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VERSÃO PRELIMINAR
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A SUPERSTIÇÃO DO DIVÓRCIO
Ele está sendo publicado aqui à medida que o trabalho progride, para
possibilitar um acesso ao menos parcial dos leitores brasileiros a esta obra
do grande escritor inglês.
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I - A SUPERSTIÇÃO DO DIVÓRCIO
Mas há um jeito mais simples de apontar meu erro, tão simples quanto fatal: eu
quis uma janela, sem pensar se queria uma casa.
Hoje em dia, muito se fala em favor dessa luz e dessa liberdade, que podem
perfeitamente ser simbolizadas pelas janelas; mais ainda por muitas vezes se
tratar de iluminar e libertar da casa, do próprio lar. Muita gente apresenta
desinteressadamente considerações bastante razoáveis, no caso do divórcio,
mostrando-o como uma espécie de libertação doméstica. Na discussão do
assunto, no entanto, tanto jornalística quanto generalizada, pulula a
mentalidade que, de ponta-cabeça e ao acaso, deseja que haja apenas janelas,
sem paredes. Dizem que querem o divórcio, sem se perguntar se querem o
casamento.
Ora, para divorciar-se, em geral, parece ser necessário que se tenha passado
pela formalidade preliminar de casar-se; a não ser que este ato inicial seja
levado em conta, se poderia estar a discutir os penteados dos carecas ou os
óculos dos cegos. Divorciar-se é, no sentido literal, descasar-se; e não há sentido
em desfazer algo que não sabemos sequer se foi feito.
Talvez não haja pior conselho, no mais das vezes, que o de se fazer primeiro o
que está mais à mão. É um conselho especialmente ruim quando significa, como
em geral é o caso, que se deva remover o obstáculo mais próximo. É dizer que
os homens não devem se comportar como homens, mas como camundongos,
que róem o que está mais próximo deles. O homem, como o camundongo,
solapa o que não consegue entender. Se esbarra em algo, decide que este é o
obstáculo mais próximo, ainda que na verdade se trate da coluna que sustenta o
telhado que lhe cobre a cabeça. Industriosamente, assim, ele remove o
obstáculo; em troca o obstáculo o remove, a ele e a muitas outras coisas ainda
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mais valiosas. Esta espécie de oportunismo talvez seja o que há de menos
prático, neste mundo já tão pouco prático.
É como quem diga “corte fora a pontinha do cachorro”, sem se preocupar onde
seria feito o corte. Tais pessoas não conseguem perceber o cachorro como uma
entidade orgânica; em outras palavras, não sabem diferenciar o rabo e a cabeça,
não sabem onde começa e onde acaba o animalzinho. E eis a crítica principal
que se pode fazer a estes reformadores do casamento: eles não sabem nem por
onde começar. Eles não sabem o que ele é, o que ele deveria ser, ou mesmo o
que quem o apóia supõe que ele seja. Eles nunca o examinam, nem quando
estão dentro dele. Fazem o trabalho que está mais à mão, e acabam por abrir
buracos no fundo do bote, tendo a impressão de preparar um canteiro num
jardim. Esta questão de o que é algo, de se é um bote ou um jardim, parece-lhes
abstrata e acadêmica. Eles não têm noção da grandeza da idéia que atacam, ou
de como parecem pequenos, por comparação, os buracos que nela abrem.
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Milhões de camponeses e pessoas simples, no mundo inteiro, assumem que o
casamento é indissolúvel, sem jamais ter lido texto algum. Numerosas pessoas
modernas, especialmente após as experiências recentes nos Estados Unidos,
pensam que o divórcio é uma doença social, sem ter jamais se preocupado com
texto algum. Poder-se-ia afirmar que para eles, ou para quaisquer outros, a
idéia do casamento é, em última análise, mística; o mesmo poderia ser dito da
idéia de fraternidade. É óbvio que um marido e uma mulher não são
visivelmente uma só carne, no sentido de formarem um único quadrúpede.
Também é óbvio que Paderewski e Jack Johnson não são gêmeos, e que
provavelmente nunca brincaram juntos, aos pés da mamãe. Há algo muito
importante a admitir, ou a acrescentar, aqui.
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defesa um ponto a favor da religião. Mas nenhum defensor desta visão a vê
como uma filosofia baseada em um texto, ou em centenas deles.
Meu homem de negócios ideal não seria um que botasse uma pilha de dinheiro
na mesa e dissesse “isso é dinheiro sonante; sou um homem direto, e não me
interessa se estou pagando uma dívida, dando uma esmola ou comprando um
touro selvagem ou uma sauna portátil”. Apesar da franqueza contagiante do
seu jeito de falar, ao ver o dinheiro vivo eu ainda diria, como um chofer de táxi,
“o que é isto?!”. Eu continuaria a insistir, resmungão que sou, que é uma
questão muito prática saber o que é este dinheiro, o que ele representa, a que ele
se destina ou o que ele declara, qual seria a natureza da transação ou, em outras
palavras, o que cargas d’água o sujeito acha que está fazendo com ele.
