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METAFÍSICA I
Caderno de Referência de Conteúdo
Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Claretiana, 2012 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013
110 K91m
ISBN: 978-85-67425-73-3
CDD 110
Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cátia Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Martins
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Rita Cristina Bartolomeu Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos
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web), ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do
autor e da Ação Educacional Claretiana.
CRC
Ementa––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Abordar conceitos que vão desde os mais simples até os mais extensos, como é o
caso do Ser. A compreensão do Ser, suas implicações e seus atributos constituem-
-se no principal objeto da Metafísica, o qual também se estende à Ontologia, à Cos-
mologia e à Teodiceia, constituindo, dessa forma, uma teia de conhecimentos essen-
ciais à apropriação do conhecimento filosófico em sua totalidade.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
1. INTRODUÇÃO
O que será que queremos dizer com o termo "metafísica"?
Durante a História da Filosofia, muitas foram as formas de compre-
ensão sobre a Metafísica. De forma geral, esse termo designa uma
disciplina da Filosofia, ou seja, um campo de especulação filosófi-
ca, como a Lógica ou a Ética, por exemplo. Mas qual seria o objeto
de especulação da Metafísica, visto ser ela uma disciplina filosó-
fica? A Metafísica compreende um campo de atuação específico
que têm um objeto de investigação que lhe é próprio.
8 © Metafísica I
Abordagem Geral
Prof. Dr. Stefan Vasilev Krastanov
A Metafísica na antiguidade
A configuração da problemática sobre o ser no período
pré-socrático é conhecida, na História da Filosofia, como ontolo-
gia. Para nossa análise dessa configuração da problemática me-
tafísica, cabe um destaque especial a Heráclito e Parmênides.
Como já deve ser de seu conhecimento, relembrando o es-
tudo do CRC História da Filosofia Antiga, o "pensador obscuro",
como foi frequentemente chamado Heráclito (apud REALE, 1994),
estabelece o fogo como princípio ontológico. Para ele, o mundo é
um fogo eterno, fluindo em um câmbio que numa medida se acen-
de e em outra se apaga.
O universo todo é dialeticamente concebido por Heráclito como
passagem da arché (uno) à diversidade (múltiplo), e vice- versa. O
fogo e a diversidade, de acordo com Heráclito (apud REALE, 1994), são
opostos que se pressupõem mutuamente. Essa união dos contrários é
representada por duas vias: via para baixo (apagamento do fogo) e via
para cima (restabelecimento do fogo em seu estado ativo).
As duas vias retratam o processo cósmico, que não cessa de
se transformar. A via para baixo expõe a passagem do fogo, o uno,
para a diversidade, o múltiplo e as suas formas ar, água e terra. In-
versamente, a via para cima expõe a supressão e o aniquilamento
em sua origem fundadora, o fogo. Assim, o fogo destaca os dois
lados opostos da existência – a vida e a morte. Ambos participam
igualmente no processo natural e, portanto, possuem valor igual,
levando harmonia ao círculo de mutabilidade do ser.
Entre as questões ontológicas apresentadas por Heráclito,
uma atenção especial cabe às suas ideias dialéticas. Podemos re-
sumir essas ideias por meio da seguinte celébre frase do filósofo:
"tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo". O "tudo flui"
é a lei do ser, o movimento, o vir-a-ser, por meio do qual tudo se
transforma. A concepção do fluxo perpétuo impõe a ideia de que
nada se cria e nada perece, pois o nascimento e a morte são dois
lados de um e mesmo processo – o fluxo eterno.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13
Glossário de Conceitos
O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rápi-
da e precisa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom
domínio dos termos técnico-científicos utilizados na área de co-
nhecimento dos temas tratados no CRC Metafísica I. Veja, a seguir,
a definição dos principais conceitos:
© Caderno de Referência de Conteúdo 29
Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem ser
de múltipla escolha, abertas objetivas ou abertas dissertativas.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-las com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma
forma de você avaliar o seu conhecimento. Assim, mediante a re-
solução de questões pertinentes ao assunto tratado, você estará
se preparando para a avaliação final, que será dissertativa. Além
disso, essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhe-
cimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática profis-
sional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas de múltipla escolha.
Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.
Dicas (motivacionais)
O estudo deste CRC convida você a olhar, de forma mais apu-
rada, a Educação como processo de emancipação do ser humano.
É importante que você se atente às explicações teóricas, práticas
e científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno do cursos de Graduação na modalidade
EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma forma-
ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com
a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da
interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o
seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.
© Caderno de Referência de Conteúdo 41
2. CONTEÚDOS
• Introdução à Metafísica: significado e origem do termo.
44 © Metafísica I
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta unidade, você terá a oportunidade de se familiarizar
com a problemática própria e peculiar da ciência do ser enquanto
ser, geralmente, chamada de Metafísica. Começaremos pelas aná-
lises da questão do problema do ser, que, praticamente, abre os
horizontes da pergunta pelo sentido do ser, inaugurado pelos pen-
sadores gregos. Iremos, também, conhecer a relação que a Ontolo-
gia mantém com o pensamento metafísico e a grandiosidade que a
Metafísica adquire no pensamento de Platão e Aristóteles, com os
quais ela se torna a principal forma de especulação filosófica.
