Você está na página 1de 31

LEITURAS FILOSÓFICAS 2:

ARISTÓTELES
PROF. DR. FREDERICO BONALDO
Dr. Roberto Cezar de Oliveira
REITOR

Reitor:
Dr. Roberto Cezar de Oliveira
Pró-Reitoria Acadêmica
Maria Albertina Ferreira do
Nascimento
Diretoria EAD:
Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à Prof.a Dra. Gisele Caroline
UNINGÁ – Centro Universitário Ingá.
Novakowski
Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates
para reflexão: “a vida sem desafios não vale a
PRODUÇÃO DE MATERIAIS
pena ser vivida.”
Diagramação:
Cada um de nós tem uma grande responsabi- Alan Michel Bariani
lidade sobre as escolhas que fazemos, e essas Edson Dias Vieira
nos guiarão por toda a vida acadêmica e pro- Thiago Bruno Peraro
fissional, refletindo diretamente em nossa vida
pessoal e em nossas relações com a sociedade. Revisão Textual:
Hoje em dia, essa sociedade é exigente e bus-
ca por tecnologia, informação e conhecimento Camila Cristiane Moreschi
advindos de profissionais que possuam novas Danielly de Oliveira Nascimento
habilidades para liderança e sobrevivência no Fernando Sachetti Bomfim
mercado de trabalho. Luana Luciano de Oliveira
De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos Patrícia Garcia Costa
aproximado cada vez mais de pessoas, dimi- Renata Rafaela de Oliveira
nuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos
proporcionando momentos inesquecíveis. As- Produção Audiovisual:
sim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Adriano Vieira Marques
Distância, a proporcionar um ensino de quali- Márcio Alexandre Júnior Lara
dade, capaz de formar cidadãos integrantes de Osmar da Conceição Calisto
uma sociedade justa, preparados para o mer-
cado de trabalho, como planejadores e líderes Gestão de Produção:
atuantes.
Cristiane Alves
Que esta nova caminhada lhes traga muita ex-
periência, conhecimento e sucesso.

© Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114
UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA

01
DISCIPLINA:
LEITURAS FILOSÓFICAS 2: ARISTÓTELES

ARISTÓTELES: BIOGRAFIA, OBRAS E


COMPARAÇÃO COM PLATÃO
PROF. DR. FREDERICO BONALDO

SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO..............................................................................................................................................................4
1. TRAÇOS BIOGRÁFICOS DE ARISTÓTELES ..........................................................................................................6
1.1 INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA................................................................................................................................6
1.2 O PRIMEIRO PERÍODO ATENIENSE...................................................................................................................6
1.3 MAIS DE UMA DÉCADA LONGE DE ATENAS......................................................................................................8
1.4 O SEGUNDO PERÍODO ATENIENSE....................................................................................................................8
2. OS TEMAS DOS ESCRITOS ARISTOTÉLICOS......................................................................................................9
3. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE AS FILOSOFIAS DE ARISTÓTELES E PLATÃO..........................11
3.1 A IMANÊNCIA DOS UNIVERSAIS....................................................................................................................... 12
3.2 DIFERENÇAS QUANTO AOS INTERESSES, AO MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO E À CENTRALIDADE DA
FILOSOFIA.................................................................................................................................................................. 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................................................... 15

WWW.UNINGA.BR 3
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

INTRODUÇÃO

Num período de menos de 300 anos (entre os sécs. VI e IV a.C.), a Grécia foi o palco
do surgimento, da maturação e da consolidação da filosofia. Pode-se dizer, grosso modo, que
ela surgiu com os pré-socráticos, amadureceu com Sócrates e Platão, e alcançou um elevado
patamar de solidez e clareza graças a Aristóteles. Entre todos os pensadores dessa época, os que
mais influxo exerceram sobre a filosofia nos mais de dois milênios vindouros foram precisamente
Platão e Aristóteles.
Sobre Platão, são célebres estas palavras pronunciadas pelo filósofo e matemático britânico
Alfred North Whitehead, no fim da década de 1920, em Edimburgo, Escócia:

A caracterização mais segura da tradição filosófica europeia é que ela consiste


numa série de notas de rodapé a Platão. Não me refiro ao esquema sistemático
de pensamento que os eruditos extraíram duvidosamente dos seus escritos.
Aludo à riqueza de ideias gerais espalhadas ao longo deles. Os seus dotes
pessoais, as suas amplas oportunidades de experiência num grande período

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


civilizacional, a sua herança de uma tradição intelectual ainda não endurecida
pela sistematização excessiva fizeram dos seus escritos uma mina inesgotável de
sugestão (WHITEHEAD, 1978).

Ou seja, segundo Whitehead, Platão foi o responsável por suscitar todos ou a imensa
maioria dos temas sobre os quais os filósofos posteriores se debruçaram. Ele os “colocou sobre a
mesa” de modo tal que os demais têm podido apreciá-los e buscar ordená-los segundo a estrutura
com a qual a realidade se apresenta a todos nós.
Muito menos conhecidas – mas, ao meu juízo, igualmente acertadas – são os termos com
os quais o filósofo norte-americano Mortimer Adler enaltece a figura de Aristóteles no estudo da
filosofia:

Há muito tempo creio que todos deveriam ocupar-se de filosofia – mas não para
obter mais informações sobre o mundo, sobre a sociedade ou sobre nós mesmos.
[…] A filosofia nos é útil de outro jeito – ela nos ajuda a compreender coisas
que já sabemos, a compreendê-las melhor do que agora. […] Para servir a esse
propósito, não há professor melhor do que Aristóteles. Não hesito em recomendá-
lo como o primeiro professor. […]. Platão propôs quase todas as questões
com que havemos de deparar; Aristóteles também as propôs, e ainda ofereceu
respostas claras a elas. Platão ensinou Aristóteles a pensar filosoficamente, mas
ele aprendeu tão bem a lição que se tornou o melhor professor para todos nós
(ADLER, 2010).

O autor de Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Diógenes Laércio (séc. III d.C.), conta
que um jovem ateniense chamado Aristocles recebeu do seu instrutor de ginástica o apelido de
Πλάτων (Pláton; daí Platão), isto é, “aquele que tem ombros largos”. No texto citado de Adler,
citado anteriormente, vê-se que esse jovem chegou a possuir também uma amplitude mental tão
larga que foi capaz de sustentar um autêntico colosso intelectual, Aristóteles, cujo pensamento
possui como eixo central uma tese que se opõe frontalmente ao cerne da filosofia platônica: os
seres individuais e sensíveis (este homem, esta lagoa, este cavalo, esta flor) – e não as Formas do
mundo inteligível concebido por Platão (o Homem, a Lagoa, o Cavalo, a Flor) – são os sujeitos,
os suportes de todas as outras coisas (as espécies às quais pertencem e os gêneros que abrangem
essas espécies); são as substâncias primeiras, que, se não existissem, nada mais poderia existir.

WWW.UNINGA.BR 4
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


Figura 1 – Pormenor central da pintura Escola de Atenas, de Rafael Sanzio. Platão – à esquerda, portando o Timeu
e apontando para o mundo inteligível – e Aristóteles – à direita, segurando a Ética e assinalando o mundo sensível.
Fonte: Arte e Artista (2020).

Nesta disciplina, estudaremos a obra Categorias, uma das primeiríssimas produzidas pelo
gênio aristotélico e que já apresenta explicitamente a tese que se acaba de apontar. Ela guiou
todos os grandes tratados de Aristóteles e tem sido examinada, sem ter sido exaurida, até os dias
de hoje.
Antes, porém, nesta Unidade I, veremos os aspectos mais salientes da vida desse filósofo,
os temas das suas obras e uma breve comparação entre o seu filosofar com o do seu mestre
Platão, a fim de reforçar um ponto já aprendido por vocês em História da Filosofia Antiga, o
qual também lhes servirá como que de vestíbulo para outras disciplinas que cursarão na nossa
graduação.
Na Unidade II, teremos a oportunidade de ver panoramicamente a estrutura da obra
aristotélica Categorias e de aprofundar nas partes desse tratado que examinam cada uma das
dez categorias que Aristóteles assinala como constituintes do ser material. Ademais, a modo
de suplemento histórico-filosófico, iremos nos deter na avaliação que um importante filósofo
posterior fez do livro das Categorias: Immanuel Kant.

WWW.UNINGA.BR 5
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

1. TRAÇOS BIOGRÁFICOS DE ARISTÓTELES

1.1 Infância e Adolescência


Aristóteles nasceu em 384 a.C, na cidade de Estagira, pertencente à colônia grega da
Calcídica, hoje parte da Região administrativa da Macedônia Central, na Grécia. Em razão da sua
cidade-natal, Aristóteles é frequentemente chamado de o Estagirita.

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


Figura 2 – Cidades em que Aristóteles viveu. Fonte: O autor.

Na época, a Macedônia tinha um rei, Amintas III, de quem o pai de Aristóteles – Nicômaco
– era médico. Há quem lhe atribua a redação de seis livros de medicina e um sobre física. A mãe
do futuro filósofo chamava-se Féstis e nascera na cidade de Cálcis, na ilha de Eubeia, local onde
Aristóteles passou os seus últimos meses de vida; Féstis pertencia a uma família de médicos.
Com a morte de Nicômaco, em 370 a.C., o adolescente Aristóteles foi adotado por Proxeno
de Artaneu – que talvez fosse seu tio –, e permaneceu aos seus cuidados até os 17 anos de idade,
quando Proxeno o enviou a Atenas para estudar na Academia fundada por Platão.

