação tonal. E, por último, a questão do movimento foi alcançada na pintura por relações
existentes somente no mundo da pintura, sendo novamente, um movimento “falso”, que não se dá por fatores existentes
no mundo físico dos objetos, e sim pela disposição e semelhança das formas no quadro.

326 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


2. Identifique o trecho do manifesto que explica o que seria a inteligência de Leonardo e justifique
por que – para os autores – essa não poderia mais se verificar como “a nossa inteligência”.
A referência à inteligência de Leonardo se relaciona ao tipo de estratégia utilizada pelo artista para a composição de seus
quadros, ou seja, a perspectiva, que aparece textualmente no manifesto como “o naturalismo científico da renascença –
o método para representar o mundo exterior (três dimensões) sobre um plano (duas dimensões)”. Essa estratégia é válida
também para outros artistas associados ao Renascimento, entretanto a menção pontual a Leonardo da Vinci se justifica
por ter sido ele o responsável pela formulação dos três princípios do naturalismo científico em seu “Tratado da Pintura”,
dos quais a já citada tridimensionalidade (perspectiva), o tonalismo (claro-escuro) e a representação estática do movi-
mento dos objetos. Se possível, monte uma apresentação com imagens dos trabalhos realizados por Leonardo da Vinci
e mostre-a para a turma para melhor percepção dos três princípios da representação naturalista citados anteriormente.

Arte e Língua Portuguesa


Se necessário, explique aos estudantes que capotão refere-se a casaco ou capa longa utilizada como proteção contra intempéries.
O Movimento Concretista também teve

ACERVO DA EDITORA
como objetivo reestruturar a linguagem artística
no campo da poesia. Décio Pignatari, Augusto de
Campos e Haroldo de Campos, reunidos desde o
ano de 1952 em grupo denominado Noigandres
– lançando uma revista de mesmo nome –, fo-
ram alguns dos envolvidos na construção da
poesia concreta no Brasil. Nessas composições,
as palavras são utilizadas em seu significado se-
mântico e no valor imagético, ou seja, na poesia
concreta a palavra possui tanto a qualidade de
“sentido” quanto sua “forma” e, por isso, funcio-
na estruturalmente, sendo encaixada no plano PIGNATARI, Décio. Contribuição para um alfabeto duplo.
da folha como uma peça. O poema passa, assim, In.: Poesia, Pois é, Poesia. / Poetc. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 184.
a incorporar elementos da racionalidade matemática como parte do processo criativo, brincando com a simulta-
neidade entre comunicação verbal e visual. Décio Pignatari, no exemplo acima, constrói uma frase de modo que a
combinação entre as letras “b” e “p” e “o” e “i”, ofereça uma dupla interpretação a uma mesma palavra e sentença.
 Pesquise na internet ou na biblioteca outros exemplos de poemas escritos por Augusto de
Campos, Haroldo de Campos ou Décio Pignatari e, com essa reunião de referências, escreva,
em uma folha avulsa, o seu poema. Pense nas palavras, em seus sentidos, em suas configura-
ções formais, em como as palavras estarão dispostas no papel etc. Esta atividade permite o trabalho
interdisciplinar com Língua Portuguesa. Se julgar interessante, organize um sarau para a apresentação dos poemas escritos pe-
los estudantes.
Noigandres: revista fundada pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos com Décio Pignatari, em 1952. A palavra “noigan-
dres” foi retirada de um poema de Ezra Pound, que não possui significado específico e apenas faz referência à experimenta-
ção verbal. A revista foi o veículo da proposta artística do grupo e trazia vários dos poemas visuais produzidos pelo grupo.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 327


Número de ouro – a beleza
da proporcionalidade
No século V a.C., na Grécia, no período clássico, a beleza era
sinônimo de proporcionalidade, e essa proporção ficou conheci-
da como número de ouro ou proporção áurea. Sua fórmula pode
ser entendida da seguinte maneira: o lado maior de uma figura
dividido pelo lado menor é igual à divisão entre o lado menor e
a diferença entre o lado maior e o menor. Os matemáticos foram
capazes de expressar numericamente a proporção áurea com a

E
E A RT
letra grega “fi”, que representa a aproximadamente 1,6180. Veja,

RIA D
EDITO
no pentagrama ao lado, um exemplo em que a proporção áurea
está representada. Representação do pentagrama, exemplo de organização
que ilustra a razão do número de ouro.
Ao traçar retas unindo as pontas da estrela obtém-se um
pentágono e, novamente, com a interseção dessas linhas em

SHUTTERSTOCK/ LEONART
seu interior, temos um novo pentágono que forma outra es- 1

trela menor, mas que mantém a proporção da primeira estrela. 34


55
A sequência de Fibonacci foi desenvolvida pelo italiano
Leonardo Fibonacci, por volta do ano 1200. O matemático com-
pôs uma sequência numérica na qual o número 1 é o primei- 8
5
3 21
ro e o segundo elemento da ordem e os próximos termos são 13
resultantes da soma de seus dois antecessores. Em linguagem

ADRIAN HANCU/ GLOW IMAGES


matemática, a sequência é: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144... 2
Essa sequência numérica encontra-se presente na nature-
za, por exemplo, no número de sementes no miolo do girassol,
que são organizadas em dois conjuntos de espiral, cuja soma ge-
ralmente indica 21 no sentido horário e 34 no sentido oposto.
Outro exemplo possível pode ser encontrado no crescimento da
concha de um caramujo, onde cada novo pedaço acrescentado
é igual a somatória da dimensão dos dois anteriores. A sequência
Fibonacci tem como constante o número 1,6, o mesmo valor da
Na figura 1, está representada a constante de Fibonacci.
proporção áurea aplicada pelos gregos nas construções de seus A figura 2 é a parte interna de uma concha de caramujo
templos e pelos egípcios na construção das pirâmides. em que é possível reconhecer essa constante.

Há inúmeros exemplos da utilização da constante Fibonacci. Procure algumas dessas representa-


ções na biblioteca ou na internet. Traga esses exemplos para a sala de aula e compartilhe com o pro-
fessor e com os demais colegas. Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

328 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


Candido Portinari (1903-1962), na obra Café, usa o padrão descoberto pelos
gregos não para conferir importância a determinado personagem, como na obra
Santíssima Trindade, de Masaccio, vista anteriormente, mas para evidenciar a rotina
nas lavouras de café, onde os trabalhadores quase não possuíam identidade e re-
presentavam apenas mais um número no exercício diário das plantações.
PORTAL PORTINARI  ACERVO

Café, óleo sobre tela, de Candido Portinari,


1935. Dimensões: 130 cm × 195 cm.
A obra é construída em uma sequência de linhas que conduz o olhar do
observador para os trabalhadores que levam o saco de café na cabeça e dos
quais não se pode ver o rosto, demarcando o objetivo de Portinari em centralizar
a ação e não quem a executa. Essa centralidade pode ser verificada no esboço a
seguir, feito pelo artista como preparação para a obra, e permite perceber clara-
mente a presença do ponto de fuga no canto superior à esquerda do observa-
dor e as linhas que partem desse ponto em paralelo e perpendicularmente a ele.
PORTAL PORTINARI  ACERVO

Esboço da obra Café, desenho a grafite


sobre papel, de Candido Portinari, 1935.
Dimensões: 40 cm × 58 cm.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 329


Mosaicos e M. C. Escher
Os gregos foram os primeiros a verificar que triângulos, quadrados e hexágonos (os polígonos regulares)
eram formas geométricas que ofereciam possibilidades de composição completa do plano.
Exemplos de mosaicos gregos datados do século II a.C. foram recentemente descobertos na cida-
de turca de Zeugma. Um dos mosaicos descobertos representa as nove musas: Calíope, Clio, Érato, Tália,
Melpômene, Terpsícore, Euterpe, Polímnia e Urânia. Os mosaicos foram encontrados em uma das cidades
mais importantes do reino de Comagena que fazia parte do Império Selêucida.
Os mosaicos podem ser compostos com a combinação de diversos tipos de polígonos regulares, caso
do triângulo, hexágono e quadrado, unidos pelo encontro entre seus vértices.

FOTOS: UNIVERSIDADE DE ANCARA


Foto de mosaico greco-
-romano encontrado em 2014
ao sul da Turquia na cidade
Zeugma por uma equipe de
arqueólogos da Universidade
de Ancara, também na
Turquia.

Detalhe de mosaico greco-


-romano representando a
musa Tália (musa da poesia
e da comédia).

330 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


Outra possibilidade de composição para produzir os mo-

TONIFLAP/ SHUTTERSTOCK
saicos é o uso de formas não geométricas, como feito pelos
mouros na imagem ao lado.
O artista Maurits Cornelis Escher (1898-1972), importan-
te artista holandês, por exemplo, teria se interessado por esse
tipo de composição após ter passado uma temporada na
Espanha, quando teve contato com os mosaicos da cidade de
Alhambra. Observe as semelhanças entre a obra Cada vez me-
nor, de Escher, e a imagem do mosaico árabe ao lado. É possí-
vel perceber como os dois compartilham da repetição de um
mesmo motivo como forma de recobrir a superfície, dividindo
o plano por meio do encaixe geométrico das figuras e pela
alternância entre um conjunto de cores definidas. O mosaico
árabe sudivide o plano pela proximidade entre as sequências
de figuras dispostas diagonalmente nas cores preta, amarela
e azul. A xilogravura de Escher divide os planos por meio das
cores preta, branca e vermelha. A repetição da forma e sua dis-
posição calculada na superfície é a tal ponto explorada por
Escher, que torna possível a ideia de continuidade infinita entre
os planos, que assumem dimensões menores à medida que
se aproximam do centro e maiores quando se aproximam das
quatro margens da imagem como se estivessem em um mo-
vimento constante de multiplicação.
Foto de mosaico no Palácio Alhambra, construído no século
XIII, Granada, Espanha.
COLEÇÃO PARTICULAR

Cada vez menor, xilogravura, de M. C. Escher, 1958.


Dimensões: 37,8 cm × 37,8 cm.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 331


Materiais O objetivo desta atividade é levar os estudantes a compreender os prin-
cípios que estruturam o mosaico, ou seja, a união feita pelos vértices e Objetivo
 tesoura; a simetria criada pela combinação repetida de uma mesma forma geo-  Criar um padrão
 cola; métrica. Oriente-os, destacando a eles que o trabalho com um mesmo geométrico e produzir
padrão geométrico pode oferecer combinações diferentes por causa da um mosaico.
 lápis;
variação das cores e texturas. Se possível, realize uma exposição dos tra-
 régua; balhos deles na escola.
 papéis de diferentes cores e texturas (folhas de revista, cartolina, jornal etc.);
 papel que sirva de suporte para compor o mosaico (folha de papel sulfite A4, A3 ou cartolina).
Como fazer
1. Escolha um polígono: triângulo, quadrado, retângulo, trapézio, losango, pentágono, hexágono etc.
2. Faça um molde da forma do polígono selecionado, por exemplo, um triângulo que tenha 4 cm em
cada lado.
3. Nos papéis de diferentes texturas, risque com o molde o mesmo polígono quantas vezes achar ne-
cessário, de acordo com o tamanho do mosaico pretendido.
4. Recorte os polígonos.
5. Cole-os sobre a superfície do papel escolhido como suporte para o mosaico, formando padrões
geométricos.

Neste capítulo, foi feita uma caminhada passando pela Antiguidade grega, pelo Trecento e pelo
Renascimento. Foi possível acompanhar também os trabalhos dos artistas concretos brasileiros desenvol-
vidos em direta relação com as leis e os princípios matemáticos. A matemática é uma ciência que com-
partilha espaços da vida dos seres humanos; está na arte, na biologia e chega a passar despercebida pela
simplicidade com que compõe e estrutura os elementos da natureza, com a mesma simplicidade que
confere beleza e equilíbrio a uma obra artística.
Dos vários aspectos da relação entre arte e matemática, seria interessante retomar alguns pontos da
estratégia de representação tridimensional dos objetos conhecida como perspectiva, sobre a qual foi es-
tudado o método utilizado pelos pintores romanos, como foi visto no afresco na casa dos Vettii, onde os
objetos possuem uma representação individual, cuja proximidade entre eles oferece a ideia de profundi-
dade, e a perspectiva desenvolvida em Florença, no início do século XV, por artistas como Leonardo da
Vinci, onde um único ponto de vista define toda a representação, concebendo a cena como um todo.
Conclui-se, então, que as atuações do artista e do matemático sempre estiveram muito próximas, uma
vez que ambas se constituem como formas de responder de maneira lógica a questões, sejam elas artísti-
cas, caso do esforço em conferir tridimensionalidade a objetos representados no plano bidimensional, se-
jam numéricas, desvendando as relações geométricas entre polígonos e as razões existentes na natureza.

332 CAPÍTULO 20 | Arte e Matemática


RODA DE CONVERSA
1. No Manifesto Ruptura os artistas se opõem aos princípios de representação naturalista da arte ita-
liana. Explique como essa recusa foi trabalhada formalmente nas obras analisadas dos artistas
paulistas.
1. A pintura naturalista italiana possuía normas para a utilização das cores, assim como parâmetros para representação de

objetos, de pessoas e da natureza. O grupo Ruptura passou a reivindicar a utilização tanto de cores como formas que não

eram comuns na arte italiana.

2. As diferenças entre os grupos concretos de São Paulo e do Rio de Janeiro são caracterizadas pela
prioridade conferida à teoria e à experiência. Seria possível reconhecer essas diferenças nas obras?
Justifique sua resposta.
2. Resposta pessoal.

As obras dos grupos concretos podem ser reconhecidas pela utilização de formas geométricas em suas pinturas e escul-

turas. O grupo do Rio de Janeiro, Neoconcreto, utiliza objetos dos mais variados, inclusive fotos da execução das obras.

Arte e Matemática | CAPÍTULO 20 333


2
ARTE E Conteúdos
§ Relação entre arte

TECNOLOGIA
e tecnologia; artes
cênicas e tecnologia
§ Música e tecnologia

PHILA 7/ DIVULGAÇÃO

Foto do evento de construção coletiva Profanações do Grupo Phila 7, realizado em agosto de 2012. O público presente era
convidado a trazer seus computadores e smartphones para interagir em tempo real com a ação cênica. Também havia o
público que assistia a transmissão ao vivo através do site www.profana.art.br.

334 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Existem muitas pinturas, gravuras ou textos descritivos que buscaram registrar apresentações cênicas e que
podem ser encontrados em museus e bibliotecas. São registros como esses que permitem imaginar como eram
os espetáculos cênicos de antigamente quando a fotografia, o cinema ou o vídeo não haviam sido inventados.
Até as duas últimas décadas do século XX, o cinema e a televisão eram as únicas formas de se assistir a es-
petáculos cênicos que aconteciam em lugares distantes. Atualmente, a internet permite, entre outras coisas,
transmitir e assistir obras cênicas em tempo real da tela dos computadores, tablets e smartphones.
Neste capítulo, serão apresentadas algumas das muitas experiências cênicas do século XXI em conexão
com tecnologias de transmissão remota, especificamente o cinema, os programas de computador e a internet.
Tecnologias de transmissão remota são aquelas que permitem uma conexão entre pessoas distantes, seja essa
distância apenas espacial, com o uso de programas de computador que permitem comunicação pela internet
com conexões de áudio e vídeo ou da televisão ao vivo, seja espacial e temporal, como no caso do cinema e
outras gravações que ocorrem em um momento diferente de sua exibição ao público.
Porém, tecnologia não é apenas as transformações vivenciadas no século XXI. Há diversas tecnologias que
marcaram historicamente a evolução do ser humano assim como a história das artes.
É possível que os povos pré-históricos tenham utilizado sons e silêncios para realizar algo que hoje poderia
ser considerado música. Não há registros de expressões musicais pré-históricas, mas é provável que algo esteja
gravado no inconsciente coletivo, em forma de patrimônio musical da humanidade.
Entretanto, se não se sabe muito sobre as relações dos povos pré-históricos com a música, o desenvolvi-
mento de tecnologias de gravação sonora, a partir do final do século XIX, resultou em profundas modificações
nas relações do ser humano ocidental com a música.
Neste capítulo, serão estudadas algumas formas de relacionar a música e as tecnologias no que se refere à
sua produção, veiculação e comercialização, e também como o desenvolvimento tecnológico ao longo dos sé-
culos XX e XXI tem modificado as formas como as pessoas produzem e ouvem música.
Inconsciente coletivo: segundo o médico suíço Carl Jung (1875-1961), um dos principais nomes da psicanálise, as pessoas
apresentam um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças que são herdadas de ancestrais e que são compar-
tilhadas por toda a humanidade, geração após geração.

RODA DE CONVERSA
Atualmente há diversas obras teatrais que foram adaptadas para a televisão, o cinema e a internet assim
como há inúmeras gravações de balés, peças, concertos, óperas ou e apresentações circenses. Hoje em dia,
por exemplo, é cada vez mais comum que os artistas disponibilizem fragmentos de suas obras na internet.
1. Você já assistiu a um filme que foi primeiramente uma peça de teatro ou um balé? Ou já assistiu a
alguma obra de dança, concerto, ópera ou espetáculo de circo, performance, entre outros, no cine-
ma, na televisão ou na internet? Escreva abaixo o título e quais foram suas impressões sobre a obra
assistida e, depois, compartilhe com os colegas e o professor suas experiências.
1. Resposta pessoal. Ao longo deste livro, há exemplos de obras cênicas que poderiam ser vistas em programas de televi-
são, filmes ou na internet nos boxes “Arte para assistir” e “Arte para navegar”. Caso os estudantes não se lembrem de um
exemplo de alguma obra que foi adaptada para outra mídia, escolha uma das indicações dadas, apresente para a turma e
estimule uma discussão com base nela.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 335


2. Qual é a diferença entre assistir a uma obra cênica ao vivo, com a presença dos artistas, e assistir à sua
reprodução em vídeo, ao vivo ou não, através das telas da televisão, cinema ou computador, longe
dos artistas?
2. Resposta pessoal.

O objetivo desta atividade é provocar uma reflexão sobre a importância da copresença de público e artistas nas obras cênicas.

Isso já foi estudado na Unidade 1. Caso a turma tenha assistido a algum espetáculo, performance ou intervenção cênica duran-

te o ano, use essa experiência como exemplo para a reflexão proposta. Se isso não foi possível, trabalhe com a experiência de

assistir aos colegas em suas produções cênicas atividades práticas das aulas de Arte.

3. São muitas as maneiras que se pode ouvir música: elas podem ser armazenadas em um telefone celu-
lar, tocadas no rádio, em um aparelho de som ou na TV, ouvidas em espetáculos etc. Compartilhe suas
experiências de ouvir música com os colegas e o professor.
a. Habitualmente, de onde vem a música que você ouve?
3. a) Resposta pessoal.

É provável que muitos estudantes tenham como hábito ouvir músicas baixadas ou compartilhadas na internet.

b. Onde você mora há CDs ou discos de vinil? De quem eles são?


3. b) Resposta pessoal.

Estimule os estudantes a trazerem alguns discos ou CDs que tenham em suas residências e mostre as possíveis diferenças entre

eles quanto ao material utilizado na fabricação, o tamanho da mídia e a data de gravação.

c. De que modo você adquire as músicas que ouve? Você acha que as músicas deveriam estar disponí-
veis gratuitamente para todos ouvirem ou acha justo que seja cobrado um valor por isso? Por quê?
3. c) Resposta pessoal.

Estimule uma discussão sobre o fato de, atualmente, cada vez menos pessoas pagarem para ouvir músicas gravadas e os pos-

síveis impactos disso sobre o trabalho dos músicos.

336 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Espetáculos e tecnologia
Na televisão ou no cinema, tecnologias criadas durante o século XX,
há constantes inovações que transformam as formas de se ver uma obra. Os
Disponível em: <www.
adventos da TV digital e, principalmente, do cinema em três dimensões (3D) roh.org.uk/showings/
possibilitam uma maior imersão do espectador nas imagens. la-traviata-live-2016>.
Acesso em: 21 jan. 2016.
O desenvolvimento da tecnologia também permitiu que óperas, ba-
No link é possível assistir ao
lés e concertos fossem apresentados em um teatro e diante de um público
trailer da ópera La Traviata,
em um país e retransmitidos, ao vivo, para vários outros países. Nesse caso, composta por Giuseppe
há um público que assiste a essas obras em um teatro, na presença dos ar- Verdi em 1853, e encenada
pela Royal Opera House
tistas, e outro que as assiste através da tela da televisão, do cinema ou do em Londres. Essa ópera
computador. foi baseada na obra Dama
das camélias, de Alexandre
Frente a um grupo limitado de espectadores que as obras cênicas po-
Dumas Filho. A trama centra-
dem alcançar, por serem apresentadas em presença do público, a internet, o -se na tempestuosa relação
cinema e a televisão permitem que essas obras alcancem um número muito amorosa entre uma cortesã
e um nobre no século XIX.
maior de pessoas em diversas partes do mundo. Em cada caso, seja através
La Traviata é considerada
da tela seja na presença dos artistas, a forma de fruir a obra se modifica, pois um símbolo do período
não é o mesmo estar na mesma coordenada espacial e temporal dos artistas romântico da música (1815
até início do século XX).
que vê-los mediado por uma tela.

ROBBIE JACK/ CORBIS/ LATINSTOCK

Foto de uma cena da ópera La Traviata, de Giuseppe Verdi, encenada pela Royal Opera House Covent Garden de Londres e transmitida no cinema
em fevereiro de 2016. Foto de 16 de abril de 2014.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 337


É muito comum que, para divulgar seus espetáculos, as companhias de artes cênicas coloquem trailers
1. Resposta pessoal. Auxilie os estudantes com a busca na internet, caso tenham dificul-
de seus espetáculos na internet. dade. Além do trailer é possível que eles precisem acessar outros sites para completar as
1. Faça uma busca na rede e encontre um trailer de uma peça de teatro, assista e anote os dados da
informações das tabelas abaixo.
peça. Depois, faça o mesmo com um trailer de um filme.

Título da peça

Ano e direção

Grupo Teatral

Sinopse

Suas impressões
sobre o trailer
SIR_ENITY/SHUTTERSTOCK

Título do filme

Ano e direção

Elenco

Sinopse

Suas impressões
sobre o trailer
MATRIOSHKA/SHUTTERSTOCK

2. Compare os trailers e descreva suas semelhanças e diferenças. Depois, converse com os colegas e
o professor sobre suas percepções.
2. É importante que os estudantes observem questões como duração dos trailers, edição, a escolha de frases que

entremeiam as imagens e demais formas de chamar a atenção do público para a obra.

338 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Dança e tecnologias digitais
As imagens a seguir são exemplos de duas etapas da criação de uma
animação em dança, usando um programa de computador.

REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO

Imagens das etapas da criação de uma


coreografia, usando um programa de
computador.

Artistas visuais, coreógrafos, profissionais da performance e do teatro uni-


ram seus conhecimentos e desenvolveram softwares que permitem ao coreógra-
fo visualizar e criar movimentos de dança no formato tridimensional na tela do
computador e ter acesso a arquivos com passos de balé, movimentos específicos
da dança moderna e tutoriais para o aprendizado de movimentos de dança.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 339


Acompanhando a importância e influência das novas tecnologias no
cotidiano, pode-se dizer que a criação de programas de computador desti-
nados à dança aconteceu motivada por um processo que se iniciou na dé-
cada de 1940. Merce Cunningham (1919-2009) e o músico John Cage (1912-
-1992), seu parceiro de vida, começaram a pensar na independência entre
dança e música, e em um convívio sem hierarquias entre essas expressões
artísticas. Além disso, propuseram que o espaço fosse ocupado de uma nova
forma pelos intérpretes. Para Cunningham, não existia o centro do palco nem
o intérprete mais importante, nas suas criações coreográficas, o espaço pas-
sou a ser constituído pelos movimentos de cada intérprete.
Na coreografia BIPED (1999), os artistas digitais Paul Kaiser e Shelley Eshkar co-
laboraram com o coreógrafo Cunningham em uma obra de setenta frases coreo-
gráficas, encenadas por dois intérpretes e transpostas para imagens digitais. Essa
obra marcou uma era de criações em que a dança e as tecnologias digitais se uni-
ram para que os corpos ocupassem os mais diversos lugares no espaço cênico.
O caminho que o coreógrafo Merce Cunningham desenhou para unir a
dança às tecnologias digitais também foi permeado por suas experimenta-
ções com jogos e situações que propiciavam a criação de uma dança menos
previsível. Em vez de impor sequências de passos aos seus intérpretes, muitas
vezes ele jogou dados para orientar as suas decisões coreográficas. Para ele,
Frases coreográficas: são as várias
o acaso determinava as situações que seriam vivenciadas pelos intérpretes e sequências de movimentos que
forçava as escolhas nas suas coreografias, aproximando, assim, a arte da vida. compõem uma coreografia.

WALLY SKALIJ/ LA TIMES/ GETTY IMAGES

Foto de cena da coreografia BIPED, da Merce Cunningham Dance Company, no Alex Theatre, em Glendale, Califórnia, EUA. Foto de 2015.

340 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


A pesquisadora Denise Zenicola, da Universidade Federal Fluminense, apresenta as principais caracte-
rísticas das criações coreográficas de Cunningham e as relações entre dança e música e entre dança e a
representação de uma história.

Celebrando Merce Cunningham

JACK MITCHELL/ GETTY IMAGES


A ruptura de Cunningham com a concepção tradicional
das relações entre dança e música parte de um postulado mui-
to claro. Para Merce Cunningham, a dança não é sentimento
em movimento, é só movimento, no mais simples e excludente
dos sentidos. E, uma vez separada de tudo que não seja preci-
samente movimento, separa-se também da música.
Desta forma, Cunningham libera a dança da obrigação
de contar uma história, de manifestar um sentimento, seguir
uma música ou de narrar uma ideia. Para ele é necessário con-
ferir uma autonomia total, a fim de que a dança possa existir
por si e ante si, sem outros recursos [...]. “O tema da dança é a
dança mesma”, diz Cunningham. [...]

ZENICOLA, Denise. Celebrando Merce Cunningham. Disponível em: <www.existencialismo. Merce Cunningham explorando movimento.
org.br/jornalexistencial/suelilugarcelebrando.htm>. Acesso em: 20 jan. 2016.
Observe a sutileza do gesto e a sugestão de
leveza. Foto de 1º- de janeiro de 1975.

§ Após a leitura do texto, responda às questões a seguir e, depois, converse com os colegas e o
professor.
a. Com base no texto, qual é a relação entre dança e música proposta por Cunningham?
a) Cunningham propõe a independência entre dança e música. Sua proposta é conferir autonomia total à dança.

b. O que você acha que o coreógrafo quis dizer com a frase “o tema da dança é a dança mesma”?
b) Dentro da perspectiva de autonomia da dança proposta por Cunningham, a dança é o seu próprio tema. Ou seja, ela

não precisa expressar um sentimento, uma história, o movimento dançado em si já é suficiente. Isso corrobora o enten-

dimento da dança como área do conhecimento humano de forma independente de outras artes e de outras formas de

produzir conhecimento. O mesmo pode ser pensado em relação a outros campos do conhecimento artístico.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 341


Para criar uma coreografia em grupo utilizando o acaso, com a par- Objetivo
ticipação de todos os colegas da sala, serão necessários dois dados e os  Experimentar um
processo de criação
movimentos criados pelos corpos de todos os participantes. Ao final do coreográfica em grupo
processo, assim como Cunningham fez em vários dos seus processos de utilizando o acaso.
criação coreográfica, será sorteada uma música para acompanhar o traba-
lho criado.
Você poderá achar que a música sorteada não combina com a dança criada, mas, para Cunningham, o
passo a passo do processo valia muito mais do que o resultado dele. Para o coreógrafo, uma coreografia
não era uma obra finalizada, mas sim uma obra transformada a cada apresentação.
Com base nas abordagens utilizadas por Cunningham, o processo coreográfico será dividido em quatro
etapas:
1. A criação dos movimentos;
2. A definição da música;
3. Dançando e filmando;
4. Compartilhando o movimento.

Etapa 1: A criação dos movimentos


A turma deverá formar dois ou três grupos e jogar o dado para definir qual grupo será o grupo 1, o gru-
po 2 e, se houver, o grupo 3.
O grupo 1 criará a primeira sequência de movimentos. Com os grupos divididos, joga-se o dado no-
vamente para definir a ordem de criação dos movimentos de cada membro, dentro de cada grupo. Por
exemplo, se o grupo tiver cinco integrantes, a sequência será composta de cinco movimentos; se tiver
quatro pessoas, a sequência será composta de quatro movimentos; e assim por diante.
Com a ordem das sequências definidas, cada grupo criará sua própria sequência baseada nas instru-
ções do professor. Depois, as várias sequências criadas pelos grupos serão reunidas em uma única sequên-
cia que deverá ser repetida até que todos estejam familiarizados com os movimentos criados.
Etapa 2: A definição da música
Outra possibilidade é que cada estudante indique uma música de sua preferência para a atividade.
Etapa 3: Dançando e filmando
Nessa etapa, enquanto dançam a coreografia elaborada nas etapas anteriores, vocês serão filmados.
Essa filmagem poderá ser feita pelo professor ou por um dos estudantes da turma.
Etapa 4: Compartilhando o movimento
Nessa etapa, vocês assistirão ao vídeo do processo de criação de movimentos. Enquanto assistem ao
vídeo, observem e conversem com os colegas sobre a sequência de movimentos criada. Vocês conse-
guem associar os movimentos a algum assunto específico? Como esses movimentos se relacionam ao rit-
mo da música utilizada pelo seu grupo? Quais sensações vocês tiveram ao criar os movimentos, executá-
-los e assisti-los? O que mais vocês observaram ao assistir ao vídeo?

342 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
Em grupos e com a ajuda do professor, pesquise vídeos de dança na internet e depois, responda
às questões a seguir.
1. Que tipos de vídeos de dança estão disponíveis na internet?
1. Resposta pessoal.

Sugestão de resposta: Videoclipes de músicas, espetáculos de dança, óperas, flash mobs, entre outros.

Converse com os estudantes e estimule-os para que os exemplos apontados por eles versem sobre os flash mobs, sobre as

obras coreográficas e/ou sobre expressões de danças que possam ser associadas a um dos muitos estilos de dança existen-

tes. Por mais que todas as formas de dançar sejam válidas, ou seja, que não haja certo ou errado, é importante que os estu-

dantes reconheçam a dança como arte e expressão cultural.

2. Quais vídeos mais lhes chamaram a atenção? Por quê?


2. Resposta pessoal.

3. Escolham um vídeo e conversem sobre os momentos coreográficos de que vocês mais gostaram
e justifiquem a resposta.
3. Resposta pessoal. Os momentos destacados pelos estudantes podem ser relacionados à forma que o movimento se

sincroniza com a música, à expressividade dos gestos dos dançarinos, entre outros.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 343


Performance digital
“Performance digital”, termo criado por Steve Dixon (1956-), professor
da Universidade de Brunel em Londres, que engloba uma série de experiên-
cias artísticas com a internet dos anos 1990 até a atualidade. Dixon compara
a internet ao “maior teatro do mundo, oferecendo a todos quinze megabytes
de fama” (DIXON, 2007, tradução dos autores especialmente para esta obra).
De maneira bem-humorada, o autor faz uma brincadeira com a frase dita em
1968 por Andy Warhol (1928-1987), “No futuro, todos terão seus quinze minu-
tos de fama.”, e ressalta a mudança que a internet provocou na forma de se
conhecer o mundo e, principalmente, de dar-se a conhecer. Isso também afe-
ta a forma de produzir e divulgar a arte nos dias de hoje.
REPRODUÇÃO/ATRAVESTV E CIA DOS TOLOS

Foto de perfomance da Cia. dos Tolos, inspirada no trabalho do fotógrafo e ambientalista francês Yann Arthus-Bertrand. Essa perfomance, feita
com seis mil balões brancos, inaugurou o Atraves.TV, espaço colaborativo idealizado pela cineasta brasileira Georgia Guerra-Peixe, que recebe
diferentes expressões de arte, reflexão e projetos, que são transmitidos ao vivo pela web. Foto de 2016.

Ao longo deste livro, foram apontadas relações entre as artes e o hábi-


to contemporâneo de registro e compartilhamento do cotidiano na internet,
por exemplo o de postar selfies ou fotos de comida nas redes sociais. Stuart
Hall (1932-2014), sociólogo jamaicano que se dedicou ao estudo da cultu-
ra e da identidade, disse que a identidade das pessoas se transformou com
os fatos ocorridos no final do século XX, como por exemplo, a invenção e

344 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


popularização da internet, e não é mais “uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade tornou-
-se uma ‘celebração móvel’, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2003, p. 12). Assim, dependen-
do do lugar em que se está e dos objetivos é possível apresentar uma determinada identidade, ainda que
provisória. A identidade em sala de aula pode ser diferente da identidade em uma rede social a partir do mo-
mento em que os comportamentos e as formas de interação entre as pessoas se modificam sensivelmente.
É comum que pessoas mais introvertidas se sintam mais à vontade para conversar através de um programa
da internet com outras pessoas do que frente a frente. Ainda assim, é importante ter um compromisso éti-
co com o outro independentemente de esse contato ser virtual ou presencial. Ainda que seja possível enten-
der a identidade como algo que vai se construindo ao longo da vida e a partir das experiências acumuladas,
ser responsáveis pelas ações e pelos possíveis efeitos que possam provocar nos outros e no ambiente é uma
aprendizagem essencial para a convivência. A internet modificou a forma de se relacionar com o mundo e,
consequentemente, a forma de entender a construção da identidade. Essa mudança, naturalmente, reverbera
na forma como se produz, divulga e frui da arte no século XXI.
Com o advento da Web 2.0, no início dos anos 2000, as possibilidades de interação a distância se multi-
plicaram. Antes da internet, as pessoas se comunicavam por cartas, telefonemas, telegramas. Depois, surgiram
novas formas de se comunicar: redes sociais, comunicações por videoconferência, e-mails, entre outras. A Web
2.0 possibilitou uma ampliação dessas possibilidades que se tornaram mais acessíveis e de fácil manipulação
pelos usuários.
Para os nascidos antes de 1990, poder falar com alguém vendo seu rosto através da tela da televisão ou
do computador pareceria algo saído de filmes de ficção científica, como a trilogia De volta para o futuro, ou de
desenhos animados, como Os Jetsons. Hoje em dia as tecnologias de transmissão remota permeiam o cotidia-
no e também estão presentes no teatro contemporâneo.

LATINSTOCK
REPRODUÇÃO

Fotograma do filme De volta para o futuro 2, de 1989, em Cena de videoconferência em Os Jetsons, desenho estadunidense
que os personagens conversam em tempo real, fazendo uma originalmente exibido no início dos anos 1960 e, posteriormente, nos
videoconferência. anos de 1980. No Brasil, foi exibido na TV aberta na década de 1980.

Web 2.0: criada em 2004, a web 2.0 representa uma segunda geração de ambientes e participação de usuários na internet que
possibilitou o desenvolvimento das redes sociais.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 345


Um exemplo da fusão entre tecnologia e teatro é o espetáculo Odiseo.com
de Marco Antonio de La Parra e direção de André Carrera estreado em 2014. O
público estava presente em cada espaço da ação: um apartamento em Itajaí
(SC) no Bairro São Judas com a personagem Elisa e a casa de Juan Lepore,
ator que interpreta Ulisses, em Buenos Aires. Em cada espaço, era possível
acompanhar pela internet interação dos personagens, que estavam em dife-
rentes lugares do mundo.
Odiseo.com explicita a principal mudança que a internet possibilitou
na vida das pessoas e também no próprio teatro: a comunicação a distância
de modo simultâneo, imediato e visual. O uso da internet no teatro atual,
além de influenciar na trama das peças, colocar atores e público em luga-
res diferentes e interconectados pela rede provoca uma tensão nos princí-
pios básicos do teatro que, como foi visto na Unidade 1, é o convívio entre
artistas e público em uma mesma coordenada espaço-temporal. Porém,
o teatro, como uma arte emaranhada no presente, se renova e abre suas
possibilidades de expressão também por meio da inclusão das novas tecno-
logias. É possível pensar que é essa característica do encontro único e pre-
sencial que o teatro e outras artes cênicas proporcionam que o faz continuar
vivo nos mais diversos países desde a Antiguidade Grega (no ocidente) até
os dias de hoje.

OTTEN SEVERONOE/ DIVULGAÇÃO

Foto da peça Odiseo.com em que atores e público interagem por meio da tecnologia. Foto de dezembro de 2014, Florianópolis (SC).

346 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Teatro e Cinema

A relação entre o teatro e o cinema re-

DIVULGAÇÃO
monta ao próprio surgimento do cinema,
no início do século XX, pois este era exibi-
do como atração em espetáculos teatrais de
variedades.
Também é comum ver, nos primeiros
filmes, os atores, na tela, cumprimentan-
do o público ao final da sessão, repetin-
do o gesto dos atores de teatro. Esse re-
curso é visto no filme A viagem do Capitão
Tornado (1990), do diretor italiano Ettore
Fotograma da cena final de A viagem do Capitão Tornado, de Ettore Scola, de 1990.
Scola (1931-2016).
No filme, o diretor faz uma homenagem à commedia dell’arte, movimento teatral ocorrido entre os sé-
culos XVI e XVII, que representou a profissionalização do ator e influenciou todo o teatro europeu da épo-
ca por ser um teatro itinerante que se apresentou também na França, Espanha, Inglaterra, Alemanha entre
outros países. Esse movimento também foi chamado de comédia de improviso, pois os atores seguiam
um roteiro, entretanto, criavam cenas diante do público por meio de improvisações.

Commedia dell’arte e Teatro popular

Commedia dell’arte – comédia da habilidade. Isto quer dizer arte mimética segundo a inspiração
do momento, improvisação ágil, rude e burlesca, jogo teatral primitivo tal como na Antiguidade os
atelanos haviam apresentado em seus palcos itinerantes: o grotesco de tipos segundo esquemas bá-
sicos de conflitos humanos, demasiadamente humanos, a inesgotável, infinitamente variável e, em
última análise, sempre inalterada matéria-prima dos comediantes no grande teatro do mundo. Mas
isto também significa domínio artístico dos meios de expressão do corpo, reservatório de cenas
prontas para a apresentação e modelos de situações, combinações engenhosas, adaptação espontâ-
nea do gracejo à situação do momento.
Quando o conceito de Commedia dell’arte surgiu na Itália no começo do século XVI, inicialmen-
te significava não mais que uma delimitação em face do teatro literário culto, a commedia erudita.
Os atores dell’arte eram, no sentido original da palavra, artesãos de sua arte, a do teatro. Foram, ao
contrário dos grupos amadores acadêmicos, os primeiros atores profissionais.
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 353.

Atelanos: cidadãos da antiga cidade de Atella (atual Itália) na Antiguidade Clássica. Remonta século IV a.C. a Farsa Atelana
que foi posteriormente recuperada pelos romanos no século I d.C.

Grotesco de tipos: refere-se aos personagens-tipos da farsa que caracterizam-se por um humor que explora o grotesco
associado a deformações físicas e de caráter, escatologia etc.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 347


A adaptação de peças para o cinema foi feita diversas vezes em vários paí-
ses do mundo e de várias formas. Muitas obras do teatro mundial tornaram-
-se conhecidas do grande público por meio de adaptações cinematográficas
como o filme Romeu e Julieta, dirigido por Franco Zeffirelli (1923- ) em 1968 e,
posteriormente, por Baz Luhrmann (1962- ) em 1996. No Brasil, Dois perdidos
numa noite suja, peça do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos (1935-1999), es-
crita em 1966, foi adaptada para o cinema em duas ocasiões: a primeira em
1970, com a direção de Braz Chediak (1942-); e a segunda, em 2002, dirigida
por José Joffily (1945-).
O cinema de animação também tem interagido com o teatro. É o caso
de Até que a Sbørnia nos separe, lançado em 2014 e dirigido por Otto Guerra
(1956- ) e Ennio Torresan Júnior (1964-). O filme foi inspirado no espetáculo
cênico musical gaúcho Tangos e tragédias, que ficou mais de três décadas em
cartaz no Brasil e em outros países, interpretado pela dupla de atores-músi-
cos Hique Gomez (1956-) e Nico Nicolaiewsli (1957-2014). O espetáculo ex-
plorava, de modo divertido, o universo das canções românticas brasileiras
das décadas de 1940 e 1950. Hique Gomez no violino e Nico Nicolaiewski no
acordeón e piano recriavam o ambiente dos antigos cabarets com seus per-
sonagens extravagantes que afirmavam ter nascido em um minúsculo país

REPRODUÇÃO
chamado Sbornia. Diferentemente da adaptação cinematográfica a partir de Foto do cartaz do filme Até que a
textos dramatúrgicos, Até que a Sbørnia nos separe é um filme inspirado em Sbørnia nos separe, de Otto Guerra e
Enio Tornesan Júnior, de 2014.
espetáculo que foi criado da junção entre música e teatro.
DIVULGAÇÃO/ “TANGOS E TRAGÉDIAS”

G18_EM_ARTE_C21_F13:

Nico Nicolaiewski (à esquerda) e Hique


Gomez (à direita), caracterizados como
seus personagens no espetáculo Tangos
e tragédias. Observem esses mesmos
personagens em forma de cartoons no
cartaz do filme acima.

348 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Entretanto não é apenas o teatro que influencia o cinema e se constitui
em matéria para filmes. Os filmes também tem uma importante entrada no tea-
tro, como já foi visto no capítulo 19 sobre a inserção de documentários no
teatro político de Piscator, entre outros.
Christiane Jatahy (1968-) é uma cineasta e diretora teatral que realiza ex-
perimentações na mistura das linguagens do teatro, da performance e do ci-
Disponível em: <http://
nema. No espetáculo E se elas fossem para Moscou, Jatahy faz uma releitura da christianejatahy.com.br>.
peça As três irmãs, do dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904). A peça Acesso em: 24 jan. 2016.

acontece diante dos espectadores ao mesmo tempo em que é filmada e edita- Para conhecer mais sobre
o trabalho de Christiane
da ao vivo. De maneira simultânea ao espetáculo, o filme é exibido em ou-
Jatahy, visite o site oficial
tro espaço. O público pode optar por assistir a peça com todo o aparato de da escritora, diretora e
gravação ou assistir ao filme enquanto ele está sendo montado na mesa de cineasta. No site, é possível
ver fotos e vídeos de
edição. A pesquisa de linguagem entre teatro, vídeo e cinema é uma marca
outras obras de Jatahy e
da diretora que explora as semelhanças e diferenças entre essas linguagens, conhecer um pouco sobre
bem como o aspecto presencial do teatro, em contraposição ao virtual do sua trajetória e sua pesquisa
entre o teatro e o cinema.
cinema.

LENISE PINHEIRO/ FOLHAPRESS

Foto da peça E se elas fossem para Moscou, da companhia carioca Vértice, com as atrizes Isabel Teixeira e Julia Bernart (ao fundo) e Stella Rabello (a
frente) durante apresentação em São Paulo (SP). Foto de 13 de julho de 2014.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 349


Da flauta pré-histórica
à guitarra elétrica
Uma flauta feita de osso e descoberta recentemente em uma caverna
Disponível em:<http://
no sudoeste da Alemanha é considerada o instrumento musical mais antigo
curtadoc.tv/curta/artes/
produzido pelo ser humano até hoje. uakti-oficina-instrumental/>.
Por mais rudimentar que essa antiga flauta possa parecer atualmente, Acesso em: 4 mar. 2016.

foi necessário o uso de tecnologia para a sua construção. O feito parece mais Nesse link é possível assistir
ao documentário UAKTI –
impressionante quando se pensa em como era o modo de vida do homo
oficina instrumental dirigido
sapiens daquela época, na disponibilidade de recursos técnicos ao seu alcan- pelo cineasta Rafael Conde.
ce e no conhecimento que teve de acumular para utilizá-los. O filme aborda a lenda
indígena que deu origem ao
Ao longo da história da música, a tecnologia tem sido empregada na nome do grupo e apresenta
construção e no aperfeiçoamento dos instrumentos musicais, na escolha os músicos interpretando
dos materiais e projetos que oferecem a melhor sonoridade e que, com isso, algumas músicas em seus
inusitados instrumentos.
favorecem os músicos no aperfeiçoamento das suas técnicas de execução.

O grupo brasileiro de música instrumental UAKTI caracteriza-se pela utilização de instrumentos não
convencionais construídos por um de seus integrantes a partir de materiais como canos de PVC, madei-
ras, metais, vidros ou reutilizando objetos como bacias e calotas de automóveis. Como os instrumentos
construídos pelo grupo não se enquadram de modo exato na classificação de famílias de instrumentos
que você estudou na Unidade 3 (cordas, madeiras, metais e percussão), os músicos Artur Andrés e Fausto
Borém propõem a classificação dos instrumentos do UAKTI pelo sistema Hornbostel-Sachs. Leia, no texto
abaixo, um pouco sobre essa classificação:

[...] Erich von Hornbostel (1877-1935) e Curt Sachs (1881-1959) criaram, em 1914, um novo sistema
para a classificação dos instrumentos musicais, mais completo e de abrangência internacional. Em oposi-
ção à divisão tripartida (percussão, cordas e sopros), esse novo sistema propôs a utilização da característica
física de produção do som como princípio básico para a divisão classificatória, onde se destacaram, à prin-
cípio, quatro categorias de instrumentos musicais: os idiofones, que são instrumentos cujo próprio corpo
em vibração gera o som; os membranofones, onde o som é produzido pela vibração de uma membrana; os
cordofones, onde o som é produzido pela vibração de cordas e os aerofones, onde o som é produzido pela
vibração do ar. Posteriormente, foi incluída uma quinta classe de instrumentos, a dos eletrofones, instru-
mentos que produzem vibrações que passam por um alto-falante e se transformam em sons.
ANDRÉS, A.; BORÉM, F. O grupo UAKTI: três décadas de música instrumental e de novos instrumentos
musicais acústicos. Per Musi, Belo Horizonte, n. 23, 2011, p. 170-184.

Qual instrumento sonoro que você conhece pode se encaixar em cada uma das categorias do sis-
tema Hornbostel-Sachs? Se necessário, faça uma pesquisa na internet ou na biblioteca.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.

350 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Se, por um longo período, cada instrumento foi construído manualmente, a partir de um conhecimento
passado por gerações e pelo aprendizado paciente com mestres construtores, a partir da segunda metade do
século XX, grande parte dos instrumentos vendidos passou a ser produzida em série, tendo várias etapas do
processo de construção automatizadas e realizadas por máquinas. No entanto, ainda hoje, instrumentos de al-
tíssima qualidade são produzidos, um a um, por mestres que dominam a tecnologia de sua produção artesa-
nal. É o caso, por exemplo, do luthier, profissional que fabrica ou repara instrumentos musicais de corda como
os violões, as guitarras e os instrumentos de corda utilizados por músicos de orquestras de concerto.

JEFF ADKINS/ BLOOMBERG/ GETTY IMAGES


Foto de produção em série de guitarras,
em Nashville, Tennessee, EUA. Foto de
7 de outubro de 2011.

ARTUR KEUNECKE/ PULSAR IMAGENS

Foto de produção artesanal de viola, em Nobres


(MT). Foto de novembro de 2013.

Música e Arqueologia
Podemos pensar que o uso da tecnologia é algo recente e que somente os jovens ou as civilizações
contemporâneas se utilizam de técnicas avançadas para seu tempo. Descobertas recentes têm mostrado
que os humanos que viveram há mais de 35 mil anos já se utilizavam de tecnologias para construir instru-
mentos musicais como a flauta encontrada em uma caverna na Alemanha. No artigo a seguir, você verá
que esse instrumento, construído a partir do osso de uma ave, assemelha-se às flautas modernas e que a
música dali soprada pode ter ajudado a construir redes sociais.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 351


Os [...] [povos pré-históricos] dançavam ao som

H. JENSEN/ UNIVERSIDADE DE TÜBINGEN


de flautas. É o que sugere um artigo publicado esta
semana na Nature que descreve o mais antigo instru-
mento musical fabricado pelo homem de que se tem
notícia: uma flauta com cerca de 35 mil anos, retira-
da de uma caverna no sul da Alemanha. A descoberta
indica que os primeiros europeus modernos já tinham
uma tradição musical estabelecida.
Os mais antigos instrumentos feitos pelo homem
encontrados até hoje eram um grupo de 22 flautas
datadas de 30 mil anos, descobertas na França, e uma
flauta de aproximadamente 20 mil anos, da Áustria.
Os doze pedaços que compõem a flauta recém-
-descoberta foram encontrados na caverna de Hohle
Fels, na região da Suábia (Alemanha), em setembro
de 2008. O instrumento foi esculpido a partir do osso
de um abutre-fouveiro (Gyps fulvus) e tem 21,8 centí-
metros de comprimento e 0,8 cm de diâmetro.
Segundo um dos autores do artigo, o arqueólo-
go Nicolas Conard, da Universidade de Tübingen
(Alemanha), o que mais chamou a atenção da equipe
Foto de instrumento de sopro com cinco orifícios, de cerca
foi a semelhança da peça com as flautas modernas. O de 35 mil anos, encontrado em uma caverna no sul da
instrumento tem cinco orifícios para o posicionamen- Alemanha.
to dos dedos e uma das pontas com abertura em forma
de ‘v’, provavelmente por onde saía o som.
Durante as escavações, também foram recuperados outros três fragmentos em marfim, que pertence-
riam a duas flautas. Os pesquisadores salientam que, por serem de um material mais resistente que o osso
de ave, essas flautas demandaram técnicas mais apuradas de fabricação.
Habilidades artísticas estabelecidas
As peças foram encontradas a apenas 70 centímetros do local onde estava uma escultura de cor-
po feminino feita em marfim – batizada de Vênus de Hohle Fels –, também descrita por Conard na
Nature em maio deste ano. Segundo o arqueólogo, tanto as flautas como a escultura são exemplos
das manifestações culturais do homem que viveu no período Paleolítico Superior (entre 40 mil e 10
mil anos a.C.). “A descoberta dessas peças prova que naquela época o homem já apresentava habili-
dades artísticas e tinha uma linguagem simbólica similar à atual” [...].
De acordo com o artigo, a existência de uma tradição musical no período Paleolítico pode ter
colaborado para a manutenção de redes sociais e, assim, ajudado na expansão territorial e demográ-
fica do homem moderno. Os neandertais, hominídeos que viveram nesse mesmo período, tinham
manifestações culturais mais acanhadas e talvez por isso tenham permanecido isolados.
MARCOLINI, Barbara. Flauta pré-histórica. Ciência Hoje On-line, 25 jun. 2009.
Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/arqueologia-e-paleontologia/flauta-pre-historica/>. Acesso em: 26 jan. 2016.

352 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Desde os tempos pré-históricos, o ser humano utiliza-se de tecnologias para
construir instrumentos sonoros. Contudo, a partir do final do século XIX e especial-
mente nos últimos anos, o impacto da tecnologia sobre a música tem sido impres-
sionante. Desde a invenção do primeiro gravador de som, a circulação e o consu-
mo da música passaram a receber grande influência dos avanços tecnológicos.

Do fonógrafo à música
pela internet
A divulgação da música popular, tal como a conhecemos hoje, só foi
possível a partir da invenção do fonógrafo e da expansão da radiodifusão.
O fonógrafo, criado pelo estadunidense Thomas Edison (1847-1931) em
1877, foi o ponto de chegada de uma longa série de tentativas e inventos que
buscavam formas de registrar os sons. Esse aparelho utilizava cilindros de cera e,
nestes, o som era gravado de modo mecânico. Inicialmente pensado como um
equipamento para gravar a voz falada, o fonógrafo passou a ser utilizado para
gravar músicas. Como ele, além de gravar os sons nos cilindros de cera, também
podia reproduzi-los, foi criada a possibilidade de se produzir e vender música
gravada, o que deu início ao que hoje conhecemos como indústria fonográfica. 1. Foto de fonógrafo de Thomas Edison.
Como usualmente ocorre com as novas tecnologias, no início, o cus- Sua invenção, conhecida no começo
como “máquina de falar”, permaneceu
to dos fonógrafos era alto e isso restringia o número de pessoas que eles al- inalterada por quase uma década. Foto
cançavam. Entretanto, com o tempo, começaram a ser produzidos em maior de 1º- de janeiro de 1877.
escala e receberam modificações até serem superados por outra invenção. 2. Foto de Emile Berliner com antigos
protótipos do gramofone. A vantagem
Em 1887, o alemão Emil Berliner (1851-1929) inventou o gramofone, o primeiro
do gramofone em relação ao fonógrafo
toca-discos da história. Esse aparelho não usava cilindros, mas sim discos planos fei- era o uso de discos planos, mais
tos de vulcanite, um composto semelhante à borracha. Para rodar um disco, o gra- resistentes e com maior capacidade de
registro de músicas. O maior interesse
mofone deveria ser acionado manualmente por uma manivela. Então, o som era de Berliner era a fabricação de discos
amplificado pela estrutura metálica em forma de corneta acoplada ao aparelho. para comercialização.
HULTON ARCHIVE/ GETTY IMAGES

1
LIBRARY OF CONGRESS

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 353


A incorporação da eletricidade aos proces-

TATIANA POPOVA/ SHUTTERSTOCK


sos de gravação, produção de discos e reprodução
nos toca-discos teve profundo impacto na indús-
tria fonográfica, aumentando a qualidade das gra-
vações e refinando a experiência de ouvir discos.
O gramofone, de acionamento manual, foi
substituído pelo toca-discos elétrico que rodava
os discos automaticamente. Na década de 1940
surgem os discos feitos de vinil, que foram se tor-
nando cada vez mais flexíveis e resistentes. A par- Foto de fita cassete, que foi comercializada como opção ao disco de
tir de 1963, os discos de vinil passaram a dividir o vinil e também tornou possível a reprodução caseira de músicas que,
mercado com as fitas cassete. originalmente, eram gravadas em discos.
A partir de 1982, os discos de vinil passaram

STEVE OUTRAM/ GLOWIMAGES


a ser substituídos por discos compactos, ou CDs,
que, além de ocuparem menos espaço, chegavam
com a promessa de ser mais resistentes, de repro-
duzirem som com melhor definição e de conse-
guirem armazenar mais informações. No final da
década de 1990, as tecnologias digitais transfor-
maram o CD em um produto secundário no mun-
do musical. Atualmente apenas uma pequena par-
te da produção musical ainda é comercializada em
forma de discos, sejam os de vinil ou os CDs.

Boca Livre. Produção independente. 1979.


O grupo Boca Livre lançou em 1979, ainda em
formato de disco de vinil, o primeiro disco de
produção independente a alcançar sucesso
comercial no Brasil. As canções “Toada” e “Quem
tem a viola” foram executadas em grande escala
em rádios de todo o país e o disco superou a marca
de cem mil exemplares vendidos, feito ainda hoje Foto de tocador portátil de fita cassete. Foi com esse aparelho que se
extraordinário para uma produção independente. consolidou o hábito de se ouvir músicas sozinho, com fones de ouvido.

354 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Música e tecnologia digital

Nos últimos vinte anos, os computadores passaram gradualmente a centralizar as formas de grava-
ção de música a partir de programas especificamente desenvolvidos para essa finalidade. Os estúdios tro-
caram seus gravadores de fita por sistemas digitais e os fonogramas passaram a ser gravados em forma de
dados computacionais, que podem ser compartilhados em pen drives ou na internet e reproduzidos em
aparelhos móveis, como os telefones celulares.
Para compreender melhor a expressão “tecnologia digital” e seus impactos na indústria da música, leia
o texto a seguir. Lembre aos estudantes que o uso prolongado de fones de ouvido pode levar a graves problemas de au-
dição, muitas vezes irreversíveis.

Tecnologia digital é um conjun-

DOUBLEPHOTO STUDIO/ SHUTTERSTOCK


to de tecnologias que permite, princi-
palmente, a transformação de qualquer
linguagem ou dado em números, isto
é, em zeros e uns (0 e 1). Uma imagem,
um som, um texto, ou a convergência
de todos eles, que aparecem para nós
na forma final da tela de um dispositi-
vo digital na linguagem que conhece-
mos (imagem fixa ou em movimento,
som, texto verbal), são traduzidos em
números, que são lidos por dispositivos Foto de pessoas em transporte público em Hong Kong (China) usando telefone
variados, que podemos chamar, gene- celular, atualmente, um dos principais aparelhos em que as pessoas ouvem
ricamente, de computadores. Assim, a música. Foto de fevereiro de 2015.
estrutura que está dando suporte a esta linguagem está no interior dos aparelhos e é resultado de
programações que não vemos. Nesse sentido, tablets e celulares são microcomputadores.
As tecnologias digitais surgiram no século XX e revolucionaram a indústria, a economia, a sociedade.
Formas de armazenamento e de difusão de informação foram alteradas, gerando debates em torno
da relação da humanidade com seu passado, seu presente e seu futuro. Arquivos digitais podem ser
copiados e difundidos, sem a garantia de que permaneça a marca de um “original”, o que concorre
para a facilitação da “pirataria” ou para o acesso à informação, ou seja, o lado ruim e o lado bom de
uma mesma moeda. [...]
A tecnologia digital é contraposta à tecnologia analógica, que dependia de meios materiais di-
ferentes para existir. Uma câmera analógica utilizava filmes que deviam ser revelados por proces-
sos físico-químicos; uma câmera digital dispensa tais processos, alterando tanto os custos quanto os
usos desse tipo de dispositivo pela sociedade.
RIBEIRO, Ana Elisa. Tecnologia digital. In: Glossário Ceale. Disponível em: <http://ceale.fae.ufmg.br/
app/webroot/glossarioceale/verbetes/tecnologia-digital>. Acesso em: 27 jan. 2016.

Assim, os antigos suportes de veiculação de dados foram gradualmente substituídos por tecnologias
digitais. No caso da música, os discos, as fitas cassetes e os gravadores analógicos de som dos estúdios
também foram superados por novas tecnologias.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 355


A consolidação do uso de tecnologias digitais nos processos de gra-
vação, divulgação e reprodução de músicas permitiu que um grande
número de pessoas ligadas à produção musical deixasse de depender
de grandes gravadoras para registrar e divulgar suas músicas. Com
equipamentos de custo acessível, basicamente computadores e
softwares específicos de música, além de teclados controladores, pas-
sou a ser possível ter pequenos estúdios de gravação em casa, conhe-
cidos no meio musical como home studios (estúdios caseiros). Tudo isso
permitiu que músicos e demais profissionais da música passassem a ter
maior independência para criar, registrar e divulgar seus trabalhos.

DIVULGAÇÃO
Se por um lado as facilidades tecnológicas possiblitaram o acesso de
muitas pessoas ao processo de produção musical, a proliferação de artistas e Foto de Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik,
gravações fez com que o fato de ter um álbum gravado deixasse de ser uma que lançaram o disco Ná e Zé, em 2015,
com download gratuito. O álbum
garantia de inserção no mercado da música e passasse a ser somente mais tem canções feitas entre 1978 e 2014,
uma entre as estratégias de divulgação do trabalho dos músicos. cujo assunto, segundo o compositor,
é o tempo.
Além disso, a grande agilidade com que a produção musical passou a circu-
lar nos meios digitais facilitou de tal forma sua reprodução que deixou de ser lu-
crativa a venda de música para a maior parte dos artistas. Excetuando-se as gran-

XAVIER DOLAN
des estrelas da música pop internacional, que ainda conseguem vender milhões
de cópias de suas músicas pela internet, vários artistas passaram a disponibilizar
seus novos trabalhos gratuitamente na rede, abrindo mão da verba obtida com a
venda em favor da maior possibilidade de divulgação com a distribuição gratuita.
Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik, músicos paulistas, lançaram em 2015, um
álbum de canções intitulado Ná e Zé. Por serem músicos independentes, des-
vinculados das grandes empresas fonográficas, os artistas optaram por dis-
ponibilizar o novo trabalho para ser baixado gratuitamente no site oficial do
álbum. Como eles, outros artistas brasileiros de grande destaque também
passaram a disponibilizar gratuitamente seus novos álbuns de canções pela
internet, como Criolo, Vitor Ramil, Gilberto Gil, Tulipa Ruiz, entre outros. Fotograma do clipe da música Hello, de
A cantora inglesa Adele é um exemplo de artista pop internacional de gran- Adele, dirigido pelo canadense Xavier
Dolan. Foto de 2015.
de sucesso comercial. Uma das formas de divulgação de seus trabalhos é o com-
partilhamento gratuito de seus videoclipes na rede. Em 2015, o vídeo da canção
“Hello”, do álbum 25, alcançou mais de 100 milhões de visualizações em apenas
cinco dias. Como as visualizações nos sites de compartilhamento de vídeo estão Streaming: palavra do inglês que
associadas a inserções comerciais, elas acabam por ser transformar em fonte de pode ser traduzida pela expressão
“transmissão de mídia”. O streaming
ganhos financeiros maiores do que a própria venda das músicas.
é uma forma de distribuição de
Além da opção de ouvir e conhecer novas produções musicais pelos dados pela internet, que se dife-
sites de visualização de videoclipes, tem se tornado cada vez mais comum o rencia do download porque em
streaming as informações não são
streaming, tecnologia que permite ouvir música sem que seja preciso reali- armazenadas pelo usuário em seu
zar downloads, desde que se tenha acesso à internet. próprio computador.

356 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Em grupos, realizem uma pesquisa sobre artistas brasileiros independentes que disponibilizam
suas músicas gratuitamente na internet para download ou streaming. Cada grupo ficará responsável
por encontrar um exemplo de um artista de determinada região do Brasil.
Preencham a ficha a seguir e utilizem-na para nortear a pesquisa. Resposta pessoal.

Nome do artista ou do grupo

Estilo musical

História do grupo ou Biografia do artista


Esta atividade permite o trabalho interdisciplinar com Geografia. Oriente os alunos a formarem 5 grupos. Cada um dos grupos
ficará responsável pela pesquisa em uma região do Brasil (Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste). Os estudantes podem
realizar as pesquisas em suas casas, caso tenham acesso à internet, ou no laboratório de informática da escola. Após a pesquisa,
discuta com eles alguns aspectos musicais que caracterizam a produção dos grupos ou artistas independentes, procurando esta-
belecer relações entre os estilos musicais e a localização geográfica dos músicos escolhidos pelos grupos. Apresente outros artis-
tas ou grupos musicais complementares aos trazidos por eles, se possível traga material sonoro para audição coletiva em sala de
aula. Incentive-os a refletir sobre os motivos de os artistas escolhidos não estarem vinculados a grandes gravadoras e se alguma
das obras ouvidas poderia alcançar sucesso comercial caso recebesse uma divulgação massiva.

Endereço do site em que está disponibilizada a canção ou o álbum

Nome da canção ou do álbum

A canção ou o álbum está disponível para download, para streaming ou para ambos?

Após a pesquisa realizada, compartilhem com os colegas e o professor suas descobertas. Se possí-
vel, apresentem a gravação de uma música desse artista ou grupo para que toda a turma possa ouvi-la.

Desde a flauta de 35 mil anos até à música digital atual, a humanidade vem utilizando-se de tecnologia
para fazer, gravar e ouvir música. A música, por estar inserida na cultura, moldou e foi moldada pelos diferen-
tes contextos históricos e sociais, ajudando a estabelecer redes sociais, apresentando-se como manifestação
simbólica e também participando do desenvolvimento industrial e comercial.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 357


No decorrer deste capítulo, foi visto que a produção de instrumentos Objetivo
musicais envolve algum tipo de tecnologia, desde os instrumentos feitos  Construir objetos
manualmente até aqueles produzidos em escala industrial. sonoros e improvisar
uma peça musical.
Agora é hora de confeccionar objetos sonoros que poderão ser utiliza-
dos para fazer música.
Adapte os instrumentos musicais propostos a seguir de acordo com os materiais
1. Chocalho fechado trazidos pelos estudantes.
Materiais
 recipiente vazio de metal ou plástico com tampa, por exemplo, pote de achocolatado;
 porção de objetos pequenos, por exemplo, botões, miçangas, pedrinhas etc.;
 fita adesiva.
O recipiente será o corpo do chocalho e os objetos pequenos produzirão o som dentro do recipiente.
Modo de fazer G18_EM_ARTE_C21_I01:
Cibele Queiroz
 Coloque no recipiente limpo os objetos selecionados e tampe-o.
 Lacre o recipiente com fita adesiva para assegurar que a tampa esteja bem fixa.
 Decore o chocalho como desejar.
Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
2. Marimba de garrafas
Materiais
 oito garrafas de vidro iguais;
 dois metros de barbante;
 três corantes de alimento (vermelho, amarelo, azul);

CIBELE QUEIROZ
 tesoura;
Ilustração de marimba de garrafas de vidro.
 um cabo de vassoura;
 um bastão pequeno de madeira ou metal para ser usado como baqueta;
 duas cadeiras iguais que servirão de suporte.
Modo de fazer
 Antes de iniciar a construção do instrumento musical, misture quantidades variadas de água com os
corantes para produzir oito cores distintas para colocar nas garrafas.
 Encha cada uma das garrafas com uma quantidade diferente de água, atente para que haja uma gar-
rafa completamente cheia, outra apenas até a metade e outra fique vazia. A garrafa cheia produzirá o
som mais grave, a com água pela metade produzirá um som de altura intermediária e a garrafa vazia
irá produzir o som mais agudo da marimba.
 Coloque a garrafa mais cheia à sua esquerda, a com água até a metade no meio e a vazia à sua direita. Em se-
guida, encha as demais garrafas com água em quantidades intermediárias às três que você utilizou no início.
 Agora apoie cada extremidade do cabo de vassoura em uma cadeira e, com o barbante, pendure
cada garrafa no cabo de vassoura, indo da mais cheia até à vazia, ou seja, da esquerda para a direita.
Cuide para que todas as garrafas sejam penduradas no mesmo nível.
O som é produzido ao se percutir as garrafas com a baqueta de madeira ou metal.

358 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


3. Tambor
Materiais
 balde ou bacia (de materiais e tamanhos diversos);
 um ou dois bastões pequenos de madeira ou metal para serem usados como baqueta.
O som é obtido percutindo o fundo do balde ou da bacia com as mãos ou com baquetas. Os sons ob-
G18_EM_ARTE_C21_I02:
tidos irão variar de acordo com o tamanho e o tipo de material utilizado como tambor.

4. Caixas sonoras
Materiais
 caixa de sapato com tampa ou pote de sorvete de 2L com tampa;
 tesoura;
 quatro elásticos de escritório;
 lápis.

CIBELE QUEIROZ
Modo de fazer
Ilustração mostrando o recorte oval na
G18_EM_ARTE_C21_I03:
 Com a tesoura, faça um corte oval na tampa do pote.
tampa recipiente.
 Tampe novamente o recipiente e coloque elásticos com diferentes
tensionamentos em volta do pote, deixando espaços entre eles.
Para obter diferentes tensionamentos dos elásticos, você pode re-
duzi-los para que, ao serem esticados, produzam sons mais agu-
dos. Ordene os elásticos, que serão as cordas desse instrumento
sonoro, de acordo com a altura dos sons que produzem, sequen-
cialmente do grave para o agudo.
 Por fim, posicione o lápis debaixo dos elásticos.

CIBELE QUEIROZ
Os sons são produzidos ao se dedilhar os elásticos com as pontas dos
Ilustração indicando o posicionamento
dedos. As alturas dos sons irão variar de acordo com a espessura, com-
dos elásticos no recipiente.
primento e tensionamento dos elásticos. Se preferir, oriente a turma a escolher G18_EM_ARTE_C21_I04:
alguns colegas para serem os compositores que irão definir a organização das variações
de sons, entradas dos instrumentos, andamentos, pulsações e duração de cada som.
Com os instrumentos prontos, formem grupos com 9 pessoas,
com a seguinte divisão de tarefas: um regente, dois tocadores de
chocalho, dois tocadores de marimba de garrafas, dois tocadores de
tambor e dois tocadores de caixas sonoras.
Agora vocês irão criar pequenas obras sonoras, variando as alturas
dos sons, os timbres, as pulsações e os andamentos.
CIBELE QUEIROZ

Sugestões de composição: associar cada pequena obra musical a um


estado de ânimo, a uma cena de filme ou desenho animado ou a um tre- Ilustração representando como o lápis
deve ficar sob os elásticos.
cho de poema, ou simplesmente se guiar pelas variações sonoras e mu-
sicais que acharem mais interessantes.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 359


No campo das artes cênicas, foi abordada a relação entre obras de artes cênicas com o cinema, os pro-
gramas de computador e a internet. Existem programas de computador que contribuem para a criação
de coreografias em dança; espetáculos cênicos musicais têm sido transmitidos ao vivo para várias cidades
do mundo através do cinema e também da internet e esta também tem contribuído para a criação e di-
vulgação de performances digitais.
Também foi apresentado que a produção de sons e de música pelo ser humano sempre esteve vincu-
lada ao uso de tecnologias, desde as flautas dos povos pré-históricos até às formas contemporâneas de
gravação digital e compartilhamento de canções, como o streaming. Foi estudado, também, como o de-
senvolvimento das tecnologias associadas à produção e audição de música interferiram historicamente
nos processos de produção, comercialização e consumo dela, e como o crescente acesso às tecnologias
multiplicou as possibilidades de se produzir e consumir música sem a necessidade de intermediação de
grandes empresas do mercado fonográfico.

RODA DE CONVERSA
Converse com os colegas e o professor para responder às seguintes questões.
1. Antes da invenção do cinema, do vídeo e da internet, como se davam os registros das obras cênicas?
E hoje, como essas obras podem ser registradas?
1. Antes da invenção dessas tecnologias, o registro de obras cênicas se dava por meio de desenhos, pinturas, gravuras, além

de textos descritivos sobre as obras. Hoje, é possível assistir a obras cênicas registradas em vídeos, com as imagens em mo-

vimento e seus sons originais, dando uma ideia mais completa do que ela quis representar.

2. Qual é a característica comum entre as artes cênicas?


2. As artes cênicas têm como principal característica a copresença espacial e temporal do público com os artistas.

360 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


3. Qual mudança o uso de tecnologias, especificamente do cinema e da internet, promoveu na re-
presentação das artes cênicas? Dê exemplos.

3. A principal mudança que essas tecnologias promoveram foi a possibilidade de registrar e divulgar obras cênicas in-

dependentemente da copresença de público e artistas. Assim, essas obras podem circular por vários países e atingir um

grande número de pessoas. No entanto, por mais que essas tecnologias possibilitem ver obras que, de outra forma, esta-

riam muito distantes de determinado público, a experiência de se estar na presença dos artistas não pode ser substituí-

da. Os estudantes podem dar os exemplos citados na seção “Arte em Diálogo” deste capítulo.

4. O que os programas de computador destinados à dança permitem aos coreógrafos ou estudan-


tes de dança?
4. Eles permitem a criação tridimensional de movimentos e coreografias no computador. Também permitem o acesso a

um banco de dados de movimentos, passos de balé, movimentos específicos da dança moderna, e tutoriais para o apren-

dizado de movimentos de dança.

5. Ao longo do capítulo, você também aprendeu que as mudanças tecnológicas dos últimos anos al-
teraram as maneiras de se produzir, comercializar e compartilhar músicas. Apesar de o avanço tec-
nológico ter facilitado o acesso de um grande número de artistas ao processo de produção e divul-
gação de seus trabalhos, muitos desses artistas permanecem desconhecidos do grande público.
Quais poderiam ser os motivos de o grande público não conhecer a maioria dos artistas que pro-
duzem sua obra de maneira independente?
5. Resposta pessoal.

Sugestões de resposta: grandes meios de comunicação insistem em divulgar um número limitado de artistas e de gêne-

ros musicais, pois consideram apenas o poder comercial; pode haver artistas que produzam músicas que não interessem

a um público numeroso; pode ser que as pessoas ainda não tenham o acesso necessário às ferramentas de divulgação

das novas produções musicais.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 361


Veja orientações na Assessoria Pedagógica.
1. Leia o texto a seguir e assinale a única alterna- c. a capacidade das tecnologias digitais de
tiva que NÃO corresponde a uma motivação misturar, e quase confundir, o real e o virtual
para o uso de tecnologias digitais no teatro é uma característica motivadora de sua in-
contemporâneo: 1. Resposta: A. trodução no teatro contemporâneo;
Certamente, a expansão do emprego de re- d. equipamentos digitais e projeções visuais e
cursos tecnológicos sobre a cena, a hibridização sonoras diversificam os suportes tecnológi-
hoje percebida sobre a cena, reflete o surgimento cos do teatro ampliando sua capacidade de
da tecnologia digital e a nova paisagem cultural,
se conectar a espaços e tempos diferentes
onde o homem está mergulhado em uma reali-
do aqui e agora da representação teatral;
dade de interferências midiáticas. Um celular
e. O teatro, como uma arte do presente, abre-
no bolso, [...], um GPS no carro, um netbook
na pasta, um notebook no escritório, uma TV -se às inovações tecnológicas como uma
de LCD transmitindo em HD [...]. Essa é a rea- resposta ao entorno da sociedade na qual
lidade contemporânea, as tecnologias multipli- vive, dialogando com essas transformações
cam, em uma velocidade vertiginosa, o número e mantendo-se uma arte do seu tempo.
de recursos de comunicação e informação, tor- 2. Leia o texto a seguir e assinale a única alterna-
nando nossa existência rodeada por monitores tiva correta. 2. Resposta: C.
de todos os tamanhos, com resoluções cada vez A noção de Teatro Documentário está atre-
mais perfeitas que tornam quase impossível dis- lada a práticas de investigação teatral nas quais
tinguir o real e o virtual, deslocam nosso olhar o “real” é inserido em cena. Desde sua origem
para espaço onde nossa visão naturalmente não no início do século XX, o desenvolvimento his-
poderia alcançar e nos tornam presentes onde tórico do Teatro Documentário revela as suas
na verdade não estamos. Diante de tal realida- várias e distintas formas de realizações práticas.
de, não é de espantar que o teatro tenha, nas três Em geral, o Teatro Documentário sempre bus-
últimas décadas, [...] se tornado permeável aos cou questionar as fronteiras entre a realidade e a
recursos tecnológicos audiovisuais, empregando ficção, entre os fatos e as verdades.
equipamentos digitais de toda ordem, diversifi-
GIORDANO, Davi. Breve ensaio sobre o conceito de Teatro Documentário.
cando os suportes de projeção visual e sonora. eRevista Performatus, Inhumas, ano 1, n. 5, jul. 2013. Disponível em: <http://
performatus.net/teatro-documentario/>. Acesso em: 7 mar. 2016.
ISAACSSON, Marta. Cruzamentos históricos: teatro e tecnologias de
imagem. ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 7-22, jul.-dez. 2011. p. 9.
Sobre o Teatro Documentário, é possível afir-
a. um dos principais atrativos para a incorpo- mar que:
ração das tecnologias digitais no teatro con- a. trata-se de um gênero teatral que dialoga
temporâneo é sua capacidade de preencher com os fatos ou acontecimentos históricos
lacunas da arte teatral e aumentar a verossi- de um passado distante com a finalidade de
milhança da peça; confirmar as versões oficiais dos mesmos;
b. a incorporação dos aparatos tecnológicos di- b. trata-se de um gênero teatral desenvolvido
gitais de comunicação e informação pelo co- no início do século XX que teve seu apogeu
tidiano de grande parte da população motiva nos anos de 1970 não sendo mais praticado
sua ocorrência na cena teatral na atualidade; na atualidade;

362 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


c. trata-se de uma prática teatral que se utili- Qual dos esboços a seguir melhor representa os
za da pesquisa histórica e mistura aconteci- anéis de Borromeo?
mentos reais à cena ficcional com o objetivo
a.
de produzir um novo olhar sobre os mesmos;

REPRODUÇÃO
d. trata-se de uma prática teatral que utiliza
apenas acontecimentos históricos impor-
tantes para o país, fatos e acontecimentos
da vida das pessoas não podem ser inseri-
dos nesse tipo de teatro;
e. trata-se de um gênero teatral que não acre-
b.
dita que acontecimentos do passado pos-

REPRODUÇÃO
sam interferir no presente, por isso suas prá-
ticas remetem apenas a um passado recente.
3. (Enem) Em Florença, Itália, na Igreja de Santa
Croce, é possível encontrar um portão em que
aparecem os anéis de Borromeo. Alguns histo-
riadores acreditavam que os círculos representa-
vam as três artes: escultura, pintura e arquitetura, c.
pois elas eram tão próximas quanto inseparáveis.