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Trata-se de questões filosóficas; a peculiaridade filosófica do divórcio e do
recasamento, contudo, comparados com o amor livre e a ausência de
casamento, é que um homem quebra uma promessa e faz uma promessa ao
mesmo tempo. É uma filosofia muito alemã, que nos faz lembrar o modo como
o inimigo deseja celebrar a destruição bem-sucedida de todos os tratados com a
assinatura de alguns tratados novos.
Fosse eu quebrar uma promessa, eu o faria sem nada prometer. Mas longe de
mim minimizar a natureza discutível e importantíssima do próprio voto.
Tentarei mostrar, em outro artigo, que esta operação romântica, feita no calor
do momento, é a única fornalha de que pode sair o ferramental básico da
humanidade, a resistência de ferro fundido da cidadania ou o frio aço do senso
comum; não posso, entretanto, negar que a fornalha seja um fogo.
O voto é algo violento e único, ainda que outros que não o voto matrimonial
tenham existido: votos de cavalaria, votos de pobreza, votos de celibato, tanto
pagãos quanto cristãos. A moda moderna, todavia, perdeu este hábito, e os
homens não conseguem perceber, por falta de paralelos, de que tipo de coisa se
trata. A maneira mais simples de colocar o problema é perguntar-se se ser livre
inclui a liberdade de acorrentar-se; um voto, afinal, é um compromisso consigo
mesmo.
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II - A SUPERSTIÇÃO DO DIVÓRCIO
Pode ou não ser superstição que um homem creia que ele deva beijar a Bíblia
para mostrar que irá dizer a verdade. É, contudo, a mais abjeta das superstições
crer que, se ele plantar um beijo numa Bíblia, apenas a verdade sairá de seus
lábios. Seria, certamente, a mais negra e mais amaldiçoada das bibliolatrias
sugerir que um mero beijo num mero livro pudesse alterar a qualidade moral
do perjúrio. No entanto, é precisamente isto que se implica ao dizer que o
recasamento formal altera a qualidade moral da infidelidade conjugal.
Pode ter sido um sinal da Era das Trevas que Haroldo devesse jurar sobre uma
relíquia, ainda que mais tarde fosse abjurar o que jurou. Certamente, no
entanto, esta Era estaria em mais negras trevas ainda se se contentasse com um
juramento feito sobre uma relíquia e uma abjuração feita sobre outra. É,
todavia, este o novo altar que estes reformadores nos edificariam, erigindo-o
sobre as relíquias mofadas e sem sentido de sua lei morta e de sua religião
moribunda.
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apenas esteja fora de moda, mas é sempre uma ideia que podemos explicar e
defender como ideia.
Se é admissível requerer-lhe que seja fiel à comunidade que o criou, não seria
menos liberal requerer-lhe que seja fiel à comunidade que ele mesmo criou. Se a
fidelidade cívica for, como é, uma necessidade, ela é também, em um certo
sentido, uma restrição. A velha piada contra o patriotismo, a ironia gilbertiana,
parabenizava o inglês por ter demonstrado fino bom gosto ao nascer na
Inglaterra. Plausivelmente, acrescentava “pois ele poderia ser russo”; talvez
fosse interessante ver gente que achasse que poderia passar a ser russo quando
se lhes desse vontade.
Se o senso comum considera natural até mesmo uma lealdade tão involuntária,
não seria de se espantar se considerássemos ainda mais natural a lealdade que,
ela sim, é voluntária.
Não é difícil perceber que esta pequena comunidade, tão especialmente livre no
tocante a sua causa, forçosamente será especialmente demandante no tocante a
seus efeitos. Não é difícil perceber que o voto feito com maior liberdade é o voto
que é mantido com maior firmeza. A ele estão ligadas, pela ordem natural das
coisas, consequências tão tremendas que nenhum contrato lhe poderia ser
comparado. Não há contrato algum, a não ser o que se diz ser assinado com o
próprio sangue, que possa invocar espíritos das profundezas, ou trazer
querubins (ou gnomos saltitantes) para habitar uma casinha suburbana. Não há
linha traçada a caneta que crie corpos e almas reais, ou que faça os personagens
de um romance ganhar vida.
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A instituição que tanto confunde os intelectuais pode ser explicada pelo simples
fato material (que até mesmo intelectuais conseguem perceber) de que as
crianças costumam ser mais jovens que os pais. “Até que a morte nos separe”
não é uma fórmula irracional para quem quase certamente irá morrer antes de
ver mais que metade da coisa tão fabulosa (ou tão alarmante) que se fez.
Esta é, num esboço rápido e grosseiro, a coisa tão óbvia, aqui apresentada em
benefício de quem não perceba o quanto ela é óbvia.
Os autores parecem contentar-se em dizer que o Sr. Brown não está confortável
com a Sra. Brown; esta emancipação derradeira, aliás, no caso dos casais
separados, parece indicar apenas que ele continua desconfortável, mesmo sem a
Sra. Brown ao seu lado. Não estamos em um tempo em que o desconforto seja o
teste final da ação pública.
