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O PENSAMENTO DE FR.

JOSÉ MAYNE SOBRE A MENTE


HUMANA

1. A equação filosófica que o título encerra: Dissertação sobre a Alma


Racional, onde se mostram os sólidos fundamentos da sua Imortalidade, e se
refutam os Erros dos Materialistas Antigos e Modernos (1778).

2. Importância e riscos: “Pelos funestos perigos, a que pode expor-se, não


tem o Homem, que existe, negócio mais grave, nem mais interessante, do que
os exactos conhecimentos da sua própria Alma, do seu valor, e do seu risco.
Todos os mais empregos sem estes respeitos são vãos e ilusórios, e podem ter
perniciosas consequências. A Imaginação, a Inteligência, o Juízo, e o
Discurso, o Espírito, e a Razão; a Vontade, e a Liberdade, que sendo entre si
mesmas faculdades diversas (posto que idênticas na sua raiz) são infalíveis
testemunhas que depõem haver no Homem um ser imaterial, um princípio
activo e perpetuo de suas acções” (pp. I-II); “têm naufragado muitos Homens,
errando sobre o conhecimento da sua própria constituição, supondo-se
inteiramente materiais, confundindo com a parte corpórea o Espírito que os
anima, e distingue de outro qualquer ente sensitivo.” (p. III)

3. Contra o empirismo inglês e outras formas do materialismo moderno, na


tradição do materialismo antigo: “Para encorpar mais o eco de Epicuro e de
Lucrécio a favor do Materialismo, não têm contribuído menos os grosseiros
paralogismos de António Collins e as dúvidas sobre a Matéria poder pensar,
que é um dos erros que João Locke inventou, e não quis abjurar com
ingenuidade filosófica” (p. IV); “O Materialismo tem por fundamento a
doutrina dos antigos Filósofos que afirmavam ser a nossa Alma um Corpo

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tenuíssimo, composto de subtilíssimas partículas semelhantes às do Fogo ou
do Ar, e agitadas por um rápido movimento.” (p. V); “erro” (p. V); “tenebrosa
doutrina” (p. VI); “lodo”, “fantásticas ideias”, audaciosas imposturas” (p.
VII); “miseráveis sofismas” (p. IX); “ficções puramente caprichosas” (p. X);
“O Sábio Locke, que pretendeu confundir a ideia do Espírito e da Matéria,
quis admitir possibilidade em Deus para comunicar ao Ente Material a
faculdade de pensar. Porém, não atendeu à impossibilidade que tem para isto a
Matéria pela sua essência, que é de ser extensa e divisível. (…) a Matéria
poderia pensar (…) Porém, que injúria se faz a Deus em lhe negar o poder de
fazer quimeras, unir contraditórios, e variar as essências dos Entes?” (p. 22).

4. O que se conhece: “O pensar do Homem faz a inegável consequência de


existir nele uma substância, que não pode ser Matéria. Ninguém de recto
juízo, ou sem uma afrontosa tenacidade, duvidará que as ideias que formamos
da honestidade da Virtude, e da fealdade do Vício; das regras da Equidade e
da Justiça; das relações e proporções dos Números; da torpeza da Ignorância,
e da utilidade e adorno das Ciências são inextensas, indivisíveis, e que não
têm nem podem ter partes e figuras, e que em tudo são incompatíveis com a
Matéria” (p. 3); “ainda é mais segura a demonstração da existência do Espírito
do que a da existência da Matéria” (p. 4); “Por um testemunho íntimo, e livre
dos enganos dos sentidos, eu conheço com toda a certeza possível, que dentro
de mim existe um Princípio por meio do qual discorro, e posso divagar com o
pensamento por toda a redondeza do Universo” (p. 4); “da mesma sorte como
ignoramos a essência do Espírito, ignoramos também a essência da Matéria”
(p. 11);

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5. Definição: “Nós porém entendemos por Alma Racional uma substância
espiritual, imortal, capaz das mais perfeitas noções, e destinada com o corpo
humano a constituir um todo capaz de moralidade” (p. 21).

6. Argumentos contrafactuais (da possibilidade não é possível retirar a


existência): “Se, por exemplo, Deus fizesse, que os nossos olhos pudessem
ouvir, e os nossos ouvidos pudessem ver, não ficaria a ordem dos Entes sem a
sua natural e perfeita simetria?” (pp. 26-7); “Porém, ainda não vimos entre
tantos Filósofos que tem havido, um só que nos mostrasse a quantidade, ou
extensão, o peso, a forma, ou figura das ideias. De que se deve concluir que
estes modos são repugnantes à essência do Ente Material” (p. 58); “Se Deus,
segundo a doutrina dos Materialistas, pode fazer que as propriedades
inseparáveis e intrínsecas ao Espírito convenham à Matéria, também poderá
fazer que as qualidades intrínsecas da Matéria convenham ao Espírito, ficando
ele na sua raiz indivisível, e por este modo de argumentar ficariam obrigados
os Naturalistas a adoptar o absurdo de Jorge Berkeley” (pp. 8-9)

7. Anima mundi: “o sistema da Alma do Mundo” (p. 39); “De quanto temos
dito se pode inferir: primeiro, que nenhum dos Entes criados pode ser a
origem da nossa Alma; segundo, que só Deus por uma acção criativa é a
Causa Eficiente do nosso Espírito; terceiro, que este é uma Entidade
realmente distinta da substância do mesmo Deus; quarto, os sistemas da Alma
Universal e da Metempsicose são incompatíveis com o Cristianismo.” (p. 54);

8. O modelo agónico: “Alma Racional. Se esta não se distinguisse do Corpo,


nós não sentiríamos aquela continuada peleja que experimentamos entre a
nossa vontade e muita parte das sensações. As Leis do Corpo seriam também

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as mesmas Leis do Entendimento, mas tudo isto é evidentemente falso. Bem
pode o nosso Entendimento conhecer uma cousa e aprová-la na linha da boa
moralidade, para ser apetecida sem delito; e a nossa vontade, ainda que
ilustrada, rejeitar essa mesma cousa, por se atrair de outra bondade física,
repugnante à mesma razão” (p. 56).

