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CAPA

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4

2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?)


5

3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT ............................................................. 7

3.1 As fases do pensamento de Kant ......................................................... 9

3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas).


9

3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo ..................... 13

3.4 Kant e a crítica ................................................................................... 15

3.5 O tema ético em Kant ......................................................................... 21

3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica ........ 25

4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL ....................... 29

4.1 O sistema de Hegel é idealista. .......................................................... 32

4.2 Hegel e a história ............................................................................... 34

4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST) ................................................. 35

5 A FILOSOFIA E A VIDA DE NIETZSCHE................................................ 38

6 O MARXISMO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS............................. 41

7 FENOMENOLOGIA: GENÊSE E FORMA ............................................... 44

7.1 Edmund Husserl ................................................................................. 47

7.2 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) .................................................. 49

7.3 Simone de Beauvoir (1908–1986) ...................................................... 52

7.4 Martin Heidegger (1889-1976) ........................................................... 53

8 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA ............................. 56

9 ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO E DESCONSTRUÇÃO


59

2
9.1 Os pensadores da estrutura ............................................................... 61

9.2 Pós-estruturalismo: filosofia e rebelião social..................................... 64

9.3 A desconstrução das estruturas estáveis ........................................... 67

9.4 Experiência e subjetivação: o conceito de dobra em Gilles Deleuze . 70

9.5 O conceito de rizoma.......................................................................... 74

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 76

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1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável -
um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum
é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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2 FILOSOFIA E FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA (O AMOR AO SABER?)

Deleuze, Foucault e Sartre ao fundo, três importantes filósofos contemporâneos.


Fonte: https://abre.ai/ffew

A filosofia é um campo de experiência que se constituiu, desde os


gregos, enquanto uma prática de pensamento que questiona e investiga os
fenômenos da vida, da natureza e da cultura, buscando no uso autônomo do
entendimento seus fundamentos e motivações.
A filosofia não consiste, assim, em um simples amor ao saber. A significação
da palavra deve ser compreendida como a expressão de um afeto amoroso
específico, que se configura segundo os problemas de uma época e pela presença
orientada de métodos e motivos intrínsecos e necessários à sua realização. Isso não
quer dizer que a filosofia seja única ou fácil de definir. Pensadores, filósofos ou
simplesmente estudantes e estudiosos de filosofia ou profissionais de qualquer área,
ao começarem a lidar com um conteúdo de natureza filosófica, devem considerar que
estão em um campo de experiência com uma estrutura inconfundível, onde o
constante aprendizado é imprescindível, marcado pelo espanto e pela construção de
conceitos que buscam exprimir o sentido do mundo, como também participar de sua
produção.
Quando falamos de filosofia contemporânea é preciso, nesse sentido,
considerar a forma de amor ao saber que a filosofia constitui no período ‘histórico’ que

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chamamos contemporâneo. Uma maneira de compreender esse amor é diferenciar a
filosofia contemporânea de sua manifestação em outros períodos da história do
pensamento, identificando os temas e os problemas discutidos pelos filósofos e a
relação deles com as condições históricas e sociais nas quais eles constituem seu
amor à sabedoria. Se a filosofia medieval surge, por exemplo, marcada pela relação
entre fé e razão, através do esforço genial de autores como Tomás de Aquino e
Agostinho que buscam conciliar o pensamento cristão com a filosofia grega; a filosofia
moderna, por outro lado, entra em cena enquanto esforço de dar à racionalidade sua
autonomia, contestando às formas religiosas de compreensão do mundo medieval,
algo que será herdado pela filosofia contemporânea.
Por contemporâneo devemos entender o momento histórico em que estamos e
a nossa relação atual e virtual com o presente, com o passado e com o futuro da
modernidade, identificando o momento em que o pensamento moderno (Descartes, o
iluminismo, a física clássica, o Renascimento, a Reforma protestante) começa a tomar
feições que vão ser denominadas como contemporâneas. Por outro lado, a
modernidade e o mundo contemporâneo não são homogêneos e únicos, nem se
referem somente ao ‘’homem europeu’, visto como o primeiro a questionar os valores
da religião que configuram a vida social no mundo medieval.
A modernidade constitui-nos e é referência habitual do nosso pensamento,
existindo, ainda, na perspectiva de cada cultura e grupo social que a assume e a
vivencia como herança. Para entender a filosofia contemporânea precisamos, assim,
ver onde ela nasce e como ela nasce e qual a sua relação com a modernidade
entendida em sentido amplo, ou seja, segundo problemas que ainda nos dizem
respeito (BERMAN, 2007).
Historicamente, a filosofia contemporânea tem como marco cronológico a
Revolução Francesa e os inúmeros pensadores que constituíram discursos e práticas
que justificaram e questionaram sua existência. Considerando esse marco histórico e
cronológico, o primeiro grande pensador contemporâneo pode ser considerado
Immanuel Kant (1724-1804). É com ele que vamos começar nossos estudos.

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3 A FILOSOFIA CRÍTICA DE KANT

Nascido em uma cidade do antigo Reino da Prússia chamada de Konigsberg,


Kant é um filósofo moderno e contemporâneo ao mesmo tempo, já que sua filosofia
está na passagem entre a primeira modernidade ou idade clássica para o mundo
contemporâneo (MERLEAU-PONTY, 1999). Sua filosofia se configura pelo debate
com o racionalismo, com o empirismo e pelo impacto da Física de Galileu na vida
intelectual de seu tempo.
Interessante notar, que o que chamamos de contemporaneidade pós-revolução
Francesa, tem como característica o surgimento das diversas ciências humanas,
enquanto abordagens específicas de temas e fenômenos que eram até então tratados
pela filosofia. A psicologia, a sociologia e a antropologia são exemplos de ciências que
retomam problemas da filosofia, tais como o comportamento humano, o sentido da
subjetividade e o mundo da política e das relações sociais. O diferencial encontra-se
no uso de uma perspectiva inédita, que visa repetir no âmbito da investigação dos
fenômenos humanos um sucesso similar àquele das ciências naturais
(GOLDMANN,1978; LYOTARD, 2008).
Por outro lado, esse período surge marcado por um profundo questionamento
da função da subjetividade na formulação do conhecimento, algo que se inicia com a
filosofia de Descartes. Descartes funda a filosofia no ‘eu penso’, isso quer dizer que
ele parte do sujeito enquanto base para fundação de um sistema voltado a
compreender de modo distinto e rigoroso vários objetos e fenômenos. O eu “penso
cartesiano” começa, nesse sentido, a ser questionado e esse questionamento,
assume, na filosofia de Kant, um caráter crítico e transcendental, como veremos a
seguir.
Nesse contexto, Kant preparou um terreno para uma filosofia que pudesse ser
desenvolvida com bases completamente novas e iluminou os problemas relacionados
à subjetividade e à teoria do conhecimento. Esses temas ainda têm grande impacto
no âmbito das ciências humanas e naturais, como também em discussões no campo
das artes e da estética. O pensamento de Kant se destacou por levar até às últimas
consequências a virada antropocêntrica iniciada no período renascentista
(CASSIRER, 1986; LEBRUN, 2002)).

