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A Dimensão Estética

Definição de Conceitos

Palavra Estética
A palavra estética vem do étimo grego aisthésis, que significa sensibilidade.
Esta palavra remete, porém, tanto para a competência cognitiva, a capacidade
humana de percecionar objetos através dos orgãos dos sentidos, como para uma
competência afetiva, a capacidade de o sujeito humano se emocionar (ser invadido por
sensações fortes como alegria, tristeza, medo, espanto, etc.) face a determinadas
caraterísticas daqueles objetos.
Na experiência estética estas duas vertentes da sensibilidade humana
associam-se e fundem-se, uma vez que ela implica tanto a apreensõa sensorial dos
objetos estéticos como, e simultaneamente, que esta se faça acompanhar de
vivências interiores de natureza emotiva.

Objetos Estéticos
Objetos estéticos são todas as coisas, e não apenas as obras de arte, a que
atribuímos ou às quais reconhecemos propriedades estéticas (positivas, como a
beleza, a elegância, a graciosidade, a harmonia, ou negativas, como a fealdade, a
melancolia o caráter sombrio, etc.). Por exemplo, se a uma cadeira ou a uma colher
atribuirmos propriedades como as de serem elegantes ou graciosas, elas são
objetos estéticos. Do mesmo modo, se julgarmos como deslumbrantes ou majestosos
um pôr-do-sol ou uma montanha, também eles são objetos estéticos.
As obras de arte incluem-se entre os objetos estéticos.

Experiência Estética
A experiência estética, que envolve a capacidade de o sujeito humano se
emocionar, isto é, de ser invadido por sensações fortes como a alegria, a tristeza, o
medo ou o espanto, é a experiência vivida pelo sujeito quando, face a determinados
objetos, os objetos estéticos, numa atitude contemplativa (o sujeito limita-se a
“olhar” o objeto e a fruir o prazer que este lhe suscita) e desinteressasda (olha o objeto
como se ele não tivesse nenhuma utilidade, não esperando retirar dele qualquer
beneficio), experimenta uma sensação agradável e gratificante de bem-estar, de
prazer ou de melancolia que o faz alher-se do que o cerca e de si próprio, sentindo-
se transportado pela imaginação para além de si mesmo, para outras dimensões,
para outros mundos, para o espaço da fantasia e do sonho.

Juízos Estéticos
Juízos estéticos são enunciados valorativos em que o sujeito, expressando um
sentimento de agrado ou desagrado face a um objeto, lhe atribui ou reconhece uma
dada propriedade estética. Ex.: Esta paisagem é muito bonita; aquele quadro é

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muito belo; aquela saia é muito elegante, etc.; o fado é, muitas vezes, uma canção
melancólica, etc.

Estética Filosófica
Estética filosófica é a disciplina filosófica que se ocupa do estudo dos
problemas referentes aos objetos estéticos e à relação que estabelecemos com eles,
formulando, entre outras, questões sobre a especificidade da experiência estética,
sobre a natureza da beleza e de outras propriedades estéticas, bem como sobre a
natureza dos juízos e dos valores estéticos.

O que é uma Obra de Arte?

De uma maneira geral, até finais do século XIX, nem os artistas nem o
público sentia grande dificuldade em distinguir o que era do que não era arte.
A partir dessa altura tudo começa a mudar, uma vez que, num contexto em
que o aparecimento da máquina fotográfica dispensa a arte da tarefa de
representar a realidade, passam a ser criadas obras sem as caraterísticas
tradicionalmente associadas à arte:
- Obras sem beleza;
- Sem representação;
- Sem o recurso a técnicas especializadas;
- Sem diferenças visíveis face aos objetos comuns.

Condições para que haja Obra de Arte

Se bem que, como se verá com o estudo das diferentes teorias estéticas, não
haja consenso relativamente à matéria, há quem considere que para que um dado
objeto possa ser considerado obra de arte, é preciso que estejam reunidas
condições como as seguintes:

a) Ser produzido pelo homem (condição que exclui objetos naturais e produções
animais);
b) Ser fonte de prazer sensível (para quem o produz e para quem o contempla);
c) Apresentar uma forma estética satisfatória (de modo a conter algum indício
de harmonia);
d) Ser acessível a um público (para que possa ser contemplada e proporcionar
prazer estético);
e) Ser aberta (permitir interpretações diversas);
f) Ter algo de original e único (para que não seja confundível com qualquer outra
obra).

