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Aulas de preparação para o exame

Aula 7º - O problema da definição de arte e o problema da existência de Deus

O problema da definição de Arte.


A Filosofia da Arte é a disciplina filosófica que estabelece as condições necessárias e suficientes
para classificarmos um objeto como arte.
Existem duas classes de teorias: as essencialistas e as não essencialistas.

Teorias essencialistas Imitação/mimésis ou Uma obra é arte se, e só se, é


Defendem a existência de Representação produzida pelo homem e imita algo.
propriedades Expressão Uma obra é arte se, e só se, exprime
essenciais/intrínsecas sentimentos e emoções do artista.
comuns a todas as obras de Forma (significativa) Uma obra é arte se, e só se, provoca
arte. nas pessoas emoções estéticas.

Teorias não essencialistas Institucional Uma obra é arte se for um artefacto e


Defendem que tais condições considerado arte por representantes
são relativas ao contexto em do mundo da arte.
que eles estão inseridos e ao Histórica Uma obra é arte se for resultado de
modo como tais objetos uma atividade que se relaciona com o
adquirem o estatuto de obras seu passado através da intenção de
de arte. Valorizam aspetos um indivíduo.
extrínsecos à obra de arte.

TEORIAS ESSENCIALISTAS
Defendem que existe uma essência de arte, isto é, que existem propriedades essenciais comuns
a todas as obras de arte e que só nas obras de arte se encontram.
As propriedades essenciais da arte são aquelas propriedades que não podem deixar de se
encontrar numa obra de arte.

Teoria da Arte como imitação


Defende a ideia de que para ser arte, uma obra tem de imitar ou reproduzir algo - X só é uma
obra de arte se for produzida pelo homem e imitar algo.
Platão desprezava esta conceção de arte, pois a arte seria uma cópia da verdadeira realidade,
essa sim, perfeita.

Teoria da Arte como representação


O conceito de arte como imitação foi substituído pelo de arte como representação. Um objeto
é arte, se e só, se for uma representação.
O que distingue imitação de representação? Podemos afirmar que todas a imitação é
representação, mas nem toda a representação é imitação.
Para a teoria da arte como representação, a obra de arte não precisa de ser uma cópia ou
reprodução da realidade, pode ser uma representação simbólica.

Argumentos favoráveis às teorias da arte como imitação e como representação


- Muitas obras de arte imitam ou representam.
- É um critério de classificação das obras de arte bastante rigoroso.
- Oferece um critério valorativo - uma obra de arte seria tanto melhor quanto mais se
conseguisse aproximar do objeto imitado ou representado.
- No tempo de Platão e Aristóteles (Filósofos gregos da Antiguidade) a maioria das
manifestações artísticas eram imitativas.

Argumentos contra
- A imitação e a representação não são condição necessária da arte. Existem obras de arte que
não são imitação nem representação.
- É demasiado exclusiva ou restritiva
- A imitação e a representação não são condição suficiente da arte, pois esta teoria limita-se a
apresentar uma condição necessária da arte (ser imitação ou ser representação)

Teoria da arte como expressão

Defende que uma obra é arte se, e só se, transmitir as emoções do seu criador a um público.
A expressão, no contexto da arte, é a manifestação, exteriorização, materialização e transmissão
de estados emocionais ou sentimentos.
Nesta perspetiva, desloca-se o foco da interpretação da obra de arte para o artista. A atenção é
dirigida para o inobservável e para as experiências subjetivas do mundo interior do artista.
As duas posições clássicas mais difundidas da teoria expressivista são as de Lev Tolstoi (1828 –
1910) e de Robin George Collingwood (1889 – 1943). Ambos veem a arte como intimamente
ligado à expressão de emoções e está ligada à clarificação deliberada de um estado emocional
que o artista experimenta. A expressão, através de linhas, formas, cores, sons, ações ou palavras
permite ao artista explorar e compreender os seus sentimentos ou emoções.
A versão de Tolstoi exige que a emoção seja intencionalmente transferida para o público,
contagiando-o e levando-o a viver o mesmo tipo de emoção ou sentimento que foi vivido pelo
artista.
A versão de Collingwood diferencia-se da de Tolstoi, na medida em que, neste caso, a
transferência dos sentimentos e emoções do artista para o público não é uma condição
necessária da arte. Em suma, não é necessário para que algo seja arte, que o artista,
deliberadamente tenha o propósito de comunicar os seus sentimentos aos outros.

