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SÉCULO XIX
PROF. DR. GUSTAVO FRANÇA
REITORIA:
Dr. Roberto Cezar de Oliveira
PRÓ-REITORIA:
Prof a . Ma. Gisele Colombari Gomes
DIRETORIA DE ENSINO:
Prof a . Dra. Gisele Caroline Novakowski
EQUIPE DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS:
Diagramação
Revisão textual
Produção audiovisual
Gestão
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
01
DISCIPLINA:
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO SÉCULO XIX
IDEALISMO ALEMÃO
PROF. DR. GUSTAVO FRANÇA
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................................4
1. FICHTE .......................................................................................................................................................................5
2. A “DOUTRINA DA CIÊNCIA”.....................................................................................................................................5
3. A AUTOCONSCIÊNCIA ............................................................................................................................................. 7
4. O PENSAMENTO DE FICHTE: UMA VISÃO GERAL ...............................................................................................9
5. SCHELLING .............................................................................................................................................................. 10
6. FILOSOFIA DA NATUREZA ...................................................................................................................................... 10
7. IDEALISMO ABSOLUTO ........................................................................................................................................... 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 14
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
INTRODUÇÃO
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
1. FICHTE
Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) foi, provavelmente, o mais brilhante dos discípulos
de Kant. Acompanhou de perto a fase mais madura do pensamento do mestre de Königsberg e
chegou a ter uma de suas obras tomada equivocadamente por um escrito do próprio Kant.
A tarefa de todo o pensamento de Fichte é reorganizar as partes do sistema filosófico
kantiano. Kant havia tratado das distintas atividades da razão a partir de problemas singulares
que precisavam ser resolvidos (seja o problema da fundamentação das ciências, seja da
fundamentação da moral, e assim por diante). O projeto de Fichte é reconduzir cada uma dessas
atividades particulares da razão, descritas por Kant em sua mecânica e em seus limites, a um
único princípio fundamental.
Em outras palavras, a filosofia kantiana havia tratado de explicar as distintas partes da
organização da razão humana. Fichte buscar explicar a própria organização desde um princípio
unitário. Entretanto, a razão não pode se submeter a nenhum princípio fora de si. Ela é autônoma,
o que significa que todas as suas atividades singulares precisam remeter-se a uma ideia do todo.
Tal ideia, dessa forma, precisa necessariamente ser um princípio da razão pura.
Tal princípio racional absoluto só pode ser uma finalidade. O único meio de tornar
2. A “DOUTRINA DA CIÊNCIA”
Em sua obra principal, a “Doutrina da Ciência”, Fichte constrói seu método. Para ele, o
conceito central da filosofia é o conceito de dever, que é aquele que expressa a relação entre o
fim último da razão e o funcionamento normal das atividades racionais particulares. Todas as
ações concretas da razão são meios para o fim último do sistema racional, o que significa que este
estabelece a norma, o ideal para aquelas. Toda atividade racional individual tende por dever-ser
ao telos da razão a que naturalmente se dirige.
Ora, o conceito de dever implica, por sua própria estrutura, uma contradição. Só se pode
falar em relação de dever quando há uma contradição entre a tarefa última da razão e sua atividade
efetiva na realidade concreta (se a atividade singular das funções racionais se identificasse com o
fim último, haveria uma relação de identidade, não de dever). Para Fichte, por causa disso, essa
contradição é a essência mesma da razão.
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Tal filósofo inaugura, portanto, um método dialético, que ficará de herança para todo
o desenvolvimento do idealismo alemão a partir daqui. Sua tese central é que da contradição
(insuficiência) entre uma primeira realização de uma atividade racional e a tarefa essencial da
razão surge a necessidade de uma segunda atividade racional, que ficará também aquém do fim
último, exigindo uma terceira atividade, e assim se podem deduzir num sistema teleológico todas
as funções intelectuais particulares como resultado necessário do próprio movimento dialético
da essência racional.
A “doutrina da ciência” é o nome que Fichte dá à Filosofia, reforçando a visão desta
como a disciplina fundamental que explica e fundamenta o estatuto de todos os conhecimentos
particulares. A Filosofia, pois, em Fichte, se distingue por possuir um problema particular e um
método próprio. Seu problema é a investigação em busca da tarefa fundamental da razão, que
unifica e justifica todas as demais atividades intelectuais do homem. Seu método é a dialética.
Fichte chama à sua própria filosofia idealismo, por contraste à posição filosófica que
nomeia dogmatismo. O dogmatismo busca explicar a consciência a partir das coisas, o sujeito a
partir do objeto, procedendo do ser à representação. No dogmatismo, há um ser originário que
causa as representações da consciência.
No idealismo, por outro lado, explicam-se as coisas a partir da consciência, procedendo-
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Fichte crê que Kant havia caído em contradição por seu conceito realista da coisa em
si. Para ele, a ideia de uma coisa (o númeno) que seja a origem das nossas representações é
inconcebível. É impossível supor que as nossas representações venham das coisas. A causa das
representações tem que estar num ato representativo originário, que é, afinal, a autorrepresentação,
a autoconsciência pura, sem a qual nenhuma consciência é possível e, portanto, tampouco
qualquer ideia a respeito das coisas. Na visão de Fichte, esse era o autêntico desenvolvimento
coerente do criticismo kantiano.
3. A AUTOCONSCIÊNCIA
Como agora começa a ficar claro, a filosofia fichtiana da autoconsciência se aparta das
teorias que havíamos visto sobre ela na Modernidade, desde Descartes (cf. WINDELBAND,
1951, p. 172). Em termos cartesianos, a autoconsciência é o atributo central de uma pré-existente
substância pensante. Para Fichte, por outro lado, a autoconsciência é uma ação que não pressupõe
uma substância pensante, mas, na verdade, cria-a ela própria. A substância pensante não é algo no
mundo e, em seguida, realiza um ato de pensar a si mesma. Em vez disso, ela própria é produzida
por esse ato originário inexplicável da autoconsciência.
O homem, como ser racional, nasce no momento em que pela primeira vez diz “Eu”.
O surgimento da misteriosa ideia “Eu” faz acontecer no homem a racionalidade. A condição
racional é, antes do que um fato, um evento originário, que ocorre de forma incausada, fazendo
do ser humano um participante na autoconsciência pura que é o próprio fulcro da realidade.