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a uma. A liberdade era a única coisa condenada ao mesmo tempo pelos
progressistas e pelos conservadores.
Brigar era infame e mesmo discutir era arriscado, pois citar qualquer fato atual
e de conhecimento geral poderia levar a um processo por difamação. Enquanto
todas estas portas eram efetivamente fechadas na nossa cara ao longo dos
impecavelmente azulejados corredores gelados e tristes do progresso, as portas
da morte e do divórcio permaneciam, só elas, escancaradas; ou melhor, sendo
cada vez mais e mais alargadas.
Por exemplo, a queixa mais comum que se faz contra o sistema judicial é que os
pobres não conseguem ter acesso a ele. Trata-se de um argumento que eu
normalmente ouviria com simpatia. Mas, ainda que eu condene a lei por ser um
luxo, o meu primeiro pensamento é que o divórcio e a morte são luxos em um
sentido bastante estranho. Não deveria ser uma queixa do pobre que seja
demasiadamente alto o preço do veneno, ou que todos os precipípios de altura
propícia ao suicídio estejam em propriedades particulares de acesso restrito. Há
outros preços e outros precipícios que convêm atacar primeiro. Devo admitir
que, abstratamente, o que é bom para um é bom para o outro, que o que é bom
para o rico é bom para o pobre, mas a minha impressão primeira e mais forte é
que veneno não faz bem a ninguém. Temo que eu puxasse pelo colarinho, num
impulso momentâneo, um pobre funcionário ou artesão que eu encontrasse
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prestes a pular de um precipício, ainda que o fundo do vale já estivesse coberto
com os restos mortais dos duques e banqueiros que pularam antes.
Se o divórcio for uma doença, não é mais uma doença chique, como a
apendicite, mas uma epidemia, como o sarampo. Já vimos que os jornais e os
homens públicos, hoje em dia, fazem uma tremenda algazarra ao proclamar a
necessidade de ajudar os pobres a obter um divórcio. Mas por que tanto
ansiariam eles pela liberdade do pobre se divorciar, e nem um pouco por que
ele tenha qualquer outra liberdade? Por que as mesmas pessoas ficam felizes, à
beira das gargalhadas, quando ele se divorcia, e horrorizadas quando ele bebe
uma cerveja? O que o pobre faz com seu dinheiro, o que acontece com seus
filhos, onde ele trabalha, quando ele sai do serviço, tudo isso está cada vez
menos sob o controle dele. Bancos de Empregos, Carteiras de Trabalho,
Seguros-Desemprego e centenas de outras formas de supervisão e inspeção
policial foram combinadas, para o bem ou para o mal, para fixá-lo cada vez
mais estritamente em um determinado lugar na sociedade. Cade vez menos lhe
é permitido procurar outro serviço; por que cargas d’água se lhe quer permitir
que procure outra mulher?! Ele está cada vez mais constrito a obedecer a uma
espécie de lei muçulmana que proíbe a bebida; porque facilitar que ele
abandone a velha lei cristã sobre o sexo?! Qual é o sentido desta imunidade
misteriosa, desta permissão especial para o adultério? Porque a única alegria
que ainda lhe está aberta deveria ser fugir com a mulher do vizinho?! Porque
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ele deveria amar como lhe der na telha, se não pode viver como lhe dá na
telha?!
O capitalismo, é claro, está em guerra contra a família, pela mesma razão que o
levou à guerra contra o sindicato. Este é, realmente, o único sentido em que o
capitalismo está ligado ao individualismo; o capitalismo acredita no coletivismo
para ele mesmo e no individualismo para seus inimigos. Ele quer que suas
vítimas sejam indivíduos, ou, em outras palavras, quer atomizá-los. A palavra
“átomo”, no seu sentido mais claro (que não é nem um pouco evidente) pode
ser traduzida como “indivíduo”. Se restar alguma ligação ou fraternidade, se
houver qualquer lealdade de classe ou disciplina doméstica pela qual o pobre
possa ajudar o outro pobre, estes emancipadores farão o que puder para
afrouxar este laço ou destruir esta disciplina da maneira mais liberal possível.
Se houver tal fraternidade, estes individualistas vão redistribuí-la na forma de
indivíduos; ou, em outras palavras, atomizá-la, reduzi-la a átomos.
Os mestres da plutocracia moderna sabem o que estão fazendo. Eles não estão
cometendo nenhum engano. Eles podem ser inocentados de qualquer acusação
de incoerência. Um instinto preciso e muito profundo levou-os a determinar
que o lar humano é o obstáculo maior diante de seu progresso desumano. Sem
a família não há recurso diante do Estado, que em nosso caso, na modernidade,
é o Estado Servil. Para usar uma metáfora militar, a família é a única formação
em que o ataque dos ricos pode ser debelado. É uma força que forma casais
como os soldados formam esquadras e que, em todos os países agrários,
guardou a casa ou o sítio como a infantaria guardou sua trincheira contra a
cavalaria.