Argumentos a favor
- Lida facilmente com obras que não se inseriam no âmbito da teoria da arte como imitação (ou
como expressão), como por exemplo a música instrumental e a pintura abstrata. O critério
classificativo é mais abrangente
- Oferece um critério valorativo – uma obra é tento melhor quanto melhor conseguir exprimir
os sentimentos do artista.

Argumentos contra
- A expressão de uma emoção não é condição necessária da arte, isto é, a expressão de emoções
não é aquilo que há de comum a todas as obras de arte, pois há obras de arte que não expressam
emoções. É uma teoria, neste sentido, demasiado exclusiva e restritiva.
- Esta perspetiva também enfrenta a crítica oposta, pois a expressão de emoções não é condição
suficiente da arte, pois é muito inclusiva ou abrangente, por nela caberem objetos e ações que
dificilmente consideraríamos arte.
- Um artista não tem de experimentar determinadas emoções enquanto cria.
- O público não tem de experimentar as mesmas emoções que o artista. Nada nos garante que
as emoções que vivenciamos sejam as mesmas que existiram no artista.
- Há obras de autores anónimos que, segundo este critério, não poderiam ser consideradas
obras de arte.
- Nem toda a transmissão de emoções é arte.
Teoria da Arte como forma significante (Teoria formalista)
Defende que uma obra é obra de arte se, e só se, for concebido para possuir e exibir forma
significante e provocar nas pessoas emoção estética.
Segundo esta teoria tem de haver na obra alguma caraterística que seja capaz de provocar
emoção estética nas pessoas, essa caraterística foi designada por forma significante.
O foco nesta teoria é o sujeito sensível que aprecia obras de arte.
A partir do final do século XIX, as inovações na arte motivaram o surgimento de novas teorias.
Artistas e filósofos da arte procuraram encontrar uma definição alternativa de arte que
legitimasse as tendências figurativas ou abstratas da arte.
Assim, o filósofo e crítico de arte Clive Bell (1881 – 1964) propôs a Teoria Formalista da Arte.
Segundo este autor, todas as obras que consideramos como arte são criadas por seres humanos
(artefactos) que têm o poder de despertar num público emoção estética. A qualidade comum
todos artefactos que têm esse poder é a forma significante.
A emoção estética, para este autor, não é uma emoção comum, mas um tipo particular de
emoção (mais profundo e sublime), próprio da nossa apreciação da arte, emoção que só os
objetos artísticos podem provocar.
A forma significante é a estrutura formal organizada e unificada de linhas, cores, formas,
volumes, …que suscita no público emoção estética.
Segundo Bell, a capacidade para vivenciar a emoção estética não é universal, pois essa
sensibilidade exige apreciadores sensíveis e treinados. Este aspeto da perspetiva formalista
mereceu-lhe a acusação de elitismo.

Argumentos a favor
- Pode incluir todo o tipo de obras de arte, inclusivamente obras que exemplifiquem formas de
arte ainda por inventar.