1.2 O Primeiro Período Ateniense


O ingresso de Aristóteles na Academia ocorreu na segunda metade do século IV a.C.,
entre os anos de 368 e 367. Eram tempos em que os atenienses ansiavam por paz e riqueza, após
mais de cem anos em que a cidade esteve ininterruptamente envolvida em guerras; com efeito,
Atenas estava voltada para o comércio e para a atividade bancária, transformando-se no principal
polo comercial na região do mar Egeu.

WWW.UNINGA.BR 6
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Esta nova orientação da cidade também alterou o enfoque educacional da juventude.


Se antes a ênfase era posta na educação física dos jovens, agora construíam-se edifícios em que
lhes era oferecida uma formação programática em retórica e filosofia. No campo da retórica,
adquiriram prestígio as escolas inauguradas por Isócrates e Alcídamas. Já na seara filosófica,
destacaram-se dois centros de ensino que contavam com a presença de discípulos de Sócrates: o
Cinosargo, que teve Antístenes como professor, e a Academia, constituída e dirigida por Platão, e
situada na região norte de Atenas, num bosque dedicado ao antigo herói Academo.
Quando Aristóteles iniciou os estudos na Academia, esta já tinha cerca de vinte anos
de existência e Platão encontrava-se pela segunda vez em Siracusa, na Sicília, imbuído do
intento de educar filosoficamente o novo e jovem soberano local Dionísio II – empreendimento
inicialmente frutífero, mas logo fracassado. Nessa época, Eudóxio assumiu a direção da Academia,
imprimindo-lhe um estilo mais retórico que filosófico, com o qual se questionavam nos debates
entre professores e alunos, até mesmo pressupostos fundamentais do pensamento platônico.
Quando do seu retorno a Atenas, Platão reassumiu a direção da Academia e retomou na
instituição a prevalência das discussões filosófico-científicas, em detrimento das filo-retóricas que
ali se haviam instalado na sua ausência. Foi então que Aristóteles escreveu a sua primeira obra,
intitulada Grilo – em homenagem a Grilo, filho de Xenofonte (um soldado que fora discípulo de
Sócrates), morto poucos anos antes na batalha de Mantineia, travada entre Atenas e Esparta, de

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


um lado, e Tebas, de outro. Também conhecido sob o título Sobre a retórica, essa obra inaugural
do Estagirita – cuja integralidade foi perdida, tendo chegado até nós somente alguns fragmentos
– impugna a arte retórica tal como concebida e ensinada por Isócrates (voltada tão somente para
a adulação dos espectadores, mediante a moção dos seus sentimentos) e propugna uma atividade
retórica baseada na dialética, isto é, no diálogo e na discussão.
Entre os estudantes da Academia, Aristóteles chamava a atenção por uma peculiaridade:
preferia a leitura e a especulação solitária em vez do diálogo comunitário de feição socrática, que
era a base do modo de ensinar adotado por Platão. Em razão disto, Patão deu-lhe o apelido de
ο νους (ho nous = “a mente”). Ao que parece, este apodo tinha algo de troça, mas sobretudo de
elogio, uma vez que, apesar da diferença de idade, ambos cultivavam uma estima mútua e porque
não faltavam a Aristóteles os dotes retóricos; com efeito, numa biografia do Estagirita, atribui-se
a Platão a frase “Quando falta ‘a mente’, o auditório ensurdece”, de modo a sublinhar o interesse
que as exposições de Aristóteles suscitavam nos seus ouvintes.
Com a morte de Platão em 348, a Academia ficou sob a direção de Espeusipo, sobrinho do
fundador, com o qual o Estagirita, supostamente, não mantinha uma boa relação em decorrência
de discrepâncias filosóficas ou de outra índole. Além disso, a sua condição de estrangeiro em
Atenas desprovia-o dos direitos básicos dos cidadãos desta polis, obrigava-o a pagar uma taxa
à cidade e a procurar a proteção jurídica de um cidadão ateniense. Assim, após duas décadas
de estudos, Aristóteles deixou a Academia e mudou-se para Assos, no noroeste da Ásia Menor
(atualmente, território da Turquia), onde o tirano Hérmias – politicamente ligado ao rei Felipe II
da Macedônia, região em que a cidade natal do Estagirita estava situada – teria doado um terreno
a três filósofos egressos da Academia platônica (dentre os quais se contava Aristóteles) para que
ali fundassem uma escola.

WWW.UNINGA.BR 7
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

1.3 Mais de uma Década Longe de Atenas


Desde a sua saída da Academia e de Atenas até o seu retorno a esta cidade, quando fundou
ali o Liceu, passaram-se treze anos. Nesse ínterim, Aristóteles viveu em Assos – onde parece ter
tido como discípulo, entre outros, Teofrasto, que o sucedeu na direção do centro de estudos
que viria a fundar em Atenas, além de ter se casado com Pítia, parente de Hérmias, com quem
teve uma filha que recebeu o mesmo nome da mãe, de quem Aristóteles enviuvou em 335 –, em
Mitilene, aonde chegou em 345, e, no ano seguinte, em Pela, capital da sua Macedônia natal,
convocado por Felipe II para ser o tutor de Alexandre, herdeiro do seu trono (que dali a alguns
anos, começou a executar o projeto de helenização do mundo oriental, elaborado pelo seu pai,
tendo conquistado as cidades-estados ou poleis gregas, bem como todo o império persa; daí ter
recebido a alcunha de Magno, isto é, o Grande).
Quando da ascensão de Alexandre ao trono da Macedônia, em 340, Aristóteles voltou
a residir em Estagira. Cinco anos depois, mudou-se com a família para Atenas, onde fundou
uma escola filosófica que recebeu o nome de Liceu, pois funcionava em edifícios próximos a
um templo em que se cultuava o deus Apolo sob a representação escultórica de um protetor dos
rebanhos contra os lobos (o termo grego Λύκειος – Lýkeios ou Lício – parece significar “lobo que
combate inimigos” ou “nascido de uma loba”).

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


1.4 O Segundo Período Ateniense
Nessa época, Aristóteles enviuvou e casou-se com Hérpilis, que talvez fosse uma serva
sua. Tiveram um filho que recebeu o nome do seu avô paterno, Nicômaco; ao seu herdeiro está
dedicada a mais importante obra de filosofia moral do Estagirita, a Ética a Nicômaco.
O Liceu também era conhecido como Peripatos (de περίπατος, “passeio”) e os seus alunos,
como peripatéticos, pois Aristóteles costumava dar aulas caminhando com os seus discípulos
pelos jardins dos edifícios em que essa escola funcionava. Atualmente, o termo “perípato” denota
o próprio sistema de pensamento de Aristóteles.
Segundo Yarza de la Sierra:

[o] Liceu alcançou grande prestígio rapidamente, a ponto de eclipsar a Academia.


No entanto, o ideal pedagógico de Aristóteles não era diferente do que se
aprendia na Academia, isto é, uma instrução enciclopédica, mas orientada pelo
espírito filosófico e científico de Aristóteles, que não compartilhava da tendência
platônica de unificar todo o saber em apenas uma disciplina (SIERRA, 2021).

Figura 3 – Vista aérea do sítio arqueológico do Liceu de Aristóteles. Fonte: Viajonários (2019).

WWW.UNINGA.BR 8
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Desde 331, Atenas era governada pelo general macedônio Antípatro. Diferentemente
do ocorrido em outras poleis gregas, os cidadãos atenienses mais influentes foram contrários à
rebelião contra a ocupação macedônica. Contudo, a hostilidade física dos atenienses contra os
macedônios inflamou-se fortemente a partir de 324 e, sobretudo, em 323, quando se inteiraram
da morte de Alexandre Magno. Uma vez que, pela sua origem, Aristóteles era reputado como
próximo dos ocupantes macedônios, foi acusado de impiedade pelos atenienses, que se
prontificaram a processá-lo judicialmente por este delito. Diferentemente de Sócrates, que fora
executado na cidade setenta e seis anos antes em decorrência da mesma imputação criminal,
Aristóteles decidiu abandonar Atenas rumo a Cálcis, a cidade natal da sua mãe, deixando o Liceu
sob a regência de Teofrasto. A tradição afirma que, ao deixar Atenas, o Estagirita teria dito: “Não
deixarei que os atenienses pequem duas vezes contra a filosofia”.
Aristóteles faleceu nessa cidade, em 322, aos 62 anos de idade, possivelmente como
consequência de uma doença estomacal. Antes, redigira o seu testamento, no qual dispôs que os
seus bens fossem destinados à sua mulher, aos seus filhos, aos seus amigos mais próximos e aos
seus servos, bem como que os deuses Zeus e Atena fossem honrados em seu nome.
O legado intelectual aristotélico foi de capital importância no desenvolvimento da
filosofia europeia, sobretudo na Idade média. A partir da segunda metade do séc. XX, a filosofia
do Estagirita foi reabilitada com muito entusiasmo em todo o mundo e, desde então, vem sendo

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


sempre mais estudada, tanto em si mesma como em cotejo com concepções filosóficas modernas
e contemporâneas.

2. OS TEMAS DOS ESCRITOS ARISTOTÉLICOS

Uma síntese bem-sucedida da caracterização geral e da ordem das obras de Aristóteles


que chegaram até nós (o denominado corpus aristotelicum) foi realizada por Ignacio Yarza. Então,
no que segue, apresenta-se a versão traduzida ao português dessa síntese (para a versão original
em espanhol, consulte-se ibidem, ponto 2).