© U1 - Metafísica na Antiguidade 45
5. QUE É METAFÍSICA?
A palavra "Metafísica", pela primeira vez cunhada pelo bi-
bliotecário do Museion, Andrônico, surge de modo curioso e inte-
ressante. Enquanto classificava os escritos de Aristóteles, Andrô-
nico ordenava, ao lado das obras referentes à Física, outras obras
que ele não sabia como classificar. Quando alguém pedia para ler
aquelas obras sem nome, Andrônico aconselhava o leitor a pro-
curar para além das obras de Física, que, em grego, soaria como
Metafísica (além da Física). Essa curiosa origem do termo mostra
que, nos sentidos literal e abstrato, ele coincide perfeitamente
com aquilo que significa.
Aristóteles (2002), sem denominá-la de Metafísica, chamou-a
de Filosofia Primeira e deu-nos uma definição mais consistente da
sua área de investigação. O Estagirita apresentou-nos a primeira
classificação das ciências, divididas em três grupos: Ciências Te-
óricas (Física, Matemática e Filosofia Primeira), Ciências Práticas
(Ética e Política) e Ciências Poiéticas (cujo saber é utilizado para
produção de coisas).
Cada uma das Ciências Teóricas estuda determinado aspecto
do ser:
• Física: a substância independente e mutável.
• Matemática: as substâncias dependentes e imutáveis.
• Filosofia Primeira: as substâncias independentes e imu-
táveis.
Claretiano - Centro Universitário
46 © Metafísica I
6. PROBLEMA ONTOLÓGICO
O termo "Ontologia" confunde-se, frequentemente, com
a Metafísica. Todavia, essa identificação não é totalmente exata,
pois "Ontologia", em sua origem etimológica, designa que se trata
da ciência do ser enquanto ser. A Metafísica, por sua vez, implica a
ideia de cisão, por exemplo, entre sensível e suprassensível, entre
material e imaterial, entre terrestre e celeste etc. Se investigarmos
a palavra "Metafísica" como "além da Física", então, fica claro que
duas camadas ontológicas devem estar presentes na compreensão
da Metafísica, a saber: o físico e aquilo que vai além do físico.
Ontologia de Heráclito
As principais contribuições para a Metafísica desse período
são as de Heráclito e Parmênides. Neste momento, portanto, va-
mos entrar em contato com as ideias metafísicas do famoso "pen-
sador obscuro", segundo o qual o princípio ontológico de toda
existência é o fogo.
Conforme estabelece o Fragmento 20: "Este mundo, que é o
mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez, mas
era, é e será um Fogo eternamente vivo, com medidas se acenden-
do e medidas se apagando", que se transforma periodicamente,
segundo a lei cósmica, apagando-se e, em seguida, ascendendo-se
novamente.
© U1 - Metafísica na Antiguidade 51
8. METAFÍSICA DE ARISTÓTELES
Na classificação das ciências, Aristóteles (2006) já descreve o
âmbito próprio e peculiar da análise metafísica. Segundo o pensa-
dor (2006), existem três áreas das Ciências Teóricas: Física, Mate-
mática e Filosofia Primeira. As três ciências ocupam-se e analisam
diferentes aspectos do ser:
© U1 - Metafísica na Antiguidade 69
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) c.
2) d.
3) e.
4) a.
5) d.
6) d.
7) a.
8) a.
9) e.
10) a.
11. CONSIDERAÇÕES
Como você pôde acompanhar ao longo desta unidade, a
Metafísica, como forma de conhecimento, trata das questões mais
essenciais e, também, mais abstratas da Filosofia desde os primór-
dios do pensamento filosófico. Além disso, aqui, você pôde apren-
der a definição do termo e do campo de atuação do pensamento
dito "metafísico".
12. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 Platão e Aristóteles. Disponível em: <http://www.consciencia.org/bancodeimagens/
displayimage-476.html>. Acesso em: 9 nov. 2010.
Figura 2 Davi. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d5/
David_von_Michelangelo.jpg>. Acesso em: 9 nov. 2010.
2
1. OBJETIVOS
• Compreender de que forma o cristianismo deixa de ser
entendido como um fato histórico para se tornar um fe-
nômeno metafísico.
• Entender a relação que, na medievalidade, as teses meta-
físicas têm com o cristianismo.
• Conhecer as principais teses metafísicas no período patrístico.
• Relacionar a questão dos universais e das provas sobre a
existência de Deus durante a Idade Média.
2. CONTEÚDOS
• Cristianismo: de um fato histórico a um fenômeno metafísi-
co (Pseudo-Dionísio, Santo Agostinho, Boécio e Orígenes).
• Dialética medieval (Santo Anselmo, escola de Chartres e
Abelardo).
88 © Metafísica I
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Pseudo-Dionísio
Um dos primeiros grandes nomes da Metafísica medieval é
Pseudo-Dionísio. A sua importância dificilmente pode ser definida
em poucas palavras, pois as suas obras não apenas traçam os parâ-
metros da simbologia medieval, mas também definem o estilo da
mística europeia em geral.