REPRODUÇÃO
3. Resposta: E.
REPRODUÇÃO

d.
REPRODUÇÃO

e.
REPRODUÇÃO

Scientific American, agosto 2008.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 363


4. (Enem) 4. Resposta: C. e o desenvolvimento de novos canais de distri-
O “Portal Domínio Público”, lançado em buição de fonogramas digitais, entre outros fe-
novembro de 2004, propõe o compartilhamento nômenos, acarretaram uma mudança na própria
de conhecimentos de forma equânime e gratui- razão de ser desse negócio. Pode-se afirmar,
ta, colocando à disposição de todos os usuários sem reticências, que a fonografia deixa de ser
da Internet, uma biblioteca virtual que deverá um negócio de produção industrial de discos,
constituir referência para professores, alunos, convertendo-se em um comércio de distribuição
pesquisadores e para a população em geral. de fonogramas digitais e serviços relacionados
Esse portal constitui um ambiente virtual via redes digitais de comunicação. Estas trans-
que permite a coleta, a integração, a preservação formações exigem novas estratégias de comércio
e o compartilhamento de conhecimentos, sen- e, por conseguinte, novas estruturas de produ-
do seu principal objetivo o de promover o amplo ção de fonogramas, o que reconfigura o papel de
acesso às obras literárias, artísticas e científicas cada um dos agentes envolvidos nesse mercado.
(na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já MARCHI, Leonardo. Discutindo o papel da produção independente bra-
em domínio público ou que tenham a sua divul- sileira no mercado fonográfico em rede. In: Nas bordas e fora do maistream
gação devidamente autorizada. musical: novas tendências da música independente no início do século XXI.
HERSCHMANN, Micael (Org.). São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011. p. 145.
BRASIL. Ministério da Educação. Disponível em: http://www.
dominiopublico.gov.br. Acesso em: 29 jul. 2009 (adaptado).
Dentre as consequências que as transforma-
Considerando a função social das informa-
ções e reconfigurações que indústria fonográfica
ções geradas nos sistemas de comunicação e in-
vem apresentando, assinale a opção INCORRETA:
formação, o ambiente virtual descrito no texto
a. a proliferação de estúdios caseiros que trou-
exemplifica
xe maior autonomia na produção de fono-
a. a dependência das escolas públicas quanto
gramas para grande parte dos artistas, os
ao uso de sistemas de informação.
quais passaram a produzir os próprios dis-
b. a ampliação do grau de interação entre as
cos com menos dependência de grandes
pessoas, a partir de tecnologia convencional.
empresas.
c. a democratização da informação, por meio
b. a venda de discos deixou de ser um objeti-
da disponibilização de conteúdo cultural e
vo central para muitos artistas que, inclusive,
científico à sociedade.
passaram a distribuir suas gravações gratui-
d. a comercialização do acesso a diversas pro-
tamente pela internet.
duções culturais nacionais e estrangeiras via
c. diminuição drástica no hábito de ouvir mú-
tecnologia da informação e da comunicação.
sica entre a juventude, devido a menor cir-
e. a produção de repertório cultural direciona-
culação de novos discos ocasionada pela fa-
do a acadêmicos e educadores.
lência das grandes gravadoras.
5. Leia o texto a seguir e, depois, responda à
d. novos problemas referentes aos direitos au-
questão: 5. Resposta: C.
Nas últimas décadas, a indústria fonográfica torais e comerciais de artistas e empresários
se transformou significativamente. A adoção de devido ao aumento do compartilhamen-
relações flexíveis de produção, a dissociação dos to gratuito de músicas proporcionado pela
fonogramas dos suportes físicos (digitalização) internet.

364 CAPÍTULO 21 | Arte e Tecnologia


Artigos, livros e revistas  Coletivo Phila 7. Disponível em: <http://phila7.com.br>. Acesso em:
7 mar. 2016.
 NEVES, Lucas. Teatro documentário transpõe histórias reais para O coletivo Phila 7 é um conjunto de artistas brasileiros que desenvolve,
o palco, 17 nov. 2010. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/ desde 2009, espetáculos que exploram os recursos digitais e de
ilustrada/831582-teatro-documentario-transpoe-historias-reais- transmissão remota de presença. Nesse site é possível conhecer
para-o-palco.shtml>. mais sobre o grupo, seus espetáculos e assistir aos vídeos de suas
Reportagem sobre o teatro documentário na Europa e na América apresentações.
Latina com breve descrição de algumas peças do gênero.  Creative Commons. Disponível em: <https://br.creativecommons.
 RIBEIRO, A.; BORÉM, F. O grupo UAKTI: três décadas de música org/>. Acesso em: 7 mar. 2016.
instrumental e de novos instrumentos musicais acústicos. Per Musi, A Creative Commons é uma organização sem fins lucrativos que
n. 23, 2011, p. 170-184. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/ disponibiliza possibilidades de licenças de direitos autorais,
S1517-75992011000100018>. Acesso em: 7 mar. 2016. em alternativa à usual política de direitos autorais reservados.
Nesse artigo, o músico e ex-integrante do UAKTI, Artur Andrés, No site da organização você poderá conhecer as formas de
licenciamento que possibilitam que artistas e outros produtores
apresenta um pouco da história do grupo e um estudo sobre
de conhecimento permitam o compartilhamento e o uso legal
a construção de instrumentos musicais acústicos por Marco
de suas obras, sob condições de sua escolha.
Antônio Guimarães, fundador do UAKTI. Os autores também
 Festival Internacional de vídeo & dança Dança em Foco. Disponível
inserem os instrumentos utilizados pelo grupo em categorias
em: <www.dancaemfoco.com.br/>. Acesso em: 7 mar. 2016.
alternativas de classificação de instrumentos.
O projeto Dança em Foco, que acontece anualmente, disponibiliza
 TEATRO para robôs. Revista Super Interessante. Edição 318. Maio de
na internet informações e vídeo-danças de artistas nacionais e
2013. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/teatro-
internacionais. Em sua videoteca, é possível encontrar vídeo-danças
de-robos>. Acesso em: 7 mar. 2016.
consagrados e apresentados em edições anteriores do festival.
Matéria da revista Super Interessante sobre companhia japonesa
 Teatro para alguém. Disponível em: <www.teatroparaalguem.
que integra atores e robôs em suas produções.
com.br>. Acesso em: 7 mar. 2016.
Teatro para alguém é uma plataforma de transmissão de pequenas
Sites cenas teatrais gravadas, chamadas web peças por serem criadas para
serem vistas on-line.
 Blog Cultura Digital. Disponível em: <http://culturadigital.br/
teatralidadedigital/>. Acesso em: 7 mar. 2016.
O blog Cultura Digital foi criado em 2011 como processo de um
Filmes e vídeos
projeto de pesquisa sobre teatro e cultura digital contemplado  Rio, Zona Norte, direção de Nelson Pereira dos Santos, Brasil, 1957.
pela Funarte em 2010. Nele é possível ter acesso a diversos textos (90 min).
que tratam da relação entre teatro e internet. Nesse filme, o ator Grande Otelo interpreta um compositor
 Blog Teatro Documentário. Disponível em: <http://teatro- de sambas que tenta vender suas músicas e fazer sucesso na
documentario.blogspot.com.br/>. Acesso em 7 mar. 2016. indústria fonográfica. Na época de sua filmagem, final da década
O blog Teatro Documentário é vinculado ao grupo teatral paulista de 1950, o mercado de discos no Brasil apresentava um grande
Cia. Teatro Documentário e divulga textos sobre seus espetáculos e crescimento e conseguir gravar músicas podia ser uma boa
atividades formativas relacionadas à prática do teatro documentário. oportunidade financeira.
 Blog Videodança+. Disponível em: <http://videodancapesquisa.  A caverna dos sonhos esquecidos, direção de Werner Herzog.
blogspot.com.br/>. Acesso em 7 mar. 2016. França/EUA/Reino Unido/Canadá/Polônia, 2011. (90 min).
Este blog contém um panorama da vídeo-dança nacional e É um documentário do cineasta alemão Werner Herzog lançado
internacional e investiga as relações entre dança e imagem em em 2011. Nele, podem ser vistas as impressionantes pinturas
movimento. No site é possível encontrar: artigos sobre o assunto, uma existentes no interior da caverna de Chauvet Pont D’Arc, no
lista dos principais festivais de dança mundiais que envolvem dança sudoeste da França. Como a caverna é fechada para visitações,
e tecnologia, vídeo-danças, nomes de alguns dos artistas e centros assistir ao documentário é uma boa oportunidade de apreciar a
artísticos que se dedicam a pesquisa sobre dança e tecnologia. riqueza artística de seu interior.

Arte e Tecnologia | CAPÍTULO 21 365


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALPERS, Svetlana. A arte de descrever: a arte holandesa no século XVII. São Paulo: Edusp, 1999.

AMARAL A. PARDO, J. Em busca de corporeidades para o ator/bailarino a partir da dança tradicio-


nal do cavalo marinho. In: OLIVEIRA, E. (Org.), Tradição e contemporaneidade na cena do cavalo ma-
rinho. Salvador: UFBA/PPGAC, 2012.

ANDRÉS, A.; BORÉM, F. O grupo UAKTI: três décadas de música instrumental e de novos instrumentos
musicais acústicos. Per Musi [online]. Belo Horizonte, n. 23, 2011.

ARAÚJO, Samuel. A violência como conceito na pesquisa musical; reflexões sobre uma experiência
dialógica na Maré, Rio de Janeiro. Revista Transcultural de música, n. 10, 2006.

ARGAN, Giulio Carlo. História da arte italiana. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. Jaime Bruna (Trad.). São Paulo: Cultrix, 2005.

BARCA, Calderón de la. A vida é sonho. Renata Palotini (Trad.). São Paulo: Hedra, 2007.

BENNETT, Roy. Instrumentos da orquestra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2004.

BOAL, Augusto. O teatro como arte marcial. Rio de Janeiro: Garamond, 2003.

____________. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

BORDIEU, Pierre. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

BREGOLATO, A. R. Cultura corporal da dança. São Paulo: Ícone, 2007.

CAMARGO, Giselle (Org.). Antropologia da dança I. Florianópolis: Insular, 2013.

CANCLINI, Néstor García; CRUCES, Francisco; POZO, Maritza Urteaga Castro. Jóvenes, culturas urbanas
y redes digitales. Barcelona: Ariel, 2012.

CHAMIE, Mário. O operário. In: A quinta parede. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella (Compil.). Introdução. In: Abstracionismo geométrico e
informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte/Inap, 1987.

CUNHA, Leonardo Campos Mendes. Da aldeia para a cidade: música e territorialidade indígena na
Grande Salvador. Dissertação de Mestrado em Música. Escola de Música, UFBA, Salvador, 2008.

366
DIXON, Steve. Digital performance: a history of new media in theater, dance, performance art, and
installattion. Massachussetts: MIT, 2007.

DOESBURG, Theo van. As bases da arte concreta. In: AMARAL, Aracy A. Projeto construtivo brasileiro
na arte (1950-1962). Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977.

DUBATTI, Jorge. Convivio y tecnovivio: el teatro entre infáncia y babelismo. In: Lamparina – Revista
de Ensino de Teatro. v. 1. n. 5, nov. 2014. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes da UFMG, 2014.

GALLO, Fabio Dal. O cotidiano no espetáculo de Circo Social. In: Lamparina – Revista de Ensino de Teatro,
v. 1, n. 5, nov. 2014. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes da UFMG, 2014.

HADDAD, Amir. Arte urbana e a (re)construção do imaginário da cidade. Rio de Janeiro: SESC,
Administração Regional no Rio de Janeiro, 2015.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

ISAACSSON, Marta. Cruzamentos históricos: teatro e tecnologias de imagem. In: ArtCultura, v. 13, n. 23,
Uberlândia, jul.-dez. 2011, p. 7-22.

KRAUSS, Rosalind. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

LLOSA, Mario Vargas. Travessuras da menina má. Ari Roitman e Paulina Wacht (Trad.). Rio de Janeiro:
Objetiva, 2006.

MARCHI, Leonardo. Discutindo o papel da produção independente brasileira no mercado fono-


gráfico em rede. In: HERSCHMANN, Micael (Org.). Nas bordas e fora do maistream musical: novas ten-
dências da música independente no início do século XXI. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.

MARIA, Júlio. Mc’s Guaranis. In: RICARDO, Beto; RICARDO, Fany (Edit.). Povos indígenas no Brasil
2006/2010. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2011.

MARQUES, Ana Martins. A vida submarina. Belo Horizonte: Scriptum, 2006.

MARQUES, Isabel. Interações: crianças, dança e escola. São Paulo: Blucher, 2012.

MOREIRA, Eduardo. Grupo Galpão: uma história de encontros. Duo Editorial: Belo Horizonte, 2010.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília, DF: Cortez/
Unesco, 2000.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 2008.

PASSÔ, Grace. Por Elise. Belo Horizonte: Grace Passô, 2005.

PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

PEDROSA, Mário. ARANTES, Otilia Beatriz Fiori (Org.). Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. São
Paulo: Edusp, 1998.

367
PESSOA, Fernando. Autopsicografia. In: Fernando Pessoa – Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar,
1972.

PORTES, Edileila Maria Leite. Arte, Arte indígena, Arte Borum/Krenak: os imbricados caminhos para
a compreensão da arte. Ars, ano 13, n. 25. p. 89-103.

RENGEL, Lenira. Os temas do movimento de Rudolf Laban I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII – modos de aplicação e
referências. São Paulo: Annablume, 2008.

ROCHA, Alexandre Nazareth da (Coord.). Comédias do bumba-meu-boi do Maranhão. Santarém:


Cumbuca, 2014.

SADIE, Stanley (Ed.). Dicionário Grove de música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

SCHAFER, Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Editora UNESP, 1991.

SOLER, Marcelo. O campo do teatro documentário. Sala Preta PPGAC, v. 13, i2, p. 130-143.

THE NEW YORK TIMES. O New York Times comenta Liberdade, liberdade. In: RANGEL, F., FERNANDES,
Millôr. Liberdade, liberdade. 5. ed. Porto Alegre: L&PM, 1987.

TORRES, Antônio. Colaboração: Alice Viveiros de Castro e Márcio Carrilho. O circo no Brasil. Rio de
Janeiro: FUNARTE; São Paulo: Atração, 1998.

TURÉ dos povos indígenas do Oiapoque. Rio de Janeiro/São Paulo: Museu do Índio, IEPÉ, 2009.

VIEIRA, Rosângela de Lima. A relação entre o documento e o conhecimento histórico. Mimesis, v. 20,
n. 1, Bauru, 1999.

WALTER, Chip. Primeiros artistas. In: National Geographic. São Paulo: Abril, fev. 2015.

368
ARTE
VOLUME ÚNICO

ASSESSORIA
PEDAGÓGICA
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO, 371 7. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS


INTRODUÇÃO, 372 ESPECÍFICAS, 405
Introdução Arte: conhecimento e
1. ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS experiência, 405
DA DISCIPLINA ARTE, 373 Unidade 1 Arte, tempo, espaço e
Arte, História e Estética, 373 movimento, 407
História do ensino de Arte no Brasil, 375 • Capítulo 1 Música e espaço, 407
Diferenças entre metodologia e método, 381 • Capítulo 2 Artes cênicas: tempo e espaço, 409
• Capítulo 3 Escultura: tempo, espaço e
2. ORGANIZAÇÃO GERAL DA OBRA, 383 movimento, 414
Estrutura geral e descrição dos elementos, 383 • Capítulo 4 Imagem em movimento, 418
Quadro de conteúdos da obra, 387 • Capítulo 5 Música e movimento, 420
• Capítulo 6 Dança, teatro e movimento, 422
3. PROPOSTA DIDÁTICOPEDAGÓGICA
DA OBRA, 389 Unidade 2 Arte e sociedade, 427
• Capítulo 7 Teatro e sociedade, 427
Objetivos do ensino de Arte na obra, 389
• Capítulo 8 Imagem e poder, 431
Pressupostos metodológicos da obra, 389 • Capítulo 9 Dança e sociedade, 434
• Capítulo 10 Música e sociedade, 437
4. EXPERIÊNCIAS INTERARTES NA
EDUCAÇÃO, 393 Unidade 3 Arte e as cidades, 438
O pensamento disciplinar, 393 • Capítulo 11 Teatro e cidade, 439
O pensamento inter, multi e transdisciplinar, 394 • Capítulo 12 Música e cidade, 442
Diálogos interartes no ensino, 395 • Capítulo 13 Artes visuais e cidade, 444
• Capítulo 14 Dança e cidade, 448
A interdisciplinaridade e a investigação
artística, 397 Unidade 4 Culturas brasileiras, 451
• Capítulo 15 Cultura ou culturas, 451
5. AVALIAÇÃO, 398
• Capítulo 16 Culturas brasileiras, 454
Avaliação: noções, reflexões e propostas, 398 • Capítulo 17 Música para imaginar e
A proposta avaliativa deste livro didático, 400 experimentar o mundo, 458
• Capítulo 18 A visualidade das artes
6. SUGESTÕES PARA A FORMAÇÃO indígenas brasileiras, 461
CONTINUADA DOA PROFESSORA
DE ARTE, 401 Unidade 5 Arte em conexão, 464
• Capítulo 19 Pintura, Teatro e História, 464
Livros, 401
• Capítulo 20 Arte e Matemática, 469
Filmes e documentários, 403
• Capítulo 21 Arte e tecnologia, 472
Sites relacionados à educação e ao ensino
de Arte, 404 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 477
Caro(a) colega professor(a),

Este livro, fruto das experiências em sala de aula na Educação Bá-


sica, bem como da formação de professores(as) nos quatro campos
artísticos da disciplina Arte (artes visuais, dança, teatro e música), foi
escrito com o objetivo de valorizar as especificidades das artes vi-
suais, da dança, da música, do teatro e, também, de abordar suas
zonas de contato e práticas interartes.
Para isso, selecionamos temas que atravessam esses quatro cam-
pos artísticos e que revelam os elementos técnicos, expressivos e
os processos criativos de cada um deles. A partir desses temas, a
História da Arte, em sua perspectiva tanto social quanto filosófica e
estética, se apresenta como uma importante peça de contextuali-
zação das práticas e dos procedimentos abordados, bem como das
experimentações propostas.
Nossa proposta com este livro é a de colaborar com a formação
do espírito crítico e criativo do jovem em relação às artes, para que
ele tenha uma compreensão plural da arte e da cultura, e para que
desenvolva atitudes como cidadão na sociedade. Esperamos que
você, professor(a), e seus estudantes desfrutem deste livro e que a
jornada que se inicia seja rica e prazerosa a todos.

Os autores
INTRODUÇÃO
Você perceberá que durante a elaboração deste livro, as conhecimento dos campos artísticos. Na atualidade, artes
experiências artísticas abordadas não foram tratadas de ma- híbridas, como performance, intervenção urbana, dança
neira cronológica e o foco que escolhemos é o da arte con- de rua, grafite, entre outras, ocupam as cidades junto a
temporânea1, por se caracterizar como uma arte geralmente outras mais tradicionais, como o teatro de rua, o circo e
interdisciplinar2, plural e que abarca uma grande diversidade as bandas musicais. O tema nos possibilita transitar entre
temática, estilística e estética. Com isso queremos dizer que, a tradição e a vanguarda, e a revelar a pluralidade da arte
em nosso entendimento, a arte contemporânea não é um contemporânea e de sua relação com as cidades.
estilo, mas é aquela que está sendo produzida e vivida por ƒ Culturas brasileiras: Este tema, referente à Unidade 4,
nossos contemporâneos. No entanto, para compreender e aborda o conceito de cultura/culturas e o lugar da arte
experimentar a arte contemporânea, se faz necessário tam- nas culturas brasileiras. Tratamos de expressões culturais
bém o diálogo com a perspectiva histórica de movimentos brasileiras de matrizes ameríndias, afro-brasileiras, euro-
artísticos pregressos. peias e latino-americanas, que em grande parte, integram
Os temas geradores3 que selecionamos para compor este elementos técnicos e expressivos da dança, das artes vi-
livro provocam associações entre os campos artísticos em suais, do teatro e da música. Essa percepção integradora
uma perspectiva dialógica, ou seja, aberta ao diálogo entre entre as artes e outros campos da cultura possibilita um
o material didático, sua prática docente e a experiência dos olhar capaz de perceber e respeitar a diversidade cultural
estudantes. Os temas selecionados são: e a contribuição desta para a construção de nossa iden-
ƒ Arte, tempo, espaço e movimento: Este tema, referente à tidade.
Unidade 1 do livro, trata de aspectos essenciais que atra- ƒ Arte em conexão: Este tema, referente à Unidade 5, abor-
vessam os quatro campos artísticos, deixando evidentes da o diálogo direto de movimentos, estilos e práticas de
os elementos técnicos, filosóficos, sociais e estéticos de cada um dos campos artísticos – artes visuais, dança, mú-
cada campo. Independente do estilo artístico, da época sica e teatro – com outras áreas do conhecimento, em
ou das técnicas escolhidas, artistas de artes visuais, dança, uma perspectiva interdisciplinar.
música e teatro se relacionam com o tempo, o espaço e o Dentro da perspectiva da Abordagem Triangular4, nossa
movimento em suas produções. Diferentes formas de se metodologia propõe: a contextualização – no tratamento
relacionar com esses elementos acabam por revelar abor- histórico, social e estético dos procedimentos artísticos estu-
dagens artísticas diversas, o que reforça sua importância dados; a fruição – na descrição das práticas analisadas e na
para a contextualização, fruição e produção em arte. visualização ou audição de materiais audiovisuais sugeridos
ƒ Arte e sociedade: Este tema, referente à Unidade 2 do li- em cada unidade, além da fruição da produção dos colegas
vro, tem como objetivo evidenciar a íntima relação entre a de turma e possíveis visitas a exposições, espetáculos, concer-
arte nos quatro campos artísticos e as demais expressões tos etc.; a produção – nas práticas coletivas e individuais em
culturais e áreas do conhecimento em uma determinada diálogo com cada tema gerador. Não há uma relação hierár-
sociedade. As relações entre arte e sociedade evidenciam quica ou sequencial entre os vértices da Abordagem Triangu-
a contextualização de um artista, de um movimento e de lar (contextualização, fruição e produção), tampouco há uma
um estilo em uma determinada sociedade marcada por separação estanque entre os mesmos.
acontecimentos históricos e visões de mundo. Assim, po- Buscamos, também, valorizar a experiência do jovem do
demos entender a produção artística como uma reação Ensino Médio que, além de ter tido contato com a disciplina
político-social-filosófica a seu entorno. Arte no Ensino Fundamental, se relaciona com a arte e com
ƒ Arte e as cidades: Este tema, referente à Unidade 3, abor- a cultura em seu dia a dia. O jovem não é considerado, neste
da as relações entre os quatro campos artísticos e as cida- livro, como um receptor de informações ou conteúdos, mas
des. A relação entre arte e cidade remonta à Antiguidade sim como um fruidor e produtor da arte e da cultura contem-
Clássica, no Ocidente, reiterando sua importância no re- porâneas5.

1. Ao falar de arte contemporânea, neste livro, estamos nos referindo à arte atual, principalmente aquela produzida a partir do século XXI.
2. Sobre interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, ver item A interdisciplinaridade e a investigação artística mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.
3. Nessa obra, os “temas geradores” foram definidos com base nas propostas de John Dewey e Paulo Freire. Sobre esse assunto, veja o subitem Método e
metodologia no livro didático mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.
4. Sobre Abordagem Triangular, veja o item Proposta didático­pedagógica da obra mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.
5. Percebemos essa mesma visão nas questões do Enem que, em sua prova de Linguagens e Conhecimentos Gerais, na qual estão contidas as questões
relacionadas à disciplina Arte, valoriza a capacidade do estudante na interpretação de textos verbais e não verbais.

372
1. ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
DA DISCIPLINA ARTE
Trataremos de alguns aspectos teóricos e metodológicos suas obras, conservado em museu, um aparelho sanitário de
da disciplina Arte com o objetivo de contribuir para a con- louça, absolutamente idêntico aos que existem em todos os
tinuidade de sua formação na área, bem como para uma mictórios masculinos do mundo inteiro. Ora, esse objeto não
contextualização das propostas metodológicas deste livro e corresponde exatamente à ideia que eu faço da arte.
de seus pressupostos teóricos. Começaremos por abordar as Para me distrair um pouco, discretamente tomo em-
relações entre arte, história e estética. Posteriormente, descre- prestada do meu irmãozinho uma revista em quadrinhos de
veremos e analisaremos a introdução da educação formal no terror. Mais tarde, visito um amigo intelectual que possui
Brasil e, em particular, o desenvolvimento do ensino de arte magnífica biblioteca, e nela encontro uma suntuosa edição
neste contexto. Finalizaremos estes aspectos teóricos e meto- italiana consagrada a Stan Lee, reproduzindo a mesma his-
dológicos com uma diferenciação entre método e metodo- tória em quadrinhos que eu havia lido há pouco num gi-
logia que será importante para contextualizar a organização bizinho barato. Meu amigo me ensina que Stan Lee é um
didática desta obra e suas propostas metodológicas.
grande artista e, por sinal, a introdução, elaborada por um
professor da Universidade de Milão, confirma seus dizeres.
Arte, História e Estética Eu nem imaginava que uma história em quadrinhos pudesse
ter autor, quanto mais que esse autor pudesse ser chamado
Ao iniciarmos qualquer debate com nossos amigos so- artista e sua produção, obra de arte. [...]
bre arte, logo escutamos frases como: “Gosto não se discute”. Para decidir o que é ou não arte, nossa cultura possui
Outras vezes, também, é possível nos encontrarmos diante instrumentos específicos. Um deles, essencial, é o discurso
de uma discussão acalorada que se encerra com a frase: “Mas sobre o objeto artístico, ao qual reconhecemos competência
arte não é subjetiva?”. Esse tema tão presente no cotidiano e autoridade. Esse discurso é o que proferem o crítico, o his-
conduzirá parte do nosso debate e nos ajudará a compreen- toriador da arte, o perito, o conservador de museu. São eles
der as discussões apresentadas no livro. que conferem o estatuto de arte a um objeto. Nossa cultura
É certo que a definição de arte envolve questões como também prevê locais específicos onde a arte pode manifes-
subjetividade, afetividade e gosto. Contudo, devido à com- tar-se, quer dizer, locais que também dão estatuto de arte a
plexidade do tema, inúmeros teóricos se debruçaram sobre um objeto. Num museu, numa galeria, sei de antemão que
essa questão para tentarem chegar a uma explicação mais encontrarei obras de arte; num cinema “de arte”, filmes que
ampla. Vamos, primeiro, nos aproximar de Jorge Coli (2000), escapam à “banalidade” dos circuitos normais; numa sala de
o historiador da Arte que relata a dificuldade de se encontrar concerto, música “erudita”, etc. Esses locais garantem-me
uma definição exclusiva para este campo de estudo: assim o rótulo “arte” às coisas que apresentam, enobrecen-
do-as. No caso da arquitetura, como é evidentemente im-
Dizer o que seja a arte é coisa difícil. Um sem-número de
possível transportar uma casa ou uma igreja para um museu,
tratados de estética debruçou-se sobre o problema, procuran-
possuímos instituições legais que protegem as construções
do situá-lo, procurando definir o conceito. Mas, se buscamos
“artísticas”. Quando deparamos com um edifício tombado
uma resposta clara e definitiva, decepcionamo-nos: elas são
pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
divergentes, contraditórias, além de frequentemente se pre-
podemos respirar aliviados: não há sombra de dúvida, esta-
tenderem exclusivas, propondo-se como solução única. [...]
mos diante de uma obra de arte.
Entretanto, se pedirmos a qualquer pessoa que possua um
mínimo contato com a cultura para nos citar alguns exem- COLI, J. O que é arte. São Paulo: Brasiliense, 2000. p. 7-11.
plos de obras de arte ou de artistas, ficaremos certamente Nesse texto, Jorge Coli faz uma apresentação relevante so-
satisfeitos. Todos sabemos que a Mona Lisa, que a Nona Sin- bre as dificuldades inerentes à definição de “arte”. Existem múl-
fonia de Beethoven, que A Divina Comédia, que Guernica de tiplas possibilidades de definição e estas correspondem tanto
Picasso ou o Davi de Michelangelo são, indiscutivelmente, à cultura quanto à temporalidade em que foram produzidas.
obras de arte. Assim, mesmo sem possuirmos uma defini- Coli nos indica, então, um caminho para a compreensão dessa
ção clara e lógica do conceito, somos capazes de identificar multiplicidade, das referências de onde elas partem, ou seja,
algumas produções da cultura em que vivemos como sendo das instituições responsáveis pela demarcação do “lugar” da
“arte”. [...] Entretanto, eu abro um livro consagrado a um ar- arte e dos profissionais que trabalham na construção do discur-
tista célebre do nosso século, Marcel Duchamp, e vejo entre so sobre a arte6. Esse conjunto de atores recebe a denominação
6. O termo “discurso” deve ser compreendido como todas as referências que são produzidas dentro do campo do conhecimento. A sociedade contem-
porânea é construída com base em inúmeros discursos. O que os diferencia é a legitimidade conferida por instituições ou por elementos internos à
nossa cultura.

373
de “circuito artístico” e reúne museus, críticos de arte, artistas, retrata a memória de uma determinada sociedade em termos
galeristas, revistas especializadas, entre outros. culturais ou temporais. Contudo, a tarefa de compreender as
A definição de arte envolve uma rede de significados e outras esferas que atravessam a interface própria da obra de
não é raro ficarmos em dúvida sobre a inclusão ou exclusão arte é uma questão que poderia ser enunciada da seguinte
de um objeto do mundo da arte. Muitas vezes, certo objeto forma: Quais são e como se apresentam artisticamente essas
nos desperta grande curiosidade e nos perguntamos por quê. referências que determinam culturalmente e temporalmente
Talvez esses atores do chamado circuito artístico tenham vis- uma sociedade?
to algum talento raro em determinado artista ou, então, um Seria utópico dizer que áreas do conhecimento como a
potencial de mercado em determinada obra produzida por história, a política, a biografia, a religião, a filosofia, entre ou-
alguém, e esse artista e/ou essa obra são colocados em desta- tras, não se relacionam com as produções artísticas, mas não
que na mídia, em exposições de museus, em grandes leilões, se deve buscar uma ideia de determinação dessas áreas na
entre outras situações. Além das razões do valor intelectual obra artística. Nesse sentido, torna-se relevante a explicação
da produção artística, nesse meio também existem questões dada, a seguir, por Argan (1994):
mercadológicas, que são próprias do tempo em que vivemos
e não são exclusivas do campo da arte. É por isso que, mui- Os problemas para os quais cada obra de arte é a solução
tas vezes, durante a leitura deste livro, será possível encontrar encontrada ou proposta são problemas tipicamente artísti-
produções que poderão fazê-lo ficar em dúvida se podem ou cos; mas porque a arte é uma componente constitutiva do
não ser consideradas arte. Entretanto, como foi dito por Jorge sistema cultural, existe decerto uma relação entre os proble-
Coli, apenas é possível compreender esses elementos den- mas artísticos e a problemática geral da época. O historia-
tro de uma rede de significados específicos de uma cultura dor não deve, pois, tentar entender como aquela problemá-
e sociedade localizadas no tempo que o nosso livro ajudará tica geral se desdobra na obra do artista e nela constitui o
a compreender. Para nos aprofundarmos nessas questões, tema ou o conteúdo, mas como aquela problemática envolve
torna-se importante o conhecimento de um componente o problema específico da arte e se apresenta ao artista como
responsável por valorizar um objeto de arte. problema artístico. Miguel Ângelo viveu profunda e dra-
maticamente a crise religiosa do seu tempo e, sem levarmos
Na cultura moderna, a arte é objecto de estudo por em linha de conta aquela situação histórica, não podemos
parte de uma disciplina autónoma e especializada, a críti- compreender os frescos que pintou na Capela Sistina. Es-
ca de arte, que opera segundo metodologias próprias, tem tava certamente ciente da enorme responsabilidade que
como fim a interpretação e avaliação das obras artísticas e, comportava o seu empreendimento pictórico no lugar mais
ao longo do seu desenvolvimento, deu origem não só a ter- sagrado, no centro ideal da cristandade. Assumiu uma po-
minologias apropriadas como a uma autêntica “linguagem sição ideológica que pôde ser explicada também no plano
especial”, que “recorre com insólita frequência a uma dada doutrinal, que decerto influiu de maneira determinante na
secção do léxico e, relativamente ao uso corrente, é rica em evolução da crise. Mas não ilustrou nem exprimiu, em figu-
termos que derivam de diversas nomenclaturas técnicas e ras, conceitos que teriam podido ser igualmente expressos
científicas” (DE MAURO, 1965, p. 1). As obras artísticas num discurso falado ou escrito. Sentiu que a crise religiosa
foram sempre objecto de juízos de valor e consideradas colidia também com a arte e enfrentou-a como problema da
como componentes de um património cultural que exigia arte do mesmo modo que os filósofos a enfrentaram como
atenções particulares por parte da sociedade e dos seus problema filosófico e os políticos como problema político.
órgãos representativos, interessados em conservá-las e em
transmiti-las (mas também, não poucas vezes, em se desfa- ARGAN, G. C. Guia de História da Arte. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. p. 17-18.
zer delas, em destruí-las, em substituí-las); desde a Antigui- Não devemos esquecer que a História da Arte e a Crítica
dade, desenvolveu-se em torno da arte uma vasta literatura, de Arte são apenas algumas disciplinas capazes de oferecer
de carácter diversificado: cronístico ou memorialístico, teó- um caminho para a análise do campo das artes. A Estética,
rico e preceitual, histórico-biográfico, erudito e filológico, enquanto Filosofia da Arte, reuniu grandes pensadores capa-
interpretativo ou de comentário. zes de definir, normatizar e gerir o pensamento sobre arte no
mundo ocidental. O problema, como aponta Marc Jimenez
ARGAN, G. C. Arte e crítica de arte. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1995. p. 127.
(1999) a seguir, ocorreu com a desvalorização progressiva do
O historiador da arte Giulio Carlo Argan (1995) expõe, no campo da arte.
fragmento acima, os princípios que caracterizam o universo
de validação dos objetos de arte. Os críticos de arte escolhem Há vinte anos apenas, a palavra “estética”, usada para
e escrevem sobre os objetos que possuem maior relevância designar a reflexão filosófica sobre a arte, apresentava-se
para o patrimônio da humanidade. Ao definir a relevância de prematuramente envelhecida. Embora seu sentido moderno
um determinado objeto de arte, este é convertido em patri- date apenas do século XVIII, parecia antiquada e prestes a
mônio cultural e passa a interessar a instituições responsáveis desaparecer. Certos filósofos chegavam ao ponto de decla-
pela preservação de tais objetos. Geralmente, essa preserva- rar, de forma humorística, que “em sua história bicentenária,
ção é justificada por reunir um conjunto de elementos que da metade do século XVIII até a metade do século XX, a

374
estética revelou-se como um insucesso brilhante e repleto tempos e em todos os lugares. Sem remontar ao paleolítico,
de resultados”. todos os séculos, desde a Antiguidade greco-latina até os
De onde provém esse paradoxo? Certamente dos di- nossos dias, não se distinguiram, em diferentes graus, por
versos significados da palavra estética; falaremos mais tarde períodos de floração artística? Como explicar então a emer-
deste problema. Mas ele provém também do próprio objeto gência tão tardia de uma reflexão específica, autônoma, par-
da estética, isto é, da arte. E as contradições levantadas por ticularmente consagrada à criação artística?
esta última são numerosas. Nós as vivemos no dia a dia. Para responder a tais perguntas, convém precisar aqui
Como compreender, por exemplo, que a sociedade moder- o sentido da palavra autonomia. “Autonomia da estética”
na, colocada sob o signo da civilização da imagem, conceda não tem o mesmo sentido de “autonomia da arte”, mas um
tão pouco espaço ao ensino das artes plásticas? Evidente- certo número de correlações existem entre uma e outra. A
mente, nestes últimos anos foram realizados grandes pro- reflexão específica, que acabamos de evocar, supõe que o
gressos graças à criação de cursos e de concursos, mas os objeto ao qual se aplica seja ele mesmo definido de forma
professores das disciplinas artísticas sabem muito bem que precisa; ora, a palavra arte, herdeira desde o século XI, de
se beneficiam de um status particular, incapaz de rivalizar sua origem latina ars = atividade, habilidade, designa até o
com o de seus colegas da matemática, das letras ou da lin- século XV, no Ocidente, apenas um conjunto de atividades
guística. Um outro exemplo: a música – seria preciso dizer ligadas à técnica, ao ofício, à perícia, isto é, a tarefas essen-
todas as músicas – cria um universo sonoro no qual estamos cialmente manuais. A própria ideia de estética, no sentido
permanentemente imersos; este universo tornou-se denso e moderno, aparece somente no momento em que a arte é
aperfeiçoou-se graças aos progressos e à flexibilidade de uti- reconhecida e se reconhece, através de seu conceito, como
lização das novas tecnologias. Pensemos [...] nos CD players atividade intelectual, irredutível a qualquer outra tarefa pu-
de carro. Porém, excetuando certos filões específicos, que lu- ramente técnica.
gar ocupa o ensino musical na escola secundária? [...] E, JIMENEZ, M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 31-32.
enfim, que dizer do ensino da estética, disciplina que consta
É importante perceber que a ideia a qual chamamos
do programa de filosofia do último ano do segundo grau, muitas vezes de “arte” ocorre apenas em um período
mas cujo estudo é frequentemente relegado para o final do relativamente curto da experiência ocidental – do século
ano escolar, “caso houver tempo”! XIV ao XX. Nesse sentido, a distinção entre artistas e artesãos,
JIMENEZ, M. O que é estética? São Leopoldo: Unisinos, 1999. p. 9-10. assim como uma possível diferença entre uma cama e uma
pintura bem executadas, era inexistente. As separações
Não é difícil perceber como a discussão de Marc Jimenez, ocorreram no momento em que o artista cessou de realizar
filósofo francês, aproxima-se de nossa realidade. Apesar do obras orientadas para o valor de uso e também quando dei-
grande acesso às imagens e a inúmeras músicas, ainda existe xou de reproduzi-las, o que, por sua vez, instituiu o princípio
pouca valorização dos profissionais do campo das artes em de peças únicas. Enquanto ao artesão é atribuída a tarefa de
todas as suas linguagens e isso faz com que o conhecimento repetir uma determinada ideia, o artista buscaria a autonomia
da área nos pareça por vezes distante ou mais difícil de ser de criar uma obra ainda não conhecida. Naturalmente, essas
acessado que a matemática. Jimenez visa produzir algumas separações não são tão rígidas e tornam-se gradativamente
aproximações desse campo ainda não muito valorizado e, re- mais frágeis com o decorrer do século XX, a partir da emer-
tomando a discussão apontada no início do fragmento com gência da arte moderna.
relação à disciplina Estética: Como situá-la historicamente e O desafio que caracteriza essa publicação é o de analisar
por qual razão sua fundação no campo do conhecimento é as produções artísticas em um duplo movimento: histórico –
tão tardia? A explicação está em outra passagem da mesma com a valorização dos aspectos que caracterizam sua produ-
obra de Jimenez (1999): ção à época em que foi realizada e em seus aspectos sociais,
políticos e econômicos como também estéticos, em discus-
A fundação da estética como disciplina autônoma cons-
sões que ultrapassam sua historicidade e são capazes de dia-
tituiu um acontecimento de um alcance considerável. Este logar com outras realidades tanto temporais como espaciais.
acontecimento é tanto mais importante por não se tratar uni-
camente de acrescentar um novo ramo à árvore da ciência.
O que é criado não é apenas um vocábulo, uma pala- História do ensino de Arte
vra cômoda capaz de reunir e designar um saber até então no Brasil
difuso. A novidade reside no olhar que os contemporâneos
pousam doravante não somente sobre a arte do passado, Para entender a trajetória do ensino de Arte no Brasil e
mas também sobre os artistas e sobre as obras de sua época. seus diferentes processos metodológicos, é importante que
Mas que significa exatamente esta autonomia estética? retomemos, ainda que brevemente, a história da educação
Por que apareceu ela somente no século XVIII, já que a formal e da inclusão da Arte como disciplina em nosso país.
existência dos artistas data aparentemente das mais afasta- O processo de formalização da educação do sujeito come-
das épocas? A arte, de fato, parece ter existido em todos os çou no Brasil Colônia, com os jesuítas da Companhia de Jesus,

375
ordem religiosa vinculada à Igreja Católica, fundada por Inácio para organizar o ensino de Belas-Artes no Brasil. Com pro-
Loyola em 1534, na península Ibérica (Portugal e Espanha), posições essencialmente técnicas, o grupo chegou para criar
que implementaram a arte como estratégica pedagógica. a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, voltada para o
No primeiro período jesuítico (1549-1570), também cha- ensino de ofícios artísticos e mecânicos.
mado “tempos heroicos”, a educação jesuítica destinava-se A instituição, quando começou a funcionar, passou a se
à catequização dos indígenas e era comandada pelo Padre chamar Academia Imperial de Belas-Artes, com conteúdos
Manuel da Nóbrega, com o objetivo de convertê-los ao ca- focados na formação artística. Em 1855, quando Araújo
tolicismo, bem como de lhes transmitir a Língua Portuguesa. Porto Alegre assumiu a direção da Academia, propôs, sem
Os jesuítas usavam o teatro e a música como estratégias pe- sucesso, uma reforma para que a instituição agregasse a for-
dagógicas a fim de envolver o público nas cerimônias religio- mação de artesãos e artistas [...].
sas com a apresentação dos autos medievais e dos conjuntos Esse momento é quando, segundo Barbosa (2002), a
musicais para as festividades solenes da Igreja Católica.
“concepção popular de arte de então é substituída por uma
O programa educacional dos jesuítas, principalmente no
concepção burguesa” e o aprendizado deixa de ser por meio
segundo período, se inseria na concepção de mundo e de ho-
do trabalho e se estabelece “por árduos exercícios formais”.
mem existentes na Península Ibérica do século XVI, em que se
Outro dado significativo do período apontado por Barbosa
destacava a valorização do ócio frente ao negócio. Era voltado
(2002) é que a “atividade artística não era incluída nas esco-
para o ensino das artes liberais, ensinadas em latim, e no de-
senvolvimento do espírito. Ou seja, havia uma forte separação las elementares públicas” (p. 41).
entre as chamadas artes liberais dos ofícios manuais e mecâni- GOUTHIER, J. História do ensino da Arte no Brasil. In: PIMENTEL, L. G. (Org.). Curso de
cos. As artes liberais têm sua origem na Antiguidade Clássica e especialização em ensino de artes visuais. Volume 1. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes,
eram consideradas conhecimentos essenciais de uma pessoa 2009. p. 10.
livre. Quem tinha esses conhecimentos diferenciava-se dos es- A arte como disciplina se instaurou primeiro no ensino de
cravos ou servos por saber algo que se contrapunha às artes nível superior no Brasil e se atrelava, essencialmente, ao ensino
mecânicas, ou seja, aos trabalhos manuais e de esforço braçal. de desenho. As propostas de Rui Barbosa, entre 1882 e 1883,
Ainda no Brasil Colônia, é importante ressaltar a existência foram as responsáveis pela implantação da Arte como disci-
de oficinas de artesãos, comumente chamadas pelos histo- plina nas escolas primárias e secundárias. Gouthier (2009) diz:
riadores escolas de artífices, que se ocupavam de ensinar di-
versos ofícios a quem estivesse fora do ensino formal jesuíta. A instauração da República, no final do século XIX, refle-
Também nos quilombos, como no de Palmares, há o relato te também no ensino do desenho na educação popular, que
do recebimento de indígenas e mestiços que desenvolviam no ideal dos liberais chegou a ser a disciplina mais importante
trabalhos manuais, como agricultura e artesanato. Este perío­ nas escolas primárias e secundárias. [...] Nos primeiros anos
do durou até a derrocada da Companhia de Jesus no Brasil, do século XX prevalece um grande estímulo ao ensino do
em 1759, finalizando oficialmente mais de duzentos anos de desenho, visto como um importante meio para a formação
desenvolvimento do projeto educacional jesuíta no Brasil. técnica, mas com ingredientes conceituais como a racionali-
Com a dissolução oficial da educação jesuíta, iniciou-se zação da emoção ou ainda a liberação da inventividade.
o período conhecido como Pombalino, denominação que
se refere ao Marquês de Pombal. A laicização da educação GOUTHIER, J. História do ensino da Arte no Brasil. In: PIMENTEL, L. G. (Org.). Curso de
especialização em ensino de artes visuais. Volume 1. Belo Horizonte: Escola de Belas Artes,
deu frutos importantes a Portugal, mas, no Brasil, significou o
2009. p. 11.
desmantelamento de um sistema de ensino complexo e com
objetivos muito claros, sem que outro projeto tenha sido efe- No século XX, Gouthier (2009) apresenta as principais re-
tivado. Deu-se continuidade a aulas régias e avulsas de Latim, formas educacionais no sistema brasileiro a partir dos anos
Grego, Filosofia e Retórica, que formavam apenas aqueles que 1920, quando Anísio Teixeira (1900-1971) trouxe novas pers-
davam continuidade a seus estudos na Europa. pectivas ao currículo na Bahia ao considerar as disciplinas
Em 1807, Lisboa foi invadida por tropas francesas, obri- como instrumentos para determinados fins, com o objetivo
gando a Corte a fugir para o Brasil. A chegada de Dom João final de capacitar os estudantes para a vida em sociedade.
VI mudou significativamente as relações comerciais e econô- Francisco Campos e Mário Cassanta implementaram o pen-
micas do Brasil, acarretando também mudanças educacionais samento da Escola Nova, em Minas Gerais, em que a valoriza-
importantes, principalmente no que diz respeito à introdução ção da criatividade da criança, bem como do jogo, abriram as
da Arte (predominantemente o desenho) no currículo formal. portas para que as artes, principalmente as artes visuais, mas
Segundo Gouthier (2009): também a música, o teatro e a dança, fossem valorizadas no
contexto da educação elementar.
A chegada de Dom João VI ao Brasil e, em seguida, a
Missão Francesa, trouxeram marcas profundas nas referên- Escola Nova
cias estéticas do país, com a substituição do Barroco bra-
sileiro pelo Neoclassicismo. Joachim Lebreton, egresso do O ideário da Escola Nova veio para contrapor o que
Instituto de França, liderou o grupo de artistas e artífices era considerado “tradicional”. Os seus defensores lutavam
franceses que chegou no Rio de Janeiro em março de 1816 por diferenciar-se das práticas pedagógicas anteriores.

376
uma de suas premissas era influenciar as práticas da edu-
No fim do século XIX, muitas das mudanças que se- cação formal da época por meio de seus professores(as),
riam afirmadas como originais pelo “escolanovismo” da que passariam a compreender a importância da livre ex-
década de [19]20, já eram levantadas e colocadas em pressão da criança.
prática. [...] Na década de 1950, a influência estadunidense se fez pre-
O ler e o escrever passaram a ser associados e racio- sente em um pensamento hierarquizado do processo edu-
nalizados. Por outro lado, o conhecimento era adqui- cacional, o qual dava grande importância ao currículo. Este
rido através da experiência. Os alunos eram levados a currículo seria “ensinado” ao professor(a), que passaria por
observar fatos e objetos com o intuito de conhecê-los. treinamentos e, posteriormente, seria supervisionado. Assim,
Pedagogia Escolanovista. In: HISTEDBR. Navegando na história da Educação a função de supervisor foi valorizada na escola na qualidade
Brasileira. Glossário. Disponível em: <www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/ de controlar a ação do professor(a) e verificar a correta aplica-
glossario/verb_c_pedagogia_escolanovista.htm>. Acesso em: 12 mar. 2016. ção do currículo no processo educacional. Com isso, houve
uma valorização das técnicas científicas em detrimento dos
aspectos sociais da educação.
Anísio Teixeira também foi o responsável por trazer, ainda No período entre 1958 e 1963, a educação no Brasil co-
a partir da década de 1920, o pensamento de John Dewey meçou a conquistar autonomia dos modelos estrangeiros.
(1859-1952) ao Brasil dentro das propostas do Movimento
Houve uma intensificação dos movimentos sociais brasilei-
Escola Nova. Este movimento, apesar de dar grande impor-
ros no contexto internacional da Revolução Cubana, dos
tância à arte, acabou gerando a concepção de arte como ins-
movimentos de independência dos países africanos e das
trumento de auxílio ao aprendizado de outras disciplinas e
lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos. Junto a isso, a
não como área do conhecimento em si, ou seja, as ideias de
vanguarda artística brasileira, com o Concretismo e o Neo-
Dewey foram mal interpretadas.
concretismo, cria um ambiente favorável à reformulação da
Nos anos 1930, surgiram, entre outras experiências fora do
educação e do papel da arte e da cultura no processo edu-
sistema formal de ensino, a Escola Brasileira de Arte, coorde-
cacional. As propostas pedagógicas de Paulo Freire causam
nada por Theodoro Braga (1872-1953), que oferecia gratuita-
grande impacto no ideal de universalização da educação
mente, às crianças e aos adolescentes, cursos de música, de-
no Brasil e inclusão de todas as camadas populares ao sis-
senho e pintura, e o curso para crianças na Biblioteca Infantil
tema educacional.
Municipal de São Paulo, criado por Anita Malfatti (1860-1964).
Barbosa (2002) ressalta que, enquanto na experiência de Bra-
ga o ensino da arte era focado na valorização da técnica, a A criação das Leis de Diretrizes e
proposta de Malfatti se concentrava na exploração dos ele- Bases da Educação Nacional e dos
mentos internos expressivos da arte.
Durante a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), hou- Parâmetros Curriculares Nacionais
ve “uma sensível redução do interesse pela arte-educação”
O presidente João Goulart promulgou a primeira Lei de
(BARBOSA­, 2002, p. 43). Neste mesmo período, houve uma
Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 20 de dezembro
ênfase no desenho geométrico e no desenho pedagógi-
de 1961, e esta tentava contemplar a efervescência das de-
co e de cópia, distanciando-se dos aspectos expressivos e
mandas da época. O Golpe de Estado de 1964 interrompeu
criativos dessa expressão artística. Com o fim da ditadura
esse processo de renovação, abrindo caminho para o que é
Vargas, segundo Gouthier (2009), o ensino de Arte se res-
conhecido como tecnicismo na educação, que se instaurou
tringiu a uma
mais fortemente na década de 1970.
perspectiva mais instrumental, voltada apenas para o Em 1971, é promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases
treinamento do olhar e a liberação da emoção, perdendo o da Educação – LDB nº- 5.692/71 –, que tem uma fundamenta-
seu rumo próprio, que começara a ser construído. A Escola ção tecnicista, visando a profissionalização do jovem e sua rá-
Nova sobrevive, mas com foco menos científico, mais polí- pida inserção no mercado de trabalho. Essa proposta valoriza
tico no sentido de ampliar o acesso à educação, que começa a produtividade do sistema educacional capaz de gerar uma
rápida socialização do estudante aos valores dominantes da
a ganhar espaços extraescolares.
sociedade e, principalmente, ao mercado de trabalho.
GOUTHIER, J. História do ensino da Arte no Brasil. In: PIMENTEL, L. G. (Org.). No que diz respeito ao ensino de Arte, a Lei nº- 2.692/71
Curso de especialização em ensino de artes visuais. Volume 1. Belo Horizonte: institui a polivalência, que reúne na disciplina Educação Ar-
Escola de Belas Artes, 2009. p. 14.
tística as “atividades7 de artes plásticas, música e artes cê-
Nesse contexto, surgiram em várias cidades do país nicas (teatro e dança). Com esses fundamentos pautados
as Escolinhas de Arte, que pautavam o ensino na livre ex- na superficialidade e sem foco no conhecimento, a arte
pressão do estudante. Barbosa (2003) afirma que chegou entrou para o currículo obrigatório no Ensino Fundamen-
a haver trinta e duas Escolinhas de Arte no Brasil e que tal” (GOUTHIER, 2009, p. 16-7). Com a inclusão da Educação
7. Gouthier destaca atividade no que se refere ao texto da lei de 1971 e continuamos com o destaque à palavra, pois ela remete ao ensino de arte como
uma atividade escolar e não como um conteúdo ou área do conhecimento.

377
Artística no currículo obrigatório do Ensino Fundamental, Sendo assim, vamos nos ater, ainda que brevemente, às traje-
em 1973 foram criados os cursos superiores para preparar tórias da formação em música, teatro e dança no Brasil e em
os professores(as) em licenciaturas de Educação Artística sua inserção na educação formal.
em duas modalidades: licenciatura curta (2 anos) e licen-
ciatura plena (4 anos). Essas licenciaturas foram chamadas Música
de polivalentes por pretender, em seu currículo, formar
Os conservatórios de música possuem uma importante
um(a) professor(a) que estaria capacitado(a) a conduzir as
trajetória em nosso país desde o século XIX. Em 1841, foi cria-
atividades de artes plásticas8, música e artes cênicas. Assim,
houve uma diluição dos conteúdos específicos de cada do o Imperial Conservatório de Música do Rio de Janeiro, que
expressão artística, bem como de suas materialidades es- seguiu o modelo francês. Segundo Alves (2015):
téticas e expressivas. Sem a devida formação em cada ex-
Este modelo conduzirá os CEM (Conservatórios Esta-
pressão artística, a arte na escola acabou sendo concebida
duais de Música) historicamente, seja através da formação
como uma atividade de lazer e relaxamento, e não como
uma área do conhecimento humano importante para a de seus professores e concepções pedagógicas de funciona-
formação do indivíduo. mento destas instituições, simultaneamente à necessidade
Nos anos de 1980, inicia-se o processo de redemocratiza- de se formar professores de música e intervenções de seus
ção no Brasil e, com isso, a desvalorização dos modelos edu- professores junto à escola básica.
cacionais adotados pelos governos militares, além de uma ALVES, D. C. O Conservatório Estadual de Música de Juiz de Fora: MG e a preparação de
busca pela autonomia frente a modelos estrangeiros. professores de música não especialistas para a rede estadual de ensino. Belo Horizonte:
Na década de 1990, a LDB de 1996 abrange uma concep- PROFARTES UFMG, 2015. p. 5. (material de qualificação)
ção bastante diversa da de 1971. Frente à formação técnica
para o mercado de trabalho, a LDB de 1996 propõe uma edu- Ao longo do século XX, muitos conservatórios foram
cação para a cidadania. Artigo 1º- da Lei de Diretrizes e Bases abertos em várias capitais e cidades brasileiras do interior,
Nacional (1996), Lei nº- 9.394/96: responsabilizando-se pela educação musical de jovens e
adultos fora do sistema formal de ensino. A partir da LDB
Art. 1-º A educação abrange os processos formativos que de 1971 e, em consonância com o projeto de profissionali-
se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no zação técnica do jovem brasileiro, os conservatórios foram
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movi- enquadrados como ensino supletivo de qualificação pro-
mentos sociais e organizações da sociedade civil e nas ma- fissional, tornando-se estabelecimentos de ensino técnico
nifestações culturais. para a formação de profissionais nas seguintes habilita-
ções: técnico em instrumento, instrutor de fanfarra, sono-
Com a LDB de 1996, é extinta a Educação Artística e criada
plastia e canto. Nesse sentido, a educação visava o apri-
a disciplina Arte.
moramento técnico do estudante frente a um repertório
Em 1998, foram divulgados os Parâmetros Curriculares
quase que exclusivamente europeu. Com a LDB de 1996
Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental, Médio, Profissiona-
e os Parâmetros Nacionais para a Educação Profissional de
lizante e de Jovens e Adultos. Esses documentos foram ela-
borados por especialistas de cada área do conhecimento, em Nível Técnico nas diversas áreas, passou-se a valorizar um
diá­logo com a sociedade civil organizada. No caso da discipli- novo paradigma educacional também nos conservatórios
na Arte, os Parâmetros Curriculares Nacionais estão embasa- (ESPERIDIÃO, 2002):
dos na Abordagem Triangular, proposta por Ana Mae Barbosa
[...] o objetivo primeiro da educação nacional é a for-
nos anos de 1980.
mação dos indivíduos na perspectiva do pleno exercício da
cidadania. Em 1999, pela Resolução CNE/CEB n-º 4, fun-
Música, teatro e dança no ensino damentada no Parecer CNE/CEB n-º 16/99, são instituídas
da Arte as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Pro-
fissional, as quais estabelecem como princípios norteadores
Tradicionalmente, a disciplina Arte é bastante vinculada
da educação profissional de nível técnico os enunciados no
ao ensino de artes visuais, ainda que esteja explicitada, nos
artigo 3-º da LDB, mais os seguintes:
Parâmetros Curriculares Nacionais de 1998, sua composição
I – independência e articulação com o ensino médio;
em quatro conteúdos: artes visuais, dança, teatro e música.
Essa vinculação se dá pela trajetória do ensino formal das ar- II – respeito aos valores estéticos, políticos e éticos;
tes visuais, que foi feito por meio do desenho desde o reinado III – desenvolvimento de competências para a laborabilidade;
de Dom Pedro II. Explica-se, também, pelo fato de a abertura IV – flexibilidade, interdisciplinaridade e contextuali-
dos cursos superiores de licenciatura em artes visuais ser an- zação;
terior à criação das licenciaturas em música, teatro e dança. V – identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso;

8. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, passou a ser usado o termo “artes visuais” em substituição a “artes plásticas”. Por isso, nesse
fragmento, mantivemos a terminologia da época.

378
VI – atualização permanente dos cursos e currículos; lho Nacional de Educação, dos referenciais curriculares da
VII – autonomia da escola em seu projeto pedagógico. educação infantil e dos parâmetros curriculares da educação
ESPERIDIÃO, N. Educação profissional: reflexões sobre o currículo e a prática pedagógica fundamental e média (PCN), bem como das diretrizes para
dos conservatórios. In: Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 7, p. 69-74, set. 2002. p. 71. os cursos superiores de teatro.

Para além dos conservatórios, o ensino de música está pre- SANTANA, A. P. de. Trajetórias, avanços e desafios do teatro-educação no Brasil. In:
Revista Evidências, UESB, p. 248-249, 2014. Disponível em: <www.uesb.br/
sente na Escola Básica em todos os seus níveis, bem como nas
evidencias/2014/01/fase-2-teatro/texto04.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2016.
licenciaturas em música em muitas das universidades federais,
estaduais e particulares no Brasil. A ampliação do repertório e Assim como na música, a LDB de 1971 permitiu que al-
dos objetivos do ensino de música, apontados acima por Es- gumas escolas de teatro fossem incorporadas ao sistema de
peridião, atualizam a função da música na formação escolar. ensino brasileiro como educação profissionalizante de Ensi-
no Técnico. A introdução do teatro como campo da discipli-
Teatro na Arte na Educação Básica (nos níveis fundamental, médio
No caso do ensino do teatro, o ator e produtor teatral e profissionalizante) e a expansão do Ensino Superior com
João Caetano (1808-1863), responsável por fundar a primeira a criação de diversos cursos de teatro (licenciatura e/ou ba-
companhia profissional de teatro brasileira no Rio de Janeiro, charelado) em várias universidades do país foram muito im-
portantes para a consolidação dessa área como um conheci-
tentou fundar uma escola de teatro ainda no século XIX, mas
mento humano relevante por si mesmo, e não apenas como
não o conseguiu por ter tido dificuldade em encontrar apoio
instrumento pedagógico para outros conteúdos.
governamental. A primeira escola para atores no Brasil foi fun-
dada em 1908, no Rio de Janeiro, por Coelho Neto, e foi ba-
Dança
tizada de Martins Penna em homenagem ao teatrólogo bra-
sileiro considerado o precursor da comédia de costumes em O ensino de dança nas escolas do Brasil ainda percorre um
nosso país. Essa escola de teatro continua formando atores e longo e árduo caminho. Se o ensino de Arte, na hierarquia do
é a mais antiga em funcionamento da América Latina. Sobre a currículo escolar, é renegado a segundo plano em relação às
inclusão do teatro na Educação Básica, Santana afirma (2014): outras disciplinas – com a carga horária de uma aula semanal
para que se contemple os conteúdos dos quatro campos ar-
O grande marco na história deu-se com a obrigato- tísticos –, o ensino de dança sofre maior resistência, pois, além
riedade da educação artística no ensino de 1-º e 2-º graus, do pouco tempo destinado ao desenvolvimento dos conteú­
implementada por lei federal em 1971, prevendo-se a mo- dos específicos, enfrenta desafios decorrentes de preconcei-
dalidade artes cênicas, para ser ministrada de maneira po- tos estabelecidos pelos modelos educacionais em relação às
livalente junto a música, artes plásticas e desenho, durante concepções de corpo e de movimento, além da falta de for-
cinquenta minutos por semana, o que se tornou, na expe- mação específica em dança dos profissionais que atuam nas
riência concreta da sala de aula, algo de difícil realização. escolas brasileiras.
Não obstante, foi a partir da implantação da educação ar- Apesar de o Brasil ser conhecido mundialmente como
tística que surgiu a necessidade da formação de professores, “um país dançante”, de possuirmos os PCN, um documento
colaborando decisivamente para a expansão do ensino das que regulamenta o ensino das Artes contemplando os quatro
artes em nível superior [...]. campos artísticos, precisamos considerar o que nos diz a pes-
O ensino superior de teatro foi regulamentado em 1965, quisadora Márcia Strazzacappa (2006, p. 16), ao se referir ao
embora o Conservatório Brasileiro de Teatro ofertasse, des- ensino da dança nas escolas formais: “A dança situa-se no Ter-
de 1939, um curso alternativo que não tinha delegação de ceiro Mundo da arte [...] sempre esteve numa situação inferior
competência para expedir diploma aos concludentes. A par-
às demais manifestações artísticas”. Assim, podemos concluir
que estar na legislação não garante que a dança seja ensinada
tir da reforma universitária de 1968, ocorreu uma expansão
nas escolas.
expressiva no ensino universitário de teatro [...].
Se nos dedicarmos a compreender as diferenças sociais e
Levando-se em conta a inadequação dos currículos pra-
culturais existentes no Brasil, essa situação torna-se ainda mais
ticados por escolas e universidades, fortaleceu-se, durante
complexa e delicada. Contudo, para fins desta reflexão, foque-
os anos 1990, um movimento iniciado ainda na década
mos na formação dos professores(as) que estariam habilitados
anterior, o qual reivindicava a reformulação do ensino das ao ensino de dança nas escolas: os licenciados em dança. Faz-
artes em todos os níveis da escolarização. O avanço mais -se essencial compreendermos que aquele que domina uma
significativo dessa jornada efetivou-se com a manutenção técnica de dança específica pode ser um exímio intérprete da
da obrigatoriedade em todos os níveis da educação nacional, dança naquele estilo, mas não se encontra automaticamen-
através da promulgação da LDBEN (Lei n-º 9.394/96), o te apto a ensinar a dança com a função que esta deve ter no
que engendrou um processo de discussão pública – divulga- contexto escolar: o desenvolvimento integrado do estudante na
ção de documentos oficiais em versões preliminares, crítica forma de expressão, comunicação e de ressignificação do mundo
de especialistas e entidades para-acadêmicas, contribuição vivido. Mas que formação deve ter o(a) professor(a) de dança nas
das universidades – e redundou na aprovação, pelo Conse- escolas? Vale saber que o primeiro curso superior de dança do

379
Brasil surgiu na década de 1950, na Universidade Federal da
Bahia, em Salvador. Mas, de acordo com Silva (2011), só na A valorização dos africanos e dos afro-brasileiros na for-
mação da história do nosso país como conteúdo programá-
década de 1980 outros cursos superiores de dança se estabe-
tico escolar é importante para interromper um percurso de
leceram no país, restringindo as possibilidades de gradua­ção
silenciamento desses sujeitos históricos nos livros didáticos,
em dança para as universidades localizadas nos estados de
bem como no cotidiano escolar. Da mesma forma, a parti-
São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Bahia.
cipação dos povos indígenas brasileiros na construção da
Atualmente, no entanto, contamos com mais de trinta
nossa identidade e na formação do país (apesar de não ser
cursos superiores de dança espalhados nas diversas regiões contemplada na Lei nº- 10.639) vem sendo discutida em di-
do país, ou seja, há profissionais qualificados para o ensino versos âmbitos educacionais da sociedade, com a ação direta
de dança, mas falta compreensão da necessidade dos con- dos próprios povos indígenas. No caso das artes, a inclusão
teúdos relativos ao ensino desta área nas escolas brasileiras. do estudo da produção artística de afro-brasileiros e indíge-
Os profissionais licenciados em dança buscam espaços para nas agrega valor e identidade ao reconhecimento da arte e
atuar e empregar os conhecimentos adquiridos na formação da cultura brasileira, tanto em sua trajetória histórica, quanto
que tiveram. Portanto, é nessa via de mão dupla que investi- na contemporaneidade.
mos ao nos dedicar a inserir os conteúdos da dança na edu-
cação formal: precisamos construir esses espaços, mas isso
só poderá acontecer se proporcionarmos aos nossos jovens Durante o ano de 2015, esteve em fase de elaboração a
uma educação em dança que parta dos processos de criação primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNC),
e experimentação do movimento, e estas têm de ser com- publicada pelo Ministério da Educação e discutida pela so-
preendidas como uma forma de expressão e de investigação ciedade civil organizada, especialmente pelas associações
coletiva, de conhecer a si mesmo e ao outro, como uma for- estaduais e nacionais de arte-educadores, de artes plásticas,
ma de apreciação estética e, principalmente, como expressão de artes cênicas e de dança. De acordo com a proposta do
cultural e social de um povo. Ministério da Educação (MEC), no ano de 2016, será finalizada
a redação da BNC, com base nas intervenções sugeridas em
consulta pública9.
As Diretrizes Curriculares da Educação
Básica e a Base Nacional Comum O que é a Base Nacional Comum Curricular?
Curricular
A Base Nacional Comum Curricular (BNC) vai
Posteriormente aos PCN, foram publicadas pelo Ministério deixar claro os conhecimentos essenciais aos quais to-
da Educação, em 2013, as Diretrizes Curriculares Nacionais da dos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso
Educação Básica. São essas diretrizes que determinam, até o e se apropriar durante sua trajetória na Educação Bá-
momento, os currículos e a organização da Escola Básica em sica, ano a ano, desde o ingresso na Creche até o final
nosso país, conjuntamente com a LDB de 1996. do Ensino Médio. Com ela os sistemas educacionais,
as escolas e os professores terão um importante ins-
Lei nº- 10.639/2003 – História e Cultura Afro-brasileira trumento de gestão pedagógica e as famílias poderão
participar e acompanhar mais de perto a vida escolar
Em 2003, foi sancionada pelo presidente da República a
de seus filhos.
Lei nº- 10.639 que estabelece a obrigatoriedade do ensino so-
A Base será mais uma ferramenta que vai ajudar
bre História e Cultura Afro-brasileira nas instituições públicas
a orientar a construção do currículo das mais de 190
e particulares de Ensino Fundamental e Médio. Estes conteú-
mil escolas de Educação Básica do país, espalhadas de
dos devem ser ministrados, em caráter especial, nas “áreas de
Norte a Sul, públicas ou particulares.
Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras”. (Lei
Com a BNC, ficará claro para todo mundo quais
nº- 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em: <www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em:
são os elementos fundamentais que precisam ser ensi-
26 mar. 2016.) nados nas Áreas de Conhecimento: na Matemática, nas
Linguagens e nas Ciências da Natureza e Humanas.
Assim, essas áreas devem incluir, de forma integrada
A Base é parte do Currículo e orienta a formulação
com outras disciplinas escolares, “o estudo da História da
do projeto Político-Pedagógico das escolas, permitin-
África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura
do maior articulação deste. A partir da Base, os mais
negra brasileira e o negro na formação da sociedade na-
de 2 milhões de professores continuarão podendo es-
cional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas
social, econômica e política pertinentes à história do Brasil" colher os melhores caminhos de como ensinar e, tam-
(Idem). bém, quais outros elementos (a Parte Diversificada)

9. No momento da elaboração desta Assessoria Pedagógica, no primeiro trimestre de 2016, a proposta do texto final da Base Nacional Comum Curricu-
lar ainda não tinha sido finalizada.

380
rumos da Educação em nosso país, que foi provocado pela
precisam ser somados nesse processo de aprendizagem elaboração e consulta pública da BNC. Para o(a) professor(a)
e desenvolvimento de seus alunos. Tudo isso respei- que já se encontra em exercício, este é o momento para refle-
tando a diversidade, as particularidades e os contextos tir, junto à escola e às suas entidades de classe e outras formas
de onde estão. de organização social, sobre os rumos da prática docente e o
BASE Nacional Comum Curricular. Disponível em: <http://basenacionalcomum. que queremos como projeto educacional para as crianças e
mec.gov.br/#/site/base/o-que>. Acesso em: 26 mar. 2016. os jovens.

A disciplina Arte, na BNC, está dentro da área Linguagens, Diferenças entre metodologia
que reúne quatro componentes curriculares: Língua Portu- e método
guesa, Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física.
Estudiosos da área de artes têm realizado uma série de dis-
Segundo Morin (2005), a metodologia pode ser enten-
cussões relativas à alocação da disciplina Arte dentro da área
dida como uma atitude intelectual que busca a integração
de Linguagem. O principal questionamento é o que afirma de diversas áreas, visando um conhecimento complexo. O
que os procedimentos artísticos seriam limitados a códigos e método, por sua vez, é um procedimento, ou conjunto de
signos, excluindo outros elementos, como o processo de frui- procedimentos, já realizado anteriormente, que contém as
ção da arte no qual a emoção, a percepção e a memória têm instruções e etapas necessárias para sua reprodução em con-
um papel determinante para além da descodificação de có- textos similares. A metodologia inclui um ou vários métodos
digos e da interpretação sígnica da linguagem. O argumento e é um esforço intelectual daquele que a desenvolve. Assim,
consiste em que, ao fazer isso, reduz-se a importância da arte a partir do desenvolvimento de novas metodologias, novos
como área de conhecimento autônoma atrelando-a à lingua- métodos podem ser gerados, contribuindo para a constante
gem e à função comunicativa. Apesar destes questionamen- reavaliação das práticas em sala de aula e para a criação de
tos, a área de Linguagens, como está explicitada na primeira novas formas de ensinar.
versão da BNC (2015), tem objetivos que são compartilhados
pela disciplina Arte:
Metodologia
ƒ interagir com práticas de linguagem em diferentes mo- Segundo Pimentel (2009), metodologia é:
dalidades, na perspectiva de sua recepção e produção, de
[...] uma construção conceitual, elaborada pela in-
modo a ampliar, gradativamente, o repertório de gêneros
tervenção do método. Podemos dizer que é uma espiral
e de recursos comunicativos e expressivos;
de conjugação de métodos aliados à inovação de ações
ƒ reconhecer as condições de produção das práticas de lin- que criam novos métodos, que por sua vez se integrarão
guagens (quem, o quê, por quem, para quê, para quem, a novas metodologias, e assim por diante.
em que suporte, modo de circulação) materializadas na O progresso dos conhecimentos e os saltos sig-
oralidade, na escrita, nas linguagens artísticas e na cultura nificativos do saber estão ligados às rupturas meto-
corporal do movimento; dológicas: o abandono e a mudança na utilização dos
ƒ refletir sobre os usos das linguagens e os efeitos de senti- instrumentos, as novas definições de critérios para a
do de diferentes recursos expressivos, levando em conta as identificação dos fenômenos, das técnicas inusitadas de
condições de recepção e produção; análise dos dados etc.
A metodologia é uma disciplina que se constrói
ƒ compreender a diversidade de manifestações linguísticas,
como objeto de observação, de análise, de reflexão e de
artísticas e de práticas corporais como construções sociais
contestação. Ela não permanece um código estável, es-
e culturais, relacionando-as com ideologias e relações de
tando sujeita a remanejamentos.
poder;
Toda opção metodológica envolve necessariamente
ƒ interagir com o outro, usando expedientes comunicativos valores epistemológicos: visões de mundo e formas de
e expressivos nas diversas práticas sociais de modo crítico, construir conhecimento.
autoral e criativo; Metodologia é, então, um conjunto sistemático e
ƒ reconhecer a dimensão poética e estética como constitu- racionalmente organizado a fim de:
tiva das linguagens, apreciando a cultura, a arte e a língua ƒ estabelecer conexões de forma consistente;
como patrimônios. ƒ estabelecer a intenção, a meta, o objetivo da aula;
ƒ estabelecer a maneira de inserir o conteúdo;
BASE Nacional Comum Curricular. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.
gov.br/#/site/conhecaDisciplina?disciplina=AC_LIN&tipoEnsino=TE_EM>. ƒ estabelecer as técnicas de constituição do material e
Acesso em: 4 maio 2016. sua validação;
ƒ estabelecer os procedimentos de interpretação dos
Durante a escrita desta Assessoria Pedagógica, nos en-
resultados e suas verificações (avaliação);
contramos em um processo de intensa discussão sobre os

381
ƒƒ estabelecer a justificativa das diferentes escolhas. 6. Conjunto de regras ou preceitos que regulam o ensi-
A metodologia tem como premissa ser objetiva no ou uma prática de arte.
e pertinente. A objetividade diz respeito à realização O método científico tem como principal caracterís-
dos objetivos pretendidos. A pertinência diz respeito tica a sequência rígida de procedimentos que garantam
à adequação dos procedimentos para a realização dos o resultado final desejado, ou seja, a solução de um pro-
objetivos. Como critérios para avaliar a pertinência da blema. Implica, portanto, a conjugação de certos ele-
metodologia podemos considerar: mentos que se apresentam em etapas. [...]
ƒƒ a originalidade: a variedade dos procedimentos e as Para as ciências humanas, entretanto, nem sempre
relações entre eles. A originalidade é avaliada em re- todas essas etapas são necessárias ou compatíveis com o
lação tanto à situação em que os procedimentos são objetivo. Também a sequência de ações não precisa ser
usados quanto em relação a seu uso para tal grupo tão rígida. E mais: o uso de somente um método não
de alunos. garante a eficácia do ensino. É necessário, então, que @
ƒƒ o envolvimento d@s alun@s10 com as atividades pro- professor@ tenha conhecimento de vários métodos e
postas. O envolvimento é avaliado tanto em relação à saiba criar sua metodologia de acordo com os objetivos
participação efetiva d@s alun@s nas atividades pro- pretendidos em seu ensino.
postas pel@ professor@ quanto em relação às pro-
postas que @s própri@s alun@s façam para enrique- PIMENTEL, L. G. Metodologias do ensino de artes visuais. In: PIMENTEL, L. G. (Org.).
Curso de especialização em ensino de artes visuais. Volume 1. Belo Horizonte:
cer a construção de conhecimentos.
Escola de Belas Artes, 2009. p. 27.
ƒƒ o grau de atendimento aos objetivos propostos.

PIMENTEL, L. G. Metodologias do ensino de artes visuais. In: PIMENTEL, L. G. (Org.).


Curso de especialização em ensino de artes visuais. Volume 1. Belo Horizonte: Método e metodologia no livro
Escola de Belas Artes, 2009. p. 31. didático
A diferenciação entre metodologia e método é relevante Nesse contexto, qual seria a relevância de um livro didá-
para a prática do(a) professor(a) em sala de aula, pois valori- tico para a disciplina Arte, na escola? No Brasil, o Programa
za a elaboração ativa e autônoma de metodologias pelo(a) Nacional do Livro Didático (PNLD) provê “as escolas públicas
professor(a) a partir de métodos já existentes, podendo, de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acer-
inclusive, gerar novos métodos. O método é algo fechado, vos de obras literárias, obras complementares e dicionários”,
testado, descrito e capaz de ser reproduzido seguindo suas de acordo com site do Fundo Nacional de Desenvolvimento
etapas. A metodologia, no entanto, é aberta à invenção, à da Educação (disponível em: <www.fnde.gov.br/programas/
criatividade, ao acaso e à intuição oriundos da prática em livro-didatico/livro-didatico-apresentacao>, acesso em: 14 fev.
sala de aula de cada professor(a), de sua formação acadêmi- 2016).
ca, tanto quanto de sua prática artística, no caso da disciplina A disciplina Arte foi incluída no PNLD 2015, levando, na-
Arte. Essa abertura não significa, entretanto, falta de rigor, ob- quele ano, o livro didático de Arte às escolas públicas de todo
servação e avaliação do processo de ensino. Pelo contrário, o país. Assim, frente a outras disciplinas (como Língua Por-
desenvolver metodologias é um trabalho rigoroso, que pode tuguesa, Matemática, História etc.), que já têm o hábito de
se tornar prazeroso ao possibilitar uma intervenção ativa do recorrer ao livro didático, os(as) professores(as) da disciplina
potencial inventivo do(a) professor(a) em sua prática cotidia- Arte começam a ter, como apoio à atividade docente, um
na em sala de aula. material didático composto por livro do aluno, manual do
professor e CD de áudio. Por mais que alguns professores, e
Método talvez algumas escolas, já tivessem o hábito de trabalhar com
um livro didático de Arte, foi apenas a partir do PNLD 2015
Pimentel (2009) define método como: que esse material – abordando artes visuais, dança, música
e teatro – foi introduzido em todas as escolas públicas brasi-
1. Procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma
leiras no segmento do Ensino Médio. Essa contextualização
coisa, de acordo com um plano.
histórica é importante para evidenciar que estamos em um
2. Processo organizado, lógico e sistemático de pesqui- terreno novo e que tanto a elaboração do livro didático para
sa, instrução, investigação, apresentação etc. a disciplina Arte, como sua utilização pelos professores estão
3. Ordem, lógica, ou sistema que regula uma determi- sendo construídas coletivamente.
nada atividade. Nesse sentido, faz-se necessária a apresentação de algu-
4. Modo de agir, meio, recurso. mas considerações conceituais que determinam a aborda-
5. Procedimento técnico ou científico. gem metodológica deste livro. Porém, antes disso, é impor-
tante ressaltar que nosso livro não contém um único método,

10. Pimentel utiliza o símbolo gráfico “@” para se referir a masculino e/ou feminino.

382
ou seja, uma série de etapas e procedimentos a serem segui- visuais, acreditamos que o diálogo entre os três vértices do tri-
dos de forma rígida para alcançar um resultado. ângulo sejam importantes para os demais campos artísticos,
Nosso objetivo com esta obra didática é dar suporte ma- como a música, o teatro e a dança11.
terial, teórico e metodológico suficientemente completo para Também optamos por considerar alguns temas gerado-
que você, professor(a), possa usar de sua experiência e criati- res, com base nos pressupostos de Paulo Freire12, que podem
vidade na condução das atividades e propostas pedagógicas provocar discussões e produções em arte conectadas ao co-
aqui contidas, entre outras que queira desenvolver, e, assim, tidiano do jovem do século XXI. Esses temas atravessam os
criar sua própria metodologia em sala de aula. Queremos pro- quatro campos artísticos supracitados de forma transversal
porcionar uma aprendizagem na área de Arte para jovens do e permitem visualizar suas semelhanças e diferenças, conec-
Ensino Médio, contemplando a contextualização histórica, a tando-os entre si e com outras áreas do conhecimento de
fruição e a produção de obras artísticas nos quatro campos forma interdisciplinar. Por estarem próximos ao dia a dia dos
artísticos contemplados pela disciplina Arte: artes visuais, jovens, esses temas foram explorados na arte contemporâ-
dança, música e teatro. Por isso, nossa abordagem metodo- nea de forma preponderante, mas também foram contex-
lógica está fundamentada na Abordagem Triangular de Ana tualizados historicamente e relacionados à tradição artística
Mae Barbosa, proposta na década de 1980: a concepção de que os antecede.
que o ensino-aprendizagem de Arte tem de dialogar com a Dessa forma, neste livro apresentamos alguns métodos
prática (a produção de arte), com a fruição (o convívio com relacionados às atividades práticas ou de pesquisa, mas sua
arte como espectador, ouvinte etc.) e com a contextualização metodologia sugere o desenvolvimento de um processo
(a compreensão da arte em seus contextos históricos, teóri- dialógico com você, professor(a), e com os estudantes. Valo-
cos etc.). A Abordagem Triangular propõe que os três vértices rizando as suas experiências em sala de aula, pretendemos
do triângulo – a produção, a fruição e a contextualização – es- subsidiar sua prática com esse material didático, permitindo
tejam em constante relação no ensino/aprendizagem da arte que você possa interferir em sua condução sempre que ne-
na escola. Apesar de ela ser pensada para o ensino de artes cessário, criando suas próprias metodologias.