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Teorias Estéticas: Teorias Essencialistas e Teorias Não
Essencialistas
Para responder à pergunta “o que é uma obra de arte?”, têm sido
elaboradas diferentes teorias estéticas, que têm proposto diversas definições
explicitas do conceito de obra de arte, isto é, definições que indicam
simultaneamente as condições necessárias (caraterísticas comuns a todas as obras de
arte, mas não exclusivamente a elas. Ex., serem produzidas por artistas; serem
acessíveis a um público) e as condições suficientes (caraterísticas que todas as obras de
arte, mas só elas, possuem) que um objeto deve ter para ser considerado obra de
arte.
De uma maneira geral essas definições podem dividir-se em dois grandes
grupos: teorias essencialistas e teorias não essencialistas.
Teorias essencialistas são aquelas que defendem a existência de uma essência
da arte, isto é, de certas propriedades essenciais que são comuns a todas as obras
de arte e só nelas existem. Tais propriedades, intrínsecas às obras de arte, permitem
distinguir arte de todas as outras coisas que não são arte.
Para as teorias não essencialistas, face à dificuldade em encontrar uma
caraterística comum a todas as obras de arte, que as distinga dos objetos comuns que
não são arte, o estatuto de obra de arte não decorre de caraterísticas intrínsecas aos
objetos, mas de condições relativas ao contexto social em que estão inseridas e ao
modo como adquirem aquele estatuto, que é atribuído por pessoas ligadas ao
mundo da arte.

De entre as teorias essencialistas, veremos três:

a) A teoria da arte como imitação, para a qual, uma obra só é obra de arte se
for produzida por um artista e imitar algo;
b) A teoria da arte como expressão, que defende que, uma obra só é obra de
arte se for produzida por um artista e expressar as suas emoções e
sentimentos;
c) A teoria formalista da arte, segundo a qual, uma obra só é obra de arte se
for produzida por um artista e possuir uma forma significante capaz de
provocar emoção estética em quem a contempla.

Como se verifica, para cada uma destas teorias, a arte tem uma função
determinada: representar a realidade, para a primeira, expressar sentimentos, a
segunda, e proporcionar satisfação estética, a terceira.
O modo melhor ou pior como estas funções forem desempenhadas constitui
o critério que permite distinguir a boa da má arte. Assim, para a teoria da arte
como imitação, uma obra será tanto melhor quanto mais fielmente retratar aquilo
que está a ser representado, o mesmo acontecendo com as duas outras teorias, de
acordo com o melhor ou pior cumprimento das respetivas funções.

De entre as teorias não essencialistas, veremos duas:

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a) A Teoria institucional da arte, segundo a qual uma obra só é obra de arte se
alguém, em nome da instituição “mundo da arte”, lhe atribui o estatuto de
artefacto “candidato a apreciação”.
b) A teoria histórica da arte, para a qual uma obra só é obra de arte se alguém,
com direito de propriedade sobre ela, manifesta a intenção séria e não
passageira de que seja vista como o foram as obras de arte do passado.

Tanto para uma como para outra destas teorias, a arte pode ter funções muito
diversas, como, por exemplo, representar a realidade, expressar emoções, divertir,
proporcionar prazer, comunicar ideias, criticar a sociedade, transformar o mundo, etc.,
podendo até a mesma obra desempenhar diferentes funções, consoante o contexto
em que é produzida e apreciada ou utilizada. Por essa razão estas teorias são
meramente classificativas, uma vez que procuram apenas classificar corretamente
certos objetos como arte, distinguindo-os dos objetos comuns que não são arte, sem
qualquer preocupação de caráter valorativo, tendo em vista diferenciar a boa da má
arte.

Teorias Essencialistas da Arte

Teoria da Arte como Imitação

A mais antiga de todas as teorias da arte, vinda de autores como Platão e


Aristóteles é a teoria da arte como imitação ou teoria mimética da arte.