Na reunião religiosa em Constantinopla, em 532, pela pri-
meira vez, foram apresentados alguns escritos que têm uma im-
portância fundamental para a formação da Teologia medieval eu-
ropeia; trata-se do assim chamado Corpus areopaguita. O autor
desses escritos foi considerado Pseudo-Dionísio, discípulo de São
Paulo, que viveu durante o século 1º d.C. Todavia, não se pode
atestar com certeza rigorosa quem realmente era o autor desse
corpus.
O Corpus areopaguita reúne quatro títulos (Dos nomes divi-
nos, Teologia mística, Da hierarquia celeste e Da hierarquia clerical)
e dez cartas, que, em pouco tempo, ganharam enorme populari-
dade. A questão sobre a autenticidade desses escritos coloca-se
seriamente apenas no século 17. O problema consiste no fato de
que os conteúdos dos tratados revelam uma clara influência do
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feitas, como, por exemplo, que o dia se troca pela noite; que, de-
pois do inverno, surge a primavera; e assim por diante. Tais ordem
e regularidade, evidentemente, não podem ser produtos do acaso;
pelo contrário, deve haver uma causa que as sustenta. Quem será,
senão Deus, essa causa absoluta? Com a prova a posteriori, Agosti-
nho mostra que toda ordem e regularidade no universo deve, logi-
camente, possuir sua causa que a engendra. Essa causa é chamada
por Agostinho de Deus.
Todavia, a demonstração a posteriori contém algo proble-
mático, pois, querendo provar o ser perfeito de Deus, parte-se
do mundo criado, em que reina a contingência. Felizmente, para
Agostinho, o homem dispõe de uma via mais imediata e consisten-
te: o conteúdo da alma humana. No conteúdo da alma, é possível
descobrir a presença de verdades universais e absolutamente váli-
das (lógica e matemática).
Diante disso, você deve estar se perguntando: quem as pôs
lá? Qual é a origem delas? Essas verdades não podem derivar do
mundo sensível, sendo este imerso na mutabilidade. Elas não pro-
vêm, também, do nosso pensamento, uma vez que ele é subjetivo
e individual; portanto, incapaz de atribuir-lhes um caráter absoluto
e universal. Resta a única alternativa: tais verdades são deposita-
das por Deus na nossa alma. Desse modo, ele existe.
Outro aspecto importante da Metafísica de Agostinho apre-
senta a sua doutrina ontognosiológica, de acordo com a qual cabe
às ideias o papel tanto de critério de verdades como de modelo de
coisas existentes. Com isso, Agostinho retoma, quase em porme-
nores, a antiga teoria das ideias de Platão, porém, adequando-a ao
caráter peculiar do cristianismo. Isso você estudará em pormeno-
res no tópico a seguir.
Teoria da iluminação
O exemplarismo apresenta uma tentativa de fundamentar
o conhecimento sobre o mundo. Como todo conhecimento ver-
dadeiro pressupõe um objeto eterno e imutável, pois não se co-
nhece aquilo que se transforma ou que nunca é, então, a partir do
exemplarismo, essa condição é preenchida. Desse ponto de vista,
nós conhecemos as coisas no seu ser verdadeiro, isto é, em suas
ideias.
Questão do tempo
A solução da questão do tempo e, vinculado a ela, o proble-
ma da história mundial garantem a Agostinho um lugar perpétuo
no templo da especulação filosófica. A originalidade com a qual
são tratadas tais questões enuncia uma nova concepção do tempo
e da história, da qual a Filosofia posterior vai se alimentar.
A compreensão da concepção de tempo exposta por Agos-
tinho (1999) requer a consideração de dois aspectos principais
intimamente ligados: a ideia cosmológica da criação do nada e a
retomada do dualismo platônico. Vale observar que, na Antigui-
dade, não se nota uma concepção consistente de tempo nem de
história. A concepção de tempo predominante na Antiguidade não
oferece parâmetros para uma análise escatológica. Com efeito, o
tempo é eterno, e a sua imagem é a circularidade. Essa circularida-
de despoja de sentido e objetivo toda a história. O tempo é pen-
sado, sobretudo, como uma arena de acontecimentos e eventos
históricos que acontecem e se sucedem sem alguma razão, apenas
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Criador e criatura
Um dos principais postulados sobre o qual se edificam a Me-
tafísica e a Cosmologia cristã consiste na visão de diferenciação
substancial entre criador e criatura, isto é, entre Deus e o mundo.
O mundo é criado não da substância de Deus, como pregava o ne-
oplatonismo, mas do nada. É justamente esse caráter do nada que
o diferencia do seu criador.
Deus, como sumamente perfeito, atribui à sua criação o ca-
ráter de bem, uma vez que a perfeição não produz o mal; nesse
sentido, toda criação divina é, necessariamente, boa. Mas como,
então, podemos diferenciar o bom criador da boa criatura? Para
responder a essa questão, Boécio recorre ao mundo criado, que se
revela a partir dos indivíduos. Cada indivíduo e coisa consistem na
composição de qualidades e funções. Assim, por exemplo, o ho-
mem é, simultaneamente, alma e corpo, e não apenas um deles.