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Isso significa que o mundo não está fundado numa causa factualmente necessária, mas
num fim que deve ser realizado por meio dele. Esse fim é atividade que deve existir por si mesma,
bastando-se sem referência nenhum fim ulterior. A atividade infinita é a tarefa que jamais se
cumpre plenamente, a causa pela qual existem todas as atividades particulares e, com ela, o mundo
objetivo. A atividade que é fim em si mesma é, enfim, a atividade autônoma, aquela que se realiza
segundo sua própria legalidade, que, como já havia demonstrado Kant, é a atividade moral.
Se a lei moral é a lei que se justifica por sua própria legalidade formal, ela pode ser
reformulada como a atividade que se dirige somente a si mesma como fim, o impulso de se manter
o ato de impulsionar, que é o impulso originário do Eu absoluto e, portanto, a razão da criação
e da subsistência do mundo. Aqui, demonstra-se cabalmente a nova face da primazia da razão
prática. Em Fichte, a razão teórica não é mais do que um produto da razão prática na medida em
que todo o mundo dos objetos é um constructo do sujeito transcendental infinitamente ativo.
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5. SCHELLING
As doutrinas centrais que caracterizarão o desenvolvimento do idealismo alemão
encontram quase sua primeira origem na doutrina da ciência de Fichte. O filósofo que, de forma
mais duradoura e bem-acabada, prosseguiu com a construção de um tal sistema idealista foi
Friedrich Schelling (1775-1854).
Schelling está entre os filósofos mais difíceis de se ordenar para uma exposição breve e
sintética. Assim como Leibniz, ele não foi um filósofo sistemático. Foi um pensador de intensa
atividade, deixando uma obra gigantesca (catorze volumes compõem suas obras completas). Tal
obra não perfaz um sistema unitário construído metodicamente. Ao contrário, a trajetória de
Schelling é extremamente sinuosa, composta de várias mudanças de interesse e de enfoque.
Distinguem-se, normalmente, cinco fases no pensamento de Schelling: i) a filosofia da
6. FILOSOFIA DA NATUREZA
O primeiro ponto a que Schelling deseja se dedicar, uma vez debruçando-se sobre a
doutrina da ciência de Fichte, é aquele referente ao conhecimento da natureza. Fichte, como
acabamos de ver, havia considerado a natureza como mero meio para a realização do fim moral.
Schelling não pretende renunciar a essa tese geral, mas desenvolvê-la de modo a explicar
as formas particulares da natureza, tarefa não empreendida por Fichte. Este apenas deduziu
teleologicamente a natureza de modo geral, sem chegar a explicar nenhum fenômeno natural
específico. Schelling, por sua vez, deseja desenvolver a natureza como um grande sistema
teleológico emanado da razão.
Schelling se dá conta de que, se a natureza deve aparecer como um monumental sistema
teleológico, a finalidade que dá causa última à existência do sistema só pode ser buscada na
razão. Entretanto, tal finalidade não pode ser a própria ação moral, pois esta nunca se realiza pela
natureza, mas sempre pela liberdade. O fim da natureza, pois, só pode ser a realização de uma
condição, somente mediante a qual a ação moral é possível.
Tal condição é a inteligência consciente, o Eu teórico. Isso significa que a natureza tem
que ser tomada como um sistema de processos cujo fim é levar a cabo a produção da inteligência
consciente. A natureza deve ser vista como a forma inconsciente da vida racional, cuja tendência
inata é o surgimento da vida consciente. Todo o sistema natural é um grande caminho dirigido
ao despertar do espírito, que encontra a si mesmo no surgimento da vida racional, na qual pode
habitar e se desenvolver em sua fase última.
Dessa forma, a natureza, em Schelling, não pode ser vista como uma mera sucessão causal
de fenômenos, mas como um grande organismo vivo, cujas partes existem para o propósito único
de dar origem à vida consciente. A filosofia da natureza é a história do devir do espírito num
grande sistema orgânico.
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Para Schelling, as diversas formas de vida natural são os graus necessários de evolução
da vida inconsciente em direção ao surgimento da consciência, as formas necessárias por meio
das quais a razão busca elevar-se à sua forma espiritual definitiva. Por essa via, ocorre a extensão
do idealismo à tarefa de deduzir não só a natureza em geral, mas também as formas empíricas
singulares com vistas à formação do Eu.
7. IDEALISMO ABSOLUTO
Na Alemanha daquela época, a Filosofia passava a receber grande influência da estética e
das artes. Se retomarmos agora aquela distinção entre os métodos da filosofia que propusemos na
disciplina de “História da Filosofia Moderna”, torna-se mais fácil entender o porquê.
Como estamos percebendo, a filosofia alemã posterior a Kant assumiu uma violenta
guinada rumo ao método idealista (jogando fora todo o esforço do criticismo kantiano por
estabelecer uma filosofia a partir dos entes mais próximos), partindo da construção de uma ideia
do absoluto, a partir da qual se poderiam deduzir todas as realidades conhecidas.
O método idealista aproxima o ofício filosófico àquele do artista. O filósofo idealista
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Começamos a ver, ao longo desta unidade, como se desenvolveu a filosofia alemã depois
da grandiosa síntese de Kant. Já podemos constatar – e pretendemos insistir nisso na próxima
unidade – que o chamado idealismo alemão, embora sempre muito vinculado a Kant como sua
mais próxima influência, representou uma forte ruptura com o legado kantiano, trilhando um
caminho que nos leva, na verdade, muito longe do espírito do projeto do mestre de Königsberg.
Embora Fichte pensasse que estava trazendo à tona a versão mais coerente da filosofia
crítica, sua “pequena correção” de atirar fora o realismo da coisa em si, supondo o fenômeno
não como uma representação das coisas, mas como um produto de um ato mental, subverte
inteiramente o pensamento kantiano.