Argumentos contra
- Há pessoas que não sentem qualquer tipo de emoção perante certas obras consideradas como
arte, o que conduziu à acusação de elitismo.
- Não é fácil perceber em que consiste a tal propriedade comum a todas as obras de arte – a
forma significante. Por exemplo, na literatura e no teatro qual é a forma significante?
- Possui inconsistência lógica – apresenta um argumento circular: Defende que a forma
significante é o tipo de forma que produz emoção estética e que a emoção estética é o tipo de
emoção produzida unicamente pela forma significante.
- O conteúdo e os contextos das obras são relevantes para a apreciação da arte.
TEORIAS NÃO ESSENCIALISTAS
Contexto do seu aparecimento
Os argumentos céticos decorrentes da dificuldade em encontrar uma essência da arte, as
condições necessárias e suficientes da arte, levaram a que surgissem teorias que não
procuraram encontrar essa essência.
Pressupostos
As condições necessárias e suficientes da arte não dependem das caraterísticas internas dos
objetos.
Em oposição às teorias essencialistas (cuja função era representar algo, exprimir emoções ou
proporcionar satisfação estética), os não essencialistas defendem que a arte pode ter as mais
variadas funções: alargar o conhecimento, exprimir e explorar emoções, divertir, ajudar-nos a
ser pessoas melhores, criticar a sociedade, melhorar o mundo, etc.
Procuram uma definição de arte que permita classificar corretamente certos objetos como arte,
sem preocupações de caráter valorativo. E, por outro lado, concentram a sua atenção em
aspetos contextuais.
Assim, as teorias não essencialistas da arte são aquelas que tentam encontrar fora das obras de
arte e do seu conteúdo, ou seja, nas suas propriedades relacionais, as condições necessárias e
suficientes para algo poder ser considerado como arte, independentemente do seu valor
artístico. Apresentam um critério classificativo e não avaliativo.

Teoria Institucional da arte


Foi George Dickie (1926 – 2020) que propôs esta definição de arte. Foi professor de Filosofia na
Universidade de Illinois, Chicago. É autor de diversos livros sobre Estética e Arte.
Tese – Um objeto é obra de arte em sentido classificatório se, e só se for um artefacto e sobre o
qual alguém age em nome de uma determinada instituição (mundo da arte), conferindo-lhe o
estatuto de candidato à apreciação.

Conceitos
Artefacto – Algo que foi criado ou produzido por alguém. Os objetos naturais também podem
constituir artefactos desde que o artista escolha e decida retirá-lo do seu contexto habitual.
Mundo da arte – Instituição social alargada onde as obras de arte têm o seu lugar próprio. Inclui
os seus agentes reconhecidos, os artistas, mas também circuitos e lugares próprios.
Agir em nome do mundo da arte – Alguém que em virtude da sua autoridade, conhecimento e
experiência age em nome de uma determinada instituição (mundo da arte)
Candidatura à apreciação – O objeto cujas caraterísticas levou alguém a apresentá-lo no mundo
da arte para ser apreciado. Mas a apreciação factual caberá ao público.

Vantagens desta definição


É uma definição em sentido classificativo, não se pretende esclarecer o que há de especial na
arte que justifique a sua importância.
Assim, é possível considerar arte um leque muito vasto de artefactos.
Capta a natureza social e relacional da arte.

Objeções a esta teoria


1ª Dickie não foi capaz de esclarecer os conceitos de “conferir estatuto” e ”mundo da arte”
2ª A teoria institucional é falaciosa (Circularidade) – as obras de arte são aceites como tal pelas
pessoas que entendem de arte e as pessoas que entendem de arte são aquelas que aceitam
certos objetos como sendo obras de arte.
3ª Esta definição exclui a figura do artista isolado, que cria a arte fora dos circuitos institucionais
e, por vezes, até fora do contexto social.
4ª A prática artística não é uma instituição social.
7ª Admite demasiados objetos na categoria arte. É demasiado inclusiva.

Teoria Histórica

Jerrold Levinson (1948) é um filósofo americano crítico da teoria institucional.


Visa ultrapassar a imprecisão do conceito do “mundo da arte” de Dickie.
Mas preserva a ideia de que a arte não se define com base nas caraterísticas internas e
observáveis.
O importante é a intenção independente (que não decide em nome de ninguém) do próprio
titular ou criador da obra.
Essa intenção é a de inserir o objeto numa dada tradição histórica, de modo que seja encarado
como foram encaradas as obras de arte que contribuíram para essa tradição.
É como se o artista dissesse: Eu pretendo que este objeto seja visto da mesma maneira como as
obras de arte do passado foram vistas.
Em suma “algo é uma obra de arte se, e só se, há ou houve, da parte do titular dessa obra, a
intenção séria de que ela seja encarada como as obras de arte preexistentes são ou foram
corretamente encaradas.
Vantagens desta teoria
A definição histórica de Levinson procura evitar os problemas colocados pela ideia de “mundo
da arte” na perspetiva institucional.
Valoriza o artista, na medida em que a intenção de considerar determinado objeto como arte é
do próprio criador.