9. Contra a hipótese do autómato: “nós não somos puras máquinas, e


formados inteiramente de Matéria, a qual de sua natureza é inerte e sem
actividade. (…). Quem não adverte que o pequeno número destes fingidos
Autómatos nenhuma prova faz contra o comum sentimento de Homens muito
mais sábios, e de todas as Gentes do Mundo? Porque, segundo a doutrina de
Cícero, este comum sentimento forma uma verdade necessária e uma Lei,
como promulgada pela mesma Natureza.” (p. 63); “Negar no Homem a
liberdade seria dar por vãs todas aquelas justas intenções que têm os bons
Príncipes, persuadindo-se que podem aperfeiçoar por meio da direcção os
Povos que Deus lhes tem confiado. As Legislações as mais sagradas se
reputariam viciosas, supondo-se que seus Autores falavam não a Homens
livres mas a uns Autómatos, e incapazes de toda e qualquer de1iberação, e
sempre necessitados a obrar pela invencível força das causas externas. As
Sanções legislativas, e as necessárias e justas execuções que se fazem nos
malfeitores para emenda dos delitos, e para advertência dos que ainda não
delinquiram, passariam a ser actos de crueldade.” (p. 64); “aonde há razão, há
liberdade” (p. 65).

10. Paralelismo psiconeuronal antes do tempo: “Observa-se que são muito


poucas as cogitações que se excitam na Alma que não sejam acompanhadas de
movimentos dos Espíritos animais nos órgãos do Corpo, principalmente no

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cérebro. Da mesma sorte, não se dão movimentos nos Espíritos animais que a
nossa Alma se não agite logo com diversas cogitações, conforme a variedade
dos movimentos.” (pp. 68-9); sed contra “Os corpos oprimidos com uma febre
tísica não seriam tão prontos em pensar, nem haveriam Homens que na
velhice mostrassem maior agudeza e acerto em seus discursos; porém, o
contrário nos mostra a experiência” (p. 70).

11. Tai Chi argumentativo? “bradam os Espíritos Fortes, dizendo que


ninguém pode afirmar a existência de uma entidade cuja essência ignoramos;
e como nós ignoramos a essência da Alma, por isso ninguém pode afirmar a
sua existência. (…) Para fazer uma ideia clara, v. g. de Pedro, basta conhecer
algumas notas pelas quais se distinga de outro qualquer Indivíduo da mesma
ou diversa espécie. Ninguém tem um conhecimento adequado, ou ainda
completo de um polígono de dez milhões de lados; e isto não obstante,
sabemos com toda a certeza que os ângulos que formam entre si os lados deste
polígono são iguais a vinte milhões, menos quatro, de ângulos rectos. O
mesmo dizemos de outras verdades pelas quais conhecemos a Deus e o
distinguimos de outro qualquer ente limitado, posto que não compreendamos
este Infinito.

12. Autonomia do mundo exterior: “A uniformidade e variedade das nossas


humanas percepções, a dor, a tristeza e a alegria que estas mesmas percepções
muitas vezes nos causam, e também o império da nossa vontade sobre os
efeitos de todas as nossas paixões, nos oferecem uma demonstração de que os
objectos não só existem fora de nós, mas que essencialmente se distinguem da
Entidade, que em nós sentimos, e a que damos o nome de Alma Racional.”
(pp. 55-6).

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13. O pari de Mayne: “qualquer Homem, quem se oferecerem dous manjares,
um deles inocente, posto que menos saboroso, e outro mais delicioso, mas em
dúvida se estaria envenenado, e que o poderia matar, não lançaria a mão a este
com preferência ao primeiro.” (pp. 100-101).

14. Dignos de riso, os philosophes modernos: “Se acontecesse que a um dos


Naturalistas, quando ainda estava no ventre de sua Mãe, morresse o seu
Progenitor, negaria porventura a existência desta Causa, porque não
encontrava uma prova matemática que lho demonstrasse? (…) Tomara
também que me explicassem que verdades são as das Ciências que eles não
viram com os olhos, nem perceberam pelos outros sentidos, e passam entre os
Materialistas por axiomas matemáticos, e verdades invariáveis?” (p. 107).

15. A questão das outras mentes e a questão da senciência e cognição


animal: “as almas dos brutos, às quais se não deve negar a inteligência, o
conhecimento dos entes singulares e outras operações admiráveis que ainda
que não se podem atribuir à Matéria, são contudo inferiores às produções do
entendimento humano (…) Se compararmos a Alma de Newton com outra
qualquer dos animais da maior sagacidade, atendendo aos progressos dos
conhecimentos que podem alcançar no decurso de vinte anos, encontraremos a
imensa distância que há entre uma e outra Alma” (pp. 111-2).

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