Havíamos visto, em “História da filosofia moderna”, que Kant foi capaz de erguer um
sistema de método realista, partindo, por meio de uma humilde crítica das capacidades intelectuais
humanas, das coisas mais próximas e evidentes ao entendimento para terminar, numa reflexão
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
02
DISCIPLINA:
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO SÉCULO XIX
HEGEL
PROF. DR. GUSTAVO FRANÇA
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................... 16
1. O SISTEMA HEGELIANO ......................................................................................................................................... 17
2. MÉTODO ................................................................................................................................................................... 18
3. A “FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO”.....................................................................................................................20
4. LÓGICA .....................................................................................................................................................................22
5. FILOSOFIA DA NATUREZA ......................................................................................................................................23
6. FILOSOFIA DO ESPÍRITO ........................................................................................................................................24
7. UMA VISÃO GERAL ..................................................................................................................................................26
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................28
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INTRODUÇÃO
A evolução do idealismo alemão no período posterior a Kant nos leva ao ponto culminante
desta escola, com Georg Hegel (1770-1831), o pensador mais abrangente e influente do século
XIX.
Esta unidade será integralmente dedicada ao seu pensamento. Sobre as bases do idealismo
desenvolvido por Fichte e por Schelling, Hegel constrói um sistema detalhado e profundo, que
pretende desenvolver e explicar toda a realidade existente. Aqui, buscaremos, sempre dentro dos
nossos limites, esclarecer as linhas gerais de cada parte dessa obra monumental.
Iniciaremos descrevendo o método hegeliano para, em seguida, apresentar o projeto de
sua “Fenomenologia do espírito”. Enfrentaremos, ao longo da unidade, o esquema geral de cada
parcela desse longo sistema: a lógica, a filosofia da natureza e a filosofia do espírito.
Quando tivermos descrito todo o sistema filosófico hegeliano em sua versão extremada
do idealismo reinante na Alemanha daquele momento, poderemos constatar com melhor
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1. O SISTEMA HEGELIANO
Como pudemos ver e insistir ao longo de toda a Unidade 1, a filosofia alemã que se
desenvolveu a partir de Kant está centrada numa obsessão pelo Absoluto como tema central
que move o espírito de seus principais autores. O idealismo é uma busca épica e incessante pelo
Absoluto, que se pretende intuir diretamente, como uma ideia fundamental capaz de fincar o
sustentáculo de um sistema de explicação do mundo como o conhecemos.
Consoante encerramos a unidade anterior comentando, os grandes sistemas idealistas
são, no fundo, grandes sistemas poéticos. Os filósofos dessa fase são notáveis artistas, criando
com grande liberdade de mente estruturas representativas da realidade como um todo e de seu
fundamento central. Estamos diante de narrativas – ora dramáticas, ora épicas, ora sagradas – da
grande origem de um mundo inteiramente pensado, com todos os seus conceitos e sua realidade
logicamente organizada.
Realmente, não foi por acaso que a doutrina da ciência de Fichte veio a desembocar
no romantismo. Um movimento estético-filosófico que unia as necessidades das artes e do
pensamento filosófico era o destino natural do idealismo alemão. Estamos diante de um filosofar
erguido pela intuição retumbante do gênio artístico, que, com sua criação, leva-nos pelos pilares
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2. MÉTODO
O mais imediato parentesco de Hegel é com a doutrina da ciência de Fichte e com o
desenvolvimento do método universal ali contido. Vimos na Unidade 1 que, desde esse filósofo,
houve esforços pela construção de um método dialético. É Hegel que logrará conceder contornos
definitivos a esse método, revelando-o formalmente em toda a sua radicalidade.
Segundo ele, as contradições constituem a própria essência da realidade, que, ao mesmo
tempo, contém em si também a sua conciliação. Todo conceito se transforma necessariamente
no seu contrário, mas da síntese dos opostos surge o conceito superior de sua união. Nesse novo
conceito originado ocorre o mesmo processo, que se desenvolve continuamente até a síntese final
e suprema.
Esse processo não é somente o do pensar filosófico, ou seja, um processo ocorrido no
interior de conceito como estruturas gramaticais da nossa mente. O espírito e o conceito, como
já sabemos, constituem a essência de todas as coisas. Por isso, trata-se do desenvolvimento real
por meio do qual o espírito produz em si o universo, chegando a si mesmo de volta no fim do
processo. O desenvolvimento dos conceitos é, ao mesmo tempo, lógico e metafísico – pois o
mundo do pensamento e o da realidade são agora o mesmo.
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3. A “FENOMENOLOGIA DO ESPÍRITO”
A “Fenomenologia do espírito” é a obra escrita por Hegel para introduzir seu sistema
filosófico, dispondo o espírito para o exercício do pensamento metafísico. Trata-se de uma obra
dificílima, uma das mais obscuras já escritas em toda a história da Filosofia. A razão para isso
não se reduz ao estilo próprio de escrita do autor, cuja aridez se verifica também nas suas obras
principais.
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Hegel identifica três graus nesse processo. Primeiro, o estado primitivo da consciência
objetiva, que começa com a certeza da sensação. Ela passa, pelo processo da percepção e da
compreensão, à compreensão das coisas por meio intelecto, chegando ao estágio final da
autoconsciência individual. Esta última atua em contraste com o mundo exterior, do qual separa
e o qual cria, do qual retira a sua liberdade, mas no qual termina desesperançoso e se submete à
autoridade histórica.
O grau superior da consciência, por sua vez, se desenvolve em três formas. Primeiro, a
autoconsciência racional, que, como razão objetiva, busca as leis do mundo objetivo. Segundo, o
Eu prático, que desfruta das coisas. Por fim, o espírito moral, que compreende que na ordem das
coisas reina o Espírito Supremo e se submete a ele, na comunidade racional.
Aqui, o homem evoluiu até a formação da comunidade moral, na qual o espírito se
desenvolve mais plenamente. Esse estágio da dialética é, pois, uma dialética entre o indivíduo
e a espécie. O indivíduo se subleva contra a generalidade, e a generalidade procurar tiranizar o
indivíduo com seu poder absoluto. Surge, nesse processo, a luta entre a cultura e a fé, e a Ilustração
é levada à barbárie. Da contradição entre a utilidade banal e a genialidade moral, surge a síntese
perfeita da religião.
A religião, segundo Hegel, é o estágio supremo da razão e se desenvolve também
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4. LÓGICA
O próximo passo, pois, é detalharmos cada uma das três partes do sistema de Hegel. A
primeira delas é a lógica.