Objeções à teoria
A teoria histórica não resolve o problema da arte primordial. O critério retroativo em que se
baseia esta definição não permite explicar a existência da primeira obra de arte, dado não haver
casos de arte anteriores que a primeira obra de arte possa referir como exige a teoria de
Levinson.
A condição de titularidade exclui obras que encaramos como arte. (A arte de rua)
Segundo esta definição é possível incluir na classe dos objetos de arte as falsificações, pois
parecem satisfazer o critério histórico-intencional.
Nem sempre o artista tem “a intenção séria de que a sua obra seja encarada como obra de arte
(exemplo de Kafka).

Conclusão – Hoje, há filósofos que consideram que o conceito de arte é aberto (Morris Weitz).
Querer encerrar a arte numa definição não é coerente com as constantes mudanças, expansão
e inovação inerentes às diversas artes.
Filosofia da Religião
O problema da existência de Deus

Conceção teísta de Deus


Embora, em sentido geral, se possa definir teísmo como uma perspetiva sobre a existência de
Deus – Deus existe; em sentido restrito, é a conceção de Deus como existindo necessariamente
como um Ser Omnipotente, Omnisciente e Sumamente Bom.
Argumentos sobre a existência de Deus
A Teologia Natural designa o projeto relativo à justificação racional da crença em Deus.
Argumento cosmológico (S. Tomás de Aquino)
A primeira versão do argumento cosmológico (ou argumento da causa primeira) foi apresentada
por S. Tomás de Aquino (1225 – 1274), teólogo italiano, na obra Suma Teológica.
A ideia principal dos argumentos cosmológicos é que sem pressupor a existência de Deus, não
se consegue explicar bem a existência do Universo/Cosmos.
O Universo ou veio do nada ou foi criado por Deus. Como as coisas nunca provêm do nada,
conclui-se que foi criado por Deus.
É um argumento a posteriori – baseado no conceito de causa:
Todas as coisas neste mundo são causadas.
Nenhuma coisa é causa de si mesma.
Tudo o que é causado é causado por outra coisa diferente de si mesmo.
Há, então, uma cadeia causal que regride infinitamente ou há uma causa que é a origem da
cadeia causal.
Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas, logo há uma causa primeira que
tudo causa e por nada é causada.
A essa causa primeira dá-se o nome de Deus.
Logo, Deus existe.

Críticas ao argumento
1ª - Nada no argumento nos garante que tudo o que começou a existir tem uma causa (Ver David
Hume). A ideia de causa não é uma verdade da razão, porque apenas resulta do hábito. O
Universo pode ter começado a existir sem ter havido uma causa.
2ª - Na quarta premissa há um falso dilema (falácia): ou há uma cadeia causal que regride
infinitamente ou há uma causa que é a origem da cadeia causal. Podemos admitir outras
possibilidades, por exemplo a existência de várias causas.
3ª - A primeira premissa (Todas as coisas neste mundo são causadas) é contrariada pela quinta.
Logo, o argumento é autocontraditório. Se tudo o que existe tem uma causa exterior a si, então
Deus não pode ter a sua própria causa, nem conter em si mesmo a razão da sua existência.
4ª – Nada no argumento nos garante que, mesmo havendo uma causa primeira, essa causa seja
o Deus teísta.
5 ª - Mesmo que se aceite que cada evento do Universo tem uma causa, não é legítimo concluir
que a totalidade dos eventos tenha uma causa também. É possível, pensar numa cadeia infinita
de causas (a Matemática mostra-o).

Argumento teleológico, do propósito ou do desígnio (S. Tomás de Aquino)


Teleo, em grego, significa fim, propósito, desígnio.
É um argumento a posteriori, pois procura-se estabelecer a existência de Deus a partir dos factos
contingentes do mundo. É um argumento não dedutivo, uma analogia.
Tudo o que existe no Universo é semelhante ao que o homem faz, aos artefactos.
Estes artefactos só atingem o seu propósito, porque há uma inteligência que os governa (o
homem).
O Universo também teve de ter um criador inteligente que o governa em direção ao seu fim ou
propósito.
Esse ser inteligente é Deus.
Logo, Deus existe.