Para esta teoria, a arte é imitação da realidade, isto é, uma obra só é obra de
arte se for produzida pelo homem e imitar algo, objetos físicos ou, em artes como
como o teatro, ações ou comportamentos humanos.
Uma obra de arte é tanto melhor quanto mais fielmente imita a realidade. A
obra perfeita seria, idealmente, aquela que de tão próxima da realidade se
confundisse com ela.
Esta teoria apresenta duas vantagens: oferece, um critério claro para
distinguir arte daquilo que não é arte e proporciona um critério de valoração das
obras de arte, considerando que uma obra de arte é tanto melhor quanto mais se
assemelhar ao objeto imitado.

Objeções à teoria da arte como imitação


Os críticos da teoria da arte como imitação chamam a atenção para algumas
limitações dessa teoria:
a) A partir de finais do século XIX, com o aparecimento da fotografia,
deixou de ser consensual a ideia de que a essência da arte resida no seu
caráter mimético. Se fosse assim, teria de se aceitar que as fotografias
tipo passe, que retratam fielmente a realidade, têm mais valor artístico do
que quadros como os de Van Gogh, Mondrian ou Picasso, que não
pretendem ser realistas;

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b) Existem artes que não são imitativas, como é o caso da música ou da
arquitetura;
c) A grande maioria das obras-primas da arte contemporânea,
especialmente na pintura abstrata, não são, nem os seus autores pretendem
que sejam imitação de alguma coisa;

Em suma, a definição da arte como imitação da realidade é demasiado


restrita, porquanto, se ela fosse verdadeira deixaria de fora grande parte das obras
atualmente presentes na grande maioria dos museus contemporâneos.

Teoria Expressivista da Arte

No século XIX, o movimento romântico veio contribuir para a decadência


da teoria da arte como imitação. Agora a arte deixa de reproduzir o mundo
exterior (a fotografia é um meio mais adequado para isso) para passar a ser expressão
da interioridade do artista.
Segundo Leon Tolstoi, um dos principais teóricos da conceção expressivista da
arte, esta deve ser expressão ou comunicação intencional não de ideias, mas de
emoções e sentimentos. Através da sua arte (a pintura, a música, a dança, o teatro, a
literatura, o cinema, etc.), o artista comunica aquilo que está a sentir (alegria, tristeza,
melancolia, solidão, desespero, medo, etc.), de modo a produzir no público a mesma
experiência emocional que ele próprio viveu.
Toda a obra de arte tem de ser capaz de gerar no público
emoção/sentimento. Muitas vezes e de forma implícita as pessoas subscrevem esta
teoria quando a respeito de uma obra comentam, que ela não as tocou, não as
comoveu ou as deixou indiferentes.

Objeções à teoria expressivista da arte


Os críticos da teoria expressivista da arte apontam diversas limitações a essa
teoria:
a) Se há obras de arte que têm a capacidade de nos emocionar, há outras
que nos deixam indiferentes.
b) Se há artistas que pretendem, com as suas obras, expressar os seus
sentimentos, há outros que não têm essa intenção, mas outras como, por
exemplo, retratar fielmente uma dada realidade, ou comunicar ideias de
natureza religiosa, política, etc..
c) Há obras, por exemplo, na literatura ou no cinema, em que diferentes
personagens geram no público diferentes emoções, algumas contrárias,
sendo pouco provável que o autor as tenha experienciado todas.
d) Não é verdade que os artistas e o público tenham de partilhar os mesmos
sentimentos. Há autores que pretendem gerar no público emoções que
eles próprios não vivem, por exemplo, escritores que geram sentimentos de
terror nos seus leitores, sem que eles próprios os sintam.

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e) A mesma obra gera sentimentos diferentes em diferentes pessoas, pelo que
não é fácil saber qual corresponde ao que levou o artista a produzir a
obra, especialmente se este já tiver morrido ou se a obra for anónima.

Finalmente, a definição expressivista da arte é muito restritiva. Se fosse


verdadeira, excluiria do mundo da arte muitas obras não expressivistas que
atualmente se encontram em museus e galerias de arte.