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A filosofia de Kant pode ser equiparada à metáfora, usada por ele mesmo, de
que era necessária uma revolução copernicana em filosofia. Dessa forma, em
astronomia, a revolução copernicana concluiu que o sol está no centro do nosso
sistema planetário, e tudo se move ao seu redor, contrariando as antigas teorias
medievais e gregas do geocentrismo. Apoiando-se, nessa imagem, Kant criticou a
tradição filosófica de sua época, mostrando que ela praticava uma forma de
pensamento semelhante àquela dos astrônomos geocêntricos, buscando um centro
para a filosofia e para ciência que não é verdadeiro. Ele indicava, assim, a
necessidade de deslocar o olhar do objeto para o sujeito que conhece, buscando
entender a forma como sujeito humano se coloca no mundo do conhecimento.
Nesse sentido, Kant se esforçará exatamente para compreender qual a função
do sujeito na constituição do conhecimento científico, pondo em relevo não mais a
estrutura do objeto, mas as condições que permitem o ato de conhecer. A filosofia de
Kant pode ser considerada uma das formas mais acabadas e consistentes da filosofia
iluminista, fazendo parte da tradição do século das Luzes, o século da razão e do
iluminismo, marcado pelas filosofias de Diderot, Rousseau, Montesquieu, Voltaire.
Contudo, a confiança de Kant na razão surge mediada pela ideia de que a
racionalidade deve ser pensada segundo sua conformação fundamental, ela deve
descobrir o seu sentido e suas possibilidades. Isto é, em sua perspectiva uma
racionalidade ‘sustentável’ seria aquela capaz de conhecer seus próprios limites, no
que tange ao que entra ou não no campo do conhecimento científico (CASSIRER,
1986; LEBRUN, 2002).
Assim, a revolução copernicana em filosofia é exatamente colocar a razão no
centro da investigação filosófica. Se os iluministas até Kant entendiam a racionalidade
como fundamento da experiência e da possibilidade de desenvolvimento humano e
social; Kant surge como contemporâneo, na medida em que a crítica da razão é uma
maneira não ingênua de tratar a racionalidade e compreender sua legalidade cognitiva
(DELEUZE, 1994).

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3.1 As fases do pensamento de Kant

A primeira fase do pensamento de Kant é conhecida como “pré-crítica” ou


“dogmática”. Ela começa com a publicação de seus primeiros trabalhos em 1755 e
termina em 1780 (DELEUZE, 1994). Nessa fase, o filósofo se orientava pelo
racionalismo de Gottfried Leibniz e Christian Wolff, uma filosofia que ele chamaria
posteriormente de dogmática, na medida em que não tinha em seu horizonte uma
análise dos limites do conhecimento humano (REALE; ANTISERI, 2006b).
Nesse período, a obra de Kant não incluía, um questionamento a respeito das
condições de possibilidade de conhecimento, voltava-se, para temas filosóficos e de
caráter científico oriundos da física, da geografia, da história e da matemática. Esses
assuntos eram tratados em suas aulas na universidade e em textos escritos naquele
período. Ele escreveu, também, dois livros de caráter cosmológico, que foram
famosos em sua época: Uma história universal da Natureza e Teoria do Céu, ambos
de 1775 (REALE; ANTISERI, 2006).
A segunda fase do pensamento kantiano, conhecida como “criticismo”, começa
a tomar relevo a partir de 1770, desdobrando-se a partir de uma espécie de choque
filosófico. Com base nos estudos da filosofia de David Hume (1711-1776), Kant afirma
ter despertado do seu sono dogmático. Esse despertar em Kant é chamado por
Deleuze (1994) de tribunal da razão, pois o filósofo passa a refletir sobre a legalidade
do conhecer, determinando suas regras e princípios, como também suas condições
de possibilidade. Nessa fase, Kant inicia seu projeto de superação das filosofias
racionalistas, visando como elas tratam o problema do conhecimento. Veremos,
agora, o sentido da crítica de Kant a essas correntes filosóficas e sua elaboração de
uma teoria transcendental do conhecimento.

3.2 O que podemos saber segundo Kant (entre racionalistas e empiristas).

A parte mais conhecida e considerada da obra de Kant são as publicações do


período crítico, que começam quando o filósofo já tinha 57 anos e também havia
construído uma sólida carreira universitária em sua pequena cidade natal (REALE;
ANTISERI, 2006).

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A sua teoria do conhecimento ou, se quisermos, a sua epistemologia se
configura na primeira crítica, a saber, a Crítica da Razão Pura de 1781. Nessa obra,
o filósofo trata do problema da razão, através de uma crítica de seus limites, querendo,
assim, responder à pergunta: o que podemos conhecer? Para entender como o
filósofo se situa diante deste questionamento, torna-se importante revisar na história
da filosofia como o problema do conhecimento foi tratado pelos filósofos anteriores à
Kant e como seu trabalho configurou-se diante da tradição.
Duas respostas antagônicas à questão da origem e da possibilidade do
conhecimento podem ser reconhecidas desde os antigos gregos: o racionalismo e o
empirismo. Todavia, é importante também entendermos que o racionalismo de Platão
não era o mesmo de Descartes e que posições racionalistas e empiristas foram
formuladas de muitos modos no decorrer da história do pensamento, mas de modo
diferenciado. Em história da filosofia, é importante evitarmos generalizações, ainda
que seja fundamental ver os pontos de contato existentes entre teorias surgidas em
tempos históricos muito distantes; nesse caso, sob os nomes racionalismo e
empirismo não encontraremos uma mesma filosofia, mas comportamentos teóricos
até certo ponto semelhantes porque fundados em uma perspectiva ontológica similar
(MERLEAU-PONTY, 1999).
Na época de Kant, o racionalismo dominava o continente europeu (França,
Alemanha, entre outros países); na ilha britânica, o empirismo era hegemônico. Para
o filósofo na sua fase crítica, as duas concepções eram insuficientes e problemáticas.
Opondo-se, às duas posições, o esforço epistemológico de Kant pretendeu dar conta
da ciência da época, explicando como foi possível a produção científica, em especial,
a Geometria Euclidiana e a Mecânica Newtoniana (REALE; ANTISERI, 2006).
Em termos gerais, podemos compreender o racionalismo como a "posição
epistemológica que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento"
(HESSEN, 1980). Nessa perspectiva, o racionalismo é uma posição teórica que
sustenta que basta o pensamento puro, tanto para a ciência formal, como para a
ciência fática ou empírica para a formulação do conhecimento verdadeiro (BUNGE,
1986). Descartes (1596 1650) é o fundador do racionalismo moderno. Com uma
proposta metodológica de base dedutiva, visando princípios instituídos de maneira
independente da experiência, retomou a teoria das ideias inatas, sua filosofia estava