A casa é, ao mesmo tempo, o chão e a laje, as portas e as janelas;
caso se retire uma dessas partes, a coisa deixa de ser como ela é.
Essa união orgânica de qualidades forma, por conseguinte, a natu-
reza da coisa como ela é em seu ser presente. Boécio chama essa
coisa de essência – id quod est (o que é). Mas qual é o elemento
Liberdade x destino
Num sentido universal, Deus governa o mundo por meio da
providência. Esta nada mais é do que a visão sinótica de Deus sobre
toda história mundial. Ele prevê, em uma única visão, o passado,
o presente e o futuro. No mundo, porém, a visão do homem não
é sinótica, mas sucessiva, separada por um antes e um depois. O
princípio dessa sucessão é o destino. O destino, por sua vez, é um
instrumento da providência divina, a qual deve manter o mundo
criado numa ordem por meio de uma corrente de causas e efeitos,
garantindo a regularidade dos fenômenos.
Assim, a história mundial, como também a vida individual do
homem, são submetidas a uma dupla determinação: a da divina
(providência) e a do destino. Essa determinação define o impor-
tante papel do livre arbítrio.
A dignidade e a responsabilidade do homem consistem na
possibilidade de livre escolha entre duas determinações: a deter-
minação necessária, que é a determinação obrigatória e a deter-
minação por meio da liberdade, que é a do amor divino. Como
então a liberdade da vontade pode coexistir com as determina-
ções? Para Boécio (apud GILSON, 2006), adotando a moral estoica,
o rompimento do fatum é possível quando o homem percebe que
a vida terrena é traiçoeira e contingente e que a fortuna troca de
lado sem nenhuma razão. Essa consciência auxilia o indivíduo no
processo de desapego da vida, o que é, simultaneamente, o rom-
pimento com o fatum.
Essas reflexões são bastante notáveis em sua obra Consola-
ção da filosofia, em que Boécio, como prisioneiro infortunado de-
pois de uma vida de glória e de riqueza, vê-se despojado por tudo,
esperando silenciosamente a morte. Essa aparente infelicidade no
nível terreno lhe abre a possibilidade de uma felicidade infinita-
mente superior na qual se reconhece perfeita, clara e consciente-
mente que os bens materiais são brinquedos na mão da traiçoeira
fortuna. Essa clara consciência do vão caráter dos bens materiais
conduz, por sua vez, a alma aos bens espirituais, totalmente inde-
pendentes dos caprichos da fortuna.
O rompimento com o fatum conduz o indivíduo a se subme-
ter à providência. Mas como o indivíduo é submetido aos decretos
da providência e como é possível uma ação livre? Segundo Boécio
(apud GILSON, 2006), a liberdade é inerente apenas aos seres racio-
nais. Naturalmente, o homem tende ao bem e evita o mal. A liber-
dade executa a escolha racional, mas é mais forte quando o homem
tende ao bem, uma vez que querer o bem não é obrigação, mas
vontade livre. Os vícios tornam a vontade presa: perde-se a capaci-
dade racional de escolha. Se o homem, como ser livre, naturalmente
tende ao bem e o bem supremo é Deus, então a liberdade consis-
te na escolha daquilo que Deus quer. Nesse sentido, para Boécio, a
providência não impede a liberdade. A ação, sendo providenciada
ou não, acontece da mesma maneira. Somos submetidos à deter-
minação espaço temporal, mas, como afirma Boécio (apud GILSON,
2006) ao escolher Deus podemos nos libertar desta determinação.
As questões filosóficas que entram no escopo analítico de
Boécio revelam uma natureza essencialmente metafísica. Tal como
Agostinho, Boécio também se mantém rigorosamente na especu-
lação metafísica.
8. A METAFÍSICA EM ORÍGENES
Uma retomada parcial do método dialético de Platão no con-
texto da Metafísica Medieval nos apresenta Orígenes.
O método utilizado pela razão para o alcance da lei do ser é
a dialética. Orígenes a concebe de acordo com a concepção platô-
nica – como passagem do princípio à multiplicidade, e vice- versa.
Assim, a dialética determina duas vias que expressam tanto o de-
senvolvimento da natureza como também o seu retorno ao prin-
cípio. Esse movimento dialético não é princípio formal da nossa
mente, mas a verdadeira lei do ser.
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9. DIALÉTICA MEDIEVAL
Durante o período da escolástica, a especulação filosófica
desvinculava-se, aos poucos, da vigilância religiosa e começava
a descrever a sua própria área de atuação. Vale observar que a
Santo Anselmo
Seguindo a tendência agostiniana, Anselmo destaca a impor-
tância da revelação que a verdade indubitável traz, a partir desta
se deve encaminhar toda especulação sensata. Qualquer tendên-
cia intelectual que não se sustenta no fundamento da fé não passa
de insipiência, já que a lei de todo conhecimento não é "enten-
do para crer", mas "creio para entender". Por conseguinte, a fé é
o pressuposto absoluto para o conhecimento verdadeiro. Sendo
apoiado pela fé, segundo Anselmo, o homem é capaz de entender
aquilo em que crê, pois a nossa razão é um presente de Deus e
temos que retribuir com sua ampliação. Nesse sentido, a fé, para
Anselmo, constitui o suporte metafísico para alcance da transcen-
dência divina e das verdades eternas.