Críticas ao argumento teleológico


1ª - É uma analogia fraca, pois a comparação entre os artefactos humanos e o universo não tem
semelhanças relevantes, mas antes diferenças significativas. Há uma desproporção entre os
objetos comparados e a nossa ignorância a propósito da diversidade dos princípios que dirigem
o universo, o que enfraquece o argumento.
2ª - Neste argumento, nada nos obriga a admitir que a haver um desígnio inteligente, esse
desígnio seja o Deus teísta.
2ª - Charles Darwin (1809 – 1882) mostrou que a complexidade do mundo decorre da evolução
e a ideia de que o Universo foi criado por Deus com determinada finalidade choca com esta
explicação.

Argumento ontológico (Sto. Anselmo)


Santo Anselmo foi um filósofo nascido em Itália (1033–1109).
Foi ele o primeiro a formular o argumento ontológico na sua obra Proslogion.
É um argumento a priori.
Infere a existência de Deus a partir da definição do seu conceito (não recorrendo à experiência).
“Se, portanto, algo maior do que o qual nada pode ser pensado está apenas no pensamento,
aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado é aquilo relativamente ao qual pode
pensar-se algo maior.”
Deus (o ser maior do que o qual nada pode ser pensado) existe no pensamento.
Se Deus existe apenas no pensamento e não existe na realidade, então é concebível um ser mais
perfeito do que Deus.
Não é concebível um ser mais perfeito do que Deus.
Logo, Deus existe tanto no pensamento como na realidade

Outra formulação:
Ou Deus existe apenas no pensamento (como definição) ou, para além disso, existe também na
realidade.
Dado que Deus, por definição, é um ser perfeito – omnisciente, omnipotente e sumamente bom;
Dado que a um ser perfeito nada pode faltar;
Dado que existir só na mente (como definição) é menos perfeito do que existir também na
realidade;
Dado que a existência é uma das qualidades da perfeição;
Dado que não podemos conceber a essência de Deus sem aceitar a sua existência;
Então, Deus existe (para além do pensamento) e é o ser mais perfeito de todos

Críticas ao argumento ontológico


1ª - Gaunilo foi um monge beneditino da Abadia de Marmoutier em Tours, França. Ele é
conhecido por uma célebre crítica ao argumento ontológico da existência de Deus apresentada
por Santo Anselmo.
Segundo este autor não é pelo facto de algo existir no pensamento que se pode inferir que esse
algo tenha uma correspondência com a realidade. Todos concordamos que pensamos coisas
que não podem ser encontradas.
Seguindo o mesmo raciocínio de Sto Anselmo, Gaunilo constata que, dessa forma, poderíamos
provar a existência de coisas que não existem.
Deu o exemplo de uma ilha perfeita, perdida no oceano:
A ilha Perdida (algo maior do que o qual nada pode ser pensado) existe no pensamento.
Se a ilha perdida existe apenas no pensamento e não na realidade, então é concebível algo maior
do que a ilha Perdida.
Não é concebível algo maior do que a ilha Perdida.
Logo, a ilha Perdida existe tanto no pensamento como na realidade.

Para Gaunilo, este salto do intelecto (a ideia de uma ilha acima da qual nenhuma outra pode ser
pensada) para a realidade (a ilha existente) não tem sentido, pois admitir-se-ia a existência de
qualquer coisa apenas por ser pensada.
3º - Kant afirma que o erro do argumento de Santo Anselmo reside no facto de que a existência
não é um atributo das coisas. Afirmar que Deus é omnisciente, omnipotente e sumamente bom
(atributos) não é a mesma coisa que dizer que ele existe. Não se pode demonstrar a existência
de alguma coisa a partir da sua definição. A existência não é uma propriedade essencial de algo,
mas a condição de possibilidade de alguma coisa ter uma qualquer propriedade.

Não é pelo facto destes argumentos, a favor da existência de Deus, serem frágeis que podemos
inferir que Deus não existe. Estaríamos a incorrer na falácia do apelo à ignorância.
Alguns pensadores reconheceram que não é possível provar racionalmente o que quer que
seja em relação a Deus. Esta ideia leva a uma outra forma de abordar a existência de Deus – a
fé.