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baseada na convicção de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da
realidade de modo semelhante ao conhecimento matemático, sendo interessa de a
filosofia construir seus métodos conforme o desenvolvimento das teorias
matemáticas. Afirmou que as ideias claras e distintas, descobertas em nossa mente
através da dúvida metódica, são verdadeiras, pois Deus não daria ao homem uma
razão que o enganasse sistematicamente (KENNY, 1999).
O racionalismo cartesiano foi responsável por uma profunda transformação no
modo como se concebeu a filosofia na tradição ocidental. Entre os dois milênios que
separam as obras de Platão (428–347 a.C.) e de Aristóteles (384–322 a.C.), escritas
no século IV a.C., da obra de René Descartes (1596–1650), datadas do século XVII,
não havia surgido uma teoria do conhecimento tão inovadora quanto o pensamento
cartesiano. Os filósofos gregos foram audaciosos ao propor um novo estilo de pensar,
colocando em dúvida as verdades oriundas da tradição mítica grega. Da mesma
forma, o racionalismo de Descartes propôs uma forma de interpretar a realidade que
acabou superando a filosofia da Idade Média, então dominada pelo pensamento
escolástico e pela preocupação de justificar a doutrina cristã através de conceitos e
métodos oriundos da filosofia grega (KENNY, 1999).
Em relação à tradição filosófica, na qual está inserido, Descartes apresenta
uma forma de fazer filosofia que não é simplesmente comentário ou releitura de outros
filósofos, mas uma tentativa de fundar um sistema de pensamento coerente e racional
inteiramente novo. A partir da prática filosófica, entendida como esforço de
pensamento, de retorno do sujeito a sua própria experiência, a fim de encontrar no
próprio pensamento as metodologias para se aproximar a verdade, Descartes
compara a sua filosofia com o trabalho de um arquiteto que demoliu uma casa e
constrói, posteriormente, outra inteiramente nova a partir dos seus destroços. O que
ele pretendia demolir era justamente tudo aquilo que os escolásticos — isto é, os
doutores da Igreja de sua época — tomavam como verdade; e a casa nova seria o
seu pensamento racionalista, científico e matemático (DESCARTES, 1973).
O profundo corte que o pensamento cartesiano opera na história da metafísica
e da teoria do conhecimento se dá em um contexto de desenvolvimento científico, cujo
impactos foram responsáveis pela formação da mentalidade moderna e,
posteriormente, pelo que entendemos atualmente como modernidade tardia ou

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‘mundo contemporâneo’. Há um consenso quase geral entre os historiadores da
filosofia, que Descartes foi o primeiro filósofo moderno, pela maneira como deslocou
a metafísica de suas questões teológicas — isto é, investigações relativas à existência
e à vontade de Deus — para uma investigação do universo a partir da mecânica e da
matemática (KENNY, 1999).
Descartes, assim, tornou possível o racionalismo moderno, justamente por
desconfiar de todas as verdades que seus contemporâneos afirmavam a partir de
suas crenças culturais, religiosas e da tradição filosófica. O Discurso do Método
(2009), nesse sentido, é um pequeno livro no qual vemos emergir um homem que
busca, antes de tudo, independência de pensamento, mas que a partir de sua
condição espiritual individual coloca em cena uma nova forma de pensar que encarna
todo um momento da história do pensamento. Em seu desejo de distinguir o
verdadeiro do falso, Descartes passou, assim, a duvidar radicalmente das opiniões
dos outros — o que, em sua época, a filosofia chamava de “senso comum” e que
Platão havia definido muito antes como "doxa". Assim, ele narra como utilizou seu
método para questionar várias dimensões do pensamento ocidental. Ao colocar em
suspenso todas as suas crenças e opiniões, ele buscava encontrar o elemento mínimo
e dedutível capaz de sustentar todo o edifício do saber científico (KENNY, 2009).
Para Descartes, em sua radicalidade, sua própria existência deveria ser
colocada em questão, pois como ele poderia saber que não estava simplesmente
sonhando ou sendo enganado por uma força desconhecida, um gênio maligno, por
exemplo? Desse procedimento de colocar sua experiência em dúvida, o que sobrou?
Apenas o filósofo, frente a sua própria racionalidade, o seu pensamento em
movimento, distinto de seu corpo e do mundo material, certamente em um quarto
solitário, mas apenas um eu e seu absoluto nada cheio de pensamento. É aí que
Descartes chega a uma das máximas mais poderosas da história da filosofia: se esse
“eu” que duvida continua existindo enquanto dúvida, então a realidade mais distinta
que se pode reconhecer é a existência do próprio pensamento:

[...] notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa
que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes
de a abalar, julguei que podia aceitá-la sem escrúpulo, como o primeiro
princípio da Filosofia que procurava (DESCARTES, 1973, p. 54).

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A partir da definição do “eu” pensante como a coisa mais clara e mais distinta,
o princípio sobre o qual se pode edificar um novo pensamento, Descartes se pergunta
qual seria a segunda coisa mais evidente. Seria a existência do seu próprio corpo?
Para Descartes, embora a razão pudesse extrair de si a evidência de sua existência,
nada ainda comprova que esse “eu” pensante fosse idêntico ao corpo que habita. Pois
o corpo, para Descartes, é a origem das sensações, da experiência, da empiria, o
lugar onde se originam as crenças e hábitos falaciosos que podem impedir o filósofo
de ver e ser tomado pela clareza da verdade que se diferencia da experiência dos
sentidos. A partir disso, Descartes define que os seres humanos possuem uma alma,
distinta do corpo, considerando que o corpo é da ordem daquilo que pode morrer e
alma uma dimensão eterna na qual a própria essência do humano estava presente.
Está formando, então, o cenário cartesiano dos debates entre racionalistas e
empiristas, que permitirá a Kant pensar o ato de conhecer como uma dimensão
transcendental, palavra que assumirá no filósofo alemão, um sentido especial e
específico como veremos a seguir.

3.3 A separação radical entre corpo e alma e o empirismo

Essa separação radical entre o corpo e a alma é um dos traços mais


característicos da filosofia de Descartes e foi denominado na história da filosofia como
dualismo cartesiano. Nessa perspectiva, o ente humano é formado por duas
substâncias diferentes: de um lado, o corpo que nos remete às coisas do mundo e
pertencente à natureza. Por outro, a alma, que seria a dimensão do pensamento,
próxima ao que não participa ou é determinado pela contingência dos sentidos. Para
demonstrar a validade de seu dualismo, Descartes define a diferença entre as
qualidades primárias e as qualidades secundárias de quaisquer objetos. As
qualidades primárias são aquelas passíveis de serem conhecidas pela razão — isto
é, aquelas que expressam a harmonia matemática por trás de cada objeto e se
caracterizam pela pura identidade consigo mesmas.
As qualidades secundárias são aquelas que podem ser apreendidas pelos
sentidos e são mutáveis e superficiais. O exemplo dado por Descartes (1973) é o de
um bloco de cera que, quando colocado perto do fogo, muda completamente no que

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diz respeito ao modo como afeta os sentidos: nele encontramos transformações em
seu tamanho, cheiro, cor e forma. No entanto, ao esfriar, o bloco de cera volta-se à
sua forma original. O que permanece idêntico nesse bloco, o que faz ele “ser”, não é
a sua materialidade, nem o modo como afeta os sentidos, mas as suas propriedades
inteligíveis, que apenas a razão pode captar. Interessante notar, que não se trata
somente em dizer que a razão apenas conhece um mundo ideal, mas mostrar como
ideias conhecidas pela razão têm uma função estruturante na verdade da experiência
porque não são dominadas pela contingência do mundo material.
Nesse caso, o que é preciso ver é que uma certa imagem da racionalidade é
posta no centro do que Descartes entende como verdade (DESCARTES,1973). O
empirismo constitui-se como uma experiência filosófica que se faz em termos
aparentemente diferentes daquele do intelectualismo cartesiano. Enquanto o
intelectualismo, visa fundamentar a experiência na presença do ser pensante,
entendido como uma dimensão independente do mundo sensorial. O empirismo,
buscará valorizar a esfera dos sentidos, mas entendendo-a como um conjunto de
relações causais que determinam a ‘forma’ de ser da nossa experiência.
Para os filósofos empiristas — como Francis Bacon (1561–1626), Thomas
Hobbes (1588–1679), John Locke (1632–1704) e David Hume (1711–1776) —, os
seres humanos apenas podem pode conhecer a realidade a partir de seus sentidos
(KENNY, 2009). Daí o nome desta postura filosofia ser “empirismo”. Em sua origem,
a palavra significa simplesmente “experiência”, a mesma que qualquer sujeito adquire
a partir da prática ou da apreensão atenta dos fatos, ou ainda, por aquilo que pode
experimentar diretamente, seja em sua própria vida ou pela observação na vida dos
outros. Quando passamos para o campo da filosofia, o empirismo significa uma
confiança nos sentidos: a compreensão de qualquer ideia experimentada pelos seres
humanos teve sua origem na experiência. Os empiristas acreditavam, assim, que todo
o conhecimento surge a partir de induções, isto é, raciocínios sobre a natureza que se
baseiam na regularidade dos fatos que são absorvidos pelo sujeito através de seu
aparelho sensorial (JAPIASSÚ, H; MARCONDES, 2001).
As duas grandes linhas da filosofia moderna não concordam, assim, quanto à
forma como os seres humanos distinguem o verdadeiro do falso a partir da razão e
como se processa a relação de conhecimento com o mundo que faz surgir as ciências

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e a filosofia. O empirismo não se diferencia do racionalismo cartesiano por não ter em
suas concepções uma ideia racionalidade, mas por ter na experiência dos sentidos
uma fonte a ser considerada na formação da experiência da racionalidade (KENNI,
2009).