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Como esta força o opera, e o seu porquê, tentaremos explicar no último destes
artigos. Mas é quando ela está prestes a ser destroçada pelos cavaleiros do
orgulho e do privilégio, como na Polônia ou na Irlanda, quando a batalha se
torna mais desesperada e a esperança é mais obscura, que os homens começam
a entender porque este voto selvagem, no seu início, já era mais forte que todas
as lealdades deste mundo; e o que pareceria fugaz como uma aparição é
tornado permanente, na forma de um voto.
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III - A SUPERSTIÇÃO DO DIVÓRCIO
Comecei a ler Balzac muito depois de ter lido seus admiradores, e eles nunca
me haviam sequer insinuado esta verdade. Eu lera que seus livros eram
encadernados em capas amarelas, e seriam “desavergonhadamente franceses”,
ainda que me tenha sido sempre algo um pouco nebuloso entender como ser
francês poderia ser uma coisa desavergonhada para um francês.
Para isso eu estava preparado, mas não para uma certa assunção espiritual que
reconheci imediatamente como sendo um fenômeno histórico. A moralidade de
um grande escritor não é a moralidade que ele ensina, mas a que ele considera
evidente e que surge como pano de fundo. O tipo católico da ética cristã
perpassa os livros de Balzac, exatamente como o tipo puritano da ética cristã
perpassa os livros de Bunyan.
Quais seriam as opiniões que defenderiam eu não sei, não mais que eu sei quais
seriam as de Shakespeare; mas sei que ambos estes criadores de um mundo de
multidões o construíram, comparados com outros escritores mais tardios,
baseando-se no mesmo mapa moral fundamental que o do universo de Dante.
Não há dúvida possível para quem os teste usando a verdade que mencionei: as
coisas fundamentais em um homem não são as coisas que ele explica, mas as
coisas que ele se esquece de explicar.
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esta passagem que – independentemente de sua perfeita adequação ao estado
de espírito do Sr. George Moore neste momento – me parece uma profecia
perfeita desta época, que poderia perfeitamente ser a epígrafe deste livro: “junto
com a solidariedade da família, a sociedade perdeu aquela força elementar que
Montesquieu definiu e chamou de 'honra.' A sociedade isolou os seus membros
para governá-los melhor, e dividiu para enfraquecer."
Deixando de lado o que isto tem de verdade, seria bom insistir que a
convencionalidade assim criticada seria ainda mais característica de um lar
francês feliz. Não é a casa do inglês, mas a do francês que é seu castelo. Poder-
se-ia acrescentar, abordando finalmente a visão ética essencial dos sexos, que a
casa do irlandês é o seu castelo, ainda que tenha sido, ao longo dos últimos
séculos, um castelo sitiado. De qualquer modo, estas convenções, que se
percebe tratarem a domesticidade como algo tedioso, estreito e
antinaturalmente manso e submisso, são particularmente poderosas entre os
irlandeses e os franceses.
Daí será certamente mais fácil, para qualquer pensador lúcido e lógico, deduzir
o fato de que os franceses seriam tediosos e estreitos, e os irlandeses
antinaturalmente mansos e submissos. O Sr. Bernard Shaw, irlandês que vive
entre os ingleses, pode ser convenientemente tomado como exemplo típico da
diferença; e descobrir-se-á indubitavelmente que os amigos políticos do Sr.
Shaw, entre os ingleses, serão de um tipo revolucionário mais radical que os
que ele encontraria entre irlandeses. Podemos então comparar a mansidão dos
fenianos com a fúria dos fabianos.
Este ideal monogâmico mortificante pode até mesmo, num sentido mais
amplo, definir e distinguir toda a subserviência rasa de Clare de toda aquela
revolta flamejante de Clapham. Tampouco precisamos avançar muito para
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entender porque as revoluções são desconhecidas na história da França, ou
porque elas se sucedem rapidamente na política mais vaga da Inglaterra.
Falando de modo mais claro, há algo claramento errado no cálculo pelo qual se
teria provado que a dona de casa seria necessariamente tão servil quanto uma
empregada doméstica, ou que visse no homem domesticado alguém sempre
gentil como uma rosa ou conservador quanto a Liga da Rosa. São precisamente
os mais conservadores acerca da família os revolucionários no tocante ao
Estado. Os que são acusados de preconceituosos ou de burgueses tacanhos,
devido a suas convenções matrimoniais, são na verdade os mesmos que são
acusados pela violência e pelas reviravoltas de suas reformas políticas.
Tampouco há qualquer dificuldade em perceber a causa disto.
Talvez fosse neste sentido sombrio que Parnell, naquela piada misteriosa, disse
que na Irlanda todo mundo conhecia o Kettle (como talvez devessem, após suas
glórias posteriores), e, em um sentido mais geral, é bem verdade que se meter
com uma dona de casa acaba nos jogando na água quente. Mas não é destas
crises de lutas corporais que eu estou falando, sim de uma pressão permanente
e pacífica, que vem de baixo, de mil famílias, contra o quadro geral do governo.