2. ORGANIZAÇÃO GERAL DA OBRA

Este livro é composto por uma introdução e cinco uni- Abertura de Unidade – Preparando as
dades temáticas. Cada unidade se subdivide em quantidade
tintas e os pincéis
variável de capítulos, de acordo com o tema principal. Esses
capítulos possuem uma estrutura regular (mas não rígida
nem monótona), que se repete com o objetivo de familiarizar
o estudante com a organização interna dos conteúdos e de
colaborar para o planejamento das aulas.
Para alguns elementos organizativos dos capítulos, esco-
lhemos nomes familiares ao universo das artes (artes visuais,
teatro, dança ou música). Acreditamos que, com a organiza-
ção interna, vamos introduzindo vocabulários próprios das
artes e também suas simbologias.

Estrutura geral e descrição


Da mesma forma que o pintor começa seu trabalho pre-
parando as tintas e os pincéis, o objetivo desta seção é apre-
dos elementos sentar um texto e uma imagem inicial que contextualizem o
tema da Unidade e preparem os estudantes e o(a) professor(a)
para os conteúdos e as atividades que serão apresentados e
A seguir, apresentamos uma descrição sucinta de cada desenvolvidos nos capítulos. Além da imagem, apresentamos
um dos elementos de organização do livro. Uma descrição os conteúdos que serão trabalhados nos capítulos e especifi-
semelhante, dirigida ao(à) estudante, está presente nas pági- camos as habilidades e capacidades que serão desenvolvidas
nas 4 e 5 da obra. na Unidade (contextualização, fruição e produção em Arte).

11. Para saber mais sobre a Abordagem Triangular, sugerimos o livro: CUNHA, Fernanda Pereira; BARBOSA, Ana Mae. Abordagem Triangular no ensino das
artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, 2010.
12. Sobre os temas geradores, com base nos pressupostos de Paulo Freire, veja o item Proposta teórico-metodológica da obra mais adiante, nesta Assesso-
ria Pedagógica.

383
Abertura de capítulo – Afinando os avaliativo não pretende classificar os estudantes, mas permite
ao(à) professor(a) uma avaliação qualitativa do progresso dos
instrumentos
estudantes. Como não há certo ou errado em Arte, é espera-
do que os estudantes conversem sobre os temas e exponham
suas opiniões e conhecimentos tendo como base as pergun-
tas propostas no livro. Sugerimos que você, professor(a), ano-
te ou grave a roda de conversa inicial para compará-la à roda
de conversa final13.

Fazer arte

Assim como os músicos afinam seus instrumentos antes


de executarem uma peça musical, esta seção apresenta ima-
gem e texto que contextualizam os conteúdos a serem abor-
dados no capítulo. Afinando os instrumentos também obje-
tiva preparar os estudantes para a primeira Roda de conversa.
Ainda no início de cada capítulo, apresentamos, de forma
sintética, os conteúdos que serão abordados. Nosso objetivo
é colaborar com a organização didática das aulas e servir de
guia para os estudantes.

Roda de conversa
Ao início e fim de cada capítulo, propomos esta seção.
A roda é um elemento muito importante nas artes cênicas, Fazer arte é o momento de experimentação prática dos
pois é comum que seus espetáculos ocorram em semiare- conteúdos tratados nos capítulos, conectando-os às vivên-
nas, formando a metade de uma roda entre atores e público. cias lúdicas e artísticas dos estudantes e do(a) professor(a)14.
Também é comum que atores e bailarinos se sentem em roda Como é uma proposta de trabalho artístico, optamos por
atividades coletivas, em sua maioria, que vão envolver os
para avaliar o dia a dia dos ensaios.
estudantes reunidos em grupos. Assim, nos preocupamos
No início do capítulo, após a seção Afinando os instru- em sugerir possíveis divisões internas dos trabalhos pro-
mentos, a Roda de conversa objetiva explorar os conheci- postos, para que todos possam experimentar diferentes
mentos prévios dos estudantes e suas opiniões e dúvidas, funções na produção artística.
suas vivências e experiências a respeito dos conteúdos a Fazer arte é, geralmente, uma proposta de atividade
serem abordados. No fim do capítulo, após a seção Ensaio interartes15, na qual mais de um campo artístico é explo-
corrido, ela objetiva evidenciar a ampliação dos conheci- rado de maneira interdisciplinar, revelando possíveis cone-
mentos dos estudantes sobre os temas tratados e represen- xões entre as diversas práticas artísticas. Mas neste boxe
ta mais uma oportunidade de aprendizagem e de esclareci- também pode haver atividades que explorem apenas um
mento de dúvidas. dos campos artísticos contemplados em cada capítulo.
As Rodas de conversa são um importante instrumento de Essa flexibilidade é importante para que os estudantes ex-
avaliação diagnóstica, pois permite que professor(a) e estu- perimentem tanto as técnicas, habilidades e expressivida-
dantes conheçam seu ponto de partida para o trabalho com des de um campo artístico específico, quanto a feitura de
os temas abordados e as mudanças decorrentes da leitura e produções artísticas híbridas em que mais de um campo
das práticas propostas em cada capítulo. Esse instrumento artístico está envolvido.

13. Sobre a Roda de conversa ao final dos capítulo, veja o item sobre Avaliação mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.
14. Na Unidade 4 – Culturas brasileiras, especialmente no capítulo 15, Cultura ou culturas, o boxe Fazer arte não propõe um fazer artístico, mas sim uma
pesquisa sobre jovens que usam a internet para divulgar sua produção artística.
15. Sobre as atividades interartes, veja também o item Experiências interartes na Educação mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.

384
Fazer arte é também um momento de avaliação diag- Arte no dia a dia
nóstica em relação à prática e à fruição nos campos artísticos
trabalhados neste livro. Com essa avaliação, não estamos bus-
cando uma atribuição de valores subjetivos como “bom” ou
“ruim”, “bonito” ou “feio”, mas sim uma observação e valoriza-
ção do processo individual dos estudantes e de seus envolvi-
mentos na produção coletiva do grupo. Em “Avaliação”, nesta
Assessoria Pedagógica, apresentamos propostas de avaliação
diagnóstica dos boxes Fazer arte, levando em consideração
as diferenças de cada expressão artística tratada.

Arte em diálogo

Este boxe apresenta sugestões de atividades que usam


recursos textuais e audiovisuais pertinentes ao tema do ca-
pítulo. Elas podem ser feitas pelos estudantes em casa ou em
outras dependências da escola (salas de vídeo, laboratório
de informática etc.), estejam eles acompanhados ou não por
você, professor(a).
A internet é uma ferramenta de compartilhamento e
busca de informações textuais e audiovisuais amplamente
utilizada pelos jovens no Brasil. Sites de compartilhamento
de vídeos, sons e imagens são plataformas importantes para
conhecer e divulgar trabalhos artísticos contemporâneos nos
campos da música, das artes visuais e das artes cênicas. Vale
Arte em diálogo é um boxe que trata de temas interdisciplina-
destacar que a internet pode ser (e é) usada como uma plata-
res, relativos aos conteúdos de cada capítulo. A interdisciplinarida-
forma mais democrática que outras mídias tradicionais como
de16 pode se dar tanto em relação aos diversos campos artísticos,
a televisão, o cinema etc. A princípio, qualquer um que dispo-
como em relação a disciplinas de outras áreas do conhecimento,
nha de sinal de internet e um dispositivo (computador, smart­
como: Geografia, História, Filosofia, Física, entre outras.
phone ou tablet) pode compartilhar seu conteúdo textual ou
Arte para (navegar/ assistir/ ouvir/ ler) audiovisual na rede. Assim, ao selecionar alguns trabalhos
Os boxes Arte para (navegar/ assistir/ ouvir/ ler) tra- artísticos contemporâneos na rede, pretendemos facilitar um
zem indicações de sites, vídeos, áudios e livros diretamente acesso a obras que, muitas vezes, não são divulgadas pela te-
conectados ao assunto tratado. No caso de sites, vídeos e levisão, cinema, rádio, entre outras mídias mais tradicionais.
áudios, optamos por indicar os que, no momento da ela- Por isso, este boxe também propõe pesquisas orientadas,
boração deste livro, estão disponíveis na internet17. No caso a serem feitas na internet fora do horário de aula (em casa ou
dos livros, indicamos obras que podem ampliar os conteú-
em laboratórios de informática da escola), mas que devem
dos tratados no capítulo a partir de uma leitura aprofunda-
ser compartilhadas em sala de aula. Nosso objetivo é que os
da, adequada à faixa etária e ao nível de desenvolvimento
do estudante do Ensino Médio. Assim, propomos que se estudantes aprendam a buscar e reconhecer informações re-
complemente o conteúdo abordado por meio da leitura, vi- levantes, interessantes, peculiares sobre o campo das artes
sualização ou audição desse material em sala de aula, caso na internet e que apresentem essas descobertas com os co-
a escola tenha os equipamentos necessários, ou em casa18. legas e o professor. Esse “compartilhar” ampliará o repertório

16. A interdisciplinaridade é discutida também no item O pensamento inter, multi e transdisciplinar mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica).
17. Os sites foram selecionados cuidadosamente e não havia neles, no momento da elaboração da obra, propaganda ou publicidade de produto ou insti-
tuição. No entanto, professor(a), como não há como controlar a inserção de conteúdos na internet, reforçamos que em nenhum momento quisemos
sugerir a compra ou o consumo de produtos ou similares.
18. Consideramos que o uso de smartphones e equipamentos similares está cada vez mais comum, e isso pode contribuir para que os estudantes tenham
acesso a esse material na escola, em casa ou onde eles estiverem.

385
artístico e cultural de todos sobre o tema tratado em cada conteúdos abordados em cada capítulo. O objetivo é dar aos
capítulo. Essas atividades podem fazer parte de uma avalia- estudantes uma visão geral dos conteúdos tratados e prepa-
ção diagnóstica19. rá-los para a Roda de conversa final.

CD de áudio Glossário
Um CD de áudio acompanha o livro do es-
tudante e contém 19 faixas com músicas e sons X
variados para execução de atividades ou audi-
ção. As faixas estão identificadas no livro com o
ícone ao lado:
São elas:
ƒƒ Faixa 1 – Vinheta de introdução
ƒƒ Faixa 2 – O pulsar
ƒƒ Faixa 3 – Sons em alturas diferentes
ƒƒ Faixa 4 – Sons em alturas diferentes com nuances
ƒƒ Faixa 5 – Samba de uma nota só
ƒƒ Faixa 6 – Sons em diferentes planos de altura (exemplo)
ƒƒ Faixa 7 – Sons em diferentes planos de altura
ƒƒ Faixa 8 – Concerto para piano número 5, em Mi bemol maior,
Opus 73
ƒƒ Faixa 9 – Capoeira angola e capoeira regional Boxe que apresenta o significado de vocábulos importan-
ƒƒ Faixa 10 – Chão de estrelas tes de cada campo artístico tratado neste livro. Tem a função
ƒƒ Faixa 11 – Ave Maria no morro de auxiliar a compreensão dos textos, mas também de habi-
ƒƒ Faixa 12 – Com que roupa tuar os estudantes a conhecerem e incorporarem o vocabulá-
ƒƒ Faixa 13 – Beco sem saída rio próprio de cada expressão artística.
ƒƒ Faixa 14 – O operário No texto, o termo do glossário aparece destacado em azul.
ƒƒ Faixa 15 – Base musical para o rap
ƒƒ Faixa 16 – The Young Person’s Guide to the Orchestra Questões de múltipla escolha
ƒƒ Faixa 17 – Fandango caiçara
ƒƒ Faixa 18 – Canto do povo Kariri-Xocó Sabemos que grande parte dos estudantes do Ensino Mé-
ƒƒ Faixa 19 – Canto das meninas do povo Maxakali dio irá realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para
ingresso nas instituições de Ensino Superior. Este exame é com-
posto de questões reflexivas de múltipla escolha. Os conteúdos
Ensaio corrido da disciplina Arte estão contemplados na prova de Linguagens,
portanto, apresentamos nessa seção algumas questões de Enem
dos anos anteriores, bem como novas questões elaboradas por
nós seguindo a estrutura proposta pelo Exame. Essas atividades
podem ser realizadas em casa e corrigidas em sala de aula e tam-
bém podem ser utilizadas como ferramenta de avaliação. No en-
tanto, é fundamental que seja apenas uma das práticas adotadas
em conjunto com as demais propostas de avaliação do livro.

Para saber mais


Ao final de cada Unidade, elaboramos uma lista de livros,
DVDs, CDs e sites que tratam do tema abordado na Unidade.
Junto à lista com as informações da obra, há uma breve rese-
nha sobre a mesma. Trata-se de sugestões para a ampliação do
conhecimento sobre determinado tema. As obras foram sele-
Da mesma forma que, nas artes cênicas, os artistas passam cionadas de acordo com a faixa etária do estudante do Ensino
um ensaio rápido do início ao fim da obra, para relembrarem Médio e podem ser encontradas na internet ou em bibliotecas,
o que já foi aprendido, nesta seção fazemos uma revisão dos videotecas ou audiotecas especializadas.

19. Sobre a avaliação do boxe Arte no dia a dia, veja o item Avaliação mais adiante, nesta Assessoria Pedagógica.

386
Quadro de conteúdos da obra

Capítulos Conteúdos
- A disciplina Arte e seus campos artísticos (artes visuais, dança, música e teatro).
Introdução – Arte:
- As zonas de contato entre os campos artísticos e com outras áreas de conhecimento.
conhecimento e experiência
- A experimentação e a fruição artísticas e as propostas interartes.
UNIDADE 1 – ARTE, TEMPO, ESPAÇO E MOVIMENTO
- A música no espaço: ondas sonoras, vibração, frequência.
- Os aspectos físicos da música: produção do som.
Capítulo 1 – Música e espaço - Os aspectos biológicos do som: ouvir música.
- A altura do som: graves e agudos.
- As partituras: notas musicais no pentagrama.

- O tempo e o espaço nas artes cênicas.


Capítulo 2 – Artes cênicas: - O espaço para o teatro e a dança.
tempo e espaço - O tempo e o espaço no circo.
- As influências do espaço no processo de criação do artista e na fruição do público.

Capítulo 3 – Escultura: - A escultura como uma narrativa do espaço, tempo e movimento.


tempo, espaço e movimento - Os temas e os contextos da escultura.
- A fotografia e o início do cinema.
Capítulo 4 – Imagem em - O movimento das imagens em sequência.
movimento - A relação entre arte e ciências.
- A produção de uma câmera escura.
- A música como movimento sonoro.
- A leitura musical por gráficos.
Capítulo 5 – Música e
- As pausas do som e o silêncio.
movimento
- Os ruídos musicais.
- O andamento, os pulsos e a pulsação na música.
- O entrecruzamento das artes e as artes híbridas.
Capítulo 6 – Dança, teatro e - O teatro gestual, o teatro para além da palavra.
movimento - A dança-teatro e a expressão das emoções.
- A dança moderna e sua relação com a música.
UNIDADE 2 – ARTE E SOCIEDADE
- O teatro como uma arte política e social.
- A origem do teatro na Grécia.
Capítulo 7 – Teatro e
- A história do teatro no Brasil e a resistência à opressão.
sociedade
- O Teatro do Oprimido, de Augusto Boal.
- O teatro como ação político-social, Bertold Brecht e grupo Zona de Arte da Periferia (ZAP 18).

- As intenções e os meios de uso das imagens atualmente.


Capítulo 8 – Imagem
- As funções das imagens na Pré-história e na Antiguidade.
e poder
- A imagem como expressão subversiva na década de 1960.

- A dança como reflexo do mundo contemporâneo.


Capítulo 9 – Dança e - A história da dança, a dança de rua e o balé clássico.
sociedade - A fruição, a apreciação, a apropriação e a criação em dança.
- A dança refletida nos comportamentos humanos.

- A música e a construção de identidades e os comportamentos de grupos sociais.


Capítulo 10 – Música e
- A música e as desigualdades sociais.
sociedade
- A paisagem sonora no Brasil.

387
UNIDADE 3 – ARTE E AS CIDADES

- Os lugares do teatro: palco, rua, circo.


Capítulo 11 – Teatro e cidade - A arte teatral e o direito de ocupação dos espaços na cidade.
- As intervenções urbanas e a performance arte.

- A diversidade de músicas nas cidades e sua importância para a paisagem sonora.


- A música de concerto, as orquestras e algumas orquestras brasileiras.
Capítulo 12 – Música e cidade - As bandas de música ou fanfarras.
- A importância do timbre para a criação musical.
- A relação do timbre com as séries harmônicas.

- A arte pública: acesso livre na paisagem urbana.


Capítulo 13 – Artes visuais - O muralismo mexicano e a relação entre arte e política.
e cidade - O grafite como expressão de arte e intervenção urbana.
- O papel do artista na sociedade.

- A dança contemporânea nos espaços urbanos públicos.


Capítulo 14 – Dança e cidade - A ressignificação da performance diante da interação com o público.
- A qualidade do movimento, os elementos cênicos e a exploração do espaço urbano.

UNIDADE 4 – CULTURAS BRASILEIRAS

- O conceito de culturas.
Capítulo 15 – Cultura ou
- O conceito de capital cultural.
culturas
- As culturas dos jovens e as juventudes no Brasil.

- As culturas brasileiras e a diversidade.


Capítulo 16 – Culturas - As expressões culturais como símbolo de identidade: fandango caiçara, frevo, congado,
brasileiras maculelê, bumba meu boi maranhense.
- As máscaras brasileiras.

- Música e dança em algumas festas e rituais tradicionais: o Turé do baixo Oiapoque e o Toré do
Capítulo 17 – Música para
Nordeste.
imaginar e experimentar o
- A relação entre festividade, religiosidade e identidade cultural.
mundo
- A multiculturalidade das culturas brasileiras.
Capítulo 18 – A visualidade - Os diferentes tipos de Arte dos povos indígenas brasileiros.
das artes indígenas - A Arte indígena expressa nas práticas cotidianas.
brasileiras - Os patrimônios culturais e artísticos dos povos indígenas no Brasil.

UNIDADE 5 – ARTE EM CONEXÃO

- A representação histórica do Brasil do século XIX por meio da pintura.


Capítulo 19 – Pintura, Teatro - O Teatro Documentário e a visão crítica dos acontecimentos históricos.
e História - O Teatro Documentário no Brasil.
- A questão da violência contra a mulher no Teatro Documentário.

- O uso da matemática na construção da obra artística.


Capítulo 20 – Arte e - A perspectiva e a lógica na representação da tridimensionalidade.
Matemática - As formas geométricas como modelo de representação da realidade.
- A matemática no Concretismo.

- A relação entre arte e tecnologia no mundo atual.


- O uso da tecnologia na produção, na reprodução e na divulgação da obra artística.
Capítulo 21 – Arte e
- As artes cênicas e a tecnologia.
tecnologia
- A performance digital.
- A música e a tecnologia.

388
3. PROPOSTA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA DA OBRA

Pressupostos metodológicos
Apresentaremos, agora, com mais detalhes, a proposta
didático-pedagógica que fundamenta esta obra. Nosso obje-
tivo é que você, professor(a), possa reconhecer os fundamen- da obra
tos metodológicos e, assim, possa interagir com o livro de for-
ma consciente e propositiva, de forma a atingir os objetivos Com o intuito de nos aproximarmos das discussões te-
do ensino de Arte no Ensino Médio. óricas e das práticas que propomos ao longo deste livro, e
também de afinarmos essas reflexões com a sua prática do-
Objetivos do ensino de Arte cente, desenvolvemos, nas linhas abaixo, algumas conexões
entre possibilidades e abordagens metodológicas que, acre-
na obra ditamos, possam contribuir com a sua atuação como profes-
sor de Arte e constituir uma forma eficiente para uma prática
Como vimos anteriormente, a disciplina Arte está passan- docente socialmente engajada, dinâmica, dialética e trans-
do por importantes transformações desde a publicação, em formadora. Utilizamos como pressupostos teóricos algumas
abordagens metodológicas que trazem uma perspectiva
2012, das Diretrizes Curriculares do Ensino Médio20.
interdisciplinar no ensino de Arte e, portanto, apontam pos-
A partir de uma importante mobilização das associações
sibilidades para o trabalho interartes e contextualizado que
de arte-educadores e de profissionais de artes cênicas, mú- buscamos.
sica e artes visuais, foram realizadas alterações na legislação Para compreender nossas sugestões para a sua prática do-
e outras ainda encontram-se em discussão. Sendo assim, os cente, é importante que você esteja aberto às possibilidades
objetivos do ensino da disciplina Arte – nos campos artís- de relacionar e integrar as abordagens sugeridas. Não que-
ticos de dança, teatro, música e artes visuais –, nas escolas remos, com essas sugestões, esgotar as possibilidades para
brasileiras estão sendo amplamente debatidos com toda a a sua prática, pois assim como propomos possibilidades de
sociedade. Neste livro, entendemos que o principal objetivo práticas dialéticas e dinâmicas, acreditamos no dinamismo
do ensino-aprendizagem da Arte na escola é possibilitar, aos natural da prática docente e da arte. Afinal, nosso objeto de
estudantes, o acesso a modos específicos de se comunicar, estudo, a arte, tem um componente que é inerente e indis-
pensável à sua prática: a criação.
expressar, entender, explicar, levantar dúvidas e se relacionar
Ao apresentarmos as abordagens que consideramos pos-
com o mundo que só são possíveis por meio das artes, de
síveis para o ensino de Arte que almejamos, sugerimos que
suas formas, procedimentos, materiais etc. você se empenhe na conexão dessas abordagens e não no
Como dissemos na Introdução da obra, a contempora- isolamento delas. Conectá-las também será uma forma de
neidade traz problemas e questionamentos que demandam enfrentarmos os desafios postos pelo nosso sistema de ensi-
a integração e o diálogo entre as diversas áreas do conheci- no, que nem sempre nos mune dos saberes necessários para
mento, incluindo as artes. Na disciplina Arte, o estudante é o desenvolvimento dos conteúdos e nos apresenta desafios
levado a experienciar, contextualizar, fruir e produzir obras ar- constantes. Por isso, incentivamos uma combinação e/ou
tísticas relacionando-se com a arte em todas as suas dimen- uma alternância das abordagens metodológicas descritas
sões: histórica, filosófica, cotidiana e convivial, estética, pro- abaixo, ao considerarmos que elas podem se complementar
cedimental, lúdica, política etc. Por meio de uma experiência e contribuir para uma prática docente ainda mais consciente.
Nesse sentido, pense de forma conectada.
contextualizada em arte, é possível desconstruir e reconstruir
Inicialmente, apresentaremos uma abordagem conheci-
poeticamente a matéria, o corpo, o som, as relações entre as
da na área da Educação como metodologia de ensino por
pessoas. Essa capacidade de ação poética sobre as coisas é
projetos. Inspirada na proposta de John Dewey – denomi-
uma capacidade/habilidade específica das artes e é funda- nada problem solving methodology21 –, a abordagem de en-
mental para um pensamento plural, integrador e interdisci- sino por projetos foi ressignificada para o contexto brasileiro
plinar que nosso tempo demanda. A seguir, apresentamos por Paulo Freire, na sua busca da construção de princípios
alguns pressupostos metodológicos nos quais nos apoiamos para uma educação emancipatória. Essa abordagem prevê
para a elaboração deste livro. o uso de temas geradores do conhecimento na construção

20. MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9864-rceb002-12&Itemid=30192>. Acesso


em: 26 fev. 2016.
21. Não há uma tradução que transmita a ideia adequada dessa expressão em português. Em tradução livre, seria “metodologia da solução de problemas”.

389
de projetos que motivem os estudantes a adquirirem e a de- artístico e na inter-relação entre eles e com outras disciplinas
senvolverem os saberes necessários para a sua construção. do currículo escolar pode ser uma ferramenta muito útil, pois
Compreender como podemos nos utilizar dos temas gera- ao motivar que os estudantes se mobilizem a buscar e aper-
dores do conhecimento faz-se essencial para o desenvolvi- feiçoar os recursos necessários para a realização de um proje-
mento dessa abordagem no ensino de Arte. Para auxiliá-los to sobre um determinado tema, ela associa a apropriação dos
nessa compreensão, utilizamos como pressuposto teórico o conteúdos às vivências dos mesmos, o que, então, aproxima
artigo “Ensino Médio e Técnico com Currículos Integrados: a prática docente dos diversos objetos de estudo dos quatro
propostas de ação didática para uma relação não fantasiosa”, campos artísticos abordados neste livro. Ademais, a aproxima-
de Lucília Machado (2009), e como forma de aprofundarmos os ção entre as teorias e as práticas artísticas de cada campo artís-
assuntos abordados, lançamos mão de uma estratégia utiliza- tico faz-se essencial para um ensino de Arte engajado e trans-
da para a aquisição do conhecimento, mas que reforça a ideia formador. Defendemos que a apropriação da prática docente
de ensino por projetos: a investigação artística, apresentada por dos objetos de estudos de cada campo de conhecimento ar-
Christine Zulbach (2009) no artigo “Investigação artística e inter- tístico aqui apresentado – as artes visuais, a dança, a música e o
disciplinaridade no âmbito universitário: modo de usar”. teatro – são essenciais para a formação de um sujeito autôno-
Em seguida, discorremos sobre a prática docente e a arte/ mo e engajado no contexto social e cultural em que vive.
educação baseadas na comunidade, ao resumirmos o texto O uso de temas geradores, segundo Machado (2009, p.
de Flávia Bastos (2005) “O perturbamento familiar: uma pro- 65), “considera que os sujeitos do processo de reflexão-ação-
posta teórica para a Arte/Educação baseada na comunidade”, -educação não são exteriores ao mesmo, senão indivíduos
que aponta oito formas distintas que podem ser conectadas reais e concretos, que no curso de sua existência e em função
para um ensino de Arte contextualizado. dela fazem da realidade em que estão imersos, e que da qual
Com isso, queremos estimular seu mergulho e total en- integram, o objeto do seu pensamento”. Considerando apro-
gajamento no ensino da Arte, fazendo uso de uma prática ximações intrínsecas entre a arte e a vida, os objetos artísticos
docente pautada nas possibilidades interdisciplinares que a aos quais nos debruçamos nos processos de ensino-aprendi-
própria área do conhecimento nos traz. Desde já, sugerimos zagem de Arte integram nosso fazer diá­rio e, muitas vezes, já
que você se exercite diariamente como um “professor-artista- fazem parte do nosso cotidiano. O que almejamos em nossa
-investigador”, “professor-intérprete da dança”, “professor-ator”, prática docente é que essa aproximação seja feita por meio da
e “professor-músico”, no sentido de se investigar ao máximo interpretação e ressignificação desses objetos como elemen-
os saberes e os temas geradores do conhecimento que pro- tos criados e, portanto, passíveis de serem transformados, a
pomos neste livro em suas práticas diárias. Comecemos, en- partir de novos entendimentos e interpretações.
tão, buscando a compreensão do que são os temas geradores A fim de utilizarmos essa abordagem metodológica na prática
do conhecimento aqui propostos e como eles podem ser uti- docente, sugerimos, a cada unidade, temas geradores do conhe-
lizados na abordagem metodológica de ensino por projetos. cimento capazes de centralizar e desenvolver processos de criação
artística e de ensino-aprendizagem significativos e transformado-
Os temas geradores e a abordagem res. Você notará que não há a intenção de esgotar quaisquer dos
assuntos abordados no livro e há sugestões para desenvolver e
metodológica de ensino por projetos aprofundar os temas geradores por meio de ações e processos de
A abordagem metodológica orientada por projetos, tam- criação em perspectivas processuais, em que os passos do proces-
bém conhecida como “ensino por projetos”, objetiva associar so são muito mais importantes de avaliar do que o produto.
teoria e prática mediante a investigação de um tema ou pro- No entanto, ao mesmo tempo que tentamos conside-
blema. Inspirada na problem solving methodology, elaborada rar as diferenças entre os diferentes contextos, também
no início do século XX22, essa abordagem auxilia a contextua- sugerimos temas geradores que expressam de forma mais
lização da prática docente, uma vez que proporciona proces- abrangente a realidade, para procurarmos estabelecer elos
sos de ensino-aprendizagem e propõe associações entre os entre as particularidades e o caráter mais geral de cada
conhecimentos prévios dos estudantes, a realidade encontra- tema a ser trabalhado. Dentro dessa perspectiva, sugeri-
da (e, consequentemente, modificada pelas nossas ações) e mos que você esteja sempre atento às diversas possibili-
os conteúdos a serem adquiridos em cada fase escolar. dades de trabalho que cada tema gerador pode suscitar,
Machado (2009, p. 64-65), em seu artigo “Ensino Médio e a depender, como dissemos anteriormente, do contexto
Técnico com Currículos Integrados: propostas de ação didá- em que você e seus estudantes estão inseridos. Como o
tica para uma relação não fantasiosa”, discute estratégias de próprio termo sugere, os temas geradores têm como obje-
integração entre currículos e afirma que o ensino por projetos tivo gerar, produzir conhecimento. E o ideal é que busque-
“contribui ainda para instigar a dúvida e a curiosidade do alu- mos fazer isso sabendo que as características individuais
no e para promovê-lo a sujeito do processo de construção de formarão a característica geral do seu grupo de estudan-
conhecimentos”. A utilização dessa abordagem no ensino dos tes, e que elas devem ser constantemente consideradas.
conteúdos específicos dos quatro campos do conhecimento Não é de maneira aleatória que muitas vezes utilizamos o

22. A problem solving methodology é utilizada nos Estados Unidos atualmente, mas não se sabe se John Dewey, no início do século XX, pensou a teoria e
utilizava esse termo ou se esse foi um termo utilizado por educadores posteriormente.
390
termo “tema gerador de interesse”. Justificamos esse uso na reinterpretação e na ressignificação do conhecimento
pela ideia de que é a partir do interesse dos estudantes obtido – Fazer arte.
em determinado tema que o conhecimento é mais bem
6. Estar aberto a transformar e a ser transformado pelas mu-
investigado e, portanto, construído em um processo de
danças indicadas no contexto encontrado.
ensino-aprendizagem.
Paulo Freire nos ensina que o tema gerador deve vir
do estudante. Aliando esse ensinamento aos conteúdos A prática docente e a arte-educação
que consideramos importantes para a apropriação dos co- baseada na comunidade
nhecimentos componentes dos quatro campos artísticos,
a proposta desse livro tem como base a utilização de te- Com base em uma experiência vivenciada nos Estados
mas geradores sugeridos por nós no intuito de estimular o Unidos, a artista e professora de artes visuais Flávia Bastos
surgimento de temas geradores entre os estudantes, com (2008, p. 227) nos fala de um ensino de Arte contextualiza-
base em suas experiências prévias. Nesta obra, cada tema do e da utilização da abordagem por projetos e discorre so-
gerador poderá, portanto, ser desenvolvido levando em bre a necessidade de uma parceria entre arte-educadores
consideração os pontos de interesse e de resistência que (professores de Arte), artistas e comunidade, mas salienta
ele inevitavelmente causará em cada turma. Esses pontos que, apesar do sucesso dessa perspectiva em relação a sua
de interesse ou de resistência, gerados pelo encontro des- teoria, ela “depende da implementação das diferentes abor-
ses temas com as culturas de cada estudante e com as di- dagens apropriadas às realidades das comunidades em que
ferenças culturais encontradas em cada turma, devem ser ela é aplicada”.
considerados complementares e, quando combinados en- Sugerimos, neste livro, a utilização do modelo que par-
tre si e com os aspectos técnicos de cada assunto, podem te da valorização da cultura local, do contexto no qual os
ser essenciais para a construção de processos de ensino- estudantes estão inseridos e dos recursos existentes e dis-
-aprendizagem sólidos, interdisciplinares e artística e social- ponibilizados na escola, seguindo a experiência vivencia-
mente transformadores. da por Bastos, que confirmaram as ligações entre a arte
Para Machado (2009, p. 63): “É preciso que o processo e a vida cotidiana, e entre os conceitos de arte erudita e
educacional se transforme num processo investigativo, arte popular. Para Bastos (2008, p. 228): “Valorizar as liga-
o qual inclui o planejamento, a colocação em prática de ções intrínsecas entre a arte e a vida cotidiana constitui a
processos pedagógicos ordenados, lógicos e coerentes e base de uma arte/educação democrática, porque envolve
a avaliação contínua”. Por isso, fugindo de uma perspecti- o reconhecimento de várias práticas artísticas sem distin-
va “espontaneísta”, por vezes associada ao ensino de Arte guir entre o erudito e o popular”. Nossas práticas artísticas,
nas escolas – pois, alguns professores tendem a considerar como professores e artistas das artes visuais, da dança, da
que não estamos formando o profissional-artista das artes música e do teatro, têm nos mostrado, ao longo dos anos,
visuais, da dança, da música e do teatro e, assim, abordam que, como diz a autora, “esses rótulos não nos ajudam mais
os conteúdos relacionados aos campos da arte de forma a compreender a arte produzida atualmente” (BASTOS,
superficial –, sugerimos que, em sua prática, você foque na 2008, p. 229) e, além disso, eles estão associados a uma
organização e na sistematização dos conteúdos abordados visão de mundo elitista, que tende a categorizar o fazer
nesta obra, para que os processos de ensino-aprendizagem artístico como melhor ou pior com base em concepções
fiquem claros a todos os sujeitos envolvidos (incluindo econômicas e sociais.
você, como mediador do processo). A seguir, relacionamos A arte-educação baseada na comunidade, além dis-
alguns objetivos a serem atingidos e destacamos algumas so, aponta para uma concepção de arte conciliatória, que
seções do nosso livro que podem auxiliar sua prática do- abraça as diferenças e a diversidade cultural como ponto de
cente. No entanto, essa divisão é apenas didática, pois uma partida para as produções artísticas, e combina “tradições
mesma seção pode contribuir para vários objetivos ao mes- regionais, artesanato local, arte tradicionalmente produzida
mo tempo: por mulheres, arte popular, média, etc.” (BASTOS, 2008, p.
229), em um mesmo grau de valoração e, principalmente,
1. Conhecer e compreender o seu contexto, sempre na ten- como parte integrante de uma comunidade. Nesse sentido,
tativa de agregar informações – Roda de conversa. queremos estimular uma prática docente que parta de uma
visão ampla, inclusiva (e não excludente), que considere as
2. Reinterpretar, ressignificar e estruturar os conteúdos des-
várias formas de se fazer arte e ainda motive os possíveis
sas informações – Fazer arte, Arte no dia a dia.
entrelaces e uma maior participação social. Sendo assim,
3. Estabelecer uma teia de conexões entre as informações sugerimos que você esteja sempre disposto a pesquisar, in-
agregadas – Para assistir/navegar/ler/ouvir, Arte em diá- vestigar, identificar e a propor processos de ensino-apren-
logo, Para saber mais. dizagem que fomentem o pensamento crítico no que diz
respeito à compreensão das diversas e muitas formas de se
4. Confrontar as informações agregadas com as vivências do
fazer arte, para que os estudantes sejam capazes de inter-
cotidiano – Arte no dia a dia.
pretar e valorizar as diversas e infinitas possibilidades de se
5. Transformar a realidade na qual esteja inserido com base fazer arte.

391
A prática docente e os ensinamentos comunidade e da arte que os cerca. Para que compreenda
melhor a abordagem da arte-educação com base na co-
de Paulo Freire munidade, reproduzimos, a seguir, as cinco abordagens do
Ao sugerir práticas contextualizadas e pautadas em multiculturalismo propostas por Sleeter e Grant (1994) e as
uma visão de mundo mais democrática e inclusiva, corro- três orientações propostas por Marché (1998), assim como
boramos com Paulo Freire: “educação é um processo po- descritas no texto de Flávia Bastos (2008). As cinco orien-
lítico que ou reforça as injustiças sociais, pelo controle da tações propostas por Sleeter e Grant (1994, apud BASTOS,
consciência, ou promove mudanças pelo processo de re- 2008, p. 236) são:
flexão crítica chamado ‘conscientização’ ” (BASTOS, 2008, p. (a) excepcionalidade e diferença cultural, usadas por educa-
230). Ainda no mesmo texto, Flávia Bastos (2008) cita como dores que encaram sua bagagem cultural como norma
exemplo um dos métodos utilizados por Freire nos grupos e tentam lidar com culturas que eles consideram dife-
de adultos que eram alfabetizados por ele, conhecidos rentes;
como “Círculos de cultura”, que muito se assemelham com
(b) relações humanas envolvem práticas que enfocam o de-
as Rodas de conversa propostas neste livro. De acordo
senvolvimento de interações positivas entre indivíduos
com a autora:
e grupos;
os participantes dos “círculos de cultura” eram convi- (c) estudos de grupos distintos preocupa-se com um grupo
dados a examinar suas vilas e comunidades e a coletar os isolado, por exemplo, mulheres, descendentes de cul-
nomes das ferramentas, lugares e atividades importantes em turas africanas, membros da classe operária;
suas vidas. Essa nova mirada sobre objetos e eventos fami- (d) educação multicultural envolve políticas e práticas que
liares despertava o questionamento e o diálogo sobre sua negociam as diferenças e similaridades entre vários
situação de vida. grupos humanos, examinando etnia, deficiência, gêne-
ro, classe social etc.;
BASTOS, F. O perturbamento do familiar: uma proposta teórica para a Arte/Educação
baseada na comunidade. In: BARBOSA, A. M. (Org.). Arte/educação contemporânea: (e) reconstrução social busca desvelar as estruturas injustas
consonâncias internacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. p. 231. que mantêm a desigualdade social entre diferentes
grupos.
Veja, a seguir, a descrição de Freire (1987, apud BASTOS,
2008) de uma experiência ocorrida em São Tomé e Príncipe, Já as três orientações de arte-educação baseadas na co-
na África, que desperta reflexões críticas e sensações transfor- munidade e propostas por Marché (1998, apud BASTOS, 2008,
madoras (p. 231-232): p. 236) focam na relação entre escola e comunidade. Veja a
seguir:
Visitamos o círculo de cultura na pequena comunida-
de pesqueira de Santo Mário. Eles tinham como palavra (a) extrair ( ) descreve um relacionamento explorativo,
geradora o termo “bonito”, o nome do peixe, e como codi- comparável aos processos de coleta e de extrativismo
ficação um desenho expressivo de sua vila, representando a em que a comunidade tem uma função instrumental;
vegetação local, casas típicas, barcos de pesca no mar e um (b) investigar ( ) envolve o estudo e a pesquisa sobre a
pescador segurando um bonito. Os alunos ficaram olhan- comunidade para conhecê-la mais profundamente;
do para essa codificação em silêncio. De repente, quatro
(c) interagir ( ) com a comunidade é a orientação mais
deles se levantaram de uma vez e como se eles tivessem expansiva que vai além do contexto humano para in-
combinado de antemão; caminharam até a parede onde a cluir o ambiente; dessa forma, os alunos passam a exer-
codificação estava pendurada. Eles a examinaram atenta e citar sua cidadania na interação com a comunidade.
longamente. Depois eles foram até a janela e olharam para
fora. Olhando um para o outro como se estivessem surpre- Observe que as oito abordagens podem ser interco-
sos e olhando novamente para a codificação eles disseram: nectadas para um efetivo trabalho na prática docente do
“Isto é Monte Mário. Monte Mário é desse jeito e a gente ensino de Arte. As cinco abordagens propostas por Sleeter
não sabia”. e Grant (1994) conectam ideias e conceitos que, ao serem
transformados, podem ser incorporados e desenvolvidos
A arte-educação baseada na comunidade indica a arte de diversas formas. As três orientações propostas por Mar-
e a cultura local como eixos norteadores do currículo. É ché (1996) podem ser utilizadas a partir da compreensão
importante atentar para o fato de que cada abordagem do trinômio: extração, investigação, interação, sugerindo
da arte/educação baseada na comunidade fundamenta- que para interagir com membros de uma comunidade, os
-se em uma orientação metodológica específica, de forma professores antes extraíram conhecimento dessa comuni-
que, nesse material, optamos por indicar formas, sugerir dade e a investigaram, e só dessa maneira poderão com-
atividades, mas sempre priorizando as suas escolhas como preendê-las de fato.
mediador do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, A investigação e a pesquisa sobre a arte local é essen-
cabe a você, professor(a), escolher a orientação que melhor cial para propormos um ensino de Arte contextualizado e
responde às demandas de seus estudantes, da escola, da crítico. Considerar as diferenças sociais e culturais como

392
fatores que influenciam a criação em arte e a compreen- questões culturais, que valorize as diferenças e proponha
são do que é arte, assim como as diferenças entre o local, igualdade de oportunidades, que estimule a autonomia
o regional e o global faz-se essencial para que busque- dos estudantes considerando e também transformando
mos um ensino de Arte transformador e engajado com as suas visões de mundo.

4. EXPERIÊNCIAS INTERARTES NA EDUCAÇÃO

Como escreveu a arte educadora Ana Mae Barbosa (2008), o professor e o constante esquecimento de que o conhecimento
prefixo inter- tem acompanhado muitas palavras que traduzem especializado faz parte, na verdade, de uma realidade mais ampla
as buscas contemporâneas nas áreas da Arte e da Educação: dentro da existência humana. Tanto a hiperespecialização quanto
a alienação da real amplitude do conhecimento levam a que os
Vivemos a era inter. Estamos vivendo um tempo em objetos de estudo referentes a cada disciplina sejam pensados de
que a atenção está voltada para a internet, interculturali- forma autossuficiente. Assim, diz Morin (2003):
dade, a interatividade, a interação, a inter-relação, a inter-
disciplinaridade e a integração das artes e dos meios, como as ligações e solidariedades desse objeto com outros ob-
modos de produção e significação desafiadores de limites, jetos estudados por outras disciplinas serão negligenciadas,
fronteiras e territórios. assim como as ligações e solidariedades com o universo do
qual ele faz parte. A fronteira disciplinar, sua linguagem e
BARBOSA, A. M. Interterritorialidade refazendo interdisciplinaridade: Arte na Educação.
Design, Arte e Tecnologia 4. Bauru/São Paulo/Rio de Janeiro: Unesp-Bauru/Rosari e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às
Universidade Anhembi Morumbi/PUC-Rio, 2008. p. 1. outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às dis-
ciplinas. A mentalidade hiperdisciplinar vai tornar-se uma
Como veremos a seguir, experiências inter no ensino de Arte
mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão
podem ser alcançadas ou a partir de projetos que contemplem as
estranha em sua parcela de saber.
zonas de contato entre os vários campos artísticos, ou a partir do
reconhecimento da arte em contato com outras áreas do conhe- MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
cimento, ou a partir das duas opções ocorrendo simultaneamen- Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 106.
te. Antes de nos aprofundarmos nestas questões, é importante Este isolamento disciplinar de que nos fala Morin pode ser
uma breve contextualização sobre os conceitos que envolvem o facilmente percebido nos currículos e na forma como cada
pensamento disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. disciplina é ministrada nas escolas, com pouco ou nenhum
diálogo entre si e com boas doses de uma espécie de prote-
O pensamento disciplinar cionismo disciplinar por parte dos professores que normal-
mente não veem com bons olhos as incursões de colegas de
outras disciplinas em suas próprias áreas de conhecimento,
Como forma de organizar os conhecimentos acumula-
quando estas ocorrem. O que Morin (2003) tenta nos fazer en-
dos pela humanidade, foram criadas as disciplinas, tais como
tender é que o avanço da ciência e do conhecimento huma-
hoje temos Matemática, Química, Física, Arte, entre outras.
Tal forma de organizar as áreas do conhecimento humano no não se deu nem se dá somente com a proliferação das dis-
começou a ser instituída no século XIX com a formação das ciplinas, mas também e ao mesmo tempo com a ruptura das
universidades modernas e desenvolveu-se no século XX com fronteiras disciplinares, “da invasão de um problema de uma
o grande impulso dado à pesquisa científica. Nas palavras de disciplina por outra, de circulação de conceitos, de formação
Edgar Morin (2003), disciplina seria: de disciplinas híbridas que acabam tornando-se autônomas;
uma categoria organizadora dentro do conhecimento enfim, é também a história da formação de complexos, onde
científico; ela institui a divisão e a especialização do traba- diferentes disciplinas vão ser agregadas e aglutinadas”.
lho e responde à diversidade das áreas que as ciências abran- Isso tudo quer dizer que o conhecimento humano depen-
gem. Embora inserida em um conjunto mais amplo, uma de não somente das disciplinas, mas também de formas de
disciplina tende naturalmente à autonomia pela delimitação diálogo e de relação entre as mesmas. Tais formas de conexão
das fronteiras, da linguagem em que ela se constitui, das entre as disciplinas têm sido denominadas, conforme o caso,
técnicas que é levada a elaborar e a utilizar e, eventualmente,
de interdisciplinaridade, multi ou polidisciplinaridade e trans-
pelas teorias que lhe são próprias.
disciplinaridade (um pouco adiante detalharemos as diferen-
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de ças entre tais termos). São muitos os exemplos de encontros e
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 105.
trocas entre pesquisadores de diferentes áreas que permitem
Com o enorme avanço científico dos séculos XX e XXI surgiram a disseminação mútua de conhecimento entre disciplinas di-
novas disciplinas e, concomitantemente, a hiperespecialização do ferentes, levando, inclusive, à formação de novas disciplinas

393
como a Bioquímica, por exemplo, que surgiu da integração Possivelmente a forma de interação mais convencional
entre a Química e a Biologia. entre disciplinas seja a pluri ou multidisciplinaridade. Nes-
Não se trata aqui de defender a extinção das disciplinas. ta modalidade, um objeto de uma única disciplina pode ser
Tampouco, no caso dos professores de Arte, espera-se o retor- estudado por duas ou mais disciplinas ao mesmo tempo e a
no da superada formação polivalente que proporcionava, em interação entre elas ocorre de maneira mais aditiva do que
muitos casos, uma formação mais panorâmica e superficial integrativa. Essa forma de cooperação entre disciplinas ocor-
em vários campos artísticos, e que foi substituída pelas for- re mais comumente por conta de projetos ou temas que lhes
mações especializadas que encontramos atualmente, espe- sejam comuns e onde cada disciplina é chamada para resol-
cialmente com a criação e ampliação de diversas licenciaturas ver problemas específicos. Nicolescu (1999) exemplifica isso:
em Dança, Teatro, Música e Artes Visuais a partir do REUNI23. Por exemplo, um quadro de Giotto pode ser estudado
Trata-se, então, de reconhecer a existência de conexões entre pela ótica da história da arte, em conjunto com a da física,
os diversos campos do saber e de estimular as muitas possibi- da química, da história das religiões, da história da Euro-
lidades de redes de solidariedade-de-saberes entre os docen- pa e da geometria. Ou, ainda, a filosofia marxista pode ser
tes das diversas disciplinas. A esses aspectos, Morin (2003) ain- estudada pelas óticas conjugadas da filosofia, da física, da
da acrescenta a necessidade de não se esquecer nunca das economia, da psicanálise ou da literatura.
realidades globais, e de não se perder nas pequenas verdades NICOLESCU, B. Um novo tipo de conhecimento – transdisciplinaridade. In:
limitadas de cada campo do conhecimento: Educação e transdiciplinaridade. São Paulo/Itatiba, Escola do Futuro (USP), 1999. p. 10.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
Por exemplo, a noção de homem está fragmentada entre images/0012/001275/127511por.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2016.
diversas disciplinas das ciências biológicas e entre todas as
disciplinas das ciências humanas: a física é estudada por um Um objeto submetido a um estudo multidisciplinar, se-
lado, o cérebro, por outro, e o organismo, por um terceiro,
gundo Nicolescu (1999, p. 2), sairá assim enriquecido pelo
cruzamento de várias disciplinas. O conhecimento do objeto
os genes, a cultura etc. Esses múltiplos aspectos de uma rea-
lidade humana complexa só podem adquirir sentido se, em em sua própria disciplina é aprofundado pelas contribuições
vez de ignorarem esta realidade, forem religados a ela. Com vindas das outras áreas, mas ainda está a serviço apenas de
certeza não é possível criar uma ciência do homem que anu- sua disciplina de origem. O autor afirma, ainda: “a abordagem
le por si só a complexa multiplicidade do que é humano. pluridisciplinar ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade
continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar”.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. O sistema de cooperação interdisciplinar, por sua vez,
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 113.
está fundado na formação de grupos de trabalho, visando,
de acordo com Domingues (2011, p. 4), a “integração de con-
O pensamento inter, multi ceitos, terminologias, métodos e dados em conjuntos mais
e transdisciplinar vastos, repercutindo na organização do ensino e da pesqui-
sa”. O objetivo dos trabalhos interdisciplinares é ultrapassar o
conhecimento de um objeto dentro de uma única disciplina,
Nas últimas décadas têm proliferado iniciativas de aproxi-
mação entre os campos disciplinares. Como vimos na Introdu- através do intercâmbio e da transferência de conhecimentos
ção do livro, segundo Morin (2003, p. 22-23), a inter-relação das e métodos de trabalho entre as diferentes disciplinas envol-
disciplinas, com suas especificidades, pode proporcionar uma vidas. Segundo Nicolescu (1999, p. 11), existem três graus
maior compreensão da realidade, a qual é sempre de natureza identificáveis em trabalhos em interdisciplinaridade:
complexa. Se a realidade é complexa, sua compreensão exige a) um grau de aplicação. Por exemplo, os métodos da física
de nós um pensamento igualmente complexo para que pos- nuclear transferidos para a medicina levam ao apareci-
samos elaborar novas formas de estar no mundo, aumentando mento de novos tratamentos para o câncer;
a qualidade de vida, buscando o bem comum e a preservação b) um grau epistemológico. Por exemplo, a transferência de
da espécie humana. Dependendo do nível de interação entre métodos da lógica formal para o campo do direito pro-
duz análises interessantes na epistemologia do direito;
as disciplinas, tais iniciativas têm sido denominadas interdis-
ciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares. A definição c) um grau de geração de novas disciplinas. Por exemplo,
a transferência dos métodos da matemática para o
do que seja inter, multi e transdisciplinar nem sempre é fácil,
campo da física gerou a física matemática; os da física
mas as principais diferenças entre tais interações têm sido de- de partículas para a astrofísica, a cosmologia quântica;
finidas por alguns estudiosos, como veremos a seguir. os da matemática para os fenômenos meteorológicos

23. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), do Ministério da Educação, foi implantado a partir de
2003 a fim de que as universidades federais pudessem promover a expansão física, acadêmica e pedagógica da rede federal de educação superior.

394
ou para os da bolsa, a teoria do caos; os da informática terartes. Existem também possibilidades de, a partir da com-
para a arte, a arte informática. preensão de zonas de contato da Arte com outras áreas do
NICOLESCU, B. Um novo tipo de conhecimento – transdisciplinaridade. conhecimento, buscarmos experiências interdisciplinares de
In: Anais do 1º- Encontro Catalisador do CETRANS, São Paulo/Itatiba, Escola do Futuro ensino envolvendo uma ou mais disciplinas em integração
(USP), 1999. p. 9-25. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ com uma ou mais linguagens artísticas – estas são chamadas
images/0012/001275/127511por.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2016. p. 2.
experiências interdisciplinares.
Apesar de sua finalidade também permanecer inscrita na A integração entre as diversas linguagens artísticas presen-
pesquisa disciplinar, os novos conhecimentos gerados pelo tes no conteúdo da disciplina Arte nas escolas, assim como a in-
trabalho interdisciplinar ultrapassam o âmbito das disciplinas
tegração do ensino da Arte com outras disciplinas, é um grande
envolvidas, gerando conhecimentos que não poderiam ser
desafio, pois prevê a criação de metodologias de ensino porosas
alcançados pelas disciplinas isoladamente.
e dialógicas, que abarquem possibilidades de diálogo entre as
Por fim, o pensamento transdisciplinar nasce com uma am-
artes (interartes) e entre a Arte e outras disciplinas (interdiscipli-
bição maior: a de ir além das disciplinas, tendo como objetivo
nar). Tal desafio torna-se ainda maior devido às características
fornecer sínteses teóricas abrangentes, capazes de unificar o co-
da Arte produzida hoje no mundo, as quais estão marcadas por
nhecimento e de levar à compreensão do mundo presente. No
múltiplas conexões e possibilidades de expressão individual e
entanto, segundo Domingues (2011, p. 5), “diferentemente das
coletiva. A complexidade e multiplicidade devem ser refletidas
experiências inter e multi, bem pesadas as coisas, não é possível
nas ações realizadas na escola, e estas deverão apresentar a Arte
ainda apontar experiências unificadoras trans bem-sucedidas,
como um lugar de fronteiras tênues e ampliadas.
e de fato, mesmo em ações menos ambiciosas, as abordagens
Existe uma carência de práticas pedagógicas que tra-
transdisciplinares são bastante raras”. Isso quer dizer que as ex-
tem a arte como uma área do conhecimento humano que
periências transdisciplinares se encontram ainda mais no plano
vai além de zonas tradicionalmente demarcadas, especial-
das ideias do que no das realizações. Assim, a transdisciplinari-
mente porque muitos arte-educadores têm dificuldade de
dade seria, no momento, um desejo, um paradigma, uma refe-
entender a arte produzida hoje e seus aspectos interdisci-
rência teórica inicial para os estudos e as pesquisas.
plinares. Como enfatiza Barbosa (2008), a busca pela inter-
Como vimos, a trans, a inter e a pluridisciplinaridade pos-
disciplinaridade no ensino de Arte coincide com a produção
suem em comum a ambição de ultrapassar os conhecimen-
contemporânea de arte que é, por si própria, interdisciplinar:
tos que podem ser alcançados pelos estudos disciplinares
isoladamente. As três formas de integração de estudos visam A interdisciplinaridade [na década de 1970] era deseja-
complementar as abordagens disciplinares na busca pelo co- da embora fosse ainda uma utopia para nós. Agora, a Arte
nhecimento. Segundo Morin (2003): Contemporânea trata de interdisciplinarizar, isto é, pessoas
com suas competências específicas interagem com outras
Não se pode demolir o que as disciplinas criaram; não
pessoas de diferentes competências e criam, transcendendo
se pode romper todo o fechamento: há o problema da dis-
cada um seus próprios limites ou simplesmente estabelecem
ciplina, o problema da ciência, bem como o problema da
diálogos. São exemplos o Happening, a Performance, a Body
vida; é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo,
Art, a Arte Ambiental, a Video Art, a Arte Computacional,
aberta e fechada. Afinal, de que serviriam todos os saberes
as Instalações, a Arte na WEB etc. A colaboração entre
parciais senão para formar uma configuração que responda
as Artes e os meios de produzi-la vem se intensificando.
a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações
Nós, arte-educadores ficamos perplexos com a riqueza es-
cognitivas? Deve-se pensar também que o que está além da
tética das hibridizações de códigos e linguagem operadas
disciplina é necessário à disciplina para que não seja auto-
pela Arte hoje, pois fomos obrigados a combater no Brasil
matizada e esterilizada.
a polivalência na Educação Artística decretada pelo gover-
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de no ditatorial na década de 70. A polivalência consistia em
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 115-116.
um professor ser obrigado a ensinar Música, Teatro, Dança,
Artes Visuais e Desenho Geométrico tudo junto da 5-a série
Diálogos interartes no ensino ao Ensino Médio sendo preparado para tudo isto em ape-
nas dois anos nas Faculdades e Universidades. Combate-
mos este absurdo epistemológico. Contudo mesmo naquele
Experiências inter no ensino de Arte podem ser alcança- tempo já defendíamos a interdisciplinaridade das Artes.
das tendo como base projetos que contemplem os pontos
BARBOSA, A. M. Interterritorialidade refazendo interdisciplinaridade: Arte na Educação.
de contato entre os vários campos artísticos, os quais, no Design, Arte e Tecnologia 4. Bauru/São Paulo/Rio de Janeiro: Unesp-Bauru/Rosari e
decorrer deste livro, estamos chamando de experiências in- Universidade Anhembi Morumbi/PUC-Rio, 2008. p. 1-2.

395
Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais em Arte como pontos de interseção entre os campos artísticos,
para o Ensino Médio (2000, p. 172) também já defendiam a como o ritmo, a intensidade, o tempo ou o espaço;
ideia de que, ƒƒ entendimento sobre elementos fundantes das lingua-
gens artísticas (na música: som e silêncio; nas artes visuais­,
Sem perder a clareza das especificidades de cada uma de- a imagem; nas artes cênicas, o convívio e a presença) e
las, é possível ousar contatos entre as suas diversas fronteiras como tais elementos fundantes são também conectores
de conhecimento e entrelaçá-las quando a serviço do alarga- entre as diferentes linguagens artísticas;
mento cultural dos alunos. Trata-se de momentos de discipli- ƒƒ projetos de criação artística que considerem a utilização
naridades ou de trânsitos entre fronteiras de conhecimentos, de mais de um campo artístico, de forma integrada. Por
objetivando uma educação transformadora e responsável, exemplo, um projeto de teatro de fantoches, onde a cria-
preocupada com a formação e identidade do cidadão. ção dos bonecos e sua manipulação, a criação da drama-
turgia e a criação e execução da trilha sonora executada
Ao mesmo tempo, a formação do professor de Arte tem se seja realizada pelos estudantes. Nesse caso teremos inte-
aproximado, cada vez mais, da concepção do professor-artista, gração das artes visuais, cênicas e musicais;24
que em linhas gerais é o modo de estabelecer a conexão ne- ƒƒ em projetos em conjunto com outras áreas como história,
geografia e outras ciências. A interdisciplinaridade se dá a
cessária entre os campos artístico e pedagógico, sem deixar
partir dos pontos de interseção/conexão entre as diferen-
que a prática artística se anule no ambiente escolar. Nesse sen- tes disciplinas e campos artísticos.
tido, é necessário ampliar a noção de arte e ir além da perspec- Ainda nas palavras de Barbosa (2008, p. 4): “Interdisciplina-
tiva de apenas transmitir o conhecimento artístico na escola. ridade é trabalho de várias cabeças provocando as possibili-
O ensino de Arte na escola deve pressupor o protagonismo dades do aluno estabelecer diferentes links. […] É necessário
do estudante, oferecendo-lhe oportunidades de expressão e um projeto conjunto, em que cada um saiba o que o outro vai
criação, além de ampliação de seu repertório artístico, dentro ensinar e como; enfim comunalidade de objetivos e ações”. Um
da enorme pluralidade de possibilidades de se fazer arte hoje. aspecto importante a ser considerado em projetos interdisci-
Ao relatar uma experiência de trabalho interartes realizada com plinares ou interartes é que muitas expressões culturais vivas
um grupo de estudantes, Mattar et al. (2012) refletem sobre as e instigantes em artes têm sido feitas a partir da rua (grafite,
dificuldades de se levar adiante esse tipo de trabalho: dança de rua, rap, muitas formas de música popular), e não ne-
cessitam da escola para se manifestarem ou normalmente não
O lugar em que as linguagens artísticas se encontram
para uma reunião produtiva não é facilmente acessível. En- são aprendidas na escola. Na maioria das vezes, a essência des-
contrá-lo requer que educadores e aprendizes percorram, sas manifestações vem exatamente de seu caráter extraescolar.
com esforço, sem medo de errar, o vasto labirinto das artes, É importante que o professor saiba acolher tais manifestações
passando por possíveis espaços de habitação da genuína ex- e valorizá-las, proporcionando ambientes criativos capazes de
periência artística. Em suas proposições, os alunos educado- absorver inclusive as referências culturais dos estudantes.
res esforçam-se por estabelecer relações entre as linguagens Mattar et al. (2012) perceberam a importância de se en-
artísticas, as práticas artísticas propostas e a produção cultural frentar o risco e as incertezas durante o desenvolvimento de
desta e de outras épocas, estimulando os jovens e adolescen-
projetos educacionais de caráter inter:
tes a desenvolverem sua capacidade de reflexão e de ação no
mundo, bem como a expressão de seus pensamentos. A experimentação faz parte do processo de conheci-
MATTAR, et al. Vivências com a arte para jovens e adolescentes: interdisciplinaridade, tra- mento em arte, aliás, muitas descobertas advêm e se alimen-
balho colaborativo e pesquisa-ação na formação inicial de professores de Arte. In: Anais tam deste procedimento levado a cabo por todos os artistas.
do XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito, Instituto de Artes da Universidade [...] Ao lidarem constantemente com a experimentação, os
Estadual Paulista, Federação de Arte Educadores do Brasil (FAEB), 2012. p. 11. educadores passam a reconhecê-la como parte do trabalho
Dentre as possibilidades de experiências interartes, pode- em educação, como o princípio de algo que, assim como
mos citar: ocorre na arte, pode levar à pesquisa e ao aprofundamento,
ƒƒ obras que se fazem a partir de mais de um campo artísti- além, é claro, de ajudar a desenvolver o pensamento criativo.
co, como a ópera, as instalações ou o teatro musical. Aqui MATTAR, et al. Vivências com a arte para jovens e adolescentes: interdisciplinaridade,
se incluem também as relações das artes tradicionais com trabalho colaborativo e pesquisa-ação na formação inicial de professores de Arte. In:
as mídias digitais; Anais do XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito, Instituto de Artes da Universi-
ƒƒ abordagem interartes de conceitos que se apresentam dade Estadual Paulista, Federação de Arte Educadores do Brasil (FAEB), 2012. p. 11.

24. Alguns autores podem considerar que esse exemplo não caracteriza um projeto interartes, pois estaria, na verdade, apenas utilizando recursos de
outras linguagens a serviço de uma linguagem preponderante, no caso, as artes cênicas (teatro de bonecos). No entanto, o que pode tornar o projeto
uma experiência interartes não é apenas a justaposição de recursos de linguagens artísticas diferentes, mas a busca pela conexão artística entre as
linguagens, e o reconhecimento e a reflexão sobre tais conexões.

396
Se por um lado é preciso saber conviver com as incertezas 3. Como avaliar a investigação artística realizada (se em ter-
de um projeto inter, Barbosa (2008) diz ser igualmente impor- mos de respostas ou por meio do ato crítico que torna
tante estar em constante processo de avaliação das experiên- visível a própria investigação).
cias realizadas. A autora, então, enfatiza que é preciso que os
Convidamos você a se aproximar das três problemáticas
projetos inter proporcionem uma clara identificação da ideia
dominante contida nos trabalhos, em que propostas pela autora para, assim, poder atuar como um(a)
mediador(a) dos processos de ensino-aprendizagem em Ar-
[...] deve haver reconhecimento claro da ideia ou pro- tes que sugerimos no nosso material.
blema que servirá do foco central para o trabalho. Não só
Vamos ao primeiro aspecto: a definição do objeto, o que
a ideia deve ser percebida por todos os participantes, mas
elegemos como importante para os processos de ensino-
também considerada de interesse por todos os participantes.
Também é crucial a necessidade de alcançar um resultado, -aprendizagem em Artes. Você observará que em nosso livro,
chegar ao fim do projeto ou pesquisas ou ainda de chegar a fundamentado pelas ideias relacionadas a um processo de in-
formular respostas para o problema escolhido. Sem isso, não vestigação artística, não nos detemos a uma ordem cronoló-
chegamos a uma síntese transformadora. gica dos fatos, mas sim buscamos temas e assuntos que moti-
BARBOSA, A. M. Interterritorialidade refazendo interdisciplinaridade: Arte na Educação. vem a reflexão crítica dos estudantes e causem possibilidades
Design, Arte e Tecnologia 4. Bauru/São Paulo/Rio de Janeiro: Unesp-Bauru/Rosari e de conexão com outros temas considerados tão importantes
Universidade Anhembi Morumbi/PUC-Rio, 2008. p. 6. quanto os temas sugeridos.
Segundo Mattar et al. (2012, p. 11-12), os resultados alcan- O segundo aspecto, os processos de investigação ar-
çados em projetos inter podem ser muito significativos, tanto tística – que está diretamente relacionado com a forma, ou
no aumento do interesse dos estudantes pela disciplina Arte, seja, o “como abordar” os assuntos elencados –, engloba a
pela crescente autonomia dos participantes em suas produ-
exploração máxima de todas as possibilidades que podemos
ções artísticas, pelo aumento no interesse pela agenda cultu-
ral da cidade, dentre outros aspectos. Para isso, os professores encontrar para o estudo de um determinado tema. Observe
devem, antes de tudo, estar abertos e buscar compreender que, nessa obra, nós consideramos as leituras e as interpre-
e valorizar as “interconexões de códigos culturais” e “a imbri- tações de textos, os processos de criação artística, os vídeos,
cação de meios de produção e de territórios artísticos que os áudios, as práticas corporais, os trabalhos de campos etc.
caracterizam a Arte Contemporânea” (BARBOSA, 2008, p. 1).
como formas complementares e que poderão ser integradas
à construção do conhecimento em questão.
A interdisciplinaridade e a E, no terceiro aspecto, como avaliar a investigação artís-
investigação artística tica realizada, propomos a avaliação contínua e processual
ao considerarmos a investigação artística como uma possível
Christine Zurbach (2009), professora da Universidade de abordagem metodológica a ser utilizada em sua prática do-
Évora, em Portugal, no artigo “Investigação artística e interdis- cente. Nesse sentido, será importante considerar a investigação
ciplinaridade no âmbito universitário: modos de usar”, apon- artística como uma ferramenta metodológica aliada à aborda-
ta para a interdisciplinaridade como algo que “potencializa a gem metodológica de ensino por projetos, como uma forma
construção de novas abordagens que permitem evidenciar de compreender e atuar nos diferentes contextos encontrados.
os novos problemas que novos objetos levantam, nomeada- Quando propomos uma avaliação pautada no ato crítico,
mente no território da arte contemporânea, aberta ao experi- temos de conectar essa avaliação ao processo de ensino-apren-
mentalismo e à inovação sistemática”. dizagem desenvolvido, pois sabemos que ela depende de cada
O termo “investigação artística” nos auxilia a compreender ação vivenciada durante esse processo. Sendo assim, o proces-
que o nosso trabalho docente estará em construção contínua, so de ensino-aprendizagem precisa ser constituído a partir de
e que pesquisar será uma das formas de construir e, principal- ações que unam teoria e prática, e que evitem estabelecer dico-
mente, de consolidar o conhecimento. O artigo contribui para tomias e distâncias entre os saberes estudados. Não podemos
as nossas proposições de abordagens da prática docente, so- separar método de objeto, por se tratar de uma investigação em
bretudo no que diz respeito à definição de investigação artística. Arte, para que ação e avaliação estejam conectadas; podemos,
O que seria, então, uma investigação artística? A autora, além de sim, pensar no fazer artístico como método. Como exemplo,
apontar a dificuldade inerente a essa definição, apresenta três damos a construção de uma das seções deste livro, a Roda de
problemáticas distintas para a compreensão desse conceito: conversa. Além de ser um momento não hierárquico, em que
1. A definição do objeto (o que investigar); todos podem se expressar, pretende ser um momento de apro-
2. Como abordá-lo (que método utilizar); ximação entre a escola e os campos artísticos estudados.

397
5. AVALIAÇÃO

Começamos nossa discussão sobre o tema da avaliação es- preciso atribuir valor a um sorvete, por exemplo, esse valor
colar com a citação do filósofo francês Edgar Morin (2011): poderá depender da minha vontade de tomar um sorvete,
bem como da qualidade do sorvete em si, da minha fome,
A compreensão não pode ser quantificada. Educar para
se eu gosto ou não desse tipo de alimento e até mesmo da
compreender a matemática ou uma disciplina determinada é
estação do ano, entre outros fatores. Quanto mais fome eu
uma coisa; educar para a compreensão humana é outra. Nela
encontra-se a missão propriamente espiritual da educação: tiver, ou quanto mais calor fizer, provavelmente, maior será
ensinar a compreensão entre as pessoas como condição e ga- o valor que darei ao sorvete. Esse exemplo trivial nos ajuda a
rantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade. entender que as coisas ou ações não possuem um valor ab-
soluto, racional ou neutro. Os valores dependem de diversos
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília, DF:
Cortez/Unesco, 2011. p. 93.
fatores mais ou menos previsíveis e controláveis. Dentre eles
está a subjetividade daquele que avalia. Se em Arte enten-
Nesse trecho, o filósofo considera como missão da educa- demos bem que essa subjetividade é um fator presente na
ção ensinar a compreensão humana. Uma missão a ser com- avaliação, o mesmo pode se dizer de outras áreas do conhe-
partilhada por todos os saberes que compõem as disciplinas
cimento ditas como mais “técnicas” e que tendem a se pensar
do currículo escolar, e por muitos outros que ainda não estão
totalmente racionais e distanciadas do sujeito. Mesmo em
contemplados em nossos currículos.
outras áreas, dar valor a algo depende de uma série de fatores
Na contemporaneidade, os problemas morais, éticos, téc-
e valores entrelaçados, por melhor e mais objetivo que seja o
nicos etc. da vida cotidiana são problemas que demandam
instrumento de avaliação.
uma forma complexa de solução, unindo a unidade (discipli-
A avaliação é uma etapa importante da aprendizagem e
na) à multiplicidade (multidisciplinas). São problemas, portan-
está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996).
to, que não pertencem apenas a uma disciplina e sim a todas No que diz respeito ao Ensino Médio:
as áreas do conhecimento de forma solidária e transversal. Se-
gundo Morin (2011), estes não são problemas compartimen- Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº- 9.394,
tados, assim como o é a disciplina, mas sim multidisciplinares: de 20 de dezembro de 1996)
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o dis-
[...] existe inadequação cada vez mais ampla, profunda
posto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:
e grave entre, de um lado, os saberes desunidos, divididos,
[...]
compartimentados e, de outro, as realidades ou problemas
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que
cada vez mais multidisciplinares, transversais, multidimen-
estimulem a iniciativa dos estudantes;
sionais, transnacionais, globais e planetários.
[...]
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo/Brasília, DF: § 1-º Os conteúdos, as metodologias e as formas de ava-
Cortez/Unesco, 2011. p. 36. liação serão organizados de tal forma que ao final do ensino
Entender a disciplina Arte como um saber que precisa médio o educando demonstre:
estar em diálogo com outros saberes oriundos das outras I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos
disciplinas, bem como com os saberes dos estudantes e do que presidem a produção moderna;
professor, é um passo importante para pensar suas formas de II – conhecimento das formas contemporâneas de lin-
avaliação. Pois, a educação para Morin (2011, p. 72) é “[...] ao guagem;
mesmo tempo transmissão do antigo e abertura da mente [...]
para receber o novo [...]”. § 3-º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal
e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Avaliação: noções, reflexões [...]

e propostas Lei de Diretrizes e Bases. Lei n-º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>, p. 33-34. Acesso em: 26
mar. 2016.
Antes de adentrarmos nos processos de avaliação espe-
Inge Suhr (2012) apresenta os processos históricos de ava-
cíficos da disciplina Arte, gostaríamos de expor algumas de liação no sistema educacional brasileiro e discute as razões, os
nossas reflexões a respeito da avaliação, de modo geral. Para métodos e os instrumentos da avaliação no contexto escolar.
Luckesi (1990), o vocábulo avaliar tem origem latina: a­valere, Reproduzimos, a seguir, um fragmento de seu texto para situ-
ou seja, “dar valor a”. No entanto, para que possamos dar valor ar você, professor(a), na discussão sobre a avaliação na educa-
a algo, precisamos entender quais são nossos objetivos. Se eu ção, apresentando duas tendências históricas:

398
A primeira delas, que recebeu o título de “tradicional” pedagógica defende que o ser humano só pode realmente vi-
e ainda permanece presente em várias escolas, mesmo nes- ver dignamente se dominar os conhecimentos que a humani-
te início de século XXI, pratica a avaliação classificatória, dade acumulou no decorrer dos séculos a ponto de torná-los
que, geralmente, exerce forte pressão sobre os alunos. Essa seus, por meio da incorporação crítica dos saberes necessários
pressão se manifesta durante o período letivo quando o à vida em sociedade. A avaliação “tem um papel essencial:
comportamento do aluno, geralmente usado como eufemis- obter as informações necessárias sobre o desenvolvimento do
mo para obediência, é avaliado e dá origem a uma “nota de aluno e sobre a necessidade de reformulação/adequação da
participação”. A seguir, vem o dia da prova ou da entrega do prática pedagógica para que o processo de ensino-aprendiza-
trabalho, cuja nota raramente pode ser questionada. Cabe ao gem tenha o maior índice de sucesso possível”.
professor o papel de “julgar” o desempenho do aluno e lhe SUHR, I. R. F. Avaliação do processo ensino-aprendizagem: classificatória e seletiva ou
“dar notas”, que originarão uma média, a qual decide a apro- diagnóstica e formativa? In: ZAGONEL, B. (Org.). Avaliação da aprendizagem em Arte. São
vação/reprovação ao final do período letivo. Observa-se que ao Paulo: Saraiva, 2012. p. 29-30.
aluno cabe um papel passivo, de executor de ordens e exames,
Podemos observar com a leitura deste fragmento que a
de quem receia a avaliação, que assume poder disciplinador. avaliação não é algo que exista a priori, mas sim uma cons-
Na história da educação brasileira, à escola tradicional trução histórica permeada de processos políticos, sociais e
se sucedeu a “Escola Nova”. Esta propunha o aluno como
ideológicos específicos da realidade brasileira. Ainda no mes-
mo texto, Inge Suhr (2012) discorre sobre a avaliação classi-
ser ativo, centro do processo ensino-aprendizagem. Segun-
ficatória e a avaliação diagnóstica como posturas avaliativas
do Suhr, para a Escola Nova “a relevância do aprendido é
diferenciadas, presentes na forma que avaliamos tanto dentro
medida em relação à importância para o sujeito-aprendiz e
quanto fora da escola.
não mais em relação à quantidade de conhecimentos assi-
A avaliação classificatória busca selecionar os estudantes,
milados”, como era na escola tradicional. A avaliação, ainda ou seja, estabelecer níveis de grandezas do melhor para o pior
segundo Suhr, passa a valorizar mais “os aspectos afetivos de acordo com o desempenho em uma prova, um exame ou
(atitudes) e o processo de produção do saber pelo estudan- um teste. Essas avaliações têm como princípios a neutralidade,
te”. Podemos observar uma nítida mudança: a avaliação a objetividade e a propriedade de ser mensurável e objetivam,
passa a ser mais processual, valorizar o diferente, a criati- assim, estabelecer comparações, identificações e destaques
vidade, assim como também os aspectos ligados à conduta entre os bons e maus estudantes, ou mesmo entre as boas
do aluno. Embora tenha sido um avanço no sentido de con- e más escolas. Para Suhr (2012, p. 32), “os resultados da escola
ceber o aluno como sujeito de sua aprendizagem, a Escola nessas avaliações externas acabam por dirigir as ações dentro
Nova pecou por relativizar o conteúdo, ferramenta essencial de sala, muitas vezes desviando de seu papel formativo, de
ao desenvolvimento dos sujeitos. favorecer a aprendizagem de todos”. No caso brasileiro, mas
Nos anos 70 do século XX, ganhou força no Brasil a também em muitos outros países, temos exemplos de exames
pedagogia tecnicista, coerente com o processo autoritário governamentais, como o ENEM, para os estudantes do Ensino
que vigia na política da época (Ditadura Militar). O tec- Médio, e o ENADE, para os egressos do Ensino Superior.
nicismo compreendia a educação escolar como espaço que
deveria ser eficiente na transmissão “dos saberes necessários Enem – Apresentação
– informações objetivas e precisas – para que os indivíduos
pudessem se integrar na sociedade, principalmente no que Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino
se refere ao mercado de trabalho”. Os conteúdos foram par- Médio (Enem) tem o objetivo de avaliar o desempenho
tidos em momentos estanques e avaliados por estratégias do estudante ao fim da escolaridade básica. Podem par-
que pretendiam ser científicas e neutras, que medissem a ticipar do exame alunos que estão concluindo ou que já
produtividade do aluno. Podemos perceber nessa concepção concluíram o ensino médio em anos anteriores.
que avaliar é igual a medir, a classificar os alunos como com- O Enem é utilizado como critério de seleção para os
petentes ou não. Os traços de subjetividade e criatividade estudantes que pretendem concorrer a uma bolsa no Pro-
deveriam ser eliminados. grama Universidade para Todos (ProUni). Além disso,
No final dos anos 80 e início dos anos 90 cresceu no Bra- cerca de 500 universidades já usam o resultado do exame
sil um movimento de redemocratização da sociedade que como critério de seleção para o ingresso no ensino supe-
culminou com a promulgação de nossa atual Constituição rior, seja complementando ou substituindo o vestibular.
Federal. Esse movimento atingiu a educação, e os educadores MEC. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/enem-sp-2094708791>.
engajaram-se na luta pela escola pública, de qualidade para Acesso em: 12 fev. 2016.
todos os brasileiros. Portanto, novas propostas educativas fo-
ram surgindo, dentre as quais destacamos a pedagogia histó-
Leia a informação que o MEC disponibilizou sobre o ENEM
rico-crítica, que aponta a difusão – significativa, viva, coeren-
te, atualizada – dos conteúdos construídos pela humanidade em sua proposta apresentada à Associação Nacional dos Diri-
no decorrer dos séculos como tarefa da educação. Essa linha gentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES),

399
com o objetivo de estimular a incorporação da nota do ENEM estudantes sobre determinados conteúdos e também de seu
a seus processos seletivos por meio do Sistema de Seleção desenvolvimento no decorrer das atividades propostas. Esse
Unificada (SISU): desenvolvimento é compreendido tanto em seu aspecto in-
dividual – cada estudante de forma diferenciada – quanto em
A nova prova seria estruturada a partir de uma matriz seu aspecto coletivo, ou seja, a capacidade de inter-relação de
de habilidades e um conjunto de conteúdos associados a um grupo ou turma na realização de determinada tarefa e a
elas. [...] Esta estrutura aproximaria o exame das Diretrizes habilidade de contextualização sobre a produção e a fruição
Curriculares Nacionais e dos currículos praticados nas es- artística. Os instrumentos de avaliação que propomos são as
colas, mas sem abandonar o modelo de avaliação centrado seguintes seções presentes em cada capítulo: Roda de con-
nas competências e habilidades. […] Espera-se, assim, que versa (inicial e final) e nos boxes Fazer arte e Arte no dia a dia.
a reestruturação do Enem atenda plenamente à demanda
das IFES por um instrumento de alto poder preditivo de
Propostas de avaliação contínua do
desempenho futuro, capaz de diferenciar estudantes em
diferentes níveis de proficiência. processo de ensino-aprendizagem
MEC. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ As seções a seguir foram apresentadas a você na Orga-
content&view=article&id=13318&Itemid=921>. Acesso em: 25 jun. 2015. (grifo dos autores) nização geral da obra, nesta Assessoria Pedagógica. Passa-
Em contraste à avaliação classificatória (seletiva), a avalia- remos, agora, a discorrer mais sobre o processo de avaliação
ção diagnóstica (formativa), procura (Suhr, 2012): nelas proposto.
diagnosticar a situação do aluno, seu nível de aprendi-
Roda de conversa
zagem e em que pontos é necessário que haja melhorias.
Essa forma de avaliar tem como objetivo manter professor Esta seção se repete no início e no fim de cada capítu-
e aluno informados sobre a aprendizagem deste, para que o lo. É um momento de ter uma conversa mediada por você,
docente possa planejar as próximas atividades, visando su- professor(a), e orientada pelas perguntas sobre os conteúdos
prir as necessidades do aprendiz. Do mesmo modo, o pró- de cada capítulo.
prio estudante deve ser informado de seus progressos e dos A Roda de conversa inicial pretende diagnosticar quais
pontos em que ainda precisa se desenvolver mais, para que conhecimentos, opiniões e informações os estudantes pos-
possa, como sujeito do processo de sua própria aprendiza-
suem sobre o contexto artístico abordado no capítulo. A
partir desse diagnóstico, os estudantes podem ter uma re-
gem, aprender cada vez mais e melhor.
lação mais consciente e contextualizada com os conteúdos
SUHR, I. R. F. Avaliação do processo ensino-aprendizagem: classificatória e seletiva ou apresentados e você pode repensar estratégias e métodos de
diagnóstica e formativa? In: ZAGONEL, B. (Org.). Avaliação da aprendizagem em Arte. São abordagem dos mesmos em seu planejamento.
Paulo: Saraiva, 2012. p. 35.
Ao fim de cada capítulo, as perguntas orientadas preten-
dem identificar possíveis mudanças na concepção original
A proposta avaliativa deste dos estudantes sobre o assunto, o que possibilitará a você
aferir o desenvolvimento de cada estudante individualmente
livro didático e, também, da turma como um todo. Em ambas as rodas de
conversa é importante não atribuir juízo de valor sobre as fa-
A avaliação diagnóstica é a opção avaliativa deste livro las dos estudantes, dizendo que algo é “bom” ou “ruim”, “feio”
didático. Propomos instrumentos que permitem que você, ou “bonito”, ou até mesmo afirmando que algo “é” ou “não é”
professor(a), possa conhecer e avaliar o processo de apren- arte. No caso da disciplina Arte, essas relações dicotômicas
dizagem de seus estudantes de forma compartilhada com os são sempre variáveis, flutuantes e possuidoras de um alto
mesmos, em uma perspectiva propositiva e implicada com grau de subjetividade. É importante também questionar os
os objetivos de cada unidade, de forma particular, e com os estudantes sobre a atribuição desses mesmos juízos de valor
objetivos do ensino de Arte no Ensino Médio, de forma geral. sobre a fala dos colegas. É importante começar a discutir so-
Essa concepção formativa da avaliação pode ser encontrada bre arte para além da subjetividade do “gosto” ou “não gosto”.
também na LDB, Lei nº- 9.394/1996, no artigo 24, que afirma
que a avaliação deve ser “contínua e cumulativa do desempe-
Fazer arte
nho do estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos Neste boxe, o estudante produzirá arte e fruirá da produ-
sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período ção artística dos colegas. No decorrer do livro, Fazer arte as-
sobre os de eventuais provas finais”. sume durações e complexidades variadas, e podem envolver
A avaliação diagnóstica estabelece seus instrumentos mais de um campo artístico.
avaliativos relacionados às características dos conteúdos a se- O primeiro passo para a avaliação do boxe Fazer arte é
rem trabalhados. Assim, nas unidades e em seus respectivos conhecer bem seus procedimentos, etapas e, principalmente,
capítulos, estabelecemos instrumentos de avaliação que pre- seus objetivos. No livro e nas Orientações didáticas especí-
tendem aproximá-lo do nível de conhecimento prévio dos ficas dessa Assessoria, você encontrará orientações precisas

400
sobre os objetivos de cada momento experimental e este é o possível utilização de recursos audiovisuais. Nesse tipo
principal guia para a sua avaliação. Propomos que essa avalia- de avaliação, você deve mediar a discussão sobre o tema,
ção, seguindo os objetivos propostos, tenha três parâmetros: estabelecer o tempo que cada aluno ou grupo terá para
ƒ Individual: desempenho de cada estudante em relação ao se apresentar e dar um retorno claro e objetivo sobre o
seu próprio processo de aprendizagem e aos objetivos da desempenho deles.
atividade; Os mesmos parâmetros para a avaliação da atividade usa-
ƒ Coletiva: saber organizar-se em grupo, interagir com os dos no Fazer arte podem ser desenvolvidos neste boxe (são
colegas solidariamente e respeitosamente em prol da eles: individual, coletivo e contextual). No entanto, no caso
produção artística; e do trabalho escrito em grupo, não é possível avaliar a con-
ƒ Contextualizadora: ser capaz de contextualizar e se ex- tribuição individual ao texto. No caso de apresentação oral
pressar sobre o próprio trabalho e sobre o trabalho dos em grupo, sugerimos a você que estimule os estudantes para
colegas a partir de seus conhecimentos prévios, incorpo- que cada membro apresente parte do trabalho. Retomamos a
rando os novos conteúdos abordados no capítulo. importância de que você deixe clara a duração de cada apre-
sentação (escrita, oral, sonora ou visual) e o que será avaliado.
Arte no dia a dia Da mesma forma, é importante dar um retorno objetivo da
avaliação para o estudante de forma individualizada, e para
O boxe Arte do dia a dia apresenta sugestões de ativida- o grupo ou turma coletivamente. Esse retorno permite que o
des, pesquisas e recursos audiovisuais que podem ser utili- jovem do Ensino Médio seja consciente e sujeito do seu pró-
zados em complementação aos conteúdos de cada capítulo. prio processo de aprendizagem e produção de conhecimen-
Essas atividades também são instrumentos de avaliação. Sen- to em/sobre Arte, ganhando autonomia.
do assim, é importante que o(a) professor(a) crie mecanismos É muito possível que você, professor(a), utilize instrumen-
de compartilhamento delas para poder estabelecer uma ava- tos e parâmetros de avaliação oriundos da sua prática e expe-
liação. Propomos dois mecanismos básicos para realização riência em sala de aula e diferentes dos aqui abordados. Suas
das avaliações: experiências são muito importantes para o desenvolvimento
ƒ entrega de trabalho escrito sobre a atividade a ser avalia- da aprendizagem dos estudantes e acreditamos que colabo-
da por você fora de sala de aula e devolvido ao estudante ram para complementar as propostas deste livro, pois preten-
com um retorno claro sobre seu desempenho. Nesse caso, demos que ele seja incorporado a sua experiência em sala de
é importante estabelecer um número mínimo e máximo aula de forma autônoma e propositiva. Em todo caso, pensar
de páginas e, também, indicar se o trabalho é individual sobre o sistema de avaliação, seus objetivos, parâmetros e ins-
ou em grupo; trumentos é uma tarefa constante e necessária ao exercício
ƒ breve apresentação de cada atividade pelos estudantes, da docência. Esperamos que os pensamentos tecidos aqui,
que pode ser feita em sala de aula (propomos uma forma- somados às referências citadas, contribuam para a sua refle-
ção em roda) ou em um laboratório de informática com xão constante sobre a avaliação.