Os escritos de Aristóteles dividem-se em dois grandes grupos: os exotéricos


(ἐξωτερικός = ‘externo’) – compostos em forma de diálogo e destinados ao
grande público – e os escritos esotéricos (ἐσωτερικός = ‘interno’), que foram o
fruto e a base da atividade didática de Aristóteles, destinados apenas aos seus
discípulos, sendo, portanto, patrimônio exclusivo da escola. Esses escritos
também são designados como ἀκροατικοὶ λόγοι (akroatikoi lógoi = ‘lições de
aula’), discursos e lições orais, uma vez que foram escritos com esta finalidade, e
não para ser publicados.
O primeiro grupo de escritos perdeu-se quase por completo; chegaram até nós
somente alguns títulos e fragmentos. Talvez o primeiro escrito exotérico tenha
sido o já mencionado Grilo ou Sobre a retórica, ao passo que os últimos foram
o Protréptico ou Sobre a filosofia. Outros escritos juvenis foram Sobre as ideias,
Sobre o bem e o Eudemo.
Em relação à maioria das obras de escola, ocorreu totalmente o contrário;
estas tratam de todos os problemas filosóficos e de alguns ramos das ciências
naturais. Na ordem atual do corpus aristotelicum, aparece, em primeiro lugar,
o Órganon, que é o título com o qual – a partir de Andrônico de Rodes (séc. I
a.C.) – são designados os seus tratados de lógica. Estes são: Categorias, Sobre a
interpretação (ou Peri Hermeneias), Primeiros analíticos, Segundos analíticos,
Tópicos e Refutações sofísticas. Seguem-se a estes as obras de filosofia natural:
Física, Sobre o céu, Sobre a geração e a corrupção e os Meteorológicos.

WWW.UNINGA.BR 9
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Conectadas a estas obras encontram-se aquelas sobre temas de psicologia: Sobre


a alma e um grupo de opúsculos recolhidos sob o título de Parva naturalia (=
pequenos tratados sobre a natureza). A obra mais famosa, formada por catorze
livros, é a Metafísica. Depois, vêm os tratados de filosofia moral e política: Ética
a Nicômaco, Ética a Eudemo, Grande Ética – considerada como inautêntica por
quase todos os intérpretes – e Política. Por último, é preciso assinalar a Poética
e a Retórica. Entre as dedicadas às ciências naturais, podem ser recordadas
História dos animais, Partes dos animais, Geração dos animais, Locomoção dos
animais e Movimento dos animais – obras que dizem mais respeito à história da
ciência do que à filosofia.
A disposição das obras de Aristóteles num corpus parece corresponder mais
à visão estoica da filosofia, própria de Andrônico, do que às intenções de
Aristóteles. Com grande probabilidade, foi Andrônico que, em muitos casos,
reuniu, intitulou e ordenou os escritos de Aristóteles até que formassem um
corpus, isto é, um conjunto de obras pretensamente sistemático, no qual umas
se subordinam a outras. A própria consideração das obras lógicas não como
um saber independente, mas como um instrumento (ὄργανον = órganon) que
permite que se tenha acesso a um saber posterior, qual seja, a física, para depois
concluir na ética, corresponde à concepção estoica da filosofia. No entanto,
isto não significa que os diversos tratados escritos por Aristóteles não tenham
relação entre si nem que o seu pensamento metafísico, em muitos casos, deixe de

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


ser a chave para que se compreenda a sua visão da realidade.
O modo habitual de citar-se as obras de Aristóteles é o que foi estabelecido
por Immanuel Bekker, na sua edição de 1831: título da obra; número do livro
e do capítulo, quando for o caso; página; coluna (a ou b); e linhas, até o número
máximo de 44 (por exemplo: Metafísica, I, 1, 980 a 21 – 981 b 25). Uma vez que
a numeração das páginas é contínua, não seriam necessários, a rigor, todos estes
dados para que algum texto fosse encontrado nas suas obras; bastaria que se
assinalasse a página, a coluna e a linha.
A questão da ordem cronológica das obras de Aristóteles em conexão com o
problema da gênese do seu pensamento preocupou os historiadores do século
passado. Embora eles tenham conseguido dar um notável impulso ao estudo
da filosofia aristotélica, não puderam chegar a conclusões definitivas sobre este
tema.
Em linhas gerais, pode-se dizer que as obras exotéricas pertencem aos anos em
que Aristóteles permaneceu na Academia (366-347). Nesses escritos, o estilo e,
em grande parte, a doutrina levam a pensar num acentuado influxo platônico.
Nos escritos esotéricos, pelo contrário, destinados à atividade didática, de
grande densidade doutrinária, com um estilo muitas vezes árido e possivelmente
corrigido pelo próprio Aristóteles com o passar do tempo, não é possível
estabelecer uma cronologia precisa e livre de problemas (YARZA, 2015).

Aristóteles escreveu até 200 tratados e outras obras que cobrem todas as áreas
da filosofia e da ciência. Nenhuma sobrevive de forma acabada. As pouco mais
de 30 obras pelas quais seu pensamento foi transmitido aos séculos posteriores
consistem em notas de aula (escritas pelo próprio Aristóteles ou por alunos
seus) e rascunhos de manuscritos editados por estudiosos antigos, notadamente
Andrônico de Rodes (século I a.C.). Também há muitas obras que foram atribuídas
a Aristóteles e que depois se revelaram inautênticas; algumas delas são Problemas
inéditos de medicina, Sobre a pedra, Livro da maçã e Segredo dos segredos.

WWW.UNINGA.BR 10
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


Quadro 1 – Temas das obras de Aristóteles. Fonte: O autor.

Para uma visão bem mais ampla e detalhada do riquíssimo


pensamento aristotélico, veja-se: http://www.philosophica.info/
archivo/2015/voces/aristoteles/Aristoteles.html.

3. CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE AS FILOSOFIAS DE


ARISTÓTELES E PLATÃO

Vejamos o posicionamento de Aristóteles a respeito da filosofia de Platão. Como


advertência preliminar, cabe dizer que a crítica e negação por parte do Estagirita à doutrina
das Ideias do seu mestre não se trata propriamente de uma oposição ao pensamento platônico,
mas do intento de aperfeiçoá-la e desenvolvê-la, procurando mostrar que as formas ideais e
imateriais se situam precisamente dentro das realidades individuais e sensíveis, e não num τόπος
ὑπερουράνιος (topos hyperurânios = lugar supra celeste), isto é, o mundo inteligível concebido
por Platão.

WWW.UNINGA.BR 11
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

3.1 A Imanência dos Universais


Platão assevera que as Ideias do mundo inteligível são as causas das realidades individuais
do mundo inteligível. Segundo ele, cada ser humano, cada árvore e cada cão presentes neste
nosso âmbito sensível têm correspondência com as Ideias perfeitas e universais de Ser Humano,
de Árvore e de Cão situadas no lugar supra celeste, as quais subsistem (existem por si mesmas)
e causam a existência das primeiras. Ainda que, de alguma maneira, elas estejam no interior das
coisas sensíveis – pois estas só existem porque se relacionam por via de participação com as Ideias
–, em si mesmas, elas estão fora das coisas sensíveis, isto é, são transcendentes. (“Transcendente”
origina-se da união dos termos latinos trans – além – e scandere – subir. Ou seja, é aquilo que sobe
além ou que está acima do “imanente” – que, por sua vez, deriva da junção dos vocábulos latinos
in – dentro – e manere – permanecer –, isto é, aquilo que permanece dentro, que se contrapõe
àquilo que sobe além. Em suma, as realidades materiais são imanentes ao mundo sensível, ao
passo que as Ideias são transcendentes ao mundo sensível.)
Aristóteles compartilha com o seu mestre a convicção de que há realidades imateriais
que constituem a substância, essência ou fundamento das realidades materiais, porém considera
desnecessário localizá-las num plano transcendente, onde subsistiriam (Suponho que Aristóteles
tenha concluído ser desnecessário pensar num mundo suprassensível em que as substâncias das

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


coisas estariam situadas em razão da sua descoberta de que as coisas têm certas características
em ato e outras em potência, o que explica que elas podem sofrer mudanças acidentais ou
substanciais; uma vez que, no caso das mudanças substanciais, por exemplo, uma planta que se
torna cinzas após ser incinerada, o que permanece depois da transformação é a materialidade, o
Estagirita inferiu que todas as coisas corpóreas são, na sua essência imaterial, compostas de dois
elementos subjacentes à sua matéria: a pura potencialidade de vir a ser alguma coisa – a matéria
prima – e a concretização dessa pura potencialidade em alguma coisa – a forma substancial –.
Desse modo, a forma imaterial que confere a substância a uma coisa corpórea encontra-se no
mundo sensível ou imanente, e não no inteligível ou transcendente). Antes pelo contrário, afirma
que a forma imaterial que as causa e sustenta encontra-se inteiramente dentro delas mesmas.
Assim, as formas imateriais que causariam a existência deste ser humano concreto, desta árvore
específica ou deste cão particular situam-se neles próprios, permeando toda a sua materialidade;
dito de outro modo, as formas imateriais são imanentes às coisas corpóreas, ao mundo sensível.
Por outro lado, Platão concebe as Ideias (o Ser Humano, a Árvore, o Cão) como universais,
isto é, como realidades transcendentes, perfeitas e subsistentes, das quais as realidades sensíveis –
imanentes, imperfeitas e individuais – participam ou são uma cópia, uma sombra, uma imitação.
Já para Aristóteles, os universais são conceitos que, com a nossa mente, abstraímos das formas
imateriais de cada realidade corpórea (na verdade, para designar a ideia de homem, árvore, cão
etc., Aristóteles não emprega o vocábulo “universais”, mas a expressão “substâncias segundas”
[as “substâncias primeiras” são este homem, esta árvore, este cão etc.]. O termo “universais”
começou a ser usado na Escolástica medieval (séc. XI a XIV), quando houve intensos debates
acerca da sua existência). Ou seja, os universais são extraídos das coisas individuais, mas existem
propriamente nas nossas mentes, como os gêneros e as espécies que reúnem as coisas individuais
de modo lógico, conceitual. Nesta explicação aristotélica dos universais, é importante salientar
que os universais das coisas não coincidem com as formas imateriais que causam a existência
delas. Por exemplo: tenho diante de mim o ser humano individual Cíntia, que é causado pela
forma imaterial que permeia toda a materialidade de Cíntia; no entanto, o conceito universal de
ser humano que depreendo da forma imaterial de Cíntia encontra-se no meu intelecto, e não em
Cíntia; em outras palavras, a forma imaterial de Cíntia tem a potencialidade de causar no meu
intelecto o conceito lógico ser humano, que abstraio dela quando a vejo e com o qual passo a
classificá-la mentalmente.