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nisso o próprio feudalismo tinha razão, ao perceber que qualquer questão de
honra era necessariamente uma questão de família. Era verdadeiro o instinto
artístico que representou a ancestralidade familiar em um escudo que protege o
corpo. O camponês livre tem armas, ainda que não seja armoriais. Ele não tem
um escudo de armas, mas tem algo a escudá-lo.
Não vejo porque ele não deveria ter, em uma sociedade mais livre e mais feliz
que a atual, ou mesmo que a do passado, um escudo dotado de um belo brazão.
Afinal, vale para a ancestralidade o que vale para a propriedade: o erro não é
que ela seja imposta aos homens, mas que ela lhes seja negada. Capitalismo
demais não significa capitalistas demais, mas capitalistas de menos; e, do
mesmo modo, a aristocracia peca não ao plantar uma árvore familiar, mas ao
deixar de plantar uma floresta familiar.
Creio, contudo, que a maioria das pessoas concorde agora que um pouco desta
pressão social de baixo para cima a que chamamos liberdade seja vital para a
saúde do Estado. E é ela que não pode ser exercida completamente por
indivíduos, apenas por grupos e por tradições. Muitos foram estes grupos;
houve os mosteiros, houve as guildas, mas há apenas um tipo, entre todos estes,
que todos os seres humanos têm a inspiração onipresente e espontânea de
construir para eles mesmos: e este tipo é a família.
Era a minha intenção que este artigo fosse o último dos que alinhavam os
elementos deste debate; terei, no entanto, que acrescentar uma curta conclusão
acerca da ausência destes elementos nas propostas práticas (ou nada práticas)
sobre o divórcio. Aqui, basta dizer que elas sofrem da mórbida doença moderna
de sacrificar o normal em benefício do anormal. É fato que a “tirania, hipocrisia
e tédio” de que se queixa não são típicos da domesticidade, sim da decadência
da domesticidade.
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O caso desta queixa em específico, na peça do Sr. Granville Barker, o prova. O
ponto crucial de “A Herança de Voysey" é que não havia uma herança de
Voysey. A única herança que esta família tinha era uma dívida, bastante
desonrosa. Naturalmente, os afetos familiares decaíram quando todo o ideal de
propriedade e probidade decaiu; e é pouco o amor, bem como a honra, entre os
ladrões.
Ainda resta a provar que eles estariam tão entediados se houvesse uma herança
positiva, ao invés de negativa, e se houvessem trabalhado em uma fazenda ao
invés de em uma fraude. E a experiência da humanidade aponta na direção
oposta.
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IV - A SUPERSTIÇÃO DO DIVÓRCIO
Já mencionei o famoso, ou antes infame, nobre que teria dito que o povo
deveria comer capim; talvez tenha sido uma sugestão infeliz para um nobre
dar, já que este regime, ao que se saiba, só foi feito por um personagem muito
nobre. Talvez, contudo, haja uma simplicidade seria digna de um sultão, ou
mesmo de um cacique selvagem, nesta solução; é neste toque de inocência
autocrática que eu mais insisti ao tratar das reformas sociais de nossos dias,
especialmente da reforma social conhecida como divórcio.
Esta mudança está sendo obtida pelo governo sumário e até mesmo secreto que
hoje sofremos. A acusação proordial que lhe fazemos é que ainda que se
tratasse realmente de uma emancipação, ela seria uma emancipação apenas na
sua forma. Não tratarei detalhadamente do que dizem, pois outros o podem
fazer, mas concluo apontando, em grandes linhas e em quatro tópicos, as
defesas práticas do divórcio tal como são hoje feitas. Peço apenas ao leitor que
repare que elas têm um único ponto em comum: o fato de que todos os
argumentos também são usados para defender uma reforma social que as
pessoas mais sensatas já estão acusando de ser uma escravidão.
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voltar para casa, como Ulisses, enquanto aquele está, ao que tudo indica,
fugindo de casa, como Caim.
Assim, o pobre homem que não consegue tolerar a mulher que ele escolheu
dentre todas as mulheres do mundo não é encorajado a voltar para ela e tolerá-
la, mas sim a escolher outra mulher que ele possa, depois de um tempo,
recusar-se a tolerar. E em todos estes casos o argumento é o mesmo: o homem
num estado deslocado é infeliz. Provavelmente ele é infeliz por ser anormal,
mas se permite que ele desate o laço universal que manteve milhões de outros
na normalidade. Por ele ter caído em um buraco, permite-se que ele cave túneis,
como um coelho, e desestabilize todo o campo.
Mas eu não gosto da experiência americana, por mais americana que ela seja, e
confio e creio que ela não seja nem um pouco tipicamente americana. Ela
representa, imagino, apenas um elemento na complexidade da grande
democracia, ao lado de outros elementos malignos. Assim, eu não fico nem um
pouco surpreso que as mesmas seções estranhas da sociedade que permitem
que um ser humano seja queimado vivo também permitam a exaltada ciência
da eugenia.