Todavia, apesar da ênfase que atribui à fé, Anselmo afirma
que entre as verdades da fé e as verdades da razão não há dife-
rença insuperável. Ele não coloca limites para a razão. A especu-
lação filosófica, quando apoiada pela fé, será capaz de revelar os
segredos da religião cristã, tais como: encarnação do verbo (por
que Deus se tornou homem), o segredo da trindade e, é claro, a
existência de Deus.
© U2 - Metafísica Medieval 125
Abelardo
A tendência dialética entra em seu ponto culminante com
a especulação metafísica de Abelardo. Entre as obras de Abelar-
do, encontramos um livro curioso intitulado Sim e não. Trata-se
de uma reunião de diversos comentários das autoridades sobre as
questões mais fundamentais da religião cristã. Mas o interessante
é que os comentários são ordenados de modo antitético, ou seja,
para cada comentário de um autor existe outro comentário anti-
tético a este.
Segundo Gilson (2006), Abelardo retrata a contradição inter-
na da autoridade clerical e impõe a exigência de revisão desses
comentários a partir da investigação racional. Vale aqui esclarecer:
o que Abelardo chama de autoridade? No interior da Filosofia Me-
dieval, a autoridade é o texto autêntico que contém a revelação da
verdade divina. Abelardo não tem nada contra esse texto, muito
da sua teoria do status, esse impacto entre uma lógica do tipo pe-
ripatético e uma ontologia do tipo platônico.
O status, segundo Abelardo, é a determinação da própria coisa
(assim como é a forma aristotélica), no entanto, o lugar real do status é
o intelecto de Deus. Assim, o status praticamente assume característica
de ideia de Deus, da coisa concreta existente, porém, fora da coisa.
A partir da teoria do status, fica claro que é possível formar
mentalmente a noção geral de muitos objetos diferentes justa-
mente porque eles têm um status igual, estão num degrau de hie-
rarquia do ser. A noção de homem, por exemplo, é possível porque
Deus ordenou todos os homens num degrau ontológico. Aprofun-
daremos essa questão, como foi dito, em outro momento. Agora,
iremos analisar as propostas metafísicas de Tomás de Aquino, o
maior expoente da chamada Escolástica.
o corpo e, por isso, mais sensato seria pensar a alma não como
substância separada do corpo, mas como sua realização.
Vale relembrar que o conhecimento se realiza, também, por
meio dos sentidos corporais, sem os quais, nenhum conhecimento
é capaz de resultar.
Como conclusão, podemos dizer que a teoria metafísica de
Tomás exerceu uma influência profunda sobre as especulações fi-
losóficas na modernidade. Tomás é um dos principais responsáveis
pela transmissão do pensamento metafísico de Aristóteles, o qual
aparece para a modernidade numa nova versão – a versão tomista.
Avicena
Segundo Gilson (2006) a concepção filosófica de Avicena pro-
põe uma síntese entre a filosofia aristotélica e o neoplatonismo.
Segundo essa concepção, o mundo é eternamente produzido por
Deus eterno, o Uno, do qual emana a inteligência primeira. Desta,
por sua vez, emanam, gradativamente, outras inteligências, em or-
dem hierárquica, que, por fim, produzem o mundo sensível. Essa
concepção estabelece a eternidade da matéria, da qual se origina
a individuação. A metafísica de Avicena, como se pode observar,
encarna-se em ideias cosmológicas e oscila entre uma ontologia
do tipo panteísta, de Plotino, e o hylemorfismo aristotélico.
Averróis
Averróis é outro pensador árabe que causa maior impacto
sobre o pensamento medieval. Ele retorna ao pensamento aristo-
télico em sua forma mais ortodoxa e coloca em oposição a religião
e a Filosofia. Segundo Gilson (2006) Averróis privilegia as verda-
des da Filosofia, consideradas por ele como verdades absolutas,
dentre as quais, está a de Aristóteles. Vale notar que algumas das
teses de Averróis causam grande influência na Filosofia Medieval,
são as seguintes:
1) O mundo é criado ontologicamente por Deus, ou seja,
antes do tempo e, portanto, ele é eterno, apesar de de-
ver sua origem a Deus. Averróis ensina que Deus cria
imediatamente a primeira inteligência e dela derivam
todas as outras.
2) Se o mundo é eterno, então a matéria também é, sendo
o receptáculo de todas as formas.
3) A razão humana deriva da inteligência inferior que ema-
na de Deus. Conforme essa concepção, existe apenas um
único intelecto por meio do qual todos os homens pen-
sam. Essa ideia, por consequência, nega, por um lado, a
imortalidade individual, mas afirma, por outro, a eterni-
dade do mundo. Nesse sentido, ela se mostra incompa-
tível com os dogmas do cristianismo, segundo os quais o
mundo foi criado do nada e a alma é imortal.