WWW.UNINGA.BR 12
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Em suma, as formas imateriais são imanentes aos indivíduos corpóreos e os universais são
imanentes ao intelecto humano que apreende as formas imateriais.
Apesar de retirar as formas imateriais e os universais do mundo transcendente, Aristóteles
não só não nega que há um mundo transcendente como afirma explicitamente a sua existência.
Com efeito, para ele, a causa do mundo sensível é o princípio que produz mudanças em todas as
coisas e não pode ser mudado por nada, pois está plenamente atualizado, é ato puro, desprovido
de toda potência passiva: Deus. E não se trata de um princípio apenas inteligível, passível de ser
entendido pelo ser humano – como eram as Ideias de Platão –, mas também de um princípio
inteligente em grau máximo.
Outro aprimoramento operado pelo Estagirita na ontologia de Platão diz respeito ao
modo de explicar a primazia da forma sobre a matéria. Para Platão, as formas têm primazia sobre
a matéria por serem as Ideias do topos hyperurânios, enquanto a matéria são as coisas do mundo
sensível, as quais participam das Ideias e por elas são causadas. Embora Aristóteles considere que
as formas imateriais residem nas coisas sensíveis mesmas, são aquelas que causam e sustentam a
materialidade destas últimas, possuindo assim primazia em relação a elas. Desse modo, a filosofia
aristotélica, ao mesmo tempo em que nega a transcendência das Ideias, salvaguarda a realidade
material e submete-a à imaterialidade da sua forma – a qual, no fim das contas, continua a
depender da transcendência de Deus, o ato puro que tudo causa e não é causado.

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


Aristóteles consegue dar uma solução definitiva à questão que mais critica
em Platão, a saber, a relação entre o mundo temporal e o mundo eterno? A sua
descoberta do ato puro, Deus, como causa de todas as coisas temporais justifica
cabalmente a múltipla presença deste Ser no mundo sensível?

3.2 Diferenças quanto aos Interesses, ao Método de Investigação e à Cen-


tralidade da Filosofia
Em relação aos interesses de ambos os filósofos, podem-se destacar dois aspectos: a
religiosidade e o gênero preferido de ciências. Nos diálogos platônicos, a profunda religiosidade do
autor é patente, frequentemente manifestada de modo poético. Nos escritos aristotélicos, embora
a realidade divina seja posta num lugar privilegiado, a tônica é o estudo de problemas teóricos,
aos quais se aplica uma metodologia científica rigorosa. Por outro lado, Platão opta por explorar
muito mais a ciência matemática do que as ciências empíricas, ao passo que Aristóteles debruça-
se primordialmente sobre os acontecimentos naturais e sensíveis, desenvolvendo amplamente as
ciências empíricas que versam sobre eles.
No que tange o método de pesquisar a realidade, fica evidente nos seus diálogos que
Platão aborda múltiplos assuntos, mistura-os e torna a tratá-los separadamente. Aristóteles,
por sua vez, notabilizou-se por iniciar os seus escritos estipulando o seu objeto de estudo e a
perspectiva metodológica mediante a qual o explorará (pelas razões que se aduzirão mais adiante,
as Categorias fogem a este critério). Quanto ao estilo redacional, os dois pensadores também
discrepam nitidamente. Enquanto Platão se vale em profusão de metáforas, alegorias e força
poética, Aristóteles prima pelo uso preciso e técnico dos termos, proposições e raciocínios.

WWW.UNINGA.BR 13
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

No tocante à centralidade que cada um confere à filosofia, observa-se uma diferença


de importância superior às mencionadas anteriormente. A filosofia de Platão tende a atrair
para si todos os demais campos do conhecimento, de modo a tornar-se um saber sintético e
unitário. Já Aristóteles – ao mesmo tempo em que considera a filosofia primeira (que veio a ser
chamada de metafísica ou ontologia) a ciência mais alta – desenvolve o seu pensar filosófico
procurando identificar e resguardar as fronteiras das outras áreas do saber humano, convencido
de que possuem autonomia e peculiaridades que devem ser fundamentadas na filosofia, mas não
apropriadas por ela. Esta postura faz da filosofia aristotélica um conhecimento de índole menos
sistemática e mais aberta a desenvolvimentos subsequentes, que foi o que realmente ocorreu ao
longo da história por meio de grandes comentadores das suas obras – máxime por Tomás de
Aquino, no séc. XIII d.C.

Uma exitosa explanação geral da figura e do pensamento de


Aristóteles, da relação da sua filosofia com a platônica e das
linhas-mestras da sua ética pode ser vista no vídeo: QUEM SOMOS

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


NÓS?. Pensadores Parte I – Aristóteles com Roberto Bolzani Filho.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ljUSxO8O898.

WWW.UNINGA.BR 14
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto nesta unidade, podem-se destacar os seguintes pontos:

1. Aristóteles tem uma obra filosófica tematicamente vasta e profunda. Mas, se quisermos
procurar o núcleo em torno do qual orbitam todas as suas múltiplas teses e considerações,
encontrá-lo-emos nesta asserção: a causas imateriais dos seres materiais e sensíveis são as
substâncias que se encontram neles mesmos;
2. A biografia de um filósofo auxilia no entendimento da sua filosofia. Por isto, é de valia
reter ao menos os lugares em que Aristóteles viveu e por quanto tempo:

a) Estagira (1): durante os seus primeiros 17 anos de vida.


b) Atenas (1): ao longo dos 20 anos em que estudou na Academia de Platão.
c) Assos: durante 2 anos, após deixar a Academia platônica;
d) Mitilene: por um ano, logo depois do período que viveu em Assos;
e) Pela: durante 4 anos, tempo em que foi tutor do futuro Alexandre Magno;

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 1


f) Estagira (2): ao longo de 5 anos, após ter deixado de ser tutor de Alexandre da Macedônia
e antes de retornar a Atenas para fundar o Liceu;
g) Atenas (2): por 12 anos, período em que fundou e esteve à frente do Liceu;
h) Cálcis: ao longo de um ano, após ter fugido de Atenas; ali, faleceu.

3. As obras do Estagirita que chegaram a nós são os seus escritos esotéricos (conhecidos
como corpus aristotelicum), isto é, aqueles destinados aos seus discípulos do Liceu, de grande
profundidade doutrinária. No total, são 32 obras filosóficas que tratam de temas dos seguintes
campos do conhecimento humano: lógica, física, psicologia, biologia, metafísica, ética, política,
retórica e poética;
4. O pano de fundo da filosofia de Aristóteles é o pensamento filosófico de Platão. Mais
do que se opor a este último, aperfeiçoa-o e o desenvolve. Concretamente, transfere do mundo
inteligível ou transcendente as formas ideais das coisas corpóreas para o mundo destas, isto é,
para o mundo sensível. Contudo, reafirma a existência de um âmbito transcendente por meio da
descoberta do ato puro, de Deus, que considera como a causa de todo o mundo sensível;
5. Diferentemente de Platão, as obras aristotélicas são marcadas pela aplicação de uma
rigorosa metodologia científica e linguística a cada tema ou problema examinado por ele;
6. Apesar de as obras de Aristóteles possuírem um tratamento lógico mais acentuado que
as de Platão, a filosofia proposta pelo Estagirita não é sintética e unitária em relação ao conjunto
de saberes humanos, como tende a ser a do seu mestre da Academia.

WWW.UNINGA.BR 15
UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA

02
DISCIPLINA:
LEITURAS FILOSÓFICAS 2: ARISTÓTELES

A OBRA CATEGORIAS DE ARISTÓTELES


PROF. DR. FREDERICO BONALDO

SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................. 17
1. ÍNDOLE FILOSÓFICA E A ESTRUTURAÇÃO DAS CATEGORIAS......................................................................... 18
1.1 AS CATEGORIAS VERSAM FILOSOFICAMENTE SOBRE GRAMÁTICA, LÓGICA OU METAFÍSICA?............... 19
1.2 A COESÃO ESTRUTURAL DAS CATEGORIAS....................................................................................................20
2. PROPRIEDADES DAS CATEGORIAS ARISTOTÉLICAS NA OBRA CATEGORIAS..............................................22
3. A AVALIAÇÃO DAS CATEGORIAS POR IMMANUEL KANT................................................................................23
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................................................28

WWW.UNINGA.BR 16
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

INTRODUÇÃO

Nesta última Unidade da nossa disciplina, estudaremos de modo panorâmico as Categorias


de Aristóteles, tratado cuja data de redação é desconhecida, sendo, porém, considerada pela
grande maioria dos intérpretes do Estagirita como uma das suas primeiras obras.
O cerne desse escrito é o seu capítulo 4, em que são apresentados os dez gêneros supremos
– as categorias – nos quais tudo quanto existe no mundo físico pode ser abarcado: substância,
quantidade, qualidade, relação, quando, onde, ação, paixão, posição e hábito.
Para que se entenda de maneira gráfica as dez categorias do ser listadas por Aristóteles,
observe-se a análise desta figura:

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


Figura 1 – Imagem para análise. Fonte: News Rondônia (2018).