3.4 Kant e a crítica

No seu período pré-crítico, como já afirmamos, Kant aderiu ao racionalismo;


mas foi lendo um dos mais radicais empiristas, David Hume, que o filósofo se inicia
em uma reflexão que vai lhe afastar do racionalismo anteriormente adotado, mas sem
assumir uma posição empirista ou cética, mas se colocando a necessidade de uma
crítica da razão. Conforme suas palavras:

Confesso-o francamente, foi a advertência de David Hume que primeiramente


interrompeu, há já muitos anos, o meu sono dogmático e que deu uma
orientação completamente diferente às minhas investigações no campo da
filosofia especulativa (KANT,1981, p. 25).

Kant não duvidava da possibilidade de se chegar ao conhecimento. A ciência


dos séculos XVII e XVIII constituía-se, para ele, como o atestado desta possibilidade
(KENNY, 2009). No entanto, ele considerava necessário responder às insuficiências
da filosofia em relação ao modo como o problema do conhecimento era tratado
(REALE; ANTISERI, 2006) Assim, o filósofo afastou-se do puro racionalismo ou do
puro empirismo. Será através da crítica radical às duas posições, que constituirá a
base para sua crítica da razão (KENNY, 2009).
A reflexão de Kant concentrou-se na análise das condições de possibilidade do
conhecimento, descrevendo uma determinação transcendental da experiência, que
não será entendida nem como da ordem da pura razão nem como sustentada pelo
aparelho sensorial humano. No início da Crítica da razão pura (2001), Kant indica o
caminho a ser percorrido pelo seu pensamento:

Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela


experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação
a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e
que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro
lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a
compará-las, ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das
impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência?

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Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a
experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se,
porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que
todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio
conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através
das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de
conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si
mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima,
enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos
torne aptos a separá-los. Há, pois, pelo menos, uma questão que carece de
um estudo mais atento e que não se resolve à primeira vista; vem a ser esta:
se haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas
as impressões dos sentidos. Denomina-se a priori esse conhecimento e
distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência
(KANT, 2001, p. 81-82).

O projeto kantiano se inicia pela consideração de que é correta a posição de


que o conhecimento se inicia com a experiência, mas aponta para a necessidade de
diferenciar o ‘começar com a experiência’ da ideia de prover ou ser determinado por
ela. Nesse caso, quando se afirmar que o conhecimento se inicia com a experiência,
não quer dizer que ele tenha sua origem em nossa abertura sensível ao mundo, como
se fosse, portanto, causado pelo mundo exterior. Começar com a experiência quer
dizer que não é possível uma forma de conhecimento ser colocada em cena senão
segundo nossa presença ao mundo através do nosso aparelho sensorial. No entanto,
essa abertura, para Kant, estaria fundada em estruturas que não se originam na
experiência, porque são constitutivas da subjetividade em sentido transcendental. A
relação com o exterior através do que ele chama de formas a priori da sensibilidade,
mais precisamente o tempo e o espaço, que colocam em funcionamento o aparato
cognitivo humano, que constitui a sensibilidade, mas não são determinados pelos
objetos que são apreendidos pelos sentidos (KENNY, 2009).
Kant considera que apesar de todo conhecimento ser considerado
conhecimento em uma experiência, existem certas condições a priori para que as
impressões sensíveis se convertam em representações. Essas representações
poderão entrar em jogo nos processos de conceitualização, característicos das
ciências, mas estão determinados por uma segunda esfera das estruturas da
subjetividade: o entendimento. Trata-se, nesse sentido, de uma concepção
racionalista. No entanto, não é uma posição levada ao extremo, pois "todo o
conhecimento das coisas proveniente só do puro entendimento ou da razão pura não
passa de ilusão; só na experiência há verdade" (KANT, 2001, p. 45).

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A reflexão de Kant se esforça para que a dicotomia empirismo/racionalismo
receba uma solução intermediária já que "pensamentos sem conteúdo são vazios;
intuições sem conceitos são cegas"(KANT, 2001, p. 75). O enfoque que procura
determinar e analisar as condições a priori de qualquer experiência, foram
denominadas como transcendentais por Kant. Nesse sentido, o filósofo considera
fundamental diferenciar o empírico do transcendental, o a priori do a posteriori:

Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que
não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica
absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos
a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por
exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é
uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito
que só pode extrair-se da experiência (KANT, 2001, p. 81).

A superação entre racionalistas e empiristas se dá a partir do conhecimento


recebido, ou seja, por meio da experiência, denominada a posteriori, somada com o
que já é inerente à subjetividade humana, isto é, a priori ou anterior a qualquer
experiência. Mas qual é a pergunta fundamental que Kant se coloca quando se volta
à investigação dos limites do racionalismo e do empirismo e se encaminha para uma
leitura transcendental da experiência? Podemos entender esse questionamento se
adentramos na teoria do juízo que está no centro da primeira crítica, onde ele estuda
as formas de juízo. Os juízos são maneiras pela qual consideramos os objetos (as
representações) que temos do mundo e que se tornam objeto de conhecimento.
Existem dois tipos básicos de juízo:
1) Os juízos sintéticos que têm caráter a posterior, ou seja, derivam da experiência,
por isso são chamados de a posteriori. Nas palavras de Japiassú e Marcondes (2001),
deve-se compreender como a posteriori: priori o “que é estabelecido e afirmado em
virtude da experiência (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 26). Tais juízos, portanto,
apenas acontecem através da abertura da nossa experiência ao mundo exterior e se
caracterizam por acrescentar ‘conhecimento’ ao objeto que visa, ainda que este não
possa ser considerado como essencial em relação ao objeto. Por exemplo, João é
professor de História. Ser professor de história não é uma característica essencial de
João, não o define essencialmente, ainda que seja uma característica que o faz estar
no mundo em um determinado sentido e não outro.