Em geral, podemos dizer que, apesar da religião cristã, a
versão árabe da filosofia aristotélica e sua forte influência sobre
o pensamento medieval seriam os principais responsáveis pela re-
descoberta e pela reinserção do pensamento grego no discurso
da Metafísica Medieval durante século 13. Com tal redescoberta,
inicia-se uma grande mudança no pensamento medieval. A partir
daí, em pouco tempo, as obras de Aristóteles se transformam em
principal fonte de especulação.
Graças às obras de Alberto e Tomas de Aquino, o aristotelismo
transforma-se em doutrina oficial do catolicismo. É claro que o aris-
totelismo sofreu mudanças profundas para se adequar aos postula-
© U2 - Metafísica Medieval 143
A imortalidade da alma
Em sua doutrina sobre a imortalidade da alma, Boaventura segue
Agostinho, porém, enriquece-a com ideias aristotélicas. A maior preo-
cupação para Boaventura é a de não admitir uma identificação subs-
tancial da alma, nem com Deus, nem com o corpo humano. A principal
diferença entre a alma humana e Deus é que a primeira é criada, por-
tanto, não recebe a sua existência de si, mas de algo outro. Uma vez que
a alma aceita a sua vida de outra coisa, ela não poderá ser uma subs-
tância simples. Para aceitar algo, especula Boaventura (apud GILSON,
2006), a alma deve ter uma faculdade de receber. Essa faculdade de
receber é passiva, mas, segundo Aristóteles (2006), a passividade cabe
à matéria. A alma é, portanto, constituída como cada coisa de matéria e
forma, ou seja, ela é hylemórfica. Por meio da sua constituição hylemór-
fica, a alma difere de Deus, no qual não existe nenhuma passividade,
nenhuma matéria, mas é puro ato e pura forma.
A introdução da matéria na alma coloca o problema da imor-
talidade da alma, uma vez que a matéria é o princípio da transfor-
davia, existe uma relação comum entre eles, caso contrário, não
existiria a possibilidade do conhecimento de Deus.
Evidentemente, para tal fim, especula Duns Scot, não é sufi-
ciente o princípio da analogia, uma vez que uma adequação parcial
entre duas realidades não permite uma conclusão segura de um
para outro (in BARAÚNA et. al., 1973). Portanto, a possibilidade do
conhecimento de Deus é dada como identidade absoluta entre o
criado e a criação em suas qualidades de ser. A noção de ser é a no-
ção mais simples e, por isso, irredutível a outra noção. Essa noção
não se pode definir, pois cada definição pressupõe uma condição
de definição, que é o próprio ser e, logo, este prescinde de defini-
ção. O ser não se pode definir por meio de gêneros e espécies por-
que estes estão inclusos no ser. O ser é, portanto, transcendental,
na medida em que ultrapassa qualquer tipo de espécie e gênero.
As categorias também não podem definir o ser, pois elas se
aplicam apenas aos seres finitos e criados. Quando nos referimos
ao ser, utilizamos características super categoriais, tais como uno,
bem e belíssimo que são chamadas por Duns Scot de "afetos do
ser". Os afetos do ser podem ser de duas espécies:
1) Convertíveis: designam o ser por meio de um nome, por
exemplo: todo ser é uno, verdadeiro etc. Essas noções
transcendentais abrangem, por assim dizer, o ser por to-
dos os lados.
2) Disjuntivos: designa o ser a partir de duas noções con-
traditórias, mas complementares. Não podemos dizer
que todo ser é finito ou infinito, mas finito e infinito.
A diferença entre o ser e seus afetos é apenas formal, assim, a
unidade, a bondade, a verdade e a beleza são apenas aspectos formais
do ser. Nos transcendentais disjuntivos, referente a cada par, a ênfase cai
sobre aquelas características que definem o ser de Deus. Por isso, nós
não podemos concluir do ser necessário para o ser contingente, mas,
sim, o contrário, ou seja, do ser contingente para o ser necessário.
A relação entre o ser e suas características transcendentais
determina-se pela diferença objetivo-formal. Isso quer dizer que
© U2 - Metafísica Medieval 149
d) Orígenes.
e) Abelardo.
4) Autor da célebre frase "crer para compreender", que, de certo modo, sinte-
tiza como esse autor pensava a relação entre conhecimento e fé:
a) S. Tomás de Aquino.
b) S. Agostinho.
c) Duns Scot.
d) Abelardo.
e) Porfírio.
5) Qual das provas ontológicas sobre existência de Deus NÃO consiste em uma
das provas a posteriori, elaboradas por Santo Anselmo?
a) Se as coisas são boas, existe uma bondade absoluta.
b) Tudo no mundo está em devir, portanto, há, necessariamente, algo cria-
dor, Deus, que não está em devir, criador de todas as coisas.
c) Tudo o que existe, existe em virtude de algo; deve, portanto, haver um
ser supremo, a causa das coisas.
d) Os diversos graus de perfeição que existem devem remeter a uma perfeição.
e) Das grandezas qualitativas que existem remonta a uma suma grandeza.