Na imagem acima, vemos um cavalo 1 de cerca de 150 kg 2, branco 3, em contato com a


água , durante o dia 5, sobre um lago 6, correndo através dele 7 e por ele sendo molhado 8, com os
4

músculos das pernas e patas em exercício 9, montado por um menino 10.

1
substância;
2
quantidade;
3
qualidade;
4
relação;
5
quando;
6
onde;
7
ação;
8
paixão;
9
posição (disposição interna das partes);
10
hábito – do latim habeo, “eu tenho” – ou posse (justaposição de substâncias).

Um ente ou não está num sujeito 1 ou então está num sujeito. Neste último caso, ou está
no sujeito por si mesmo (sendo divisível 2 ou indivisível 3) ou então relativamente 4.

WWW.UNINGA.BR 17
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

, , e 4 são as categorias fundamentais do ser.


1 2 3

Da combinação entre as categorias 1 e 2, obtêm-se as categorias 5 e 6.


Da combinação entre as categorias 1 e 3, obtêm-se as categorias 7 e 8.
Da combinação entre as categorias 1 e 4, obtêm-se as categorias 9 e 10.
, , , , e 10 são as categorias do ser
5 6 7 8 9

DERIVADAS DAS SUAS CATEGORIAS FUNDAMENTAIS.

Por meio deste exame sucinto e esquemático, já podemos saber quais são as categorias mais
gerais do ser material identificadas por Aristóteles e por que elas são dez, nem mais nem menos
(este esquema está feito com base no Comentário às Categorias de Aristóteles de Olimpiodoro,
filósofo neoplatônico da escola de Alexandria, que viveu na primeira metade do séc. VI d.C. O
parágrafo em que elabora esta análise encontra-se citado em Rovira, 2006).
A seguir, exploraremos três pontos: (1) o caráter filosófico e a coesão estrutural do tratado
Categorias; (2) as propriedades que Aristóteles identifica nas categorias de que trata nessa obra;
(3) e como o filósofo moderno Immanuel Kant – responsável por inverter a metafísica aristotélica
analogamente, segundo suas próprias palavras, a como Copérnico revolucionou a astronomia –
avaliou as categorias de Aristóteles

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


1. ÍNDOLE FILOSÓFICA E A ESTRUTURAÇÃO DAS CATEGORIAS

O tratado aristotélico Categorias é alvo de interpretações divergentes relativas ao lugar


adequado que o seu conteúdo deve ocupar dentro dos vários ramos do saber humano. Por outro
lado, a maneira como se encontra estruturado suscita dúvidas quanto à correlação entre as dez
categorias claramente definidas por Aristóteles e os temas expostos pelo autor antes e depois dos
capítulos reservados a elas. Por isso, vejamos soluções bastante plausíveis a estas duas questões.

Em grego clássico, o vocábulo κατηγορία (kategoría) resulta da união da pre-


posição κατὰ (katà, isto é, “de cima para baixo”) com o termo ἀγορά (ágora,
“assembleia pública”) ou com o verbo ἀγορευε͡ιν (agoreyein, “falar em público”).
O significado originário de kategoría era “acusação”. Aristóteles ressignificou esta
palavra para usá-la como termo técnico filosófico, atribuindo-lhe o sentido de “pre-
dicado”, isto é, aquilo que é dito de alguma coisa quando se quer determiná-la no
seu modo peculiar de ser. Assim, na filosofia aristotélica, as categorias – substân-
cia, quantidade, qualidade, relação, onde, tempo, ação, paixão, situação e hábito
– significam os predicados que indicam os tipos supremos ou fundamentais do ser
de alguma entidade física, especialmente ao tratar-se de um ser vivo corpóreo.

WWW.UNINGA.BR 18
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

1.1 As Categorias Versam Filosoficamente sobre Gramática, Lógica ou


Metafísica?
Dado que na obra Categorias – que não foi assim intitulada por Aristóteles, mas
possivelmente por Andrônico de Rodes, como já se disse – o autor utiliza profusamente o
vocábulo κατηγορία (kategoría), que, após a ressignificação que ele próprio opera ali mesmo
nesta palavra, passou a significar também “predicado”, houve quem julgasse que essa obra tratava
filosoficamente de gramática, no âmbito da qual o predicado é aquilo que se afirma ou se nega de
um sujeito dentro de uma oração (por exemplo, “Frank Sinatra cantou My Way naquele show”,
“Michelangelo não projetou a colunata elíptica da Praça São Pedro”). No entanto, esta ideia
não prosperou, tanto pelo conteúdo mesmo da obra – que não é, de forma alguma, um estudo
exclusivo sobre os predicados das orações gramaticais – como pela simples constatação de que,
em parte alguma, Aristóteles trata ali dos sujeitos das orações, o que seria imprescindível se o
livro versasse sobre gramática.
Com mais frequência, pensou-se que Categorias era um escrito de lógica, quer em razão
de que, no campo desta área do conhecimento, o predicado é um dos termos que estruturam as
proposições simples (afirmativas ou negativas), quer porque, na ordem estabelecida por quem

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


elaborou o corpus aristotelicum, a obra Categorias antecede o tratado Sobre a interpretação, o
qual lida precisamente com a análise das proposições linguísticas, as quais, depois dos termos,
constituem o segundo tema de estudo da lógica (o terceiro tema de estudo deste saber são
os raciocínios ou silogismos). Contudo, este juízo sobre as Categorias tampouco ficou para a
posteridade, pois, ao lê-lo, é inequívoco que Aristóteles não trata de predicados quaisquer, mas
dos predicados finais, últimos, supremos de todos os termos que a linguagem humana pode
expressar, os quais, se existem como coisas reais, têm de existir como uma das dez categorias que
o autor elenca na obra.
Com efeito, em Categorias, o Estagirita não se ocupa primordialmente dos elementos de
uma oração gramatical nem dos termos de uma proposição lógica, mas estuda antes as coisas que
existem, que são:

[...] agrupando-as em espécies e integrando estas espécies em géneros, até


chegar à determinação dos géneros supremos. Estes géneros supremos serão
não só diferentes uns dos outros, mas também irredutíveis, isto é, tais que
não haja nenhum género superior de cuja divisão eles resultem. A lista de dez
“categorias” apresentada por Aristóteles pretende ser precisamente o resultado
desta classificação: são determinados dez géneros supremos, de tal modo que
cada coisa que existe deverá pertencer a um deles. O principal interesse desta
classificação reside em permitir, uma vez determinados os géneros supremos,
analisar as propriedades de cada um deles e as suas possíveis relações (SANTOS,
1995).

Dito de outro modo e voltando ao exemplo do cavalo apresentado na Introdução desta


Unidade 2: aquele cavalo é um indivíduo da espécie cavalo doméstico moderno, que pertence
ao gênero dos equídeos, que é uma espécie do gênero equino, que é uma espécie do gênero
perissodáctilo, que é uma espécie do gênero mamífero, que é uma espécie do gênero cordado,
que é uma espécie do gênero animal, que é uma espécie do gênero ser vivo, o qual, finalmente, é
uma espécie do gênero supremo, último ou final substância. Similarmente, o seu peso tem como
gênero supremo a quantidade; a sua brancura, a qualidade; o seu contato com a água, a relação;
o seu estar ali durante o dia, o tempo; o seu estar sobre um lago, o onde; o seu correr, a ação; o
seu ser molhado pela água, a paixão; o exercício dos músculos das suas pernas e patas, a posição;
e o menino que carrega sobre o seu dorso, tem como gênero supremo – ao centrarmo-nos no

WWW.UNINGA.BR 19
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

cavalo – o hábito (ou posse). Uma vez estabelecidas estas categorias, Aristóteles tem como intuito
precípuo na sua obra homônima verificar os atributos de cada uma delas e de que maneira elas se
entrosam ou ordenam mutuamente.
Assim, as categorias do ser que o Estagirita elencou nessa obra fazem parte da disciplina
filosófica metafísica. Com efeito, dentre as obras aristotélicas, aquela com a qual as Categorias
possuem maior vinculação é precisamente a Metafísica, ainda que esta última exiba ao leitor um
grau de composição muito mais elevado (ZINGANO, 2003).

Uma explicação bastante elucidativa das categorias de Aristóteles


e da centralidade da categoria substância nas questões filosóficas
suscitadas ao longo da história foi dada por Olavo de Carvalho no
vídeo: EDUCAÇÃO & CULTURA – Φιλοσοφία. Categorias expli-
cadas – Olavo de Carvalho. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=bL4dXWOhWko. Atente para o fato de que ele diz expressamente

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


que um conceito lógico e a história são realidades que não são substâncias; ape-
nas podem ser tratadas pelo intelecto humano como se fossem substâncias. Em
relação ao que é dito no vídeo sobre a categoria quantidade, é preciso advertir
uma imprecisão na fala do professor: quando dizemos “estes são dois gatos” ou
“três gatos”, não estamos a quantificar a substância individual deste gato. Para
tanto, poderíamos dizer “este gato tem 41 cm de comprimento”, “este gato pesa
3,8 kg” etc.