Teoria Formalista da Arte

A teoria formalista da arte não faz depender o estatuto de obra de arte de


fatores subjetivos, mas apenas de critérios objetivos e formais, presentes nas
próprias obras.
O que carateriza uma obra de arte é a sua capacidade de provocar emoção
estética, e não de a exprimir.
O elemento que está objetivamente presente nas obras de arte e as torna
capazes de desencadear emoção estética é a forma significante. Clive Bell define-a
como a maneira como os elementos de uma obra se relacionam entre si, por
exemplo, na pintura, é a forma como se combinam linhas formas e cores; na música
é a forma como se combinam sons, timbres e ritmos, e na dança, movimentos, gestos e
figuras corporais.
Segundo esta teoria, portanto, algo só é arte se possuir forma significante.
Assim, uma obra de arte apenas deve ser apreciada pelo seu aspeto formal,
excluindo elementos como o conteúdo representado, os valores que transmite ou a
intenção do artista. Por exemplo, um poema vale não pelo significado das palavras
que o compõem, mas pelas relações entre os sons, os ritmos, a musicalidade e os
padrões de repetição dessas palavras; nas artes plásticas, o conteúdo representado é
esteticamente irrelevante, apenas importando os padrões de formas, linhas e cores.
Se bem que a forma significante seja uma propriedade intrínseca e objetiva das
obras de arte, o seu reconhecimento nem sempre é fácil de fazer, daí a importância
dos críticos de arte que, com a sua sensibilidade mais apurada, nos podem ajudar a
detetar mais rápida e eficazmente a forma significante das obras de arte.

Objeções à teoria formalista da arte


Apesar de aparecer ao grande público como demasiado fria e técnica, a
teoria formalista da arte é, ainda hoje, uma das teorias com mais aceitação entre os
próprios artistas. Mas isso não significa que esteja isenta de críticas.
a) Há nela uma relação circular entre os conceitos de obra de arte e de
emoção estética. Com efeito, se a obra de arte é a que produz emoção
estética em quem a contempla, a emoção estética é o tipo de emoção
especificamente provocado pelas obras de arte.
b) Há, também, uma circularidade entre os conceitos de forma significante e
de emoção estética. Se a primeira é a propriedade que possuem os objetos
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capazes de provocar emoção estética, esta, por sua vez, define-se como a
emoção provocada pelos objetos portadores de forma significante.
c) O conceito de forma significante é demasiado vago. Pode ser aplicado a
quase tudo, uma vez que todo o objeto, desde o mais simples como uma
garrafa a um avião, possui uma determinada forma que combina entre si
diferentes elementos.
d) É duvidoso que a emoção estética não possa ser provocada por
elementos da natureza que não são obras de arte, como flores ou
paisagens.
e) É, ainda, duvidoso que na apreciação de uma obra de arte se devam
separar a forma e o conteúdo. Se este lá está foi lá colocado pelo autor da
obra, pelo que não deve deixar de ser considerado e valorizado.

Teorias Não Essencialistas da Arte

Teoria Institucional da Arte


Face ao sucesso histórico dos ready mades (objetos industrializados,
produzidos em série e utilizados no quotidiano que, como o urinol de Marcel Duchamp,
são expostos como obras de arte), num contexto muito diversificado de práticas,
obras, estilos, movimentos, géneros artísticos, e num tempo em que, desde os
primeiros anos do século XX, mas sobretudo a partir da década de 1960, os artistas
assumiram a tarefa de questionar o próprio conceito de arte, George Dickie, face
às limitações dos paradigmas artísticos tradicionais, que excluíam do mundo da arte
obras que nos habituámos a considerar como artísticas, propôs aquilo a que chamou
de “teoria institucional da arte”, com a qual pretendia acolher todos os objetos
artísticos, por mais estranhos e inesperados que fossem.

No âmbito da teoria institucional da arte, Dickie procurou e propôs uma


definição de arte que, neutra em termos avaliativos, permitisse acolher obras como
os ready-mades, em pé de igualdade como os quadros de Leonardo da Vinci ou a
música de Mozart, e ao mesmo tempo fosse suficientemente abrangente o elástica
para que pudesse englobar todas as obras de arte do passado, do presente, e ainda
aquelas que, de natureza mais ou menos inesperada, ainda não vieram à luz.

Face à impossibilidade de uma definição essencialista da arte, isto é, de uma


definição baseada em propriedades intrínsecas dos objetos, Dickie, privilegiando o
contexto cultural em que um artefacto é instituído como arte, apresenta uma definição
baseada em propriedades extrínsecas ou relacionais da arte.