Fideísmo
É a perspetiva segundo a qual a infinitude de Deus não pode ser abarcada pela razão humana.
Assim, a justificação racional/lógica da existência de Deus, através de argumentos ou provas,
não é adequada. O discurso religioso tem uma racionalidade própria.
Segundo os autores fideístas, a crença na existência de Deus só pode ser o resultado de um ato
de fé. A fé é uma forte convicção de que uma dada proposição é verdadeira, mesmo que não
existam argumentos racionais para justificar essa crença.
Blaise Pascal (1623-1662) foi um físico, matemático, filósofo e teólogo francês. Autor da famosa
frase: "O coração tem razões que a própria razão desconhece".
Segundo ele, Deus é infinitamente incompreensível, pelo que não podemos provar diretamente
a sua existência.
Assume uma versão moderada de Fideísmo: Considera que a fé não entra em conflito com a
razão, afirma que a fé deve substituir a razão nos casos em que o alcance desta é limitado.
Uma vez que não podemos determinar com certeza se Deus existe ou não, Pascal defende que
devemos apostar na sua existência.
Pascal coloca-se/nos perante situação hipotética - uma corrida de cavalos.
Nesse momento, a sua posição relativamente à existência de Deus é de um agnóstico (não se
sabe se Deus existe ou se Deus não existe).
Colocam-se todos os cenários possíveis para que no fim se escolha a melhor aposta:
- Acreditar que Deus existe e Deus existir.
- Acreditar que deus existe e Deus não existir
- Não acreditar que Deus existe e Deus existir.
- Não acreditar que Deus existe e Deus não existir.
Devemos comparar os cenários e fazer a opção mais sensata. Pascal propõe a utilização de um
princípio do género maximin – a melhor aposta é acreditar em Deus, pois o pior dos cenários é
melhor do pior da outra opção.

Críticas ao argumento do apostador de pascal

Objeção 1 - Não podemos, pura e simplesmente, decidir acreditar em algo. Precisamos de estar
convencidos, antes de poder acreditar. Mas o argumento do apostador não oferece quaisquer
dados para nos convencer de que Deus existe: diz-me apenas que, como apostador, será uma
boa ideia passar a acreditar que Deus existe.
Objeção 2 - Apostar na existência de Deus por ganharmos com isso é uma atitude inapropriada.
O filósofo e psicólogo americano William James (1842-1910) afirmou que, se estivesse na
posição de Deus, teria grande prazer em impedir a entrada no Céu às pessoas que acreditassem
nele com base neste processo. O processo parece, todo ele, ser insincero e inteiramente
motivado por interesses egoístas.

O argumento do mal
O problema do mal decorre da existência do mal natural e do mal moral. Constitui a mais séria
objeção ao teísmo e às religiões ocidentais, que supõem um Deus omnipotente, omnisciente e
sumamente bom.
Existem duas versões do argumento do mal: a versão lógica e a versão indiciária.
Versão lógica
Se Deus é omnisciente não pode ignorar a existência do mal.
Se é absolutamente bom deve querer impedi-lo.
Se é omnipotente pode impedi-lo.
Se Deus existisse, então não haveria mal.
Mas o mal existe.
Logo, Deus não existe.

O problema lógico do mal, aqui expresso, consiste em não se poder mostrar em simultâneo que
as proposições P e Q são incompatíveis.
P – Deus é omnipotente, omnisciente e sumamente bom.
Q – O mal existe.
⌐(PꓥQ)
Deus e o mal são incompatíveis.

Mas não é fácil provar que as duas proposições são incompatíveis.


Do ponto de vista lógico, não é incongruente pensar que um criador omnipotente, omnisciente
e sumamente bom possa ter criado um mundo onde o mal existe (por alguma razão).
Argumento indiciário do mal
Ainda que a existência de Deus e do mal não sejam logicamente incompatíveis, as evidências do
mal são, por si só, um indício da implausibilidade da existência de Deus.
Atualmente a discussão sobre este argumento centra-se na existência do mal gratuito ou sem
sentido. O mal gratuito é o tipo de mal que Deus poderia impedir sem com isso perder um bem
maior ou sem com isso ter de permitir um mal equivalente ou ainda pior.
Se Deus existe, então não há males gratuitos ou sem sentido.
Provavelmente, há males gratuitos ou sem sentido.
Logo, provavelmente Deus não existe.