6) Em relação à questão dos universais, a posição que sustentava não haver
nenhuma relação entre os nomes e as coisas era a posição:
a) Realista.
b) Realista moderada.
c) Realista radical.
d) Nominalista.
e) Idealista.
7) Segundo S. Tomás, são cinco as vias para provar a existência de Deus:
a) Via do movimento; da causa; da contingência; da perfeição; do finalismo.
b) Via do movimento; do repouso; do ser; do não-ser; do nada.
c) Via do movimento; do repouso; da criação; do ser; da perfeição.
d) Via do movimento; da criação; do ser; do nada; do finalismo.
e) Via do movimento; da contingência; do ser; do nada; do finalismo.
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) d.
2) e.
3) c.
4) b.
5) b.
6) d.
7) a.
© U2 - Metafísica Medieval 159
17. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você pode encontrar as principais teses me-
tafísicas do período medieval. Você estudou, também, que os
novos elementos introduzidos no discurso filosófico pelo cristia-
nismo estabeleceram um solo fértil para os debates teológicos e
metafísicos.
Num primeiro momento, a Patrística teve de adotar um dis-
curso de defesa da religião cristã, que, como vimos, ainda não era
bem vista aos olhos do Império Romano. Dentre os principais filó-
sofos desse período destaca-se Santo Agostinho, que, fortemente
influenciado pela filosofia platônica, ofereceu o primeiro sistema
filosófico consistente para sustentar a fé cristã em meio a um am-
biente pagão.
Outro grande período que você conheceu foi o período da
escolástica, em que se destacam as teses de Santo Tomás de Aqui-
no, que diferente de Agostinho, acabou sofrendo influências das
teses aristotélicas. O período medieval da Metafísica tem o seu fim
com Willian de Occam, cujas contribuições para as teses nomina-
listas encerram o período de discussão em torno dos universais e,
logo, a grande discussão medieval.
Na próxima unidade, você irá aprender as principais teses
metafísicas do período moderno, que se iniciará com a descoberta
do cogito feita por Descartes.
18. E-REFERÊNCIAS
Lista de figuras
Figura 1 A criação de Adão. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/6/63/The_Creation_of_Adam.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2010.
Figura 2 Santo Agostinho – teoria da iluminação. Disponível em: <http://www.lendo.org/
mais-30-citacoes-apaixonadas-sobre-livros/>. Acesso em: 10 nov. 2010.
Figura 4 Santo Agostinho. Disponível em: <http://www.csa.com.br/direcao/santo-
agostinho>. Acesso em: 10 nov. 2010.
3
1. OBJETIVOS
• Conhecer a nova proposta metafísica da modernidade.
• Compreender a Metafísica Moderna como base do co-
nhecimento científico.
• Relacionar as propostas metafísicas de Descartes, Spinoza
e Leibniz com relação à possibilidade de um conhecimen-
to científico rigoroso.
2. CONTEÚDOS
• A descoberta do cogito em René Descartes e o conheci-
mento seguro com base em um método.
• A Metafísica é a maneira dos geômetras em Spinoza.
• Leibniz e a harmonia preestabelecida.
162 © Metafísica I
Corpo e alma
Na segunda parte, Spinoza (1973) largamente analisa as
noções de corpo e de alma, uma vez que o homem é a união de
ambos os modos, compreendidos como modos dos atributos do
pensamento e da extensão. Com outras palavras, o homem é um
dos modos da extensão (corpo) e um dos modos do pensamento
(ideia). Assim, Spinoza (1973) estabelece um paralelo entre lógico
e ontológico. Conforme esse paralelo, cada ideia (lógico) possui
uma objeto extensivo (ontológico). Nesse sentido, o filósofo re-
conhece, no intelecto, a ideia de algo realmente existente. Nele
também se constitui o mundo das idéias, as quais possui como
pensamentos. Assim, como os pensamentos são expressões do in-
telecto, da mesma forma, as afecções são expressões do corpo.
Por meio destas, o corpo sente e percebe-se como tal.
Nesse sentido, Spinoza, diferentemente de Descartes, não
parte da autoconsciência, mas da percepção sensível, que per-
cebe, por meio dos afetos, o próprio corpo. A percepção sensível
© U3 - Metafísica Moderna 173
causa total de alguma coisa, mas apenas causa parcial. Nesse caso,
temos o conhecimento inadequado.
O conhecimento inadequado, para melhor esclarecer, surge
quando somos afetados por alguma coisa, mas não somos a causa.
O conhecimento adequado surge quando agimos, isto é, somos
causa total de alguma coisa. Vale observar, nesse caso, a importân-
cia das palavras ação e paixão. A causa do erro é, conforme esse
entendimento, o produto de um conhecimento inadequado.
As questões que dizem respeito à ação e à paixão, você irá
conhecer, a seguir, na exposição de Spinoza sobre os afetos.