De acordo com essa definição, as condições necessárias e suficientes para que um


objeto seja arte são:

a) A existência de um artefacto (no sentido de que é algo que, ainda que


minimamente, é manipulado pelo homem);

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b) A existência de alguém, uma ou mais pessoas, que, agindo em nome de
uma certa instituição (o mundo da arte), atribui ao objeto o estatuto de
“candidato a apreciação”.
Assim, de acordo com Dickie e a teoria institucional da arte, obra de arte é “um
artefacto com um conjunto de aspetos que fez com que lhe fosse conferido o
estatuto de candidato à apreciação por parte de alguma pessoa ou pessoas, agindo
em nome de uma certa instituição social (o mundo da arte) ”.
A compreensão desta definição resulta facilitada se se tiverem presentes
aspetos como:
a) Subjacente ao conceito de “candidato a apreciação”, presente na definição de
obra de arte, está a distinção entre ser apreciável (no sentido de ser suscetível
de apreciação) e ser apreciado (em sentido qualitativamente positivo, como
quando se diz que se aprecia um quadro, porque é muito belo). Para que tenha
o estatuto de obra e arte, um artefacto tem de ser apreciável, podendo não
ser apreciado.

b) O conceito de mundo da arte, presente na definição, designa uma instituição


vasta, que envolve artistas, historiadores de arte, galeristas, espaços de
exibição, críticos, público, teorias estéticas, etc.

c) Uma vez que o estatuto de arte é atribuído por agentes ligados ao mundo da arte,
e com autoridade para falar em nome daquela instituição, esta teoria acentua a
importância da comunidade de conhecedores/peritos na definição e
ampliação daquilo que pode ser designado por arte.

d) Da mesma forma que em nome da instituição Igreja, o padre, investido de


autoridade para tal pela instituição que representa, declara duas pessoas como
marido e mulher, assim também, na instituição “mundo da arte”, alguém,
uma pessoa ou pessoas, agindo em seu nome, e sem necessidade de para isso
apresentar razões, pode conferir a um artefacto o estatuto de “candidato a
apreciação”, ou seja, o estatuto de obra de arte.

e) Para adquirir o estatuto de obra de arte, atribuído por alguém ligado ao


mundo da arte, nada tem de mudar nas propriedades intrínsecas do objeto,
pelo uso de qualquer utensilio ou ferramenta. Como se verifica com o caso dos
ready mades, a única coisa que muda são as suas propriedades extrínsecas,
isto é, a relação que com ele estabelece o mundo da arte.

Vantagens da Teoria Institucional da Arte

A teoria Institucional da arte apresenta vantagens, como as seguintes:

 É uma teoria de grande abrangência e flexibilidade, uma vez que permite a


integração no mundo da arte de toda a diversidade de obras que, candidatas
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a apreciação, foram produzidas no passado, no presente e ainda aquelas que
serão produzidas no futuro.
 Permite elevar ao estatuto de arte qualquer objeto, mesmo objetos em bruto
colhidos da natureza, apenas com um mínimo de manipulação, como pedras,
troncos ou raízes, como acontece com diversas esculturas de Alberto Carneiro.
 Permite que, por exemplo, quadros pintados por animais, como os da
chimpanzé Betsy, possam ser considerados arte, desde que alguém do
mundo da arte lhes confira o estatuto de “candidatos a apreciação”. Neste
caso, o autor das obras não serão os animais, mas quem lhes conferiu esse
estatuto.