17
2) Nos Juízos analíticos, que são sempre a priori, acontece o contrário. O que
temos é uma afirmação que está contida no sujeito. Em outras palavras são
juízos analíticos aqueles em que um predicado (B) pode estar contido no sujeito em
(A) e, por isso, pode ser extraído por pura análise. Isto significa que o predicado nada
mais faz do que explicar ou explicitar o sujeito (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001). Por
exemplo: o triângulo é uma forma geometria que tem três lados.
Em Kant, encontramos ainda um terceiro tipo de juízo, chamado de sintético a
priori: é obtido com base na união da dedução e da experiência, apresentando
relevância científica, já que são aqueles que colocam em cena um conhecimento
universal que não pode ser intuído da própria estrutura do objeto, mas acrescenta ao
campo de uma ciência um conhecimento, indicando na experiência do sujeito um novo
conteúdo conceitual. São juízos sintéticos, de caráter ideal a priori, mas que
acrescentam conhecimento ao objeto representado. Proposições matemáticas como:
456 x2 + 912 =. 1824.
No que tange a forma dos juízos, o que Kant pretende é diferenciar juízos
empíricos (sintéticos) de juízos analíticos, apontando para a existência de um campo
indutivo de experiência e outro dedutivo, marcando a diferença entre o caráter
transcendental da experiência e outras posturas teóricas em que a estrutura
transcendental de abertura do sujeito ao mundo não é visada (KENNY, 2009).
Podemos ver, que com essa abordagem, Kant une e ultrapassa as posições
racionalistas e empiristas, mas ao mesmo tempo as transforma, já que o
conhecimento, para Kant, apenas pode ser entendido a partir daquele que conhece,
não estando do lado do objeto, isto é, de relações que possam se dar pela
consideração de um mundo completamente ‘exterior’ ou independente a experiência
do sujeito. A ideia é que o que procede de fora constitui a matéria do conhecimento,
mas isso que surge de fora, já aparece organizado conforme estruturas básicas da
experiência, que o filósofo alemão chamará de transcendentais. Assim, com base no
pensamento racionalista, Kant afirma que a forma do conhecimento é inerente ao
homem, não admitindo a razão como “uma folha em branco” (KENNY, 2009).
Tanto a matéria quanto a forma atuam ao mesmo tempo, de maneira que de
nada vale o conhecimento sensível, a matéria a posteriori, se ela não for considerada
a partir do que há no sujeito, isto é, a priori, entendido como condição para a

18
organização das formas inteligíveis. Ele elenca nesse sentido duas formas da
sensibilidade a priori, as quais já nos referimos: o espaço e o tempo (REALE;
ANTISERI, 2006).
No que tange a experiência do espaço, é preciso notar que os objetos até
podem ser retirados de um respectivo espaço, mas nunca podem ser pensados como
destituídos de espacialidade. O espaço, portanto, não é possível ser retirado da
experiência, é uma forma de organização a qual essencialmente depende nossas
considerações acerca do objeto, está na base de nossas representações
(MARCONDES, 2000). O tempo, por outro lado, é a percepção interna do sujeito,
relacionado ao passado e ao futuro, ao sistema de duração a partir do qual surgem
organizadas a forma como o movimento e transformação das representações são
dadas (MARCONDES, 2000).
As duas estruturas estão na ordem do que Kant chama de estética de
transcendental, tratada por ele, na primeira parte da crítica da razão pura, constituindo
sua investigação sobre a priori da sensibilidade (KANT, 2001). Na perspectiva das
investigações de Kant, somente pelo espaço e pelo tempo é que se pode afirmar a
possibilidade do conhecimento do mundo sensível (KANT, 2001).
Outra estrutura ou faculdade transcendental considerada por Kant é o
entendimento. Se no âmbito da estética transcendental estamos lidando com dados
sensíveis, a passagem para o entendimento é para a investigação do momento
conceitual da nossa abertura teórica ao mundo (MARCONDES, 2000). No
entendimento, encontramos os princípios e as categorias pelas quais um fenômeno
sensível pode ser pensado, pode adquirir, portanto, a forma de algo a ser pensado
através de conceitos. O entendimento é abordado por Kant no âmbito do que ele
chama de analítica transcendental, mais precisamente, do estudo das condições de
possibilidade de nossas considerações teóricas acerca do fenômeno. O entendimento
se estrutura através de 12 categorias que estão na base das nossas considerações
conceituais e, portanto, determinam o que chamamos de ciência e conhecimento
teórico. As categorias e sua relação com as formas de juízos estão descritas na
tabela 1 abaixo:

Tabela 1 – Formas de juízos

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QUANTIDADE
JUÌZOS CATEGORIAS
Universais Unidade
Particulares Pluralidade
Singulares Totalidade
QUALIDADE
JUÌZOS CATEGORIAS
Afirmativos Realidade
Negativos Negação
Infinitos Limitação
RELAÇÃO
FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS
Categóricos Substância e Acidente.
Disjuntivos Da reciprocidade
Infinitos Limitação
MODALIDADE
FORMAS DE JUÌZOS CATEGORIAS
Problemáticos Possibilidade e impossibilidade
Assertivos Existência e inexistência
Apodíticos Necessidade e contingência
Fonte: Adaptado de Reale e Antiseri (2006, p. 364)

Através das categorias, Kant procura identificar aqueles conceitos que estarão
na origem de todos os tipos de juízo possíveis e envolvem uma forma de tratar
teoricamente os objetos. Entende-se, assim, que a reflexão acerca da limitação e das
possibilidades cognitivas dos seres humanos foi uma das maiores preocupações de
Kant. Na perspectiva do filósofo, nossa experiência não tem acesso ao ser do mundo
enquanto coisa em si, mas somente enquanto representação, ou seja, de modo
fenomênico (MARCONDES, 2000). Quer dizer que a subjetividade tem uma forma
singular e transcendental de se relacionar com seus objetos, ela atinge o ‘mundo’ de
modo fenomenal. Por isso, entende-se que para o filósofo a razão humana está imersa
em duas ordens de acontecimentos: o mundo da representação e dos fenômenos,
onde ele pode fazer juízos e, de outro, o mundo da coisa em si, ou, noumenon
inacessível a subjetividade em seu sentido teórico.
20
O mundo em si é para razão da ordem da especulação, daqueles objetos,
eventos, acontecimentos que só entram em cena enquanto resistentes ao discurso
científico. Nessa perspectiva, por exemplo, Deus, a alma, e o mundo como totalidade
serão para Kant impossíveis de serem conhecidos cientificamente, tornando-se o
limite a qual a subjetividade enquanto racionalidade deve considerar quando estiver
no jogo da atividade científica (REALE; ANTISERI, 2006). Com a crítica da razão
pura, Kant considerava, portanto, ter estabelecido os limites e as condições do uso
teórico da razão: o núcleo de tais condições repousam, de um lado, na sensibilidade,
no espaço e no tempo, tratadas como formas puras da intuição e, de outra parte, do
entendimento, no qual os conceitos puros, isto é, as categorias determinam o caráter
conceitual da experiência, o que estaria na origem das formas de juízo possível
(DELEUZE, 1994).