6. SUGESTÕES PARA A FORMAÇÃO


CONTINUADA DO(A) PROFESSOR(A) DE ARTE

Com base na literatura sobre as teorias do ensino-apren- No sentido de estimular investigações contínuas sobre os
dizagem das artes e dos vários componentes curriculares do assuntos abordados no livro, também sugerimos alguns sites
Ensino Médio numa perspectiva interdisciplinar, neste item, que podem contribuir para a sua atualização como mediador
apresentamos alguns exemplos de obras, com a intenção de dos processos de ensino-aprendizagem e dos estudos sobre
que elas sirvam como motivação para buscas e pesquisas bi- os temas que propomos na obra.
bliográficas mais amplas.
Também sugerimos alguns filmes ou documentários
que têm como tema, principalmente, a dança, mas também Livros
as artes visuais, a música e o teatro, a vida e a experiência de
artistas, e o ensino das artes. Acreditamos que essas obras
podem servir como estímulo para a investigação artística SOBRE A HISTÓRIA DO PENSAMENTO
sobre os temas geradores sugeridos ao longo da obra, os EM ARTE
quais motivarão as investigações artísticas dos estudan-
tes. Nossa intenção é que as obras sugeridas sirvam tanto ƒ ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cida­
como uma fonte de inspiração como de motivação para os de. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
processos de ensino-aprendizagem propostos, e para a sua Nesse livro, o Historiador da Arte Italiano percorre as rela-
atuação como professor, transformador do conhecimento. ções existentes entre obra de arte, espaço urbano e cidade.

401
Ao analisar produções artísticas no espaço urbano, descons- tratando, entre outros temas, da ruptura nas tradições, da
trói a noção geralmente compartilhada que as obras artís- diminuição das distâncias (espaço e tempo), da ênfase na
ticas ocupariam apenas o espaço dos museus ou galerias. personalização e na competitividade, da possibilidade de
simulação do cotidiano por meio de imagens dos meios
ƒƒ BELTING, Hans. O fim da história da arte: uma revisão dez de comunicação de massa. O autor analisa como esses as-
anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2003. pectos podem ser considerados dicotômicos ou comple-
Hans Belting analisa as transformações no campo artísti- mentares, com base na visão de mundo dos sujeitos en-
co, assim como as novas exigências da disciplina história da volvidos, proporcionando uma aproximação das questões
arte. Após a década de 1960, com a emergência das novas políticas, sociais e culturais inerentes a todos os processos
mídias as noções de enquadramento, originalidade e esti- de ensino-aprendizagem.
lo foram questionadas. O autor propõe novos instrumentos ƒƒ DOMINGUES, Ivan (org.). Conhecimento e transdisciplinari­
analíticos para a análise dessas novas produções emergentes. dade. Belo Horizonte: Editora UFMG/IEAT, 2005.
Esse livro reúne uma coletânea de textos apresenta-
ƒƒ BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: dos em seminários organizados pelo Instituto de Estudos
Zahar, 2005. Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG. A procura
A história cultural ocupa atualmente um lugar de por novas metodologias transdisciplinares em diversas
destaque nos estudos históricos. Comumente situada na áreas do conhecimento, o reconhecimento das porosida-
década de 1930, é localizada por Burke ainda no final do des das disciplinas e da complexidade como um aspecto
século XIX. Visando historicizar as conquistas e as discus- estruturante do mundo são pontos em comum entre os
sões da Escola, Burke analisa um conjunto de pesquisas e trabalhos que compõem a obra.
avalia os avanços e as limitações do campo.
ƒƒ DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano
ƒƒ DANTO, Arthur. Após o fim da arte: a arte contemporânea e e a escola de Vigotski. 2. ed. Campinas: Autores Associa-
os limites da história. São Paulo: Edusp, 2006. dos, 1999.
Arthur Danto localiza o fim da arte na década de 1950 Esse livro está dividido em 5 capítulos que discorrem
com a emergência da Pop Art americana e a produção sobre algumas das principais teorias do ensino-aprendi-
de Andy Wahroll que conseguiu vender como artístico re- zagem orientadas pelo pensamento de Vigotski. Os temas
produções de produtos encontrados em supermercados. abordados são: “Por uma teoria histórico-social na forma-
A definição da arte não estaria nos “objetos”, mas sim nas ção do indivíduo”, “Educação escolar e o conceito de vida
definições construídas pelas instituições artísticas. cotidiana”, “O trabalho educativo e a dupla referência: a
reprodução do indivíduo e a reprodução da sociedade”,
“A prática pedagógica escolar e as categorias de homo-
SOBRE TEORIAS DO
geneização e catarse” e “A escola de Vigotski e a educação
ENSINO-APRENDIZAGEM escolar (hipóteses para uma leitura pedagógica da psico-
logia histórico-cultural)”. A obra possibilita a aproximação
ƒƒ BARBOSA, Raquel (Org.) Formação de educadores: desa­
de conceitos essenciais para a compreensão das dualida-
fios e perspectivas. São Paulo: Unesp, 2003. Disponível em:
des e conexões sociais que o trabalho com o ensino de
<www.dominiopublico.gov.br/download/texto/up00
Arte traz.
0019.pdf>. Acesso em 26 mar. 2016.
Esse livro apresenta o ponto de vista de vários edu- ƒƒ FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 3. ed. Rio de
cadores sobre os desafios e as perspectivas da formação Janeiro: Paz e Terra, 1978.
de professores. Por meio de temas variados, 31 artigos Nesse livro, o mestre Paulo Freire trata da alfabeti-
analisam os diversos aspectos que contribuem para a zação de adultos e da diferença entre uma compreen-
emergência das teorias e práticas do ensino-aprendi- são ingênua e uma compreensão crítica da realidade e
zagem. A leitura desse livro, não só nos aproxima das também desenvolve suas teorias sobre o processo de
teorias existentes como nos coloca frente a frente com alfabetização de adultos como uma ação cultural para a
as contradições e confrontos existentes entre elas. Vale libertação. Nele, também se encontram reflexões sobre
a leitura e a reflexão sobre um tema tão vasto e desa- o processo de humanização e suas implicações peda-
fiador para quem atua como professor-mediador de gógicas, consideradas essenciais para a compreensão
processos de ensino-aprendizagem transformadores e e o desenvolvimento de um ensino de arte “libertador”,
libertadores. termo tão utilizado pelo autor. A obra reúne alguns
dos textos escritos entre 1968 e 1974 que, para o autor,
ƒƒ CAVALLET, Valdo. Educação formal e treinamento: confun-
podem esclarecer certos possíveis vazios entre as suas
dir para doutrinar e dominar. Revista Diálogo Educacional,
teorias de “Educação como prática de liberdade” e a “pe-
Volume 1, número 2, jul./dez. 2000.
dagogia do oprimido”.
Nesse artigo, o autor, professor da Universidade Fe-
deral do Paraná, discorre sobre as mudanças ocorridas ƒƒ FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 17. ed.
nos dois últimos séculos na área da Educação no Brasil, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

402
Nas palavras de Paulo Freire: “ A educação é um ato de jogos de improvisação e as indicações para visualiza-
de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode te- ção desses jogos na internet.
mer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à
ƒ PEREIRA, Eugênio Tadeu. Práticas lúdicas na formação vocal
discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”. Nesse
em teatro. São Paulo: Hucitec, 2015.
livro, Paulo Freire propõe seu método de alfabetização
Este livro traz uma perspectiva interdisciplinar entre mú-
de adultos de maneira minuciosa, expondo seus pres-
sica e teatro ao abordar a formação vocal em teatro como
supostos políticos e filosóficos e contextualizando his-
uma prática lúdica. Discute as noções de jogo e ludicidade
tórica e culturalmente sua proposta. Essa obra muito
realizando uma importante revisão bibliográfica sobre o
pode contribuir para a compreensão dos princípios de
tema. Também traz a descrição de jogos e práticas importan-
contextualização e do papel do professor-mediador nos
tes tanto para o professor de música como para o de teatro.
processos de ensino-aprendizagem.
ƒ QUEIROZ, Lela. Corpo, dança, consciência: circuitações e
ƒ FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a
trânsitos em Klauss Vianna. Salvador: EDUFBA, 2011.
pedagogia do oprimido. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
Nesse livro, a autora apresenta os novos entendimen-
Nesse livro, escrito em 1992, Paulo Freire faz uma re-
tos de corpo e do movimento, resultados das pesquisas
flexão sobre seus escritos na obra Pedagogia do Oprimido
e do ensino de dança do bailarino e professor de dança
e analisa suas experiências pedagógicas de mais de 30
anos nos diversos países em que viveu e onde pôde apli- mineiro, Klauss Vianna. Nos processos de criação do mo-
car suas teorias de ensino-aprendizagem. Ler essa obra vimento, os ensinamentos de Klauss muito contribuíram
é uma oportunidade de aproximação das reflexões de para a compreensão das relações mente-corpo e dos
um professor, escritor e teórico de processos de ensino- princípios e das características da dança contemporânea.
-aprendizagem dialéticos, transformadores e libertadores, ƒ SOARES, Carmela. Pedagogia do jogo teatral: uma poética
conceitos tão essenciais para uma pedagogia da esperan- do efêmero. O ensino do teatro na escola pública. São Paulo:
ça, de acordo com o próprio autor. Hucitec, 2010.
Essa obra discorre sobre a descoberta do sentido do
SOBRE O ENSINO-APRENDIZAGEM DA jogo e do teatro como manifestação lúdica, situando sua
metodologia no ensino do teatro na escola pública brasi-
DISCIPLINA ARTE leira. Traz também reflexões teóricas e sugestões de práti-
ƒ BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/educação contemporânea: cas úteis à formação continuada dos professores de teatro
consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, s/d. e de educação artística.
Esse livro transmite a visão de vários autores e arte/
ƒ TELLES, Narciso; FLORENTINO, Adilson. Cartografias do en­
educadores ao discutir os modos pelos quais se aprende
sino do teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009.
Arte pela cognição e pela interdisciplinaridade (parte 1), o
Este livro reúne capítulos escritos por diversos pesquisa-
conhecimento em Arte e o ensino da história da Arte (par-
dores no ensino do teatro no Brasil. Dessa forma, é possível ter
te 2), e a necessidade de uma teoria crítica no ensino da
história da Arte com base na leitura da obra e do campo uma visão panorâmica e bem fundamentada das principais
de sentido da Arte. Há também artigos sobre intercultura- tendências da pedagogia teatral brasileira contemporânea.
lidade e sobre avaliação.
ƒ BOURCIER, Paul. História da dança no Ocidente. 2. ed. São Filmes e documentários
Paulo: Martins Fontes, 2001.
Nesse livro, além das informações históricas, são apre-
sentadas também técnicas e estilos de dança, possibilitan- ƒ Ballet Russes (documentário). Direção: Daniel Geller e Day-
do uma reflexão sobre a evolução das sociedades huma- na Goldfine. EUA, 2005. 118 min.
nas. A dança e o corpo de quem dança são considerados Esse documentário utiliza depoimentos de integrantes
como um dos principais indicadores desse processo. dos Ballets Russes para contar a história de vida de vários ar-
tistas russos nos Estados Unidos e do início do período de
ƒ MUNIZ, Mariana Lima. Improvisação como espetáculo: pro­
desenvolvimento da dança moderna nesse país. Em seu
cessos de criação e metodologias de treinamento do ator­
quadro de bailarinos, a companhia russa teve alguns dos
­improvisador. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2015.
maiores nomes da dança clássica mundial, como George
Este livro traz um panorama histórico da prática da im-
Balanchine, Leónide Massine, Alicia Markova. As histórias
provisação no teatro e de suas implicações pedagógicas
das pessoas que se dedicaram à dança ilustram a história
no seu ensino para crianças e jovens tanto na educação
do estabelecimento do balé em solo norte-americano.
formal quanto na formação de atores. Faz uma revisão bi-
bliográfica e metodológica dos principais pedagogos re- ƒ Billy Elliot. Direção: Stephen Daldry. Reino Unido/França,
lacionados à improvisação no século XX, dando ênfase ao 2000. 110 min.
trabalho de Keith Jhonstone, pedagogo de fama interna- Nesse filme, a história de Billy Elliot – um menino de
cional pouco difundido no Brasil. Também traz a descrição 11 anos que escolheu praticar aulas de balé no lugar

403
de boxe – é o tema para refletir sobre o ensino de balé trabalhar com bailarinos de sua companhia de dança, ela tra-
clássico e sobre situações historicamente construídas, balha com adolescentes de 14 a 18 anos, que terão sua
relacionadas às questões de gênero e ao preconceito na primeira experiência com a dança e com o palco.
dança. Estratégias de ensino do balé clássico compõem
parte do enredo desenvolvida nessa história.
Sites relacionados à educação
ƒ Frida. Direção: Julie Taymor. EUA/Canadá/México, 2002.
123 min. e ao ensino de arte
O filme narra a vida da pintora mexicana Frida Kahlo. O
trauma após um acidente de ônibus, sua relação com o mu- ƒ Portal do Professor
ralista Diego Rivera, seus casos amorosos – inclusive com o Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.
marxista Leon Trotsky –, as experiências homossexuais são html>. Acesso em: 29 fev. 2016.
episódios da história da artista que aparecem no filme. Nesse site do Ministério da Educação (MEC), você en-
ƒ No balanço do amor. Direção: Thomas Carter. EUA, 2001. contrará dicas para seu trabalho docente dentro e fora da
112 min. sala de aula, assim como sugestões para auxiliar o plane-
Esse filme conta a história de uma dançarina negra jamento de suas aulas, questões relacionadas a educação
que, ao se mudar para o sul de Chicago, sente-se discrimi- brasileira, e conteúdos relacionados ao ensino de várias
nada. Por meio de uma colega, ela se aproxima de Derek, disciplinas do currículo escolar. Sugerimos que você na-
com quem divide sua paixão pela dança. Os jovens co- vegue nesse site para pesquisar as possíveis relações en-
meçam a namorar e passam a sofrer a oposição dos pais. tre a arte e as outras áreas do conhecimento, fomentan-
As histórias de vida desses dois jovens contextualizam as do assim a interdisciplinaridade na sua prática docente.
relações étnicas presentes no mundo da dança.
ƒ Arte Educação
ƒ O poder do ritmo. Direção: Sylvian White. EUA, 2007. Disponível em: <www.arteducacao.pro.br/>. Acesso em:
109 min. 29 fev. 2016.
O filme conta a história de um talentoso dançarino de Esse site, com foco específico nos assuntos relaciona-
rua, que trabalha como jardineiro e tem dificuldade para dos à arte/educação, instiga o professor de arte a investir
se entrosar com os colegas ricos da faculdade. Por meio na prática docente e a mergulhar nas práticas artísticas
de uma competição de dança, ele poderá mostrar seu que vão constituir seus objetos de estudo. Nele você en-
talento, ganhar o respeito dos colegas e conquistar a ga- contrará também informações sobre os quatro campos
rota de seus sonhos. O filme permite uma reflexão sobre
artísticos e as ferramentas para o ensino de suas especi-
desigualdades sociais e culturais e sobre a importância de
ficidades.
compartilhar experiências na dança.
ƒ Instituto Arte na Escola
ƒ O segredo de Beethoven. Direção: Agnieszka Holland. EUA/
Disponível em: <http://artenaescola.org.br/>. Acesso em:
Alemanha, 2006. 104 min.
26 fev. 2016.
O drama apresenta, em ficção, a fase final da vida do
compositor alemão Ludwig Van Beethoven, quando, já O site do Instituto Arte na Escola reúne dicas e espaços
praticamente surdo, estava prestes a estrear sua nona sin- para o aprofundamento de arte/educadores dos quatro
fonia. Por meio do filme é possível conhecer fragmentos campos artísticos. Nele você encontrará lugar para discus-
de obras importantes de Beethoven. sões sobre temas relacionados ao ensino das artes, infor-
mações sobre eventos e congressos de Arte, exemplos de
ƒ O último dançarino de Mao. Direção: Bruce Beresford. Aus- experiências realizadas por professores de arte de várias
trália, 2009. 117 min.
partes do Brasil, além de possibilidade de inscrição e pu-
Baseado na autobiografia do bailarino chinês Li
blicação dos trabalhos realizados com as turmas na escola
Cunxin, esse filme retrata a história de um bailarino que,
em que você leciona.
aos 11 anos, é tirado de uma aldeia pobre chinesa para
estudar balé na escola de Madame Mao, em Pequim. De- ƒ Federação de Arte Educadores do Brasil
pois, ele tem a chance de se mudar para os Estados Uni- Disponível em: <http://faeb.com.br/>. Acesso em: 26 fev.
dos para dançar no Houston Ballet. Para manter-se nos 2016.
Estados Unidos, ele faz várias manobras legais contra as Esse site reúne informações e artigos da Federação de
tentativas oficiais chinesas. O filme aborda várias ques- Arte Educadores do Brasil (FAEB), além de permitir acesso
tões sobre dança e interculturalidade. a textos escritos por vários professores de arte do Brasil.
ƒ Sonhos em movimento. Direção: Rainer Hoffmann e Anne Ao acessá-lo, você poderá obter informações sobre os
Linsel. Alemanha, 2010. 92 min. movimentos que envolvem a Arte/educação brasileira
Nesse documentário, podemos nos aproximar de uma e algumas das principais questões específicas ao ensino
nova montagem do espetáculo Kontkthof, de Pina Bausch, das artes visuais, da dança, da música e do teatro, tanto
em 2008, poucos meses antes de sua morte. No lugar de nas escolas quanto fora delas.

404
7. ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS ESPECÍFICAS

portante é saber que não se pretende chegar a uma resposta


Introdução Arte: fechada a essa pergunta, mas sim ter um diagnóstico da per-
conhecimento e experiência cepção dos estudantes sobre arte.
Ao longo do desenvolvimento da disciplina, encontre ma-
neiras de registrar as rodas de conversa iniciais, pois elas são
instrumentos preciosos de avaliação diagnóstica. Esse regis-
tro pode ser por meio de anotações feitas por você, de grava-
ção de áudio ou de vídeo. É importante que as seções “Roda
de conversa” inicial e “Roda de conversa” final sejam feitas
também oralmente, para promover o debate e a exposição
de argumentos. Esses registros contribuem para contrastar as
respostas dessas seções em cada capítulo. Esse contraste per-
mite diagnosticar o desenvolvimento individual dos estudan-
tes ou o coletivo da turma em relação à temática abordada
nos capítulos.

Páginas 14 e 15 Disciplina Arte – seus campos


artísticos e suas zonas de contato
É bastante comum associar a disciplina Arte ao ensino-
Conteúdos -aprendizagem de artes visuais. Como foi visto na orienta-
ƒ A disciplina Arte e seus campos artísticos (artes visuais, dança, ção pedagógica geral, o ensino formalizado de arte no Brasil
música e teatro) iniciou-se a partir do desenho e, durante muitos anos, este-
ƒ Zonas de contato entre os campos artísticos ve vinculado à pintura, à escultura, ao desenho, entre outras
artes visuais. Sendo assim, é importante esclarecer aos estu-
ƒ Experiência
dantes que a disciplina Arte é composta por quatro campos
artísticos: artes visuais, dança, música e teatro.
Páginas 12 e 13 Afinando os instrumentos Cada um deles possui zonas de interseção entre si e com
outras áreas do conhecimento que podem gerar outros cam-
O objetivo é levar os estudantes a experimentar e com- pos artísticos, como é o caso da ópera ou da performance. Foi
preender a arte como área do conhecimento específico de utilizada a ideia dos conjuntos matemáticos para explicar es-
maneira integrada a outras áreas. Ao longo desta obra, são sas zonas de contato e as relações dos campos artísticos entre
tecidas relações da arte com outras disciplinas e entre os vá- si e com a disciplina Arte. O objetivo não é limitar o escopo
rios campos artísticos, para provocar reflexões e proporcionar dos campos artísticos com os limites do conjunto, mas evi-
práticas integradoras e interdisciplinares nos estudantes. denciar seus lugares de trânsito e interseção. Sendo assim, é
importante reforçar que se trata apenas de um modelo didá-
Página 13 Roda de conversa
tico para explicar os campos artísticos e suas conexões entre
Esta é a primeira “Roda de conversa” do livro. Seu objeti- si e com outras áreas do conhecimento.
vo é conhecer a experiência prévia dos estudantes sobre os
campos artísticos da disciplina Arte (artes visuais, dança, mú- Página 16 Arte no dia a dia
sica e teatro). É possível que eles tenham praticado ou fruído O comentário deste boxe no livro, refere-se ao videoclipe
arte ao longo do Ensino Fundamental na escola ou em insti- como linguagem que envolve diferentes campos artísticos.
tuições religiosas, na rua, em associações de bairro, museus Nas páginas 18 e 19, são citados como exemplos videoclipes
etc. Incentive-os a falar sobre essas experiências e valorize-as. de David Wilson, que esclarecem muito bem essa integração
A pergunta sobre o que é arte provoca, certamente, muito artística.
debate. É fundamental que você conduza a conversa perce-
bendo na fala dos estudantes características de um pensa- Páginas 16 e 17 Arte e experiência
mento de que arte é o que a crítica especializada chama de
A concepção de que o ensino-aprendizagem de Arte tem
arte, ou que arte é sinônimo de belo etc. Nas orientações di-
de dialogar com a prática (a produção de arte), com a fruição
recionadas ao professor, no decorrer do livro, há mais informa-
(o convívio com arte como espectador, ouvinte etc.) e com a
ções para conduzir a conversa. Na parte geral da Assessoria
contextualização (a compreensão da arte em seus contextos
Pedagógica, você pode também encontrar subsídios que o
históricos, teóricos etc.) denomina-se “abordagem triangular”
ajudem a refletir sobre esse tema com os estudantes. O im-
e foi proposta nos anos 1980 pela arte-educadora Ana Mae

405
Barbosa (1942-) no livro Abordagem triangular no ensino das quantidade de informação sobre o espaço que se quer
artes e culturas visuais. A abordagem triangular propõe que capturar. Leve-os a experimentar diferentes enquadra-
os três vértices do triângulo – a produção, a fruição e a con- mentos, mais abertos e mais fechados, com a câmera na
textualização – estejam em constante relação ao se estudar vertical ou na horizontal. Também é importante prestar
arte na escola. Este livro foi pensado dessa maneira e, nele, atenção à incidência da luz. O normal é fotografar com
o professor encontrará oportunidades para os estudantes a luz incidindo sobre o lugar ou objeto, mas também po-
produzirem (no boxe “Fazer arte”), fruírem (conhecendo pro- dem ser experimentadas outras maneiras de incidência
duções dos colegas e de artistas nos boxes “Arte para assistir”, da luz, como fotografar lugares ou objetos na sombra ou
“Arte para ouvir”, “Arte para navegar”, “Arte para ler”) e contex- de frente para a fonte de luz. Como serão usadas câmeras
tualizarem (por meio das teorias e dos boxes “Arte no dia a fotográficas digitais, elas têm um modo automático que
dia”, “Arte em diálogo”, entre outros). Apesar de a abordagem corrige o foco e a exposição à luminosidade. Sendo essa
triangular ser pensada para o ensino de artes visuais, o diá- a primeira atividade com fotografia, os estudantes podem
logo entre os três vértices do triângulo também são impor- utilizar a função automática.
tantes para os demais campos artísticos, como a música, o c) Selecionando as imagens
teatro e a dança. Os grupos devem selecionar as imagens coletivamen-
te usando critérios como enquadramento, foco, lumino-
Páginas 18 e 19   Música e imagem sidade, entre outros. Além disso, é importante que eles
Se possível, assista ao videoclipe de David Wilson an- gostem das imagens que selecionaram e que elas tenham
tes de abordar esse tema com os estudantes e reproduza-o conseguido capturar o que lhes chamou atenção nos lu-
para eles na escola. Se não for possível, reforce a importân- gares ou nos objetos fotografados: formas, texturas, cores,
cia de que eles assistam ao vídeo fora do horário de aula. marcas.
Conhecer a obra de Wilson é muito importante para com- d) Fazendo o vídeo
preender a interdisciplinaridade e as conexões que faz com Selecione um aplicativo de celular ou programa de
vários campos artísticos, como artes visuais, música e vídeo. computador que faça animação de fotografias. Lembre-
Esse vídeo também é uma referência para a prática propos- -se de verificar na escola qual deles está disponibilizado
ta no boxe “Fazer arte“. no laboratório de informática (se houver), qual os estu-
dantes estão mais acostumados a utilizar ou, ainda, se
Páginas 20 e 21   Fazer arte possuem algum aplicativo ou programa em seus apa-
relhos eletrônicos. A forma mais simples é baixar as fo-
Objetivo tografias em um computador e anexá-las ao programa,
escolhendo a ordem de exibição e o tempo entre cada
ƒƒ Experimentar uma prática que envolva duas expressões
artísticas (música e fotografia) para a criação de uma terceira
slide. Também há formatos pré-programados que ani-
(vídeo), em uma perspectiva transdisciplinar. mam de forma diferenciada a sequência de fotos. Depois,
é necessário incluir músicas em duas versões da mesma
A seguir, há mais orientações para a realização da ativi- sequência de slides, conforme a orientação no interior
dade. Se possível, realize a atividade de modo interdisciplinar do livro. Caso os estudantes conheçam programas mais
com o professor de Informática. complexos e saibam utilizá-los, é importante que você
a) Preparação para a realização da atividade valorize a variedade de formatos de vídeos que podem
Oriente a turma a formar grupos de seis a oito estu- aparecer nesta atividade.
dantes. Caso a escola não possua uma câmera fotográfica Página 21   Ensaio corrido
digital ou um tablet, é importante que, em cada grupo,
tenha um estudante que possua um desses aparelhos ou Espera-se que os estudantes sejam capazes de compre-
um smartphone. A edição das fotos e do vídeo pode ser ender a diversidade de campos artísticos da disciplina Arte e
feita no computador da escola, em um smartphone ou como esses campos possuem várias zonas de contato entre
em um tablet. Os programas ou aplicativos de edição de si e com outras áreas do conhecimento. Esse entendimento
fotos e vídeos são simples e muitos estão disponíveis com contribuirá para o desenvolvimento dos estudos.
download gratuito. Pode ser usado, em último caso, um
Página 21   Roda de conversa
programa de apresentação de slides, que também pode
ser encontrado gratuitamente na internet. Nesta “Roda de conversa” final é importante que os es-
b) Escolhendo o lugar e tirando as fotografias tudantes reflitam sobre a arte como conhecimento e expe-
A escolha dos lugares a serem fotografados deve le- riência. Há procedimentos e formas de se relacionar com o
var em consideração diferentes texturas, formas, cores, mundo que são próprios da arte e se manifestam apenas por
luz e sombra. Também pode haver marcas nos ambien- meio dela. No caso da dança, por exemplo, o movimento dos
tes – como um grafite ou determinada forma riscada em corpos compõe imagens e sensações singulares que permi-
uma parede – que chamem a atenção dos estudantes. tem ampliar as maneiras de se conhecer o próprio corpo e a
O enquadramento usado deve levar em consideração a sua capacidade de expressão e interação. Frente às ciências

406
exatas, que tratam de “verdades” testadas e reproduzidas em Capítulos da
laboratório (por exemplo, “dois corpos não podem ocupar Arte em diálogo
Unidade 1
o mesmo lugar no espaço”), a arte traz questionamentos e – Música e Física
provoca dúvidas. Esses questionamentos também são funda- 1 Música e espaço – Música e Língua Portuguesa
mentais para fazer avançar o conhecimento humano e testar – Música e Biologia
seus limites. – Teatro e Língua Portuguesa
2 Artes cênicas: tempo e
– Circo, educação e cidadania
espaço
Unidade 1 Arte, tempo, – Artes cênicas e História

espaço e movimento
3 Escultura: tempo, espaço e – Artes visuais e artes cênicas
movimento – Artes plásticas e História
4 Imagem em movimento – Fotografia, Física e Química
5 Música e movimento – Música e Física
– Ópera de Pequim e História
– Capoeira e cultura brasileira
– Artes cênicas e deficiência
6 Dança, teatro e movimento
física
– Artes cênicas e Língua
Portuguesa

Capítulo 1 Música e espaço

Páginas 22 e 23
Nesta Unidade algumas características estruturais e ex-
pressivas de cada um dos conteúdos da disciplina Arte (ar-
tes visuais, dança, música e teatro) serão conhecidas e ex-
perimentadas, de modo contextualizado. Para isso, foram
elencados o tempo, o espaço e o movimento como temas
geradores que possibilitam explorar essas características. Essa
Unidade possui seis capítulos: os três primeiros abordam as
relações das artes cênicas, das artes visuais e da música com o
tempo e o espaço e os três últimos relacionam esses mesmos Conteúdos
campos artísticos com o movimento. ƒ Música no espaço (ondas sonoras)
É possível entender que o movimento é um gesto ou ƒ Altura do som: graves e agudos
uma ação (cênica, sonora ou visual) no tempo e no espaço
e perceber que o espaço e o tempo se evidenciam no movi-
Página 24 Afinando os instrumentos
mento. Sendo assim, o objetivo não é abordar esses elemen-
tos de maneira compartimentada, já que estão entrelaçados Nesse capítulo, será abordado o ensino da música e do
e se expressam de modo integrado em cada campo do co- som por meio de suas relações com o espaço. Tais relações
nhecimento artístico. A divisão nesta Unidade atende a uma levam a diálogos com outras áreas do conhecimento, como a
necessidade didática e deve ser compreendida nesse con- Física, a Língua Portuguesa e a Biologia, que ajudam na com-
texto, atentando-se para as inter-relações que são apontadas preensão de que o som é gerado a partir de vibrações. Serão
ao longo do livro. discutidos, também, os fatores que atuam na determinação
das diferentes alturas dos sons e como tais fatores influen-
ciam no modo como os diversos instrumentos musicais de-
Interdisciplinaridade
vem ser construídos. Serão apresentadas algumas formas de
Durante o estudo dos assuntos abordados nesta Unidade, representação gráfica dos sons e atividades práticas de reco-
você vai observar conexões interdisciplinares entre as artes e nhecimento de planos de altura, que incluem exercícios de
outras áreas do conhecimento explicitadas no boxe “Arte em apreciação musical e de associação entre movimentos sono-
diálogo”. ro e corporal.

407
Página 25 Roda de conversa Página 28 Arte em diálogo: Música e Língua
O objetivo de se trabalharem essas questões é despertar nos Portuguesa

AUGUSTO DE CAMPOS
estudantes o interesse pelo fascinante mundo sonoro que neces-
sita de diversas áreas do conhecimento para sua compreensão
mais ampla. Espera-se que o desafio apresentado a eles de pensar
a música como arte do espaço estimule o desejo de se aprofun-
darem na grande complexidade que envolve a produção sonora.
É importante receber as respostas dos estudantes como estímu-
los a novas perguntas que se direcionem para os fenômenos vi-
bratórios que envolvem a produção e a propagação dos sons.

Páginas 25 a 30 Som é vibração


Apresenta-se a ideia de que a vibração produzida por dife-
rentes fontes sonoras é propagada através de diversos supor-
tes, como paredes, a água e, especialmente, o ar, até chegar
Foi utilizado o poema “O pulsar”, do poeta concretista bra-
ao cérebro de quem ouve.
sileiro Augusto de Campos, nas formas impressa e musicada
A introdução ao conceito de altura pode gerar alguma para que os estudantes possam identificar, por meio da audi-
confusão entre estudantes acostumados a relacionar o termo ção, notas de três diferentes planos de altura e relacioná-las às
altura com a intensidade. É importante desconstruir o senso formas gráficas do poema.
comum que relaciona som alto com som em grande inten- A música foi gravada para permitir que o ouvinte possa
sidade ou volume, e som baixo com som de pequena inten- escutá-la primeiro cantada e depois somente com as notas,
sem o canto. Assim, você pode utilizar a segunda parte da gra-
sidade ou volume, e reforçar a nomenclatura técnica da área
vação para cantar a canção com os estudantes. Experimente
que relaciona altura com frequência de vibrações e gradações variações em que todos cantam a canção inteira ou divida a
entre sons graves e agudos. turma em três grupos: cada grupo canta somente uma altura
de notas – as mais graves, as intermediárias ou as agudas.
Página 27
De modo complementar, apresente aos estudantes outras
músicas de Caetano Veloso, além de sua biografia e inserção
VALERIY LEBEDEV/ SHUTTERSTOCK

na cultura musical brasileira.


YURIY_FX/ SHUTTERSTOCK

Página 29 Arte em diálogo: Música e Biologia


Agora será aprofundado o pensamento complexo que en-
volve a compreensão da produção, propagação e recepção do
som, por meio dos conhecimentos vindos da anatomia e da
fisiologia do corpo humano. Não se trata aqui de exigir que
GEMPHOTOGRAPHY/ALAMY/LATINSTOCK

os estudantes decorem todos os mecanismos que envolvem


a audição humana, mas sim de estimulá-los a perceber que
BOONROONG/ SHUTTERSTOCK

os conhecimentos científicos estão em estreita conexão com


os processos artísticos, nesse caso, com a apreciação musical.

Página 30 Fazer arte


Contrabaixo Violoncelo Viola Violino
Objetivo
A interferência do comprimento, das diferentes espessu- ƒ Associar movimento sonoro e movimento corporal.
ras e das possibilidades de maior ou menor tensionamento
das cordas no processo de afinação dos instrumentos de cor- Para realizar essa atividade é fundamental que o espaço
da pode auxiliar na compreensão dos motivos que determi- da sala de aula esteja preparado para a movimentação corpo-
ral dos estudantes. O ideal é que o exercício seja realizado no
nam os diferentes tamanhos dos instrumentos dessa família.
palco do auditório da escola, se houver, ou mesmo ao ar livre.
A comparação entre os diversos aspectos que interferem na
Inicie a atividade reproduzindo no aparelho de som frag-
altura dos sons pode ser melhor ilustrada se solicitar aos es- mentos de músicas que possam agradar aos estudantes e di-
tudantes que tragam diferentes instrumentos de corda para a minuir a possível inibição que podem apresentar para relacio-
sala de aula, caso os possuam em casa. nar os movimentos sonoros aos movimentos de seus corpos.

408
A faixa 3 apresenta somente sons em extremos de altura, Página 33   Ensaio corrido
graves ou agudos, a fim de facilitar a percepção dos estudan-
tes quanto à diferente sonoridade dos graves e dos agudos. Neste capítulo, são apresentadas múltiplas conexões do
A faixa 4, além dos graves e dos agudos, apresenta também saber musical com outras áreas do conhecimento, mostrando
sons de alturas intermediárias, exigindo uma percepção mais que as alturas dos sons são definidas pelas frequências das
apurada por parte deles. Auxilie-os a desenvolver essa per- vibrações produzidas por um objeto sonoro. Espera-se que
cepção repetindo essa atividade com variações de movimen- os estudantes tenham compreendido as correspondências
to sonoro executando você mesmo sons graves, agudos e entre frequência e altura, e que tenham conseguido diferen-
intermediários, ou orientando-os a produzir os sons usando ciar de maneira auditiva e representar graficamente sons de
instrumentos musicais. diferentes alturas.
Comece classificando, com eles, os instrumentos quan-
Página 33   Roda de conversa
to às alturas dos sons produzidos. Vocês podem formar, por
exemplo, três grupos de instrumentos: de sons graves, de Verificar se os estudantes desenvolveram a consciência
sons intermediários e de sons agudos. Instrumentos de gran- auditiva com relação às diferenças de altura dos sons e se re-
de extensão sonora podem fazer parte de mais de um grupo lacionam esse conhecimento às preferências musicais deles.
ou ficar limitados a produzir sons somente de uma categoria Se possível, converse sobre os exemplos de músicas que os
de altura. Inicialmente, trabalhe com extremos opostos de al- estudantes trouxeram para a sala de aula. Por exemplo, no
tura e, aos poucos, adicione nuances de gradação entre os rap existe uma linha melódica grave feita pelo contrabaixo
sons graves e agudos. que dá o suporte rítmico, além de o canto ser próximo à fala
Esse trabalho possibilita aos estudantes perceber nuances e estar em registros mais graves. Outro exemplo são os solos
entre sons graves e agudos e relacionar essas diferenças com de guitarra na música pop ou no rock que, normalmente,
movimentos de seu próprio corpo. estão em registros mais agudos. As possibilidades são mui-
tas e, se necessário, comente com eles como a combinação
Página 31   Arte no dia a dia de alturas pode tornar contrastantes os exemplos apresen-
Nesse boxe, utiliza-se a música “Samba de uma nota só”, tados.
composta por Tom Jobim e Newton Mendonça, para desen-
volver outra atividade de percepção de variações de altura, Sugestão de leitura
dessa vez a partir da melodia de uma canção. ƒƒ GUIA, R. L. dos M.; FRANÇA,C.C. Jogos pedagógicos para
Aproveite esse momento para apresentar aos estudantes o Educação Musical. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
movimento musical que ficou conhecido como Bossa Nova e Esse livro apresenta vários jogos que facilitam o apren-
que teve em Tom Jobim um de seus principais representantes. dizado e a consciência musical. O capítulo 2, especificamen-
te, aborda o movimento sonoro, a direcionalidade sonora e
Sugestão para ouvir os planos de altura em jogos de bingo, dados e trilha.
ƒƒ Canção do amor demais, de Elizete Cardoso. Rio de Janeiro:
Biscoito Fino, 2008.
Lançado em 1958 no formato LP pela gravadora Festa, Capítulo 2 Artes cênicas: tempo e
Canção do amor demais reúne 13 canções de Tom Jobim e espaço
Vinícius de Moraes, interpretadas por Elizete Cardoso e com
arranjos de violão de João Gilberto. O disco é considerado
o marco inicial da Bossa Nova, apresentando um estilo de
instrumentação diferente dos boleros e sambas predomi-
nantes à época, além do violão de João Gilberto.

Sugestão de leitura
ƒƒ SEVERIANO, J. Uma história da música popular brasileira. São
Paulo: Editora 34, 2008.
Nesse livro, o autor contextualiza historicamente os
gêneros e movimentos que marcaram a música popular
do Brasil, bem como os principais compositores, músicos e
intérpretes. Esse livro pode ser usado para aprofundar seus
conhecimentos sobre Caetano Veloso, coautor da canção
“O pulsar”, estudada nesse capítulo, e também sobre Tom Conteúdo
Jobim e João Gilberto.
ƒƒ O tempo e o espaço nas artes cênicas

409
Páginas 34 e 35   Afinando os instrumentos artistas aos estudos acadêmicos em teatro, no estudo que
Neste capítulo são discutidas as relações entre tempo, es- denominou Filosofia do teatro, que tem como base com­
paço e as artes cênicas. É importante perceber que a discus- preender a ontologia dessa arte e, para enfrentar esse desafio,
são abrange outras artes cênicas além da dança e do teatro, Dubatti elenca algumas características que não podem faltar
pois objetiva ampliar o escopo das linguagens artísticas abar- para que o teatro seja teatro. São elas: artistas/técnicos e pú-
cadas no conceito de artes cênicas contemplando o circo, por blico compartilhando um mesmo espaço/tempo (o convívio
exemplo. teatral) e a construção poética (a poiesis). Isso reforça a impor-
A capacidade de compartilhar um mesmo tempo e um tância do espaço e do tempo como elementos estruturantes
mesmo espaço em uma situação de convívio entre público e da arte teatral, que se produz na copresença de artistas/téc-
artista é o que as reúne dentro desse conjunto. Assim, esses nicos e público.
elementos estruturantes (o tempo e o espaço) revelam carac- No texto a seguir, Dubatti parte da observação do teatro
terísticas comuns entre as diversas artes da cena, reforçando contemporâneo da Argentina para tentar responder à ques-
seu caráter presencial e de compartilhamento. tão “O que é teatro?”. É possível ampliar suas respostas à di-
Os exemplos artísticos citados neste capítulo são paradig- versidade da produção teatral brasileira da atualidade, confira.
máticos na análise do tempo e do espaço e contribuem para
a compreensão de como esses elementos podem ser articu- Nos últimos anos, somou-se ao campo teatral da Ar-
lados no teatro, na dança e no circo. Se julgar interessante, gentina a percepção da problemática do teatro quando se
traga outros exemplos para a discussão em sala de aula, apro- tenta responder: o que entendemos por teatro? Na pós-
veitando alguma experiência da turma com as artes cênicas -ditadura (período que se inicia na Argentina a partir
ou mesmo se organizando para assistir a um espetáculo com de 1983), o teatro deixa de ter uma definição fechada,
os estudantes. desfiguram-se seus limites. O teatro deixa de ser apenas
uma das belas artes, um edifício ou um texto para ser
Página 35   Roda de conversa representado por atores, como nas velhas definições de
O objetivo desta roda de conversa é conhecer os estudan- séculos passados.
tes e a familiaridade deles com as artes cênicas como espec- Esta nova visão do teatro, implica novas dinâmicas no
tadores. Com base nas perguntas propostas, trace caracterís- comportamento dos espectadores, na legislação, na progra-
ticas das obras de artes cênicas, como locais de apresentação, mação de festivais, nas grades curriculares, na teoria etc. O
duração, horário de apresentações, entre outras. Acolha todas conceito de teatro se torna complexo e hoje resulta inevitá-
as respostas e fique atento à diversidade de locais, duração e vel a aceitação e inclusão de sua liminaridade (Dubatti, 2007
horários de apresentação. É importante debater sobre as dife- e 2015), isto é, sua conexão fronteiriça, seus cruzamentos e
renças que cada espaço, duração e horário podem acarretar suas zonas periféricas, seus intercâmbios e indeterminações
no espetáculo. Lembre-se de que a “Roda de conversa” tem com outras práticas sociais e artísticas. Liminaridade com
como objetivo permitir uma avaliação diagnóstica da turma, a vida e com as outras artes. Para entender o teatro atual é
de seus conhecimentos prévios, opiniões e hábitos em rela- necessário considerar três termos relacionados: teatralidade,
ção às artes. teatro e transteatralização. Estas mudanças foram questio-
nadas no livro Filosofia do Teatro. [...]
Páginas 36 a 42   Artes da presença: artistas e público
Desta maneira, o teatro seria um uso tardio da teatrali-
em um mesmo espaço ao mesmo tempo dade humana e se assemelharia às práticas originadas nes-
O teatro é o primeiro soro que o homem inventou sa teatralidade. Um uso singular, que a Filosofia do Teatro
para se proteger da doença da angústia. define como um acontecimento no qual artistas, técnicos e
espectadores se reúnem de corpo presente (o convívio) para
Jean-Louis Barrault
assistir (recordemos que o termo teatro, em grego, théatron,
O objetivo é evidenciar as artes cênicas como artes da quer dizer mirante, observatório) a aparição de um mundo
presença, ou seja, que dependem da relação de convívio en- paralelo ao mundo, com suas próprias regras, no corpo dos
tre artistas e público em uma mesma coordenada temporal atores (Aristóteles em sua Poética chamou a esse mundo
e espacial. Essa proposição permite diferenciá-las de outras poiesis, que quer dizer “construção”, e desse termo provem
artes, como o cinema, a televisão etc. Nesse sentido, pode-se a palavra poesia).
entender que essa relação presencial entre público e artistas Apertando ainda mais o parafuso: a transteatralização
no mesmo espaço e tempo é uma característica fundadora (Dubatti, 2007, 2010, 2014a). Validada pelo auge da mi-
do teatro, da dança, do circo, entre outras artes cênicas. Sobre diatização e da digitalização, se produz uma projeção do
esse tema, há uma discussão complementar com o objetivo teatro sobre a teatralidade como resultado de uma dinâ-
de ampliar reflexões sobre o assunto. mica invertida: como no domínio da política do olhar se
Jorge Dubatti (1963-) é crítico teatral e professor da Uni- sustenta o poder, o mercado e a vida social a partir da mídia,
versidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Em seu tra- para otimizar e cultivar o controle da teatralidade recorre às
balho, ele pretende aproximar o pensamento e a prática dos
estratégias e aos procedimentos do teatro. Políticos, jorna-

410
listas, pastores, advogados, entre outros, realizam cada vez Página 43   Fazer arte
mais cursos e treinamentos de teatro para valerem-se des-
ses saberes a serviço de um maior domínio da teatralidade. Objetivo
Organizar o olhar de grandes audiências implica construir ƒƒ Experimentar cenicamente diferentes espaços da escola e
opinião pública, ganhar ou perder eleições, vender mais ou perceber o que cada espaço provoca na cena e vice-versa.
menos produtos. A publicidade pode ser estudada com base
nos mecanismos da transteatralização. O objetivo desta atividade é experimentar como o espaço
[...] produz e altera os conteúdos e a expressividade nas artes cêni-
cas, além de levar os estudantes a perceberem o espaço como
Já não se usa, então, a palavra teatro como no passado,
elemento estruturante da criação cênica. Assim, a partir dessa
hoje está carregada das mais amplas referências. No pre-
experiência, ficará mais claro para todos que o espaço é um ele-
sente o teatro inclui tanto os shows da Madonna como as mento importante a se considerar na fruição e na análise de uma
obras de Eduardo Tato Pavlovsky ou do Bicentenário de 25 obra de teatro, dança, circo, performance, entre outras artes da
de maio de 2010 organizado em Buenos Aires pelo grupo cena.
Fuerzabruta. Uma grande conquista: sem dúvida uma maior Mantenha um diálogo constante com os grupos de es-
aproximação da realidade do teatro e da complexidade de tudantes, acompanhando cada etapa do trabalho. A escolha
do espaço deve levar em consideração o desejo dos partici-
seus vínculos fronteiriços e trocas com o resto do mundo. O
pantes do grupo em explorar aquele lugar específico. Quanto
teatro é feito de mundo e o mundo é feito de teatro.
mais claros forem os motivos da escolha do espaço a ser tra-
DUBATTI, Jorge. Teatrología y Epistemología de las Ciencias del Artes: para una cartogra- balhado, mais fácil será estabelecer as relações com ele.
fia radicante. In: Pós: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Depois da escolha do espaço, é importante que os grupos
Artes da UFMG. v. 5, n. 10, nov. 2015. p. 97-100. (Tradução dos autores especialmente passem a explorar possibilidades de ação nesse espaço. De-
para esta obra). vem ser propostas ações simples, que possam ser feitas pelo
coletivo, como sentar-se, levantar-se, empurrar, puxar, circun-
As propostas de definição de teatro, teatralidade e trans-
dar alguma área, erguer algum objeto, entre outras. Contribua
teatralização de Dubatti, podem encontrar um eco direto na para que os grupos não fiquem muito tempo sentados discu-
prática teatral em sala de aula, bem como na maneira de fruir tindo o que deve ser feito. Cada proposta precisa ser experi-
de um espetáculo teatral ou de contextualizá-lo histórica e es- mentada na prática para que, a partir dessa experimentação,
teticamente. Ampliando os limites do que pode ser conside- opte-se por uma ou outra.
rado teatro na atualidade, abarcam-se muitas manifestações Colabore para que a turma defina um percurso interessante
da cultura popular e urbana contemporâneas. Da mesma para a realização das ações em cada espaço escolhido. Além do
forma, entendendo a teatralidade como uma condição sine espaço, é importante pensar no caminho a ser percorrido entre
qua non do ser humano, que é capaz de organizar o olhar do um espaço e outro. Esse trajeto também contribui para uma
descoberta espacial da escola sob novas perspectivas. Revelar
outro e de organizar-se a partir desse olhar, as ações cotidia-
novas formas, contornos, texturas e relações com o espaço é
nas podem ser carregadas de teatralidade sem, no entanto,
um elemento bastante presente na cena contemporânea.
ser teatro. Com a transteatralização, é possível observar o em-
prego da teatralidade nas mais diversas atividades do mundo Página 47   Arte em diálogo: Circo, educação e
contemporâneo, por exemplo, na política, nas organizações cidadania
empresariais, nos grandes eventos esportivos, entre outras.
O circo social é um dos muitos exemplos das artes cêni-
Páginas 41 e 42   Arte em diálogo: Teatro e Língua cas que são trabalhados como um instrumento de inclusão
social e cidadania. Projetos como esse são comuns em várias
Portuguesa cidades do Brasil e é possível que você possa encontrar al-
O objetivo deste boxe é estabelecer as diferenças entre os gum projeto relacionado ao teatro, à dança ou ao circo na
gêneros a partir da Poética, de Aristóteles. É importante que sua cidade. Na atividade a seguir, propomos uma pesquisa
os estudantes compreendam a diferenciação entre gêneros sobre um projeto de arte cênica vinculado à educação e à
cidadania na sua cidade.
lírico, épico e dramático, a fim de que possam reconhecê-
-los. Chame a atenção deles para a presença da narrativa e Atividade complementar
da poesia no teatro contemporâneo, no qual essa diferença
Prepare esta atividade previamente, pesquisando na in-
de gêneros já não é tão clara. No fragmento do texto Por Elise, ternet, em jornais, revistas e outras mídias, bem como con-
citado na página 40, pode-se observar a personagem falando versando com amigos e conhecidos sobre alguma atividade
diretamente ao público, o que mostra uma ruptura com a es- educacional de inclusão cidadã relacionada às artes cênicas
trutura clássica do gênero dramático, em que a ação cênica se em sua cidade ou em cidades próximas. Se não houver ne-
dá por meio de diálogo entre os personagens. nhuma, escolha um projeto desse cunho que seja realizado

411
em outras cidades e peça aos estudantes que reunam o máxi- para facilitar a integração dos participantes à atividade e a
mo de informações que encontrarem sobre ele para compar- concentração deles no processo de criação proposto. A es-
tilhar com os colegas em sala de aula. Se possível, entre em colha de movimentos e a definição de uma sequência são
contato com a coordenação do projeto selecionado e agen- estímulos a processos de criação do movimento.
de uma visita com os estudantes. Oriente a turma a formar Caso a turma tenha acesso a um projetor, as fotos escolhi-
grupos de quatro ou cinco pessoas. das podem ser projetadas na parede branca, enquanto cada
Durante a visita é importante que eles observem: estudante apresenta à turma o movimento correspondente
a) o espaço usado pelo projeto; a ela. Esse exercício resultará na criação de uma sequência
b) em que região/bairro se localiza; de movimentos por estudante e, dependendo da dinâmica
c) qual é o tipo de público atendido; utilizada, a sequência poderá transformar-se em uma grande
d) quem são os professores e qual é a formação deles; célula coreográfica criada por toda a turma.
e) como o projeto é mantido financeiramente; Se desejar, explique o conceito de célula coreográfica
f) qual(is) o(s) campo(s) artístico(s) é(são) explorado(s) pelo para os estudantes. Khoreia é a palavra grega para “dança”, e
projeto e como isso se dá; gráphein, para “escrita”. Em português, portanto, “coreografia” é
g) se o projeto faz apresentações ao público e, em caso posi- uma sequência de movimentos que se escreve com o corpo
tivo, como são feitas essas apresentações. no espaço, em um determinado tempo. A expressão “célula
Depois da visita, os grupos devem entregar um breve re- coreográfica” define as pequenas sequências escritas com o
latório respondendo de modo completo aos tópicos supra- corpo, geralmente com menor duração, e que podem ser
citados e, ao final, dissertar sobre a relevância do projeto no adicionadas a outras sequências para formar uma coreografia.
contexto em que está inserido. Essa atividade também pode Crie um ambiente favorável para que esse processo de
ser considerada avaliativa. criação seja desenvolvido. Você pode sugerir aos estudantes
que espalhem as imagens escolhidas no chão da sala e cami-
nhem em torno delas. Depois de um tempo de observação
Páginas 48 e 49   O corpo também tem memória das imagens, sugira que cada estudante crie um movimento
que expresse a emoção contida em cada imagem escolhida.
Quando se fala de tempo e espaço na dança, assim como Em seguida, peça a eles que organizem os três movimentos
no teatro, trata-se de elementos estruturantes dessas artes. em uma sequência, mas motive-os a conectar os movimen-
Lembrando que o tempo das artes é diferente do tempo tos para que depois eles possam compartilhar a sequência
da vida, as criações de dança utilizam o espaço físico para, criada com os colegas da turma. É importante lembrar que
em um pequeno intervalo de tempo, expressar sensações e não existe certo nem errado, e sim diferentes formas de ex-
sentimentos que podem ser vividos durante uma vida inteira. pressar as sensações e os sentimentos contidos nas imagens
Nesta Unidade, quando se trata da obra A vida começa pela por meio das diversas formas que os corpos podem criar.
memória, a coreografia da Cia. de Intérpretes Independentes
de Manaus (AM) é utilizada para estimular um processo de Leitura complementar
criação em dança que conecte as muitas possibilidades de se
Ao falar de possibilidades de improvisação a partir dos
trabalhar com o elemento tempo.
princípios de Rudolf Laban no livro Os temas do movimento
Página 49   Arte no dia a dia de Rudolf Laban: modos de aplicação e referências I, II, III, IV, V, VI,
VII e VIII, Lenira Rengel afirma que, ao estimular processos de
Esta atividade propõe aos estudantes que participem de improvisação e criação em movimento, podem ser utilizadas
um processo de improvisação do movimento, com base em algumas expressões para incentivar os estudantes a criarem
uma pesquisa realizada a partir de imagens relacionadas à seus próprios movimentos:
vida deles. ƒƒ podemos nos mover rápido como uma flecha;
Estimule-os a escolher suas fotos sozinhos; eles é que de- ƒƒ ou lento como um robô bem pesado;
vem definir que memórias e fatos vividos têm importância ƒƒ ou ficar parados como um caule de uma planta bem de-
para eles. Decida, de acordo com a preferência da turma, se é licada;
melhor padronizar a atividade, pedindo que todas as imagens
ƒƒ ou ficar parados e não sair do lugar “de jeito nenhum”;
venham da mesma fonte (álbum de fotografia, arquivo de
ƒƒ ou sustentar a postura ereta com muita energia e bem or-
computador, redes sociais) ou se cada estudante pode definir
gulhoso;
a fonte que quer utilizar, se podem trazer as fotos impressas
ƒƒ ou despencar nosso peso no chão, levantar e descer, levan-
ou mostrar os arquivos de imagens em um computador, ta-
tar e cair, levantar e ruir;
blet ou celular. Defina com a turma a forma de apresentação
das imagens escolhidas, enfatizando que a escolha condiz ƒƒ podemos empurrar o corpo de um amigo e ele nos em-
com as vivências pessoais e, por isso, não existe certo ou er- purrar também;
rado. ƒƒ ou usar a imagem de bolinhas de sabão explodindo ou
Direcione os estudantes para que escolham apenas um sendo levadas pelo ar; [...]
movimento para cada emoção selecionada. Se julgar interes- RENGEL, Lenira. Os temas do movimento de Rudolf Laban: modos de aplicação e
sante, divida a turma em grupos de até quatro componentes referências I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII. São Paulo: Annablume, 2009. p. 32.

412
Com base nos princípios de Rudolf Laban, a autora alerta por exemplo, acontece nos engenhos e canaviais da Zona da
que para algumas pessoas essas imagens têm pouco sentido. Mata de Pernambuco e pode durar uma noite inteira.
Dependendo das imagens escolhidas pelos estudantes, ou- ƒƒ Pesquise na internet, em livros e revistas e elabore uma
tras ações corporais ou adjetivos que as descrevam podem lista relacionando as tradições populares que você encon-
ser utilizados para estimular o processo de criação dos mo- trar em sua pesquisa e os espaços onde elas acontecem
vimentos. ou aconteceram em forma de ritual. Na aula seguinte,
Dentro do seu planejamento anual, esse texto pode ser compartilhe as informações encontradas com os colegas.
compartilhado com os estudantes para que eles aprofundem Para melhor visualizar os espaços e movimentos de cada
o conteúdo em um outro momento. tradição popular, se possível, procure e assista na internet
a vídeos sobre o assunto.
Para finalizar e sintetizar a pesquisa feita pelos estudantes,
Páginas 52 e 53   Arte em diálogo – Artes cênicas e mostre vídeos curtos sobre algumas das tradições populares.
História Se julgar interessante, faça algumas perguntas como as suge-
ridas abaixo:
Neste boxe são reforçadas as relações existentes entre as 1. Onde acontece o frevo e por que a dança do frevo se ca-
danças e os fazeres diários. O cavalo-marinho também exem- racteriza por movimentos rápidos e acrobáticos?
plifica essas relações. Ao falar dos aspectos da vida cotidiana, 2. Onde acontece o fandango e qual é a relação do lugar
das relações sociais e da memória contidos na brincadeira, com os movimentos do fandango?
Guaraldo (2012) diz: 3. E o bumba meu boi? Onde acontece e como se caracteri-
zam os movimentos de quem dança?
O universo simbólico do cavalo-marinho remete às
Outra opção, para incentivar o protagonismo dos estu-
relações sociais tais como elas se davam nos engenhos de dantes como “pesquisadores”, é solicitar que eles façam uma
cana-de-açúcar. A recriação ficcional e jocosa (por vezes ca- seleção dos vídeos encontrados e, no momento de síntese,
ricata) deste contexto tem dupla função: de um lado função apresentem em sala os vídeos pesquisados por eles, seguidos
de memória, já que o processo de urbanização da Zona da de perguntas a exemplo das sugeridas anteriormente.
Mata Norte, alterou significantemente as relações sociais da
região, acabando com o antigo sistema de morada, quando
trabalhadores moravam nas terras dos engenhos; de outro Página 54   Arte no dia a dia
lado a função de crítica e reflexão sobre o agenciamento do
É importante que os estudantes relacionem as tradições
poder nas relações de trabalho na região-relações marcadas
apresentadas no livro com as expressões culturais presen-
pela continuidade de muitos dos traços do modelo instau-
tes na região onde vivem. Essa atividade tem como objetivo
rado durante o período colonial.
aproximá-los do seu cotidiano e do contexto no qual eles es-
GUARALDO, Lineu. Ensinamentos do corpo brincante e sua apropriação singular. tão inseridos. São esperadas respostas pessoais, no entanto,
In: Tradição e contemporaneidade na cena do cavalo-marinho. OLIVEIRA, Érico. (Org.) vale reforçar qual é o conceito que está sendo utilizado para
UFBA/PPGAC: Salvador, 2012. p. 137. definir uma tradição popular brasileira ou uma expressão da
O mesmo boxe trata também da espetacularização das cultura popular brasileira.
tradições populares brasileiras e utiliza como exemplo a Festa
Página 55   Ensaio corrido
de Nossa Senhora do Rosário, que é representada pelo grupo
mineiro Aruanda e por vários outros grupos que se especiali- O eixo central deste capítulo é a relação entre tempo e es-
zaram em levar ao palco representações dessas tradições em paço com as artes cênicas. Assim, espera-se que o estudante
formato de espetáculos. compreenda tempo tanto como duração quanto como con-
vívio, ou seja, a permanência de artistas e público em uma
Atividade complementar mesma coordenada temporal. Do mesmo modo, o espaço é
Com a atividade proposta a seguir, busca-se aproximar tão explorado como localização e convívio, pois permite um
os estudantes de fatores sociais e culturais que compõem os território comum e compartilhado, que o convívio se estabe-
rituais diariamente transformados em espetáculos cênicos. lece. Uma boa estratégia para rever o conteúdo é reportar-se
Incentive-os a discutir e a relacionar as características dos es- às experiências prévias dos estudantes com a fruição de obras
paços sociais com as características das danças quando trans- cênicas, bem como às atividades do boxe “Arte do dia a dia”
formadas em espetáculo. deste capítulo.
Neste capítulo, além de aproximar os estudantes das
Página 55   Roda de conversa
maneiras de dançar em algumas das tradições populares e
expressões culturais brasileiras, houve uma aproximação dos Reflita com os estudantes sobre as diferenças entre as for-
espaços onde essas tradições populares acontecem em for- mas de fazer teatro e assistir ao teatro, à dança, ao circo, ao ci-
ma de ritual, com um tempo de duração equivalente a uma nema, à televisão e a um vídeo na internet. Lembre-se de que,
festa, ou seja, antes de serem transformadas em espetáculos ao aproximá-los das diferenças entre esses campos artísticos,
cênicos. Foi possível observar que o ritual do cavalo-marinho, buscam-se também as suas zonas de contato. Vivemos em um

413
mundo globalizado, onde com muita frequência as experiên- Capítulo 3 Escultura: tempo, espaço e
cias produzidas em um espaço artístico (teatro, cinema, televi-
são ou internet, por exemplo) se relacionam diretamente com movimento
outro ou até com outros lugares simultaneamente. O impor-
tante nessa atividade é que haja espaço para a discussão e para
a aproximação dos estudantes com os elementos pertinentes
aos vários lugares que as expressões artísticas podem ocupar.

Sugestões de leitura
ƒƒ ANDRADE, M. Danças dramáticas do Brasil. São Paulo: Mar-
tins Editora, 1959.
Nesse livro, escrito entre 1934 e 1944, Mário de Andrade
conceitua muitas das danças populares brasileiras a partir
da noção de folclore e as define como danças dramáticas,
destacando o bumba meu boi como a “mais exemplar”, pois
visualiza na composição dessa expressão da cultura popular
um entrelaçamento dos elementos da dança, da interpreta- Conteúdo
ção e do drama teatral. ƒƒ Escultura – narrativas do espaço, tempo e movimento
ƒƒ CAMARGO, G. (Org.). Antropologia da dança I. Florianópolis:
Insular, 2003. Página 57   Afinando os instrumentos
Esse livro reúne uma coletânea de artigos que abordam
Os escultores trabalharam, ao longo dos séculos, com um
a dança como forma cultural interconectada pelos proces-
número variado de materiais e construíram formas as mais
sos criativos de movimentação dos corpos humanos no
diversas possíveis: representação de personalidades, monu-
tempo e no espaço. Os artigos desenvolvem a possibilidade
de que a dança seja um tipo de atividade social imbuída
mentos em homenagem a guerras, figuras religiosas. Neste
de símbolos específicos e que “pode gerar certos tipos de capítulo, estuda-se essa aventura em alguns períodos da
experiências que não podem ser vivenciadas de nenhuma História da Arte. No texto a seguir, Rudolf Wittkower (2001)
outra forma”, como nos diz John Blacking em um dos arti- estabelece uma história dos materiais utilizados em tempora-
gos desse livro. lidades e espaços distantes pelo mundo.
ƒƒ COSSE, Wagner. Aruanda: 50 anos de história. Belo Horizon-
No passado, os escultores utilizaram praticamente todos
te, 2015.
os materiais que se prestavam a receber uma forma em três
Nesse livro, o diretor artístico do grupo mineiro Aruanda, dimensões. Até mesmo materiais como areia, conchas, cris-
Luís Wagner Cosse de Oliveira (Wagner Cosse), relata o
tal de rocha e vidro têm seu lugar na história da escultura.
percurso histórico do grupo nos seus primeiros 50 anos
Os escultores modernos ampliaram enormemente a diver-
de existência (1960-2010), em Belo Horizonte (MG). Atual-
mente com 55 anos, o Grupo Aruanda é um dos grupos sidade dos materiais: novos metais, aço, materiais artificiais
de projeção folclórica mais antigos do Brasil em atividade como o náilon e os plásticos vieram somar-se e dar conti-
ininterrupta e é pioneiro na pesquisa, preservação e divul- nuidade à antiga tradição de busca e experimentação.
gação da cultura popular brasileira por meio da construção Não obstante, ao longo da história e por todas as partes
de espetáculos que envolvem músicas e danças de todo o do mundo, dois materiais predominaram: a madeira e a pe-
Brasil, interpretadas por dançarinos de diversas faixas etárias, dra. O bronze pode ser acrescentado como um terceiro ma-
e de origem sociocultural muito diversificada. terial em algumas partes do mundo, como a China, a África,
a Grécia e Roma. Na Europa, a escultura em madeira sem-
Sugestão de site pre foi um procedimento comum nos países setentrionais,
ƒƒ Mestres e Griôs do Brasil. Disponível em: <www.mestresegrios. principalmente na França e na Alemanha. Nestes países,
com.br/index.php?option=com_content&view=category&la quando se utilizava a pedra, o que acontecia com certa fre-
yout=blog&id=11&Itemid=10>. Acesso em: 22 abr. 2016. quência, tratava-se em geral de uma variedade menos dura
A série “Mestres e Griôs” é resultado do projeto que de pedras encontradas nos arredores, como a pedra calcária
surgiu da necessidade de instigar o espectador a conhecer e o arenito, e não de pedras duras, como o mármore, ou
o processo de transmissão oral da cultura popular brasileira. materiais de uma rigidez ainda maior, como o granito e o
Além de aprofundar os conceitos de tradição e história oral, pórfiro, extraídos em países mediterrâneos.
tão importantes para a compreensão dos diversos aspectos
O trabalho em pedra é de uma antiguidade incalculável:
das tradições populares brasileiras, houve uma pesquisa
todos conhecem os utensílios de pedra primitivos, encon-
fundamentada por depoimentos de mestres de tradições
populares, como capoeira, jongo, tambores, maculelê e trados em todas as partes do mundo. Tais utensílios devem
moçambique, entre outras discussões essenciais ao tema. ser vistos como a primeira extensão eficaz da mão huma-
na e datam, consequentemente, do despertar da civilização

414
humana. Eles nos oferecem os primeiros exemplos da ha-
Embora tenha sido escrito no século XVIII, o tratado
bilidade manual do homem, pois para fazê-los era preci-
estético de Gotthold Lessing, Laocoonte 2, aplica-se direta-
so lascar ou “britar” a pedra. Conferiam poder, coisa que o
mente à discussão da escultura nos dias de hoje. Isso porque,
homem primitivo estava constantemente descobrindo, e se
no decurso de sua argumentação, Lessing julga necessário
tornaram, assim, os precursores das divindades e das ima-
indagar sobre a natureza da escultura e considerar de que
gens de pedra, receptáculos do poder mágico. modo podemos definir a singular experiência dessa arte. Se
Com o passar do tempo, os utensílios de pedra lascada dei- a formulação dessas mesmas questões tornou-se mais ne-
xaram de satisfazer ao homem. Desenvolveram-se, então, duas cessária ainda, é porque a escultura do século XX adotou,
novas técnicas de se trabalhar a pedra, ambas extremamente repetidamente, formas que o público contemporâneo teve
trabalhosas e lentas. Descobriu-se primeiro que, friccionando- dificuldade de incorporar às suas ideias convencionais acer-
-se um utensílio com areia, sua forma podia ser aperfeiçoada, ca da função característica das artes plásticas. Isso foi tão
o que deu início aos processos de abrasão. Além disso, inven- válido para os objetos criados por Brancusi, Duchamp ou
taram-se os instrumentos de cobre, de bronze e, mais tarde, de Gabo na década de 20 como o é para o trabalho de vários
ferro, e com sua ajuda era possível dar forma à pedra. A partir da escultores dos últimos anos. A questão do que se pode con-
existência desses instrumentos, testemunhamos o nascimento siderar propriamente um trabalho de escultura tornou-se
da história da escultura. Isto nos leva a retroceder mais de seis cada vez mais problemática. Por conseguinte, será conve-
mil anos na história, até as origens das civilizações egípcia e ba- niente, ao se empreender um estudo da escultura deste sé-
bilônica. Os gregos, herdeiros das civilizações orientais, e depois culo, examinar, a exemplo do que fez Lessing duzentos anos
deles os romanos e italianos, cultivaram com orgulho as tradi- atrás, a categoria geral de experiência em que a escultura se
ções que remontam a uma época imemorial, e foi no seio dessas insere.
civilizações mediterrâneas que surgiu o conceito de que esculpir Ao tentar descobri-lo em seu Laocoonte, Lessing começa
a pedra, especialmente o mármore, era o objetivo mais elevado e por definir as condições limitadoras de cada arte. Indaga
a mais grandiosa realização dos escultores. Tal conceito, nascido se existe alguma diferença inerente entre um acontecimen-
no Sul, foi plenamente assimilado por toda a Europa, e sua for- to temporal e um objeto estático e, caso exista, qual o seu
ça continua viva até hoje. significado para as formas de arte relacionadas com o pri-
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 3-4. meiro ou o segundo tipo de construção. Ao levantar essa
questão, Lessing incursiona por aquilo que denominamos
crítica normativa. Ele procura estabelecer normas, ou cri-
Página 57   Roda de conversa
térios objetivos, que permitam definir o que é natural a
Quando se caminha pelas praças das cidades, é comum um empreendimento artístico determinado e compreender
ver bustos, monumentos que muitas vezes não se sabe, ao quais seus poderes especiais de criar significado. Assim, em
certo, quais personalidades representam. No entanto, essa rea- resposta à pergunta “o que é a escultura?”, Lessing declara
lidade é muito distante das representações escultóricas em que a escultura é uma arte relacionada com a disposição de
períodos como o da Grécia Antiga ou do Império Romano. As objetos no espaço. E, prossegue, é preciso distinguir entre
esculturas não eram apenas uma ilustração de uma história ou esse caráter espacial definidor e a essência das formas artís-
de um evento, ou seja, uma escultura de Apolo em seu templo ticas, como a poesia, cujo veículo é o tempo. Se a represen-
era o próprio Apolo. Esse “poder mágico” atribuído às escultu- tação de ações no tem­po é natural para a poesia, argumenta
ras foi se perdendo com a passagem do tempo, mas ainda é Lessing, não é natural para a escultura ou a pintura, pois o
possível encontrar muitas pessoas que sentem medo, afeto, que caracteriza as artes visuais é o fato de serem estáticas.
ou têm devoção por uma imagem, seja ela sagrada ou não. Em decorrência dessa condição, as relações entre as partes
Neste capítulo, serão analisadas formas denominadas es- isoladas de um objeto visual são oferecidas simultaneamente
culturas. E como definir “escultura”? Muitas vezes há dúvidas a seu observador; estão ali para serem perce­bidas e absorvi-
sobre a própria definição de escultura, mas isso é natural e se das em conjunto e ao mesmo tempo.
deve, em parte, ao conceito de “autonomia da escultura”1. Essa
autonomia significa que as esculturas deixaram de cumprir a KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna.
São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2-3.
função de ilustrar uma história – seja bíblica, seja mitológica – e
passaram a provocar sensações, dúvidas e outros sentimentos. Como é possível perceber, a própria definição de escultura
A autonomia da escultura ampliou as possibilidades artís- interessou a teóricos das mais diversas épocas, mas a discussão
ticas tanto na escolha dos temas como no uso dos materiais foi ampliada no século XIX, tornando cada vez mais difícil a ta-
por parte dos escultores. Segundo a pesquisadora de história refa de definir o objetivo e a função de uma escultura. Uma
da arte Rosalind Krauss (2001): das chaves para a compreensão dessas mudanças pode ser
1. O termo autonomia da escultura se refere ao abandono da necessidade de a escultura sempre representar os temas considerados sagrados, históri-
cos ou mitológicos e passar a representar qualquer tipo de tema ou de sensações, como a dor, o amor, a saudade, entre outras.
2. Gotthold Lessing escreve um importante tratado no século XVIII com o objetivo de compreender qual dos meios é mais fidedigno: a imagem ou o
texto.