Objeções à Teoria Institucional da Arte


Se tem vantagens, a teoria institucional da arte encerra também algumas
limitações:
 É uma teoria circular, uma vez que se, de acordo com a definição que propõe,
é o mundo da arte que institui as obras de arte, são estas que, por sua vez,
justificam e sustentam o mundo da arte.
 É uma teoria puramente classificativa (permite classificar um objeto como
arte ou não arte) e, portanto, neutral em termos de qualidade da obra, pelo que
não permite distinguir boa de má arte.
 Ao não identificar qualquer propriedade “artística”, inerente às obras de
arte e ao não implicar a apresentação de razões que justifiquem a
atribuição pelo especialista do estatuto de arte a um objeto e não a outro,
permite que – de acordo com a expressão, “arte é aquilo que o artista diz que
é arte” – qualquer objeto, de forma arbitrária e indiscriminada, possa ser
instituído em obra de arte.
 Apesar da universalidade a que aspira, no sentido de ser capaz de integrar
todas as obras de arte reais e possíveis, ao exigir a existência da instituição
mundo da arte para que algo possa ser considerado obra de arte, esta teoria
acaba por deixar de fora a arte primitiva, uma vez que nesse tempo
primordial não existia nem o conceito de arte e muito menos a instituição
mundo da arte.
 Se explica como um objeto, por exemplo, uma pedra retirada de uma ribeira, de
Alberto Carneiro, adquire o estatuto de obra de arte, não explica como é que
o mesmo objeto perde esse estatuto com a mudança de circunstâncias, por
exemplo, no caso da pedra, quando esta é reposta na ribeira.

Teoria Histórica da Arte


Uma das teorias estéticas mais influentes nos últimos anos, é a teoria histórica
de Jerrold Levinson, que, de acordo com a designação da teoria, defende que a
essência da arte reside no facto de todas as obras artísticas se relacionarem com
obras anteriores.
Dada a diversidade de obras de arte e de expressões artísticas surgidas ao
longo do século XX, é difícil, senão mesmo impossível encontrar alguma

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caraterística comum que, presente nas obras, ligue criações tão diversas como A
Fonte, de Marcel Duchamp, Isto não é um Cachimbo, de René Magritte, A Compressão,
de César Baldaccini, o filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola, a Arte Fratal,
de Julius Horsthuis A Mensagem, de Fernando Pessoa, a música dos Beatles ou o
minimalismo de Philip Glass.
Face a esta dificuldade, Levinson é de opinião que a essência da arte não está
em caraterísticas intrínsecas e visíveis das obras, mas no seu caráter histórico ou
retrospetivo.
Partindo deste princípio, Levinson considera que um objeto é obra de arte se
e só se é um objeto sobre o qual uma pessoa ou pessoas, possuindo direito de
propriedade, tem a intenção séria e não passageira de que este seja encarado como
uma obra de arte, isto é, seja visto como o foram as obras de arte anteriores.
Para o autor, portanto, toda a arte resulta da atividade de alguém que tem a
intenção de que a obra que cria seja apreciada como o foram as obras de arte do
passado. Trata-se de uma definição explícita de arte, uma vez que, sem qualquer
preocupação valorativa, no sentido de diferenciar a boa da má arte, apenas indica
as condições necessárias e suficientes para que algo seja arte, proporcionando-nos
um critério que permite classificar certos objetos como arte, distinguindo-os dos objetos
comuns que não são arte.
Deve notar-se que, tomadas separadamente, cada uma daquelas três
caraterísticas (direito de propriedade; intenção; historicidade) é condição
necessária para haver obra de arte. Porém, tomadas no seu conjunto, são condição
suficiente para que tal aconteça em qualquer circunstância possível.
A primeira condição necessária para que haja arte é a existência do direito de
propriedade. Significa isto, que o artista não pode transformar em obras de arte
objetos que lhe não pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente
autorizado pelos seus legítimos proprietários (esta condição justifica, por exemplo, a
condenação do grafiti, ilegal e selvagem, praticado sobre parede de monumentos e de
propriedades particulares). Desta forma, a teoria histórica reduz o limite daquilo que
pode ser considerado arte, afastando-se da imagem, tantas vezes caricatural, do
artista que cria arte pela simples nomeação como tal de um qualquer objeto que,
por essa razão, passaria a ser detentor desse estatuto.
A segunda condição para haver arte prende.se com a existência de uma
intenção persistente ou duradoura (e não de um capricho momentâneo) que
relaciona a arte do presente com a arte do passado. Esta intenção, dado que é um
estado psicológico, interior, do artista, pode não ser conhecida diretamente, mas
inferida, de forma indireta, a partir de indícios inerentes ao contexto de criação, ao
género a que pertence a obra, ou a aspetos concretos presentes na própria obra.
A terceira condição presente na definição de Levinson é a historicidade, de
acordo com a qual o artista pretende que a sua obra seja vista como o foram as
obras de arte do passado, seja como genericamente aquelas foram vistas, sem
referência a períodos, correntes ou obras de arte em concreto, seja como foi vista
certa obra ou classe de obras em particular, procurando, assim situá-la na linha de
uma determinada conceção estética, movimento artístico, corrente estilística (por