3.5 O tema ético em Kant

Qual o significado da pergunta “o que devo fazer” em Kant? Significa uma


esfera fundamental de investigação acerca da ação humana, diferenciando aquilo que
seria moral e ético daquilo que não é. Kant trata do tema em muitos textos,
destacando-se a segunda crítica, A crítica da Razão prática (1788) e o seu livro A
metafísica dos costumes (1797). Na perspectiva do filósofo, a moralidade não explica
e não se fundamenta através de contextos políticos e sociais particulares, bem como
de dogmas religiosos advindos da fé. O sentido ético da experiência deve, assim, ser
pensado segundo uma investigação racional, já que sua base, como mostrará Kant, é
racional. Nesse caso, a pergunta que surge é: o que Kant entende por moralidade?
Na obra Fundamentação da metafísica dos costumes (2007), Kant formula o
princípio do imperativo categórico. Segundo o filósofo: imperativo categórico seria
aquele que nos representasse uma ação como objetivamente necessária por si
mesma, sem relação com qualquer outra finalidade (KANT, 2007). O princípio básico
do imperativo categórico consiste na ideia de que devemos agir somente de acordo
com aquelas máximas pelas quais possamos desejar que elas se tornem uma “uma
lei universal” (KANT, 2007, p. 51). Este princípio determina que a ação moral é aquela
que pode ser universalizada e considerada como necessária. Trata-se assim de um

21
princípio ideal, isto é, independentemente do que fazemos, mas que normatiza e
explicita o que é a ação moral em seu sentido autêntico. Ainda que seja ideal, isso
não quer dizer que ela não tenha que orientar as ações humanas, ao contrário, é por
ser ideal, isto é, não estar preso às contingências da vida mundana, que ela se torna
a regra que deve fundamentar a esfera prática da existência (KENNY, 2009).
Nossa ação para ser ética deve, portanto, ser tal que possa ser universalizada
de acordo com imperativo categórico. Por exemplo: devemos cumprir o que
prometemos e manter nossa palavra porque esperamos que as outras pessoas
também o façam e se não fizermos toda a prática de efetuar promessas desmorona.
Isso porque racionalmente ninguém pode desejar o oposto, ou seja, que todas as
promessas não sejam cumpridas, pois mesmo aquele que viola as suas promessas
espera que os outros as cumpram e supõe que ele mesmo as cumprirá, em alguns
casos, certamente. Do contrário, promessas não terão efeito algum. Agir moralmente
é, portanto, praticar ações de acordo com este princípio, ou seja, visar o sentido
universal daquilo que se pratica, enquanto uma ação que pode ser considerada
necessária por todos os agentes, porque correspondem a ideia de moralidade e
liberdade que são constitutivas da estrutura humana em sua forma antropológica
transcendental (KENNY, 2009).
Por isso, na “Fundamentação da metafísica dos costumes” (2007), Kant analisa
ainda, o que confere às ações humanas seu valor moral. Nesse contexto, a sua
concepção ética é comumente identificada com as noções de dever e intenção. Ele
entende que a ação moral é aquela que segue, como já dissemos, o imperativo
categórico. Assim, ela deve ser guiada por um deve ser e é marcada pela sua
intencionalidade, por aquilo que move a ação. A qualificação de uma ação como moral
não depende, portanto, apenas de seu fim, mas principalmente daquilo que levou a
tal ação, ou seja, das disposições que a motivam, o que também modifica o sentido
da finalidade. Se por exemplo, ajudamos alguém com um determinado problema
tendo em vista nosso próprio benefício não estamos praticando uma ação moral, pois,
se trata de uma ação que não tem como fim a própria ação, seu sentido, mas algo
exterior, que se configura, nesse caso, como o nosso próprio interesse e, portanto,
algo que diz respeito ao nosso bem-estar. Kant define o imperativo categórico da
seguinte maneira:

22
Há por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer
outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente
este comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a
matéria da ação e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o
princípio de que ela mesma deriva; e o essencialmente bom na ação reside
na disposição (Gesinnung) (*), seja qual for o resultado. Este imperativo pode-
se chamar o imperativo da moralidade (KANT, 2007, p. 52).

Essa compreensão é suplementada e esclarecida pela noção de boa vontade.


Através desta noção, se considera, que nós, que somos seres racionais dotados de
liberdade, só podemos agir de modo ético, quando não escolhemos apenas o caminho
a ser tomado para realizar fim, mas também os próprios fins das ações, tendo em vista
o sentido último das nossas ações: quando agimos desta maneira estamos agindo de
acordo com a nossa vontade. Nesse contexto, dizer que a moralidade está ligada à
vontade não significa dizer que qualquer vontade serve, mas apenas a boa vontade,
pois, conforme, a boa vontade o que se tem como objetivo não é efetuar algo em
nosso próprio benefício, mas a própria ação no que ela tem de moral através de sua
conexão ao princípio do imperativo categórico (KENNY, 2009).
Segundo Kant, a única coisa que pode ser incondicionalmente boa é a boa
vontade, “[...] não pelo que efetua ou consegue obter, não por sua aptidão para
alcançar qualquer fim que nós tenhamos proposto, mas tão somente pelo querer”
(KANT, 2007, p. 105). Nesses termos, a boa vontade é boa por engendrar em si
mesma a boa intenção, sendo a única coisa que pode ser considerada irrestritamente
boa e que possui valor em si mesmo. Dito isso, se o conceito de boa vontade é aquilo
que pode ser considerado moralmente bom, para conhecermos o que é uma boa
vontade devemos saber o que é exatamente o moralmente bom. Quanto a isso,
conforme a concepção kantiana, o conhecimento moral ordinário está fundado na
nossa capacidade de poder distinguir o bom do útil e do agradável. Nesse contexto, o
moralmente bom é algo que tem valor pura e simplesmente por oposição àquilo que
é útil ou agradável. Kant defende que a boa vontade é a única coisa que a razão
prática pode produzir por si mesma de forma incondicionada, e o seu valor para tal é
incomparável com o valor da razão para satisfazer nossas inclinações (que sempre
são condicionadas). Dito isso, o próximo passo de Kant é vincular a noção de boa
vontade com o conceito de dever. Para tal, dentre outras coisas, Kant oferece duas
proposições importantes.

23
A primeira proposição é apresentada do seguinte modo: temos uma boa
vontade se nossas ações são realizadas por dever, não por alguma inclinação outra.
Quanto a isso, é importante ter em vista aquilo que Kant está excluindo da noção de
moralidade. O que ele exclui do horizonte da ação que pode ser denominada como
boa é seu condicionamento pelo nosso desejo em detrimento do sentido da ação. Ou
seja, para ele não se trata do desejado e do não desejado, mas do dever, do
imperativo que a ação nos coloca. Assim, qualquer ação que seja contrária ao dever;
e, em segundo lugar, ações que, embora estejam em conformidade com o dever, não
são realizadas pelo próprio dever, mas visando a alguma outra coisa, devem ser
excluídas do que Kant entende por boa vontade (NORDARI, 2009).
A segunda proposição afirma que a boa vontade está ligada à intenção da ação,
não às suas consequências:

[...] uma ação por dever tem seu valor moral não no intuito a ser alcançado
através dela, mas, sim, na máxima segundo a qual é decidida, logo, não
depende da realidade efetiva do objeto da ação, mas meramente do princípio
do querer (KANT, 2007, p. 125).