A liberdade
O problema "liberdade", em Spinoza, deve ser tratado com o
devido cuidado, uma vez que a filosofia spinoziana descarta qual-
quer vontade livre ou livre arbítrio e, portanto, um espírito que
age livre e espontaneamente. Existe, porém, uma correspondên-
Os princípios
Uma das notáveis contribuições de Leibniz para o conhe-
cimento científico é a introdução de símbolos matemáticos que
possibilitam, de modo mais exato, as operações lógicas. Com essa
idéia de um cálculo universal, o filósofo aparece como um dos im-
portantes precursores da Lógica Moderna.
A liberdade
O problema da liberdade envolve uma questão difícil de ser
solucionada no interior da concepção monadológica de Leibniz,
visto que a harmonia preestabelecida implica o entendimento de
uma determinação prévia. Mas exatamente a dificuldade consiste
na incompatibilidade entre a harmonia preestabelecida e a liber-
dade. Leibniz resolve essa dificuldade a partir da noção de ação
espontânea da mônada, comum às substâncias espirituais. No en-
tanto, como ressalta Bréhier (1977, p. 229):
O ato livre, derivado, como todo o resto, da lei interna da môna-
da, manifesta uma espécie de determinismo racional. Mas – objeta
Arnauld a Leibniz, tal liberdade não implica qualquer responsabili-
dade da parte do autor do ato porque, se, por exemplo, a criação
de Adão com o pecado que implica sua noção, é objeto do decreto
divino, deve se dizer que Deus é autor do pecado, objeção que to-
dos os teólogos, desde Platão, se esforçam por refutar.
As provas metafísicas
Porque a monadologia e todas as suas implicações são con-
figuradas em torno da noção de Deus, Leibniz é forçado a postular
provas consistentes sobre a existência de Deus, uma vez que seu
sistema filosófico depende exclusivamente dele. Nesse sentido, Lei-
bniz (2009) recorre a quatro provas da existência de Deus, a saber:
1) Prova ontológica.
2) Prova cosmológica.
3) Prova a partir das verdades eternas.
4) Prova a partir da harmonia preestabelecida.
8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Analise os argumentos abaixo que estão propostos na obra cartesiana e, em
seguida, responda: em qual dos argumentos em busca do princípio ontológi-
co, Descartes discursa, criteriosamente, sobre o princípio da dúvida?
a) "Eis porque penso que as utilizarei, as argumentações que provam que
os sentidos enganam, mais prudentemente, se tomando um partido
contrário, empregar todos os esforços ao sentido de enganar-me a mim
mesmo, fingindo que todos esses pensamentos são falsos e imaginários:
até que tendo de tal modo avaliado meus preconceitos, eles não possam
fazer como que minha opinião tenda mais para um lado do que para
outro, e meu julgamento não mais seja, daqui por diante, dominado por
maus usos e afastado do caminho reto que pode conduzir ao conheci-
mento da verdade".
b) "Suporei, então, que não há um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte
da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador
do que poderoso que empregou toda sua indústria em enganar-me".
c) "Arquimedes, para tirar o Globo terrestre de seu lugar e transportá-lo
para outra parte, não pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e
seguro. Assim, terei o direito de conceber altas esperanças, se for bastan-
te feliz para encontrar somente uma coisa que seja certa e indubitável".
d) "Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo que não havia ne-
nhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me
persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu
existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma
coisa".
e) "Mas não me posso impedir de crer que as coisas corpóreas, cujas ima-
gens se formam pelo meu pensamento, e se apresentam aos sentidos,
sejam distintamente conhecidas do que essa não sei parte de mim mes-
mo que não apresenta à imaginação: embora, com efeito, seja uma coisa
bastante estranha que coisas que considero duvidosas e distantes sejam
mais claras e mais facilmente conhecidas por mim do que aquelas que
são verdadeiras e certas e que pertencem à minha própria natureza".
Gabarito
Confira, a seguir, as respostas corretas para as questões au-
toavaliativas propostas:
1) a.
2) c.
3) a.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo da Metafísica Moderna (dos racionalistas:
Descartes, Spinoza e Leibniz), terminamos o nosso percurso pro-
posto para o CRC Metafísica I. Você pôde conhecer os sistemas
filosóficos desses pensadores com relação aos problemas da Me-
tafísica Tradicional. Como você pôde perceber, esses filósofos fo-
ram fortemente influenciados pelas novas descobertas científicas
e procuraram desenvolver seus sistemas com o rigor das leis da
matemática, geometria e física, as quais conheceram um profundo
avanço durante a modernidade.
No entanto, a metafísica dos modernos ainda estava forte-
mente influenciada pelas teses da Metafísica Antiga e principal-
mente Medieval. As questões ainda giram em torno da existência
de Deus, da liberdade do homem e da constituição do mundo. En-
tretanto, o alvo que as discussões dos modernos procurou atingir
não é o estabelecimento de uma verdade para sustentar os pos-
tulados da fé cristã, como no caso da época medieval, os filóso-
fos modernos estão envolvidos em questões epistemológicas e a
Metafísica deve sustentar não a fé, mas o desenvolvimento da ci-
ência, tornando-se uma discussão sobre o fundamento de todo o
conhecimento.
Nesse sentido, também podemos, de certa forma, entrela-
çar a discussão dos modernos com a metafísica dos antigos gre-