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5. FILOSOFIA DA NATUREZA
Comparada ao restante de seu sistema, a filosofia da natureza de Hegel é sua parte menos
original. No essencial, nosso filósofo se atém ao esquema geral previamente estabelecido por
Schelling. Além disso, aqui, por seu desprezo às ciências empíricas e sua pouca familiaridade
com os métodos de investigação do campo da natureza física, Hegel procede, em suas deduções
categoriais, com uma arbitrariedade ainda maior (cf. WINDELBAND, 1951, p. 262).
A natureza, como já sabemos, é o espírito em seu “ser fora de si”. O caráter geral e as principais
formas desse ser, na visão de Hegel, podem ser deduzidos do conceito de espírito. Entretanto, na
natureza, existe sempre inevitavelmente algo estranho ao espírito, cuja característica não pode
ser deduzida. Quer dizer, o fato de que o espírito se transforme em natureza pela manifestação de
sua exterioridade é próprio de seu conceito, mas a maneira peculiar em que essa exterioridade se
constitui não se extrai da essência do espírito.
Eis o grande mistério aportado pela perspicácia de Hegel em sua filosofia da natureza
– cuja afirmação é muito mais digna de nota do que os elementos internos dessa doutrina. A
doutrina hegeliana, como estamos constatando, é uma fusão radical entre o real e o racional, de
modo a atribuir ao real, por seu próprio princípio, uma plena e imediata cognoscibilidade pelo
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6. FILOSOFIA DO ESPÍRITO
A terceira parte do sistema hegeliano é a filosofia do espírito. Aqui, por sua maior
afinidade à capacidade especulativa do filósofo, a estrutura tripartite se encontra desenvolvida
de forma muito mais clara e bem justificada, com objetos que nos soam menos arbitrários e mais
bem relacionados à meditação filosófica a que estamos acostumados. É também a porção mais
ampla e desenvolvida do sistema de Hegel.
O espírito possui, naturalmente, três formas essenciais de seu desenvolvimento: i) o
espírito subjetivo ou individual; ii) o espírito objetivo ou geral; e iii) o Espírito Absoluto ou Divino.
À ciência que trata do espírito subjetivo Hegel chama de Psicologia. A Psicologia estuda
toda a vida psíquica do indivíduo, desde a manifestação mais elementar da alma como forma
orgânica de um corpo até o desenvolvimento da consciência de sua essência mais íntima como
parte do Espírito Universal. Seguindo as três partes da Psicologia, na antropologia, Hegel trata
da alma natural, de seus sentidos empíricos e do desenvolvimento da consciência, por meio da
qual chega à realidade em sentido pleno; na fenomenologia, trata do processo por meio do qual
a consciência se transforma em autoconsciência e em razão; e na psicologia em sentido estrito,
trata do desenvolvimento da razão em seus âmbitos teórico e prático para culminar na vontade
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos ver, sempre num esboço muito geral de algumas linhas fundamentais escolhidas
a dedo, os traços básicos da estrutura do sistema hegeliano. Com isso, fomos capazes de constatar
a realização final de tudo o que a intensa atividade intelectual alemã da era pós-Kant, entre
idealismo e romantismo, vinha produzindo em seu pensamento.
Hegel é a evolução natural do sistema idealista que começou a ser gestado na virada
operada por Fichte a partir de uma apreensão curiosa do sistema kantiano. Ao substituir o
realismo da coisa em si pelo Eu como autoconsciência criadora do conhecimento, Fichte fez a
filosofia enveredar por um caminho totalmente diferente daquele que lhe dera Kant.
Em Fichte, toda a experiência da realidade está sediada num Eu fundamental, que é pura
autoatividade; em Schelling essa ideia é expandida para um Absoluto que pode ser deduzido
pelo seu desdobramento nas formas da natureza e da consciência. Hegel fornece o acabamento
a essas ideias centrais, construindo um sistema central que é a própria identidade entre o real
e o racional, em que o filósofo se coloca no ponto de vista divino para revelar, pela dedução
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
03
DISCIPLINA:
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO SÉCULO XIX
SISTEMAS HEGELIANOS
PROF. DR. GUSTAVO FRANÇA
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................................30
1. CONTEXTO ................................................................................................................................................................ 31
2. FEUERBACH ............................................................................................................................................................. 31
3. MARX ........................................................................................................................................................................34
4. COMTE .....................................................................................................................................................................36
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................39
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INTRODUÇÃO
Até este ponto, o modo de expor a história da Filosofia na Modernidade segue certo
rumo canônico, consagrado em praticamente todos os manuais. Inicia-se com Descartes, a partir
do qual a Filosofia moderna se desenvolve em dois ramos: o empirismo britânico, que culmina
em Hume; e o racionalismo, que dos discípulos de Descartes chega à Alemanha com Leibniz.
Ali mesmo, produz-se a síntese superadora de Kant, e seus sucessores dão origem ao idealismo
alemão, do qual Hegel é a forma final.
Depois de Hegel, não há qualquer consenso sobre o melhor caminho a se tomar para
ordenar a exposição de sua posteridade na porção final do século XIX. Diferentes autores
organizarão sua linha histórica segundo critérios muito diversos. O fato é que a fragmentação das
múltiplas escolas torna a disciplina histórica sensivelmente mais difícil a partir do momento em
que agora estamos.
O critério que elegemos para ordenar os temas a serem tratados nesta unidade e na
próxima foi a adesão à ideia hegeliana de sistema. Desse modo, exporemos primeiro aqueles
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1. CONTEXTO
Retomando agora o que acabamos de dizer na introdução, demos a esta unidade o nome
curioso e, sem dúvida, polêmico de “Sistemas Hegelianos”. Certamente, há larga margem para
que se ponha em dúvida que algum desses filósofos de que agora trataremos são hegelianos.
Chamo assim não propriamente a eles, mas ao seu estilo de pensamento. Como
comentamos ao final da Unidade 2, a argúcia formal de Hegel na estruturação de seu sistema
marcou definitivamente a visão de ciência da geração posterior. Os filósofos que ora apresentaremos
propõem sistemas de pensamento integrais cujo arcabouço claramente se inspira no método
hegeliano – às vezes, em aspectos muito sutis.