Se o que estamos procurando é o valor incondicionado da moralidade, torna-


se evidente que não será possível encontrá-lo nas consequências das ações, pois
nesse caso o valor da ação estaria calcado na obtenção de um resultado outro que a
própria boa vontade. No entanto, o valor incondicionado da boa vontade está antes
naquilo mesmo que a motiva do que nas consequências que dela se geram. No
exemplo anterior, suponhamos que, ao se levantar em nome do dever para oferecer
o seu lugar para uma mulher grávida, alguém se aproveita da situação e senta antes
da grávida. Isso, por si só, não desqualifica em nada o valor moral da sua ação, pois
ele não está nas consequências da ação, mas na sua intenção ao agir. Agora, se a
pergunta consiste em interrogar o dever que condiciona a boa vontade, bem como o
que devemos fazer para sermos moralmente bons, a resposta kantiana passa pela
noção de imperativo categórico, que como já vimos tem um caráter determinante na
concepção de moralidade e ética em Kant.
Na perspectiva de Kant, nossas ações realmente morais são governadas por
máximas que podem ser universalizáveis. Tais máximas são chamadas de
imperativos, que, por sua vez, podem ser de dois tipos: hipotéticos e os categóricos.
Os imperativos hipotéticos são aqueles que ordenam que façamos algo como meio
24
para conseguir alguma coisa que queremos. Já os imperativos categóricos são
aqueles que ordenam que se faça algo por si mesmo, isto é, sem referência a outro
fim que não a si mesmo. De modo que, enquanto um imperativo hipotético só se
constitui na medida em que há uma condição outra pela qual somos motivados a agir,
o imperativo categórico é tal que a mera representação de si é suficiente para me
fornecer o que ele contém, na medida em que ele se estabelece em si e por si mesmo.
Assim, se a ação é boa para outra coisa, então o imperativo que a ordena é hipotético,
ao passo que, se a ação é boa por si mesma, então o imperativo é categórico.
Percebamos que, embora o imperativo categórico kantiano se assemelhe à
máxima cristã que diz não faça aos outros aquilo que não gostaria que fizessem com
você, ele possui um caráter ainda mais geral, pois, no caso da máxima cristã, ainda
dependeremos de avaliações subjetivas e, nessa medida, não universalizáveis — no
caso do imperativo categórico, a máxima deve ser absolutamente universal e objetiva.
Além disso, o imperativo categórico também não consiste em uma regra ou um
conjunto de regras, aos moldes do decálogo bíblico, pois ele é, sobretudo, um
mecanismo racional de avaliação da moralidade das nossas ações, ele está de acordo
com a dimensão transcendental da experiência humana (NODARI, 2009).

3.6 O pensamento estético de Kant: um aspecto da terceira crítica

A filosofia de Kant possibilitou também uma nova compreensão teórica da


experiência estética, abrindo caminho para reformulação da temática das relações
entre arte e realidade. Como vimos até agora, é a perspectiva crítica que orienta os
objetivos e o sentido da filosofia de Kant, desenvolvida em três obras fundamentais:
Crítica da razão pura, 1781, Crítica da razão prática, 1788, e a Crítica do juízo, 1790.
Conforme, o caminho crítico de sua obra, Kant não especula acerca da natureza das
coisas estéticas, das obras de arte, tendo em vista sua forma em si ou suportes pelos
quais a significação artística se manifesta, mas busca no sujeito da experiência as
condições de possibilidade da experiência estética, tal como realizou quando visava
a experiência moral e a experiência da razão teórica (NODARI, 2009).

25
Kant inicia sua análise estética a partir do juízo de gosto, o qual ele determina
como sendo essencialmente estético, ou seja, de uma natureza diferenciada dos
juízos da razão e dos juízos éticos ou morais. Nas palavras do filósofo:

O juízo de gosto não é, pois, nenhum juízo de conhecimento, por conseguinte


não é lógico, e sim estético, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento e
determinação não pode ser senão subjetivo. Toda referência das
representações, mesmo a das sensações, pode, porém, ser objetiva (e ela
significa então o real de uma representação empírica); somente não pode sê-
lo a referência ao sentimento de prazer e desprazer, pelo qual não é
designado absolutamente nada no objeto, mas no qual o sujeito sente-se a si
próprio como ele é afetado pela sensação. (KANT, 2016, p. 119)

Embora subjetivos, os juízos de gosto possuem como qualidade essencial o


desinteresse, pois não se relacionam a nenhuma inclinação pessoal, ou seja, não são
produtos de motivações privadas no momento de seu julgamento. Disso, decorre, a
insistência dos autores de juízos estéticos na amplitude de suas experiências e
proposições, pois, se não há um elemento pessoal determinante para eles, então
estes só podem ligar-se a uma característica universalizante que determina a
apreensão sensível (KENNY, 2009)
Conforme sua posição do tema, Kant não está de nenhum modo advogando a
favor da possibilidade de estabelecer critérios objetivos para determinar o belo
artístico, mas buscando entender como uma experiência pessoal pode ter alcance
universal, consegue, assim, significar o contato com uma forma de expressão que não
depende de estruturas conceituais para sua determinação, mas alcança, no nível
subjetivo, um sentido que ultrapassa as percepções mais mundanos do sujeito
(NUNES, 2006).
O belo, por não estar ligado a conceitos, uma vez que estes não conduzem o
prazer estético, é desprovido de realidade externa, estando, na perspectiva de Kant
condicionado ao sujeito naquilo que ele tem essencial, suas condições de abertura
aos fenômenos. Não se trata de uma experiência simplesmente sensível ou orgânica,
já que o que torna o belo é de ordem espiritual, fundado nas vivências puras e
imediatas do sujeito. Portanto, a universalidade de que ele trata remete apenas a uma
certa demanda que a consciência faz em razão do caráter desinteressado do juízo
estético.

26
No entanto, isso não deixa de gerar complicações conceituais decisivas para
quem procura pensar o belo do ponto de vista da filosofia da arte. Considerar o belo
universal e ao mesmo tempo confiná-lo ao sujeito parece uma solução pouco atrativa
para resolver a discussão sobre a qualidade e o sentido das obras de arte. Contudo,
a perspectiva de Kant ultrapassa o âmbito das querelas artísticas e se estende à
compreensão das mais diversas manifestações do belo, que incluem também o belo
Natural. Em sua teoria, para fundamentar sua posição, Kant distingue os pontos que
diferenciam o belo do agradável. Este, segundo ele, está atrelado a posições
meramente pessoais causadas por sensações, orientando pelo prazer e desprezar
em sentido mundano (NUNES, 2016).
Desse modo, conforme sua perspectiva, não cabem sobre a agradabilidade
quaisquer questionamentos acerca de sua veracidade para além do indivíduo: “com
respeito ao agradável, cada um resigna-se com o fato de que seu juízo, que ele funda
sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz,
limita-se também simplesmente a sua pessoa” (KANT, 2016, p. 124). Portanto, a
variabilidade daquilo que agrada não proporciona problemas maiores com relação a
esses juízos. Todos os indivíduos podem declarar que algo é agradável sem que isso
provoque a mínima contestação, já que julgam com base exclusivamente em suas
percepções. Desse modo, o gosto define-se como algo restrito à declaração dos
estados pessoais frente ao aparecimento de um fenômeno. A experiência do belo, por
outro lado, tem, segundo o filósofo, um estatuto diferenciado, por força de sua
constituição:

Com o belo passa-se de modo totalmente diverso. Seria (precisamente ao


contrário) ridículo que alguém que se gabasse de seu gosto pensasse
justificar-se com isto: este objeto (o edifício que vemos, o traje que aquela
veste, o conceito que ouvimos, o poema que é apresentado ao ajuizamento)
é para mim belo. Pois ele não tem que denominá-lo belo se apraz meramente
a ele. Muita coisa pode ter atrativo e agrado para ele, com isso ninguém se
preocupa; se ele, porém, toma algo por belo, então atribui a outros
precisamente essa mesma complacência: ele não julga simplesmente por si,
mas por qualquer um e nesse caso fala da beleza como se ela fosse uma
propriedade das coisas. Por isso ele diz: a coisa é bela e não conta com o
acordo unânime de outros em seu juízo de complacência por que ela a tenha
considerado mais vezes em acordo com o seu juízo, mas exige deles. (KANT,
2016, p. 124)