O mesmo ocorre com o tema menos palpitante das leis sobre o álcool; dizem-
nos que alguns coloniais primitivos promulgaram a lei seca, que estão agora
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tentando revogar, exatamente como nos dizem que promulgaram leis de
divórcio, que estão agora tentando revogar. No caso do divórcio, pelo menos, o
argumento baseado em precedentes distantes desabou sozinho; já há uma
agitação a favor de menos divórcios nos Estados Unidos, enquanto na
Inglaterra agita-se a favor de mais divórcio.
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sociologia a que resistimos nestes dois tocantes atos de fé: o talão de cheques e o
advogado. Muitos dos reformadores matrimoniais da moda ficariam levemente
chocados com qualquer sugestão de que uma pobre diarista possa recusar este
dinheiro, ou que um juiz bom e justo não tenha o direito de dar este conselho.
Afinal, os reformadores do matrimônio são gente muito distinta, com alguas
honrosas exceções, e nada se encaixaria mais perfeitamente na sua
respeitabilidade bem azeitada que a sugestão de que a traição seja melhor
compensada pela indenização, cavalheiros, a pesada indenização paga pelo Sr.
Serjeant Buzfuz, ou que a tragédia seja mais bem tratada pela arbitragem tão
espiritual do Sr. Nupkins.
Devo ainda acrescentar uma palavra a este esboço apressado dos elementos do
caso. Deixei deliberadamente de lado o argumento e o aspecto mais elevados,
que percebem no matrimônio uma instituição divina, pela simples razão de que
quem crê nisso não crê no divórcio e eu estou discutindo com os que nele
crêem. Não os peço que reconheçam o valor do meu credo, ou de qualquer
credo; eu poderia até mesmo desejar que eles não me pedissem tão
frequentemente que eu reconhecesse algum valor na sua sociedade moderna,
plutocrática, venenosa e sem valor algum. Mas se fosse possível mostrar, como
creio que seja, que uma visão histórica longa e uma experiência política paciente
podem ao menos aucmular evidências científicas sólidas da necessidade vital
do voto matrimonial, então não me é possível conceber tributo maior que o de
quem, em qualquer fé, afirmou flamejantemente desde o mais negro princípio
aquilo que o brilhantismo mais tardio consegue descobrir, lentamente, apenas
no final.
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V - A HISTÓRIA DA FAMÍLIA
A mais antiga das instituições humanas tem uma autoridade que pode parecer
tão selvagem quanto a anarquia. Ela é a única, dentre todas estas instituições, a
começar com uma atração espontânea, e de que se pode dizer que é baseada no
amor, não no medo. A tentativa de compará-la com as instituições coercitivas
que vêm complicando a história recente levou a uma infinita falta de lógica nos
últimos tempos.
Trata-se de algo tão único quanto universal. Não há nada, em nenhuma outra
relação social, que seja sequer paralelo à atração mútua dos sexos, e é ao perder
de vista este fato simples que o mundo moderno caiu em centenas de enganos.
A idéia de uma revolta geral das mulheres contra os homens foi proclamada
com bandeiras e passeatas, como se fosse uma revolta de vassalos contra seus
senhores, de negros contra negreiros, de poloneses contra prussianos ou de
irlandeses contra ingleses; todos agiam como se acreditassem na nação fabulosa
das amazonas. A ideia, igualmente filosófica, de uma revolta geral dos homens
contra as mulheres foi proposta em forma de romance por Sir Walter Besant, e
como livro de sociologia pelo Sr. Belfort Bax.
Todas estas outras revoltas, contra todas estas outras relações, são razoáveis,
para não dizer inevitáveis, por serem relações originalmente baseadas na força
ou no interesse próprio. A força consegue abolir o que a força consegue
estabelecer; o interesse próprio pode rescindir um contrato que foi ditado pelo
interesse próprio. O amor de um homem e de uma mulher, contudo, não é uma
instituição que posssa ser abolida ou um contrato que possa ser rescindido. É
algo mais antigo que todas as instituições e contratos, algo que certamente irá
continuar quando eles não mais existirem.
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coisas possam ser destruídas, ou ao menos divididas. É possível abolir os
capitalistas, mas não se pode abolir os homens. Os prussianos podem sair da
Polônia, ou os negros voltar à África, mas um homem e uma mulher vão
sempre permanecer juntos, de um jeito ou de outro, e devem aprender a tolerar-
se mutuamente de alguma maneira.
Trata-se de uma verdade muito simples, e talvez por isso hoje em dia ela passe
desapercebida. A verdade que dela se depreende é igualmente óbvia. Não se
discute por quê a natureza criou esta atração; na verdade, seria mais inteligente
perguntar-se por quê Deus a criou, pois a natureza não teria propósito sem
Deus por trás dela. Falar de um propósito na natureza é tentar, em vão, usar o
feminismo para evitar o antromorfismo. É crer numa deusa por se ser cético
demais para acreditar em um deus.