Os sistemas que agora estudaremos, muitas vezes, se erigem até mesmo contra Hegel
no conteúdo do filosofar. Entretanto, são sistemas “ao modo de” Hegel, sistemas idealistas que
buscam explicar conceitualmente toda a dinâmica da realidade.
2. FEUERBACH
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O ponto central que leva à filosofia feuerbachiana é aquele “ponto cego” do pensamento
de Hegel: o limite da dedutibilidade da realidade pelo espírito, encontrado na casualidade da
natureza. Logicamente, para Hegel, a particularidade dos fenômenos naturais singulares que
escapava às deduções racionais se devia a uma inadequação da realidade ao conceito. A natureza
era a suma imperfeição do real, já que alheia ao ideal, ao pensamento fundante do espírito, que
confere toda verdadeira substância ao que existe.
Feuerbach, por sua vez, inverte a conclusão de Hegel e atribui a indedutibilidade da
natureza, ao contrário, à inadequação do conceito à realidade. Se os fenômenos naturais não
cabem na teoria de Hegel, esse é um defeito da filosofia, não da natureza.
Não teremos condição de nos alongar nos enormes debates que dividiram atrozmente os
discípulos da escola hegeliana. Basta assinalarmos que Feuerbach se encontrava entre aqueles que
constituíram o que se convencionou chamar de “esquerda hegeliana”. A posição que caracterizava
tal “lado” era a defesa de que o Espírito Absoluto de Hegel era, na verdade, simplesmente seu
espírito objetivo, isto é, a razão geral da espécie humana.
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O homem deseja, por natureza, corresponder ao seu conceito da espécie e, por esse desejo,
termina por atribuir ao conceito a realidade de um ser supremo. O homem tende ao infinito por
inclinação de sua razão e coloca o infinito de frente para si mesmo como um ente separado, em
Deus. Deus é aquilo que o homem quer ser como humano pleno. A religião é uma necessidade
psicológica, um produto da atividade normal da razão individual em suas potências internas.
Se, ao menos a princípio, parecia que Feuerbach admitia, pelo menos, a realidade da
ideia de humanidade presente em nossa consciência, ao final de sua obra, ele nega até mesmo
a existência desse conceito, proposta agora como mera ilusão dos indivíduos. Feuerbach é um
nominalista, que, em sua crítica da filosofia de Hegel, convenceu-se de que a individualidade
jamais pode ser deduzida da ideia, mas é esta que sempre vem daquela (cf. WINDELBAND, 1951,
pp. 299-300).
Quer dizer, o universal, o conceito e a ideia constituem o espiritual, enquanto o individual
e o particular constituem o natural. O método dialético havia sido incapaz de penetrar o reino
natural; não podia conceber a natureza, porque considerava a ideia a realidade suprema. O
naturalismo de Feuerbach, por sua vez, considera que a natureza e o indivíduo devem ser tomados
como a realidade suprema.
A filosofia hegeliana, nessa perspectiva, inverte todas as coisas. O espírito e a universalidade
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Em suma, acabamos percebendo que o idealismo alemão, inaugurado por Fichte, que
encontrou tão belas formas no romantismo e que alçou tão alto voo em Hegel, se encerrou
numa queda muito abaixo do que se poderia imaginar. O idealismo alemão se resolveu num
materialismo, e nesse materialismo o pensamento germânico irá chafurdar pelas gerações
posteriores, como seguiremos estudando agora.
3. MARX
Como adiantamos no tópico anterior, é justo considerar a filosofia de Karl Marx (1818-
1883) como uma espécie de feuerbachismo prático. A figura de Marx certamente invoca a chama
ardente da paixão política, e suas ideias socioeconômicas, por terem sido tão largamente aplicadas
ao longo do século XX, despertam imediata controvérsia num terreno histórico muito concreto.
Aqui, porém, tentaremos deixar tudo isso de lado por um momento a fim de tentarmos identificar
o objeto de nosso estudo – estamos, afinal, numa disciplina de História da Filosofia – a posição
peculiar de Marx numa história das ideias filosóficas, como sucessor da esquerda hegeliana de
Feuerbach e aprofundador principal do materialismo em que se dissolveu aquele que parecia o
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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Na Idade Média, havia uma identidade entre as classes sociais e as classes políticas. O
indivíduo participava do Estado na medida em que participava de uma corporação de ofício
e, assim, a classe econômica determinava a classe política. Como remédio para a contradição
gerada por essa separação na Modernidade, Hegel propõe a superação dessa separação. Ora,
critica Marx, mas isso seria retornar ao Estado medieval. Para ele, a transformação das classes
políticas em classes sociais, em que as diferenças socioeconômicas já não constituam diferenças
políticas, é um progresso.
Segundo a visão de Marx, todos os elementos para a crítica de um mundo alienado se
encontram na dialética de Hegel, mas obscurecidos por uma perspectiva espiritualista. Já devemos
ter percebido que o objetivo da filosofia de Marx é libertar as percepções geniais de Hegel da
realidade à nossa volta de sua abstrusa metafísica idealista, que impede a consciência daquilo que
foi percebido e sua importância.
Marx considera que o mais importante em Hegel é sua dialética da negatividade como
princípio motor e criador. Disso derivam a compreensão da autocriação do homem como
processo vital, a objetificação como perda do objeto, como alienação, a ser transcendida por um
processo de síntese e, por meio disso, a compreensão da essência do trabalho, na concepção do
homem objetivo (o homem verdadeiramente real) como produto de seu próprio trabalho.
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No fundo, Feuerbach também considera o homem por sua essência, ainda que seja uma
essência estritamente material (trata-se, como vimos, de uma essência natural a partir da qual se
geram as ideias espirituais, por um processo meramente intelectual). Em Marx, dá-se mais um
passo: não há essência humana anteriormente à atividade produtora dos indivíduos. O que existe
realmente é apenas uma incessante atividade de satisfação das necessidades materiais, e dessa
atividade tudo deriva, inclusive o conteúdo daquilo que se considera a natureza humana.
Em suma, o materialismo feuerbachiano ganha um novo sabor na filosofia social de Marx.