415
percebida em Auguste Rodin, na obra A Porta do Inferno (1880- em sua evolução no espaço do plano de fundo e o signifi-
-1917). Rodin se empenhou em fazer uma obra que dialogasse cado do momento representado em seu contexto histórico.
com a narrativa A Divina Comédia, de Dante Alighieri, mas, con- Muito embora o observador não se desloque efetivamente
trariamente ao que se esperava, não ilustrou o texto, recriando em torno da escultura, recebe a ilusão de dispor de tanta
inúmeras passagens. Conforme diz Krauss (2001), informação quanto teria se pudesse circunavegar as formas
– talvez mais ainda, já que lhe é dado visualizar, em uma
No início, Rodin seguiu, para a Porta, uma concepção
única percepção, tanto o desenvolvimento das massas como
que obedecia às convenções do relevo narrativo. Seus pri-
sua capacidade de exprimir um significado. Se a atitude do
meiros esboços arquitetônicos para o projeto dividem a su-
escultor para com o relevo é a de um narrador onisciente a
perfície externa do portal em oito painéis separados, cada
comentar a relação de causa e efeito das figuras, no espaço
um dos quais conteria relevos narrativos organizados se-
histórico e plástico, a atitude correspondente do observador
quencialmente. [...].
é definida pela natureza do próprio relevo: o observador as-
Em sua versão final, A Porta do Inferno resiste a todas as
sumirá uma onisciência paralela em sua leitura da obra em
tentativas de ser compreendida como uma narrativa coerente.
toda a lucidez desta.
Dentre a profusão de grupos de figuras, somente dois estão di-
retamente relacionados à narrativa original da Divina Comédia. KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
p. 15-16.
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna.

IMAGEBROKER/ ALAMY/ LATINSTOCK


São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 18-19.
JAVIER GIL/ ALAMY/ LATINSTOCK

A Porta do Inferno, escultura de bronze, de


Auguste Rodin, 1880-1928. Dimensões: A Marselhesa ou A Partida dos Voluntários de 1792,
636,9 cm × 401,3 cm × 84,8 cm. escultura de François Rude, 1833-1836, no Arco do
Triunfo em Paris, França. Foto de 2012.
É importante fazer um paralelo com o que foi compreen­
dido com a concepção em relevo no século XVIII. Uma das pri- Ao observar essas obras, o convite não é pela decifração
meiras teorizações está no livro The problem of form in painting da história, mas pela construção das sensações e emoções
and sculpture, de Aldolf Hildebrand. Hildebrand, ao analisar as que as esculturas modernas e contemporâneas permitem.
relações entre a percepção da natureza e a produção artística,
elegeu o relevo como o mais adequado para a elaboração de Páginas 58 e 59   Movimento das esculturas e
formas tridimensionais, justamente por esse oferecer clareza esculturas de movimento
e unidade ao observador. Como exemplo, é possível recorrer
à obra A Marselhesa (1833-1836), de François Rude, cuja orga- A história da escultura pode ser descrita como a busca
nização das figuras sobrepostas em profundidade sobre um do movimento. Antes, muitas esculturas eram construí-
plano de fundo – como se elas avançassem em direção ao das tendo um pedestal, o qual limitava a representação do
observador – permite o desenvolvimento de uma narrativa movimento. Era necessário que o espectador construísse o
sequencial e lógica. Segundo Krauss (2001), movimento mentalmente, ou seja, o desenrolar da ação e da
história que estava sendo contada dependia do movimento
O relevo, portanto, permite ao observador compreen- ao redor da obra para se contemplar o todo da forma escul-
der simultaneamente duas qualidades recíprocas: a forma tural. Depois, um dos objetivos da arte moderna foi permitir

416
que a escultura se movimentasse seja pela ação do vento, Página 60   Fazer arte
do toque ou mesmo de mecanismos que simulassem deter-
minado movimento. Nesta parte do capítulo, será possível Objetivo
compreender esse desenvolvimento e o interesse da arte ƒƒ Facilitar a compreensão do movimento proposto
moderna e contemporânea em aproximar cada vez mais o pela escultura Adão, por meio da reprodução de seu
espectador da escultura. posicionamento com o próprio corpo.

Página 59   Fazer arte O objetivo deste boxe é desenvolver uma atividade em


que os estudantes vivenciem de maneira mais próxima a aná-
Objetivos lise de uma escultura. Nela, será demonstrado como algumas
esculturas pretendem representar o movimento do corpo no
ƒƒ Compreender os processos de montagem de uma escultura
a partir de materiais variados.
espaço. De modo lúdico, a proposta consiste em reconstruir os
movimentos representados pela escultura e, gradativamente,
ƒƒ Analisar a passagem da proposta visual à realização material.
compreender como determinada posição depende do movi-
mento de um conjunto de músculos e membros.
Esta atividade deve ser realizada individualmente e cada Os estudantes devem se levantar e tentar reproduzir a
estudante deverá produzir sua própria peça. Oriente-os a mesma posição da escultura, usando as carteiras como apoio
desenvolver as combinações possíveis entre os objetos reco- para se equilibrarem, se necessário. Chame a atenção para o
lhidos. Depois de produzidas as peças, pode ser organizada fato de estarem espelhados em relação à imagem. Assim, as
uma exposição na sala de aula. Caso tenham feito estudos no direções esquerda e direita devem se relacionar ao persona-
papel antes de produzirem as esculturas, peça aos estudantes gem representado. Leve-os a perceber que o peso não está
somente sobre a perna esquerda, mesmo que esteja esticada.
que os guardem, para serem expostos ao lado das esculturas
Oriente-os a prestar atenção na posição da região superior
finalizadas. É interessante que seja feita uma discussão com e no deslocamento da cabeça para a esquerda. O ombro
a turma sobre as diferenças entre os dois momentos: o do esquerdo está inclinado para a frente enquanto o direito se
planejamento e o do resultado final. Muitas vezes, existem di- apresenta distendido para trás; o braço esquerdo está voltado
ficuldades impostas pelos materiais que são apenas percep- para a direita e a mão está apoiada sobre a perna direita e o
tíveis em sua transformação e esta é uma experiência muito braço esquerdo, que está estendido ao longo do corpo em
rica para a compreensão do processo de transformação dos direção ao chão.
objetos. Em seguida, peça aos estudantes que se sentem em suas
carteiras e observem a sua demonstração do movimento em
Esta atividade permite que os estudantes compreendam
análise. Fique em pé normalmente e refaça a posição da es-
melhor o processo de realização de um objeto tridimensional. cultura, que será denominada na cena 2. Tente criar, com o
Assim, ao mesmo tempo em que compreendem o desafio de corpo, a cena 1, na qual a posição das pernas, troncos e ca-
transformação dos materiais, podem desenvolver o olhar para beça é totalmente confortável. Passe da cena 1 para a cena
a representação escultural. Espera-se que, após a realização 2, flexionando a perna direita e segurando-a com a mão es-
desta atividade, o trabalho com materiais diversos e o desafio querda. Depois disso, tente realizar uma terceira posição, que
de representar um objeto tridimensional despertem maior será chamada cena 3, flexionando o braço direito em uma
interesse neles, quando tiverem a oportunidade de observar pequena curva e deslocando a cabeça à direita. Em seguida,
peça-lhes que experimentem as três posições demonstradas
as esculturas.
por você. Oriente as transições com palmas, de maneira que
Páginas 60 e 61   A escultura: arte do espaço, do eles percebam a diferença entre cada uma das três cenas.
O importante é que os estudantes visualizem o movimento
tempo e do movimento completo sugerido pela escultura.
Rodin é um dos símbolos da escultura moderna, pois, Avalie a possibilidade de fotografar algumas posições dos
além de abandonar o sentido de ilustração da História, deixa estudantes nessas propostas de cenas estáticas 1, 2 e 3 e, de-
pois, compare-as com cada movimento que elas sugerem.
aparente a matéria bruta e as marcas do cinzel, de sua mão e
de outras ferramentas utilizadas no processo de construção Página 61   Arte em diálogo – Artes visuais e artes
da obra. O principal objetivo de deixar o material aparente cênicas
sem terminá-lo deriva de um contato mais próximo com o
O estudo da comunicação corporal não interessou ape-
observador. Pode-se dizer que o escultor deixa aparente todo
nas aos escultores. A capacidade de transmitir uma men-
o processo, como se fosse possível repeti-lo. Isso possibilita sagem ou uma sensação a partir da linguagem do corpo é
entender como ocorre o processo de transformação de ma- fundamental para o ator também. Nesse sentido, o domínio
teriais que poderiam ser vistos brutos, mas que são apresen- da linguagem corporal, presente na escultura, possui uma
tados ao observador, pelos escultores, como macios ou lisos. relação interdisciplinar com as artes cênicas. Basta lembrar o

417
trabalho de Étienne Decroux e a criação da técnica chamada representação de um evento que realmente aconteceu, mas
mímica corporal dramática. existem muitas formas de manipulação da imagem fotográ-
fica que passam, por vezes, despercebidos. Essa problemati-
Páginas 62 a 64   Esculturas e espaço público zação pode ser encontrada na explicação do pesquisador na
As esculturas não são encontradas apenas em museus ou área da fotografia Arlindo Machado (1984):
galerias. É possível, como mencionado anteriormente, con-
Toda fotografia, seja qual for o referente que a motiva, é
viver com esculturas no espaço público, no pátio da escola,
sempre um retângulo que recorta o visível. O primeiro papel
entre outros. Muitas vezes, a convivência contínua com esses
monumentos fazem com que eles passem despercebidos. O da fotografia é selecionar e destacar um campo significan-
importante nesse momento é observarmos os monumentos te, limitá-lo pelas bordas do quadro, isolá-lo da zona cir-
que estão bem próximos do nosso cotidiano tentando res- cunvizinha que é a sua continuidade censurada. O quadro
gatar o seu sentido tanto do ponto de vista artístico como da câmera é uma espécie de tesoura que recorta aquilo que
também histórico. deve ser valorizado, que separa o que é importante para os
interesses da enunciação do que é acessório, que estabelece
Página 64   Arte em diálogo – Artes plásticas e logo de início uma primeira organização das coisas visíveis.
História Eisenstein já afirmou mais de uma vez que a visão figurativa
é sempre uma visão “em primeiro plano” (no sentido em
Nas cidades, muitos monumentos públicos possuem a
que se fala de primeiro plano no cinema, como detalhe am-
função de símbolo comemorativo de fatos históricos de uma
pliado), porque tanto o pintor como o fotógrafo precisam
sociedade. Se possível, com o professor de História, realize
uma atividade para localizar e identificar um monumento his- sempre efetuar uma escolha, para recortar na continuidade
tórico, por meio de pesquisa e discussão com os estudantes, do mundo o campo significante que lhes interessa. Toda vi-
com o objetivo de resgatar tanto os aspectos históricos da são pictórica, mesmo a mais “realista” ou a mais ingênua, é
obra como as alternativas artísticas utilizadas pelo autor da sempre um processo classificatório, que joga nas trevas da
escultura. invisibilidade extraquadro tudo aquilo que não convém aos
interesses da enunciação e que, inversamente, traz à luz da
Página 65   Ensaio corrido cena o detalhe que se quer privilegiar.
O objetivo deste capítulo foi apresentar formas diversas Evidentemente, essa escolha, esse recorte não são nunca
de representação tridimensional, tanto brasileiras como es- inocentes, nem gratuitos. Toda síncope do quadro é uma
trangeiras. Foram propostas atividades para elaborar objetos operação ideologicamente orientada, já que entrar em cam-
tridimensionais e repetir os movimentos realizados pelas es- po ou sair de campo pressupõe a intencionalidade de quem
culturas, o que aproxima e ajuda os estudantes a analisarem enuncia e a disponibilidade do que é enunciado.
as obras. MACHADO, A. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 76-77.
Cada fotografia é um recorte da realidade, assim como
Capítulo 4 Imagem em movimento uma história contada por alguém. Porém, para além dos cui-
dados necessários a uma crítica das imagens, é importante
conhecer a passagem da fotografia para as imagens em mo-
vimento denominadas de “primeiro cinema” ou pré-cinema.
A sensação de movimento de uma imagem como um filme
demanda a sobreposição de 24 imagens por segundo. É ne-
cessário lembrar que ainda não existiam as câmeras de vídeo
que atualmente conseguem realizar “filmes” ou construir a
ideia de imagem em movimento sem depender da monta-
gem. O desenvolvimento técnico para se chegar ao ponto
conhecido hoje foi bastante longo. Vamos, então, retornar ao
início do cinema com Georges Sadoul (1963) e a invenção dos
primeiros aparelhos:

Conteúdo
Fazendo desfilar aos nossos olhos vinte e quatro (e
antigamente dezesseis) imagens por segundo, o cinema
ƒƒ A fotografia e o início do cinema
nos dá a ilusão do movimento, porque as imagens que se
gravam em nossa retina não se apagam instantaneamente.
Páginas 66 e 67   Afinando os instrumentos Essa qualidade (ou imperfeição) do olho humano, a persis-
Neste capítulo serão apresentadas algumas tecnologias tência retiniana, transforma um tição agitado numa linha
de criação e reprodução de imagens, assim como a passagem de fogo. O fenômeno foi constatado pelos Antigos, e o seu
da fotografia para o cinema. É comum associar fotografia à estudo esboçado nos séculos XVII e XVIII por Newton

418
e o Cavaleiro D’Arcy. Foi, entretanto, necessário esperar mo provocado com as primeiras possibilidades técnicas, a
os trabalhos de Peter Mark Roget, inglês de origem suíça, escolha do assunto impôs-se aos fabricantes de brinquedos.
para tomar-se o rumo que levaria ao cinema. Como aplica- SADOUL, G. História do cinema mundial. São Paulo: Martins, 1963. v. 1. p. 15.
ção dos seus trabalhos, um ilustre físico britânico construiu
em 1830 a Roda de Faraday, descrita em todos os tratados Neste capítulo, é visto como uma nova tecnologia muitas
de física, enquanto John Herschel, imaginando uma nova vezes incorpora um conjunto de outras anteriores. Atualmen-
experiência divertida de física, fez nascer o primeiro brin- te, ao assistir a um filme não se tem a dimensão de sua histó-
quedo óptico a empregar desenhos. O Taumatrópio, criado ria com a graduação da passagem por outros meios, como a
em 1825 por Fitton e o doutor Paris, é um simples disco fotografia. Essa experiência apenas aumenta o interesse e o
de papelão contendo na face e no verso dois desenhos, que fascínio por essa tecnologia tão presente no dia a dia.
se superpõem aos nossos olhos quando os fazemos girar
Página 67   Roda de conversa
rapidamente.
Os aparelhos criados simultaneamente em 1832 por Existem inúmeras possibilidades de acesso a filmes atual-
Joseph Plateau, jovem físico belga, e o professor austríaco mente. A experiência pode ocorrer no cinema, nas redes so-
Stampfer, retomam os dispositivos essenciais da Roda de ciais ou mesmo na TV aberta. Uma das questões fundamen-
Faraday (um disco denteado observado num espelho) e os tais é observar as diferenças existentes entre cada experiência
desenhos do Taumatrópio. e incentivar a discussão.
Aproveite esse momento para conhecer qual é o contato
SADOUL, G. História do cinema mundial. São Paulo: Martins, 1963. v. 1. p. 9.
dos estudantes com o cinema, com a fotografia e com as mí-
A primeira tecnologia capaz de realizar não apenas a cap- dias que permitem o compartilhamento de vídeos. Com re-
tação, mas também a projeção de imagens em movimento lação ao cinema, é importante refletir sobre o lugar que essa
ficou conhecida como fuzil cronofotográfico. O nome, à pri- arte ocupa na vida de cada um deles. Eles possuem o hábito
meira vista, pode parecer estranho e inapropriado, mas trata- de assistir a filmes? Essa atividade é realizada com a família ou
-se justamente de um mecanismo de um revólver. Assim que com amigos? Pergunte a eles quais são seus filmes preferidos
o gatilho era disparado, percebia-se um círculo em movimen- e o motivo dessa preferência.
to sobrepondo imagens estáticas e criando a ilusão de movi-
mento. Segundo Sadoul (1963), Páginas 68 e 69   Desenhando com luz

Em 1825, na sua forma mais clássica o Taumatrópio A fotografia, tal como se conhece hoje, possui uma histó-
era um disco de papelão tendo na face um pássaro e no ria fascinante. Os princípios teóricos podem ser encontrados
verso uma gaiola. O disco girava e o pássaro entrava na em Aristóteles (384-322 a.C.) e em Mo-tzu (século V a.C.). Da
gaiola. Por enquanto, nada é animado. Trata-se somente passagem dos aspectos teóricos aos práticos encontra-se a
de uma sobreimpressão que obedecia a certa lógica e cujos criação da câmara escura, que serviu como importante fer-
assuntos eram simples. Esse brinquedo esteve em voga, ramenta tanto para os artistas como para a invenção da fo-
litografaram-se delicadamente em cores os seus temas tografia.
elementares. Assim, podiam-se encontrar nos bazares de
Página 70   Arte em diálogo – Fotografia, Física e
Londres, Paris ou Viena um cavaleiro e sua cavalgadura,
Química
um decapitado e sua cabeça, os dois membros de um casal,
duas partes de uma palavra, uma dançarina e seu parceiro, A produção de uma fotografia depende de um conheci-
um caçador e sua caça etc., que eram reunidos numa única mento interdisciplinar que aproxima Arte, Física e Química.
imagem pelo rodopio do taumatrópio. Esse boxe traz informações básicas de como esses conheci-
Stampfer, de Viena, era professor de geometria, e mentos relacionados permitiram a criação, reprodução e fixa-
a Roda de Faraday, na qual se inspirou, mostrara-lhe ção das imagens.
setores coloridos derivados do Disco de Newton. No
seu Estroboscópio, o austríaco pôs inicialmente em mo- Páginas 71 e 72   Cinema e ilusão de movimento
vimento rosáceas, engrenagens, sólidos em revolução. Pri- A ilusão de movimento, a partir da sobreposição de várias
meiros balbucios do cinema científico aplicado ao ensino. imagens estáticas, foi um dos aspectos mais complexos para
Mas em Viena como em Liège, Stampfer e Plateau a invenção do cinema. Para tanto, foi necessária a invenção
logo procuraram animar o homem e dar-lhe relevo, por de inúmeros equipamentos ao longo de décadas. Nesta par-
meio do movimento em uma terceira dimensão, alguns te do capítulo, será apresentado um pouco da história des-
anos antes da invenção do Estereoscópio. A primeira ima- se desenvolvimento técnico. É importante compreender de
gem que Madou desenhou para o seu amigo Plateau foi a que modo um tipo de tecnologia, à primeira vista percebida
de um pajem em estilo trovadoresco, que girava sobre os como “nova” ou “independente”, é fruto de inúmeros conhe-
calcanhares. Stampfer, por seu lado, mandou executar a cimentos anteriores, como ocorreu com o cinema associado
imagem de um saltador rodopiando. Ao passar o entusias- à pintura e à fotografia.

419
Página 73   Arte no dia a dia uma primeira aproximação à produção e análise de imagens.
Nesse sentido, é importante reconhecer a complexidade da
Esta atividade é uma ótima oportunidade de conhecer os discussão e valorizar o processo de produção dos estudan-
primeiros filmes que foram exibidos no início do cinema. É tes. Muitas atividades dependem de grande empenho deles
possível que a primeira impressão que os estudantes tenham, para que sejam concretizadas, e as imagens produzidas não
quando assistirem a esses filmes, seja a que possuem uma
devem ser julgadas como “bonitas” ou “agradáveis”. O mais re-
linguagem próxima da fotografia e não têm enredos muito
levante, nesse momento, é que os estudantes entrem nesse
elaborados. Então, uma possibilidade é apresentar e discutir
universo de produção, o qual poderá gerar importantes resul-
os elementos que compõem a linguagem do cinema que,
tados com a prática contínua.
nesses filmes, estão sendo construídos e consolidados.

Sugestões de leitura Capítulo 5 Música e movimento


ƒƒ ALPERS, S. A arte de descrever: a arte holandesa no século XVII.
São Paulo: Edusp, 1999.
Os artistas holandeses do século XVII foram um dos
primeiros a utilizarem o sistema de representação da “câ-
mera escura”. A partir do desenvolvimento dessa máquina,
foi possível produzir imagens muito próximas da realidade
visível.
ƒƒ MACHADO, A. A ilusão especular: introdução à fotografia. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
Arlindo Machado apresenta uma importante discussão
sobre o conceito de representação fotográfica. Geralmente
tratamos uma fotografia como a responsável por captar um
“momento verdadeiro”, mas na verdade existem inúmeros
componentes que podem ser manipulados na produção de
Conteúdos
uma foto.
ƒƒ Movimento sonoro
ƒƒ SADOUL, G. História do cinema mundial. v.1. São Paulo:
Martins, 1963. ƒƒ Leitura musical por gráficos

O livro de George Sadoul é um importante material de


consulta, pois relaciona historicamente tanto as técnicas Página 78   Afinando os instrumentos
como os filmes que figuraram na história do cinema.
Neste capítulo é abordado o ensino da Música e do som
por meio de suas relações com o movimento. Tais relações
Página 74   Arte holandesa – arte da descrição
provocam diálogos com outras áreas do conhecimento,
Esta discussão permite compreender como os artistas ho- como a Física, e com outros campos artísticos, como a Dança,
landeses estavam interessados em representar aspectos des- que ajudam na compreensão da música como arte também
critivos seja da natureza, com a representação das paisagens, do movimento. É estudado como os sons se movimentam
seja nos detalhes de um retrato. Nesse sentido, a câmara es- em diferentes alturas, como os diversos andamentos con-
cura transforma-se em uma importante ferramenta para aju- ferem diferentes características aos estilos musicais e como
dar os pintores na captação dos mínimos detalhes escolhidos a pulsação pode ser medida pelo metrônomo. Para melhor
na representação. compreensão dos conteúdos apresentados no capítulo, os
estudantes serão estimulados a exercitar a imaginação, utili-
Página 77   Ensaio corrido
zando-se de metáforas com relação aos conceitos de movi-
Um dos aspectos importantes deste capítulo é oferecer mento sonoro, pulsação, entre outros.
uma pequena introdução sobre as imagens em movimento e Leia a seguir como a professora Lucia Pimentel (2015)
compreender como a linguagem do cinema é derivada tanto apresenta o pensamento do pesquisador Arthur Efland sobre
da pintura como da fotografia por demonstrar a aproximação a imaginação e a metáfora no ensino de Arte na escola:
de campos muitas vezes apresentados de maneira isolada. As
atividades de criação de imagens permitirão uma aproxima- Efland (2002) propõe que metáfora e imaginação de-
ção do fazer com aspectos teóricos necessários para a com- vam ser integrantes essenciais das metodologias de ensino/
preensão do capítulo. aprendizagem em Arte, devido à sua importância cogniti-
va em todos os campos do conhecimento, e especialmente
Página 77   Roda de conversa em Arte. Elas são componentes chaves para inserir os co-
Neste capítulo são tratadas questões bastante complexas nhecimentos construídos na escola no contexto de vida do
sobre a teorização, análise e criação de imagens, e foi feita estudante. Segundo o autor, a imaginação é uma atividade

420
estruturadora que usa a metáfora para estabelecer conexões tanto nas obras musicais quanto no ambiente que nos cerca, e
significativas, sendo as elaborações metafóricas essencial- serão discutidas a relatividade do silêncio por meio da apresenta-
mente corpóreas. ção da câmera anecoica e do impacto dela sobre a obra do mú-
sico John Cage, o que culminou na criação da composição 4'33''.
PIMENTEL, Lúcia. Fugindo da escola do passado: arte na vida. Revista Digital do LAV.
Santa Maria, v. 8, n. 2, 2005. p. 16. Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ Atividade complementar
ojs-2.2.2/index.php/revislav/article/view/19862/pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.
Mostre à turma um vídeo (que pode ser visto na internet)
Neste capítulo, prossegue o trabalho com o treinamento de uma apresentação da peça musical 4'33'', de John Cage.
auditivo e com as formas de representação gráfica dos sons, Antes da exibição, oriente os estudantes a observar a rea-
incluindo, além dos graves e agudos, os sons de altura inter- ção da plateia e os sons que ela produz durante a execução
mediária, continuando com as atividades práticas de reconhe- da obra. Peça a eles que façam silêncio, prestem atenção aos
cimento de planos de altura e de movimentos sonoros que sons que vêm do ambiente e anotem os sons ouvidos em
incluem exercícios de representação gráfica e ditado musical. uma folha avulsa ou no caderno. É importante que assistam à
peça em toda a sua duração.
Página 79   Roda de conversa
Depois, organize um debate para que compartilhem suas
Relembre a relação das frequências das vibrações sonoras anotações e pergunte aos estudantes se já tinham consciên-
com a altura dos sons. Os estudantes podem dizer como as cia da existência desses sons antes dessa experiência.
melodias se movimentam em diferentes alturas ou se referir Uma discussão que possivelmente surgirá é se essa com-
aos diversos andamentos, que dão aos estilos musicais dife- posição de John Cage é música ou se trata-se apenas de uma
rentes características. Podem, ainda, referir-se às alterações de provocação ou irreverência. A composição de Cage mostra
andamento em uma mesma música, como aceleração ou di- que o silêncio é relativo e que, na verdade, a música está sem-
minuição da pulsação. Aceite as diversas respostas e conduza pre acompanhada de ruídos. Além disso, o próprio conceito
a abordagem para o movimento sonoro através das mudan- de música se expande, acolhendo diversas sonoridades e ruí-
ças de altura. dos até então considerados não musicais.

Página 80   Fazer arte


Página 84   Fazer arte
Objetivos
ƒƒ Reconhecer graficamente sons de diferentes alturas. Objetivo
ƒƒ Praticar movimento sonoro por meio da leitura gráfica de ƒƒ Realizar a leitura gráfica de movimentos sonoros.
sons.
Este boxe apresenta mais uma forma gráfica de represen-
Nesta atividade, serão realizados o treinamento auditivo e a tação sonora, desta vez de movimento de alturas em sons li-
representação gráfica de sons de alturas intermediárias, com o gados. Se preferir, desenvolva este exercício em várias aulas,
objetivo de reconhecer graficamente sons de diferentes alturas dependendo do interesse da turma, criando novos desenhos
e executá-los cantando ou tocando instrumentos. Desenvol- gráficos e propondo aos estudantes que os executem utili-
va ou retome este exercício em várias aulas, dependendo do zando instrumentos ou as próprias vozes. Outra opção é su-
interesse da turma, criando novos desenhos gráficos em três gerir que parte dos estudantes crie novos gráficos, enquanto
planos de altura e propondo aos estudantes que os executem outra parte deles os executa ou, então, realizar ditados sono-
utilizando instrumentos ou as próprias vozes. Outra possibilida- ros, em que você ou alguns estudantes cantam ou tocam os
de é propor que parte da turma crie novos gráficos, enquanto sons em glissandos e em movimento sonoro, enquanto os
outra parte da turma os executa ou, ainda, realizar ditados so- outros fazem o registro do que ouvem em forma de gráficos.
noros em que você ou alguns estudantes cantem ou toquem
os sons em três planos de altura, enquanto outros estudantes Sugestão de leitura
fazem o registro do que ouvem em forma de gráficos. ƒƒ GUIA, R. L. dos M.; FRANÇA, C. C. Jogos pedagógicos para
Divida a turma em três grupos e solicite a cada grupo que educação musical. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
execute uma das diferentes alturas indicadas usando as pró-
Esse livro apresenta vários jogos que facilitam o apren-
prias vozes. Os estudantes podem sugerir a forma de cantar
dizado e a consciência musical. O capítulo 2, especificamen-
cada som: por exemplo, podem usar a vogal O para os sons te, aborda o movimento sonoro, a direcionalidade sonora e
graves, A para os sons de altura intermediária e I para os sons os planos de altura em jogos de bingo, dados e trilha.
agudos. Se houver fácil acesso a algum instrumento musical,
eles podem ser utilizados para ampliar o desenvolvimento da
atividade. Por exemplo: violão, teclado, flauta etc. Páginas 86 e 87  Pulsação
São apresentados o conceito de pulsação, sua importân-
Páginas 81 a 83   O silêncio soa
cia dentro do conhecimento musical e as possibilidades de
Nesse momento, será estudada a importância do silêncio medi-la com o metrônomo.

421
Realize diversos exercícios com os estudantes, tocando pulsações em um tambor ou em outro instrumento de per-
em um instrumento de percussão trechos de pulsações em cussão disponível na escola.
diferentes andamentos e solicite a eles que caminhem sincro-
nizados com as batidas do instrumento, ou seja, com a pulsa- Página 89   Roda de conversa
ção. Depois, alguns estudantes podem se revezar na execu- Discuta os exemplos de músicas trazidos pelos estudan-
ção das pulsações, trabalhando desde extremos de intervalos tes e analise pequenos trechos. Verifique, então, se os estu-
entre os pulsos (longos e curtos) até nuances de pulsações dantes conseguem desenvolver a consciência auditiva com
em andamentos próximos, e os outros continuam caminhan- relação aos sons de alturas intermediárias e aos movimentos
do em sincronismo com as batidas do instrumento. sonoros em sons ligados, assim como se conseguem fazer a
representação em forma de gráficos.
Página 88   Fazer arte

Objetivo Capítulo 6 Dança, teatro e movimento


ƒƒ Vivenciar na prática possibilidades de combinação de alturas
de sons a partir da criação de uma pequena peça sonora.

As atividades de criação musical coletiva devem ocupar


um espaço de destaque nas aulas de música na escola.
O professor Marco Scarassati (2014) defende as atividades
de criação musical coletiva a partir da improvisação, especial-
mente quando inseridas em processos amplos de apreensão
de conhecimentos musicais que envolvam a análise e a dis-
cussão dos resultados obtidos:

[...] no campo da educação musical, ao invés de prer-


rogativas e assertivas conceituais, ao invés de uma lista-
gem de atividades bem-sucedidas, penso que ela pode-
Conteúdos
ria centrar-se na escuta e no diagnóstico de cada grupo
ƒƒ Artes híbridas
formante da situação de ensino e aprendizagem; escuta
essa que relativiza e inquire o contexto sociocultural da ƒƒ Teatro gestual
produção musical e ao mesmo tempo inventa, dirige essa ƒƒ Dança-teatro
escuta para o valor simbólico de cada manifestação acús- ƒƒ Dança moderna
tica, incluindo os ruídos e os sons ambientais e musicais;
na criação e prática coletivas, desde a escolha do material
Páginas 90 e 91   Afinando os instrumentos
e instrumental musical, não descartando a construção de
novos instrumentos como veículos de um novo pensar Neste capítulo, o teatro e a dança foram tratados sob a
musical e que essas práticas façam uso da improvisação perspectiva do movimento, destacando as artes híbridas
como processo de composição coletiva, sem perder de vis- como o teatro gestual, a dança-teatro e a dança moderna. Ao
ta a sistematização e projeção das experiências de escuta; trabalhar os casos com os estudantes, chame a atenção deles
na formalização, análise e discussão dos resultados oriun- para as mudanças que o movimento – o gesto que se faz no
dos dessas práticas coletivas, pensando o registro como
espaço e dura no tempo –, como foco de expressividade artís-
tica, provoca no teatro e na dança, principalmente a partir do
prática de socialização do conhecimento e memória do
século XX. O caráter híbrido de expressões culturais, como a
coletivo constituído.
capoeira, ou de expressões artísticas orientais, como a Ópera
SCARASSATI, Marco. O ensino da arte na contemporaneidade: o professor de música fal- de Pequim, também teve destaque neste capítulo.
sificador ou emancipador? LAMPARINA: Revista de Ensino de Teatro. v. 1; n. 3. 2014. p. 99.
Página 91   Roda de conversa
Devido à sua complexidade, a atividade deste boxe de-
verá se desenvolver em mais de uma aula para que seja re- Esta “Roda de conversa” pretende evidenciar as diferenças
alizada com sucesso. Os estudantes devem ser estimulados e semelhanças entre teatro e dança percebidas pelos estu-
a ampliar sua percepção sobre os sons, experimentando as dantes. Foram destacadas algumas diferenças e semelhanças
diversas possibilidades de combinações sonoras na criação que podem ser apontadas e que ajudarão a conduzir a con-
de uma composição fora do padrão que, possivelmente, a versa. O importante é ter em mente que não há como esta-
maioria deles esteja acostumada a ouvir. À medida que o tra- belecer uma fronteira precisa entre o teatro e a dança, e isso
balho for progredindo, podem ser adicionados novos objeti- pode ser constatado, de modo mais evidente, na contempo-
vos, como o estabelecimento de pulsações e a alteração de raneidade, momento em que esses campos artísticos estão
andamentos. Para isso, alguns estudantes podem executar as em constante diálogo.

422
Páginas 92 e 93   Artes híbridas mestres, dos contramestres, professores e instrutores. Além
disso, na atualidade, as rodas de capoeira estão difundidas em
Em dois boxes “Arte em diálogo” foram abordados assun- mais de 150 países. A roda de capoeira e o ofício dos mestres
tos que tratam das artes híbridas: Ópera de Pequim e História foram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro pelo
e Capoeira e Cultura Brasileira. Em ambos, foram utilizados Iphan em 21 de outubro de 2008. Abaixo há alguns trechos do
exemplos de expressões culturais que envolvem também Roda de capoeira e ofício dos mestres de capoeira, a fim de apro-
elementos artísticos de vários campos: teatro, dança, música, ximá-lo das discussões que envolvem a origem da capoeira:
artes visuais, entre outros. Esses exemplos pretendem contri-
buir para o entendimento do hibridismo existente nas artes, O mais antigo registro referente à capoeira foi encon-
pois possibilitam a visualização dos diversos elementos pre- trado pelo jornalista Nireu Cavalcanti. O documento data
sentes, como no caso da capoeira. Reproduza a faixa 9 do CD de 1789 e se refere à libertação de um escravo chamado
em sala de aula para exemplificar o uso da música na capoeira Adão, preso nas ruas do Rio de Janeiro por praticar capoei-
e suas diferenças de andamento. ragem. Isso mostra que a repressão acontecia antes mesmo
Se possível, outra opção é levar os instrumentos utiliza- da criminalização da capoeira, em 1890, durante o governo
dos na prática da capoeira (berimbaus, pandeiros, reco-recos)
provisório de marechal Deodoro da Fonseca.
para a sala de aula. Assim, os estudantes podem tocá-los e
[...] Entre 1808 e 1850 (ano que foi proibido o tráfico
criar sons semelhantes aos sons executados pelos capoeiris-
de escravos), existiu o que Soares definiu como “capoeira
tas. Por ser a capoeira uma prática artística e cultural muito
escrava”, a qual, segundo o pesquisador, não se restringe a
difundida no Brasil, você pode ter em seus grupos de estu-
dantes algum que a pratique ou que já a tenha praticado e, “uma prática cultural excludente de negros libertos ou li-
por isso, tenha a experiência de tocar os instrumentos e até vres, mas uma tradição rebelde que tinha fortes raízes escra-
de fazer música com eles. vas... e “seduzia” aqueles de outra condição social e jurídica,
por sua maneabilidade e resistência. O termo, portanto, não
Página 94   Arte no dia a dia se aplica apenas aos negros escravos, mas ao contexto da
Se possível, convide um mestre, contramestre ou pra- escravidão.
ticante de capoeira para dividir suas experiências com os Difundida na capital por africanos, a capoeira se tornou
estudantes. Esta atividade tem como objetivo aproximar os motivo para troca de relações mais amplas. Tanto que, no
estudantes dos saberes populares dos mestres. Ouvir o mes- segundo momento estudado por Soares, 1850-1890, é pos-
tre contar histórias, observar sua forma de transmissão do co- sível encontrar entre os seus praticantes nomes de letrados,
nhecimento, fazer perguntas e, de fato, ver mais de perto um aristocratas e militares.
conhecedor de uma tradição cultural significa aproximar o [...] No Rio de Janeiro, a capoeira foi duramente per-
estudante de uma das muitas culturas que compõem o Brasil. seguida. Seus praticantes eram conhecidos por desafiar a
A capoeira no Brasil passa a ser primeiramente um símbolo de ordem policial, hostilizar a população, provocar brigas e
identidade da população afrodescendente. Depois, ela passa correrias, marcadas por cabeçadas, rasteiras e navalhadas.
a ocupar as ruas das cidades e, atualmente, está presente em
IPHAN. Roda de capoeira e ofício dos mestres de capoeira, 2008. p. 22-23. Disponível em:
academias de ginástica e nas escolas.
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/DossieCapoeiraWeb.pdf>.
Apesar de algumas pesquisas apontarem a origem da ca- Acesso em: 28 abr. 2016.
poeira na África, ainda não se é possível determiná-la. No Brasil,
a capoeira primeiro é símbolo de identidade e de resistência
da população afrodescendente, ocupando as ruas das cidades
Página 95   Teatro gestual
no período pós-abolição, mas atualmente está presente nas Jacques Lecoq (1921-1999) foi um pedagogo francês que
academias de ginástica, nas escolas e até nas universidades. deu continuidade às pesquisas de Jacques Copeau (1879-
No intuito de fundamentar a discussão sobre a origem da ca- ‑1949) e de Jean-Louis Barrault (1910-1994) sobre o gesto e
poeira, o livro Roda de capoeira e ofício dos mestres de capoeira o movimento no teatro, e que contribuiu para o desenvol-
apresenta três possibilidades para a origem dessa arte, mas vimento do chamado Teatro do Gesto. Ele fundou a Escola
afirma que essas possibilidades são hipóteses, ou seja, que Internacional Jacques Lecoq em Paris, em 1956. A escola
ainda não estão resolvidas e, por isso, são consideradas mitos continua em funcionamento até hoje e oferece um curso de
fundadores: “a capoeira nasceu na África Central e foi trazida formação de dois anos em teatro do gesto, tendo como base
intacta por africanos escravizados; a capoeira é criação dos es- a metodologia desenvolvida por Lecoq. O terceiro ano do cur-
cravos quilombolas no Brasil; a capoeira é criação dos índios, so é destinado àqueles que desejam se tornar professores da
daí a origem do vocábulo que nomeia o jogo” (IPHAN, 2014). pedagogia do Lecoq, denominada por ele “Pedagogia da cria-
De acordo com essa última hipótese, o termo capoeira faz par- ção teatral”. Lecoq dividiu sua pedagogia em duas linhas de
te da língua tupi e significa “mato ralo”. trabalho: a improvisação e a análise do movimento. Segundo
Conhecer a capoeira significa adentrar um universo muito Lecoq (2003):
vasto, composto de registros iconográficos e documentos que
remontam ao século XVIII e se aproximar de suas várias esco- Junto à improvisação, a segunda grande via de trabalho da
las, com ensinamentos distintos a partir do entendimento dos Escola centra-se na análise dos movimentos. O movimento

423
não é um percurso, é uma dinâmica, algo muito diferente mar. A água é um tipo de movimento de resistência contra o
a um simples deslocamento de um ponto a outro. O que qual há que se lutar para poder reconhecê-lo. Só a partir da
importa é como se realiza o deslocamento. A base da dinâ- pélvis essa sensação global pode ser transmitida ao conjunto
mica do meu ensino está constituída pelas inter-relações de do corpo. Insistimos na implicação da pélvis para evitar os
ritmos, de espaços e de forças. O importante é reconhecer gestos dos braços e das mãos que têm uma tendência a re-
as leis do movimento a partir do corpo humano em ação: presentar o mar sem chegar a senti-lo nunca.
equilíbrio, desequilíbrio, oposição, alternância, compensa- O fogo nasce do interior. Sua origem está na respira-
ção, ação e reação. E estas leis se encontram tanto no corpo ção e no diafragma. Dois movimentos se distinguem no
do ator como no do público. O espectador sabe perfeita- fogo: por uma parte a combustão, por outra a chama. Co-
mente se em uma cena há equilíbrio ou desequilíbrio. Existe meçamos com a combustão no nível do diafragma, para
um corpo coletivo que sabe se um espetáculo está vivo ou descobrir, progressivamente, os ritmos do fogo e constatar,
não. O tédio coletivo é um sinal do “não funcionamento” rapidamente, que sua justificação dramática encontra-se na
orgânico de um espetáculo. cólera. As chamas só aparecem em uma segunda fase, depois
As leis do movimento organizam todas as situações tea- da qual podemos trabalhar outras imagens interessantes, a
trais. Uma escrita é uma estrutura em movimento. Os temas água em ebulição, por exemplo.
podem mudar, pois pertencem a ideias, mas as estruturas O ar se descobre através do voo. Correndo pela sala, com
da atuação permanecem ligadas ao movimento e a suas leis os braços estendidos como um aeroplano, experimentamos
imutáveis. Na arquitetura, quando se coloca concreto arma- a possibilidade de nos apoiarmos no ar, que não é um vazio,
do para assentar uma abóbada, caso colocado em excesso, senão um elemento que dá suporte. Demanda a implicação
tudo desmorona. No teatro, às vezes, se vai longe demais de todo o corpo. Em sua dimensão mais extrema, o ar, trans-
sem saber se tudo vai desmoronar. Sendo assim, é necessá- formando-se nos “grandes ventos”, atua sobre o homem, o
rio encontrar a arquitetura no interior. Os movimentos do empurra, o arrasta. Mas, inversamente, o homem também
exterior são análogos aos movimentos do interior, trata-se pode atuar sobre o ar, movendo-o com um leque.
da mesma linguagem. Por último, trabalhamos a terra como uma argila mol-
LECOQ, Jacques. El cuerpo poético: una pedagogia de la creación teatral. Barcelona: Alba dável que podemos amassar, alisar, esticar. Aqui a sensação
Editorial, 2003. p. 40-41. (Tradução dos autores especialmente para esta obra). parte das mãos e da manipulação, para ir se estendendo por
É importante lembrar que o conceito de mímica em todo o corpo. Ainda que seja fácil experimentar sensações
Lecoq refere-se à capacidade de observação, imitação a partir das mãos, também é importante implicar o resto
e incorporação. Não se trata, portanto, da mímica subs- do corpo, a pélvis, o plexo [terminação nervosa na região
tituindo a palavra, como normalmente se associa. Para dos quadris], em uma confrontação com uma terra argilosa
Lecoq (2003) “a mímica é parte integrante do teatro, não imaginária. A partir da terra que manipulo passo a ser, pro-
uma arte separada. A mímica que eu amo é uma identifi- gressivamente, a argila manipulada.
cação com as coisas, para fazê-las viver, inclusive quando
LECOQ, Jacques. El cuerpo poético: una pedagogia de la creación teatral. Barcelona: Alba
a palavra está presente”. Editorial, 2003. p. 126-127. (Tradução dos autores especialmente para esta obra).
Reserve um tempo para uma conversa de, aproximada-
mente, 10 minutos, logo após a realização do exercício. O
Atividade complementar objetivo da conversa é fazer com que os estudantes tenham
consciência da prática realizada, enquanto relatam suas expe-
Objetivo riências para os demais.
Pergunte a eles quais imagens (o mar, a combustão, a
ƒƒ Potencializar a criação corporal, tendo como referência a
mímica do movimento dos elementos da natureza (água,
chama, o vento, o ar, a terra, a argila) foram mais fáceis de in-
fogo, terra e ar). corporar ao movimento e quais foram mais difíceis, e peça-
-lhes que justifiquem suas respostas. Depois, pergunte sobre
Em uma sala sem móveis, oriente todos os estudantes a outras imagens que possam ter-lhes ocorrido durante a rea-
fazer o exercício a seguir ao mesmo tempo. Dê indicações lização do exercício. Você também pode indagá-los sobre as
contínuas para provocá-los a buscar o movimento de cada sensações que tiveram (leveza, raiva, relaxamento, angústia,
elemento da natureza. É importante que eles mantenham os liberdade, fúria, entre outras) e pedir-lhes que as associem a
olhos abertos, para não se machucarem. Fica a seu critério a um elemento da natureza específico.
utilização ou não de música e demais estímulos sonoros. Leia Caso a turma se envolva com este exercício, você pode
a seguir a descrição da atividade feita por Lecoq (2003): aprofundá-lo, posteriormente, associando cada imagem a
uma sensação específica. A partir daí, um texto pode ser in-
Observemos, por exemplo, o movimento de um corpo serido e cada frase ou fragmento trabalhados, tendo como
confrontado pelo mar: é levantado pela água, empurrado ponto de partida uma imagem ou sensação experimentada.
pelas ondas, arrastado em uma luta desigual por adentrar o

424
Páginas 97 a 100   Dança, teatro e cinema Atividade complementar
O autor Roger Garaudy (1980) afirma: No livro História da dança no ocidente, de Paul Bourcier, há
um Quadro sinótico da dança moderna, representado a seguir:
Ao contrário do balé clássico, onde os passos e seus en-
cadeamentos obedeciam a uma ordem pré-fabricada, a dan- Quadro sinótico da dança moderna
ça moderna procurou compor a forma do movimento como Escola americana
expressão de um significado interno. Contra o exclusivo Teórico: François Delsarte
virtuosismo mecânico das pernas, pôs o corpo todo para Isadora Duncan
trabalhar, privilegiando, em lugar dos membros, periféricos,
Saint-Denis-Shawn: Denishawnschool
o centro gerador de todo movimento, o tronco.
GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1980. p. 49.
Humphrey-Weidman Grahan
Nesta parte do capítulo, é utilizado o filme Pina (2011), do
cineasta Wim Wenders (1945-), para apresentar a estética da Limon Hawkins Cunninham
dança-teatro, e da dança moderna alemã em geral, e aproximar
os estudantes de momentos de fruição e criação em dança. Falco Taylor Tharp
Ao apresentar o trailer oficial do filme aos estudantes, a
intenção é proporcionar momentos de observação crítica aos Fora da Denishawnschool: Horton
movimentos dos intérpretes por meio de uma atividade que
integra os momentos de observação (quando os movimen- Ailey Lewitzky
tos e as palavras aparecem no trailer) com os momentos de
Post-modern: De Groat-Childs-Dunn
ação (ao sugerir que os estudantes criem seus próprios movi-
mentos com base nas palavras que aparecem na tela). Escola alemã
Teórico: Jaques-Dalcroze
Caso tenha tempo, combine com os estudantes uma data
para assistir ao filme na íntegra, ou peça a eles que assistam ao Laban
filme em casa. Fazer uma “sessão de cinema” em horário alterna-
tivo pode ser uma forma de aproximá-los da obra do cineasta, da Wingman
obra de Pina Bausch (1940-2009) e de integrar os estudantes em
um momento artístico, unindo dança e cinema para aprofundar Nikolais
Joos
e desenvolver um dos conteúdos abordados nesta obra. Por
causa do tempo necessário para o desenvolvimento do conteú-
Louis Buirge Carlson
do, foram usados exemplos de Pina Bausch, Mary Wigman, Kurt
Jooss e Rudolf Laban para tratar de dança moderna. No entanto, BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes. 2001. p. 308.
tratar de dança moderna significa abordar diversos artistas por
meio de suas obras e formas de sistematizar o ensino da dança. Depois de ler e pesquisar informações sobre os coreógra-
fos da dança moderna estadunidense e alemã, mostre o qua-
Sugestão de leitura
dro aos estudantes e peça a eles que pesquisem na internet
informações sobre cada coreógrafo que consta do quadro.
ƒƒ BOURCIER, P. História da dança no ocidente. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
Nesse livro, o autor, professor de História da Universida-
Página 98   Fazer arte
de de Paris, nos apresenta a dança numa perspectiva crono-
lógica, desde as primeiras manifestações que se tem notícia,
há mais de quinze mil anos, até a nossa época. Objetivos
O capítulo 9 desse livro traz informações sobre alguns ƒƒ Fruir e criar movimentos, motivar processos de criação do
nomes dos precursores das escolas de dança moderna, movimento inspirados nos princípios da dança moderna e
como: François Delsarte; Isadora Duncan; Loie Fuller; Ruth da dança contemporânea, privilegiando a diversidade dos
Saint Denis; Ted Shawn; Doris Humphrey; Charles Weidman; corpos e as inúmeras possibilidades de movimento dos
Martha Graham; José Limón; Eric Hawkins; Merce Cun- participantes.
ningham; Lester Horton; Alvin Ailey e Twyla Tharp Émile
Jaques-Dalcroze; Rudolf Laban; Mary Wigman; Kurt Jooss; Esta atividade deve ser realizada em um espaço amplo para
Alwin Nikolais; Murray Louis; Susan Buirge e Carolyn Carlson. que os estudantes possam explorar as diversas possibilidades de
Alguns desses artistas atuaram como coreógrafos, dan- criação do movimento em seus corpos. Observe que, ao estimu-
çarinos e professores de dança na transição entre a dança
lar a criação de movimentos a partir de palavras, não se pretende
moderna e a dança contemporânea, criando escolas e
estabelecer qualquer estética, forma ou ritmo. Se possível, grave a
obras artísticas que caracterizaram a nova dança da segun-
da metade do século XX. atividade ou oriente os estudantes a fazerem registros escritos so-
bre a atividade para retomá-la na discussão da “Roda de Conversa”.

425
Esta atividade proporciona aos estudantes a exploração ƒƒ SILVEIRA, J. C. F. da. Contextualização da dança-teatro de Pina
dos princípios de Laban conhecidos como níveis espaciais. Bausch. In.: Cena em movimento. n.1. Porto Alegre: UFRGS,
Sistematizados nos processos de criação, notação e ensino 2009. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/cenamov/
do movimento, os níveis do movimento de Laban (baixo, mé- article/view/21603/12437>. Acesso em: 27 abr. 2016.
dio e alto) podem ser explorados em um processo de criação Esse artigo é uma revisão da história da dança-teatro e
dinâmico e interativo. Incentive a interação dos estudantes tem como foco a sua articulação com a abordagem de Pina
com o espaço. Para o bom desenvolvimento da atividade, Bausch. O estudo pretende aproximar a teoria da dança-
atente para as diferenças corporais e para as limitações de -teatro da prática da coreógrafa alemã. Você compreenderá
movimento dos estudantes, respeitando o limite de cada um. muito mais as cenas do filme de Wim Wenders se conhecer
Considere sempre que os movimentos não podem ser classi- um pouco mais sobre Pina Bausch.
ficados como melhores ou piores, mas diferentes e diversos.
Se julgar interessante, escreva no quadro as palavras que Página 101   Ensaio corrido
aparecem no trailer do filme Pina: 1. vida; 2. amor; 3. liberdade;
É importante reiterar o movimento como elemento
4. esforço; 5. saudade; 6. alegria; 7. desespero; 8. reencontro;
potencializador das práticas artísticas estudadas neste ca-
9. beleza; 10. força. Partindo dessas palavras, desenvolva a ati-
pítulo tanto no teatro quanto na dança e em expressões
vidade nas versões sugeridas no livro, que podem ser utiliza- artísticas híbridas. O boxe “Fazer arte” (e a “Atividade com-
das como forma cumulativa, a fim de progredir e desenvolver plementar” proposta, caso seja realizada) contribui para um
mais habilidades. entendimento do movimento como motor e materialidade
A utilização de música é opcional. Considere que, na dan- da criação baseada na própria experiência dos estudantes.
ça moderna, muitas vezes o ritmo de uma coreografia poderá Se possível, visualize os vídeos e escute os áudios sugeri-
ser ditado pelo próprio movimento e pela respiração. Portan- dos no interior do livro se precisar ampliar o repertório em
to, caso opte por utilizar uma música, escolha obras instru- relação à temática discutida. Sempre que possível, assista
mentais e que não definam um estilo de dança. Evite que os aos vídeos e escute os áudios com os estudantes. Caso não
estudantes associem as características de um estilo musical haja possibilidade, contribua para que eles o façam em um
com o processo de criação do movimento, uma vez que a horário fora da aula. Recorrer a essas sugestões contribui
atividade incentiva a criação individual. para a compreensão do movimento como elemento das
Lembre-se de que, nesta atividade, não existe resposta artes cênicas.
certa ou errada. Todo e qualquer movimento ou texto escolhi-
do pelos estudantes deve ser considerado e contextualizado, Página 101   Roda de conversa
pois cada corpo se movimentará e criará cenas ou textos de As atividades desta seção estão diretamente relacionadas
acordo com as habilidades desenvolvidas em suas vivências à prática proposta no “Fazer arte”, que deve ser retomada e re-
cotidianas. Muitas vezes o cotidiano dos estudantes não tem fletida aqui. É importante levar isso em consideração ao fazer
qualquer relação com a dança ou com o teatro. Por exemplo, o planejamento da aula do “Fazer arte” e também desta “Roda
é possível que alguns estudantes com vivências nas artes cê- de conversa”. O objetivo é que os estudantes sejam capazes
nicas restrinjam suas noções de movimento ou a criação de de refletir sobre o movimento nas artes cênicas também a
seus textos aos padrões midiáticos do que é ou não é dança partir de sua experiência corporal e prática.
e teatro, ou que utilizem elementos associados às técnicas de
Páginas 102 a 104   Atividades de múltipla escolha
dança ou teatro aprendidas.
Para se aprofundar e conhecer outras maneiras de abordar 1. Apesar de o balé estar presente no Brasil, não podemos
atividades que incluam a dança moderna e a dança contem- classificá-lo como dança folclórica brasileira, pois ele tem
porânea na escola, a última sendo caracterizada pela aceitação sua origem nas tradições das cortes francesas e italianas.
das diversas formas e possibilidades de criação e execução de Vale atentar que a resposta da letra E está mal formulada,
movimentos por diferentes corpos, se possível, faça leituras pois o Carnaval não é uma dança, e, sim, uma festa, uma
mais especializadas sobre o tema, como apresentada a seguir. celebração. A dança nesse caso é o samba, que tem, de
fato, sua origem no batuque africano, entre outras coisas.
Sugestões de leitura 2. John Cage integrou o grupo que Schafer denomina no
fragmento de texto analisado de compositores de van-
ƒƒ RENGEL, Lenira. Os temas do movimento de Rudolf Laban:
guarda, tendo sido um dos precursores na incorporação
modos de aplicação e referências (I-II-III-IV-V-VI-VII-VIII). São
de ruídos considerados não musicais em suas peças e um
Paulo: Annablume, 2008.
dos responsáveis pela ampliação do que poderia ser con-
Essa é uma das obras de referência sobre a teoria de siderado música no século XX.
Rudolph Laban no Brasil. A partir do entendimento do cor- 3. As rubricas são indicações do autor para os atores e os di-
po como processo de natureza e cultura, a obra nos aproxi- retores. Elas são importantes para se compreender como
ma dos temas do movimento, e das formas de se trabalhar o autor caracteriza determinada personagem ou deter-
esses temas nos processos de criação em dança. minada cena. Ainda assim, cabe ao diretor e aos atores

426
encontrarem sua própria forma de encenação do texto do A imagem escolhida para a abertura desta Unidade é um
autor, podendo ou não seguir suas rubricas. fotograma do filme Tempos Modernos (1936), de Charles Cha-
4. Para essa questão é importante que os estudantes identi- plin. Nesse filme, Chaplin explora artisticamente o processo de
fiquem que a escultura neoclássica utiliza como princípio mecanização da sociedade no início do século XX, com o surgi-
a repetição das mesmas imagens em posições diversas do mento das linhas de montagem nas fábricas. Na visão do diretor,
corpo humano. Nesse sentido, a tradição em agrupar fi- as linhas de montagem mecanizam as ações do ser humano
guras em duplas ou trios com posições distintas pode ser que acaba sendo, metaforicamente, engolido pelas máquinas.
observada tanto na imagem A do artista Antonio Cano-
va, como na imagem B de Thorwaldsen, na imagem E de
Jean-Jacquer Padrier e também no conjunto de Carpeaux Interdisciplinaridade
no item C. Entretanto, o mesmo não ocorre na imagem D, Durante o estudo dos assuntos abordados nesta Unidade,
de Rodin, que apenas repete a mesma imagem, na mes-
você vai observar conexões interdisciplinares entre as artes e
ma posição, três vezes.
outras áreas do conhecimento. Essas conexões são explicita-
5. No teatro do gesto há uma valorização do gesto e da
das no boxe “Arte em diálogo”.
palavra como elementos principais da criação teatral,
correspondendo a uma retomada do corpo e do movi- Capítulos da Unidade 2 Arte em diálogo
mento no trabalho do ator a partir do final do século XX
e início do século XXI, principalmente na Europa. Esse 7 Teatro e sociedade – Teatro e História
teatro também influenciou a produção brasileira con- – Teatro e Filosofia
temporânea, como é o caso do Grupo Primeiro Ato (MG),
Moitará (RJ), entre outros.
6. Ao optar pela realização de um espetáculo fora dos pal- 8 Imagem e poder – Artes visuais e História
cos dos teatros, artistas e técnicos deparam com desafios
relacionados à iluminação e à projeção da voz dos atores, 9 Dança e sociedade – Dança e Hip-Hop
entre outros. Muitos grupos brasileiros contemporâneos
partem da necessidade de ampliar a relação da cena e da
10 Música e sociedade – Música e universidade
dramaturgia com o espaço real da cidade, bem como de
propor novas formas de interação com o público por meio
do uso de espaços não convencionais. Os desafios técni-
cos dessa escolha fazem parte do processo de criação.
Capítulo 7 Teatro e Sociedade
Unidade 2 Arte e sociedade

Conteúdos
ƒ O teatro como uma arte política e social
ƒ Origem do teatro na Grécia
ƒ O Teatro do Oprimido de Augusto Boal
Páginas 106 e 107 Preparando as tintas e os pincéis
ƒ O teatro como expressão política
Nesta Unidade, serão conhecidas e experimentadas, de ƒ A Zona de Arte da Periferia – ZAP 18
modo contextualizado, as relações da arte com a sociedade
nas artes visuais, na dança, na música e no teatro. Para isso,
Página 108 Afinando os instrumentos
foram elencadas algumas experiências nesses campos artís-
ticos que exemplificam essa relação e contribuem para as O principal objetivo deste capítulo é traçar um estudo e
conexões da arte com seu tempo e com os acontecimentos desenvolver uma prática do teatro a partir de sua relação com
políticos e sociais que o marcam. a sociedade. Para isso, apresentam-se as propostas de Denis

427
Guénoun (1946-), publicadas em seu livro O teatro é necessá- no teatro é um problema constantemente discutido por artis-
rio?, cujo título remete à importante relação entre o teatro e a tas e produtores culturais.
sociedade. Denis Guénoun (2004), no texto a seguir, aborda a No entanto, é cada vez mais comum se fazer teatro. Exem-
chamada crise do teatro: plo disso é que, nas últimas décadas, foram abertos vários
cursos livres, profissionalizantes e graduações em teatro em
Não haveria crise do teatro se o teatro fosse para nós, muitas cidades brasileiras. Muitas companhias foram criadas e
simplesmente, “coisa do passado”: se ele se afastasse ou se espaços alternativos para apresentações teatrais são mantidos
eclipsasse irremediavelmente. por grupos de teatro em bairros distantes dos centros das cida-
É verdade que, num certo sentido, ele encolhe e parece des, ampliando o acesso do público, como no caso da ZAP 18.
destinado a se extinguir. Seu público diminui, dizem as pes- A vontade de fazer teatro parece persistir e conquistar muitos
quisas. Ele não funciona mais como centro: os poderes do- jovens, renovando essa arte milenar.
minantes não usam mais seu brilho para exibir-se, ostentar A inclusão do teatro como conteúdo da disciplina Arte
os signos de sua dominação simbólica e de sua hegemonia. também é um reflexo da valorização dessa arte por possuir
Ele ficou órfão das revoluções. Sua função se embaralha. um valor específico na formação escolar de jovens e adultos,
Sobretudo, segundo a opinião corrente, os desafios mais como foi discutido na introdução deste livro. Fazer e assistir
arriscados da representação coletiva se estabelecem neste teatro possuem saberes únicos, como o do compartilhamento
momento em atos narrativos ou figurativos que empurram do aqui e agora entre artistas e público. Além disso, a dança, o
o teatro para as margens: cinema, televisão. Tudo devereia teatro, o circo, entre outras artes cênicas, estão presentes no dia
nos levar a considerá-lo um artesanato superado, uma peça a dia das pessoas independentemente de elas irem ou não a
de museu, vestígio de um mundo ultrapassado. um edifício teatral. Exemplo disso é a ONG Doutores da Alegria:
Ora, o tempo dessa retratação é também o tempo em que
Doutores da Alegria é uma organização da sociedade
o teatro se amplia, prolifera, ganha espaços em toda parte. Na
civil sem fins lucrativos que há 24 anos promove as relações
França, os teatros públicos, cujo número aumentou bastante
humanas e qualifica a experiência de internação em hospitais
e cuja geografia se ampliou a ponto de cobrir quase todo o
por meio da visita contínua de palhaços profissionais espe-
território, estão tomados, sitiados, por “companhias” que se
cialmente treinados em São Paulo e no Recife.
multiplicam de forma explosiva: elas existem aos milhares,
[...] O trabalho da ONG, gratuito para os hospitais, é
hoje em dia. Participam destes grupos, maiores ou menores,
mantido por recursos financeiros obtidos através de patrocí-
legiões de aspirantes à vida teatral. Nada indica, apesar dos
nio, doações de empresas e pessoas e por meio de atividades
sonhos das autoridades, que esta proliferação vá estancar. Pelo
que geram recursos, como palestras e parcerias com empresas.
contrário: a cada ano, acrescentam-se a estas companhias
multidões de jovens que se inscrevem em cursos de arte dra- DOUTORES da Alegria. Disponível em: <www.doutoresdaalegria.org.br/conheca/
mática, aulas de teatro oferecidas em toda parte no âmbito do sobre-os-doutores>. Acesso em: 9 mar. 2016.
ensino secundário e faculdades de teatro que mobilizam um Em várias outras cidades, há projetos similares ao dos
número crescente de profissionais. A singularidade do que Doutores da Alegria, cujos palhaços profissionais atuam em
poderia passar por um novo amadorismo é evidente; no polo hospitais, colaborando para a melhora do ambiente hospi-
oposto, a aspiração intratável destes jovens entusiasmados talar e levando alegria e esperança para crianças internadas.
à qualificação “profissional”, que denota simplesmente seu Exemplo disso é o Instituto HAHAHA, uma ONG de Belo Ho-
desejo ardente de viver o teatro, de viver de teatro: de fazer rizonte, que ganhou projeção nacional em 2015 ao simular
do teatro o centro de suas vidas e inscrever este entusiasmo uma “fuga” do hospital de uma criança que havia recebido
no princípio de sua existência social. Mas em volta destes alta. Confira a reportagem:
exércitos de voluntários é preciso ainda localizar as múltiplas
Matheus Theodoro Oliveira, de seis anos, recebeu alta
extensões da atividade dramática nos lugares mais diversos:
do hospital nesta quinta-feira (17), em Belo Horizonte,
prisões, hospitais, escolas, claro, e, hoje, os bairros ditos “em
Minas Gerais, depois de um ano internado. Ele tem proble-
situação de risco social” ou conflagrados. São lugares que, há
mas no intestino, nos rins e precisa de um transplante. Para
alguns anos, teriam atraído a atenção da militância política e
continuar o tratamento em casa, ele combinou um plano de
que hoje são tomados pela nova moda. A eles é preciso acres-
“fuga” com palhaços que conheceu no hospital, e tudo foi
centar ainda, last but not least, o teatro amador, persistente ou
feito como ele planejou.
mutante, em suas formas tradicionais ou modernizadas.
[...] Na imaginação dele, a fuga é com a ajuda dos palha-
GUÉNOUN, D. O teatro é necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 11-12. ços da ONG HaHaHa, que durante o tempo de internação
Nesse texto, o autor trata da realidade francesa, mas é viraram os melhores amigos do menino. O combinado era
possível perceber muitas conexões com a realidade do tea- se esconder numa caixa, como um brinquedo, e tudo foi fei-
tro brasileiro. No início do século XX, nas principais capitais to como Matheus planejou com os palhaços. [...]
do Brasil, a temporada teatral acontecia de terça a domingo, Matheus foi levado dentro da caixa até a ambulância.
levando multidões aos teatros e, hoje em dia, a falta de público Na ambulância ele pediu para não contar para ninguém que

428
ele estava fugindo. Todos os procedimentos médicos foram fomentar as descrições. O texto de Denis Guénoun e as ex-
cumpridos: medicamentos, maca e muito carinho. Uma fes- periências descritas dos Doutores da Alegria e do Instituto
ta esperava por Matheus em casa. “Deu tudo certo”, come- HAHAHA podem auxiliar no debate levantado pela pergunta:
morou Matheus. “c) De que forma você imagina que o teatro contribui para
melhorias na região onde você mora? Por que ele é importan-
SCALABRINI, Isabela. Criança recebe alta após um ano e palhaços simulam "fuga" de
hospital, 17 set. 2105. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/ te para seus familiares e amigos?”. Almeja-se evidenciar como
2015/09/crianca-recebe-alta-apos-um-ano-e-palhacos-simulam-fuga-de-hospital. as descrições das peças de teatro pelos estudantes dialogam
html>. Acesso em: 9 mar. 2016. com a comunidade que as produzem e/ou as assistem.

Páginas 110 a 112   O teatro na Grécia


A história emocionante da “fuga” do Matheus pode ser
paradigmática para refletir se o teatro continua a ser ne- O objetivo não é traçar uma história do teatro no Ociden-
cessário em nossa sociedade, remetendo à pergunta de te, mas sim evidenciar as relações entre teatro e sociedade
Guénoun. Entende-se “teatro” em um sentido amplificado, existentes desde o surgimento dessa arte no Ocidente. Assim,
que abarca outras expressões das artes cênicas, como o pa- o boxe “Arte em diálogo – Teatro e História” – que estabelece
lhaço, personagem do circo que, desde a segunda metade a relação do teatro com o surgimento das cidades – e o texto
do século XX, também está muito presente nos palcos. A que apresenta a Poética de Aristóteles e alguns conceitos fun-
capacidade de Matheus imaginar uma fuga e contar com damentais como o de catarse pretendem esclarecer o con-
os palhaços para realizar cada passo de sua fuga imaginária texto histórico e cultural do surgimento do teatro na Grécia
pode ser um dos muitos exemplos da necessidade do tea- e sua relação com a política. Essa temática será retomada no
tro no dia a dia. Com certeza, existem outras experiências estudo do Teatro do Oprimido, Bertolt Brecht e ZAP 18.
no dia a dia ou no cotidiano da escola que podem ser com-
partilhadas com os colegas e estudantes, contribuindo para Páginas 112 e 113   Arte no dia a dia
conhecer as possibilidades e a relevância das artes cênicas A pesquisa sobre as diversas formas de utilização da más-
na sociedade. cara nas artes cênicas contemporâneas pretende aproximar
os estudantes desse elemento teatral presente desde o surgi-
Sugestões de sites
mento do teatro ocidental na Grécia.
ƒƒ Doutores da Alegria: <www.doutoresdaalegria.org.br>.
Acesso em: 27 abr. 2016.
Esse tema será retomado na Unidade 4, em que explo-
raremos as máscaras brasileiras. Portanto, é interessante que
Nesse site, é possível conhecer a história dos Doutores
da Alegria, bem como os diversos projetos em hospitais e você guarde o registro produzido pelos estudantes aqui
em outros contextos, além de ver fotos e assistir a vídeos. como material de referência para quando for trabalhar a Uni-
ƒƒ Instituto HAHAHA: <www.institutohahaha.org.br>. Acesso dade 4, caso ela seja trabalhada no mesmo ano letivo e com
em: 27 abr. 2016. a mesma turma. As máscaras são usadas em diversas situa-
Nesse site, é possível conhecer a equipe do Instituto ções, teatrais ou não (em rituais, em brincadeiras populares,
HAHAHA, suas ações em hospitais, seus projetos e ter acesso em espetáculos cênicos, entre muitas outras possibilidades),
a um blog que conta um pouco do cotidiano dos palhaços
em hospitais de Belo Horizonte. o que revela a importância desse objeto na sociedade.
A atividade 2 propõe que o estudante se expresse sobre
Sugestão de filme a temática da realidade e da ilusão no teatro, tendo os ver-
ƒƒ Doutores da Alegria: o filme, direção de Mara Mourão. Brasil, sos de Pessoa e Calderón como elementos inspiradores. O
2005. (96 min.) estudante pode se exprimir escrevendo um texto, em pro-
Esse documentário retrata o cotidiano dos palhaços dos sa ou verso, ou qualquer outra forma de expressão artística
Doutores da Alegria em hospitais de São Paulo. É possível
que tenha uma folha como suporte. Após a realização dessa
conhecer as estratégicas artísticas usadas pelos palhaços
profissionais, bem como uma grande valorização do conta- atividade, se julgar interessante, aprofunde a relação entre
to e das relações humanas no ambiente hospitalar. realidade e ficção no teatro com os estudantes. Para isso, é
sugerida a leitura do livro: GASSET, J. O. A ideia do teatro. São
Página 109   Roda de conversa Paulo: Perspectiva, 2007, no qual o autor discute o que é o
teatro a partir da sua relação com a realidade e a ficção, entre
O objetivo dessa seção é conhecer o envolvimento dos
estudantes com o teatro, seja como participantes de algum outros temas.
grupo, seja como espectadores de peças em diversos con-
Páginas 114 a 119   Teatro e resistência política no
textos (escolas, clubes, instituições religiosas, entre outros).
Estimule-os a descrever as experiências como espectadores Brasil
de peças e explore os conhecimentos adquiridos na Unida- Com o objetivo de contextualizar as práticas e o pen-
de 1 sobre os elementos espaço, tempo e movimento para samento de Augusto Boal, foi feito um recorte histórico do

429
teatro de resistência à ditadura civil-militar brasileira. Da A simplicidade do jogo de Boal revela o foco no trabalho de
mesma forma que o teatro grego, não se trata de um pa- cooperação entre todos para a conquista de um mesmo objeti-
norama histórico do teatro brasileiro, mas sim de caracteri- vo, tão importante ao teatro e também à vida em sociedade. A
zar um cenário histórico e cultural para o desenvolvimento
experiência corporal proposta nesse jogo demonstra a impor-
do Teatro do Oprimido. Boal teve grande importância no
desenvolvimento do teatro moderno brasileiro, suas pro- tância da colaboração de modo que cada indivíduo é parte de
postas impactaram vários países do mundo ocidental e, um todo. Em um mundo cada vez mais individualizado, em que
principalmente, suas escolhas estéticas e políticas estão as brincadeiras coletivas foram substituídas por telas individuais,
ancoradas na realidade social que as cerca almejando sua é importante aproveitar as oportunidades de inter-relação
transformação. entre as pessoas. A proximidade corporal demandada nesse
jogo e a harmonização rítmica do grupo favorecem a noção
Sugestões de leitura
de coletividade, segundo a qual cada um é responsável, ao
ƒƒ GUINSBURG, J.; FARIA, J. R.; LIMA, M. A. de (Coord.). Dicioná-
mesmo tempo, por si e pelo todo. Por causa da complexidade
rio do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. São Paulo:
Perspectiva/Edições Sesc-SP, 2009.
do jogo, é provável que sejam necessárias várias tentativas até
que ele seja bem-sucedido.
Esse dicionário organiza textos críticos-analíticos dos
principais temas, formas e conceitos do teatro brasileiro Página 119   Ensaio corrido
ao longo de sua história. É um importante instrumento de
conhecimento e consulta para o professor de teatro, por Neste capítulo, foram ressaltadas as relações entre o tea-
possibilitar a localização rápida de cada verbete e um co- tro e a sociedade, apresentando contextualizações históricas
nhecimento inicial bem fundamentado sobre eles. (surgimento do teatro no Ocidente e o teatro de resistência
ƒƒ BERTHOLD, M. História mundial do teatro. São Paulo: Pers- no Brasil), propostas como as do Teatro do Oprimido, além
pectiva, 2004.
de um exemplo do teatro feito em estreita relação com a
Esse livro contém uma análise bem fundamentada do
comunidade que o cerca, a ZAP 18. Com base nas rodas de
desenvolvimento mundial do teatro até nossos tempos tan-
to no Ocidente quanto no Oriente. Sua leitura é direcionada conversa deste capítulo, é possível conhecer algumas expe-
por períodos históricos, que permitem um conhecimento riências dos estudantes com o teatro. Para aproximar ainda
crítico das diversas realizações cênicas ao longo da história mais os estudantes do teatro, sugere-se uma visita a algum
do teatro. espaço de apresentação ou um convite a algum artista para
ƒƒ LEVI, C. Teatro brasileiro – um panorama do século XX. Rio de que visite a escola e compartilhe suas experiências. O objetivo
Janeiro: Fundação Nacional das Artes; São Paulo: Atração
é ressaltar que o teatro é uma arte que se realiza em diversos
Produções Ilimitadas, 1997.
contextos e com propostas igualmente diversas. O contato
Esse livro traça um panorama do teatro brasileiro do
dos estudantes com os espaços e os artistas que fazem teatro
século XX por meio de imagens de espetáculos. Está centra-
do no eixo Rio-São Paulo, mas também apresenta algumas em sua cidade é muito importante, pois possibilita experiên-
imagens de espetáculos de outras cidades brasileiras. cias de fruição de peças ou, caso essa possibilidade seja mais
remota, de compartilhamento de procedimentos artísticos
Página 116   Fazer arte em ensaios, oficinas, entre outras atividades.

Página 119   Roda de conversa


Objetivo:
ƒ ƒ Integrar o grupo a partir de um jogo de equilíbrio e Essa seção deve proporcionar um material de pesquisa
cooperação. importante sobre o teatro que se faz na cidade em que os es-
tudantes vivem, perto da escola. Com base nas respostas de-
É bastante comum que nos jogos e exercícios do teatro les, vocês poderão escolher um grupo que esteja aberto a um
haja contato físico entre os participantes. Também é esperado contato com a escola. A visita dos artistas à escola ou dos es-
que, em um primeiro momento, haja risos e desconcentração. tudantes ao espaço de trabalho de grupos de teatro valoriza
Envolva a turma no desafio do equilíbrio proposto pelo jogo a produção teatral local, possibilita um conhecimento direto
de Boal que demanda bastante concentração e disciplina. dos estudantes em relação aos procedimentos artísticos do
Conseguir se equilibrar sem o apoio de cadeiras e em círculo grupo (como assistir a um ensaio, realizar uma oficina) e pode
com todos os colegas é uma experiência muito interessante. resultar na fruição de uma peça teatral. Se possível, organize
Entende-se, corporalmente, que há uma integração entre os uma visita dos estudantes a um espetáculo teatral, pois essa
participantes que sustentam e são sustentados pelo grupo, experiência de fruição é parte estruturante do aprendizado
coletivamente. do teatro.