Esta controvérsia, contudo, pode ser deixada de lado nesta discussão, se nos
contentarmos em dizer que o valor vital que se encontra, afinal, nesta atração é,
evidentemente,a renovação da raça humana.
A criança é uma explicação do pai e da mãe, e o fato de ela ser uma criança
humana é uma explicação dos antigos laços humanos que ligam o pai e a mãe.
Quanto mais humana – ou seja, menos bestial – for a criança, mais legítimos e
duradouros serão estes laços. Assim, quaisquer progressos na cultura ou na
ciência, longe de afrouxar estes laços, irão logicamente estreitá-los. Quanto mais
houver para a criança aprender, mais tempo terá ela de passar na escola natural
onde os aprende, e mais deve tardar a dissolução da parceria de seus mestres.
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cuidar da própria vida, simplesmente não pode fazer sentido pagá-las para
cuidar da vida dos outros, menos ainda para cuidar dos bebês dos outros. Isso é
simplesmente jogar fora um poder natural para pagar por um poder artificial,
como quem rega uma planta com uma mangueira enquanto a protege da chuva
com uma sombrinha.
Tudo isso, na verdade, está baseado em uma ilusão plutocrática de uma oferta
infinita de serviçais. Sempre que aparece um sistema novo qualquer que seja
apresentado como “uma carreira feminina”, o que está realmente sendo
proposto é transformar um número infinito de mulheres em serviçais da
plutocracia ou da burocracia. Em última instância, estamos argumentando que
uma mulher não deveria ser mãe do próprio filho, sim babá do filho dos outros.
Isto, contudo, não tem como funcionar nem no papel. Não é possível que cada
um lave a roupa do próximo, muito menos os babadores. No fim das contas, as
únicas pessoas que conseguem cuidar, ou mesmo de quem se possa dizer que
cuidem, individualmente, de cada criança individual são os seus pais
individuais. A expressão, tal como é aplicada aos que lidam com multidões
cambiantes de criancinhas, é apenas uma graciosa e legítima figura de
linguagem.
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Resumindo, é perfeitamente possível ser louco, mas é impossível fazer sentido.
Não se pode realmente levar às raízes este princípio e aplicá-lo à mamãe e ao
bebê. Não é possível aplicar a teoria ao mais simples e mais prático de todos os
casos. Ninguém é louco a este ponto.
O interior de um lar tem uma cor própria, tão evidente quanto o exterior da
casa. Esta cor é uma mistura, e se um tom prevalecer será geralmente o da
mulher da casa. Mas, como todas as cores compostas, ela é uma cor à parte, tão
distinta quanto o verde é distinto do azul e do amarelo. Todo casamento é uma
espécie de equilíbrio dinâmico, e o acordo a que se chega, em cada caso, é tão
único quanto qualquer excentricidade. Os filantropos que andam pelas favelas
frequentemente percebem este acordo sendo feito aos brados, em plena rua, e
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acham que estão vendo uma briga. Quando metem o colher apanham do
marido e da mulher, o que é bem feito, por não respeitarem a própria
instituição que os trouxe ao mundo.
Enquanto o Estado for a única instituição ideal ele irá conclamar o cidadão a
sacrificar-se, e assim não terá escrúpulos em sacrificar o cidadão.
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morre. É o princípio único da família que o cidadão nunca morre. É necessário
que haja uma heráldica e uma hereditariedade da liberdade, uma tradição de
resistência à tirania. Os homens não devem apenas ser livres, mas nascer livres.
Realmente, há algo na família que pode ser chamado até de anarquista, ainda
que seja mais correto dizer ser algo amador. Assim como ela parece ser algo
vaga acerca de sua origem voluntária, também parece haver algo vago acerca
de sua organização voluntária. A função mais vital que ela desempenha, que
talvez seja a função mais vital que qualquer um possa desempenhar, é a de
educação; mas este tipo de educação fundamental é essencial demais para que
se possa confundi-la com mera instrução.
Sua regra é mais prática que teórica, em milhares de aspectos. Para dar um
exemplo banal, e até engraçado, duvido que algum livro-texto ou código de
regras já tenha contido instruções sobre como botar uma criança de castigo no
canto da parede. Certamente, quando o processo moderno se houver
completado e o princípio coercitivo do Estado tenha extinguido completamente
o elemento voluntário da família, haverá alguma restrição ou regulação estrita
sobre isto. Possivelmente ela determinará que o canto onde a criança vai ficar
de castigo deva ter um ângulo de pelo menos noventae cinco graus.
Possivelmente, ela dirá que a linha de convergência de um canto comum tende
a envesgar a criança.
Este parêntese não é tão irrelevante como parece, pois é necessário lembrar que
quando um oficialismo rígido irrompe em meio às cessões voluntárias do lar ele
será rígido apenas na ação, enquanto certamente será ao mesmo tempo
excessivamente frouxo na razão. Intelectualmente, ele não será menos vago que
os arranjos amadores do lar; a única diferença é que os arranjos domésticos são,
no único sentido real, práticos, ou seja, são baseados nas experiências passadas.