Entretanto, as cores novas do materialismo histórico se mantêm vinculadas ao paradoxo curioso
que marcava a filosofia de seu antecessor: ao mesmo tempo em que se trata de uma ruptura
radical com o espiritualismo extremado de Hegel, ainda se sustenta como um sistema idealista
que abarca a realidade como um todo, construído ainda segundo o método e categorias essenciais
da dialética hegeliana, presente numa visão evolutiva necessária da história humana e num ideal
de ciência dedutiva capaz de compreender todo o processo da humanidade sobre a terra.
4. COMTE
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Para Comte, o progresso da ciência tende a reduzir os fatos gerais aos quais deve apelar.
O último passo do sistema teológico foi a substituição do politeísmo pelo monoteísmo. O do
sistema metafísico foi a redução de todas as entidades abstratas a uma única – a natureza. A
perfeição do sistema positivo, pois, seria reduzir todos os fenômenos a uma única lei.
O positivismo carrega sempre uma tensão (tensão essa que vimos já em Hume, quando o
estudamos em “História da Filosofia Moderna”). O conhecimento positivo não pode ser apenas
uma coleção de fatos. Não há verdadeiro conhecimento sem uma teoria que relacione os fatos
observados de modo orgânico. Não é possível renunciar absolutamente a todo tipo de explicação,
mas é preciso agora buscar uma explicação positiva, que não atribua à razão o poder de captar o
todo da realidade.
Comte também afirma que esse progresso do espírito humano, da infância das velhas
religiões à maturidade da ciência positiva, é sempre gradativo. Aquelas ciências que tinham um
objeto mais simples progrediram mais rapidamente: primeiro, a Astronomia; depois, a Física e
a Química; e, finalmente, a Fisiologia. Há, no entanto, uma esfera de fenômenos à qual o estudo
positivo ainda não chegou: a esfera dos fatos sociais. Essa é a tarefa fundamental que a filosofia
de Comte pretende realizar: conduzir o saber humano à construção de uma física social, última
lacuna a ser preenchida para o estabelecimento definitivo da ciência positiva.
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Essa ordem, insistimos, é, sobretudo, uma ordem lógica, segundo as próprias características
abstratas de cada ciência, mas Comte gosta de a ela justapor uma ordem histórica, segundo ele,
fundamental para a compreensão de como as ciências se constituem no mundo humano concreto.
Os objetos mais simples são também os mais gerais e, portanto, cabe às ciências de objeto mais
simples fornecer os princípios gerais àquelas de objeto mais complexo. Ao menos intuitivamente,
não parece que a Astronomia, nessa esteira, deveria vir antes da Física, mas Comte propõe que
os fenômenos astronômicos são os mais gerais, simples e abstratos e, por isso, suas leis influem
naquelas de todos os demais fenômenos, como é o caso da gravitação universal.
Para Comte, como vimos, a parte mais original de todo o seu sistema é a Física Social,
à qual dá também o nome de Sociologia (termo criado por ele). Segundo o pensador francês,
a organização social padece de tantos problemas ao longo da história e parecia recair, em seus
tempos, num estado de anarquia porque, como demonstra seu sistema, toda prática depende de
uma teoria sólida que a oriente. Dessa forma, a prática política, de organização das comunidades
humanas, exige uma teoria social. Entretanto, essa teoria ainda não existe já que, no âmbito
social, a humanidade segue na fase teológico-metafísica. A desordem no mundo pós-Revolução
Francesa, em sua interpretação, se deve ao vácuo causado pela crise final da política metafísica,
sem que já tenha surgido a ciência positiva da sociedade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa divisão que escolhemos para orientar nossas aulas, acabamos de ver um dos “lados”
da posteridade de Hegel. Justamente, o lado hegeliano, ou seja, o daqueles que buscaram construir
sistemas inspirados pelo método hegeliano. Se o cenário pode parecer um tanto desolador, é
também bastante didática para que compreendamos a importância dos alertas que fizemos sobre
os inevitáveis descaminhos de um método idealista em Filosofia.
Como constatamos, a fatal confissão de Hegel da indedutibilidade dos fenômenos da
natureza expôs a fratura de seu sistema e conduziu à conclusão óbvia: se o “espírito” de Hegel não
é compatível com a realidade, o problema não pode ser da realidade, mas do suposto “espírito”, que
não é verdadeiro espírito, nem, no fundo, real. A denúncia feuerbachiana do espírito hegeliano
como produto da realidade material era o fim que podíamos antecipar de toda a ambição da
lógica totalizante do patrono alemão.
É impressionante conferirmos como, um a um, os sistemas hegelianos conservaram o
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UNIDADE ENSINO A DISTÂNCIA
04
DISCIPLINA:
HISTÓRIA DA FILOSOFIA DO SÉCULO XIX
PENSAMENTO ANTISSISTÊMICO
PROF. DR. GUSTAVO FRANÇA
SUMÁRIO DA UNIDADE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................... 41
1. CONTEXTO ................................................................................................................................................................42
2. SCHOPENHAUER.....................................................................................................................................................42
3. KIERKEGAARD .........................................................................................................................................................45
4. NIETZSCHE ..............................................................................................................................................................48
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................................................52
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INTRODUÇÃO
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1. CONTEXTO
Depois de estudarmos alguns dos mais famosos sistemas completos de interpretação
da realidade, a partir de princípios unilaterais, cabe-nos agora buscar compreender as justas
e esperadas reações a essa ideia, transformada em cultura mesmo, de estabelecimento de uma
ciência filosófica decisiva, capaz de estabelecer o progresso último da humanidade rumo a seu
estágio derradeiro (qualquer que seja a concepção que se tenha desse progresso).
Se a Unidade 3 foi marcada pelo intenso otimismo quanto às capacidades humanas de
evoluir continuamente na história rumo a um ideal apreensível de conhecimento e de sociedade,
esta unidade será tomada pelo mais violento e doloroso pessimismo quanto ao estado permanente
da humanidade. Aqui, a crença no progresso será alvo do mais mordaz deboche, e veremos o
homem sendo encarado como preso a uma condição frágil, vítima das intempéries de um mundo
muito maior que ele e cujas fatalidades superam, e muito, suas capacidades intelectuais e práticas.
2. SCHOPENHAUER
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Tome cuidado para não confundir os sentidos sutilmente distintos que o termo
intuição pode ter nas diversas filosofias.