430
Capítulo 8 Imagem e poder primitivos. [...] Os primitivos são, por vezes, ainda mais vagos
a respeito do que é real e do que é imagem. Certa ocasião,
quando um artista europeu fez desenhos de animais domésti-
cos numa aldeia africana, os habitantes mostraram-se nervosos:
“Se levar consigo o nosso gado, de que iremos viver?”.
GOMBRICH, Ernst. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 40.
As relações entre imagem e realidade estão impregnadas
no senso comum: uma imagem vale mais que mil palavras,
como é expresso no ditado popular. O problema é que as
imagens, assim como as informações, podem ser manipula-
das dentro de determinado contexto. Ao andar pelas praças e
ruas da cidade, geralmente há imagens que representam pes-
soas ou fatos considerados importantes da História. Porém,
como foi construída essa noção da utilização das imagens ar-
Conteúdos
tísticas para a constituição do poder? Um exemplo bastante
ƒƒ Imagem na Pré-história conhecido foi o Coliseu.
ƒƒ Imagem na Antiguidade Segundo, Giulio Carlo Argan (2003):
ƒƒ Imagem como subersão
Para explicar como adquiriu esse significado ideológico
não basta a paixão dos romanos pelos jogos do circo. Os gla-
Página 121   Afinando os instrumentos
diadores, os lutadores, as feras que eram exibidos na arena
Com o desenvolvimento gradativo das tecnologias de provinham de todas as partes do mundo conquistado por
produção e reprodução de imagens (celulares, câmeras foto- Roma: o espetáculo do circo era, pois, uma espécie de gran-
gráficas, TV, publicidade), passamos a nos comunicar e con- de parada, de “triunfo” continuamente celebrado e renovado
viver diariamente em um universo em que grande parte das sob os olhos dos governantes e do povo de Roma.
relações sociais está mediada por imagens, por exemplo, nas O imenso reservatório humano respondia, antes de
mídias sociais. O contato com as imagens produzidas atual- tudo, às exigências de uma complexa funcionalidade inter-
mente coloca uma questão: como os primeiros habitantes do na: rápido afluxo e defluxo dos 45 mil espectadores, depósi-
mundo lidavam com as imagens? É quase impossível respon-
tos de materiais e equipamentos para os espetáculos. Sob a
der com segurança, mas o historiador da arte Ernst Gombrich
cávea ou arquibancada para o público corriam grandes gale-
(2012) buscou algumas indicações:
rias anulares, que davam para o exterior com três ordens de
É impossível entender esses estranhos começos se não arcadas, às quais se sobrepunha um último anel de murada
procurarmos penetrar na mente dos povos primitivos e des- contínua.
cobrir qual é o gênero de experiência que os faz pensar em ARGAN, G. C. História da arte italiana: da Antiguidade a Duccio. v. 1. São Paulo: Cosac &
imagens como algo poderoso para ser usado e não como algo Naif, 2003, p. 175-176.
bonito para se contemplar. Não acho que seja realmente di-
A arquitetura romana possuía dentro dessa sociedade um
fícil recuperar esse sentimento. Tudo o que precisamos é ser
papel fundamental, além de seu valor prático, ao oferecer fun-
profundamente honestos conosco e examinar se em nosso cionalidade à população e torna-se efetiva como ferramenta
íntimo não se conserva algo do “primitivo”. Em vez de co- de grande utilidade aos interesses ideológicos da república.
meçarmos pela Era Glacial, comecemos por nós mesmos. É também do historiador da arte Argan (2003) a passagem a
Suponha-se que recortamos do jornal de hoje o retrato do seguir, que ajuda a compreender melhor essa questão:
nosso campeão favorito – será que sentiríamos prazer em
apanhar uma agulha e furar os olhos? Isso nos deixaria tão Por muito tempo Roma foi apenas um agrupamento
indiferentes quanto praticar tais furos em qualquer outra de pagi (povoados) disseminados pelas colinas. Mas já no
parte do jornal? Suponho que não. Embora eu saiba, bem tempo de Sila sente-se a necessidade de dar uma acomo-
no íntimo dos meus pensamentos, que o que fizer ao retrato dação e uma feição à cidade: constroem-se grandes edifí-
não causará a mínima diferença ao meu amigo ou herói, cios públicos [...]. César concebe um verdadeiro e próprio
sinto, não obstante, uma vaga relutância em causar danos à plano regulador ao qual dá força com a lei de urbe augenda,
sua imagem. Subsiste algures a absurda sensação de que o também para remediar a superlotação e as péssimas con-
que se faz ao retrato é infligido à pessoa que ele representa. dições higiênicas dos bairros pobres. O plano foi executa-
Ora, se estou certo nessa suposição, se essa ideia estranha e do somente mais tarde e, em parte, por Augusto e Agripa.
irracional realmente sobrevive mesmo entre nós, em plena Desde então, quase todos os imperadores quiseram deixar
era da energia atômica, talvez seja menos surpreendente que no perfil da cidade a marca visível do respectivo governo,
tais ideias existissem entre quase todos os chamados povos fosse saneando bairros insalubres e indignos, fosse erigindo

431
edifícios majestosos e monumentais, valorizando-os com a nasce de um forte impulso sentimental ou ideológico, mas
abertura de praças, ruas e jardins. As duas grandes diretrizes se realiza antes por meio de uma técnica do que de uma
de desenvolvimento são a utilidade e a decoração urbana; intuição formal.
e, uma vez provida a utilidade, de acordo com a urgência, BANDINELLI, R. B. O relevo honorífico e o retrato. In: ARGAN, G. C. História da arte italiana:
e o ornamento dependendo da mudança de gosto, Roma da Antiguidade a Duccio. v. 1. São Paulo: Cosac & Naif, 2003, p.199.
não teve um desenvolvimento orgânico. Cresceu como uma
Essas relações, portanto, se efetivam como uma estratégia
cidade monumental, representativa: capital de um imenso
de conferir maior valor a um indivíduo comparativamente aos
império, habitada por uma população heterogênea pelo
outros e seguem materializando as possíveis combinações entre
contínuo afluxo de gente atraída pela sua opulência – à sua
arte e poder, e, como bem completa Bandinelli (2003), oferecem:
função política e de prestígio jamais correspondeu uma fun-
ção econômica ou produtiva. Tratava-se da solene imagem a possibilidade de dirigir um olhar sobre um aspecto pe-
da autoridade do Estado, como depois, foi a da Igreja. culiar da sociedade romana, profundamente permeada por
Não existia, na civilização romana, uma ideia ou con- esse apego à realidade da vida, à vontade de durar além da
cepção de espaço que precedesse ou condicionasse a cons- morte, na lembrança dos homens e por meio de sepulcros
trução arquitetônica: o valor, o significado do espaço esta- grandiosos, elevados muitas vezes como fortalezas (e como
va inteiramente expresso na visão, no espetáculo das obras tais foram usados na Idade Média), ou, se os meios não o
arquitetônicas. Os dois grandes temas eram a técnica ou a permitiam, pelo menos como uma pequena edícula, uma
praxe construtiva e a beleza exterior, a decoração: a primeira estele. Sepulcros, grandiosos ou modestos, que fossem não
permitia o desenvolvimento articulado de grandes massas recolhidos em áreas sepulcrais, mas situados ao longo das
murais e de vazios; a segunda qualificava-as visualmente por ruas, para que os passantes pudessem vê-los, ler as incrições
meio de elementos plásticos e cromáticos. e por meio delas comunicar-se ainda com os mortos em
ARGAN, G. C. História da arte italiana: da Antiguidade a Duccio. v. 1. São Paulo: Cosac & uma ideal perpetuidade de tempo e de convivência [...].
Naif, 2003, p. 168-169.
BANDINELLI, R. B. O relevo honorífico e o retrato. In: ARGAN, G. C. História da arte italiana:
Essas formas eram construídas, portanto, com o objetivo da Antiguidade a Duccio. V. 1. São Paulo: Cosac & Naif, 2003. p. 199.
de materializar o poder, que, desempenhado individualmen- Aspecto esse que, apesar de distante cronologicamente,
te, deveria ser capaz de materializar-se como símbolo para parece permear intensamente as condições da relação atual
um conjunto de pessoas. Para utilizar novamente a palavra com as imagens.
“poder”, que abre o capítulo, é possível citar Roberto Bandi-
nelli (2003), pesquisador que concebe, ainda, o relevo honorí- Páginas 121 e 122   Roda de conversa
fico e o retrato como localizados no centro do poder romano
Antes de iniciar a seção “Roda de conversa”, pesquise com
e, por isso, atestam sua forte capacidade representativa:
os estudantes ou solicite uma pesquisa prévia sobre pinturas
Definir uma corrente de arte “plebeia” ajuda-nos a com- e fotografias antigas que retratem pessoas. As imagens cole-
preender como se formaram certos aspectos característicos tadas serão importantes para que percebam as diferenças en-
dos relevos de tema histórico, que representam um momento tre diversos meios de se representar pessoas e situações, seja
da vida contemporânea – privada ou pública, civil ou religiosa por meio da pintura ou, mais recentemente, pela fotografia.
– e quase sempre pertencem ao mesmo tempo a todas essas Também serão importantes para que observem, por exem-
plo, que, até determinado período, somente pessoas de clas-
esferas da vida social romana. O “relevo histórico” estivera lar-
ses favorecidas eram retratadas em obras de arte. Outra rela-
gamente em voga na arte egípcia e assíria para a glorificação
ção interessante que pode ser observada é a constituição das
das empresas dos soberanos. Logo, não é, em sentido estrito,
famílias de antigamente em comparação com a das famílias
uma “invenção” romana, uma vez que também os soberanos
atuais. Quais diferenças é possível observar entre uma foto-
helenísticos preferiam revestir de argumentos mitológicos a
grafia para o registro de um momento pessoal e uma pintura?
exaltação dos próprios empreendimentos, usando, por exem-
Durante a primeira “Roda de conversa”, busque trabalhar
plo, a representação da amazonomaquia ou até da giganto- as formas de produção das imagens (pintura e fotografia)
maquia para lembrar a vitória sobre as populações “bárbaras”. e compreender seus possíveis objetivos. A ideia é iniciar
Contudo, o “relevo histórico” assume na arte romana uma a reflexão sobre como o ser humano se relaciona com as
importância excepcional e um desenvolvimento que parece imagens desde os tempos mais afastados – antes da inven-
fundamental na caracterização dessa civilização artística. ção de artifícios mecânicos de captação – até os dias atuais,
O outro tipo de produção artística que caracteriza de com o aumento do acesso a mecanismos como celulares,
modo particular a arte romana é o retrato. Ambos, relevo smartphones e tablets. Especificamente sobre a atividade
histórico e retrato, são concebidos como manifestações de proposta de comparação, será feito o acompanhamento da
uma forte ligação terrena e objetiva, que exclui toda a cons- gradativa modificação das características visuais das fotos
trução metafísica. [...]. em consequência da alteração das técnicas usadas no pro-
A arte do retrato é um gênero artístico equívoco, que cesso de captura e revelação das imagens.

432
Páginas 123 a 126   Imagens reveladas – do primitivo pela reconstrução do imaginário místico da cidade de Atenas
ao século XIX após a vitória no conflito com a Pérsia. Ao artista foi dada a ta-
refa de esculpir as figuras dos deuses adorados pelos gregos.
Em cada período histórico, o ser humano se relaciona Essas representações estão preservadas na atualidade devido
com as imagens de diferentes maneiras. É importante colocar ao grande interesse do Império romano pela cultura grega,
em questão o fascínio gerado em torno das imagens e a ideia que levou à criação de inúmeras cópias de diversas esculturas
de perpetuação de vida e de memória que elas passam. O gregas, muitas delas preservadas em importantes museus.
ato de registrar em uma parede ainda hoje se encontra muito
próximo do ato de fotografar, e ambos têm a função de regis- Páginas 130 a 132   Arte como subversão na década
trar um momento ou a memória de um momento e torná-los de 1960
acessíveis materialmente para gerações e gerações. A ideia de subversão como arte será tratada em referência
Páginas 126 e 127   Das artes à arquitetura – ao decorrer dos anos de 1960 a 1985 no Brasil. Nesse momen-
produção de imagens no Egito Antigo to, a arte se mostra como uma ferramenta fundamental para
problematizar e levantar questionamentos sobre as ações
Seguindo no processo de compreensão das possíveis abusivas promovidas pelo regime da ditadura civil-militar. A
relações entre os seres humanos e as imagens, este tópi- arte se oferece, então, como um veículo a ideias que não po-
co apresenta a sociedade egípcia. Serão vistos aspectos da diam ser expressas de maneira direta em vista da repressão
construção das pirâmides e seu significado enquanto re- operante.
presentação política e caminho simbólico para a vida eter-
na do faraó, combinação capaz de estender seus valores Página 133   Arte no dia a dia
para além de sua imagem como monumento. Assim como Esta atividade visa trabalhar de modo associado os aspec-
a arquitetura, a escultura também contribuiu em termos tos estudados sobre a importância das imagens nas socieda-
de significação, uma vez que o escultor foi considerado des egípcia e grega, no período identificado como ditadura
“aquele que mantém vivo”. Essas considerações permitem civil-militar ocorrido no Brasil e a percepção atual do estudan-
a percepção sobre como a representação por meio de uma te sobre as formas de circulação e relacionamento com as ima-
imagem e a realidade estiveram, por muito tempo, total- gens em suas várias formas de apresentação (propagandas em
mente integradas. diversos veículos, notícias de jornal, internet). Outras questões
Páginas 128 e 129   A Grécia Antiga e a imagem como interessantes referem-se à reflexão sobre a durabilidade dessas
representação de esplendor e nobreza imagens, a apropriação de uma mesma imagem em diferen-
tes contextos e, ainda, a diferença de compreensão de uma
A arte grega nos mostrará, em grande proximidade mesma imagem quando produzida por diferentes receptores.
com a arte egípcia estudada anteriormente, como algu-
mas estratégias compositivas em termos de simetria foram Páginas 134 e 135   Fazer arte
mantidas. Entretanto, serão percebidas, em igual sentido,
novas alternativas para a concepção formal, as quais refle- Objetivos

tem formas particulares de interação com as imagens. As ƒƒ Discutir e expressar-se artisticamente sobre questões relati-
vas à rotina do trabalhador e à rotina de estudo.
diferenças se mostram como forma de compreensão do
ƒƒ Praticar jogos inspirados no Teatro Imagem de Augusto Boal.
que existia de diferente na própria estrutura de pensamen-
ƒƒ Fruir da produção artística dos colegas.
to dos egípcios e gregos: enquanto os egípcios trabalham
na construção de uma imagem rígida, capaz de conduzir a Esta atividade, denominada “quadros vivos”, é inspirada no
ideia de eternidade demarcada pelo papel do faraó como Teatro Imagem de Augusto Boal, com algumas modificações
uma divindade na terra, os gregos se voltam para o aspec- criadas especificamente para esta prática, e tem o objetivo de
to terreno e, por assim dizer, humano das divindades, de- relacionar teatro e artes visuais, por meio do uso da fotografia.
Materiais
monstrando em suas imagens caracteres de maior leveza
ƒƒ câmera fotográfica, smatphone ou tablet.
e movimentação.
Instruções
Página 128   Arte em diálogo – Artes visuais e História 1. Depois de lerem o poema, “O operário”, oriente os estu-
dantes a formarem grupos com no máximo seis integran-
O diálogo entre Artes visuais e História visa demarcar o pa- tes e divida o poema entre cada grupo.
pel desempenhado pelo escultor Fídias como o responsável Sugestão:

433
Grupo 1: versos 1 a 3 Capítulo 9 Dança e sociedade
Grupo 2: versos 4 a 6
Grupo 3: versos 7 a 10
Grupo 4: versos 11 a 13
Grupo 5: versos 14 a 16
Grupo 6: versos 17 a 19
Grupo 7: versos 20 a 22
Grupo 8: versos 23 a 26.
Depois de formados os grupos e distribuídos os versos,
cada grupo vai experimentar corporalmente, a partir dos pró-
prios gestos, de duas a três cenas que expressem as ideias,
sensações e situações do trecho selecionado. Montem as ce-
nas como um quadro composto por pessoas ao vivo, por isso
o nome “quadros vivos”.
Conteúdos
2. Enquanto um grupo experimenta seus “quadros vivos”,
ƒƒ Dança na contemporaneidade, história da dança, dança de
os outros observam, tiram fotos das posições iniciais, de-
rua e balé clássico
pois, e podem fazer modificações nesses “quadros”, mo-
ƒƒ Fruição, apreciação, apropriação e criação em dança
vendo os colegas e colocando-os em outras posições e
tirando novas fotos. O objetivo é que eles percebam as
construções artísticas possíveis ao relacionarem-se com Páginas 137 a 139   Afinando os instrumentos
uma temática e observar como pequenas alterações O objetivo deste capítulo é levar os estudantes à com-
nas posições e gestos dos atores podem gerar gran- preensão da dança e dos seus diferentes estilos como ex-
des mudanças na expressividade e nos significados dos pressão humana, social e cultural. A epígrafe é uma frase do
“quadros vivos”. pesquisador de dança estadunidense John Blacking, que,
3. As fotografias devem ser realizadas no momento inicial ao se referir à dança como um fato social, remete às capa-
em cada um dos grupos. Em caso de modificações nas cidades específicas da nossa espécie e a uma “força básica
posições iniciais como resultado das sugestões dos outros da vida social”.
grupos, novas fotografias devem ser realizadas para uma A princípio, abordam-se as várias formas de dança, mas fo-
análise comparativa, que permitirá compreender o reflexo ca-se na dança de rua como tema principal para construir um
direto da modificação da posição e a consequente altera-
conhecimento fundamentado em práticas de dança social-
ção expressional.
mente inclusivas e não discriminatórias. Também é apresentado
4. Para finalizar, entre todas as fotos que os estudantes pro-
o pensamento da antropóloga da dança Judith Lynne Hanna
duziram, escolha três ou quatro fotos de cada grupo e
organizem uma exposição. Vocês podem colocar as ima- (1936-), que lista sete comportamentos humanos para a com-
gens em sequência reconstruindo o poema por meio de- preensão da dança. Enfatiza-se a possibilidade de ampliar a
las, por exemplo. discussão para vários estilos de dança a exemplo da dança
de salão (que está presente em muitas culturas do mundo);
Página 136   Ensaio corrido do jazz (símbolo da cultura afro-americana); do balé (com sua
Resgatar os aspectos estudados sobre o significado das matriz europeia); da dança moderna (estadunidense e alemã);
imagens em diferentes tempos, contextos e em relação a das danças brasileiras (que representam a fusão das matrizes
diferentes receptores. Conduzir os estudantes à percepção africanas, indígenas e europeias que constituem o povo bra-
da imagem como elemento atuante e ferramenta de trans- sileiro) e de todas as outras formas de se dançar espalhadas
missão de sentidos e ideias, caso das apropriações realizadas pelo mundo.
pelo artista Cildo Meireles, e até mesmo em condições mais
cotidianas, como em revistas e jornais. Página 139   Roda de conversa
Nesta roda de conversa, é proposto aos estudantes um
Página 136   Roda de conversa
trabalho de pesquisa no bairro ou na comunidade para cole-
Neste capítulo, foi trabalhado como imagens que sobrevi- tar dados sobre a presença, o significado e a importância da
veram por diversos séculos e que foram capazes de transmitir dança na vida dos entrevistados.
o poder de um rei ou a sobrevivência de uma cultura. Tam- O objetivo dessa pesquisa é levar os estudantes a com-
bém foram vistas imagens produzidas em grande número e preender a dança como uma forma de expressão social e
que são recorrentemente apagadas, editadas e distribuídas. cultural, que vai além do senso comum, ou seja, da compre-
Apresente essas questões e proponha um debate sobre essas ensão de dança somente como técnica e espetáculo. Para
modalidades de representação e circulação das imagens. isso, é levantada a relação estabelecida entre dança e técnica

434
e entre dança e cultura, ou seja, a dança como símbolo da obtidas nas entrevistas com as suas próprias motiva-
identidade, como forma de participação social e cultural na ções e definições de dança. A ideia é mostrar a impor-
comunidade, a exemplo das danças relacionadas à religião tância da dança não apenas na vida de cada um dos
ou aos rituais específicos de um grupo social. Assim, todas entrevistados, mas também na vida dos estudantes.
as respostas são válidas e deverão ser utilizadas como da- 2. Não há respostas certas ou erradas, pois as questões estão
dos relevantes para as discussões sobre a pesquisa. relacionadas ao cotidiano dos estudantes e devem refletir
suas experiências e visões de mundo. O objetivo é diagnos-
Orientações complementares para a realização ticar a inserção da dança no contexto dos estudantes, fazê-
da entrevista -los compartilhar um pouco do que conhecem sobre dança,
as respostas obtidas nas entrevistas, o contexto vivenciado
Considerações gerais por eles no bairro, na rua e na comunidade em que estão
Dependendo da quantidade de estudantes na turma, é inseridos e estimular a reflexão, a percepção e a consciência
possível propor uma conversa com a participação de todos das possibilidades e movimentos dos seus corpos.
ou pode-se optar por dividir a turma em dois grupos para que Observe, na resposta dos estudantes, quais estilos ou for-
aconteçam duas rodas menores. Na roda de conversa, os estu- mas de se dançar são referências para eles. Existe uma pre-
dantes não só podem apresentar as respostas das entrevistas, dominância de estilo ou forma de se dançar entre eles?
mas também podem responder às perguntas das entrevistas. Se positivo, qual? Com base nas respostas dadas por eles,
Se julgar interessante, organize a roda de conversa em dois mo- é possível depreender as concepções deles a respeito
mentos: primeiro, eles compartilham as entrevistas realizadas e, da dança. É importante frisar que dança não é somente
depois, respondem às perguntas com base em suas próprias o balé clássico ou o jazz e não está presente apenas em
experiências. Nesse segundo momento, as perguntas podem academias e escolas de dança. É fundamental considerar
ser lidas por um dos integrantes da roda ou pelo professor. formas populares de dança, como o samba, o funk, o forró.
3. Estimule a reflexão dos estudantes sobre as diferenças
Sobre o passo a passo da entrevista entre as danças que eles conhecem e os espetáculos
1. É importante que os estudantes compreendam que as de companhias de danças profissionais, lembrando que,
pessoas podem dançar em diversos lugares da cidade muitas vezes, as companhias de dança se inspiram nas tra-
onde moram. É muito provável que eles encontrem al- dições populares ou no cotidiano das pessoas para cria-
gum grupo para utilizar como exemplo: um grupo que rem seus espetáculos, como no exemplo da Companhia
dança na rua, nas praças, nas instituições religiosas, nos Urbana de Dança.
clubes etc. Caso não encontrem um grupo que pertença
à categoria “dança de rua”, motive-os a buscar a presença Páginas 140 a 145   Quando a dança invade as ruas
de outro estilo de dança na cidade. Um dos objetivos deste capítulo é o reconhecimento das
b) Esta pergunta visa a uma análise qualitativa. Estimu-
diferenças quando o assunto é o movimento humano. Por
le a reflexão dos estudantes e pergunte a eles: Entre
isso, nessa parte, serão abordados conteúdos sobre a histó-
os cinco entrevistados, quantos responderam que
ria da dança, mostrando sua presença em espaços e tempos
gostam de dançar? Por que você acha que isso acon-
tece? Será que está relacionado ao lugar, à idade, à diferentes. São apresentadas imagens para que os estudantes
profissão ou ao sexo dos entrevistados? As respostas se aproximem da ideia das danças da nobreza e das danças
a essas perguntas muitas vezes podem trazer à tona dos camponeses do século XV. No entanto, você poderá en-
questões de gênero e da bagagem cultural dos en- contrar em pesquisas na internet exemplos de vídeos e filmes
trevistados. Aproveite esse momento para estimular o que apresentam essas danças. Caso considere interessante,
conhecimento dos diversos estilos e formas de dança, você pode exibi-los ou indicá-los para que os estudantes ob-
e para a desconstrução de alguns preconceitos, por servem as dinâmicas de movimento desse período e possam
exemplo, de que a prática da dança está mais ligada contrastá-las com os movimentos das danças de rua e dos
ao gênero feminino. outros estilos de dança da atualidade.
c) Aproveite para conversar sobre a importância da dan-
ça não apenas como forma de entretenimento, mas Página 141   Arte em diálogo – Dança e Hip-Hop
também como arte, e sobre a contribuição das festas
Nesse boxe, foi estabelecido um diálogo com o Hip-Hop.
populares para a manutenção e a afirmação cultural
Por ser muito divulgado na mídia nacional e internacional e
de vários estilos de dança. Por exemplo, o período de
estar presente em centros urbanos de todo o país, o Hip-Hop
Carnaval, o dia de São João, o período de Natal, em
nos instiga a várias discussões.
que muitas das tradições populares ocupam as ruas e
O objetivo é aproximar os estudantes de dados da histó-
praças de várias cidades brasileiras.
d) Com esta questão, espera-se conhecer e debater o ria do Hip-Hop, mas podem surgir outras discussões, como
contexto social e cultural dos entrevistados e perce- outros estilos de dança de rua praticados pelos estudantes,
ber de que forma a dança se insere nesse contexto. a presença das mulheres nos grupos de dança de rua no sé-
e) Estimule os estudantes a relacionarem as respostas culo XXI, a presença dos negros nesses grupos e suas ações

435
afirmativas. Como mediador do processo, é importante que de rua no capítulo, chama-se a atenção dos estudantes para
você sonde os conhecimentos prévios dos estudantes e os contrastes e diferenças históricas entre esses dois estilos
verifique a familiaridade deles com o tema com perguntas: de dança. A ideia é convidar os estudantes a observarem os
Quantos de vocês conhecem o Hip-Hop ou a dança de rua? elementos diferentes, como o figurino, os espaços que ocu-
Quem de vocês dança ou já dançou Hip-Hop ou dança de pam e, principalmente, os movimentos executados por seus
rua? Qual é a importância do Hip-Hop ou da dança de rua na intérpretes, representativos das culturas e das situações so-
vida de vocês? ciais vividas.
Durante a conversa com os estudantes, valorize os conhe-
Página 149   Arte no dia a dia
cimentos locais, ou seja, aqueles descobertos muitas vezes
dentro da própria sala de aula. É importante incentivar o pro- Mais uma vez, incentiva-se os estudantes a entrarem em
tagonismo dos estudantes como elemento construtivo de contato com diferentes veículos de comunicação e amplia-
um processo de ensino-aprendizagem. rem seus conhecimentos sobre a dança presente na cidade
Ao longo do desenvolvimento dos conteúdos deste ca- ou comunidade deles. O foco desse boxe são as companhias
pítulo, estimule os estudantes a compartilharem com você e de balé clássico, com o objetivo de os estudantes reconhe-
com os colegas conhecimentos e experiências prévias. cerem a presença de dança cênica na cidade deles, mesmo
que seja de companhias de outras cidades ou estados que
Páginas 143 e 144   Arte no dia a dia
tenham se apresentado na cidade onde moram.
Os objetivos da pesquisa são os estudantes se aproxima-
rem da diversidade de estilos de dança e reconhecerem os Página 149   Ensaio corrido
jornais, as revistas e a internet como fontes de informação Neste capítulo, foram explorados aspectos sociais e cul-
para a aquisição de conhecimento sobre dança. turais que compõem a dança de rua e o balé clássico a fim
A atividade pode ser feita em grupos de quatro estudan- de que os estudantes reconheçam – com base em pesquisas
tes. Embora tenha sido sugerida uma atividade em grupo, é e comparações entre esses dois estilos de dança – a diver-
proposto que as respostas dos estudantes sejam individuais, sidade de movimentos, os conflitos e as relações de poder
pois integrantes de um mesmo grupo podem apresentar res- presentes nos vários estilos de dança: cênica, praticada no co-
postas diversas, complementares e até mesmo divergentes tidiano ou que ocupa espaços além dos palcos dos grandes
sobre a mesma companhia pesquisada. Por causa das con- centros urbanos.
cepções diversas sobre dança, podem surgir divergências Ao aproximar estilos de dança tão distintos, almeja-se que
dentro dos próprios grupos, e isso cria um excelente momen- os processos de ensino-aprendizagem propostos contem-
to para a aproximação real dos estudantes dos conteúdos plem a diversidade de corpos, de ideias e de movimentos
abordados. Lembre-se de que estamos falando da dança feita presentes na dança na contemporaneidade.
na rua, permeada pelas diferentes formas de se viver nos cen- Página 150   Roda de conversa
tros urbanos.
Nesta roda de conversa, são enfatizadas as diferenças en-
Página 145   Fazer arte tre a dança de rua e o balé clássico, incentivando a capacida-
de de análise e reflexão de cada estudante.
Objetivos Ao longo do capítulo, foram indicados filmes e ima-
ƒƒ Experimentar e conhecer os planos de movimento gens que podem auxiliar os estudantes a construírem
conforme os princípios de Rudolf Laban. suas opiniões e desenvolverem essa análise, pois o acesso
a imagens do corpo em movimento é um recurso impor-
Se possível, para a realização desta atividade, utilize outros tante para o aprendizado da dança. Antes de finalizar a
espaços da escola como corredores, pátio e quadra. Desse discussão do capítulo, você pode retomar alguma cena
modo, os estudantes podem explorar um fator importante de um dos filmes assistidos, mostrar trechos de vídeos de
no processo de criação em dança: o reconhecimento de um balé clássico e de dança de rua ou compartilhar outras
novo espaço. imagens e propor aos estudantes que experimentem com
seus corpos essas duas formas de dançar, imitando os mo-
Páginas 146 a 149   Entre a dança da nobreza e a
vimentos assistidos e/ou conhecidos antes ou durante a
dança de rua roda de conversa proposta.
É apresentado um pouco da história da dança no Brasil, Lembre-se de que esse é um momento importante para
com o objetivo de levar os estudantes a compreendê-la de comparar os conhecimentos preexistentes dos estudantes e
forma mais ampla, relacionando-a ao contexto social, econô- os conhecimentos construídos após a abordagem do capí-
mico, político e cultural. tulo. A roda de conversa pode ser mais um momento impor-
Ao apresentar uma imagem de balé clássico no Teatro tante para a avaliação contínua e processual sugerida neste
Municipal do Rio de Janeiro e vídeos e imagens de dança livro didático.

436
Capítulo 10 Música e sociedade Já no rap “Beco Sem Saída” buscou-se aproximar à gra-
vação original dos Racionais MC’s, tanto na instrumentação
quanto no canto. Da mesma forma, o poema “Operário”, de
Mario Chamie, foi musicado em forma de rap e buscou-se
inseri-lo na linguagem musical desse estilo no Brasil.
Além de propiciar a possibilidade de os estudantes reali-
zarem uma reflexão sobre as relações entre música popular
e sociedade, eles entrarão em contato com uma produção
musical brasileira de significação histórica e artística.

Páginas 158 a 160   Nova paisagem sonora urbana no


Brasil
Neste momento é discutido como o desenvolvimento
tecnológico proporcionou aos músicos uma grande liberda-
Conteúdos de para compor e veicular suas produções musicais , deixan-
ƒƒ Música e identidades do de depender exclusivamente das grandes gravadoras e
ƒƒ Música e diferenças das rádios para produzi-las e veiculá-las. Relacione esse con-
ƒƒ Paisagem sonora
teúdo ao dos subtítulos “Do fonógrafo à música pela internet”
e “Música e tecnologia digital”, do capítulo 21 da Unidade
5, ressaltando como os avanços tecnológicos ampliaram as
Página 151   Afinando os instrumentos possibilidades de produção e divulgação musical e como esta
Neste capítulo é abordado o ensino da música e do som ampliação teve impacto na forma de se ouvir música.
por meio de suas relações com a sociedade brasileira. Tais
Página 163   Fazer arte
relações levarão a diálogos com as Ciências Sociais em suas
interfaces de estudo entre a arte e a sociedade, especialmen-
te a Etnomusicologia, ressaltando como a música pode ser Objetivos
utilizada na construção de identidades e comportamentos ƒƒ Criar, apresentar e fruir breves esboços de coreografia a
de grupos sociais, sendo uma importante parte da vida das partir da base musical apresentada.
pessoas em diferentes culturas.
Discute-se o pensamento do professor canadense Murray
Schafer e seu conceito de paisagem sonora e do professor Esta experiência prática interartes pretende envolver o
Samuel Araújo e seus colaboradores da Universidade Fede- trabalho de criação musical desenvolvido pelos estudantes
ral do Rio de Janeiro. O conceito de música popular brasileira com a criação coreográfica em grupo. Da mesma forma, os
é ampliado, abrigando não só canções clássicas da primeira trabalhos realizados com o teatro imagem desenvolvidos no
metade do século XX – de Noel Rosa, Herivelto Martins, Sílvio capítulo 8 da Unidade 2 poderão ser utilizados nesta atividade.
Caldas e Orestes Barbosa –, mas também parte da produção Experiências interartes no ensino de arte podem ser al-
contemporânea, especialmente o rap do grupo paulistano cançadas tendo como base projetos que contemplem os
Racionais MC’s. pontos de contato entre os vários campos artísticos, os quais,
No CD de áudio que acompanha este livro, você encontra- no decorrer desta obra, estão sendo chamados de experiên-
rá as canções “Ave Maria no Morro”, “Chão de Estrelas” e “Com cias interartes. Existem também possibilidades de, com base
que Roupa”, que representam a produção musical da primeira na compreensão de zonas de contato da Arte com outras
metade do século XX no âmbito da música popular brasileira, áreas do conhecimento, buscar experiências interdisciplinares
e um fragmento do rap “Beco Sem Saída”, dos Racionais MC’s. de ensino envolvendo uma ou mais disciplinas em integração
Nas três primeiras canções, buscou-se manter a instrumenta- com uma ou mais linguagens artísticas – estas são chamadas
ção das gravações originais, utilizando o mesmo conjunto de experiências interdisciplinares.
instrumentos e aproximando-os dos arranjos tradicionais que
marcaram essa fase da produção musical brasileira. Por outro Página 164   Ensaio corrido
lado, as interpretações dos cantores buscaram se alinhar aos
estilos contemporâneos de canto popular. Assim, ao mesmo Neste capítulo busca-se mostrar as múltiplas conexões do sa-
tempo que os arranjos das canções remetem a um univer- ber musical com outras áreas do conhecimento, como as Ciências
so musical antigo, a interpretação dos cantores as traz para Sociais, e é apresentada uma proposta de experiência interartes,
uma forma atual de fazer música brasileira. Com isso passado em um diálogo entre a música, a dança e o teatro. Espera-se que
e presente se unem e ampliam as possibilidades de fruição os estudantes tenham ampliado seus conceitos sobre a música,
musical dos estudantes, relacionando a audição das músicas percebendo que as mesmas temáticas podem ser abordadas por
ao complexo passado-presente que encontrarão no livro. compositores de diferentes épocas e estilos.

437
Página 163 Roda de conversa portanto, que subverta a proposta original nem que seja
apenas uma reprodução da cultura musical dos Estados
Verifique se os estudantes conseguiram estabelecer conexões Unidos. Como o próprio texto apresenta, o hip-hop no
entre a temática das letras das canções estudadas no capítulo e
Brasil deriva das festas black que, por sua vez, surgiram
situações do cotidiano das cidades brasileiras e as diferenças na
como uma alternativa de lazer antes inexistente e não da
forma como os temas são abordados em cada canção. Tente rela-
diversidade de práticas artísticas já presentes nas periferias
cionar esse conhecimento às preferências musicais dos estudan-
brasileiras. Adicionalmente, à indústria fonográfica não in-
tes e discuta outros exemplos de músicas trazidos por eles para a
sala de aula. É importante, também, ressaltar que a abordagem de ventou o movimento, mas apropriou-se dele.
temas como a pobreza não deve ser indicativo de qualidade ou 3. Apesar da distância temporal entre o grafite contempo-
falta dela dentro da produção musical, mas deve ser vista como râneo e a arte rupestre, é possível encontrar uma aproxi-
uma dentre as várias possibilidades de se envolver com a canção mação entre as produções no que se refere à busca de re-
popular, tanto como criador quanto como ouvinte. gistrar o pensamento e a crença das sociedades em várias
épocas
Sugestão de CD 4. Somente as afirmativas I, II e IV estão corretas. A afirmativa
ƒ Racionais MC’s. Coletânea 25 anos. 2014. III não está correta, pois o bailado dramático e a repro-
dução de uma técnica específica são ferramentas do balé
A coletânea lançada em 2014 em comemoração aos 25
clássico e não da dança contemporânea.
anos de atividade do grupo traz 14 canções, gravadas ori-
ginalmente nos discos anteriores, que permitem conhecer
a trajetória poético-musical dos Racionais MC’s e seus raps
contestatórios.
Unidade 3 Arte e as cidades
Sugestão de site
ƒ Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira. Dis-
ponível em: <www.dicionariompb.com.br>. Acesso em: 2
maio 2016.
O site apresenta breves biografias, as principais músicas
e discos, e uma contextualização crítica que permite com-
preender a importância dos compositores citados neste
capítulo inseridos na produção da música popular no Brasil.

Sugestão de leitura
ƒ SEVERIANO, J. Uma história da música popular brasileira. São
Paulo: Editora 34, 2008.
Nesse livro, o autor contextualiza historicamente os
gêneros e movimentos que marcaram a história da música
popular no Brasil, os principais compositores, músicos e
intérpretes.
Páginas 168 e 169 Preparando as tintas e os pincéis

Páginas 165 e 166 Atividades de múltipla escolha A relação entre arte e as cidades é um tema gerador de
discussões importantes na contemporaneidade, pois eviden-
1. O Teatro do Oprimido democratiza o acesso à linguagem cia as conexões da arte com o dia a dia das pessoas. A cidade
teatral e seus códigos a partir do momento em que torna
torna-se uma temática e uma problemática importante a ser
menos rígida a separação entre os que fazem (os atores)
tratada nas mais diversas áreas, e a arte tem se relacionado di-
e os que assistem (espectadores). Ao possibilitar, por meio
retamente com essa problemática, interferindo no cotidiano
de seus jogos e exercícios, que todos façam teatro, o Teatro
das cidades e nas suas formas de organização.
do Oprimido não restringe a prática teatral aos atores e
demais artistas do teatro. Tornando o cidadão como pro- Por meio de um panorama da relação das Artes visuais, da
tagonista, Boal possibilitou uma abertura do Teatro do Dança, da Música e do Teatro com as cidades, é possível com-
Oprimido às temáticas diversas, criando um espaço para preender muitas práticas criativas contemporâneas e perce-
a discussão de temas importantes em cada comunidade ber sua contextualização ao longo da história. As experimen-
que o pratica. tações propostas nesta Unidade pretendem fomentar uma
2. Ao mesmo tempo em que se mantém fiel aos ideais ori- relação diferenciada dos estudantes com as cidades onde
ginais de paz e de afirmação de identidades de jovens vivem. Assim, experimenta-se a cidade como campo, tema e
afrodescendentes e pobres, o hip-hop no Brasil incorpora matéria da criação artística relacionada à arte e ao exercício
elementos da cultura brasileira, não sendo possível afirmar, da cidadania.

438
Interdisciplinaridade Página 171   Roda de conversa

Durante o estudo dos assuntos abordados nesta Unidade, Este levantamento inicial objetiva aproximar os conteú-
você vai observar conexões interdisciplinares entre as artes e dos a serem tratados das experiências prévias dos estudantes.
outras áreas do conhecimento. Essas conexões são explicita- Partindo de uma pesquisa sobre os edifícios teatrais existen-
das no boxe “Arte em diálogo". tes na cidade onde vivem, ou de outros espaços fechados
nos quais se apresentam peças teatrais, pretende-se levantar
suas características e trabalhá-las no tema Teatro de palco.
Capítulos da Unidade 3 Arte em diálogo
Da mesma forma, a pergunta sobre outros lugares, além dos
11 Teatro e cidade – Intervenção urbana, espaços teatrais fechados, nos quais os estudantes já presen-
Geografia e Sociologia ciaram uma ação cênica, possibilita o levantamento das prin-
cipais características dessa ação e do lugar específico no qual
12 Música e cidade – Música e Física ela aconteceu. Essa temática é tratada em relação ao teatro de
– Música e História rua, à intervenção urbana, ao circo e à performance.

13 Artes visuais e cidade – Arte pública e patrimônio Páginas 172 e 173   Teatro de palco
14 Dança e cidade – Dança e Arquitetura Neste momento, o objetivo é contextualizar historicamen-
– Dança e saúde te o surgimento dos edifícios teatrais fechados, que influen-
ciaram a arquitetura teatral contemporânea de vários países
do mundo, inclusive do Brasil. Essa contextualização contribui
para o entendimento da relação do teatro com as cidades e
Capítulo 11 Teatro e a cidade possibilita melhor compreensão dos elementos mais comuns
do teatro de palco, tratados nesse momento. É importante
relacionar esses elementos às experiências prévias dos estu-
dantes levantadas na “Roda de conversa” inicial.

Atividade complementar

Objetivo
ƒƒ Possibilitar a fruição de uma obra teatral de palco e o conhe-
cimento da estrutura de um edifício teatral.

Se possível, agende uma visita a um espaço teatral da


cidade, para assistir a uma apresentação de teatro. Caso sua
cidade não tenha edifícios especialmente preparados para
Conteúdos apresentações teatrais, tente agendar uma visita a ginásios,
ƒƒ Teatro de palco auditórios ou outros lugares fechados onde costumam acon-
tecer apresentações teatrais. A possibilidade de assistir a pe-
ƒƒ Teatro de rua
ças em edifícios teatrais, ou em outros lugares que podem
ƒƒ Circo exercer essa função, possibilitará a compreensão das carac-
ƒƒ Intervenção urbana terísticas específicas da relação do público com a obra e suas
ƒƒ Performance arte diferenças com o teatro realizado na rua, por exemplo.
O ideal seria uma visita que possibilitasse aos estudantes
Página 170   Afinando os instrumentos assistirem a uma peça e conhecerem a estrutura do palco e a
arquitetura do espaço. Divida a turma em grupos de quatro a
As relações do teatro com o elemento espaço e com a cinco estudantes e peça a eles que elaborem um relatório da
polis grega, abordadas nos capítulos 7 e 8, respectivamente, visita, respondendo às seguintes questões:
são retomadas neste capítulo, que tem como foco a cidade. 1. Como é o espaço visitado?
A partir das diferenças entre os espaços, as temáticas e os
 esposta 1: Os estudantes devem evidenciar as caracterís-
R
procedimentos do teatro de palco e do teatro de rua, in-
ticas internas e externas do espaço, como: hall de entrada,
cluindo aí o circo e a intervenção urbana, pretende-se que
bilheteria, espaço da plateia, espaço do palco, bastidores,
os estudantes experimentem e compreendam as trans-
camarins etc.
formações que a cidade provoca no teatro e vice-versa. O
objetivo é continuar relacionando as práticas teatrais con- 2. Qual foi a peça assistida e como ela se relaciona com o
temporâneas ao cotidiano dos estudantes e fomentar que, espaço do teatro?
em contato com essas práticas, eles possam transformar as  esposta 2: Os estudantes devem escrever o nome da
R
relações com seu entorno. peça e analisar sua relação com o espaço. Exemplo: “A peça

439
aconteceu no palco e o público ficou sentado de frente com experiências de rua. As práticas do teatro de agit-prop
para os atores”; “A peça aconteceu em uma quadra e o pú- russo, do teatro político de Erwin Piscator e Bertolt Brecht
blico ficou nas arquibancadas em volta dos atores” etc. foram, posteriormente, referências decisivas na criação dos
3. Quais são as regras de comportamento do público no grupos teatrais de rua dos anos 60/70. Neste período tam-
espaço visitado? bém se observou a presença de influências relacionadas com
 esposta 3: Exemplos de possíveis respostas: “O público
R buscas cerimoniais e ritualísticas a partir de práticas tea-
ficava no escuro e deveria se manter em silêncio durante a trais articuladas em comunidades. A efervescência cultural e
peça”; “O público podia intervir na apresentação”. As regras política desse período, fortemente influenciado pelo pensa-
costumam ser explícitas, como no caso de haver regras mento marxista, e ao mesmo tempo, pelos movimentos pa-
impressas atrás do ingresso ou algum vídeo ou áudio ex- cifistas-coletivistas facilitou essa aproximação. É importan-
plicando como as pessoas devem se comportar. Se neces- te remarcar estas influências porque foi nas décadas de 1960
sário, explique aos estudantes as regras de comportamen- e de 1970 que se abriram os caminhos para a consolidação
to esperadas naquele ambiente antes da visita. O objetivo do teatro de rua atual.
é deixar clara a existência dessas regras e a diferença que
CARREIRA, André. Reflexões sobre o conceito de Teatro de Rua. In: TELLES, N. CARNEIRO,
isso provoca quando comparado ao teatro de rua, no qual A. (Org.). Teatro de rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-papers serviços editoriais,
elas não existem de maneira explícita. 2005. p. 21-22.
Após essa contextualização histórica, Carreira percorre
Páginas 174 e 175   Teatro de rua algumas definições de teatro de rua que ora o associam di-
retamente a uma atividade de cunho político, ora o gene-
A seguir, há um aprofundamento teórico sobre o teatro ralizam como atividade que ocorre na rua. O pesquisador
de rua que auxiliará na compreensão da diversidade do teatro refuta a associação direta do teatro de rua com o teatro po-
de rua na contemporaneidade e ajudará a trabalhar o assunto pular dizendo que, apesar de importante na caracterização
com os estudantes. de muitas práticas teatrais na rua, não pode ser considerada
Sob o termo teatro de rua aglutinam-se uma série de uma prática homogênea. Ou seja, nem todo teatro de rua
práticas, diversas em suas temáticas, procedimentos e esté- recorre, necessariamente, às temáticas e aos procedimentos
ticas. Normalmente associado ao teatro popular, o teatro de da arte popular, havendo muitas práticas experimentais e
rua tem sido cada vez mais estudado no âmbito acadêmico mais associadas às vanguardas artísticas.
brasileiro. A seguir, André Carreira (2005) questiona essa asso- Ainda com relação ao espaço, o teatro de rua lida com
ciação direta e estabelece um percurso histórico do teatro de uma multiplicidade de apelos e acidentes durante sua
rua, desde seu surgimento até a atualidade. apresentação. Frente ao palco italiano e ao edifício teatral,
O fenômeno teatral na rua existe desde o advento da no qual se trata de excluir o mundo exterior a fim de corro-
própria cidade. Mas, tal qual como conhecemos hoje, como borar para a criação de outro mundo fictício da cena teatral,
acontecimento teatral paralelo à teatralidade do espaço fe-
a rua lida com o aqui e agora, e sua ficção ou teatralidade
está em contínuo tensionamento com os acontecimentos
chado, surgiu na Idade Média no momento em que uma
próprios da rua. Mesmo que haja espetáculos que são di-
vertente de realizadores de teatro religioso, uma vez impe-
vulgados anteriormente e podem contar com a presença
dida de representar nos templos, optou por utilizar os es-
de um público previamente agendado, a grande parte dos
paços abertos da cidade nos quais passou a conviver com
espetáculos de rua acontece com um público acidental.
os narradores, cômicos e todo tipo de artistas mambembes.
Ou seja, frequentadores de praças, parques e ruas que in-
Este teatro religioso, apoiado pelas corporações de ofício, se
terrompem seu cotidiano para assistir a uma apresentação
combinou posteriormente com o desenvolvimento das fes- teatral apenas pelo tempo em que esta lhe prender o inte-
tas civis. Por outro lado, a tradição do jogral medieval se viu resse ou a atenção.
renovada pelos artistas da Comédia Italiana – a Commedia Há, portanto, uma relação diferenciada do teatro de rua
D’ellArte – que cruzaram toda Europa com seus roteiros e com o público. Ao contrário do edifício teatral no qual o pú-
personagens característicos. blico normalmente já reservou algumas horas de sua vida
A partir do século XVIII as expressões que deram con- para presenciar aquela ação, na rua o artista deve conquistar
tinuidade à tradição do espetáculo do teatro de rua se dis- e reconquistar seu público a cada momento, além de ter de
persaram, constituindo-se em um corpus difícil de delimitar. lidar com uma grande variação no número de pessoas duran-
Se bem o teatro de feira guardou uma continuidade relativa, te um espetáculo, o que lhe concede uma característica bas-
o elo mais forte da tradição consistiu na festa de povoado tante diferenciada. Assim, a partir do espaço e do espectador,
(particularmente na Europa), seja no carnaval, ou nas festas Carreira (2005) ressalta que:
religiosas.
No princípio do século XX observamos, na nascen- [...] é possível dizer que a noção de teatro de rua en-
te União Soviética e na Alemanha, movimentos políticos globaria todos os espetáculos ao ar livre fora de um espaço
intensos acompanhados por uma vigorosa atividade teatral teatral convencional, apropriado temporariamente para o

440
acontecimento teatral, e permeável a um público acidental. Página 180   Arte em diálogo – Intervenção urbana,
Esta modalidade teatral pode ou não ter formas estéticas e/
Geografia e Sociologia
ou conteúdos ideológicos próprios da cultura popular, mas
essencialmente se vincula com a necessidade de um contato O objetivo desse boxe é contextualizar como conceitos
direto com um amplo espectro de público que não frequen- da Geografia e da Sociologia interferem nas práticas de in-
ta as salas teatrais. tervenções urbanas. A discussão apresentada visa ampliar e
evidenciar as características de intervenção direta e transfor-
CARREIRA, André. Reflexões sobre o conceito de teatro de rua. In: TELLES, N. CARNEIRO,
A. (Org.). Teatro de rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-papers serviços editoriais,
madora no cotidiano das cidades.
2005. p. 35-36.
Página 182   Fazer arte
Esse pensamento sobre o teatro de rua pode ser comple-
mentado com a capacidade de essa modalidade de teatro Objetivo
chegar a lugares remotos nos quais não há espaços ou edifí-
ƒƒ Experimentar a performance arte como intervenção urbana
cios previamente designados para as representações teatrais.
no entorno da escola.
Sua característica de adaptabilidade aos diferentes espaços
da rua, ainda que haja espetáculos de rua site-specific, provoca Essa atividade pode ser feita como um projeto interdisci-
uma característica itinerante muito importante para a interio- plinar com os professores de Geografia, Sociologia e/ou Filo-
rização do teatro no país. Tanto feito por grupos locais quanto sofia. Quanto mais disciplinas, maior é o tempo de preparo e
por grupos de outros estados e cidades, é bastante comum
a complexidade da atividade, mas também maior é a possibi-
que pequenas cidades possam ter contato com o teatro a
lidade de um resultado ainda mais instigante.
partir dos artistas de rua, ampliando o acesso a essa arte para
As ações descritas estão diretamente relacionadas à inter-
além das casas de espetáculo das capitais.
venção urbana, ou seja, são ações cênicas em estreita relação
Páginas 178 a 180   Intervenção urbana com a cidade. Apresente a atividade aos demais professores
para que eles possam sugerir complementações relaciona-
Neste livro, intervenção urbana se refere àquelas interven- das aos conteúdos específicos de suas disciplinas. Essas com-
ções artísticas de caráter híbrido que dialogam diretamente plementações são muito valiosas no trabalho interdisciplinar
com as áreas urbanas. Carreira (2005) propõe as intervenções e devem ser valorizadas. Vocês devem pensar juntos todas
cênicas urbanas dentro da categoria do teatro de rua, que, as alterações e complementações necessárias para realizar a
segundo ele, abrange uma multiplicidade de formas na con- experiência proposta.
temporaneidade. Durante a primeira e a segunda etapa do boxe “Fazer arte”
Partindo de uma discussão da rua como espaço multifun- será preciso passear pela cidade. Por isso, é importante se
cional e da utilização contemporânea das ruas nas cidades
organizar na escola para que haja, pelo menos, três horários
apenas como espaço de deslocamento e não de convívio,
consecutivos para a realização de cada passeio. Essa atividade
Carreira (2005, p. 30) destaca o caráter transgressor do teatro
pode ser proposta como um projeto comum com os profes-
de rua ao romper, ainda que brevemente, “com o uso cotidia-
sores das áreas de Geografia, Sociologia e Filosofia, ampliando
no da rua, recria o espaço da rua e inventa uma nova ordem.
suas possibilidades de discussão, desenvolvimento e tempo
Ao mesmo tempo impõe um câmbio aos cidadãos que ca-
de realização. Escolha um trajeto que seja possível de se rea-
minham pela rua: de simples pedestres passam a exercer o
lizar a pé da escola até um local central de maior movimento
papel de espectadores”.
na sua cidade.
Essa transgressão, ainda que não manifeste uma intencio-
Se possível, recomenda-se que as duas saídas a campo
nalidade marcadamente política, se faz política ao interferir
sejam filmadas por algum estudante ou grupo de estudantes
na forma de relacionamento do cidadão com a cidade. Ao
que se disponham, também, a editar os vídeos. Esses estu-
mesmo tempo, dialoga com uma “cultura da rua”. De acordo
com Carreira (2005, p. 30), “Esta seria a mescla das culturas dos dantes não devem estar envolvidos diretamente nas ações
usuários do espaço da rua, isto é, tudo aquilo que se manipula artísticas, para que possam ter a tranquilidade de filmar o ví-
como modo de atuar próprio da rua: os medos, os códigos deo durante a intervenção urbana, e essa seria sua forma de
gestuais, as formas de ocupação do espaço etc.”. participação na atividade. O resultado pode ser analisado e,
Como foi visto ao longo do livro, as definições e catego- posteriormente, exibido em uma mostra cultural da escola,
rias no campo das artes são um terreno poroso e aberto a sendo necessário apenas um televisor.
várias interpretações. Assim, a inclusão das intervenções ur-
Página 183   Ensaio corrido
banas no contexto do teatro de rua amplia seus contornos
e revela a relação direta do teatro com a rua por meio des- Este capítulo foi trabalhado, do ponto de vista da relação
sas práticas. O importante é a compreensão de que as in- do teatro com a cidade, as diferenças entre o teatro apresen-
tervenções urbanas, como prática teatral de rua, propõem tado no palco e em edifícios teatrais e aquele apresentado
uma ruptura com o uso cotidiano da rua e da cidade. Esse na rua. A partir dessas diferenças, foram evidenciadas as prin-
entendimento será importante no momento de realização cipais características do teatro de rua, da intervenção urba-
da experiência proposta no boxe “Fazer arte” deste capítulo. na e da performance arte em espaços urbanos. Também foi

441
retomada a relação do circo com a cidade, destacando seu musicais ou da voz, conhecida como timbre, especialmente
caráter itinerante e a capacidade de circular por diversas cida- no que se refere aos harmônicos que produzem. Este estu-
des. No boxe “Fazer arte”, foi proposta uma prática interdisci- do será importante na compreensão das diferenças sonoras
plinar com Geografia, Sociologia e/ou Filosofia. encontradas nos diversos instrumentos que compõem as or-
questras e bandas de música.
Página 183   Roda de conversa Serão apresentados, em detalhes, as famílias de instru-
Nesta roda de conversa, a questão das diferenças entre as mentos – cordas, metais, madeiras e percussão –, a respeito
peças apresentadas em um edifício teatral e na rua serão re- dos materiais de que são feitos e os mecanismos implicados
tomadas. Os estudantes já tiveram a oportunidade de estudar na emissão de seus sons, com apresentação de alguns instru-
sobre essas diferenças ao longo do capítulo, ampliando seus mentistas brasileiros em cada família e sugestões de músicas
repertórios teórico e artístico para responder a esta questão. em que as famílias de instrumentos podem ser ouvidas em
Caso você tenha conseguido realizar a atividade complemen- maior destaque dentro do repertório da música instrumental,
tar sugerida anteriormente, eles também terão tido a expe- tanto popular quanto de concerto.
riência de visitar um edifício teatral ou espaço similar. Assim,
Página 185   Roda de conversa
estimule-os a recorrer ao que foi estudado para responder à
questão e discutir as diferenças com base nas vivências possi- O objetivo desta seção é despertar os estudantes para a
bilitadas neste capítulo. grande variedade de expressões musicais encontradas nas
cidades e para as possibilidades de se integrarem a grupos
de música instrumental em localidades próximas de onde
Capítulo 12 Música e cidade moram. Espera-se que, ao descobrirem a riqueza de combi-
nações de timbres presentes nos grupos de música instru-
mental, os estudantes se disponham a conhecer mais profun-
damente esse tipo de fazer musical, ampliando sua escuta e
até mesmo buscando se integrar a algum grupo.
É importante ressaltar que, muitas vezes, é preciso certo
esforço e tempo para quebrar hábitos de escuta musical, para
abrir-se a novas possibilidades musicais e para compreender
as linguagens musicais presentes em estilos diferentes da-
queles a que se está habituado a ouvir.

Página 194   Fazer arte

Objetivo
Conteúdos ƒƒ Identificação sonora das diversas famílias de instrumentos
ƒƒ Música de concerto de orquestra.

ƒƒ Banda de música ou fanfarra


Para esta atividade de apreciação musical foi escolhi-
ƒƒ Timbre da a composição Guia dos Jovens para a Orquestra (The
Young Person’s Guide to the Orchestra), do compositor inglês
Benjamin­Britten. Essa música, composta especialmente para
Páginas 184 e 185   Afinando os instrumentos
introduzir os ouvintes ao mundo da música de concerto,
Neste capítulo é abordado o ensino da música e do som apresenta as famílias dos instrumentos que compõem a or-
por meio de suas relações com o espaço urbano e as cidades, questra e que aparecem em sequência na obra, facilitando a
especialmente focando a música instrumental das orquestras diferenciação auditiva entre os naipes. É fundamental auxi-
de concerto e as bandas de música. Dessa maneira, pretende- liar os estudantes a apreender a melodia que será repetida
-se contemplar tanto as grandes cidades – onde se localiza a pelos diferentes naipes de instrumento ao longo do trecho
maior parte das orquestras de concerto no Brasil – quanto as estudado. Note que a música começa com todos os instru-
cidades de menor porte, que abrigam a maioria das bandas mentos da orquestra tocando a melodia ao mesmo tempo
de música existentes no país. e, em seguida, a mesma melodia vai ser tocada outras vezes,
As abordagens interdisciplinares levarão a diálogos com com algumas variações, cada vez com um naipe diferente de
outras áreas do conhecimento, como a Física e a História, instrumentos, na seguinte sequência:
que ajudarão na compreensão dos fatores determinantes ƒƒ Toda a orquestra toca a melodia.
para o timbre do som e da origem da palavra orquestra, ƒƒ Em seguida, uma variação da melodia é executada so-
respectivamente. mente pelo naipe das madeiras.
São aprofundados assuntos sobre os fatores que determi- ƒƒ Depois, é executada outra variação da melodia somente
nam a característica ou qualidade sonora dos instrumentos pelo naipe dos metais.

442
§ Novamente, uma variação da melodia é executada so- Página 200 Fazer arte
mente pelo naipe de cordas, incluindo a harpa.
§ Outra variação da melodia é executada, dessa vez apenas Objetivos
pela percussão. Os tímpanos é que tocam as primeiras no-
§ Identificar e produzir sons de diferentes timbres em uma
tas da melodia. composição musical.
§ Finalmente, toda a orquestra volta a tocar a melodia origi-
nal em conjunto. Os estudantes realizarão uma atividade de criação musi-
Repita o trecho gravado no CD quantas vezes forem ne- cal coletiva, desta vez com foco nas possíveis combinações
cessárias para que os estudantes se familiarizem tanto com a entre os timbres dos instrumentos e das vozes. Eles deverão
melodia quanto com a sonoridade de cada naipe de instru- compor uma música que será chamada “melodia de timbres”.
mentos. Será muito esclarecedor assistir ao vídeo da Orques- Isso quer dizer que o objetivo principal na criação da músi-
tra Sinfônica da WDR de Colônia, Alemanha, interpretando ca será o de combinar timbres diferentes em uma sequência
The Young Person’s Guide to the Orchestra. sonora. O papel do professor de instigar e orientar os estu-
dantes na pesquisa e combinação dos sons é fundamental
nesta atividade.
Devido à complexidade, a atividade deverá se desenvol-
Sugestão de vídeo
ver em mais de uma aula para que seja realizada com sucesso.
§ Orquestra Sinfônica da WDR de Colônia (Alemanha). Dispo- Os estudantes deverão ser estimulados a ampliar sua percep-
nível em: <www.wdrso.de>. Acesso em: 3 maio 2016. ção sobre os sons, experimentando as diversas possibilidades
Após entrar no site oficial da Orquestra Sinfônica da de combinações sonoras na criação de uma composição fora
WDR de Colônia, clique no menu e assista ao vídeo Britten: do padrão a que, possivelmente, a maioria esteja acostumada
Young Person’s Guide to Orchestra. a ouvir. À medida que o trabalho for progredindo, poderão
ser adicionados novos objetivos, como o estabelecimento de
Sugestão de leitura pulsações e a alteração de andamentos. Para isso, alguns es-
§ BENNET, R. Instrumentos da orquestra. Rio de Janeiro: Jorge tudantes poderão executar as pulsações em um tambor ou
Zahar Editor, 1985. em outro instrumento de percussão disponível na escola ou,
O livro apresenta em detalhes as famílias de instrumen- até mesmo, poderão trazer instrumentos musicais de casa,
tos de orquestra, seus materiais de construção, seu modo mesmo sem dominarem a técnica de execução.
de funcionamento, a extensão de notas que alcançam, Atente-se para o fato de que não se trata de interpretar
entre outras informações. Além disso, o livro traz diversas músicas já existentes, e sim de compor uma sequência sono-
sugestões de músicas que ajudam o leitor a conhecer o ra na qual os estudantes possam combinar variações de tim-
repertório de música de concerto voltado para cada instru- bres, desenvolvendo a sensibilidade auditiva e a criatividade.
mento ou família de instrumentos. Também é possível acrescentar à composição, aos poucos, a
consciência e o domínio de outros parâmetros do som, como
altura e intensidade.

Página 201 Ensaio corrido


Página 199 Arte no dia a dia
Neste capítulo buscou-se mostrar as conexões do saber
Oriente cada um dos grupos durante o trabalho de pes- musical com a Física, apresentando que o timbre é a caracte-
quisa e cuide para que as bandas de música pesquisadas não rística do som que permite diferenciar os instrumentos, mes-
se repitam entre os grupos. Se possível, programe uma visita mo que estejam tocando a mesma nota. O objetivo é desper-
para assistir a algum concerto e, após a apresentação, organi- tar os estudantes para as ricas possibilidades de combinações
ze um debate com a turma sobre como foi a experiência, se a de timbres que existem nos grupos de música instrumental,
apresentação foi em um local aberto ou em um teatro, se fez além de estimulá-los a conhecer as várias orquestras e bandas
parte de alguma festividade, se os estudantes já conheciam de música existentes em diversas partes do Brasil. Espera-se,
algum músico integrante da banda e o que eles acharam da também, mostrar que as tentativas para definir o que são mú-
apresentação. sicas de concerto e músicas populares nem sempre são ade-
Procure incentivar a turma a iniciar estudos em algum ins- quadas e que alguns grupos brasileiros contemporâneos de
trumento de banda e, caso desejem, a fazer parte de algum música instrumental vêm rompendo as barreiras entre o eru-
grupo de sua cidade. Enfatize que, além de abrir seus hori- dito e o popular ao transitarem com liberdade e apuro técni-
zontes sonoros, os estudantes poderão vivenciar o prazer de co por diferentes repertórios. Assim, mais importante do que
fazer música em conjunto, ampliar seu círculo de amizades e saberem classificar as músicas em erudita ou popular, é esta-
estreitar suas relações pessoais com a comunidade. rem abertos a apreciar músicas de diferentes estilos e épocas.

443
Página 201   Roda de conversa pela veiculação diária de propagandas. Os artistas também
participaram desse fenômeno, incorporando, em suas reali-
Incentive os estudantes a frequentar concertos, explican- zações, os códigos dessa sociedade. Esse fenômeno está si-
do-lhes que a sensibilidade para a apreciação musical au- tuado na década de 1960.
menta à medida que se familiarizam com o repertório, com Segundo o crítico de arte, Michael Archer (2001):
os instrumentos da orquestra e com a linguagem da música
de concerto. No início dos anos 60 ainda era possível pensar nas obras
de arte como pertencentes a uma de duas amplas categorias:
Atividade complementar a pintura e a escultura. As colagens cubistas e outras, a per-
Informe-se se em sua cidade ou em uma localidade pró- formance futurista e os eventos dadaístas já haviam começa-
xima existe algum grupo de música de concerto. Verifique a do a desafiar este singelo “duopólio”, e a fotografia reivin-
agenda de apresentações do grupo e programe-se para assis- dicava, cada vez mais, seu reconhecimento como expressão
tir a uma das apresentações. artística. No entanto, ainda persistia a noção de que a arte
Depois, em conversa com o professor e os colegas conte compreende essencialmente aqueles produtos do esforço
como foi a experiência, se o concerto foi em um local aberto criativo humano que gostaríamos de chamar de pintura e
ou em um teatro e qual foi o repertório apresentado. Descre- escultura. Depois de 1960 houve uma decomposição das
va a apresentação dando seu ponto de vista sobre o que viu certezas quanto a este sistema de classificação. Sem dúvida,
e ouviu. alguns artistas ainda pintam e outros fazem aquilo a que a
tradição se referiria como escultura, mas estas práticas agora
ocorrem num espectro muito mais amplo de atividades.
Capítulo 13 Artes visuais e cidade ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p. 1.
Essa constatação registra a dificuldade em se reconhece-
rem as divisões entre as modalidades artísticas. Essas divisões
foram firmadas a partir do século XVI, em que as artes visuais
passaram a ser designadas por áreas específicas: pintura, es-
cultura, desenho e gravura. Como mostrou Archer (2001), as
certezas se modificaram na década de 1960 após a incorpora-
ção de novas técnicas e formas no campo da arte.

Duchamp inventara o termo “readymade” para descre-


ver os objetos fabricados em série que ele escolhia, com-
prava e, a seguir, designava como obras de arte. O primeiro
foi Roda de bicicleta (1913), uma roda de bicicleta montada
Conteúdos sobre um banco; o mais escandaloso, Fonte (1917), era um
urinol masculino assinado “R. Mutt”. Com os readymades,
ƒƒ Arte pública
Duchamp pedia que o observador pensasse sobre o que de-
ƒƒ Muralismo mexicano
finia a singularidade da obra de arte em meio à multipli-
ƒƒ Grafite, sociedade de massas e indústria cultural cidade de todos os outros objetos. Seria alguma coisa a ser
ƒƒ Papel do artista na sociedade achada na própria obra de arte ou nas atividades do artista
ao redor do objeto? Tais perguntas reverberaram por toda a
Página 203   Afinando os instrumentos arte dos anos 60 e além deles.
Neste capítulo são estudadas as aproximações entre arte Existem duas ideias-chave amalgamadas à palavra
e cotidiano, tomando como ponto de referência a representa- “­assemblage”. A primeira é a de que, por mais que a união
tividade dos meios de comunicação de massa. A partir da dé- de certas imagens e objetos possa produzir arte, tais imagens
cada de 1950, nos Estados Unidos, a televisão transforma-se e objetos jamais perdem totalmente sua identificação com
em um fenômeno de grande importância para a sociedade o mundo comum, cotidiano, de onde foram tirados. A se-
em vista de sua ampliada capacidade de comunicação, atin- gunda é a de que essa conexão com o cotidiano, desde que
gindo, ao mesmo tempo, milhares de pessoas. Inaugura-se, não nos envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o
também, o que pode ser denominado “sociedade de consu- uso de uma vasta gama de materiais e técnicas até agora não
mo”, e foi observado o aumento das produções de inúmeros associados com o fazer artístico. Em meados dos anos 50 Jas-
eletrodomésticos, alimentos industrializados etc., produtos per Johns fez uma pintura da bandeira dos EUA, Bandeira
e marcas que despertaram enorme interesse na população. (1954-55). Essa pintura é certamente a imagem de um objeto
As indústrias passaram a investir em comidas congeladas e e um símbolo corriqueiros, mas também pode ser vista como
enlatadas com rótulos de forte apelo visual, acompanhadas um arranjo formal de cores, linhas e formas geométricas.

444
Além disso, a bandeira na realidade, consistindo de cores selecionou quadros individuais das histórias em quadri-
sobre um pedaço de tecido, não é mais substancial, tri- nhos, alterando-os ligeiramente para servir a seus propósi-
dimensional e semelhante a um objeto que a pintura de tos, e reproduziu-os numa escala maior em óleo sobre tela.
Johns. O mesmo vale para os objetos que ele pintaria a O processo de replicação, no entanto, não era inventivo,
seguir. No começo dos anos 60, na sequência de suas pin- livre ou lúdico, mas preciso e observado cuidadosamente.
turas de “combinações”, Rauschenberg produziu uma série Em lugar de interpretar a tira cômica de modo expansi-
de telas contendo uma variedade de imagens em serigrafia, vo […] Lichtenstein produziu, laboriosa e manualmente,
bem como símbolos desenhados e pintados. Tais imagens uma simulação da técnica de pontos crivados com a qual a
eram tomadas não apenas da história da arte, mas também tira original fora impressa. Como o resultado era tão seco e
dos meios de comunicação. Assim como as imagens apa- “não emocional”, era possível acreditar que não fora reali-
recem de modo recorrente e constante em jornais, revistas zada absolutamente nenhuma interpretação. Seus quadros,
e sucessivos boletins de TV, da mesma maneira surgem os à primeira vista, pareciam ter um estilo tão mecânico quan-
elementos nas pinturas de Rauschenberg. A mão repetida to o material original, embora seja evidente, numa pintura
de John F. Kennedy em Búfalo II (1964), por exemplo, es- como Sei como você deve estar se sentindo, Brad (1963), que
tabelece um ritmo ao longo da tela totalmente distinto dos a ideia da arte como atividade expressiva das emoções está
efeitos composicionais da arte anterior. sendo considerada de modo irônico.
ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p. 5. Martins Fontes, 2001. p. 6.
Com os “ready-mades”, Duchamp busca discutir as rela- As fontes da arte aumentaram exponencialmente. Re-
ções entre design e arte. Qual é a diferença entre um objeto vistas de histórias em quadrinhos, fotos de personalidades
estético realizado por uma máquina do executado por um ou embalagens de alimentos, todos esses aspectos trans-
artista? Duchamp ficou também conhecido por apresentar formaram-se em temas para a arte. Essa abertura alcançou,
como obra de arte mictórios, rodas de bicicleta etc. Parte também, os espaços expositivos. Antes podiam-se encontrar
da provocação do artista estava em considerar que objetos as produções artísticas apenas em museus e galerias. Nos Es-
deslocados para um museu ganhavam imediatamente o tados Unidos, após a crescente crise econômica da década
valor de obra de arte. Mais do que um simples deslocamen- de 1980, houve a possibilidade de realizar uma produção que
to, somos direcionados a reconhecer que as barreiras ante- integrasse imigrantes e jovens em situação de risco culminou
riormente fixadas e que ofereciam ao observador a certeza na criação do grafite. Segundo Archer:
sobre o que considerar como “arte” são diluídas por meio de
realizações que incorporam tudo o que se mostra disponível. O mercado chegou mesmo a descobrir uma forma
Tal atitude, levada adiante também por outros artistas como de trazer parte da arte pública de volta à sua órbita. Nos
Rauschenberg­– citado por Archer (2001) –, demonstra como EUA, o florescimento de grafites urbanos em quadros
essas produções foram capazes de associar elementos que coloridos e em grande escala foi reconhecido como uma
perfazem o campo da arte, mas que transitam igualmente vívida forma de arte. Usando não apenas as paredes, mas
pelo universo do cotidiano. também locais móveis como vagões de trem, que levavam
Um dos movimentos artísticos mais conhecidos desse ce- a obra da cidade para os subúrbios e além deles, a arte
nário foi a Pop art. É necessário, inicialmente, registrar que o do grafite rapidamente se tornou uma presença difusa
termo pop não está associado ao sentido de “popular”, como em todos os Estados Unidos e na Europa. O oportunis-
muitas vezes pode ser compreendido no Brasil. O pop faz refe-
mo dos grafiteiros que usavam qualquer superfície vazia
rência à sociedade de consumo e sua divulgação de produtos
convenientemente disponível para realizar pinturas com
pela mídia. Outro aspecto importante é o culto às personali-
spray de exuberante expressividade – provocativos murais
dades, como ocorreu na época com Elvis Presley ou Marilyn
de maior urgência e imediatismo de impacto que os pro-
Monroe. Segundo Archer:
dutos comportados e democráticos dos projetos de arte
A Pop Art surgiu e foi reconhecida como movimento comunitária – estava em sintonia com o mercado recém-
nos EUA bem no começo da década de 60. Em 1962, era -vitalizado. A tática, bastante simples, era oferecer aos
possível identificar uma sensibilidade comum em vários grafiteiros – ou, pelo menos, aos que tinham maiores am-
artistas, principalmente Roy Lichtenstein (1923-), Andy bições – uma superfície dentro de uma galeria para pintar,
Warhol, Claes Oldenburg, Tom Wesselman (1931-) e Ja- em vez de uma parede externa.
mes Rosenquist (1933-), todos cujas obras utilizavam te- Ciente da exploração que poderia ocorrer nessas cir-
mas extraídos da banalidade dos Estados Unidos urbanos. cunstâncias, Tim Rollins (1955-) colaborou com jovens
Além disso, num desvio significativo dos estilos emocio- provenientes, em sua maior parte, da população porto-
nalmente carregados dos expressionistas abstratos, o tra- -riquenha mais pobre de Nova York e que ansiavam por
balho desses artistas também parecia depender das técni- desenvolver um trabalho criativo, mas que, devido às cir-
cas da cultura visual de massa. Lichtenstein, por exemplo, cunstâncias, possuíam pouco treinamento formal. Rollins

445
e o MDS (Meninos da Sobrevivência), usando a literatu- a discussão a partir dos conteúdos que têm relação com a
ra como ponto de partida, liam um texto e discutiam as indústria cultural, com a modificação dos lugares da arte na
imagens que pudessem ser apropriadas a ele. O resultado sociedade e também com a ampliação do fazer artístico no
era, por vezes, pintado numa tela sobre a qual as páginas uso de novos suportes, tecnologias e temas.
do livro original haviam sido coladas. Em outros casos,
Página 204   Arte pública
as imagens eram desenhadas nas páginas dos livros. O
projeto era educativo e artístico, tendo surgido do grupo O presente tópico tem por objetivo discutir a arte pública
“Arte e Conhecimento” que Rollins havia criado na escola em seu sentido conceitual e como possibilidade de reconhe-
em que lecionava. Os textos estudados e usados em mais cimento dentro da própria cidade, tornando os estudantes
de uma obra incluíam Moby-Dick de Herman Melville, aptos a identificar suas manifestações. Outra questão relevan-
Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll e Amerika te é registrar a variedade reunida dentro da ideia de arte pú-
de Franz Kafka. blica, que pode se apresentar tanto como uma obra de arte
inserida em um espaço público – pontualmente, caso de uma
ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: escultura ou monumento –, quanto cidades onde toda uma
Martins Fontes, 2001. p. 171-172.
delimitação pode ser assim reconhecida – cidades que pos-
Portanto, objetos do cotidiano passam a dialogar com o suem seu centro histórico preservado e trazem registradas,
universo da arte. Além disso, existe uma expansão dos espa- em sua configuração, elementos participantes da história da
ços expositivos. A arte ganha os muros das cidades e outros sociedade.
espaços que antes se restringiam aos museus e galerias. O
muralismo mexicano foi outro exemplo de como a arte pode Páginas 205 a 207   Muralismo mexicano – arte
ser levada a adquirir significações diversas a partir, também, e política
da mudança de seu lugar e suporte tradicionais. Segundo Com o intuito de oferecer a compreensão do que é co-
Andrea Kettenmann (2006): nhecido como muralismo – no que diz respeito a sua ocor-
Logo após a sua chegada, Rivera é integrado por José
rência no México na década de 1920 –, a discussão traz exem-
plos de produções de artistas participantes do movimento,
Vasconcelos no programa cultural do Governo, programa
caso de Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, além de trazer
este que procura encontrar novos meios de representação
as origens históricas de seu acontecimento. Essa mesma dis-
artística, depois de dez confusos anos de guerra civil. […].
cussão permite, ainda, a reflexão sobre as relações entre arte
Com a pintura educativa, pretende alcançar uma ruptura
e política sem, contudo, desconsiderar os aspectos artísticos
com o passado, mas não com a tradição, e, sobretudo, a dessas produções, já que a arte se torna fator de ligação entre
rejeição da época colonial da cultura europeizada do sé- uma mesma população e representa igualmente sua possibi-
culo XIX. lidade de sobrevivência.
Em novembro de 1921, Vasconcelos convida Rivera e
outros artistas e intelectuais, como ele, acabados de chegar Página 207   Arte no dia a dia
da Europa, para uma viagem a Yucatán, para aí visitarem as A atividade visa aumentar o repertório dos estudantes no
estações arqueológicas Chichén Itzá e Uxmal. [...]. Segundo que diz respeito à produção dos muralistas mexicanos para
as sugestões de Vasconcelos, com o qual faz outras viagens que, além dos exemplos listados ao longo do capítulo, sejam
para a província, e na sua busca de novos métodos de comu- integradas outras realizações. Nesse sentido, os estudantes te-
nicar artisticamente com o seu povo, Rivera elabora para si a rão acesso a uma compreensão maior sobre as diversas estra-
ideia de uma arte ao serviço do povo que lhe transmita com tégias de representação adotadas pelos artistas, que, mesmo
a ajuda da pintura mural a sua própria história. partindo de um tema comum, apresentam uma produção de
KETTENMANN, Andrea. Diego Rivera (1886-1957): um espírito revolucionário na arte grande variedade.
moderna. Rio de Janeiro: Numen, 2006. p. 23-24. Oriente os estudantes a formar grupos de até cinco estu-
dantes e adapte o número de grupos ou a quantidade de es-
Reflexões realizadas em torno das possíveis conexões en- tudantes de cada grupo conforme a necessidade. Essa é uma
tre arte e sociedade mostram-se profícuas desde que sejam atividade interdisciplinar que pode envolver parcerias com
análises que não comprometam as especifidades inerentes outros professores de História, Filosofia e Sociologia.
ao fazer artístico. Oriente os estudantes a consultar diversas fontes, na
internet ou na biblioteca, para que compreendam o papel
Página 203   Roda de conversa
desses artistas nas modificações e na construção da Histó-
Se julgar interessante, faça uma seleção de imagens para ria do México, sem deixá-los perder de vista a análise das
serem usadas nessa roda de conversa. Assim, podem ser feitas estratégias artísticas utilizadas, com o uso do pigmento em
comparações objetivas sobre como esses elementos foram in- pó, das texturas criadas a partir da aplicação direta na pa-
corporados e tratados pelos artistas em suas produções. rede e das configurações formais, ou seja, como o artista
Faça um levantamento dos conhecimentos dos estudan- representou a técnica do afresco e suas possíveis variações,
tes com relação à arte atualmente em circulação. Desenvolva da tonalidade das cores construídas à cena criada. Outro fa-

446
tor importante e concebido como estratégia é refletir sobre Os registros permitirão que os colegas e o professor te-
as formas de ocupação do espaço, pensando sobre a dis- nham acesso a esses trabalhos e reconheçam as intervenções
tribuição das imagens sobre a parede feita como suporte. descobertas pelos grupos ao visitar os mesmos espaços.
Para essa atividade, se possível, reúna todas as fotos e
Páginas 208 a 210   Arte urbana: grafite e intervenção
outros registros realizados pela turma em uma sessão de
urbana slides para serem projetados em sala de aula. Outra possi-
O estudo do grafite permite análises que associam o fazer bilidade é montar um mural com fotografias, esboços e in-
artístico à ocupação de espaços públicos dentro da cidade. formações registrados pelos estudantes, para montar um
É importante orientar os estudantes durante o processo de panorama do olhar que obtiveram da manifestação da arte
compreensão dessa forma de arte. Conduza a discussão dan- pública na região. As descrições devem ser feitas ressaltan-
do enfoque às técnicas utilizadas pelos artistas e às possíveis do os aspectos que mais chamaram a atenção dos grupos. É
relações entre o espaço de aplicação do grafite – um cenário importante que o trabalho de campo seja compartilhado e
urbano, compartilhado e sua própria visualidade. Outra ques- discutido em sala de aula, de modo que os estudantes exer-
tão significativa é perceber a integração de um novo suporte citem sua visão crítica sobre as formas artísticas estudadas
à prática artística, que, como visto no muralismo, também neste capítulo.
abandona o cavalete em prol da apropriação do muro, mas,
no caso do grafite, se apropria de muros distribuídos pelo es- Página 214   Arte contemporânea: o papel do artista
paço urbano da cidade. na sociedade
Páginas 211 a 213   Pichação ou grafite? Ao longo deste capítulo, foram feitas revisões que per-
O objetivo desse assunto não é formular uma resposta mitiram aos estudantes a reflexão sobre como a arte não se
categórica sobre as diferenças entre pichação e grafite, mas encontra mais reservada a um lugar específico – dentro de
sim pensar nos limites existentes entre uma mesma forma de uma galeria ou museu, podendo ocupar espaços e supor-
apropriação do espaço público, que poderá ser considerada tes variados, que vão desde telas à própria parede, dentro
positiva ou negativa em razão de qual o suporte selecionado ou fora de uma instituição. Neste momento, a discussão se
e, também, a partir do objetivo de seus produtores. Seria inte- concentra na figura do artista enquanto “criador” único, que
ressante ilustrar a discussão com exemplos da própria cidade passa a ser questionada pelos próprios artistas, os quais
em que vivem os estudantes, que poderão oferecer, durante a passam a oferecer proposições que levam a uma maior
discussão, suas opiniões sobre as apropriações por eles vistas aproximação ao sujeito antes reservado à ação de “obser-
em espaços conhecidos. var”. Essas práticas podem ser compreendidas, em termos
gerais, dentro dos novos interesses associados à arte con-
Página 212   Arte em diálogo: Arte pública e
temporânea.
patrimônio
Antes de iniciar a atividade, reflita com os estudantes Página 215   Ensaio corrido
sobre as relações entre monumentos e patrimônio cultural, A seleção sobre os conteúdos abordados neste capítulo
pensando sobre quais são os fatores que tornam a identifica- foi feita no sentido de oferecer reflexões que permitissem
ção de um monumento como patrimônio possível e se essa uma análise da arte em suas manifestações mais distanciadas
caracterização está reservada somente aos monumentos ou ao fazer tradicional, elencando práticas e exemplos que trou-
se outras manifestações também consideradas importantes – xessem maior integração entre arte, cidade e sociedade. Mais
mesmo que por diferentes critérios – podem ser igualmente importante que situar uma compreensão sobre o fenômeno
incorporadas. A discussão permite pensar sobre os diferentes da arte contemporânea, o objetivo foi explorar manifestações
registros que compõem a história de determinada sociedade,
que colocam em dúvida não somente o fazer artístico ou o
seja apresentada materialmente, caso de edifícios (bens imó-
lugar da arte, mas também o papel do artista dentro dessa
veis) ou aqueles compartilhados pelo imaginário, seja pelos
prática e localização, caso dos exemplos estudados no mura-
seus modos de criar, fazer e viver, os quais representam cultu-
ralmente essa sociedade. lismo mexicano e no grafite.