1.2 A Coesão Estrutural das Categorias


Diferentemente da maioria dos tratados aristotélicos, a obra Categorias, tal como chegou
a nós, inicia-se com a exposição de determinados conceitos, sem que o leitor seja notificado
sobre o tema, a finalidade, as partes e o método da pesquisa realizada no texto. Outros dois
elementos comuns nos escritos de Aristóteles e ausentes nas Categorias são uma avaliação do
posicionamento de autores precedentes acerca do seu conteúdo e a citação de outros filósofos que
concordam ou discordam dele – embora pareça que a teoria platônica das Ideias é o alvo da tese
central que Aristóteles apresenta ali (SANTOS, 1995).
Categorias é uma obra que não está composta de livros, mas apenas de capítulos. São
quinze no total, divididos claramente em três seções: (1) os ante-predicados (caps. 1-3); (2) os
predicados (caps. 4-9); e (3) os pós-predicados (caps. 10-15).
Os ante-predicados são: a homonímia (que ocorre com coisas que têm o mesmo nome e
essências diferentes; por exemplo, a fruta manga e a manga de uma camisa), a sinonímia (que
acontece com coisas que têm o mesmo nome e a mesma essência; por exemplo, homem e boi são
animais, e a sua essência de animal é a mesma, a saber, ser vivo sensitivo) e a paronímia (que se dá
com coisas cujo nome deriva do nome tido por outra coisa; por exemplo, gramático e gramática,
e corajoso e coragem) (cap. 1); expressões simples e complexas, e as noções de predicação e
inerência, das quais deriva a classificação das coisas existentes em quatro grupos:

WWW.UNINGA.BR 20
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

1) coisas predicadas de algum sujeito, mas não inerentes a sujeito algum (diz-se ou predica-
se “homem” de determinado homem, mas a totalidade do ser homem não inere em qualquer
homem determinado); 2) coisas inerentes a um sujeito, mas que não são predicadas de sujeito
algum (uma brancura determinada inere num corpo, mas a brancura não existe por si mesma, isto
é, não pode ser dita ou predicada de um sujeito); 3) coisas predicadas de um sujeito e inerentes a
um sujeito (o conhecimento matemático pode ser dito ou predicado de uma pessoa, e é inerente
a uma pessoa); e 4) coisas não inerentes a um sujeito e que não são predicadas de sujeito algum
(“este cão” não é inerente num cão determinado, porque “este cão” é o próprio cão determinado,
de modo que, a rigor, não tem sentido dizer ou predicar de uma cão determinado que ele é “este
cão”) (cap. 2); e a transitividade da relação de predicação e a noção de diferença (cap. 3).
Os predicados são precisamente as categorias: enunciação das dez categorias (cap. 4); a
substância (cap. 5); a quantidade (cap. 6); a relação (cap. 7); a qualidade (cap. 8); a ação e a
paixão, tratadas apenas de forma introdutória (cap. 9). Supõe-se que Aristóteles teria terminado
o cap. 9 e tratado das categorias faltantes em capítulos sucessivos. No entanto, se isto ocorreu, não
chegou até nós e, com altíssima probabilidade, nem a quem editou o tratado das Categorias, pois
a passagem 11 b 15-17, do início do cap. 10, é nitidamente da autoria de outra pessoa que não
o Estagirita (eis o teor da passagem indicada: “Por conseguinte, sobre os gêneros inicialmente
propostos, o que se disse é suficiente; mas devemos agora dizer alguma coisa acerca dos opostos

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


e dos diversos modos segundo os quais é costume as coisas serem opostas”).
Os pós-predicados são: a oposição, a contrariedade, a anterioridade, a simultaneidade e a
mudança; no cap. 15, fala-se da categoria hábito (ou posse, ou ter).
O texto compreendido entre os capítulos 1 a 9 (as seções sobre os ante-predicados e os
predicados) possui uma estrutura coesa que, basicamente, pode ser expressa assim: as coisas que
existem, das quais se pode predicar alguma coisa e/ou nas quais alguma coisa inere, correspondem
ao gênero supremo da substância; e aquelas outras coisas predicadas da substância e/ou inerentes
a ela, correspondem às restantes nove categorias do ser, daquilo que existe.
No tocante à predicação (dizer algo de alguma coisa), é de importância ímpar uma
consequência derivada desta noção: a diferença estabelecida por Aristóteles entre substâncias
primeiras e substâncias segundas. As substâncias primeiras são os entes individuais que existem
– o ser humano Nádia e o cavalo Rocinante, por exemplo –, ao passo que as substâncias segundas
são os gêneros e espécies a que os entes individuais pertencem (Nádia pertence ao gênero humano
e Rocinante, ao gênero equino, os quais são espécies de um gênero mais amplo, o animal). As
substâncias individuais que recebem os nomes de Nádia, Epaminondas, Aracy, Olinto etc. não
esgotam o gênero humano a que pertencem, assim como as substâncias individuais Rocinante,
Silver, Tornado, Maximus etc. tampouco esgotam o gênero equino de que fazem parte; e estas
substâncias estão ainda mais longe de esgotar o gênero animal superior que também as engloba.
Um aspecto desta distinção entre substâncias primeiras e segundas que a torna tão relevante é
que as substâncias segundas (os gêneros e as espécies) são aquilo que torna possível a linguagem
humana e a comunicação entre os indivíduos humanos, uma vez que as palavras são gêneros
e espécies. Mais adiante na história da filosofia, as substâncias segundas foram designadas
universais do ser, cuja existência ou inexistência na realidade extramental, na mente humana ou
em ambas constituiu uma das questões filosóficas mais calorosamente debatidas (o medievo foi o
período em que talvez essas discussões tenham sido mais inflamadas. Nessa época, “propuseram-
se três soluções: a nominalista [de Roscelino], segundo a qual o universal não existe nem na
mente nem na realidade, sendo simplesmente uma função da linguagem: somente as palavras
são universais, de modo que o universal é simplesmente um flatus vocis [uma emissão verbal];
a ultrarrealista [e Guilherme de Champeaux], segundo a qual o universal existe tanto na mente
como fora da mente, e, em ambos os casos, formalmente, isto é, precisamente segundo as
características da universalidade; há, portanto, além de um conceito universal de bondade, uma

WWW.UNINGA.BR 21
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

bondade subsistente; a terceira solução – já proposta por Abelardo e sucessivamente retomada e


claramente formulada por Tomás de Aquino – resolve o problema segundo a linha do realismo).

2. PROPRIEDADES DAS CATEGORIAS ARISTOTÉLICAS NA OBRA


CATEGORIAS

Devido à sua numerosíssima quantidade de informações, não é possível estudarmos


neste curso a obra Categorias de maneira detalhada; isto requereria muito mais tempo do que
esta disciplina de Leituras Filosóficas dispõe e exigiria que este e-book tivesse dezenas de páginas
a mais. Desse modo, recomenda-se aos interessados em aprofundar-se nas Categorias que leiam
esse texto aristotélico na recente tradução anotada de Ricardo Santos, disponível em: https://
obrasdearistoteles.net/online/volumes-saidos/.
A seguir, apresenta-se uma visão geral das propriedades que Aristóteles traz à baila
dialeticamente em cada categoria do ser, conforme elaborada pelo mesmo Ricardo Santos em
edição anterior da sua tradução das Categorias (segundo Santos (1995), Aristóteles versa sobre os

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


gêneros supremos do ser dialeticamente, porque adota um método indutivo, isto é, que passa de
coisas particulares para coisas universais, tomando como ponto de partida as opiniões comuns,
que são a base para a aquisição de novos conhecimentos e fazem surgir conflitos de argumentos
a ser resolvidos).
Substância (cap. 5):
1. Nenhuma substância existe num sujeito (3 a 7-32);
2. A predicação das substâncias sempre envolve sinonímia (3 a 33–b 9);
3. As substâncias primeiras são seres singulares, mas as substâncias segundas, não (3 b
10-23);
4. Nenhuma substância tem contrário (3 b 24-32);
5. Nenhuma substância admite mais e menos (3 b 33-4 a 9);
6. Sendo numericamente uma e a mesma, a substância é capaz de receber contrários
(característica peculiar da substância) (4 a 10-b 18).
Quantidade (cap. 6):
1. Nenhuma quantidade tem contrário (5 b 11-6 a 18);
2. Nenhuma quantidade admite mais e menos (6 a 19-25);
3. A quantidade é dita igual e não-igual (característica peculiar da quantidade) (6 a 26-
35).
Relação (mais propriamente, relativos) (cap. 7):
1. Alguns relativos têm contrários, mas nem todos (6 b 15-19);
2. Alguns relativos admitem mais e menos, mas nem todos (6 b 19-27);
3. Todos os relativos são ditos em relação a correlativos que são recíprocos (6 b 28-7 b 14);
4. A maior parte dos relativos é simultânea, mas há exceções (7 b 15-8 a 12).
Qualidade (cap. 8):
1. Na maior parte dos casos, a predicação das qualidades envolve paronímia, mas há
exceções (10 a 27-b 11);
2. Algumas qualidades têm contrário, mas nem todas (10 b 12-25);
3. Algumas qualidades admitem mais e menos, mas nem todas (10 b 26-11 a 14);
4. É em virtude da qualidade que as coisas são ditas semelhantes ou dissemelhantes
(característica peculiar da qualidade) (11 a 15-19).