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Os outros arranjos são o que geralmente é dito científico, ou seja, são baseados
em experiências que ainda não foram feitas. Na verdade, ao invés de invadir a
família com a desastrada burocracia que desgoverna os nossos serviços
públicos, seria muito mais filosófico fazer uma reforma no sentido oposto.
Seria certamente razoável alterar as leis da nação para que elas se pareçam com
as do quarto de brinquedos. As punições seriam muito menos horríveis, muito
mais divertidas, e serviriam muito melhor para fazer com que os homens
percebam que fizeram papel de idiota. Seria uma diferença bem vinda se um
juíz, ao invés de botar um chapéu preto, botasse um chapéu de burro, ou se
pudéssemos botar um banqueiro de castigo olhando para o canto.
Esta opinião, é claro, é rara e reacionária, seja o que isto queira dizer. A
educação moderna é baseada no princípio de que o pai ou a mãe têm mais
chance de serem cruéis que qualquer outra pessoa. Ora, qualquer um pode ser
cruel, mas as maiores chances de crueldade estão nas multidões indiferentes e
sem cor dos completos estranhos e dos mercenários mecanicistas, que agora é
moda chamar de agentes de melhoria: policiais, médicos, deteives, inspetores,
instrutores, etc.
A eles é dado poder arbitrário por existir aqui e ali um pai ou mãe criminosos,
como se não houvesse médicos criminosos ou pedagogos criminosos. A mãe
não toma sempre a melhor decisão sobre a dieta de seu filhinho, e eis que ela
passa ao controle do Dr. Crippen. Pensa-se que um pai não ensina a seus filhos
a mais pura moralidade, o que faz com que se os coloque sob a tutela de Eugene
Aram.
Estes célebres criminosos não são mais raros em suas profissões respectivas que
pais cruéis são na paternidade. Mas o caso é mais forte que isto, e não é sequer
necessário apelar a estes criminosos.
Ele pode estar entediado, ele pode ser subornado, ele pode ser brutal, por
qualquer uma das mil razões que já fizeram um homem ser brutal.
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Todo este senso comum elementar é completamente deixado de lado nos
sistemas sociais e educacionais de hoje. Assume-se que o assalariado não irá
abandonar seu trabalho, simplesmente por ele ser assalariado.
Nega-se que o pastor dará a vida por suas ovelhas, ou, já que estamos falando
deste tipo de coisas, que a loba irá lutar para proteger seus filhoes. Querem que
creiamos que as mães são desumanas, mas não que os oficiais são humanos.
Que haja pais desnaturados, mas não paixões naturais. Ou, ao menos, que não
haja nenhuma onde a fúria do Rei Lear ousou encontrá-las: no funcionário
subalterno. Esta é a última descoberta brilhante para a educação das crianças, e
o mesmo princípio que se aplica a elas é aplicado aos pais. Assim como ela
assume que uma criança será certamente amada por todos, com a exceção de
seu pai e sua mãe, ela assume que um homem pode ser feliz com qualquer
pessoa, menos com a mulher que ele mesmo escolheu como esposa.
Diz-se, por vezes, que o socialismo ataca a família, o que se baseia em pouco
mais que no acidente de alguns socialistas apoiarem o amor livre. Eu já fui
socialista, não sou mais, e em momento algum eu acreditei no amor livre. É
verdade, acredito, que em um sentido amplo e inconsciente o socialismo de
Estado encoraja a arrogância coercitiva de que venho tratando. Mas se é
verdade que o socialismo ataque a família na teoria, é muito mais verdade que
o capitalismo a ataca na prática.
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algo se sua existência é prática. Homens que apontariam uma heresia calam-se
diante de um abuso. Quem quer que duvide deste paradoxo deve imaginar os
jornais imprimindo, do lado da Lista de Honrarias, uma lista de preços de
baronatos e títulos de cavalheiro, ainda que todos saibam que eles são vendidos
e comprados.
Desde seus primeiros dias na floresta, este agrupamento humano teve que lutar
contra monstros selvagens, e agora está lutando contra máquinas selvagens. Ele
só conseguiu sobreviver então, e só conseguirá sobreviver agora, através de
uma forte santidade interna, um juramento tácito ou uma dedicação mais
profunda que a da cidade ou da tribo. Mas ainda que esta promessa tenha
sempre estado presente, em um dado momento pivotal da nossa história ela
tomou uma forma especial, que tentarei esboçar no próximo capítulo. Este
ponto pivotal foi a criação da Cristandade pela religião que a criou. Nada
destruirá o triângulo sagrado, e até mesmo a Fé cristã, a mais espantosa
revolução que já aconteceu nas mentes, serviu apenas, num certo sentido, para
virar de cabeça para baixo este triângulo. Ela levantou um espelho místico em
que a ordem das três coisas foi revertida, e acrescentou uma Sagrada Família,
composta de filho, mãe e pai, à família humana composta de pai, mãe e filho.
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