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exemplo, realismo, romantismo, impressionismo, expressionismo, formalismo,
cubismo, surrealismo, etc.). É com esta segunda intenção que são criadas as obras
mais convencionais, que se inserem numa dada tradição artística. Caso o artista não
queira ter em vista a história da arte ou desconheça essa mesma história, a
intenção poderá ser a de relacionar a nova obra com perspetivas que casualmente
já foram as das obras de arte do passado, uma vez que estas foram sempre vistas de
certa forma e a uma certa luz, tendo em atenção aspetos muito diversos como, no
caso da pintura, a cor, o detalhe, caraterísticas estilísticas, capacidade de
representação da realidade, efeitos expressivos, estrutura formal, objetivos
religiosos (relação ao divino), ideológicos, políticos, etc.
Caso o artista crie um objeto com a intenção de que ele seja visto à luz de
alguma destas perspetivas, ele terá, nesse caso, criado uma obra de arte.

Vantagens da Teoria Histórica da Arte

A teoria histórica da arte apresenta vantagens como as seguintes:

 Oferece um critério de identificação que permite distinguir arte dos objetos


comuns que não têm esse estatuto.
 Ao identificar as condições necessárias e suficientes para que um objeto seja
obra de arte, a definição de Levinson é passível de aplicação a toda a arte
possível, dando-nos a conhecer por que razão objetos tão distintos como peças
musicais, peças de teatro, óperas, poesias, filmas, quadros, urinóis, bicicletas
esmagadas, edifícios embrulhados, etc., são obras de arte.
 Justifica o princípio de que, por muito que possam agradar, objetos
produzidos por animais ou máquinas não são obras de arte.

Objeções à Teoria Histórica da Arte

De entre as objeções passíveis de ser apresentadas à teoria histórica da arte,


podem ser referidas as seguintes:

 É discutível que o direito de propriedade possa ser tomado como condição


necessária para que haja arte. Podem imaginar-se contraexemplos que o
desmentem. Suponha-se, por exemplo, que Beethoven se tenha esquecido de
pagar o papel onde escreveu a nona sinfonia, ou que Van Gogh roubou a
tela e as tintas com que pintou os seus girassóis. Perderiam essas obras, por
esse facto, o estatuto artístico que atualmente têm? E readquiri-lo-iam, caso se
viesse a provar que afinal de contas esses materiais tinham sido pagos?
 Há quem considere que a intencionalidade não é necessária para haver para
haver arte. Um bom contraexemplo para sustentar essa tese é dado por
Kafka, que expressamente pediu que os manuscritos de O Processo e O
Castelo, fossem destruídos após a sua morte. Essa intenção do autor não foi
respeitada, as obras foram publicadas e, no entanto, ninguém põe em causa o
seu estatuto de obras de arte literária.

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 A teoria histórica não resolve o problema do estatuto das obras de arte
primordiais. Com efeito, se for verdade que para o ser, toda a obra de arte
tem de se relacionar com a história da arte, então as obras primordiais não
podem ser arte, uma vez que antes delas não há outras com que se possam
relacionar. Mas se essas primeiras obras não são arte, as que se lhe seguem
também não podem ser arte (consciente deste problema, Levinson admite que
o estatuto artístico das primeiras obras de arte seja obtido de forma diferente, por
um processo de estipulação).
 Como acontece com a teoria institucional, também a teoria histórica deixa
por resolver a questão de saber o que muda no objeto aquando da sua
transformação em obra de arte. Pode dizer-se que passa a existir uma
relação entre o objeto e a história da arte, mas isso não explica o que é que
em si mesma uma obra de arte. No fundo, se a teoria explica como é criada
uma obra de arte (um objeto passa a ser arte quando alguém forma sobre ele
uma intenção que o relaciona com a história da arte), mas nada diz sobre a
questão ontológica, isto é, sobre a natureza do objeto após a sua
transformação em obra de arte pela intenção do artista.

Viseu, 9 de fevereiro de 2020


Fernando Saldanha

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