WWW.UNINGA.BR 22
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Ação e paixão (cap. 9):


1. Ação e paixão têm contrário (11 b 1-4);
2. Ação e paixão admitem mais e menos (11 b 4-8).

Neste ponto, cabe esclarecer que o elenco de dez categorias que Aristóteles assinala no
capítulo 4 de Categorias só volta a aparecer na íntegra na sua obra Tópicos (I, 9, 103 b 20-23). Em
todas as outras obras em que ele volta a listar as categorias, os elencos são menores. Isto ocorre na
Metafísica, nos Segundos analíticos e na Física, em que se omitem as categorias quando e onde,
bem como em Sobre a alma, tratado em que aparecem apenas as quatro categorias fundamentais
do ser: substância, quantidade, qualidade e relação.

Para uma investigação minuciosa da parte central das Categorias


e sobre a afinidade que esta obra possui com a Metafísica de
Aristóteles, veja-se: As Categorias de Aristóteles e a doutrina dos
traços do ser. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/doispontos/

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


article/view/32185/21775.

3. A AVALIAÇÃO DAS CATEGORIAS POR IMMANUEL KANT

Figura 5 – Immanuel Kant, filósofo. Fonte: Famous Birthdays (2022).

Kant (Königsberg, 1724 – Königsberg, 1804) é um dos autores mais decisivos da história
da filosofia. Assim como Sócrates, Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Descartes,
Hegel, Nietzsche, Heidegger, entre outros, é responsável pela elaboração de um pensamento
filosófico que causou alvoroço em determinada época e que segue impactando grandemente os
estudos de quem se dedica à filosofia.
Kant estava convicto de que estabelecer um elenco sistemático e exaustivo das categorias
era tarefa imprescindível para a construção de uma metafísica infalível. Com efeito, escreveu:

WWW.UNINGA.BR 23
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Ora, afim [sic] de que, como ciência, [a metafísica] possa ter a pretensão não
apenas a uma persuasão enganadora, mas ao conhecimento e à convicção, é
preciso que uma crítica da própria razão exponha toda a provisão dos conceitos a
priori, a sua divisão segundo as diversas fontes, a sensibilidade, o entendimento
e a razão; além disso, um quadro completo dos mesmos e a análise de todos estes
conceitos com tudo o que deles pode ser deduzido (KANT, 1987).

Imbuído desta convicção, o pensador prussiano trabalhou arduamente para chegar a esta
conclusão:

Deste modo, originam-se tantos conceitos puros do entendimento, referidos a


priori a objetos da intuição geral, quantas as funções lógicas em todos os juízos
possíveis […]; pois o entendimento esgota-se totalmente nessas funções e a sua
capacidade mede-se totalmente por elas. Chamaremos a estes conceitos categorias,
como Aristóteles, já que o nosso propósito é, de início, idêntico ao seu, embora
na execução dele se afaste consideravelmente (KANT, 1987).

Logo a seguir, expôs a sua famosa “tábua das categorias”, doze no total, agrupadas de
acordo com quatro critérios (as doze categorias kantianas estão subsumidas a quatro conceitos
ou critérios, que, da ótica, aristotélica, deveriam ser as categorias supremas unívocas, puras,

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


originárias e primitivas. Deste modo, a julgar pela perspectiva aristotélica, a tábua kantiana das
categorias é defeituosa na sua própria raiz. No mesmo sentido, veja-se ROVIRA [2006]):

I. Quanto à quantidade:
1. Unidade;
2. Pluralidade;
3. Totalidade.
II. Quanto à qualidade:
4. Realidade;
5. Negação;
6. Limitação.
III. Quanto à relação:
7. Inerência e subsistência;
8. Causalidade e dependência;
9. Ação recíproca entre o agente e o paciente.
VI. Quanto à modalidade:
10. Possibilidade – Impossibilidade;
11. Existência – Não-existência;
12. Necessidade – Contingência.

Uma vez realizada esta empreitada, o filósofo de Königsberg debruçou-se sobre as


Categorias de Aristóteles e fez a seguinte avaliação:

A procura destes conceitos fundamentais foi empresa digna de um espírito tão


perspicaz como Aristóteles. Como, porém, não estava de posse de um princípio,
respigou-os à medida que se lhe deparavam e reuniu assim primeiramente dez, a
que deu o nome de categorias (predicamentos). Subsequentemente, julgou ainda
encontrar mais cinco, que acrescentou com a designação de pós-predicamentos.
Todavia, a sua tábua ficou ainda deficiente. Além disso, encontram-se nela ainda
alguns modos da sensibilidade pura (quando, ubi, situs, bem como primus e
simul) e um empírico (motus), que não pertencem a este registro genealógico do
entendimento; também se encontram alguns derivados (actio, passio) a par dos
primitivos, faltando totalmente alguns destes (KANT, 2001).

WWW.UNINGA.BR 24
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Kant afirma que o elenco aristotélico das categorias é assistemático, desordenado por duas
razões:

1. O Estagirita tê-la-ia montado sem um princípio, isto é, sem um critério, recolhendo-as


e reunindo-as ao acaso;
2. Aristóteles adicionou outras cinco categorias às dez inicialmente propostas sem
qualquer justificativa.

Além disso, Kant considera a lista de Aristóteles defeituosa pelos seguintes motivos:

3. O Estagirita inclui nela as categorias tempo (quando), onde (ubi) e posição (situs), além
dos pós-predicados simultâneo (simul), anterior (primus) e movimento (motus), que, ao
parecer de Kant, não são “conceitos puros do entendimento, referidos a priori a objetos
da intuição geral”;
4. Aristóteles comete o erro de inserir no seu elenco as categorias ação (actio) e paixão
(passio), as quais, de acordo com a tábua kantiana, não são categorias, mas conceitos
derivados delas;

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


5. Por fim, Aristóteles não inclui na sua lista as três categorias que Kant subsome ao
critério da modalidade.

Ao final de um esmerado e criterioso estudo sobre a avaliação kantiana acerca das


Categorias de Aristóteles – em que destrincha e valora cada uma destas cinco críticas com base
na literalidade desta obra aristotélica –, Rogelio Rovira chega à seguinte conclusão:

Assim, a crítica de Kant ao elenco aristotélico das categorias revelou-


se completamente inadequada. As objeções propostas ou se baseiam no
desconhecimento de distinções essenciais do pensamento do Estagirita,
como ocorre com o problema do fio condutor [o critério] ou das categorias
derivadas; ou fundamentam-se em puros equívocos, como é o caso do tema
dos pós-predicados; ou então são estabelecidas sobre princípios radicalmente
discrepantes do realismo aristotélico, como acontece com a repreensão relativa
ao excesso e ao defeito da lista das categorias (ROVIRA, 2006).

Como arremate desta unidade do e-book, parece importante pôr em evidência a fragilidade
filosófico-moderna da crítica do conhecimento, na qual Kant se insere com destaque e que é causa
da sua crítica ao fato de Aristóteles considerar, por exemplo, o onde e o quando – o tempo e
o espaço – como gêneros supremos do ser. (Com efeito, para o pensador prussiano, espaço e
tempo não se encontram fora da mente humana, mas, pelo contrário, são formas ou estruturas
existentes dentro da razão antes mesmo – a priori – de qualquer experiência sensível por parte
do ser humano). A opção por uma filosofia que critica e diminui a capacidade do conhecimento
humano deprecia a filosofia realista que o considera em condições de captar a substância ou
forma dos entes que compõe a realidade extramental, qualificando-a como ingênua.
Sobre este assunto, Stephen L. Brock fez as seguintes considerações num livro recentemente
publicado sobre a filosofia de Tomás de Aquino, que, ao lado de Aristóteles, encontra-se entre os
maiores filósofos realistas da história:

WWW.UNINGA.BR 25
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

De um ponto de vista moderno ou, pelo menos, oitocentista ou novecentista,


a explicação de Tomás sobre a cognição humana pode parecer ingênua. Essa
explicação simplesmente dá por certo que nós podemos compreender as
coisas reais tal como elas realmente são e que, por isso, podemos contrastar os
pensamentos que temos sobre elas com elas mesmas. Tomás até mesmo admite
que podemos alcançar a perfeição da cognição, chamada de conhecimento, que
constitui um ponto de vista privilegiado a partir do qual se podem fazer juízos
que não podem deixar de ser e de parecer ser verdadeiros acerca das coisas.
Tomás não pensa que, para ser rigorosa, a filosofia deve começar por uma
crítica geral do conhecimento, para só depois determinar o seu conteúdo. Ele
é ciente das formas radicais de ceticismo, mas não lhes presta muita atenção. /
Em parte, isto se explica porque ele considera que ninguém pode acreditar nelas
de forma genuína (apesar de alguns pensarem que eles próprios, sim, podem).
Pensa que há muitas coisas que todos nós conhecemos e das quais não é razoável
que duvidemos de que as conhecemos, ainda que nenhuma formulação sobre
elas possa abranger todas as questões. / Mas talvez o ponto central não seja
quão seriamente Tomás encara o ceticismo. Se a explicação de Tomás sobre a
cognição agora parece ingênua (ou, ao menos, parecia até recentemente), penso
que se deve em grande medida a ele não compartilhar da tendência moderna de
pensar a cognição primariamente como suporte de representações das coisas;
i.e., ideias, impressões e tudo o mais que temos na mente. Com efeito, pode ser