Vimos em “História da filosofia moderna” que Kant usa intuição num sentido
diverso do sentido clássico. Na filosofia clássica, intuição é o conhecimento
imediato, que não passa pelo raciocínio. Em Kant, intuição é toda recepção de
objetos pelo nosso aparato cognitivo (a recepção dos dados dos sentidos é a
intuição empírica).
A intuição intelectual de Kant seria uma intuição em sentido clássico, a recepção
de um objeto diretamente pelo pensamento.
A intuição genial dos românticos se diz por oposição ao conhecimento científico
– também correspondendo, ao menos latamente, à intuição em sentido clássico.
A estratégia de Schopenhauer com sua intuição genial (da qual falaremos mais
a seguir) é concordar com Kant que o homem não tem a intuição intelectual de
que fala a “Crítica da razão pura” – a recepção de um objeto pelo pensamento que
fundamentaria uma ciência metafísica –, mas tem uma “intuição intelectual que é
uma intuição genial”, um acesso imediato, não científico a uma realidade.
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3. KIERKEGAARD
O genial filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) é uma figura intrinsecamente
paradoxal. Ele é, ao mesmo tempo, um espécime típico da mentalidade intelectual reinante do
século XIX e seu brutal anátema. Kierkegaard é um filho da angústia existencial resultante da
explosão do balão inflado da espiritualidade científica de Hegel. Ele vive o mal-estar de uma
geração que já não acredita na razão e que luta contra o pessimismo de um mundo desordenado.
Porém, nessa realidade tão desconcertada, Kierkegaard desponta como um radical
apologeta da fé cristã. Do mesmo material orgânico oriundo da falência do idealismo hegeliano
que a ala esquerda de sua escola transformou em materialismo, Kierkegaard faz ressuscitar uma
nova espiritualidade. Do abismo em que Schopenhauer apelou para o quietismo do aniquilamento
(e em que Nietzsche abraçou muito mais apaixonadamente um nada absoluto, como veremos no
próximo tópico), Kierkegaard extraiu uma fé robusta e atormentada. Já não se trata de um espírito
coletado em conceitos de ciência dedutiva, mas de uma fé vibrante e pessoal que preenche o vazio
de uma razão aleijada. A fé científica de Hegel havia falhado, dando espaço ao retorno de uma fé
existencial e inefável.
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A fé é, portanto, um salto além do ético. Quer dizer, trata-se de uma passagem a outra
esfera da vida, alheia àquela dos padrões racionais e conceituais. O modelo da fé, diz Kierkegaard,
é Abraão, que aceita o aparentemente absurdo sacrifício de seu filho, acreditando contra toda
lógica, esperando contra toda esperança. A fé é contrária a toda razão. Enquanto o ético é a
racionalidade universal, a fé é particularíssima, é a posição do indivíduo diante de Deus, é a
resposta pessoal daquele indivíduo concreto que estabelece uma relação única com Deus.
Kierkegaard critica Sócrates e sua concepção de verdade como alétheia. Na visão socrática,
o mestre simplesmente induz o discípulo a se lembrar de uma verdade conhecida e esquecida.
O mestre, por isso, é apenas um maiêuta, um parteiro, que traz à luz a verdade já latente nos
corações e nas coisas.
Kierkegaard crê que essa solução suprime a decisão da vontade, o ato de livre, o ato de
conhecer, de buscar conscientemente a verdade. O discípulo, aquele que busca a verdade, deve
estar num estado de não verdade e deve ser consciente disso. O mestre é aquele que conduz o
discípulo a um novo estado, de compreensão da verdade.
O estado de não verdade em que estamos é uma situação em que nos pusemos por culpa
própria: o pecado. O homem não pode livrar-se do pecado por conta própria, porque justamente
no pecado alienou a sua liberdade e se fez prisioneiro. O homem deve ser posto por Deus em
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Em Kierkegaard, o cristianismo nunca pode ser histórico ou encontrar sua essência numa
forma externa, social. O cristianismo é sempre uma experiência interior, sempre particular. A fé é
sempre, nesse sentido, subjetiva, uma relação personalíssima entre um sujeito único e irrepetível
e um Deus que vem ao encontro de sua alma para satisfazê-la e elevá-la.
Em suma, a saída de Kierkegaard diante da profunda angústia instalada pelo pessimismo
ante os grandes sistemas da razão que naufragaram na posteridade de Hegel é bastante
surpreendente. Kierkegaard foi, de fato, um pensador único e original, que rechaçou todo
racionalismo extremado pelo anúncio de uma fé que salva ou aniquila a inteligência, ao passo
que rechaçou todo cientificismo social por uma volta radical à interioridade, tão esquecida pelos
pensamentos materialistas.
4. NIETZSCHE
Encerraremos nossa disciplina estudando Friedrich Nietzsche (1844-1900), certamente
um dos nomes mais polêmicos da filosofia, associado imediatamente ao niilismo e às ideias
destruidoras. Um homem que viveu quase sempre à margem, excluído da universidade e buscando
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Nietzsche pretende submeter o homem à análise da psicologia científica. Tal análise, para
ele, revela o mais desolador dos fatos: o homem não tem liberdade alguma de querer nem é
responsável pelos efeitos de suas ações. Portanto, o bem e o mal são ideias sem fundamento das
quais devemos nos livrar.
Nietzsche explica que a ideia de liberdade tem uma gênese empírica. Inicialmente, julga-
se se é bom ou mau o efeito de uma ação. Em seguida, se transfere o predicado para a própria
ação, depois, para o motivo da ação e, por fim, para o próprio autor. Nesse processo, torna-se o
homem responsável pelos efeitos de suas ações, a seguir por suas ações, por seus motivos, por
sua intenção e, por fim, por seu próprio ser. Ocorre que o homem não pode ser responsável por
nada, pois tudo nele, todos os seus efeitos e objetos, é mera consequência necessária de elementos
históricos, de um passado determinado e de um presente em constante devir. A história da moral,
por isso, é a história de um erro, da falsa atribuição de responsabilidade, que vem da ilusão da
liberdade da vontade.