Página 213   Arte no dia a dia Página 215   Roda de conversa

Essa atividade pode ser feita de maneira interdisciplinar Nesta roda de conversa, perceba como os estudantes
com o professor de Geografia, tendo em vista as aproxima- praticaram o deslocamento do olhar proposto durante todo
ções com a ideia de mapeamento e conhecimento das repre- o capítulo, o qual deixa de identificar somente um conjunto
sentações da cidade a partir de desenhos, mapas etc. específico de práticas artísticas e passa a considerar, também,
Caso não seja possível fotografar, oriente os estudantes a ações que ocupam espaços urbanos e compartilhados den-
fazerem descrições por meio de textos, a anotar o endereço tro da cidade. Levante novamente questões referentes à ocu-
ou elaborar esboços a lápis das intervenções. pação e preservação do espaço urbano.

447
Capítulo 14 Dança e cidade Página 217   Roda de conversa
Ao propor essa roda de conversa busca-se aproximar
“texto e contexto”, ou seja, um diagnóstico do conhecimento
do estudante sobre o tema, seguindo a premissa de que ele
servirá como ponto de partida para o processo dialético de
construção do conhecimento.
As respostas são pessoais, no entanto, estimule discussões
conectadas com o conceito de intervenção urbana. Não está
sendo posta em questão a dança que é apresentada em um
evento, mas sim a que intervém no espaço de modo inusita-
do e surpreendente, modificando e sendo modificada pelo
espaço em questão.

Páginas 218 e 219   Quando a dança ocupa a cidade e


Conteúdos
desafia a gravidade
ƒƒ Dança contemporânea Nesse momento são apresentadas e aprofundadas al-
ƒƒ Performance, qualidade do movimento, elementos cênicos gumas questões relacionadas às qualidades do movimento
e exploração do espaço humano. Para se aprofundar sobre esse tema, se possível, leia
o livro O domínio do movimento, de Rudolf Laban, o teórico
da dança que foi utilizado como base para as discussões em
Páginas 216 e 217   Afinando os instrumentos vários momentos ao longo deste livro, e principalmente ao
abordar esse tema.
Ao apresentar o espaço urbano como cenário para a pro-
Observe que, para apresentar uma construção coreográ-
dução em dança nas cidades brasileiras, neste capítulo é es-
fica inspirada nas concepções da dança contemporânea, foi
tudada a dança no século XXI como arte que ocupa outros
usada, como exemplo, a imagem de uma companhia estadu-
espaços, ressignificando-os e transformando-os em espaços
nidense que se utiliza de composições do cantor e composi-
dançantes.
tor Milton Nascimento, entre outros, para mostrar as diferen-
Ao desenvolver os assuntos ao longo do capítulo, são tes formas que os corpos têm de ocupar os seus lugares nos
enfatizadas as possibilidades de uma dança mais inclusiva, diversos espaços que habitam.
que segue a poesia do cantor mineiro Milton Nascimento, ao
cantar que “Todo artista tem de ir aonde o povo está”, e não Página 219   Arte em diálogo – Dança e Arquitetura
restringir sua arte aos palcos dos grandes teatros. Com essa
Para investigar as relações entre dança e arquitetura, foi
discussão também pretende-se que, além de observar esse
proposta a aproximação dos estudantes das criações artísti-
papel da dança no século XXI, os estudantes atentem para
cas de uma companhia de dança italiana que faz das paredes
as reações do público, que, muitas vezes, somente ao passar e sacadas de prédios, edifícios, museus, igrejas e teatros de
pela intervenção artística, participa da obra, interage ou se es- grandes centros urbanos o seu cenário e palco das interven-
panta com ela, sabendo que essas possibilidades fazem parte ções urbanas que cria. Nesse boxe, além de incentivar rela-
da intencionalidade de quem concebeu a intervenção. ções entre a dança criada e a arquitetura dos espaços ocupa-
A imagem da abertura do capítulo mostra uma compa- dos, foram traçadas relações entre a dança e a área da Física,
nhia de dança contemporânea pernambucana, a Etc., ocu- pois os movimentos dos corpos dos dançarinos desafiam as
pando um espaço urbano com seu trabalho “Involuntário”, leis da gravidade ao dançarem pendurados nas laterais de di-
uma performance. O termo performance é utilizado para versas construções.
definir processos de criação em dança que geralmente acon-
tecem em espaços públicos e propõem a interatividade dos Atividade complementar
movimentos dos intérpretes com o público. Esses processos Na intenção de investigar as diferentes formas de movi-
de criação têm como base ideias e conceitos a serem cons- mento com os estudantes, proponha experimentações prá-
truídos pelos intérpretes em uma estrutura de apresentação ticas de ocupação de “espaços alternativos” dentro da própria
preconcebida, mas que se desenvolvem criando uma obra ar- escola e a discussão sobre os processos de experimentação
tística como resultado da ação e da interação dos intérpretes realizados. Nesse caso, foi utilizado o termo “espaços alter-
com o meio, com objetos cênicos e com o público. Por ser um nativos” para designar os espaços que não são considerados
termo muito novo na área de dança, muitas vezes a expressão espaços de dança, ou seja, que não estão preparados para
poderá ser utilizada substituindo a palavra coreografia e vice- serem ocupados com os movimentos dos corpos. Que tal
-versa. No Brasil, muitas vezes o termo é utilizado do mesmo considerar a própria sala de aula como um desses espaços?
modo que nos países de língua inglesa, onde a palavra perfor- Como seria trabalhar uma criação coreográfica sem adaptar a
mance substitui as palavras coreografia e apresentação. sala para isso, ou seja, como seria dançar entre, com, sobre e

448
embaixo das carteiras e cadeiras da sala de aula? A depender definição desse item, uma vez que, por exemplo, ter ou
do ambiente escolar e do entorno onde a escola está localiza- não ter acesso a um som de amplo alcance pode definir
da, sair da sala pode ser uma forma ainda mais instigante de se o grupo utilizará ou não música em uma performance
aproximar os estudantes do tema. de rua. Além disso, algum estudante pode tocar um ins-
trumento e, muitas vezes, o som desse instrumento pode
ser eleito como som para acompanhar a performance.
Páginas 221 e 222 Fazer arte Instrumentos de percussão e cordas são muito utilizados
nas criações de dança contemporânea.
Objetivos 4. Ao transformar objetos de uso cotidiano em objetos cêni-
ƒ Apreciar uma obra de dança ou uma performance. cos, é possível obter experiências mais reais de criação do
movimento. É interessante utilizar objetos que proporcio-
ƒ Aproximar-se da dança contemporânea e da performance.
nem aos estudantes a exploração dos movimentos sem
ƒ Conhecer as diversas possibilidades de utilização do espaço.
comprometer a segurança ou a relação com a duração da
ƒ Reconhecer os objetos cênicos presentes em uma atividade. Participe com os estudantes da escolha dos ob-
coreografia ou performance. jetos que serão utilizados.

As questões deste boxe permitem respostas variadas. En-


Sugestão de leitura
tretanto, o intuito delas é fazer os estudantes compreende-
rem as múltiplas possibilidades de criação de movimentos e ƒ ROSA, Tatiana N. da. A pergunta sobre os limites do corpo
de ocupação dos corpos no espaço. Se possível, além da ob- como instauradora da performance: propostas poéticas – e,
servação da imagem do livro, mostre aos estudantes vídeos portanto, pedagógicas – em dança. Porto Alegre: UFRGS,
de processos de dança e performances para enriquecer a ati- 2010. Disponível em: <www.lume.ufrgs.br/bitstream/
handle/10183/26481/000759314.pdf?sequence=1>.
vidade. No link <https://hammer.ucla.edu/exhibitions/2013/
Acesso em: 28 abr. 2016,
trisha-brown-floor-of-the-forest/>, acessado em 31 mar. 2016,
do Museu Hammer, na Califórnia (EUA), é possível visualizar Na dissertação de mestrado de Tatiana Nunes da Rosa
um vídeo de cerca de 2 minutos da performance Floor of the são apresentados capítulos sobre dança pós-moderna e
Forest, realizada em 2013. Depois de apresentar a eles esta contemporânea estadunidense, alguns de seus coreógrafos,
cena de uma das performances mais reconhecidas na área como Trisha Brown e Merce Cunningham, assim como as
de dança, da coreógrafa Trisha Brown, discuta o papel da per- fases da história da dança que auxiliam a compreender o
formance como um dos componentes da abordagem mais caminho traçado pelo movimento humano dançado: da
ampla denominada dança contemporânea. dança moderna, passando pela dança pós-moderna e o
Sobre a execução da performance que hoje constitui a dança contemporânea, com seu amplo
1. Defina com a turma os espaços a serem explorados. É im- leque de possibilidades que abarca as performances, as
portante que as sugestões surjam dos próprios estudan- ocupações e as intervenções urbanas.
tes, para reforçar a autonomia deles no processo de cria-
ção. Porém, ao mesmo tempo, fique atento às questões Páginas 224 e 225 A dança das cidades brasileiras
relacionadas à segurança e à logística do uso de deter-
minados espaços, de acordo com o seu planejamento. O Nesta parte do capítulo, é abordada a presença da dança
corredor, a quadra, o hall de entrada e a cantina da escola por meio de suas intervenções urbanas nas cidades brasi-
ou até mesmo os espaços externos a ela, como calçadas, leiras. É apresentado um artigo sobre um grupo de dança,
entornos e praças, são possibilidades a serem conside- formado em uma universidade do Paraná, que se apresenta
radas, mas precisam ser relativizadas de acordo com as nas ruas de Curitiba com a intenção de mostrar aos estudan-
possibilidades de cada lugar. O tema a ser desenvolvido tes que os centros urbanos brasileiros também abrigam as
e o tempo disponível para a vivência, entre outros fatores, concepções contemporâneas de dança e são transformados
podem ser determinantes para a escolha do espaço. por elas.
2. O figurino pode estar relacionado com o tema da expe- A interação com o público é outro fator enfatizado ao
rimentação a ser desenvolvido e com o movimento dos tratar dessas possibilidades de intervenção. Se julgar interes-
corpos naquele espaço. Por exemplo, se a ação aconte- sante, pesquise na internet outros exemplos de companhias
cerá nas calçadas, provavelmente será essencial o uso de de dança do Brasil que se especializam nesse tipo de criação.
calçados adequados para a execução de determinados Observe que os grupos que utilizam as ruas como cenário e
movimentos. A dança contemporânea tenta quebrar o palco para suas criações pretendem conectar a apresentação
padrão de montagem de espetáculo e, muitas vezes, op- à criação do movimento, pois, na maioria dos casos, esses
ta-se por figurinos do dia a dia, o que facilita o processo grupos utilizam-ze da improvisação – que ocorre a partir do
de criação, pois os estudantes poderão utilizar roupas e movimento do corpo no espaço a ser ocupado – e não de
acessórios que eles já possuem, evitando gastos com a uma reprodução de coreografias ensaiadas. Essas orientações
atividade proposta. também têm o intuito de fomentar as discussões propostas
3. Os fatores externos podem influenciar diretamente na no boxe “Arte no dia a dia”, que vem na sequência.

449
Página 225   Arte no dia a dia produções anteriores de uma artista em constante avalia-
ção e julgamento.
Antes de pedir que os estudantes pesquisem as compa-
nhias de dança que propõem performances urbanas nas ruas SALLES, C. Gesto inacabado: processo de criação artística.
São Paulo: Intermeios. 2011. p. 47.
das cidades brasileiras, incentive a pesquisa de movimentos
de simples execução presentes no cotidiano. O objetivo é que Desenvolva com os estudantes processos de criação em
eles se familiarizem e experimentem em seus corpos a esté- constante construção e que possibilitem a transformação do
tica dos movimentos muitas vezes utilizadas por essas com- espaço e dos corpos envolvidos nos processos propostos. Ao
panhias brasileiras que levam intervenções e performances aproximar os estudantes das obras de artistas como a esta-
às ruas da cidade. dunidense Trisha Brown, da companhia italiana Il Posto, das
Essa aproximação pode ser uma forma muito eficaz de intervenções nos hospitais do Festival de Dança de Joinville,
aproximar estudantes do Ensino Médio da estética do mo- da companhia pernambuca Etc. e do grupo de estudantes
vimento utilizado na dança contemporânea da atualidade, paranaenses que levam a dança às ruas de Curitiba, busca-
pois os movimentos do cotidiano de cada um deles podem -se fazer com que a dança escrita no livro se encontre com a
aproximá-los da compreensão dos contextos apresentados dança feita na rua, para um ensino de dança mais conectado
nas produções artísticas espalhadas pelos centros urbanos com o mundo e com as questões vivenciadas pelos corpos
brasileiros. do século XXI, assim como se propõe a fazer a dança contem-
porânea estudada.
Sugestões de leitura
Páginas 226 e 227   Roda de conversa
ƒƒ FERNANDES, C. O corpo em movimento: o sistema Laban/
Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. 2. ed. São Nesta roda de conversa, abra espaço para as opiniões de
Paulo: Annablume, 2006. cada estudante. Incentive o protagonismo e a ação reflexiva
Esse livro traz informações importantes sobre os prin- sobre a atividade vivenciada no boxe “Fazer arte”, em que os
cípios desenvolvidos por Laban. A leitura desse livro pode estudantes levaram a um espaço aberto ao público, em forma
funcionar como uma excelente fonte para consulta das de intervenção, a performance construída coletivamente.
relações entre corpo e movimento desenvolvidas por esse Lembre-se de que há muitas variáveis que influencia-
teórico da dança. rão as opiniões dos estudantes. Alguns considerarão que
ƒƒ MATOS, L. Dança e diferença: cartografia de múltiplos corpos. a performance atingiu o sucesso esperado e outros apon-
Salvador: EDUFBA, 2012. tarão as possíveis falhas e os erros encontrados. Enfatize a
Nesse livro, a professora de dança da Universidade Fe-
imprevisibilidade da reação do público, do funcionamen-
deral da Bahia, Lúcia Matos, discute questões relacionadas à to do lugar, dos fatores ambientais como constituintes
dança, à diversidade e à inclusão de diferentes corpos e das desses processos de criação e que, por essa razão, os artis-
diversas formas de movimento na contemporaneidade. tas que se propõem a participar de intervenções urbanas
utilizam essa imprevisibilidade como um nutriente para as
ƒƒ SALLES, C. Gesto inacabado: processo de criação artística.
suas criações.
5. ed. São Paulo: Intermeios, 2011.
O gesto e os processos de criação em dança são apre- Páginas 228 a 230   Atividades de múltipla escolha
sentados como formas de construção do conhecimento na
contemporaneidade. A autora utiliza documentos de ar- 1. No texto, Eduardo Moreira chama a atenção para a capa-
tistas e os processos de construção das obras para explicar cidade de o teatro feito fora das casas tradicionais de es-
as produções em dança e o “gesto inacabado” como uma petáculos conquistar um público amplo e heterogêneo.
possível teoria que trata da beleza e da precariedade das Ainda segundo o autor, quando em contato com espetá-
formas inacabadas e complexas que os corpos desenvol- culos, o público que normalmente não frequenta os tea-
vem nos processos de criação em dança. tros fechados costuma gostar muito do que vê.
2. Ao olhar o quadro da Monalisa, nota-se que o rosto de
um homem foi inserido. Trata-se do personagem da série
Página 226   Ensaio corrido de TV: Mr. Bean. Nesse sentido, configura-se como a mis-
Ao falar sobre um projeto poético de criação artística, es- tura de passado e presente e intervenção de uma obra de
pecificamente da criação em dança, em seu livro Gesto inaca- arte famosa.
bado, Cecília Salles (2011) nos diz: 3. Na opção A, o piano não pertence à família das madei-
ras; na opção C, o metalofone não pertence à família dos
Não há uma teoria fechada e pronta anterior ao fazer. metais; na opção D, o fagote não pertence à família da
A ação da mão do artista vai revelando esse projeto em percussão.
construção. As tendências poéticas vão se definindo ao 4. O texto aponta para a inovação tecnológica na dança,
longo do percurso: são princípios em estado de constru- quando em um único balé se combinaram os vários cam-
ção e transformação. Trata-se de um conjunto de prin- pos artísticos, com o cenário e a indumentária desenhados
cípios que colocam uma obra em criação específica e as por Pablo Picasso, um artista das artes visuais, a música de

450
Erik Satie, que misturava jazz, música popular e os sons do Capítulo 15 Cultura ou culturas
cotidiano, as imagens do balé de Charles Chaplin, caubóis,
vilões, mágica chinesa e ragtime, e a ação coreográfica, ca-
racterizada pela colagem de ações isoladas.

Unidade 4 Culturas brasileiras

Conteúdos
ƒ Conceito de cultura
ƒ Capital cultural
ƒ Culturas dos jovens

Página 234 Afinando os instrumentos


Páginas 232 e 233 Preparando as tintas e os pincéis Neste capítulo, o terreno da arte é extrapolado e é discu-
tido o conceito de cultura. Como reflexão complementar, é
Na Unidade 4, o estudo é ampliado com a perspectiva de
abarcar o conceito de cultura. A arte faz parte da cultura, mas o apresentada a influência da interculturalidade na criação tea-
conceito de cultura é mais abrangente que o de arte e incorpora tral contemporânea. Interculturalidade refere-se às trocas cul-
práticas, modos de fazer e de pensar de um povo. Assim, nesta turais realizadas entre diferentes grupos sociais. Neste caso,
Unidade serão apresentadas expressões culturais brasileiras di- especificamente se refere à busca de diferentes culturas e sua
versas, que compõem nossa identidade cultural e artística. incorporação como tema e materialidade da criação teatral.
Esta Unidade foi dividida em quatro capítulos. É impor- A cultura, seus rituais, os modos de fazer e os saberes são
tante que se siga a ordem dos capítulos no trabalho com esta um campo de estudos e práticas bastante rico para as artes
Unidade, pois o capítulo 15 traz reflexões e práticas que serão cênicas na contemporaneidade. São diversos os diretores,
bastante úteis para o desenvolvimento dos demais. dramaturgos, atores, artistas performers e grupos de teatro e
dança no Brasil e no mundo que se aventuraram na imersão
em uma outra cultura como processo criativo de espetáculos
Interdisciplinaridade e performances.
Durante o estudo dos assuntos abordados nesta Unida- Como exemplo europeu, vale a pena destacar a encena-
de, observe conexões interdisciplinares entre as artes e outras ção de Mahabarata (poema épico da Índia considerado o tex-
áreas do conhecimento. Essas conexões são explicitadas no to sagrado de maior importância no hinduísmo cuja autoria é
boxe “Arte em diálogo”. atribuída a Krishna Dvapayana Vyasa) por Peter Brook (1925-),
em 1986. A obra tem a Índia como cultura-fonte3 e, a partir
Capítulos da Unidade 4 Arte em diálogo de uma série de procedimentos e intervenções artísticas, foi
15 Cultura ou culturas – Teledramaturgia e o precon- apresentada a um público que não fazia parte e não compar-
ceito tilhava dessa cultura e sim de outra, chamada pelo teatrólogo
– Cultura e rock brasileiro francês Patrice Pavis (2008) de cultura-alvo.
16 Culturas brasileiras – Dança e gastronomia
A escolha de uma forma teatral implica a escolha de um
tipo de teatralidade, de um estatuto de ficção com relação
17 Música para imaginar e – Arte e Geografia
à realidade. A teatralidade dispõe de meios específicos para
experimentar o mundo
transmitir uma cultura-fonte a um público-alvo; é sob esta
18 A visualidade das artes – Patrimônio imaterial e a única condição que temos o direito de falar em intercultu-
indígenas brasileiras preservação
ralidade teatral.

3. Termo usado por Pavis na descrição de seu método de análise do teatro intercultural explicitado no livro: O teatro no cruzamento de culturas, São Paulo:
Perspectiva, 2008.

451
Podemos nos perguntar, certamente, se uma cultura se dei- livro Arquivo e repertório. Arquivo são os conjuntos de sabe-
xa tão facilmente representar ou interpretar (perform), se não res e práticas culturais pertencentes a uma cultura letrada,
são apenas os aspectos mais exteriores e superficiais que são conservados por meio da escrita ou de materiais concretos,
representáveis deixando na sombra as qualidades mais profun- como ossos, fósseis, entre outros. Repertório seriam aqueles
das. Tratamos aqui, porém, dos meios especificamente cênicos saberes e práticas culturais que não são letrados e não são
para transmitir essa cultura-fonte para uma cultura-alvo. traduzidos e conservados pela escrita ou por matérias concre-
tas permanentes, fazendo parte de uma memória corporal, a
PAVIS, P. O teatro no cruzamento de culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 195.
qual a autora chama de performances incorporadas. Esses
Patrice Pavis (2008) continua sua análise sobre esse cru- outros conhecimentos, mais relacionados aos fazeres corpo-
zamento de culturas a partir da montagem de Brook de rais, tendem a ser desconsiderados como memória e como
­Mahabarata: contribuição ao conhecimento humano em prol da concre-
tude e permanência da escrita, ainda hoje entendida na so-
Traduzir o intraduzível é, por exemplo, encontrar os
ciedade ocidental como o lugar privilegiado da reflexão e do
gestos, a atmosfera, as ações simbólicas que explicitam, pela
registro. Segundo Diana Taylor (2013):
simples ostentação, um conceito tão abstrato e intraduzível
como o de darma4, por uma série de ações que mostram As performances incorporadas têm sempre tido um pa-
homens em conflito entre o possível e sua negação. Decerto, pel central na conservação da memória e na consolidação
não se pode representar cenicamente esse conceito, no en- de identidades em sociedades letradas, semiletradas e digi-
tanto, graças a um estilo de atuação que se quer imediato, tais. Nem todo mundo chega à “cultura” ou à modernidade
autêntico e não repetitivo, Brook consegue dar a impressão por meio da escrita. Acredito ser imperativo continuar ree-
de um cerimonial que não ocorre sem que se lembre o ceri- xaminando as relações entre performance incorporada e a
monial na religião hindu. A partir do momento em que não produção de conhecimento. Poderíamos examinar práticas
se trata de representar, mas sim de realizar (to perform) uma passadas, consideradas por alguns como desaparecidas. Po-
ação, o teatro pode servir de modelo e de dispositivo para a deríamos examinar práticas contemporâneas de populações
realização desse cerimonial. geralmente rejeitadas como “retrógradas” (comunidades in-
PAVIS, P. O teatro no cruzamento de culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 196. dígenas e marginalizadas). Ou poderíamos explorar a rela-
ção da prática incorporada com o conhecimento ao estudar
Pavis faz questão de colocar ao lado das palavras traduzidas
como os jovens de hoje aprendem por meio de tecnologias
à língua portuguesa como interpretar, no primeiro fragmento,
e realizar, no segundo, o verbo de língua inglesa to perform. digitais. Caso se diga que os povos sem escrita desaparece-
Esse verbo possui uma pluralidade de significados e gera o ram sem deixar rastros, como podemos pensar sobre o corpo
substantivo performance. A performance, no sentido dado tornado invisível on-line? É difícil pensar sobre a prática
pelas artes cênicas contemporâneas, destaca os verbos realizar incorporada no interior dos sistemas epistêmicos desenvol-
e agir em lugar de representar ou imitar. Para Pavis, os atores vidos no pensamento ocidental, em que a escrita se tornou
de Brook, em Mahabarata, estavam em uma ação cerimonial e avalista da própria existência.
não em uma representação de um cerimonial. Essa capacidade TAYLOR, D. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo
de agir, em lugar de simular, representar, imitar, levaria a uma Horizonte: Editora UFMG. 2013. p. 21.
percepção mediada por uma série de adaptações da equipe
artística e técnica do cerimonial da cultura-fonte pela cultura- Do ponto de vista pedagógico, pensar nas memórias in-
-alvo. As propostas de interculturalidade de Pavis têm por ob- corporadas e na importância dos saberes e fazeres corporais
jetivo compreender quais traduções/adaptações/recriações para a construção da identidade de um povo é um dos pilares
foram feitas em relação ao referente inicial e como esses proce- que sustentam a relevância dos conteúdos de dança e tea-
dimentos são ou não percebidos pelo público-alvo. tro na Educação Básica. Na dança e no teatro, assim como no
Ainda no campo das artes cênicas na contemporaneidade, circo, na performance, na intervenção urbana, o corpo é um
em interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento, lugar de saberes próprios, e o convívio entre os corpos dos
como a Antropologia, existe uma linha de pesquisa chamada artistas e os do público durante uma ação cênica é o lugar do
“Estudos da performance”, que compreende as diversas ações encontro entre esses saberes.
culturais como performances, independentemente de sua É possível pensar, ainda, nas diferenças entre a cultura
finalidade artística. Assim, um ritual, uma manifestação polí- adulta e a cultura do adolescente ou da criança. A cultura do
tica, atos cotidianos culturais, entre outras ações, podem ser professor, que vem de uma tradição de saberes e práticas, e
entendidos e analisados como performance. as culturas dos estudantes, que têm outras tradições de sabe-
Diana Taylor (1950-), pesquisadora e professora da Univer- res e práticas. Saber-se diverso é um passo importante para o
sidade de Nova York, discute a questão da memória cultural enriquecimento do processo pedagógico, que é também um
nas Américas a partir desses dois conceitos que nomeiam seu processo de trânsito entre culturas.

4. Na cultura hinduísta, pode ser entendido como lei única que rege a conduta individual, a maneira correta de se agir, de acordo com a casta que o
indivíduo ocupa na sociedade.

452
Página 235   Roda de conversa de atrizes afrodescendentes interpretando protagonistas
na teledramaturgia brasileira, além da anteriormente citada
Esta “Roda de conversa” inicial pretende identificar os co- Zezé Motta, é o da atriz Thaís Araújo, que viveu duas prota-
nhecimentos prévios dos estudantes a respeito do conceito gonistas: na novela Xica da Silva (1996), na qual interpretava
de cultura. Neste momento, não é necessário apresentar a uma importante personagem histórica do Brasil colonial, e
discussão sobre o conceito, pois ela será realizada ao longo em Viver a Vida, de 2009, na qual interpretava uma modelo.
do capítulo. O importante é identificar os conceitos trazidos Thaís Araújo também protagonizou a novela Cheia de Char-
pelos estudantes – por exemplo, cultura como sinônimo de me (2012), na qual interpretava uma empregada doméstica.
escolarização – e fazer remissão a eles ao longo do trabalho Antes disso, a atriz Yolanda Braga foi a primeira protagonista
com o capítulo e, principalmente, na “Roda de conversa” final. negra da teledramaturgia brasileira na novela A cor de sua
Assim, registre as respostas em áudio, vídeo ou por escrito, pele, de 1965. Nelson Xavier protagonizou a minissérie Tenda
para poder acessar e fazer uso desse material posteriormente. dos milagres, de 1985. Os exemplos são muitos, mas, compa-
A imagem do culto à Nossa Senhora do Rosário na co- rativamente, ainda é incomum a presença de protagonistas
munidade quilombola Boa Esperança, no Tocantins, faz parte interpretados por atores afrodescendentes na teledramatur-
da cultura brasileira. Cultos religiosos possuem vestimentas, gia brasileira.
gestos e ações específicos com alto grau de simbolismo, sen-
do parte da construção identitária e cultural de um povo ou Página 241   O que é capital cultural?
comunidade. A diversidade das práticas religiosa enriquece a
É importante assistir à animação produzida pela Univesp
cultura de nosso país. TV sobre capital cultural antes de abordar este conteúdo. Se
Página 237   Arte no dia a dia possível, mostre-a aos estudantes em sala de aula. Se não for
possível, peça a eles que a assistam fora do horário de aula. A
Nesta atividade de pesquisa, pretende-se que os estu- animação apresenta o conceito de Bordieu de forma simples
dantes sejam capazes de se reconhecer como sujeitos que e bem fundamentada, e contribui para a discussão tratada
podem registrar e refletir sobre cultura. A partir do comparti- neste capítulo.
lhamento com os demais, será possível perceber as diferenças
culturais expressas em práticas, saberes e tradições da cultura Páginas 242 a 246   Cultura e juventude
de cada um. Essa atividade também se presta a desenvolver Há ambientes, práticas e formas de ver o mundo próprios
a capacidade de escutar o outro e de respeitar as diferenças da juventude de cada geração. São abordadas as percepções
culturais, um exercício muito importante de cidadania. sobre cultura jovem a partir de Néstor Canclini e suas rela-
Páginas 239 e 240   Arte em diálogo: Teledramaturgia ções com o uso da internet e das redes sociais como maneira
de aproximar o estudante dos conteúdos tratados neste livro
e preconceito racial e de reconhecê-lo como um sujeito cultural específico, que
A teledramaturgia é muito importante na cultura brasilei- consome e produz diversos produtos culturais e artísticos.
ra e tem um setor cultural bastante desenvolvido no Brasil, Essa concepção é importante para a realização da atividade
capaz de influenciar as formas de pensar e de se comportar proposta no boxe “Fazer arte” deste capítulo.
de grande parcela da população. Neste boxe, é importante
valorizar o conhecimento que os estudantes têm sobre as te- Página 246   Fazer arte
lenovelas e séries produzidas no Brasil e estimulá-los a refletir
sobre a presença de atores afro-brasileiros e sobre a represen- Objetivos
tação da cultura afro-brasileira nessas produções. ƒƒ Conhecer e estudar as produções de jovens brasileiros na
Antes de abordar o tema deste boxe, se possível, assista internet.
ao documentário A negação do Brasil, disponível em: <https:// ƒƒ Criar um blog ou um site com as produções artísticas da
vimeo.com/95471812>, acesso em: 28 abr. 2016, e reproduza- turma.
-o para os estudantes em sala de aula. Caso não seja possível,
peça a eles que o assistam fora do horário de aula, pois isso Para compreender as práticas culturais brasileiras que fa-
enriquecerá a discussão. zem parte de culturas específicas e que conjugam elementos
Atividade 3. Com algumas exceções, como no caso do artísticos de diversos campos, é importante estudar o con-
personagem André Gurgel, interpretado por Lázaro Ramos ceito de cultura. Neste capítulo, é abordado o conceito de
em Insensato Coração, normalmente os personagens inter- cultura como aquele que engloba práticas, modos de fazer e
pretados por atores negros têm uma condição socioeconô- saberes de determinado povo ou grupo social. A arte, como
mica menos favorecida, destinando-se a trabalhos pouco foi vista, é uma das expressões de uma cultura.
remunerados e com pouca influência na trama. Porém, recen- O boxe “Fazer arte” deste capítulo é um pouco diferente
temente, isso vem mudando, como pode ser visto na série dos demais, pois traz uma atividade de pesquisa sobre pro-
de televisão Mister Brau (2015), protagonizada pelo casal Thaís dutores culturais jovens da internet. Contextualizar a produ-
Araújo e Lázaro Ramos, que conta a história do cantor Mister ção jovem da internet como uma produção cultural é impor-
Brau e sua esposa e empresária, Michele. Outros exemplos tante para valorizar a cultura do estudante do Ensino Médio.

453
É fundamental que você acompanhe cada passo desta pes- Capítulo 16 Culturas brasileiras
quisa, principalmente os contatos que cada grupo fará com
o produtor escolhido. Esta é uma atividade que deve ser feita
também em horários fora da sala de aula e pode ser desen-
volvida junto ao professor de Informática, caso exista esse
profissional em sua escola. É possível que alguns produtores
não respondam aos contatos dos estudantes. Assim, é im-
prescindível que o contato com eles seja feito nos primeiros
dias dedicados à atividade e que você oriente os estudantes
a contatar outro produtor, caso o primeiro não responda. O
compartilhamento dos resultados com a turma é muito im-
portante. Incentive os estudantes a trazerem imagens, vídeos
e/ou áudios das produções pesquisadas para as apresenta-
ções em sala de aula. Caso exista um laboratório de informá-
tica, você pode reservá-lo para as pesquisas em sala de aula e
para a apresentação dos resultados. Conteúdos
Este é um bom momento para realizar projetos integra- ƒƒ Culturas brasileiras e diversidade
dos com as disciplinas de Sociologia, História, Geografia e Lín- ƒƒ Fandango caiçara, frevo, congado, maculelê, bumba meu
gua Portuguesa. boi maranhense e as máscaras brasileiras
A atividade também pode ser utilizada como projeto para
alguma feira cultural realizada pela escola. Proponha um tra-
balho com os professores dessas disciplinas e defina com eles Páginas 249 e 250   Afinando os instrumentos
o recorte que melhor serve à interdisciplinaridade sugerida. Na abertura deste capítulo, há versos de fandango, da
Por exemplo, caso seja um projeto compartilhado com o cidade de Valadares (litoral paranaense), e uma imagem de
professor de Língua Portuguesa, vocês podem investigar os um grupo dançando fandango. Isso porque o objetivo deste
escritores de blogs, estudar essa forma de publicação e seus capítulo é aproximar os estudantes de algumas expressões
estilos de escrita etc. culturais brasileiras, a fim de que eles as reconheçam como
símbolos de identidade e de patrimônio imaterial, mas tam-
Página 247   Ensaio corrido bém como expressões artísticas, quando se transformam em
Neste capítulo é abordado o conceito de cultura e sua re- arte para quem assiste e muitas vezes também para quem
lação com o cotidiano e as práticas dos estudantes do Ensino participa.
Médio. As atividades de pesquisa desenvolvidas contribuem No desenvolver do capítulo, são abordados conteúdos
para identificar diferentes culturas entre os estudantes e valo- relacionados à integração da música, da dança, do teatro e
das artes visuais que acontecem nessas expressões da cultura
rizar o respeito à diversidade cultural. Também são produzidas
popular e são desenvolvidas atividades sobre o frevo de Per-
pesquisas sobre jovens produtores culturais da internet, am-
nambuco, o congado de Minas Gerais, o maculelê (que tem
pliando a percepção da cultura jovens nos dias de hoje e sua
sua origem ainda discutida, mas muito associada à Bahia), o
estreita relação com o mundo digital. O respeito à diversidade
bumba meu boi do Maranhão e as máscaras brasileiras.
cultural é um exercício importante na valorização das diver-
A cada uma dessas expressões culturais poderia ser dedi-
sas culturas que contribuem para a construção da identidade
cado um capítulo, um (ou muitos) livros e vários anos de estu-
brasileira, como será visto nos capítulos a seguir. do, tamanha a complexidade de informações relacionadas a
Página 247   Roda de conversa saberes milenares construídos no Brasil a partir de influên­cias
das três matrizes que compõem o povo: a indígena, a euro-
Esta “Roda de conversa” final retoma a inicial, sendo impor- peia e a africana. Por essa razão, todos os assuntos aqui abor-
tante ter em mãos os registros da inicial para retomar algumas dados podem ser sempre aprofundados.
falas ou percepções apontadas no início do capítulo. Não é
necessário apontar quem falou o quê, o relevante é perceber Páginas 250 e 251   Roda de conversa
as diferenças de compreensão do conceito de cultura após Seguindo a opção metodológica de utilizar a leitura de
os estudos e as pesquisas contempladas neste capítulo a par- imagens como motivação para o desenvolvimento do tema,
tir do contraste entre as percepções iniciais e finais dos es- são escolhidas algumas imagens que contêm a utilização dos
tudantes. Espera-se que os estudantes tenham sido capazes objetos denominada símbolos de identidade das expres-
de compreender que cultura é um conceito plural e abrange sões culturais estudadas, a exemplo da sombrinha do frevo,
grandes diferenças quando está vinculado às práticas e sabe- das gungas do congado e dos tamancos do fandango.
res de determinado grupo social. Assim, chega-se à conclu- Se possível, proporcione aos estudantes o contato direto
são de que não há sujeito que, vivendo em sociedade, seja com esses objetos e/ou que haja a visita de mestres, grupos
desprovido de cultura, pois todos são produtores de cultura. ou brincantes na escola. Reforçando a ideia que foi desenvol-

454
vida no livro de que os objetos, chamados de símbolos de b) O objetivo dessa atividade é levar os estudantes a reco-
identidade, são essenciais para a manutenção da tradição, nhecer as expressões culturais e relacioná-las aos objetos
será inevitável que o convidado fale sobre a importância des- que simbolizam a identidade cultural de cada uma delas.
ses símbolos. É importante salientar que uma expressão cultural pode
Nas aulas destinadas ao tema, confeccione com os estu- ter vários símbolos de identidade, a exemplo da capoeira,
dantes alguns adereços das brincadeiras, como as grimas do que pode ser identificada tanto pelo berimbau como pe-
maculelê, que você pode fazer serrando um cabo de vassoura las calças brancas que os capoeiristas vestem; ou o sam-
em três partes iguais. Outra opção, dependendo da cidade ba, não só caracterizado pelo pandeiro, mas também pelo
em que você está, e das culturas e instituições presentes nela, tamborim.
é fazer visitas a museus, ONGs, escolas especializadas, grupos
Páginas 252 e 253   O fandango e a cultura caiçara
de dança e associações que possam manter um acervo des-
se tipo de material. Nesses casos, como se está trabalhando Para a pesquisadora Marilena Chaui, a cultura popular
dentro da perspectiva de “temas geradores do conhecimen- pode ser entendida “como forma de expressão dos domina-
to”, não é necessário buscar somente os símbolos de identida- dos, como manifestação diferenciada que se realiza no inte-
de das expressões da cultura popular citadas neste capítulo. rior de uma sociedade que, embora seja a mesma para todos,
Em vez disso, busque uma expressão da cultura popular da apresenta-se repleta de sentidos e finalidades diferentes para
cidade em que vivem, investindo assim em um ensino con- cada uma das classes sociais”. (LARA, 2007, p. 112).
textualizado, que considera a cultura local e o contexto do No artigo “O sentido ético-estético do corpo na cultura
estudante como fatores essenciais aos processos de ensino- popular e a estruturação do campo gestual”, a pesquisadora
-aprendizagem. Larissa Lara desenvolve reflexões sobre o sentido ético-estéti-
As respostas para as questões desta “Roda de conversa” co do corpo na cultura popular. Ainda no mesmo texto, Lara
podem conter variações. A seguir, são indicados pontos es- (2007) afirma que as investigações apontam para um proces-
senciais para que os estudantes associem os objetos símbolos so de normatização coletiva que gera técnicas corporais pró-
de identidade às expressões culturais estudadas. prias às comunidades de cultura popular, as quais se colocam
a) como parte de uma teia complexa de relações e, de acordo
ƒƒ Fandango caiçara: assim como as gungas do congado, os com a filósofa Marilena Chaui5 (1995, p. 25):
tamancos do fandango são indumentária e instrumentos.
[...] conjunto disperso de práticas, representações e for-
Eles são usados pelos homens ao executarem os passos
mas de consciência que possuem lógica própria (o jogo in-
batidos do fandango; passos diferentes são feitos a partir
terno de conformismo, do inconformismo e da resistência),
dos diferentes ritmos tocados.
distinguindo-se da cultura dominante exatamente por essa
ƒƒ Frevo: as sombrinhas do frevo são utilizadas pelos pas-
lógica de práticas, representações e formas de consciência.
sistas e os auxiliam no equilíbrio e na execução dos mo-
vimentos acrobáticos. As pessoas que dançam frevo es- LARA, Larissa M. O sentido ético-estético do corpo na cultura popular e a estruturação do
pontaneamente, improvisando passos nas ruas durante campo gestual. Revista Movimento, Porto Alegre, 2007. p. 112.
o carnaval, também utilizam as sombrinhas para executar A fim de aproximar você e seus estudantes dessa “teia
os movimentos do frevo. complexa de relações” formada por essas lógicas próprias de
ƒƒ Congado: as gungas do congado não só funcionam como práticas e representações, neste livro, optou-se por refletir so-
indumentária, mas também como instrumentos nos pés bre os vários componentes das expressões da cultura popular
dos brincantes durante o cortejo. Amarradas em seus tor- apresentadas, como no caso do fandango, que além de falar
nozelos, as gungas são tocadas conforme os passos do sobre a música, os tamancos e o movimento, fala também
congado são executados, ou seja, a cada movimento dos sobre o barreado, componente que integra a cultura caiçara
tornozelos dos congadeiros, um som é executado. de quem faz e de quem assiste ao fandango.
ƒƒ Maculelê: as grimas do maculelê são utilizadas como ins- Para Lara (2007):
trumentos de defesa durante a dança que simboliza uma
luta composta de movimentos ritmados. Ao executarem A identificação de uma manifestação cultural como
os movimentos característicos dessa dança e luta, os brin- sendo um maracatu, um coco, um frevo ou um bumba meu
cantes também utilizam as grimas como instrumentos, boi dá-se não apenas pelo movimento, mas por um conjun-
executando sons que seguem o ritmo da música tocada. to de elementos que o constituem, a exemplo dos ritmos
ƒƒ Bumba meu boi: as máscaras do bumba meu boi tam- produzidos, das letras entoadas, das vestimentas caracterís-
bém constituem parte da indumentária dos brincantes, ticas e da expressão simbólica. Além do mais, a forma como
mas nessa expressão cultural funcionam como elemento o gestual popular é delineado está, sobretudo, relacionado
de caracterização dos personagens. É importante consi- à produção histórico-cultural da comunidade (seus ritos,
derar que a máscara também define o tipo de movimen- sua religiosidade, sua forma de se relacionar com o antigo
tação de cada personagem. e o novo, suas construções normativas ético-estéticas para

5. CHAUI, Marilena. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1995.

455
convivência em grupo e para o desenvolvimento de dada mento 4: ao som de uma música de frevo.
manifestação cultural). b) Vivência 2 – momento 1: ao som de uma música de fan-
LARA, Larissa M. O sentido ético-estético do corpo na cultura popular e a estruturação do
dango; momento 2: ao som de uma música de congado;
campo gestual. Revista Movimento, Porto Alegre, 2007. p. 113. momento 3: ao som de uma música de maculelê; mo-
mento 4: ao som de uma música de frevo.
A leitura desse artigo na íntegra aproximará você, profes- c) Vivência 3 – momento 1: ao som de uma música de fan-
sor, das questões conceituais relacionadas à cultura popular dango; momento 2: ao som de uma música de congado;
discutida no livro. Buscando essa aproximação, assista com os momento 3: ao som de uma música de maculelê; mo-
estudantes a vídeos e reportagens sobre o fandango, obser- mento 4: ao som de uma música de frevo.
vem as batidas dos tamancos de madeira no tablado, a indu-
mentária utilizada pelos fandangueiros e escutem a música O objetivo de utilizar ritmos trazidos pelos estudantes é
tocada e cantada pelos mestres. relacionar essa prática a outras já propostas em capítulos an-
No boxe “Arte para navegar”, foi sugerido um site de pes- teriores, em que buscavam-se processos de criação que par-
quisa onde é possível encontrar músicas tradicionais, assistir a tissem do contexto dos estudantes. Considere que é possível
vídeos e ler depoimentos e publicações no projeto intitulado ter em sala de aula estudantes que são brincantes de alguma
“Memória caiçara”. Considere que, além dos sites indicados, outra expressão da cultura popular.
pesquisas na internet poderão aproximar você e seus estu-
Páginas 259 e 260   O bumba meu boi do Maranhão
dantes do fandango e de muitas outras expressões da cultura
brasileira.
Atividade complementar
Página 253   Arte em diálogo: Dança e Gastronomia Oriente os alunos a assistir em casa a série Sotaques do
Verifique se na cidade ou no estado onde a sua escola está bumba meu boi da TV Brasil, disponível em: <http://tvbrasil.
localizada existe alguma comida típica que seja associada a ebc.com.br/reportermaranhao/episodio/serie-sobre-
uma expressão da cultura popular e, antes de começar a tra- sotaques-do-bumba-meu-boi>, acesso em: 4 maio 2016, em
balhar o tema do boxe “Arte em diálogo”, pergunte aos estu- que é possível ver e ouvir os vários sotaques do bumba meu
dantes e incentive-os a realizar uma pesquisa sobre o tema boi maranhense.
“Dança e gastronomia”. No episódio selecionado para essa atividade, apresentam-
Neste boxe, é apresentada a importância da união entre -se as principais características do boi de orquestra.
a dança e a gastronomia na cultura popular utilizando como Depois de assistir, peça a eles que pesquisem na internet
exemplo um prato típico do Paraná, o barreado. Lembre-se mais informações sobre o sotaque de orquestra na atualidade
de ressaltar que outros pratos e comidas típicas das regiões e respondam às perguntas a seguir:
brasileiras também são comumente associados às danças na 1. O boi de orquestra atualmente é considerado o mais pra-
cultura popular. ticado no Maranhão e um dos mais abertos a inovações.
Surgiu em Munim, mas hoje também existem sotaques
Páginas 257 e 258   Fazer arte
desse tipo em São Luís, havendo uma grande diversida-
de entre os vários grupos atuais. Cite as diferenças que
Objetivos
podem ser encontradas em um mesmo sotaque de boi
ƒƒ Experimentar as dinâmicas e os fatores do movimento asso-
de orquestra.
ciados à utilização de objetos.
ƒƒ Descobrir movimentos a partir das diversas dinâmicas e fato-
1 . As diferenças que podem ser encontradas em um mes-
res definidos por Rudolf Laban. mo sotaque de boi de orquestra vão desde o andamento
das músicas (mais lento, mais rápido), até a formação dos
ƒƒ Conectar as possibilidades de movimento individual com os
grupos (em forma de U ou em forma de pelotão), a repre-
símbolos de identidade estudados neste capítulo.
sentação ou não do auto do boi e a presença de mulheres
como cantadoras.
Nesta atividade, é proposto o encontro de algumas dan-
ças da cultura popular brasileira com alguns dos princípios 2. No capítulo da série “Sotaques do bumba meu boi” da
de Laban. Considerando o estudo que precede essa atividade TV Brasil, é possível ver que as apresentações do boi de
e que enfatiza as dinâmicas e os fatores dos movimentos de orquestra filmadas por eles ocorrem em um “arraial”, um
Rudolf Laban em cada uma das expressões da cultura popu- espaço previamente preparado para isso, no qual cada
lar estudadas, ao realizar a atividade proposta, utilize músicas grupo se apresenta e os espectadores assistem. Uma das
associadas às referidas expressões da cultura popular e desen- características das culturas populares brasileiras tradicio-
volva as vivências da seguinte forma: nais é uma impossibilidade de separação entre quem faz
a) Vivência 1 – momento 1: ao som de uma música de fan- e quem assiste, de modo que todos participam da festa.
dango; momento 2: ao som de uma música de congado; Assim como no carnaval da Marquês de Sapucaí, no Rio
momento 3: ao som de uma música de maculelê; mo- de Janeiro, essa separação entre público e brincantes

456
modifica a forma de perceber e participar dessas expres- sendo parte da tradição circense, não deve ser levada em
sões culturais. Converse com os colegas e o professor so- cena por reforçar estereótipos. Após a leitura das reportagens
bre o tema e responda: na sua opinião, em que sentido e dos depoimentos sobre o tema a serem pesquisados pelos
estudantes, discuta com a turma ambas as posições.
isso se modifica? Justifique sua resposta.
2 . Resposta pessoal. Podem ser citadas algumas modifi- Página 264   Ensaio corrido
cações: a separação rígida entre quem vê e quem faz; a
Neste capítulo, o intuito é aproximar os estudantes do fan-
transformação da expressão cultural em espetáculo, que
dango caiçara, do frevo, do maculelê, do congado e da liga-
pode decorrer na cobrança; a acessibilidade do turista na-
ção dos componentes dessas expressões da cultura popular,
cional e internacional, que, de outra forma, teria mais difi-
chamadas aqui de símbolos de identidade, com o cotidiano
culdade de ter acesso às comunidades onde se realizam
das populações que participam delas.
as festas; a profissionalização da expressão cultural e sua Conhecer o bumba meu boi e seus diversos sotaques, co-
incorporação no calendário turístico da cidade, fomen- médias, autos e histórias e o caráter ritualístico das máscaras
tando sua economia. brasileiras aproxima de fazeres e saberes populares. Por fim,
são discutidas questões relacionadas ao racismo a partir da
polêmica do uso da máscara blackface em A Mulher do Trem.
Página 261   Fazer arte
Página 264   Roda de conversa
Objetivos Nesta “Roda de conversa” final, é proposta a aproximação
ƒƒ Conhecer uma das histórias do festejo do bumba meu boi e a reflexão dos estudantes sobre o contexto em que estão
maranhense e experimentá-la teatralmente, interpretando inseridos. Em todos os estados brasileiros existem expressões
seus personagens e representando-a para a turma. da cultura popular mais ou menos conhecidas pelo povo,
mais ou menos divulgadas pela mídia. Ao longo de todo o ca-
Uma das principais características do bumba meu boi é pítulo, considere as relações de mais ou menos familiaridade
a festividade e um ambiente descontraído e alegre. Não é com uma ou várias das expressões da cultura popular abor-
preciso buscar uma perfeição na caracterização dos perso- dadas. Além disso, considere também que muitas expressões
nagens ou na cena. O mais importante é que os estudantes da cultura brasileira são transmitidas pela oralidade e muitas
sejam capazes de contar a história teatralmente, utilizando-se vezes acontecem em comunidades distantes dos centros ur-
de elementos simples como lençóis, chapéus etc., mantendo banos. Dependendo de onde está localizada a escola, falar de
o caráter festivo da história. Cada grupo pode procurar dife- cultura popular pode ser falar da comunidade do próprio es-
rentes soluções cênicas para representar o narrador, a Mãe tudante ou, então, de algo totalmente desconhecido para ele.
d’água (metade peixe e metade mulher) e a Lagartixa. Ajude- Saliente que nem sempre você ou outras pessoas envol-
-os, também, a buscar soluções cênicas para tirar a Lagartixa vidas em uma expressão da cultura popular terão todas as
de dentro do Boi (pode ser usado algum tecido sobre o corpo respostas às perguntas feitas pelos estudantes, seja por não
do estudante que faz o Boi e, de dentro do tecido, outro es- conhecê-las profundamente, seja porque uma das coisas que
tudante pode surgir como Lagartixa, por exemplo). Também mais caracterizam a cultura popular é a tradição, ou seja, a
podem ser usados fantoches, marionetes ou outros objetos transmissão e manutenção de um conhecimento consolida-
representando cada personagem, aproximando-se às técni- do e passado de geração a geração sem justificativa ou ex-
cas do teatro de formas animadas. A musicalidade também plicação.
pode ser explorada incorporando elementos de percussão No filme O auto da Compadecida, baseado no livro ho-
simples, como bater dois pedaços de madeira, um chocalho mônimo do escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014),
etc. Na composição corporal dos personagens, use os planos constantemente os personagens principais, Chicó e João
alto, médio e baixo para diferenciá-los e os fatores de movi- Grilo, estabelecem diálogos sem respostas. Ao se espantar
mento de Laban também podem ser explorados, por exem- com a história de João Grilo, Chicó pede que o amigo des-
plo: a Lagartixa se mantém no plano baixo e faz movimentos creva a situação e pergunta como isso aconteceu, obtendo
indiretos, leves e contínuos. como resposta: “Não sei, só sei que foi assim”. Essa forma de
explicar os fatos nos aproxima da definição de tradição como
Página 263   Arte no dia a dia algo que não se explica, mas se mantém, sem saber como,
geralmente repetindo o que foi ensinado pelos mais velhos
A polêmica ocorrida pelo uso da máscara blackface na
de uma comunidade.
peça do grupo teatral Os Fofos Encenam traz duas argumen-
tações básicas. De um lado, o grupo, alguns artistas e estudio-
Sugestão de filme
sos do teatro e do circo afirmam ser uma máscara da tradição
do circo popular do Brasil e que não tem a intenção de ser ƒƒ O auto da Compadecida, direção de Guel Arraes. Rio de
ofensiva. Por outro lado, os movimentos sociais contra o ra- Janeiro: Globo Filmes, 2000. (104 min.)
cismo e outros artistas e estudiosos afirmam ser uma máscara Ambientado no sertão da Paraíba, a história acontece,
que ridiculariza a identidade afrodescendente e que, mesmo basicamente, em torno de dois personagens principais:

457
nas e não buscarem compará-las com a música a que estão
João Grilo, sertanejo mentiroso, e Chicó, um grande covar-
de. Ambos sobrevivem de pequenos negócios e aplicando habituados a ouvir.
alguns golpes nos moradores da região até que se envol- São estudadas, especialmente, duas manifestações indí-
vem com o terrível cangaceiro, Severino de Aracaju. genas em que a música apresenta papel central: o Turé dos
povos do baixo Oiapoque e o Toré dos povos indígenas do
Sugestão de leitura nordeste. Apesar de muitos dos povos do baixo Oiapoque
ƒƒ ALVES, J. da S. Musicalidade e dança, tamancas e moda de manterem contato com culturas não indígenas da região, eles
viola como aspectos da identidade de um povo do litoral conseguiram preservar o caráter sagrado e mágico do ritual
paranaense. In: O professor PDE e os desafios da escola pública do Turé.
paranaense. Governo do Paraná, 2010. v. 1. Disponível em: O Toré do Nordeste vem recebendo bastante influência
<www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/ de outras manifestações culturais da região, mas tem se man-
pdebusca/producoes_pde/2010/2010_uem_hist_artigo_ tido como importante instrumento de luta política pelo reco-
joao_da_silva_alves.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2016. nhecimento de identidade indígena daqueles povos e pela
Artigo escrito por um professor da rede pública esta- demarcação de terras.
dual do Paraná, em que se vislumbra o estudo do fandango
como forma de afirmação de identidade dos estudantes
paranaenses. Esse artigo pode auxiliar para aprofundar as Sugestões de leitura
questões relacionadas à manutenção e à transformação da ƒƒ CUNHA, L. C. M. da. Toré – da aldeia para a cidade: música e
identidade propostas neste livro. territorialidade indígena na Grande Salvador. Dissertação de
Mestrado, Universidade Federal da Bahia (Escola de Música),
2008. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/
Capítulo 17 Música para imaginar e bitstream/ri/9106/1/Dissertacao%2520Leonardo%2520da%
2520Cunha%2520seg.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2016.
experimentar o mundo
Em sua dissertação de mestrado, Leonardo Campos
Mendes da Cunha descreve o deslocamento de indígenas
Kariri-Xocó de sua aldeia em Alagoas até a região metro-
politana de Salvador (BA), onde organizam uma reserva
indígena. Lá passam a praticar o Toré como forma de sobre-
vivência econômica e de ensinamento da cultura indígena.
A dissertação apresenta com detalhes o ritual, enfatizando
aspectos musicais, e traz uma reflexão sobre suas dimen-
sões ritualísticas, político-econômicas e ideológicas.
ƒƒ SANTOS, A.; ALMEIDA, B. S. et al. Turé dos povos indígenas do
Oiapoque. Rio de Janeiro: Museu do Índio/Instituto Iepé,
2009. Disponível em: <www.institutoiepe.org.br/wp-
content/uploads/2008/01/livro_ture_povos_indigenas_
oiapoque-iepe.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2016.
Conteúdo Os povos indígenas Palikur, Galibi-Marworno, Galibi
ƒƒ Música e dança em festas e rituais tradicionais Kali’na e Karipuna formam os povos indígenas do baixo
Oiapoque e vivem no Amapá, na fronteira do Brasil com a
Guiana Francesa. O Turé encontra-se detalhado nessa publi-
Páginas 265 e 266   Afinando os instrumentos cação, que foi escrita e ilustrada pelos próprios indígenas
do baixo Oiapoque e relata a importância que o Turé tem
Neste capítulo é abordada a música presente em rituais
na vida daqueles povos. Disponível em: <www.institutoiepe.
e festas de alguns povos indígenas do Brasil. O objetivo é
org.br/wp-content/uploads/2008/01/livro_ture_povos_
mostrar aos estudantes que existe uma enorme variedade
indigenas_oiapoque-iepe.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2016.
de rituais e festas tradicionais dos povos indígenas em que
o canto é de vital importância e que revela a complexidade
e a multiculturalidade da sociedade brasileira e de suas ex- Página 272   Arte para assistir
pressões artísticas. Ressalte que, para os povos indígenas, a
música se reveste de importância peculiar devido ao papel Se possível, assista com os estudantes ao clipe oficial da
que tem nos rituais e nas festas, e pelo seu poder de cura. música Eju Orendive, do Brô MC’s, produzido pela Cufa e TV
Para muitos povos indígenas cantar é uma forma de exerci- Dourados na internet. Para isso, basta digitar “Eju Orendive
tar a memória, de ampliar e relacionar diferentes conheci- Brô MC’s” em um site de busca na internet e escolher o vídeo.
mentos, de ampliar as percepções de mundo, de imaginar Ouvir a música e ver o clipe oficial pode ajudar a identificar a
e experimentar a vida. Oriente os estudantes a se abrirem multiculturalidade presente na música e na visualidade pro-
para as diferentes sonoridades da música dos povos indíge- posta pelo vídeo.

458
Página 274   Fazer arte a contribuição indígena na construção da música brasileira
ser pouco reconhecida, o que de certa forma revela uma difi-
culdade presente no Brasil de entender os indígenas do país
Objetivos
como brasileiros.
ƒƒ Apreciação musical de cantos indígenas.
ƒƒ Percepção de pulsação musical, sons de diferentes alturas e O índio na música brasileira
repetição melódica. Não faz parte dos discursos modernos usuais – científi-
cos e de senso comum – sobre a “música brasileira” colocar
Nesta atividade os estudantes realizarão um trabalho de em suas origens a “música indígena”. O corriqueiro a este
apreciação musical, ouvindo duas gravações de cantos indí- respeito é que a fábula das três raças retroaja à de duas, o
genas. Ao executar a faixa 18 do CD de áudio com o fragmen- célebre triângulo racial brasileiro reduzindo-se assim a um
to de um canto de Toré, executado por adultos do povo Kariri segmento de linha, com os extremos ocupados por “negros”
Xocó, auxilie os estudantes a reconhecer a marcação da pul- e “brancos”. Não há lugar aqui, portanto, para os “índios”,
sação feita pelos maracás, a linha repetitiva da melodia canta- a mestiçagem que estaria na base da formação da música
da e o caráter repetitivo da canção. Ao executar a faixa 19 do
brasileira limitando-se tão-somente a brancos e negros.
CD de áudio com o canto de meninas do povo Maxakali, da
[...] qual o nexo dessa perda ou esquecimento? Isto,
Aldeia Verde, em Minas Gerais, auxilie os estudantes a perce-
num país onde a influência indígena é reconhecidamente
ber o caráter repetitivo da canção e o som gutural que as me-
imensa, indo da língua falada à alimentação, à religião, ao
ninas fazem com a voz quando cantam as notas mais graves
equipamento doméstico, passando pelos universos gerais da
da melodia. Nos dois exemplos, a música indígena não deve
ser entendida nos modelos da canção comercial a que muitos adaptação ao meio ambiente e da genética e por muitos e
podem estar acostumados, mas como parte de um ritual e de muitos outros domínios?
um modo de viver que envolve sociabilidades particulares e [...]
afirmação de identidades. Nesse sentido, quaisquer compa- Embora as pesquisas sobre os impactos das músicas in-
rações com outros tipos de músicas não indígenas poderão dígenas nas músicas brasileiras sejam incipientes, elas nos
ser infrutíferas em estimular os estudantes a se abrirem para permitem desconfiar da transparência desse universo de
novos sons e novas músicas. representações onde a contribuição ameríndia é apagada.
Desta maneira – e na demanda de contraexemplos para a
Página 274   Ensaio corrido narrativa analisada –, pode-se levantar a hipótese, sim, de
O estudo dos rituais indígenas dos povos do Oiapoque e que as músicas indígenas estão na base de grande parte dos
do Nordeste brasileiro deve ser conduzido para enfatizar tais universos musicais conhecidos como “folclóricos” de vastas
manifestações como práticas musicais dançadas que se aliam regiões do país. O caso do nordeste revela-se, a este res-
à festividade e à religiosidade, sendo uma forma desses po- peito, riquíssimo, ali onde o universo músico-ritual do toré
vos reconhecerem e reinventarem sua identidade. É impor- parece constituir-se como uma espécie de linguagem franca
tante ressaltar a multiculturalidade como uma das principais de toda a região, da Bahia ao Ceará. A eventual pequena
características da cultura brasileira, desafiando os estudantes magnitude do nível de contraste existente entre o que con-
a ampliar os conceitos preconcebidos sobre música e cultura suetudinariamente se considera, naquela região, – para nela
que possam ter, usualmente fundados nas manifestações di- ficar –, “indígena” e “brasileiro”, ao invés de simplesmente
fundidas pelos meios de comunicação de massa que direcio- poder ser lida como desqualificante da “indianidade” das
nam a produção e o consumo da música para caminhos nem práticas culturais indígenas da área, poderá antes apontar
sempre condizentes com a multiplicidade cultural do país. para algo tão surpreendente quanto insistentemente negado
Página 274   Roda de conversa por grande parte dos brasileiros e por muita antropologia: o
contraste referido é pequeno, às vezes até mínimo, porque
O objetivo aqui é evidenciar a multiculturalidade que ca- não somente os “índios” ali – para limitar-me tão-somente
racteriza as culturas do Brasil e suas características múltiplas ao nordeste – são “brasileiros”, mas, também e ao revés, por-
que incorporam e reinventam as diversas manifestações cul- que lá estes (ou grande parte deles) também são “índios”.
turais que a compõem. Nesse sentido, discussões sobre au-
Como pensar o Brasil assim? Estado-nação moderno ame-
tenticidade cultural podem dar lugar ao reconhecimento e à
ríndio?
evidenciação da pluralidade que caracteriza as manifestações
culturais no país, em suas múltiplas fontes e interconexões. BASTOS, Rafael J. de M. O índio na música brasileira: recordando quinhentos anos de
esquecimento. In: TUGNY, Rosângela P.; QUEIRÓZ, Rubem Q. de. (Org.). In.: Músicas africa-
Leituras complementares nas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p.115, 116, 123, 124.

Leitura 1 Leitura 2
Rafael José de Menezes Bastos é professor da Universida- O texto a seguir foi escrito pelo professor Gersem dos
de Federal de Santa Catarina e pesquisador de cultura indí- Santos Luciano – Baniwa (2006), primeiro índigena mestre em
gena. No texto a seguir, Bastos (2006) alerta para o fato de Antropologia Social no Brasil e representante no Conselho

459
Nacional de Educação. Neste texto, o professor apresenta al- são esteja na presença de inúmeros produtos da mandioca,
gumas das diversas contribuições dos povos indígenas para o desde a tradicional tapioquinha ao exótico tucupi e à in-
Brasil e para a humanidade, em várias áreas do conhecimento. dispensável farinha.
Contribuições dos povos indígenas ao Brasil e ao Além de tudo isso, há ainda outro legado bem mais atual
mundo dos povos indígenas ao Brasil e ao mundo, que são os seus
milenares conhecimentos de medicinas tradicionais. Alguns
Na história oficial do Brasil, contada nos livros didáti-
estudiosos estimam que os índios do Brasil já chegaram a
cos das escolas ou mesmo na literatura especializada, não
dominar uma cifra de mais de 200.000 espécies de plantas
aparece nenhum feito ou contribuição significativa dos po-
medicinais. Muitas delas estão se perdendo antes mesmo de
vos indígenas à formação da nação brasileira. Isto porque
serem descobertas pela ciência moderna. Ao contrário do
os povos indígenas sempre foram considerados sem cultu-
que muitos médicos pregam, a medicina tradicional pos-
ra, sem civilização ou qualquer tipo de progresso material.
sui um valor incalculável ainda a ser descoberto e explorado
Aliás, circula ainda hoje entre pessoas bem escolarizadas a
pela medicina moderna, desde que a arrogância dos cientis-
ideia de que os índios representam barreiras e empecilhos
tas ceda lugar às possibilidades de novas descobertas sobre
para o progresso e o desenvolvimento da nação. Mesmo al-
os mistérios da natureza e da vida, como pregam e vivem os
guns índios afirmam, por vezes, que precisam ser ensinados
povos indígenas. Recentemente, em cadeia de televisão, um
pelos brancos civilizados para que posteriormente possam
famoso médico brasileiro afirmou que os conhecimentos in-
contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país.
dígenas no campo da medicina tradicional não tinham nada
Esquecem, ou mesmo ignoram, por força da ideologia in-
a dar à ciência médica, porque os que havia eram totalmente
corporada do pensamento preconceituoso dos brancos, com
ineficientes. Os povos indígenas logo se perguntaram qual
quantas tecnologias, conhecimentos e valores os povos indí-
seria a ciência infalível daquele médico, pois nos hospitais
genas contribuíram para a construção e a formação do povo
brasileiro. Ou será que esqueceram de como os primeiros conhecidos morria gente diariamente, muitas vezes vítima
portugueses aprenderam a sobreviver em terras totalmente de doenças banais.
desconhecidas? No campo da medicina tradicional dos povos indígenas
A primeira contribuição dos povos indígenas teve início há grandes probabilidades de existirem soluções para mui-
logo após a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Os tos males que hoje afligem os homens da ciência moderna.
índios pacificados e dominados ensinaram a eles as técnicas Não é gratuito o aumento da atividade de biopirataria em
de sobrevivência na selva e como lidar com várias situações terras indígenas, praticada por pesquisadores e cientistas
perigosas nas florestas ou como se orientar nas expedições do mundo inteiro, porque sabem das riquezas infinitas que
realizadas. Em todas as expedições empreendidas pelos des- constituem as culturas indígenas em relação aos seus recur-
bravadores e colonizadores portugueses lá estavam os índios sos naturais. Só para citar um exemplo, foram os índios da
como guias e serviçais, conforme atestam vários registros América que dominaram, ao longo de séculos ou mesmo
documentais da época. Ao longo de toda a história de co- de milênios, conhecimentos sobre os produtos anestésicos,
lonização brasileira, os povos indígenas estiveram presentes, que hoje são fundamentais para os processos cirúrgicos
ora como aliados na expulsão de outros invasores estrangei- praticados pela medicina médica. Os Baniwa do Alto Rio
ros, ora como mão de obra nas frentes de expansão agrícola Negro há séculos dominam com presteza essa técnica, sen-
ou extrativista. do o principal instrumento de caça e de guerra. Os índios
Do ponto de vista sociocultural, hoje é aceito ofi- Ashaninka e outros povos indígenas do Acre são exímios
cialmente o fato de que o povo brasileiro é formado pela manipuladores de plantas alucinógenas, como a ayawaska,
junção de três raças: a indígena, a branca e a negra. Mas recentemente patenteada por empresas norte-americanas
não foi somente no aspecto biológico que os índios con- e em razão de que muitos povos indígenas das Américas
tribuíram para a formação do povo brasileiro como o sen- estão brigando na justiça por direitos de propriedade inte-
so comum faz crer, mas principalmente do ponto de vista lectual coletiva.
cultural e religioso. Basta prestarmos atenção em muitos E assim poderíamos continuar enumerando várias con-
aspectos que constituem a vida cotidiana dos brasileiros, tribuições importantes dos povos indígenas ao Brasil e ao
começando com a própria língua portuguesa que acabou mundo. Ao olharmos para a realidade presente, percebe-
incorporando várias palavras, conceitos e expressões de mos que essas contribuições aumentaram de importância,
línguas indígenas. Há centenas de nomes de lugares (Igua- mesmo sem ou com pouco reconhecimento por parte da
çu, Itaquaquecetuba, Paranapanema), de cidades (Manaus, sociedade global e nacional. Basta observarmos as riquezas
Curitiba, Cuiabá) de pessoas (Ubiratan, Tupinambá), de estratégicas que se encontram nos territórios indígenas,
ruas e até de empresas (Aviação Xavante, Empresa Xingu). dos quais eles são não apenas donos, mas principalmente
Outro aspecto extremamente relevante são os conheci- guardiões e aguerridos defensores. A principal delas, e com
mentos culinários dos povos indígenas que estão presentes a qual os povos indígenas contribuem para a riqueza so-
na vida dos brasileiros, em que talvez a mais forte expres- cioeconômica do país, é a megabiodiversidade existente em

460
suas terras, que representam quase 13% do território brasi- em culturas que não compartilham de seu significado e apli-
leiro, a maior parte totalmente preservada. Fotos de satélites cação? Tal impasse de compreensão acontece justamente por
mostram que as terras indígenas são verdadeiras ilhas de suscitar questões referentes às reflexões e definições de arte.
florestas verdes rodeadas por pastos e cultivos de monocul- Darcy Ribeiro (1983) segue no questionamento aqui iniciado:
turas, com a predominância da soja. Esta não é apenas uma
riqueza dos índios, mas de todos os brasileiros e dos viventes Que é arte índia? Com esta expressão designamos certas
do planeta, na medida em que são florestas que contribuem criações conformadas pelos índios de acordo com padrões
para amenizar os graves desequilíbrios ambientais da Terra prescritos, geralmente para servir a usos práticos, mas bus-
nos tempos atuais. Por esta razão, o Brasil e o mundo deve- cando alcançar a perfeição. Não todas elas, naturalmente,
riam contribuir para que os povos indígenas continuassem a mas aquelas entre todas que alcançam tão alto grau de rigor
proteger essa imensurável riqueza vital. formal e de beleza que se destacam das demais como obje-
Por fim, os povos indígenas brasileiros constituem ainda tos dotados de valor estético. Neste caso, a expressão estética
uma riqueza cultural invejável para muitos países e conti- indica certo grau de satisfação dessa indefinível vontade de
nentes do mundo. São 222 povos étnicos falando 180 lín- beleza que comove e alenta aos homens como uma neces-
guas – 222 povos é pouco menos que as 234 etnias existen- sidade e um gozo profundamente arraigados. Não se trata
tes em todo o continente europeu. São poucos os países que de nenhuma necessidade imperativa como a fome ou a sede,
possuem tamanha diversidade sociocultural e étnica. Por bem o sabemos; mas de uma sorte de carência espiritual,
tudo isso, o Brasil e o mundo precisam olhar com mais ca- sensível, onde faltam oportunidades para atendê-la; e de
rinho para os povos indígenas e vê-los não como vítimas ou presença observável, gozosa e querida, onde floresce.
coitadinhos pedindo socorro, mas como povos que, além de Esta concepção da arte, aplicada aos índios, nos per-
herdeiros de histórias e de civilizações milenares, ajudaram mite encontrar em sua vida diária, muitas expressões de
a escrever e a construir a história do Brasil e do planeta com criatividade artística. Quer dizer, criações voltadas para a
seus modos de pensar, falar e viver. perfeição formal, cuja fatura, desempenho ou simples apre-
ciação lhes dá gozo, orgulho e alegria. Muito mais do que
BANIWA, Gersem dos S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação na nossa vida, estão presentes na vida indígena estas formas
Continuada, Alfabetização e Diversidade; Laced/Museu Nacional, 2006. p. 216-220. de fruição artística. Lá, porém, estas qualidades do que é
Disponível em: <unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154565por.pdf>. artístico estão de tal forma dispersas no que eles fazem, que
Acesso em: 4 maio 2016. teríamos, talvez, de encarar como arte, criações dos gêneros
mais variados. Um arco cerimonial emplumado dos Bororo
– mas não um arco comum –, uma enorme peneira Desana,
Capítulo 18 A visualidade das artes trançada de forma a ressaltar desenhos decorativos – mas
indígenas brasileiras não qualquer peneira –, seriam criações artísticas porque se
destacam como objetos de beleza extraordinária.
RIBEIRO, Darcy. Arte índia. In: ZANINI, Walter (Org.). História geral da arte no Brasil. v. 1.
São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. p. 49.

O que o pesquisador visa esclarecer, a partir da passagem


supracitada, é que até mesmo uma produção “comum”, como
um arco de caça ou demais utensílios diretamente identifi-
cados às tarefas diárias dos povos indígenas, adquire confor-
mações muito mais trabalhadas do que o necessário para o
cumprimento de sua função. Como se sabe, a partir do sé-
culo XVI, começou a vigorar a distinção entre “artes maiores”
e “artes menores”. O termo “arte menor” passou a designar
os objetos que possuíam algum apelo visual ou apuro esté-
Conteúdos tico, mas que foram construídos para executar uma função:
ƒƒ Os diferentes tipos de produção artística dos povos roupas, pratarias, escovas etc. As “artes maiores”, além de não
indígenas brasileiros possuírem o valor de uso, deveriam ser únicas. Essas distin-
ƒƒ O índio no Brasil contemporâneo
ções foram colocadas em questão no século XX, mas ainda
vigora o sentido de valor da obra relacionado a sua unicidade.
Darcy Ribeiro (1983), nesse sentido, compreende essas mani-
Páginas 275 e 276   Afinando os instrumentos festações como totalmente integradas à vida cultural prática
Neste capítulo, são tratadas as produções dos povos in- desses povos, ou seja, com um fazer necessário, sem qual-
dígenas; entretanto, uma primeira dificuldade se apresenta: quer distinção que possa levá-las a ocupar um lugar separado
como designar com o termo “arte” manifestações realizadas como atividade de arte:

461
Assim é porque a característica distintiva da arte é ser de subsistência da família, de participação nas durezas e nas
mais um modo do que uma coisa, mais forma do que con- alegrias da vida e de desempenho dos papéis sociais pres-
teúdo, mais expressão do que entidade. Suas criações se critos de membro da comunidade. É, porém, um homem
apresentam como um conjunto estilizado de modos de fa- mais inteiro, porque além de fazer o que todos fazem, faz
zer certas coisas, de contar uns casos, de cantar e de dançar. algumas coisas notoriamente melhor que todos.
O que caracteriza a arte índia, entre as artes, é este modo RIBEIRO, Darcy. Arte índia. In: ZANINI, Walter (Org.). História geral da arte no Brasil. v. 1.
generalizado de fazer todas as coisas com uma preocupação São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. p. 50.
primordialmente estética.
Essa mesma questão é tratada por José Braga Fernandes
Para complicar, nada parece mais fortuito e até fútil que
Dias (2000). Ele reflete não somente sobre a ação de colecio-
o modo artístico. Entretanto, ele exibe uma fixidez admirá-
nar os objetos produzidos pelos povos indígenas, mas tam-
vel e mesmo quando muda, muda dentro de certa pauta cuja
bém sobre expô-los, o que se verifica, novamente, como um
continuidade se pode ver. Isto é o que ocorre com os estilos
gesto de tratar igualmente operações realizadas com objeti-
artísticos de cada tribo, em cada gênero, que variam sen-
vos e em contextos diferentes:
sivelmente, como se pode observar através da comparação
das coleções museológicas. Variam, porém, lentissimamente Ora, o museu e a exposição de arte, ocidentais, que
e só variam pela acumulação de pequenas alterações quase condicionam a nossa relação com os objetos, são diluen-
imperceptíveis em cada geração, preservando assim, através tes muito poderosos das diferenças culturais; nem mesmo
do tempo, o perfil estilístico tribal. quando adotam o pluralismo cultural deixam de ser fun-
Contribui, provavelmente, para este conservadorismo, o damentalmente monoculturais. Dessa maneira, ao expô-los,
fato de que o saber técnico, sendo implícito no nível tribal, só estamos ao mesmo tempo a aproximar da nossa categoria
pode reter o acervo das experiências do passado pela repeti- “arte” coisas provenientes de sociedades que não têm para
ção fiel de cada item formal. Uma flecha, por exemplo, deve ela equivalente, assimilando-os pelas práticas institucionais
atender a grande número de requisitos físicos de dimensões de uma cultura da exposição, em que são supostos ser olha-
proporcionais, de equilíbrio, de peso e de torção adequada dos e apreciados no mesmo espírito estético, contemplativo
da emplumação, para imprimir em seu movimento a rotação e desinteressado com que olhamos os nossos objetos artísti-
necessária para que ela cumpra sua função prática. cos. [...] Em que medida isso envolve uma distorção ou uma
RIBEIRO, Darcy. Arte índia. In ZANINI, Walter (Org.). História geral da arte no Brasil. v. 1. apropriação do valor dos objetos? Ou esse reconhecimento
São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. p. 50. artístico é uma forma de valorizar esses artefatos? Que rela-
ção há entre as qualidades de um objeto visto pelo público
Ribeiro (1983) alerta sobre o risco de ficar isolando objetos
de arte ocidental e as suas qualidades vistas pelos que o pro-
em categorias, ou seja, que o conceito de arte deve conside-
rar o que é interno à cultura e não o que é externo a ela. duziram para seu uso? Por que usamos designações diferen-
tes: “arte” só, e artes com nome – artes indígenas (também
É de perguntar, nesta altura, se não seria um valor cultural arte popular, arte primitiva ou arte étnica etc.)?
nosso a ideia de coisa artística. Não seria isso uma espécie de DIAS, José António Braga Fernandes. Arte, arte índia, artes indígenas. In: AGUILAR,
supervalorização que atribuímos a algumas criações? Entre Nelson (Org.). Mostra do redescobrimento: artes indígenas. São Paulo: Associação Brasil
nós, é nítida a diferença entre objetos pretensamente únicos, 500 Anos Artes Visuais, 2000. p. 36.
criados por especialistas, dentro da categoria de coisas desti-
Nesse sentido, essa discussão não tem como objetivo
nadas às coleções privadas ou a museus e tudo que se destina
demonstrar a condição não artística das produções dos
ao uso corrente. No mundo indígena ela existe para o etnó- povos indígenas, mas apenas evidenciar como tal coloca-
logo que olha, reconhece e colhe os objetos “artísticos”; não ção é uma produção cultural localizada e de origem oci-
tanto para os índios que os têm e os usam junto com todos dental, não devendo ser compreendida como uma defini-
os outros. Esclareça-se aqui que, apesar de usá-los conjun- ção e uso universais.
tamente, os índios apreciam distintivamente os espécimens
que atendem melhor aos requisitos formais de perfeição de Página 276   Roda de conversa
cada gênero e melhor expressam o padrão tradicionalmente O objetivo dessa primeira conversa é perceber a variedade
prescrito, como também reverenciam muito as pessoas que de padronagens presentes em um mesmo povo, procurando
conseguem fazê-los com tamanha perfeição. Mas ninguém identificar as formas e as possibilidades de combinação de-
pensaria lá em colecionar objetos artísticos. Cada objeto re- las. Levante questões sobre quais os suportes possíveis para
trata quem os fez e lembra os dias em que foi feito. Como tal, a aplicação desses padrões, como deve ser esse processo,
pode ser tido e retido, mas jamais colecionado. com quais materiais. Ao analisarmos as representações dos
O artista índio não se sabe artista, nem a comunidade Asuniri, é possível destacar o padrão Tayngava – combinação
para a qual ele cria sabe o que significa isto que nós consi- da palavra ayngava, que significa réplica, medida ou imagem
deramos objeto artístico. O criador indígena é tão somente acrescida ao prefixo “T”, forma gramatical que indica possui-
um homem igual aos outros, obrigado como todos às tarefas dor humano.