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


ingênuo admitir que a representação de uma coisa apresente a coisa tal como ela
é ou até mesmo que essa coisa certamente existe. Porém, ao mesmo tempo em
que Tomás é perfeitamente conhecedor de que boa parte da nossa vida mental
implica trabalharmos com representações, ele rejeita conscientemente a visão
de que são elas aquilo que a nossa vida mental instiga de modo originário ou
principal. Para transpô-lo aos termos de Tomás e para repetir um argumento já
apresentado, mas que merece ser reiterado, ele nega que a forma que inere num
poder cognitivo – graças à qual esse poder é primeiramente atualizado – seja
aquela que é primeiramente conhecida. A forma é somente aquilo pelo qual a
coisa da qual ela se origina é conhecida. / O cerne da questão, penso eu, é a noção
mesma de que as próprias coisas externas podem ser os elementos propriamente
determinantes da cognição que temos delas. A tendência moderna é supor que
elas não pode sê-lo. No séc. XIII, não era difícil pensar que elas poderiam sê-lo,
porque era corrente a noção de algo que lhes permitia fazê-lo, algo nelas que
é intrinsecamente auto-comunicativo: a noção mesma de forma. (Refiro-me à
noção aristotélica.) Com a queda da Escolástica, esta noção praticamente caiu
no esquecimento. As coisas tornaram-se inertes, não apenas fisicamente, mas
também cognitivamente. A mente teve de olhar principalmente para si mesma
para a constituição dos seus objetos. / Hoje, muitos teóricos cognitivistas
consideram o conhecimento como algo material, muito similar na sua natureza
às coisas materiais conhecidas. Uma minoria considera-o imaterial ou espiritual.
Mas estes últimos tendem a pensar no espírito como algo não menos fechado em
si mesmo do que um corpo – como uma “espécie de coisa, como se fosse uma
matéria imaterial, um meio etéreo refinado” [G. E. M. Anscombe]. Os teóricos
de ambos os grupos podem conceder que a cognição pressupõe alguma espécie
de influência sobre o cognoscente por parte das coisas a ser conhecidas. O que
quero pontuar, porém, é que dificilmente alguém concebe a cognição como
um tipo de união com as coisas, uma atividade conjunta de sujeito e objeto.
Como vimos, a visão de Tomás é a de que, embora o conhecimento atual das
coisas materiais não esteja nas coisas, mas no conhecedor, ele também é uma
atualidade das coisas, enquanto conhecíveis (ainda que isto seja acidental nas
coisas). E as semelhanças cognitivas ou formas, das quais o nosso conhecimento
procede originariamente, são essencialmente os efeitos das coisas num modo
em que elas se equiparam às formas que inerem nas coisas – equiparam-se na
fórmula. / É por este motivo que nem toda a nossa cognição é necessariamente
verdadeira, mas antes, em alguns casos, pode ser verdadeira ou falsa. Se os nossos
objetos primários estivessem nas nossas mentes, dificilmente poderíamos errar
acerca deles. E não haveria base forte alguma para afirmarmos que o fim da

WWW.UNINGA.BR 26
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

nossa mente, a verdade, consiste em fazermos juízos acerca das coisas externas
tal como elas realmente são. A avaliação das representações poderia muito
bem ter outros critérios. E, neste caso, poderíamos, de fato, criticar qualquer
pretensão de conhecermos – ou até mesmo de precisarmos conhecer – as coisas
externas tal como elas realmente são. A tendência moderna, no entanto, foi a
de simplesmente admitir, sem argumento, que os nossos objetos primários se
encontram nas nossas mentes. Isto também parece ingênuo (BROCK, 2015).

Enfim, se o realismo aristotélico-tomista tiver de ser rotulado de infantil, o criticismo


moderno – e, particularmente, o kantiano – deverá receber a etiqueta de juvenil recalcitrante.

É possível demonstrar que as coisas, com as suas categorias, que você percebe
através dos seus cinco sentidos existem ou você deve aceitá-las como evidentes?
No caso de admiti-las como evidentes, esta postura é mais intuitiva do que a
atitude de considerar que as coisas e as suas categorias encontram-se, pelo
contrário, dentro da sua mente?

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2

WWW.UNINGA.BR 27
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que se apresentou nesta unidade, podem-se sublinhar as seguintes considerações:


1. As dez categorias aristotélicas são os gêneros máximos que abarcam todos os entes
materiais que existem. Quatro delas são as fundamentais: substância, quantidade, qualidade e
relação. E as demais derivam destas: quando, onde, ação, paixão, posição e hábito;
2. Categorias não é uma obra que trata primordialmente nem da gramática nem da lógica,
mas da metafísica dos seres corpóreos, isto é, dos elementos mais basilares que os compõem;
3. As três seções da obra Categorias são a dos ante-predicados, a dos predicados ou
categorias, e a dos pós-predicados. As duas primeiras seções estruturam-se coesamente da
seguinte maneira: as coisas que existem, das quais se pode predicar alguma coisa e/ou nas quais
alguma coisa inere, correspondem ao gênero supremo da substância; e aquelas outras coisas
predicadas da substância e/ou inerentes a ela, correspondem às restantes nove categorias do ser,
daquilo que existe;
4. Ao trazer a tona e caracterizar as substâncias primeiras e as substâncias segundas,
Categorias já põe no horizonte filosófico o problema dos universais do ser, que veio a tornar-se

LEITURAS FILOSÓFICAS 2 - ARISTÓTELES | UNIDADE 2


uma das questões mais examinadas e debatidas pelos filósofos ulteriores;
5. No restante das suas obras, excetuando-se os Tópicos, Aristóteles nunca voltou a elencar
todas as dez categorias. Porém, quando as elencou novamente, nunca deixou de mencionar as
quatro categorias fundamentais (substância, quantidade, qualidade e relação), o que já configura
um indício de que o Estagirita não elaborou ao léu essa listagem;
6. Embora tenha percebido que a definição das categorias era imprescindível para a
constituição de uma metafísica sólida e ainda que tenha proposto uma sofisticada tábua categorial,
as impugnações de Immanuel Kant às categorias de Aristóteles mostram-se desacertadas.
Ademais, o seu elenco de categorias é justificadamente criticável a partir do prisma aristotélico;
7. A postura de crítica ao conhecimento humano própria da modernidade e máxime de
Kant, faz situar, sem qualquer fundamentação, o ser e as suas categorias no interior da razão,
causando assim uma reviravolta no núcleo da filosofia – isto é, na metafísica – absolutamente
desnecessário e deletério, uma vez que inflaciona a subjetividade humana.

WWW.UNINGA.BR 28
ENSINO A DISTÂNCIA

REFERÊNCIAS
ADLER, M. J. Aristóteles para todos: uma introdução simples a um pensamento complexo. São
Paulo: É Realizações, 2010.

ARISTÓTELES. Categorias. Tradução, introdução e comentário de Ricardo Santos. Porto: Porto


Editora, 1995.

ARTE E ARTISTA. Pormenor central da pintura Escola de Atenas, de Rafael Sanzio. Platão
– à esquerda, portando o Timeu e apontando para o mundo inteligível – e Aristóteles – à
direita, segurando a Ética e assinalando o mundo sensível. Fonte: Arte e Artista (2020). 2020.
Disponível em: https://arteeartistas.com.br/escola-de-atenas-rafael-sanzio/. Acesso em: 27 jan.
2022.

BROCK, S. L. The philosophy of Saint Thomas Aquinas: a sketch. Eugene: Wipf and Stock,
2015.

FAMOUS BIRTHDAYS. Immanuel Kant, folósofo. 2022. Disponível em: https://


pt.famousbirthdays.com/people/immanuel-kant.html. Acesso em 31 jan. 2022.

KANT, I. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

KANT, I. Prolegómenos a toda a metafísica futura que queira apresentar-se como ciência.
Lisboa: Edições 70, 1987.

MONDIN, Battista. Universale. In: IDEM. Dizionario enciclopedico di filosofia, teologia e


morale. Milano: Massimo, 1989.

NEWS RONDÔNIA. Imagem para análise. 2018. Disponível em: https://www.newsrondonia.


com.br/noticia/118214-sonhar-com-cavalo-qual-e-o-significado-desse-sonho. Acesso em: 31
jan. 2022.

RAVERA, A. La vita. In: MASSARENTI, A. Aristotele: vita, pensiero, opere scelte. Milano: Il
Sole 24 ORE, 2006.

ROVIRA, R. ¿Una lista desordenada y defectuosa? Consideraciones sobre la crítica de Kant al


elenco aristotélico de las categorías. Anuario Filosófico, Pamplona, v. 39, n. 3, 2006.

SANTOS, Ricardo. Introdução. In: ARISTÓTELES. Categorias. Porto: Porto Editora, 1995.

VIAJONÁRIOS. Vista aérea do sítio arqueológico do Liceu de Aristóteles. 2019. Disponível


em: https://www.viajonarios.com.br/liceu-de-aristoteles/. Acesso em: 18 jan. 2022.

WHITEHEAD, A. N. Process and reality: an essay in cosmology. Gifford Lectures delivered in


the University of Edinburgh during the session 1927-1928. New York: The Free Press, 1978.

WWW.UNINGA.BR 29
ENSINO A DISTÂNCIA

REFERÊNCIAS
YARZA, . S. Aristóteles. In: FERNÁNDEZ LABASTIDA, F.; MERCADO, J. A. Philosophica:
enciclopedia filosófica on line. [s. l.], 2015. Disponível em: http://www.philosophica.info/
archivo/2015/voces/aristoteles/Aristoteles.html. Acesso em: 31 jan. 2022.

ZINGANO, M. As Categorias de Aristóteles e a doutrina dos traços do ser. Revista doispontos,


Curitiba, vol. 10, n. 2, 2013.

WWW.UNINGA.BR 30

Você também pode gostar