Como resposta a este argumento, podemos dizer que nada nos garante que provavelmente
existam males gratuitos ou sem sentido. Podemos pensar que as nossas capacidades cognitivas
são limitadas e não nos permitem perceber que esses males são aparentes e que existem em
nome de um bem maior.

Ao logo dos séculos filósofos teístas tentaram justificar a existência do mal. Essas explicações
chamam-se Teodiceias: Theos (Deus)+diké (justiça) – justiça de Deus.
Existem teodiceias morais e teodiceias naturais.
As teodiceias morais centram-se no livre-arbítrio dos agentes morais. As teodiceias naturais
procuram fornecer razões que justifiquem o sofrimento causado por fenómenos naturais
Teodiceias morais
1º - O livre-arbítrio exige a possibilidade do mal moral. Se não fosse possível fazer o mal não
haveria livre-arbítrio, pois Deus não permitiria ao homem praticar algumas ações (o mal).
Seríamos autómatos.
2º - Um mundo com mal moral, mas com livre-arbítrio é melhor do que um mundo sem livre-
arbítrio.
3º - O mal é necessário, porque é a condição do nosso aperfeiçoamento moral e espiritual, pois
sem ele não poderíamos ser responsabilizados nem ver os nossos méritos reconhecidos.
Objeções às teodiceias morais
- A ideia de que um mundo com livre-arbítrio e com a possibilidade do mal é preferível a um
mundo de pessoas robôs que nunca praticam o mal é discutível.
- A ideia de que o mal permite a existência do bem também é discutível. A intensidade do mal é
desproporcional ao bem existente.
- Deus poderia ter criado um mundo com livre-arbítrio sem que existisse o mal.
- Deus poderia intervir e evitar males horríveis (males gratuitos).

Resposta de Leibniz ao problema lógico do mal


Leibniz foi um filósofo e matemático alemão (1646 – 1716).
A resposta de Leibniz à versão lógica do problema do mal visa mostrar que a premissa “ Se o mal
existe, então Deus não pode existir” é falsa.
O Universo é o resultado admirável de acontecimentos que concorrem para um bem final. É
uma obra de arte. Tudo o que há no nosso mundo existe por alguma razão. Tal como o mal.
O mal nunca é gratuito, é sempre um meio para atingir um fim, para um bem maior.
Leibniz considera que este é o melhor mundo que poderia ser criado, “é o melhor mundo
possível” – uma alternativa melhor não está disponível no campo das possibilidades, nem
mesmo para Deus.
Deus pensou uma infinidade de mundos possíveis. Perante as alternativas, Deus comparou,
ponderou os diferentes graus de perfeição e de imperfeição, de bem e de mal e a sua escolha
moral só poderia recair pelo melhor mundo possível, o mundo atual. É um mundo onde existe
mal, mas um mundo onde os seres humanos têm livre arbítrio e onde há a possibilidade de
aperfeiçoamento moral.
Tudo o que existe no nosso mundo existe por alguma razão, também o mal. É um meio para um
bem maior.
Ao contrário de Deus, não temos a visão sobre a harmonia do todo. Não está, por isso, no nosso
poder tirar conclusões definitivas sobre os males particulares.

Objeções à resposta de Leibniz ao argumento lógico do mal


1- Leibniz não prova que o bem sem a contraparte do mal é uma impossibilidade lógica,
pois parece razoável acreditar que um ser omnipotente e sumamente bom poderia,
caso quisesse, ter dado origem ao bem sem mal. Ou, pelo menos, poderia ter evitado o
elevado grau de sofrimento humano e não humano do nosso mundo.
2- Leibniz não prova que o livre-arbítio é intrinsecamente um bem, pois Deus poderia ter
criado um mundo, por exemplo, onde houvesse ilusão de livre-arbítrio e onde não
houvesse mal ou onde não houvesse tanto mal.

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