462
Estimule os estudantes a observar a imagem e ler a legen- A vida do índio
da com atenção. Depois, pergunte a eles se consideram esse O índio lutador,
objeto como arte ou não. Oriente-os a justificar suas respos- Tem sempre uma história pra contar.
tas e, se julgar interessante, organize um debate em sala sobre Coisas da sua vida,
o assunto. Que ele não há de negar.
A vida é de sofrimento,
Páginas 277 a 283   Arte, artesanato e artes indígenas
E eu preciso recuperar.
Problematizam-se as relações entre arte, artesanato, a
produção dos povos indígenas e como ela é vista fora da Eu luto por minha terra,
sociedade indígena. O objetivo é demonstrar que não existe Por que ela me pertence.
produção melhor ou pior. Outro aspecto bastante relevan- Ela é minha mãe,
te é observar que as produções indígenas possuíam e ain- E faz feliz muita gente.
da possuem uma grande complexidade; porém, ainda são Ela tudo nós dá,
vistas pelas sociedades não indígenas sob um viés muitas Se plantarmos a semente.
vezes preconceituoso, como se fossem menos elaboradas.
A minha luta é grande,
Página 278   Arte em diálogo – Patrimônio imaterial e Não sei quando vai terminar.
Eu não desisto dos meus sonhos,
a arte indígena
E sei quando vou encontrar.
Nesse momento, são levantados conceitos relevantes so- A felicidade de um povo,
bre a definição de patrimônio imaterial. Muitas vezes, é mais Que vive a sonhar.
fácil reconhecer os patrimônios materiais, como os monu-
mentos públicos, obras de arte, entre outros, que os patri- Ser índio não é fácil,
mônios imateriais, representados pelas danças, pelos hábitos Mas eles têm que entender.
alimentares, pelas crenças e pela própria língua. Infelizmente, Que somos índios guerreiros.
como o processo de colonização dizimou culturas, conse- E lutamos pra vencer.
quentemente, grande parte do patrimônio imaterial dos pri- Temos que buscar a paz,
meiros habitantes do Brasil foi destruída. E ver nosso povo crescer.
Se possível, visite o site do Iepé, disponível em <www.
Orgulho-me de ser índio,
institutoiepe.org.br/>, acesso em: 5 maio 2016, e traga para
E tenho cultura pra exibir.
a sala de aula um dos artigos ali presentes para ler com os
estudantes. Reforce a importância de se buscarem informa- Luto por meus ideais,
ções sobre os povos indígenas, sobre as produções feitas E nunca vou desistir.
pelos próprios indígenas e conversem sobre a capacidade Sou Pataxó Hãhãhãe,
dessas produções de contribuir para a compreensão das E tenho muito que expandir.
culturas indígenas no Brasil contemporâneo, já que são arti- SOUZA, Edmar Batista de (Itohã Pataxó). A vida do índio. Índio Educa, 12 abr. 2013.
gos de datas recentes. Disponível em: <www.indioeduca.org/?p=1919>. Acesso em: 11 jan. 2016.

Página 283   Arte no dia a dia


Os povos indígenas tiveram seus direitos perdidos ao lon- Página 284   Ensaio corrido
go do tempo, assim como perderam a possibilidade de ex-
Neste capítulo, o objetivo é apresentar a diversidade da
pressão e preservação da sua língua e de seus costumes. É
cultura, assim como a produção artística dos povos indígenas.
importante perceber como esses povos foram perseguidos e
É importante registrar que por “artes indígenas” compreende-
não tiveram alternativas para preservar suas próprias culturas.
-se a multiplicidade de referências existentes e produzidas
O objetivo é discutir essas questões para que a ideia de res- pelas comunidades indígenas no território brasileiro.
peito às diferenças seja construída e consolidada nas diversas
comunidades espalhadas pelo Brasil. Página 284   Roda de conversa

Página 277   Arte para navegar O objetivo principal desta “Roda de conversa” final é que
os estudantes percebam que a cultura indígena foi parte
Atividade complementar fundamental para a constituição da sociedade, mas que in-
felizmente foram negados os direitos fundamentais de sobre-
Leve para a aula o poema “A vida do índio”, faça uma lei- vivência de boa parte do patrimônio material e do imaterial
tura e, em seguida, analise-os oralmente com os estudantes. dos povos indígenas brasileiros. A diversidade é a tônica deste
Esta atividade permite o trabalho interdisciplinar com Língua capítulo e seria fundamental que os estudantes terminassem
Portuguesa. o estudo compreendendo a importância do respeito às dife-

463
renças e que todos têm direito de preservar sua identidade e dos de cada capítulo da Unidade sejam trabalhados de forma
de ter acesso à cultura e à educação. interdisciplinar com os professores de História, Matemática
e Informática. Nos comentários do texto do livro didático e
Páginas 285 a 287 Atividades de múltipla escolha nesta Assessoria Pedagógica, específica para cada capítulo, há
1. As retratações tanto na pintura como nos textos de época orientações para a realização desse trabalho interdisciplinar.
carregam o olhar do colonizador que tinha o objetivo de Esta Unidade contempla três capítulos que foram estrutu-
dominar e explorar tanto o território como seus habitan- rados tendo como base a conexão dos campos artísticos com
tes – os indígenas. a História (capítulo 19), com a Matemática (capítulo 20) e com
2. A letra da canção aponta justamente a forma violenta a tecnologia (capítulo 21). Essas três áreas foram escolhidas
como foi realizada a colonização portuguesa, retirando por apresentarem um impacto bastante destacado na arte
os povos indígenas de suas formas tradicionais de vida contemporânea e, além disso, foram abordados os campos
e ocasionando, no decorrer do tempo, um processo de artísticos que se relacionam de maneira mais direta com cada
marginalização e de risco de extinção progressiva. uma delas.
3. A preservação da memória ancestral e resistência negra
aparece repetidamente no poema ao relembrar as origens
Interdisciplinaridade
africanas e a situação de opressão vivida pelos afrodescen-
dentes nos processos de colonização dos Estados Unidos Durante o estudo dos assuntos abordados nesta Unidade,
e do Brasil. Também é recorrente a menção à resistência observe as conexões interdisciplinares entre as artes e outras
negra a esse processo colonizatório e escravocrata, princi- áreas do conhecimento. Essas conexões são explicitadas no
palmente ao citar Zumbi dos Palmares considerando um boxe “Arte em diálogo”.
símbolo dessa resistência. O blues, a primeira e principal
forma cultural especificamente negro-americana e seu Capítulos da Unidade 5 Arte em diálogo
canto melancólico, é associado à apatia dos brancos pelo
eu lírico. 19 Pintura, Teatro e História – Pintura e Biologia
4. A relação entre o modo de fazer e a obra é característica – Teatro documentário e
importante de sua identidade, pois revela uma forma es- documento histórico
pecífica de relação da obra, no caso, o cordel, com a co- – Teatro e igualdade de
munidade na qual é gerada. gênero
5. O padrinho, que é como um professor que sonha e plane-
20 Arte e Matemática – Arte e Língua Portuguesa
ja o canto dos adolescentes na cultura xavante. Todos os
tipos de dança vêm dos primeiros Xavantes, portanto eles 21 Arte e tecnologia – Teatro e cinema
preservam uma identidade entre a gestualidade ancestral – Música e Arqueologia
e a novidade dos cantos a serem entoados. – Música e tecnologia digital

Unidade 5 Arte em conexão


Capítulo 19 Pintura, Teatro e História

Conteúdos
Páginas 290 e 291 § A representação histórica do Brasil do século XIX por meio
da pintura
Nesta Unidade são abordadas as conexões dos campos
§ O teatro documentário e a visão crítica dos acontecimentos
artísticos com outras áreas do conhecimento ao longo da his-
históricos
tória até a contemporaneidade. É importante que os conteú-

464
Páginas 292 e 293   Afinando os instrumentos Página 296   Pintura e identidade nacional
Neste capítulo, são exploradas as relações da pintura e O século XIX é um importante momento de discussão da
do teatro com a História. Entre os campos artísticos tratados identidade nacional brasileira. Existe o desejo político de apre-
neste livro, a pintura e o teatro se destacam como artes que sentar soluções para a unidade da nação, tendo em vista a sua
se entrelaçam de forma especial com a representação e a constituição tão diversa nos seus aspectos étnicos, culturais
releitura dos acontecimentos históricos. Nesse sentido, com- e linguísticos. Vários artistas utilizaram seus conhecimentos
preendendo as especificidades dessa relação tanto no teatro para construir, a partir de imagens, um passado compartilha-
quanto na pintura, pretende-se proporcionar o conhecimen- do. Esse interessante debate será apresentado neste livro.
to e a experiência, de forma contextualizada, da História como
matéria de criação artística. Página 296   Arte no dia a dia
Desenvolva os temas e as atividades aqui propostos em As pinturas são geralmente utilizadas como importante
parceria com o professor de História. A interdisciplinaridade ferramenta de ensino e aprendizagem. Geralmente apare-
com História se revelará bastante significativa na abordagem cem nos livros de História como ilustração de um evento
dos temas aqui relacionados e, principalmente, na experiên- ou de um conteúdo importante. É necessário, entretanto,
cia proposta na segunda seção “Fazer arte” deste capítulo. Ao muita atenção para valorizar as obras artísticas e não as
longo desta Assessoria Pedagógica, serão feitas algumas su- submeter ao mero registro ilustrativo, pois a imagem artís-
gestões específicas para trabalhar essa interdisciplinaridade. tica pode tanto dialogar com um evento como criar novas
No que se refere às relações entre história e pintura, é im- problematizações.
portante considerar tanto os aspectos que aproximam como
os que distanciam as duas áreas. Apesar de a pintura repre- Página 297   Arte em diálogo – Pintura e Biologia
sentar fatos históricos, existe a característica da invenção e in- Existe a possibilidade de aproximação interdisciplinar en-
ventividade típica da arte. É necessário lembrar que a pintura tre pintura e Biologia. Grande parte das representações da
histórica estabelece a relação entre o evento histórico (rela- fauna e da flora foi realizada por artistas, mas sem perder mui-
tivo ao que aconteceu) e a criação artística (liberdade do ar- tas vezes a inventividade e a criatividade. Tal fato se deveu à
tista em construir uma história a partir de sua interpretação). ausência de outras possibilidades de registro, como a câmera
Nosso objetivo é estabelecer essas relações em uma proposta fotográfica.
que, ao mesmo tempo, aproxime sem descaracterizar a espe-
cificidade de cada campo. Página 298   Duas histórias
O conceito de história está geralmente associado ao que
Página 293   Roda de conversa
aconteceu de fato. Sabemos, entretanto, que a história é fruto
Este é um momento em que a participação do professor de uma construção que envolve inúmeros atores. Nesta parte
de História pode contribuir para ampliar o escopo da dis- do capítulo, comparando duas representações artísticas de
cussão travada, uma vez que se pergunta o que é história. O um mesmo evento histórico, teremos a possibilidade de nos
professor de História pode trazer outros pontos de vista ou aproximar desse universo e de entender que existem inúme-
aprofundar os que são apresentados na resposta à pergunta ras interpretações possíveis para um mesmo evento histórico.
do livro.
Da mesma forma, a relação entre Arte e História se faz Página 299   Arte no dia a dia
presente no cotidiano de ambas as disciplinas. Por um lado, a O objetivo desta atividade é fazer os estudantes desloca-
arte se faz no tempo e está em estreita relação com os acon- rem seus olhares para a história que lhes é mais próxima e
tecimentos e a sociedade que emolduram cada momento conhecerem quem foram as pessoas consideradas significati-
histórico. Por outro lado, a arte também serve como docu- vas para a história do bairro, da cidade, do estado ou do país.
mento de determinada época e é bastante utilizada por his- A própria escola pode ser um lugar interessante para a pes-
toriadores em seus estudos. Além disso, é muito comum que quisa, pois muitas vezes é nomeada com o nome de alguma
obras artísticas, principalmente pinturas, sejam utilizadas figura pública importante.
como ilustrações nos livros didáticos de História. Abordar A história narrada não está presente apenas nos livros
esse tema de forma interdisciplinar pode enriquecer ambas didáticos de História. Muitas vezes, convivemos com essas
as disciplinas, pois permite uma pluralidade de olhares sobre referências sem nos darmos conta. A história está também
o tema. O maior desafio será aproximar os dois campos, sem presente nos monumentos, em nomes de praças ou viadutos.
que se reduzam as pinturas à mera ilustração da História. As
obras artísticas, mesmo ao representar temas históricos, pos-
Atividade complementar
suem uma carga de criatividade artística que não deve ser Segue uma proposta de atividade complementar que
desconsiderada. Esse é um bom caminho de discussão en- pode ser posta em prática com os estudantes, em grupo, de
tre História e a pintura, mostrando como existem inúmeras acordo com a dinâmica da turma e as possibilidades da esco-
possibilidades de interpretação de um mesmo fato histórico. la ou do município.

465
Expedição artística despercebidas) resultem em reflexão e registro. A apresenta-
ção deverá conter todas as fotografias reunidas e indicar cla-
Etapa 1
ramente os aspectos de cada uma que foram considerados
Retome o espírito aventureiro das expedições artísticas na
mais importantes pelo estudante. Um exemplo seria uma
sua escola e/ou na sua cidade. Reúna os estudantes, conver-
imagem final, montada com o recorte de uma pessoa (um
se com eles sobre a possibilidade de visitar um determinado
local na cidade que ainda não conhecem e registrá-lo. Outra transeunte casual, por exemplo) vista no primeiro dia com ou-
possibilidade é encontrar, dentro da própria escola, um lugar tro recorte daquela mesma pessoa registrada no último dia,
menos frequentado para construir um novo olhar sobre ele. ambas reunidas em uma mesma paisagem.
Afinal, caso o espaço já seja conhecido, sempre existem as-
pectos a serem explorados e investigados. A ideia é que cada
estudante produza seu registro desse espaço e o apresente Páginas 300 e 301   Teatro Documentário e História
para a turma com fotografias ou desenhos. Para tornar a ex- No contexto das relações entre teatro e história, foi pro-
periência mais interessante, após a elaboração do registro, posto o recorte do teatro documentário por este estabele-
confrontem as diversas possibilidades de compreensão desse cer um diálogo direto entre a arte teatral e os documentos
mesmo ambiente. históricos. Ao longo do capítulo, são dados alguns exemplos
O importante nesta etapa é que o estudante registre sua de Teatro Documentário no Brasil e contextualizado seu sur-
visão sobre o espaço no formato que julgar mais adequado. gimento na história do teatro ocidental. Esses conhecimentos
Poderá ser um desenho, uma fotografia ou uma pintura. Os serão importantes para a realização de ambas as seções “Fazer
materiais também podem ser variados: lápis, carvão, caneta, arte” do capítulo, pois possibilitam melhor apreensão de seus
aquarela etc. O importante é que os trabalhos sejam compar- objetivos e procedimentos.
tilhados e que a turma compreenda como um mesmo espaço
pode oferecer diferentes visões, mesmo quando o ponto de Página 301   Arte em diálogo – Teatro Documentário e
vista for o mesmo. Fica a sua escolha a definição do lugar a ser documento histórico
registrado: uma paisagem única, por exemplo, um determi-
nado ângulo de uma vista do parque ou da escola; diferentes Essa seção é um exemplo da relação interdisciplinar en-
aspectos de uma paisagem, em que cada estudante terá a li- tre teatro e história expressa no Teatro Documentário. Como
berdade de selecionar um aspecto de uma mesma paisagem, sugerido anteriormente, é recomendável que você amplie
por exemplo, um estudante que deseja trabalhar a paisagem essas informações com o professor de História da escola. É
a partir de uma árvore “X” e outro que deseja registrar a paisa- importante abordar a compreensão do documento históri-
gem sem a presença da árvore “X”, apesar de estarem ambos co para apreciar melhor a diversidade de materiais que os
no mesmo parque. Outra questão importante é solicitar que artistas teatrais costumam usar em sua prática no teatro do-
os estudantes justifiquem a escolha da paisagem trabalhada, cumentário. Ao possibilitar uma crítica do conceito de do-
extrapolando o “querer” ou o “gostar”, buscando razões esté- cumento como monumento e como prova da verdade, Le
ticas para isso. Esse procedimento possibilita que os alunos Goff abre espaço para uma diversidade de fontes e também
expressem seus interesses e olhem com mais atenção para para o entendimento da história como uma representação
as obras. de determinada sociedade. Da mesma forma, os grupos que
se dedicam ao Teatro Documentário valem-se de diversas
Etapa 2
fontes com a intenção de questionar as versões dos aconte-
Durante o estudo, retome o tema das expedições em di-
cimentos, apresentando outras leituras sobre eles, como se
reção ao desconhecido. E proponha algumas reflexões aos
vê nas experiências relatadas ao longo deste capítulo.
estudantes:
ƒƒ Se prestarmos mais atenção aos trajetos cotidianos, eles Página 303   Arte no dia a dia
poderiam ser considerados, de fato, “conhecidos”? Relacionando-se à pluralidade do que pode ser consi-
ƒƒ Em nosso caminho de casa para a escola, por exemplo, derado como documento, é proposto investigar a prática
será que passamos, todos os dias, pelas mesmas pessoas? contemporânea de registro das ações cotidianas e seu com-
ƒƒ Nesse mesmo caminho, a paisagem é sempre a mesma? partilhamento pelas redes sociais. Cada perfil em uma rede
Uma alternativa para responder a essas perguntas é regis- social acaba tornando-se um registro da história de um in-
trar, de uma semana a um mês, com o auxílio de uma câmera divíduo, mas também pode ser considerado um documento
fotográfica, um ponto determinado do trajeto feito sempre da história de um grupo ou da sociedade em geral. Nas redes
no mesmo horário, se possível. Terminado o período, será sociais, compartilhamos fotos, memes, vídeos, reportagens,
possível comparar as imagens obtidas, observando os ele- pensamentos etc., que constituem expressões de determina-
mentos que foram mantidos e aqueles que, ao contrário, se do momento histórico. Fatos e acontecimentos importantes,
modificaram ou foram modificados. tanto da vida de cada indivíduo quanto os que se relacionam
Nesta atividade, o objetivo é que o estudante volte seu à história do país ou do mundo, são rapidamente registrados,
olhar para um lugar que faça parte de seu trajeto diário e comentados e reproduzidos nas redes sociais, que têm um
que as modificações nesse lugar (que muitas vezes passam importante papel na interpretação e na representação deles.

466
Atividade complementar Marian Ziembinski (1908-1978), polonês com longa expe-
riência teatral e refugiado no Brasil na época, começaram
Os fatos nas redes sociais
a valorizar a prática dos ensaios e se aproximaram das
Objetivo metodologias russas de interpretação do teatro realista,
especialmente das propostas de Constantin Stanislawski
ƒƒ Analisar as diversas interpretações de um mesmo fato ex-
(1863-1938). A estreia de Vestido de noiva, de Nelson Ro-
pressas nas redes sociais.
drigues (1912-1980), em 1943, no Teatro­Municipal do Rio,
Os estudantes do Ensino Médio têm grande familiaridade encenada por Ziembinski à frente de Os comediantes, cos-
com as redes sociais e são usuários de muitas delas. O tema tuma ser considerada o marco do teatro moderno brasilei-
da arte em relação à história e ao uso das redes sociais é uma ro, inaugurando uma fase do nosso teatro mais vinculada
à pesquisa e ao trabalho de atuação e encenação, e em
aproximação com o cotidiano desses jovens. Assim, se pos-
busca de novas dramaturgias.
sível, realize esta atividade complementar junto ao professor
Nesse contexto de transformações, Abdias Nascimento
de História.
funda, em 1944, o Teatro Experimental do Negro (TEN), tam-
Separe a turma em grupos de 4 ou 5 estudantes. Cada
bém na cidade do Rio de Janeiro. Inquieto e incomodado, ao
grupo deve escolher um fato recente para analisar e uma rede
ver os poucos protagonistas negros da dramaturgia mundial
social específica para fazer a pesquisa. Com base nessas es-
sendo interpretados por atores brancos pintados de preto,
colhas, eles devem analisar e apresentar para os colegas da
Nascimento (2004) se envolve na empreitada de organizar
turma posts com versões divergentes sobre o mesmo fato.
uma rede formativa e criativa em torno do TEN:
Contribua para que os estudantes possam contextuali-
zar as opiniões expressas com base nos posicionamentos de que se propunha a resgatar, no Brasil, os valores da
cada usuário selecionado na pesquisa. O objetivo é compre- pessoa humana e da cultura negro-africana, degradados e
ender o impacto das redes sociais na interpretação dos fatos. negados por uma sociedade dominante que, desde os tem-
É possível que na turma haja opiniões divergentes e é im-
pos da colônia, portava a bagagem mental de sua formação
portante orientar os estudantes para que as escutem de for-
metropolitana europeia, imbuída de conceitos pseudocien-
ma respeitosa para contribuir com o debate que a pesquisa
tíficos sobre a inferioridade da raça negra. Propunha-se o
vai gerar. Essa experiência na busca de informações e docu-
TEN a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil,
mentação na rede será valiosa para a prática artística proposta
através da educação, da cultura e da arte.
na segunda seção “Fazer arte” deste capítulo e se aproxima
dos procedimentos do Teatro Documentário. NASCIMENTO, Abdias. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões.
In: Estudos Avançados. v. 18. n. 50. São Paulo. Janeiro/Abril de 2004. Disponível em:
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100019>.
Acesso em: 26 mar. 2016.
Páginas 304 e 305   Teatro Documentário no Brasil
Na abordagem do Teatro Documentário no Brasil, é dada Nesse sentido, o TEN aparece como uma reação ao silen-
ênfase ao período da ditadura civil-militar brasileira, no qual a ciamento da história, da cultura e da arte afro-brasileiras em
relação entre teatro e história se deu de forma bastante con- nosso país, não apenas no teatro. Nas práticas do TEN havia al-
tundente. Entretanto, é importante que você conheça outras fabetização de adultos, que foram os primeiros participantes
experiências que trataram de lançar um novo olhar sobre a do grupo “recrutados entre operários, empregados domés-
nossa história, como é o caso de Abdias Nascimento (1914- ticos, favelados sem profissão definida, modestos funcioná-
-2011) e do Teatro Experimental do Negro (TEN). O envolvi- rios públicos – e oferecia-lhes uma nova atitude, um critério
mento do TEN com a história e culturas afro-brasileiras é um próprio que os habilitava também a ver, enxergar o espaço
referencial importante para se conhecer ao se estudar o tea- que ocupava o grupo afro-brasileiro no contexto nacional”
tro brasileiro e sua relação com a história. O TEN contribuiu (NASCIMENTO, 2004, p. 211). Junto à alfabetização, havia o
para a consolidação do teatro moderno brasileiro e lançou curso de cultura geral e o ensino das primeiras noções de te-
luz sobre a questão da inserção da cultura afro-brasileira em atro, que ficava a cargo de Abdias Nascimento.
nossa história e nas artes cênicas de nosso país. Veja o texto Após seis meses de preparação do elenco, o TEN bus-
complementar a respeito a seguir. cou um texto que fosse capaz de refletir a realidade dos
afro-brasileiros no Brasil da época. Nascimento descreve a
Texto complementar dificuldade de se encontrar um material dramatúrgico bra-
sileiro naquele momento que não tratasse o negro como
Abdias Nascimento e o Teatro Experimental do Negro
uma figura folclórica. Quando não era esse o caso, os textos
A década de 1940 representou uma importante trans- normalmente continham personagens afro-brasileiros em
formação no meio teatral brasileiro. No Rio de Janeiro, papéis secundários e, frequentemente, cômicos. A escolha
o grupo Os comediantes se constituiu como um grupo foi a peça norte-americana O imperador Jones, de Eugene
de vanguarda, que, diante das produções nacionais que O’Neill (1888-1953), que cedeu gratuitamente os direitos de
mantinham um ritmo frenético de montagens, se propôs autor para o grupo e que estreou em 1945 no Teatro Muni-
como um grupo de pesquisa do teatro. Junto a Zbigniew cipal do Rio de Janeiro, sob a direção de Abdias Nascimento.

467
Segundo Nascimento (2004): Página 306   Fazer arte
Sob intensa expectativa, a 8 de maio de 1945, uma noi-
Objetivo
te histórica para o teatro brasileiro, o TEN apresentou seu
ƒƒ Por meio da narrativa oral, elemento importante no teatro
espetáculo fundador. O estreante ator Aguinaldo Camar-
documentário, pretende-se abordar a ideia de que um acon-
go entrou no palco do Teatro Municipal do Rio de Janei- tecimento está sujeito a variações, de acordo com o ponto
ro, onde antes nunca pisara um negro como intérprete ou de vista de quem o conta.
como público, e, numa interpretação inesquecível, viveu o
trágico Brutus Jones, de O’Neill. Na sua unanimidade, a É importante que você acompanhe cada etapa do traba-
lho, colaborando com os grupos. A avaliação das narrativas
crítica saudou entusiasticamente o aparecimento do Teatro
escutadas pode ter uma perspectiva mais vinculada à expres-
Experimental do Negro e do grande ator negro Aguinaldo sividade e à capacidade comunicativa de cada narrador, e
Camargo [...] também à improbabilidade de uma versão única de um fato
NASCIMENTO, Abdias. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões.
narrado. Como uma variável do mesmo exercício, você pode
In: Estudos Avançados. v. 18. n. 50. São Paulo. Janeiro/abril de 2004. Disponível em:
selecionar um acontecimento histórico que deve ser narrado
por diferentes pessoas, que, no entanto, tiveram acesso a um
<www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100019>.
mesmo conjunto de documentos históricos, como reporta-
Acesso em: 26 mar. 2016.
gens, relatos, fotografias etc.
Após a boa recepção de O imperador Jones e a expec-
Páginas 307 a 309   Arte em diálogo – Teatro e
tativa criada em torno do TEN, o grupo passou a buscar e a
fomentar dramaturgias brasileiras que tratassem da história igualdade de gênero
e da cultura afro-brasileiras. Em 1947, Lúcio Cardoso (1912- São fornecidos alguns dados sobre a violência contra as
-1958) finaliza o primeiro texto escrito especialmente para o mulheres no Brasil, extraídos do site do Senado Federal Brasi-
TEN, Filho pródigo, inspirado na parábola bíblica. A peça, com leiro. Esses dados revelam que esta é uma questão que deve
o cenário de Santa Rosa – cenógrafo que ajudou a revolucio- ser tratada por toda a sociedade com muita seriedade. O es-
petáculo Rosa Choque é descrito como uma experiência de
nar o teatro brasileiro –, e as interpretações de Ruth Souza,
teatro documental que trata a identidade de gênero, abor-
Aguinaldo Camargo e do próprio Abdias Nascimento, entre dando, entre outras questões, a violência contra a mulher, e
outros importantes atores afro-brasileiros, foi considerada é um exemplo de utilização de dados concretos da realidade
uma das melhores produções do ano, contribuindo para o brasileira como matéria de criação artística.
prestígio crescente do TEN.
O TEN continuou montando textos de novos autores bra- Páginas 310 e 311   Fazer arte
sileiros sobre a questão da negritude até seu encerramento
no final da década de 1960. Ao longo da década de 1960, o Objetivo
TEN atuou em muitas frentes, para além da montagem de pe- ƒƒ Construir uma cena sobre um acontecimento próximo aos
estudantes, tendo como base as propostas do Teatro Docu-
ças, sendo um importante instrumento da luta pela igualda-
mentário
de racial no Brasil e pela valorização da cultura afro-brasileira.
Destaca-se a montagem da primeira coleção de seu Museu Esta atividade também deve ser realizada com o profes-
de Arte Negra no Museu da Imagem e do Som no Rio de Ja- sor de História, se possível. Caso isso tenha sido construído
neiro, em 1968. Por causa do encrudescimento da ditadura ao longo de todo o capítulo, este é o momento em que as
civil-militar no Brasil, Abdias Nascimento foi exilado (1968- discussões sobre a diversidade de interpretações sobre um
-1978). Suas ações em defesa da cultura e da igualdade para determinado fato ou acontecimento contribuirão para a prá-
tica artística proposta.
a população afro-brasileira continuaram a ser desenvolvidas
A escolha dos acontecimentos deve ser acompanhada e
durante seu exílio em outros países, principalmente nos Es-
orientada por você. É importante que sejam escolhidos fatos
tados Unidos. sobre os quais seja possível encontrar registros, reportagens
Abdias do Nascimento foi professor emérito da Universi- e/ou também realizar entrevistas com testemunhas. O profes-
dade do Estado de Nova York, deputado federal (1983-1987) sor de História pode colaborar na orientação dos grupos em
e senador da república (1997-1999). Sua atuação no teatro relação à escolha e também ao recolhimento de informações
reforça os vínculos dessa arte com a história de seu tempo, e documentos, bem como em suas análises.
recriando e contestando teses historiográficas “oficiais” e reve- Todas as demais etapas (escrita do roteiro, ensaio e apre-
sentação) devem ser acompanhadas por vocês dois, pois a
lando outros protagonistas dessas histórias, como no caso da
interdisciplinaridade implica promover uma diluição entre as
contribuição afro-brasileira ao nosso país.
fronteiras de cada disciplina e se propor a experimentar novas
atividades e procedimentos.

468
Orientem os estudantes a produzir roteiros simples que truíram obras de grande valor cultural, cenário este em que
durem de 5 a 10 minutos, para que possam aprofundar no seria possível mencionar a produção de Giotto. Para exempli-
ensaio das cenas. O ideal é que pelo menos quatro aulas (con- ficar a importância desse artista, o historiador da arte Giulio
jugadas duas a duas, para melhor aproveitamento do tempo) Carlo Argan (2003) estabelece uma comparação com outra
sejam destinadas à elaboração do roteiro e dos ensaios. Todas figura histórica igualmente significativa: Dante Alighieri.
as cenas completas devem ser assistidas por vocês e pelo pro-
fessor de História, antes da apresentação, para que possam A comparação entre Dante e Giotto tem um funda-
contribuir para sua finalização. mento histórico: Giotto, nascido perto de Florença pelo ano
de 1266, foi um coetâneo, um concidadão e, segundo a tra-
Página 312   Ensaio corrido dição, um amigo de Dante. Comparação não significa para-
Neste capítulo, a partir dos temas e das experiências abor- lelismo: foi justamente observado (Battisti) que, entre poeta
dados, os estudantes devem ter compreendido as possíveis e pintor, as divergências prevalecem sobre as analogias. Mas
relações entre pintura, teatro e história. A linha principal da exatamente porque operam em domínios e com intenções
argumentação é que essa relação revela que a história tam- diversos, Dante e Giotto são os dois grandes pilares de uma
bém é matéria artística e que é passível de diferentes repre- nova cultura, consciente das próprias raízes históricas la-
sentações e interpretações. Tanto na pintura quanto no tea- tinas. A obra de ambos tem o mesmo valor de summa, de
tro, a recorrência a acontecimentos e fatos históricos provoca síntese de grandes experiências culturais, de sistema. [...].
novas leituras sobre essas áreas e dá contorno a diferentes Os escritores do Trezentos, começando precisamente por
identidades construídas também a partir da arte. Dante, reconhecem a enorme importância de Giotto: não
O trabalho interdisciplinar aqui proposto permite ampliar é mais o sábio artesão que opera na linha de uma tradição
as discussões apresentadas, lançando um olhar integrado em a serviço dos supremos poderes religiosos e políticos, mas o
uma relação – da arte com a história – que está presente de personagem histórico que muda a concepção, os modos, a
forma menos explícita em muitos conteúdos abordados de finalidade da arte, exercendo uma profunda influência sobre
forma separada nessas disciplinas. a cultura do tempo. Não se louva apenas a sua perícia na
arte, mas o seu engenho inventivo, a sua interpretação da
Página 312   Roda de conversa
natureza, da história, da vida. O próprio Dante, tão orgu-
Nesta “Roda de conversa” final, são propostas perguntas lhoso da sua dignidade de literato, reconhece em Giotto um
diretas sobre os conteúdos abordados que objetivam explici- igual, cuja posição, com respeito aos mestres que o prece-
tar a compreensão pelos estudantes. deram, é semelhante à sua em relação aos poetas do doce
estilo novo. Petrarca, embora levado pelos próprios gostos
Capítulo 20 Arte e Matemática literários a preferir os sienenses, diz que a beleza da arte de
Giotto se capta mais com o intelecto do que com os olhos.
Boccaccio, Sacchetti, Villani insistem, mais ou menos, no
mesmo tema: Giotto fez renascer a pintura morta havia sé-
culos, conferindo-lhe naturalidade e nobreza.
ARGAN, G. C. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. v. 2. São Paulo:
Cosac & Naify, 2003. p. 21.
Essa citação permite desvendar inúmeros aspectos da pri-
meira fase do que se convencionou denominar Renascimen-
to. Especificamente na pintura, o desenvolvimento das leis de
perspectiva estava fechado nos mosteiros. As obras de arte
eram apenas ícones, consideradas imagens frias, que não po-
deriam transmitir emoções. Poucas imagens cristãs restaram
no mundo por causa da crescente destruição promovida pelo
Conteúdos que ficou conhecido como “movimento iconoclasta”. Sobre
ƒƒ Arte esse período, Gombrich (2012) explica:
ƒƒ Matemática Assim, a arte cristã da Idade Média tornou-se uma
ƒƒ Perspectiva curiosa mistura de processos primitivos e métodos refina-
ƒƒ Lógica dos. O poder de observação da natureza, a cujo despertar
assistimos na Grécia, por volta de 500 a.C., voltou a ador-
mecer cerca de 500 d.C. Os artistas deixaram de cotejar suas
Páginas 313 a 315   Afinando os instrumentos fórmulas com a realidade. Não se dispunham mais a fazer
Neste capítulo é demonstrado como dois campos de co- descobertas sobre o modo de representar o corpo ou de criar
nhecimento – a Arte e a Matemática – se associaram e cons- uma ilusão de profundidade. [...]

469
Essa questão da finalidade apropriada da arte em igrejas Página 316   A invenção da perspectiva e o domínio
provou-se ser de imensa importância para toda a história
do espaço
da Europa, pois constituiu uma das questões principais que
levaram as regiões orientais de fala grega do Império Ro- Giotto foi um dos representantes que passaram a utilizar
mano, cuja capital era Bizâncio (ou Constantinopla), a re- uma sequência de imagens para contar uma história, seja bí-
cusarem a liderança do papa latino. Uma parte era contrária blica, seja histórica. Como se sabe, Giotto narrou a história de
a toda e qualquer imagem de natureza religiosa: a dos cha- São Francisco de Assis (1182-1226) a partir de uma sequência
mados iconoclastas ou destruidores de imagens. Em 745, de imagens. Para transformar a história o mais próximo possí-
eles levaram a melhor e toda a arte religiosa foi proibida na vel da realidade, ele utilizou o conhecimento matemático da
perspectiva, que Panofsky (2003) descreve a seguir:
Igreja Oriental. Mas seus adversários estavam ainda menos
de acordo com as ideias do Papa Gregório. Para eles, as ima- “Perspectiva é uma palavra latina que significa ‘ver
gens não eram apenas úteis de um ponto de vista didático através de’.” Assim Dürer procurou explicar o conceito
– as imagens eram, acima de tudo, sagradas. Os argumentos de perspectiva. [...] falaremos de intuição “perspéctica” do
com que procuraram justificar essa opinião eram tão sutis espaço, em sentido pleno, não apenas quando os objetos
quanto os usados pela parte contrária: “Se Deus, em Sua individuais, as casas ou os utensílios são representados “em
misericórdia, pôde decidir revelar-Se aos olhos dos mortais escorço”, e sim quando o quadro inteiro – para citar as pa-
na natureza humana do Cristo”, argumentavam eles, “por lavras de outro teórico do Renascimento – se transforma
que não estaria também disposto a manifestar-Se em ima- em uma “janela”, através da qual cremos olhar o espaço,
gens? Não adoramos essas imagens em si mesmas, como isto é, quando a superfície material, pictórica ou em relevo,
fizeram os pagãos. Adoramos Deus e os santos através das sobre a qual aparecem, desenhadas ou esculpidas, as formas
imagens ou além delas.” Seja o que for que pensemos so- das figuras individuais ou das coisas, é negada como tal e
bre a lógica dessa tese, sua importância foi enorme para a transformada no “plano figurativo” sobre o qual se proje-
história da arte. Pois quando esse partido voltou ao poder, ta um espaço unitário visto através dele e compreendendo
após um século de repressão, as pinturas de igreja não po- todas as coisas – independentemente do fato de que essa
diam mais ser encaradas como meras ilustrações para uso projeção seja construída com base na impressão sensível
de analfabetos. Eram considerados reflexos misteriosos do imediata ou mesmo mediante uma construção geométrica
mundo sobrenatural. Portanto, a Igreja Oriental não pôde mais ou menos “correta”. Essa construção geométrica “cor-
continuar permitindo ao artista que seguisse a sua fantasia reta”, descoberta no Renascimento e mais tarde constan-
na criação dessas obras. Por certo, nenhuma bela pintura temente aperfeiçoada e simplificada [...], pode ser assim
apenas porque representava uma mãe com o filho pequeno, definida conceitualmente: eu represento um quadro – con-
podia ser aceita como verdadeira imagem sacra ou “ícone” forme a definição da “janela” – como uma interseção plana
da Mãe de Deus, mas somente aquelas figuras consagradas da chamada “pirâmide visual”, que é determinada pelo fato
por uma tradição de séculos. de que considero o olho como um ponto e o ligo aos pontos
GOMBRICH, E. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 136-138. isolados do espaço que pretendo representar. Com efeito,
uma vez que a posição relativa desses “raios visuais” deter-
Página 315   Roda de conversa mina a posição aparente dos pontos em questão no quadro,
basta que eu trace a planta e a elevação do sistema inteiro
O conhecimento matemático é uma importante ferra- para determinar a figura que aparece sobre a superfície da
menta de observação de padrões tanto da natureza como
interseção: a planta me dá os valores da largura, a elevação,
da arte. Muitas vezes a arte é tratada como subjetiva, sendo
os valores da altura, e basta que eu reúna esses valores so-
dependente de uma interpretação pessoal. Apesar dessa
bre um terceiro desenho para obter a projeção perspéctica
afirmativa não estar completamente incorreta, é necessário
procurada. No quadro assim obtido – isto é, na “interseção
considerar que também existem padrões que podem ser re-
plana transparente de todas as linhas que do olho recaem
conhecidos. A atividade que será desenvolvida oferecerá uma
ótima alternativa de aprendizagem na observação de formas sobre a coisa que se vê” – valem as seguintes leis: todas as
geométricas nos espaços da escola. perpendiculares ou ortogonais encontram-se no chamado
Atividade 2. Se possível, antes de atribuir esta atividade “ponto de vista”, cuja posição é determinada pela perpen-
aos estudantes, visite espaços da escola em que eles possam dicular tirada a partir do olho sobre o plano de projeção.
reconhecer padrões geométricos na arquitetura do prédio, Em segundo lugar, todas as paralelas, de qualquer modo
no jardim da escola. Uma sugestão interessante seria contar que sejam orientadas, têm um ponto de fuga comum. Se
o número de pétalas de uma flor e pensar como a repetição estiverem em um plano horizontal, o ponto de fuga fica no
de padrões geométricos contribui para o aspecto ornamen- “horizonte”, isto é, sobre a horizontal que passa pelo ponto
tal da flor. Os estudantes podem usar máquinas fotográficas de vista; se, além disso, formam com a superfície do quadro
ou smartphones para fotografar as cenas ou espaços escolhi- um ângulo de 45°, o intervalo entre o seu ponto de fuga e o
dos e depois compartilhar em sala com os demais colegas. “ponto de vista” é igual à distância que separa o olho da su-

470
perfície do quadro; por fim, as grandezas iguais diminuem claro-escuro como base da cor naturalista) e representação
para o fundo segundo uma certa progressão, de modo que inercial do movimento dos objetos.
– presumindo-se conhecida a posição do olho – toda gran- Tomando como referencial de ruptura estes princípios,
deza é calculável com base na precedente ou na sucessiva. o Concretismo propõe contra a tridimensionalidade, pres-
PANOFSKY, E. A perspectiva como forma simbólica. In: ARGAN, G. C. História da arte suposto para a criação da ilusão ótica de profundidade em
italiana: de Giotto a Leonardo. v. 2. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 108. um espaço de duas dimensões, a bidimensionalidade que
respeita as características do suporte plano de toda a pintu-
Entretanto, pode-se perguntar: por qual razão os artistas
ra. Contra o tonalismo – responsável pela ilusão, da pintura,
se aproximaram das leis matemáticas com o objetivo de in-
de volume – o Concretismo prega a pureza cromática e a
terpretar a natureza? É novamente Argan (2003) quem auxilia
ausência de tons; a cor deve ser chapeada, uniforme.
a responder a mais essa questão:
COCCHIARALE, F.; GEIGER, A. B. Abstracionismo geométrico e informal:
Por que se pergunta tudo isso à arte e não, por exem- a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Instituto Nacional
plo, à ciência? É preciso ter presente que, nesse período, a de Artes Plásticas, 1987. p. 17.
ciência evolui mais lentamente, ainda está entravada por
Buscar as relações entre Arte e Matemática se efetiva, por-
preconceitos doutrinários: as primeiras descobertas cien- tanto, com uma estratégia de compreensão a um fazer que,
tíficas do Quatrocentos acontecem efetivamente por meio apesar de realizado como uma combinação entre formas, co-
da arte e será um artista que abrirá, no fim do século, o res, texturas etc., permite associações com campos variados,
curso de uma ciência autônoma como, em outro campo, é exemplo da lógica construtiva da Matemática.
autônoma a arte: Leonardo. Em segundo lugar, o conhecer
da arte é, conjuntamente, conhecer e fazer, ou melhor, é Páginas 326 e 327   Arte no dia a dia
um conhecer fazendo, produzindo obras que são, ao mes- Nesse momento, será possível conhecer como os artistas
mo tempo, fatos e valores. Nesse sentido, a arte fornece do Grupo Ruptura produziram um manifesto que visava tornar
modelos de valor não somente ao artesão, mas ao homem, a arte objetiva. A aproximação com a matemática seria uma
na nova dignidade que lhe confere a responsabilidade pes- forma de retirar da arte os componentes da subjetividade. A
soal do decidir e do fazer. leitura do manifesto permitirá compreender como esses artis-
ARGAN, G. C. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. v. 2. São Paulo: tas queriam criar uma nova arte a partir de formas objetivas, in-
Cosac & Naify, 2003. p. 130. clusive abandonando as representações artísticas do passado.

Página 327   Arte em diálogo – Arte e Língua


Páginas 320 a 325   Concretismo – a beleza da
Portuguesa
Matemática
O movimento concretista das artes visuais teve uma gran-
Porém, esse princípio naturalista adotado para a represen-
de aproximação com os poetas do Grupo Noigandres. Essa
tação do espaço, apesar de ter prevalecido por vários séculos,
aproximação poderá ser encontrada nos poemas visuais e
passou a ser motivo de reflexão para artistas. Ao pensar nas
a tentativa de criar poesias que poderiam também produzir
produções dos artistas concretos brasileiros, é possível notar
significados visuais além de semânticos. Essa aproximação
que sua adoção às leis matemáticas seguiu por outro cami-
é muito importante e possibilita que professores de outras
nho: o abandono da representação da natureza e sociedade
áreas realizem atividades em conjunto a partir da análise de
para a construção de formas abstratas. Desse modo, segundo
poemas tanto no sentido visual como no semântico.
Cocchiarale et al. (1987),
Páginas 328 e 329   Número de ouro – a beleza da
O grupo Ruptura – a própria ideia de ruptura pressupõe
um referencial claro a ser negado –, fundado no desenvol- proporcionalidade
vimento das questões da arte concreta, define a criação de A história da “proporção de ouro” é de grande fascínio.
formas novas de princípios novos a partir da negação ponto Permite reconhecer como a natureza possui uma ordem e
por ponto dos princípios básicos da representação natura- um padrão de organização. Muitas vezes, sem saber, são uti-
lista, sistematizada no Renascimento a partir de anteceden- lizados determinados padrões que produzem a sensação de
tes greco-romanos. Esta representação tinha por objetivo a conforto, harmonia ou mesmo de beleza. A “proporção de
produção no plano de um espaço euclidiano. Regida por ouro” é um ótimo exemplo e pode ser encontrada tanto na
uma verdade de padrão ótico-objetivo, a representação natureza como em inúmeras obras artísticas.
naturalista consumava-se na ilusão perceptiva de uma tri-
dimensionalidade sugerida, uma vez que era apenas repre- Página 328   Arte no dia a dia
sentada na bidimensionalidade do quadro. O naturalismo Essa atividade permite uma aproximação com outros
científico da Renascença, tal como é formulado no Tratado campos do conhecimento, como a Biologia. Para tanto, é pro-
da pintura de Leonardo da Vinci, funda-se nos seguintes posto que os estudantes observem e reconheçam os padrões
princípios: tridimensionalidade (perspectiva), tonalismo (o e a proporção áurea na natureza.

471
O objetivo desta atividade é fazer os estudantes se sur- 6. Uma vez que tiver em mãos todos os quadradinhos, co-
preenderem com a presença da sequência de Fibonacci na mece a fazer suas combinações. Elas podem ser aplicadas
natureza de seu cotidiano, mesmo quando “imperceptível” ao como decoração em suportes de madeira, como caixas,
olhar. Oriente-os a buscar a constante de Fibonacci no cresci- ou simplesmente ser combinadas sobre uma superfície
mento de plantas, nas árvores e nos animais. de papel, compondo as formas desejadas.

Páginas 330 e 331   Mosaicos e M. C. Escher


Os padrões matemáticos não possuem uma utilização Página 332   Ensaio corrido
recente. É possível encontrá-los nas mais diversas culturas e Neste capítulo, são abordados os usos da Matemática em
em temporalidades distintas. Para demonstrar tais aspectos, é diversos períodos da História. O objetivo é possibilitar a per-
feita uma comparação entre um mosaico no Palácio Alham- cepção da aproximação de conteúdos entre essas áreas do
bra, construído no século XIII, na Espanha, com uma obra do conhecimento. O reconhecimento dos padrões matemáticos,
artista M. C. Escher (1958). Apesar de terem objetivos distin- por exemplo, é um caminho bastante profícuo para o desen-
tos, é possível perceber que utilizam os mesmos padrões ma- volvimento da percepção que não ficará restrita à arte ou à
temáticos. matemática.
Atividade complementar Página 333   Roda de conversa
Mosaico É importante que os estudantes sejam capazes de com-
preender as aproximações entre a arte e a matemática, por
Materiais exemplo, como certos padrões podem ser percebidos tanto
ƒƒ tapete de borracha de automóvel (funcionará como for- na natureza como nas imagens artísticas. O desenvolvimento
ma para confecção de “pastilhas” para a realização de um dessa atenção permitirá que eles não tratem o conhecimento
mosaico); como estanque e, assim, desenvolverão um olhar mais atento
ƒƒ cola de madeira; para os objetos presentes no cotidiano.
ƒƒ gesso;
ƒƒ tinta acrílica (cores variadas);
ƒƒ colher de plástico; Capítulo 21 Arte e tecnologia
ƒƒ faca com ponta redonda;
ƒƒ tigelas;
ƒƒ espátula;
ƒƒ cola universal;
ƒƒ medidor de líquido;
ƒƒ suporte para montagem do mosaico (pode ser papel pa-
namá ou papelão ou uma bandeja de madeira).
Instruções
1. Em uma tigela, misture 15 mL de cola de madeira e 55 mL
de água.
2. Depois, adicione 15 mL de tinta acrílica e misture nova-
mente.
3. Em seguida, polvilhe 80 mg de gesso em pó sobre a mis-
tura. Deixe que o gesso afunde antes de mexer, para evitar Conteúdos
que fiquem grumos na mistura. Você deve obter uma mis- ƒƒ Relação entre arte e tecnologia
tura com consistência de iogurte. Se for preciso, adicione ƒƒ Artes cênicas e tecnologia
mais um pouco de água ou de gesso para corrigir. O ideal ƒƒ Música e tecnologia
é fazer misturas de cores variadas. Cada estudante pode
produzir uma mistura e quadradinhos de uma cor especí-
fica e depois compartilhar com os colegas. Página 335   Afinando os instrumentos
4. Coloque a mistura sobre a parte quadriculada do tapete Ao longo deste capítulo, são estudadas as relações entre
de borracha, que será usado como molde para os qua- arte e tecnologia, partindo de obras que só acontecem via
dradinhos de mosaico. Também é possível usar qualquer transmissão remota, ou seja, aquelas que proporcionam a
outro molde que tiver a forma ideal para a construção do conexão entre pessoas separadas pela distância espacial, no
mosaico desejado. Pressione bem a mistura nos moldes, caso da internet com conexão de áudio e vídeo ou da televi-
para que os quadradinhos fiquem perfeitos. são ao vivo, e/ou aquelas que proporcionam a conexão entre
5. Deixe secar durante cerca de 24 a 48 horas. Quando esti- pessoas separadas pela distância espacial e temporal, no caso
verem secos, solte os quadrados do molde, com o auxílio do cinema e de gravações que ocorrem em um momento
de uma faca com ponta redonda. diferente de sua exibição ao público.

472
Na área da música, é abordado como a produção musi- ƒƒ a audição musical tem se tornado a cada dia um fenôme-
cal sempre esteve envolvida com algum tipo de tecnologia no quase individual, em que as pessoas ouvem músicas
– desde a necessária para se construir uma flauta pré-histó- usando fones de ouvido;
rica até as tecnologias digitais utilizadas para gravar ou ouvir ƒƒ os suportes de música até algum tempo comuns, como
música no século XXI. Também é explorado como o grande o disco de vinil ou o CD, tornaram-se praticamente ob-
desenvolvimento tecnológico ao longo dos séculos XX e XXI soletos ou são produtos dirigidos a parcelas específicas e
tem modificado profundamente as formas de ouvir e produ- restritas do mercado consumidor de música;
zir música. ƒƒ os aspectos que envolvem a compra e a venda de música
São apresentados como exemplos o grupo Uakti e seus gravada, a pirataria e o compartilhamento não autorizado,
instrumentos não convencionais, assim como a classificação que implicam questões legais, éticas e econômicas.
de instrumentos pelo sistema Hornbostel-Sachs, que se utiliza
da característica física de produção do som como princípio Página 339   Dança e tecnologias digitais
básico para a divisão classificatória. Você poderá explicar aos Este é um dos temas que mais podem aproximar os estu-
estudantes que a classificação tradicional – que separa os ins- dantes do Ensino Médio dos conteúdos abordados no livro,
trumentos em famílias de cordas, metais, madeiras e percus- pois eles têm bastante intimidade com as tecnologias digitais
são – e a classificação pelo sistema Hornbostel-Sachs devem e o mundo virtual. Contudo, talvez eles ainda não estejam
ser vistas como complementares, uma não é mais correta que familiarizados com as possíveis relações entre dança, como
a outra. Em seguida, é feita uma contraposição entre a figura campo do conhecimento artístico, o corpo, como meio para
do luthier e a produção industrial de instrumentos, buscando que a dança aconteça, e tecnologias.
mostrar que ambas as possibilidades de construção dos ins- Ao falar sobre Merce Cunningham, além de abordar as
trumentos envolvem conhecimento e tecnologias. relações entre dança e tecnologias digitais, adentra-se no
estudo da dança contemporânea. Pertencente à chamada
Página 335   Roda de conversa
terceira geração da dança moderna, Merce Cunningham
Na história da dança, é possível encontrar muitas obras contribui com a transição entre a dança moderna e a dança
que foram adaptadas para a televisão, o cinema e a internet. contemporânea estadunidense. Cunningham, além de ser
O famoso balé O Lago dos Cisnes, com música de Tchaikovsky um dos pioneiros das criações em dança com o uso das tec-
e coreografia de Marius Petipa, estreou em 1877 e foi adapta- nologias, institui uma técnica de dança que colabora com
do para um dos filmes de maior sucesso do cinema mundial: a compreensão contemporânea de corpo em movimento.
O Cisne Negro, de 2011, dirigido por Darren Aronofsky. Atual- Seus experimentos com jogos, o uso do acaso e situações
mente, graças às tecnologias digitais, balés e óperas podem menos previsíveis de criação em dança servem até os dias
ser assistidos na íntegra em sessões especiais nos cinemas de atuais como inspiração para os processos de criação em dan-
todo o mundo, o que facilita o acesso a obras de grande im- ça contemporânea.
portância para a história das artes da cena, proporcionando
um momento de aproximação e fruição a pessoas de diversas Sugestões de leituras
partes do mundo.
ƒƒ SANTANA, I. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas
Nesta “Roda de conversa” inicial, o objetivo é que os es- tecnologias. São Paulo: Educ/Fapesp, 2002.
tudantes compreendam o papel da tecnologia digital para
Esse livro é uma das principais referências para o diálo-
a manutenção, transformação e difusão das obras artísticas,
go entre dança e tecnologia ou, como a autora se refere ao
além de sua importância em diversas áreas no mundo atual.
tema, para a “dança com mediação tecnológica”. Nele, há in-
As respostas são pessoais e, ao longo do capítulo, você en-
formações sobre a influência do coreógrafo estadunidense
contrará nos boxes “Arte para assistir” e “Arte para navegar”
Merce Cunningham para o desenvolvimento desse diálogo
várias obras que podem ser utilizadas como suporte para as e para a dança conhecida como dança contemporânea.
discussões sugeridas.
ƒƒ MIRANDA, Regina. Dança e tecnologia. In: PEREIRA, R.;
Para aprofundar o assunto, organize um “trabalho de cam-
SOTER, S. (Org.). Lições de dança 2. Rio de Janeiro:
po” com os estudantes: convide-os para assistir a uma obra
UniverCidade, 2000.
cênica ao vivo (teatro, circo, dança, performance) e, em se-
guida, estimule-os a assistir a uma obra cênica na televisão, Com a leitura desse artigo você pode conhecer ainda
no cinema ou na internet. Atualmente, é possível encontrar mais sobre algumas das criações de Merce Cunningham e
a mesma obra vista ao vivo disponibilizada na internet. Essa as relações entre dança e tecnologias digitais.
comparação possibilita que as respostas às questões 1 e 2 re-
flitam uma experiência pessoal, real e atual.
Página 341   Arte no dia a dia
Nesta seção também são feitas algumas perguntas aos
estudantes sobre como costumam ouvir música. O hábito de Nesta atividade, é utilizado um fragmento de um texto
muitos jovens de ouvir música baixada ou compartilhada na sobre Merce Cunningham, produzido pela pesquisadora
internet, usualmente em celulares, abre espaço para algumas Denise Zenicola. Nele, você encontra a seguinte afirmação:
discussões: “Cunningham não faz mais do que afirmar os princípios da

473
Pop Art onde a obra de arte não apresenta a realidade, e sim Etapa 3: Dançando e filmando
uma realidade em si mesma” (ZENICOLA, 1992). Essa filmagem poderá ser feita por você ou por um estu-
Ao propor a leitura desse texto com os estudantes e de- dante da turma, contudo, para que todos os intérpretes cria-
senvolver o assunto, é importante aproximá-los dos princí- dores estejam presentes na filmagem, o ideal é que a câmera
pios da Pop Art, para que possam compreender melhor os e/ou o celular sejam colocados em um tripé ou que alguém
princípios de Cunningham, da dança contemporânea e das que não esteja envolvido no processo de criação fique encar-
relações traçadas com as tecnologias digitais. Oriente os es- regado da filmagem. Se a turma concordar e com as devidas
tudantes a pesquisar na internet os principais elementos da
autorizações, a coreografia poderá ser compartilhada na(s)
Pop Art, as obras de Andy Warhol e de outros artistas e dis-
rede(s) social(is) de sua escolha ou pode ser exibida na esco-
cuta com eles as semelhanças entre esse movimento das ar-
la, para as outras turmas, como forma de registro do projeto
tes visuais e as concepções de dança apresentadas. No livro,
o conceito de Pop Art foi estudado com mais profundidade realizado pela turma. A proposta da filmagem só é válida para
no capítulo 13, dentro das discussões propostas pela área de uma turma composta de estudantes que não lidem com ti-
artes visuais. Esse pode ser um momento interessante para midez ou com qualquer outro fator que reduza a sua atuação
retomar essas discussões e conectar artes visuais e dança de no processo.
uma perspectiva interartes. Etapa 4: Compartilhando o movimento
Página 342   Fazer arte Essa etapa da atividade tem por objetivo os estudantes
compartilharem as experiências. Nesse momento, podem ser
verificados os efeitos do processo de criação de movimen-
Objetivo
tos em cada participante. Esteja atento para o fato de que,
ƒƒ Experimentar um processo de criação coreográfica em gru-
na dança contemporânea, os movimentos possuem caracte-
po utilizando o acaso.
rísticas individuais, relacionadas às habilidades de criação e
Nesta atividade, é proposto um processo de criação core- execução de movimento de cada participante. Assim, o ob-
ográfica dividido em três etapas que poderão ser modificadas jetivo não é a representação de um padrão específico, mas
de acordo com a quantidade de estudantes, o ritmo e a ma- o desenvolvimento da capacidade de criar movimentos de
turidade da turma, desde que os mesmos princípios sejam diversas formas e ritmos.
aplicados.
Página 343   Arte no dia a dia
Etapa 1: A criação dos movimentos
Vários serão os estímulos que poderão orientar a criação O objetivo desta atividade é que os estudantes saibam
de movimentos, por exemplo: movimentos do cotidiano; como buscar vídeos de dança na internet e propor a interdis-
inspirados em determinado estilo de dança; ou que expres- ciplinaridade entre os campos da dança e da informática. No
sem um tipo de sentimento; movimentos que representam entanto, esse trabalho deve ser orientado por você e a pes-
os movimentos de animais; estilos de esportes, entre outros. quisa deve contemplar a diversidade da visão de mundo e
É importante que essa atividade seja proposta de maneira das origens dos estudantes.
contextualizada, ou seja, quando definir o estímulo, leve em Nesta atividade, é importante considerar o contexto dos
consideração as vivências e habilidades físicas dos estudan- estudantes e a intimidade que eles têm com a internet. O
tes, a cultura do local onde a escola está inserida e outros foco da pesquisa deve estar nos conteúdos desenvolvidos
fatores que possam estimular e/ou limitar a criação artística neste capítulo, portanto, motive os estudantes a reconhecer
do grupo em questão. Utilize um desses estímulos para que
a dança como arte e expressão cultural de um povo. Porém,
os estudantes criem um movimento ou uma sequência de
atente para o fato de que, mesmo com as discussões direcio-
movimentos. Exemplo: “uma sequência com os movimentos
nadas, poderão surgir respostas e discussões com base em
feitos ao acordar”.
A sequência final deve ser repetida várias vezes. Essa ação vídeos postados em sites de compartilhamento, que ficam
é necessária para o processo de cognição em uma criação famosos pelo caráter lúdico e subversivo em relação ao corpo
coreográfica, especialmente porque, nesse caso, os grupos, e ao movimento em geral.
além de criarem suas próprias sequências, estarão aprenden-
Página 350   Arte no dia a dia
do as sequências criadas pelos outros grupos.
Etapa 2: A definição da música Os instrumentos tradicionais como são conhecidos hoje
Nesta etapa, sugere-se que cada estudante indique uma são apenas algumas das muitas possibilidades de se produ-
música de sua preferência e que você numere as músicas zir sons a partir de instrumentos construídos. A ampliação da
indicadas. Utilize os dados para definir a música ou a ordem gama de instrumentos musicais vem ocasionando a criação
das músicas a serem utilizadas. É importante ressaltar que, na de formas complementares de classificação, como a divisão
construção desse projeto, você poderá optar por usar uma ou tradicional em famílias (cordas, madeiras, metais e percussão),
várias músicas. o sistema Hornbostel-Sachs, entre outros.

474
Página 351   Arte em diálogo: Música e Arqueologia
A ideia de exibir seus espetáculos em live stream tem
O objetivo deste boxe é mostrar a intrínseca conexão en- uma forte conexão com as propostas éticas, estéticas e
tre o fazer musical e o conhecimento e o uso de tecnologias, políticas de José Celso e seu grupo. Seu espetáculo Ma-
como no caso da flauta de 35 mil anos encontrada na caver- cumba antropófaga concebido em 2011 em consonância
na de Hohle Fels, em sua essência muito semelhante às flau- declarada com a primavera árabe, com os movimentos
tas atuais. O texto reproduzido sugere que o hábito de fazer do Chile, Espanha e Grécia e com a ocupação de Wall
música pode ter sido um diferencial na construção de iden-
Street. A encenação, que pode ser vista na TV Uzyna, é
tidades e sociabilidades, possivelmente determinantes para a
marcada pelo tom antropofágico. A cena devora o mo-
expansão territorial e demográfica do ser humano moderno,
em contraposição aos neandertais, mais isolados. Essas con- vimento internacional e o transforma em um movimen-
jecturas podem ser relacionadas aos conteúdos dos capítulos to brasileiro com caráter universal. Uma das atrizes grita:
10 e 17, em que se estudou a importância da música para o “Que se leia no meu blog o meu grito planetário contra a
estabelecimento e fortalecimento de relações sociais e para a injustiça no mundo”6 e, em outro momento, o coro canta
construção e afirmação de identidades individuais e coletivas. “Nós, os 99%, vamos comer a ganância dos 1%”7 ao que se
segue uma debochada gargalhada coletiva. A web é uma
Página 357   Espetáculos e tecnologia grande janela para o mundo e o Uzyna Uzona a amplia,
Assim como a televisão revolucionou o comportamento levando sua ação teatral a outros espaços atingindo um
humano no século XX, o surgimento da internet e a demo- número elevado de pessoas, principalmente se se pensar
cratização do seu acesso e o advento das chamadas mídias que a arte teatral, por essência, sempre terá um número
sociais modificaram as relações interpessoais na sociedade. reduzido de espectadores se comparada a outras mídias,
Redes sociais e similares criam um universo virtual que atin- como a TV, o cinema, o rádio e a própria internet.
ge um enorme número de pessoas e se fazem cada vez mais Está claro que a experiência da presença no tempo e
presentes no dia a dia. A seguir, são apresentados exemplos da
espaço da representação não é a mesma que a possibili-
relação entre teatro e internet no Brasil.
tada pelo live stream; no entanto, assistir a um espetáculo
via web na mesma coordenada temporal na qual ele se
Macumba antropófaga
desenvolve também é uma experiência estética diferen-
A Associação Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, de José ciada, principalmente se se considerarem as ferramentas
Celso Martinez Corrêa, tem em sua página web, além de de interatividade propostas. Caso o espectador virtual
um histórico, fotos, vídeos e outras informações, um link não possa interagir diretamente no ato teatral, como um
para a TV Uzyna em live stream. O live stream permite as- espectador presencial o faz, ele pode compartilhar essa
sistir a algo na internet em tempo real e normalmente é experiência com outros espectadores virtuais.
utilizado pelo usuário para assistir a programas da tele- Há que se pensar se o teatro transmitido ao vivo,
visão paga, gratuitamente. A Associação Teat(r)o Oficina quando visto pelo internauta, ainda é teatro ou é uma
utiliza essa tecnologia de baixo custo para transmitir suas transmissão ao vivo de um ato que só pode se dar em
copresença. Parece que, eliminando o caráter presencial
apresentações na web e, assim, dois tipos de espectado-
do teatro, exclui-se aquilo que é mais representativo de
res compartem o tempo real da ação teatral: o que está
sua essência e que o coloca, justamente, em um lugar de
presente no local em que o espetáculo será realizado e
resistência à espetacularidade da ética contemporânea.
o internauta que o assiste a partir do olhar da câmera. A
Com isso, não se está afirmando que essas ações cor-
diferença desse formato para o tradicional teatro grava-
rompem o teatro, de modo algum. Elas contribuem para
do é que há uma distância espacial, mas não temporal
uma ressignificação da prática do teatro, além de torna-
do acontecimento teatral. Além disso, o internauta tem
rem possível que o registro da experiência teatral perdure
algumas ferramentas para interagir, como a postagem de
em outros meios, aumentando seu público e proporcio-
comentários e a abertura de discussões e compartilha-
nando novos laços entre a obra e o espectador.
mentos da experiência virtual nas principais redes sociais.
Cabe ressaltar que o espetáculo é pensado, desde o iní-
Página 357   Arte no dia a dia
cio de seu processo de criação, para ser visto por esses
dois tipos de público. O intuito desse boxe é instigar os estudantes a conhecer
alguns dos diversos cantores e compositores, consagrados ou

6. ASSOCIAÇÃO Teat(r)o Uzyna Usona. Disponível em: <www.teatroficina.com.br/>. Acesso em: 18 abr. 2016.
7. Idem.

475
iniciantes, que disponibilizam gratuitamente suas gravações na
internet. Procura-se mostrar a enorme diversidade da produ- Nesse artigo, o professor André Azevedo da Fonseca
ção musical brasileira que se tornou mais acessível com o avan- propõe uma reflexão sobre o uso do blog como ferramenta
ço das tecnologias digitais, tanto para a gravação quanto para o de avaliação no processo de ensino-aprendizagem. Apesar
compartilhamento, e com isso ampliaram-se as possibilidades de o foco da análise ser um curso de Comunicação Social do
de se fazer e ouvir música. É importante ressaltar que a prática ensino superior, a leitura pode revelar contribuições do mun-
de se pagar para ouvir música ainda existe e é bastante lucra- do virtual para a mediação do conhecimento em sua prática
tiva para as grandes empresas internacionais; entretanto, um docente.
grande número de artistas pode gravar e divulgar suas músicas
ƒƒ SANTANA, I. Dança na cultura digital. Salvador:
sem depender, necessariamente, de estar vinculado a alguma
SciELO-EDUFBA, 2006.
delas. Possivelmente surgirão questões sobre as diferenças en-
tre as vendagens de artistas internacionais, especialmente os Nesse livro, a autora utiliza a Semiótica para desenvolver
que cantam em língua inglesa, e os brasileiros que se utilizam as relações entre corpo, ambiente, tecnologia e dança nas
da produção independente ou alternativa de seus trabalhos. criações artísticas do século XXI.
Tal discussão pode ser direcionada para os limites da Língua
Portuguesa no mercado internacional de música ou para a for-
Páginas 362 a 364   Atividades de múltipla escolha
te influência cultural que os países de Língua Inglesa exercem
sobre o Brasil, especialmente no campo da música popular. 1. O teatro contemporâneo não recorre às tecnologias digi-
tais com o objetivo de preencher uma lacuna ou aumentar
Páginas 358 e 359   Fazer arte
a verossimilhança da peça teatral. Se assim fosse, entende-
ríamos que já não é possível haver teatro sem o uso dessas
Objetivos
tecnologias e que essas modificaram significativamente
ƒƒ Construção manual de instrumentos musicais.
todo o teatro feito na atualidade, o que não é verdade.
ƒƒ Execução de peça musical improvisada.
Mesmo em um contexto social cada vez mais digital, há
muitos artistas de teatro que continuam fazendo suas pe-
Existem muitas possibilidades de construção artesanal de
instrumentos que podem ser trabalhadas com os estudantes. ças sem o uso dessas tecnologias. A tecnologia sempre in-
Sugira como pesquisa adicional que os estudantes criem ou- fluenciou o teatro, a exemplo da luz elétrica que permitiu
tros instrumentos em horário extraclasse a partir de pesquisas que o teatro pudesse ser uma atividade noturna. No en-
na internet ou mesmo criando livremente com base nos co- tanto, ainda hoje, há espetáculos feitos na rua ou em ou-
nhecimentos obtidos com o estudo do livro. Adicionalmente, tros espaços durante o dia. O importante é perceber que
a turma pode tentar classificar os instrumentos criados pela o teatro está conectado a seu tempo e que as mudanças
classificação tradicional ou pelo sistema Hornbostel-Sachs, ocorridas na sociedade o modificam e o mantém vivo.
justificando o motivo da escolha realizada.
2. O Teatro Documentário utiliza-se de acontecimentos reais­
Página 360   Ensaio corrido da história de um país, povo e, inclusive, de pessoas co-
muns, misturando-o a elementos ficcionais na construção
As atividades desenvolvidas neste capítulo objetivam que
da cena teatral com o objetivo de revelar um olhar dife-
os estudantes compreendessem as relações entre as artes cê-
nicas e a música com o cinema, os programas de computado- renciado sobre o acontecimento, muitas vezes, contes-
res e a internet. São propostas atividades práticas e leituras de tando as versões oficiais dos mesmos.
textos que visam aproximar o estudante dos mundos digitais e 3. Ao se analisar a sobreposição dos círculos, o único que
virtuais sob a ótica das artes. Apresenta-se que a tecnologia di- está completamente integrado de modo inseparável é o
gital e o mundo virtual funcionam como elo entre as várias for- da letra E.
mas de arte e as várias formas de acessar e compreender arte. 4. O principal objetivo do portal Domínio Público é o de
Também é apresentado o vínculo entre a produção de som e promover acesso às obras literárias, artísticas e científicas,
de música à tecnologia, propondo uma interface entre música
proporcionando, assim, a democratização da informação
e arqueologia. É importante perceber que a perspectiva inter-
por meio da disponibilização dos conteúdos à sociedade.
disciplinar permeia todas as relações propostas neste capítulo.
5. A letra C é incorreta, pois não houve diminuição no hábito
Páginas 360 e 361   Roda de conversa de ouvir música entre os jovens devido às reconfigura-
ções da indústria fonográfica. Ao contrário, a grande dis-
Sugestões de leitura ponibilidade de músicas em formato digital, possíveis de
ƒƒ FONSECA, A. A. da. Portfólio digital: o blog no recurso peda-
serem ouvidas em dispositivos móveis, como o telefone
gógico no ensino superior. Semina: Ciências Sociais e Huma- celular, tem mantido o hábito de ouvir música como um
nas. Londrina, v. 33, n.1, p. 81-90, jan.-jun. 2012. dos principais fatores na construção de redes de sociabili-
dade e de identidade entre os jovens.

476
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACSELRAD, M. Viva Pareia. A arte da brincadeira ou a beleza da safadeza: uma abordagem


antropológica da estética do cavalo-marinho. Dissertação (Mestrado em Antropologia). UFRJ, Rio
de Janeiro, 2002.
AMARAL, A.; PARDO, J. Em busca de corporeidades para o ator/bailarino a partir da dança
tradicional do cavalo-marinho. In: OLIVEIRA, E. (Org.). Tradição e contemporaneidade na cena do
cavalo-marinho. Salvador: UFBA/PPGAC, 2012.
ARCHER, M. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ARGAN, G. C. História da arte italiana: da antiguidade a Duccio. v. 1. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
____________. História da arte italiana: de Giotto a Leonardo. v. 2. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
ASSOCIAÇÃO TEAT(R)O UZYNA UZONA. Disponível em: <http://teatroficina.com.br>. Acesso em:
18 abr. 2016.
AYALA, M.; AYALA, M. I. N. Cultura popular no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
BASTOS, R. J. de M. O índio na música brasileira: recordando quinhentos anos de esquecimento.
In: TUGNY, R. P.; QUEIROZ, R. C. (Org.). Músicas africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2006.
BOURCIER, P. História da dança no ocidente. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CAMINADA, E. História da Dança: evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair na modernidade. São Paulo: Edusp,
1998.
CARREIRA, A. Reflexões sobre o conceito de teatro de rua. In: TELLES, N.; CARNEIRO, A. (Org.). Teatro
de rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais, 2005.
CHAUI, M. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1993.
COCCHIARALE, F.; GEIGER, A. B. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos
anos cinquenta. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1987.
CUNHA, F. P.; BARBOSA, A. M. Abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo:
Cortez, 2010.
CUNHA, L. C. M. da. Toré – Da aldeia para a cidade: música e territorialidade indígena na grande
Salvador. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia (Escola de Música), 2008.
DIAS, J. A. B. F. Arte, Arte índia, artes indígenas. In: AGUILAR, N. (Org.). Mostra do redescobrimento:
artes indígenas. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, 2000.
DUBATTI, J. Teatrología y Epistemología de las Ciencias del Artes: para una cartografía radicante.
Pós: Revista do programa de pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, v. 5,
n. 10, p. 97-99, nov. 2015.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2012.
GUARALDO, L. Ensinamentos do corpo brincante e sua apropriação singular. In: OLIVEIRA, E. (Org.).
Tradição e contemporaneidade na cena do cavalo-marinho. Salvador: UFBA/PPGAC, 2012.
GUÉNOUN, D. O teatro é necessário? São Paulo: Perspectiva, 2004.
HILDEBRAND, A. The problem of form in painting and sculpture. London: Forgotten Books, 2015.

477
KETTENMANN, A. Diego Rivera 1886-1957: um espírito revolucionário na arte moderna. São Paulo:
Paisagem, 2006.
KRAUSS, R. E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
LABAN, R. O domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
LARA, L. M. O sentido ético-estético do corpo na cultura popular e a estruturação do campo
gestual. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 13, n. 3, 2007. p. 111-129.
LECOQ, J. El cuerpo poético: una pedagogia de la creación teatral. Barcelona: Alba Editorial, 2003.
LUCIANO, G. dos S. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; Laced/Museu Nacional, 2006. Disponível em: <unesdoc.unesco.org/
images/0015/001545/154565por.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.
MACHADO, A. A ilusão especular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1997.
NASCIMENTO, A. Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões. Disponível em: <www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100019>. Acesso em: 26 mar. 2016.
PAVIS, P. O teatro no cruzamento de culturas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
PIMENTEL, L. G. Fugindo da escola do passado: arte na vida. Revista Digital do LAV, Santa Maria,
v. 8, n. 2, 2015. p. 5-17.
PORTINARI, M. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
RENGEL, L. Os temas do movimento de Rudolf Laban: modos de aplicação e referências I, II, III, IV, V,
VI, VII e VIII. São Paulo: Annablume, 2008.
RIBEIRO, D. Arte índia. In: ZANINI, W. (Org.). História geral da arte no Brasil. v. 1. São Paulo: Instituto
Walter Moreira Salles, 1983.
SADOUL, G. História do cinema mundial. v. 1. São Paulo: Martins, 1963.
SALLES, C. Gesto inacabado: processos de criação artística. São Paulo: Intermeios, 2011.
SANTANA, I. Corpo aberto: Cunningham, dança e novas tecnologias. São Paulo: Educ/Fapesp, 2002.
SANTOS, A.; ALMEIDA, B. S. et al. Turé dos povos indígenas do Oiapoque. Rio de Janeiro: Museu do
Índio/Instituto Iepé, 2009.
SCARASSATTI, M. O ensino da arte na contemporaneidade: o professor de música falsificador ou
emancipador? Revista de Ensino de Teatro, Lamparina, v. 1., n. 3, 2014. p. 93-100.
TAYLOR, D. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2013.
VICENTE, A. V. R. Maracatu rural: o espetáculo como espaço social, um estudo sobre a valorização
do popular através da imprensa e da mídia. Recife: Ed. Associação Reviva, 2005.
WITTKOWER, R. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ZENICOLA, Denise. Celebrando Merce Cunningham. Disponível em: <www.existencialismo.org.br/
jornalexistencial/suelilugarcelebrando.htm>. Acesso em: 20 jan. 2016.

478
ANOTAÇÕES

479
ANOTAÇÕES

480
ISBN - 978-85-451-0345-5

Você também pode gostar