A dor de perceber isso é, certamente, a dor mais profunda que se é capaz de sentir, e
seguramente muito poucos serão capazes de senti-la e, portanto, de olhar para a realidade a olho
nu. Entretanto, essa dor necessária para a passagem da humanidade moral para humanidade
sábia.
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Para Nietzsche, quem acredita na ciência, quem acredita na lógica, quem acredita numa
ética social e num projeto político que não sejam a nua e crua dominação dos fortes pela potência,
no fundo, ainda acredita em Deus. O ateísmo de Nietzsche é o mais consequente e consciente
daquilo que está negando que já houve em toda a história. Não pode ser confundido com o
ingênuo ateísmo do racionalista, que pretende uma razão capaz de explicar tudo por seu método.
Nietzsche sabe que, em toda a nossa tradição, Deus, como Logos, é o fundamento da expressão da
razão presente e enxergada em todas as coisas. Nietzsche não separa a fé da razão – antes, como
os escolásticos, ele reconhece a perfeita unidade entre ambos e compreende que jogar fora Deus
é jogar fora toda racionalidade.
Como certamente você viu nas disciplinas de filosofia antiga e filosofia medieval,
o pensamento cristão nasce de uma síntese entre a fé judaica e a filosofia de
Platão e Aristóteles. Foi São João, no prólogo de seu Evangelho, quem antecipou
essa síntese, ao identificar Jesus Cristo com o Logos de Heráclito, a razão eterna
por trás de todas as coisas. Cessou, assim, a distinção entre o Deus dos filósofos
Assim, no coração do homem, Deus está morto. E, com Deus, morre também a
humanidade. Toda essência imutável, toda verdade eterna que caracterizava o que considerávamos
nossa humanidade está agora morta junto com Deus. O homem acabou e deve ser superado pelo
super-homem. O super-homem é aquele que conhece o mundo em sua falta de sentido, que se
identifica com a irracionalidade completa e brutal da natureza.
O super-homem é aquele que sabe que a vida se conclui no tempo. É preciso desfrutar
da terra, sem nenhuma esperança ultraterrena. Eis o todo, a realidade em sua forma absoluta: é
preciso aprender a ser completamente e sem reservas aqui e agora.
O mundo de Nietzsche, em suma, é o mundo do ateísmo radical. Nietzsche vem
anunciar-nos um cosmos vazio, onde uma humanidade fabril renuncia a todo sonho celeste e se
dedica completamente apenas às relações utilitaristas de bem-estar. Talvez possamos caracterizar
os escritos de Nietzsche, em sua forma tão peculiar, como a reação de sua alma ante toda essa
tragédia do esvaziamento radical. A filosofia nietzschiana é a triste expressão da agonia de um
espírito diante dessa descoberta arrasadora, tão profunda e enlouquecedora quanto maior foi no
indivíduo a compreensão do que anunciava (cf. PUPI, in: VANNI ROVIGHI, 2015b, p. 291).
A conclusão de toda a filosofia de Nietzsche é uma crítica radical a toda a Modernidade,
em todas as suas instituições basilares. Todas as ciências, artes e todas as instituições políticas
modernas são duramente atacadas como expressão desse vão e ridículo sonho de racionalizar
a vida, de expressar a existência humana em códigos teóricos. Todas as crenças modernas de
“objetividade”, “ética universal”, “sentido histórico”, “cientificidade” são as mais vazias superstições,
agora desnudadas pela denúncia nietzschiana.
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A própria filosofia já não pode permanecer de pé. A velha definição da filosofia como
busca da verdade deve desaparecer, dando lugar à pura vontade de potência que preenche o
instinto da vida. A racionalidade é um rastejar por máscaras ideológicas animalescas, que se
recusam a aceitar a não verdade como condição da vida plena e autenticamente natural. A vida
totalmente humana é a vida sem valor, sem sentido, sem objetivos, sem respeito e sem compaixão.
Nessa dissipação de tudo que ainda estava de pé encerra-se o pensamento nietzschiano
e, com ele, a filosofia do século XIX. Esse século tão turbulento e cheio de contrastes nos alçou
aos voos mais altos e nos atirou às quedas mais profundas. Se sonhamos com o tudo em Hegel,
a construção paulatina daquele edifício foi também paulatinamente destruída até ficarmos com
o nada. De tudo ao nada, do Espírito Absoluto à matéria mais desencantada, do ateísmo mais
virulento à fé mais sentida, a todas essas viagens nos levou este estudo da Filosofia oitocentista.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encerramos nossa disciplina acerca das ideias filosóficas do século XIX com um excurso
pelo outro lado da moeda da recepção hegeliana. Se as tentativas de sistemas científicos de
compreensão da realidade pareciam cada mais vez mais estéreis e simplistas, era natural que se
levantassem aquelas vozes a perceber na própria noção de um sistema construído a partir de
poucos princípios apto a dar conta do comando da existência humana o verdadeiro problema,
contra o qual deviam se insurgir.
Assim, o fim do século XIX, tanto quanto a era de um racionalismo científico e socialmente
reformista, foi também a época de uma “ressaca” desse racionalismo que em Hegel atingiu sua
potência máxima. Pairava no ar uma desconfiança quanto aos poderes do intelecto humano e, a
reboque, quanto à própria racionalidade intrínseca do mundo tal como é.
Os filósofos que agora estudamos são filhos do mesmo abismo, paridos pelo mesmo
mal-estar com um mundo de ilusões que se desfazem. Depois de um tão grande inchaço da
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ENSINO A DISTÂNCIA
REFERÊNCIAS
DE LUBAC, H. O drama do humanismo ateu. Tradução de Christian Lesage. Campinas:
Ecclesia, 2022.
HEGEL, G. Fenomenologia do espírito. Tradução de Paulo Meneses, com col. Karl-Heinz Efken.
9. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
HEGEL, G. Linhas fundamentais da filosofia do direito. Tradução de Paulo Meneses et al. São
Leopoldo: Unisinos, 2010.
KENNY, A. Uma nova história da filosofia ocidental. Filosofia no mundo moderno. Tradução
de Carlos Alberto Bárbaro. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014. v. 4.
TAYLOR, C. Hegel: Sistema, método e estrutura. Tradução de Nélio Schneider. São Paulo: É
Realizações, 2014.
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