Nessa contraposição, enuncia-se uma diferença fundamental, que está na


pretensão de validade entre um juízo e outro. Enquanto o agradável restringe-se
27
apenas a perspectiva singular do indivíduo, não levantando desse modo qualquer
problemática acerca desse juízo para os outros; o belo, enquanto abertura ao
universal, se funda na pretensão de ser acordado entre todos os sujeitos, é uma
declaração subjetiva que se quer intersubjetiva. Logo, evocar a beleza de algo é
sempre reivindicar dos outros um ponto de aceitação em relação a esse juízo, razão
pela qual este não pode ser proferido de maneira inconsequente como o são os
julgamentos sobre a agradabilidade de alguns fenômenos.
Porém, como já observamos, essa universalidade na experiência do belo não
significa que haverá, neste juízo, uma atividade de conhecimento ou algum tipo de
especulação teórico-empírica. Nesse sentido, Kant declara que “quando se julgam
simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida” (KANT,
2016, p. 127). A discussão sobre o belo não pertence ao reino dos conceitos e das
considerações racionais. O que há é somente o assentimento universal que permeia
a atribuição de belo a um objeto, e que faz com que cada indivíduo reivindique uma
validade evidente acerca de seu julgamento, ao mesmo tempo em que recai sobre ele
a responsabilidade dessa atribuição, já que não se pode invocar o belo sem estar
disposto a assumir a universalidade que o integra (KANT, 2016).
Tais posições de Immanuel Kant trazem como consequência a primazia do
sujeito nos juízos estéticos. Apartado dos objetos, o belo não possui a menor
possibilidade de vigorar coisificadamente, salvo pelos julgamentos subjetivos que se
pretendem como tendo um sentido comum, válido a todos. O homem, portanto,
constitui enquanto a figura central todo processo artístico e estético, pois é nele e
somente nele, e não em alguma propriedade autônoma, que o belo encontra a sua
possível figuração. Kant sintetiza essa compreensão através da seguinte proposição:
“belo é o que é conhecido sem conceito como objeto de uma complacência
necessária” (KANT, 2016, p. 167).
A reflexão estética de Kant não se restringe ao tema do belo, o filósofo também
trata da experiência do sublime. Para além das diversas posições e elucubrações
acerca deste tradicional problema filosófico no campo da teoria da arte e da estética,
Kant encaminha sua reflexão para uma descrição em que o sublime passa significar
aquilo que existencialmente pode indicar aos seres humanos sua relação de
pequenez em relação ao universo, a natureza. Essa relação é pressentida como afeto

28
que marca também a inserção da experiência em um ambiente universal que diz
respeito ao ‘homem’, mas também é vivenciado através de suas possibilidades de
apreensão e compreensão diante daquilo que pode se dar como seu outro.
Kant identifica o sublime como determinado pelos mesmos princípios que
perpassam a experiência da beleza. Desta maneira, ele não retoma a análise destes
princípios. No entanto, em nossa exposição julgamos retomar. Na experiência do
sublime, o que é central é a apreensão desinteressada de um conteúdo que não é
conceitualmente determinado, mas também é universalmente aceito, tal como
acontece no belo. Trata-se de uma experiência do sujeito e não diz respeito à
realidade em si do objeto que se torna ocasião para experiência do sublime. No
entanto, o filósofo indica uma divisão que não aparecia no debate anterior: a presença
do sublime-matemático e do sublime-dinâmico, com os quais suas posições assumem
um novo rumo.
Nessa perspectiva, o sublime é o que é absolutamente grande, o que leva o
sujeito à experiência de uma imensidão capaz de lhe mostrar a sua pequenez. Dito
isso, podemos dizer que há uma apreensão do sublime pelo olhar humano quando
nos surpreendemos com nossa pequenez diante do tamanho do céu ou quando ele
se depara com o movimento das águas do mar. Tais experiências são possíveis
porque alguns elementos podem ser quantificados objetivamente em sua magnitude,
por cálculos e medições de referência, mas outros não, indicando um limite das
capacidades de apreensão teórica da subjetividade. A experiência do sublime,
envolve, portanto, uma medida subjetiva, que, como o belo, visa obter o assentimento
universal. Este é um aspecto importante da problematização do sublime. No entanto,
deve-se considerar que as apostas são “absolutamente altas” e não simplesmente
altas, o que implica que o que se trata é algo além da medida. Essa dimensão de
medição do sublime é o que Kant denomina sublime-matemático (NUNES, 2000).

4 FILOSOFIA E HISTÓRIA: O PENSAMENTO DE HEGEL

A realização sistemática de uma filosofia consiste em um pensamento que busca


através do arranjo de suas partes, isto é, através de conceitos, axiomas e redes de
argumentação dar conta do conjunto da experiência e da realidade a qual ela se

29
refere, mostrando uma conexão entre seu conteúdo e o mundo. O sistema tem como
característica, portanto, o esforço de dar à filosofia a forma de um monumento que
possa ser expressão da complexidade do real. Os filósofos desde o começo de seu
trabalho na Grécia apresentaram o sistema como algo desejável à filosofia, pensando-
o enquanto reflexo de força e veracidade de uma forma filosófica de considerar o
mundo. Platão e Aristóteles foram até certo ponto sistemáticos, já que podemos
considerar que suas filosofias têm um fundo lógico (rede conceitual) a partir da qual
os conteúdos se desdobram. Contudo, em Hegel o sistema assume sua forma mais
acabada, sendo inclusive, considerado pelo filósofo, o seu sistema, aquele pelo qual
todos os outros tomariam sentido.
Hegel nasceu em 27 de agosto de 1770, e morreu aos 61 anos, de cólera. Em
sua juventude, foi amigo do poeta e filósofo Friedrich Hölderlin (1770, 1884), com qual
partilhou certo romantismo diante da vida e também o ideal de uma filosofia ou visão
de mundo que conseguisse abarcar a totalidade da experiência e do real. Johann
Christian Friedrich Hölderlin foi um filósofo, poeta lírico e romancista alemã o, amigo
íntimo de Hegel em sua juventude e participando com ele, do movimento literário e
cultural que foi conhecido Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), de caráter
romântico. Hölderlin conseguiu sintetizar em seu trabalho o espírito da Grécia antiga,
a visão romântica da natureza e de forma não-ortodoxa foi capaz de pensar questões
relacionadas ao cristianismo, tornando-se, um dos maiores pensadores germânicos,
contribuindo de modo decisivo para a visão quase teológica que Hegel tinha da
existência do espírito (REALE; ANTISERI, 2006b).
Hegel estudou teologia na Universidade de Tubingen e ensinou em Jena até
essa universidade ser encerrada em consequência da invasão francesa. Foi em 1807
que publicou a Fenomenologia do Espírito, considerado seu livro principal. Trata-se
de uma experiência literária e filosófica fabulosa, pois o filósofo pretendeu descrever
e exprimir as fases de desenvolvimento do espírito, entendido por ele como Espírito
Absoluto, fazendo da história humana e seus produtos manifestação dessa
experiência absoluta do espírito, que tem em sua filosofia um sentido especial, como
poderemos constatar no decorrer da exposição (REALE; ANTISERI, 2006b).
Apenas em 1816, Hegel se tornou professor universitário, momento a partir do
qual se tornou uma referência para vida intelectual alemã, causando impactos

30
consideráveis dentro e fora do ambiente universitário. Algumas de suas obras são
muito significativas para o entendimento de sua filosofia: A ciência da lógica e sua
Enciclopédia de ciências filosóficas, por exemplo, obras da maturidade nas quais seu
sistema filosófico se apresenta em toda sua complexidade e acabamento (REALE;
ANTISERI, 2006b)
No entanto, o conjunto de sua obra é monumental. Enquanto esforço
sistemático de apreensão do real a partir de um conceito central, isto é, o conceito de
espírito, ela se desdobra em direção a todas as áreas do saber e da experiência
humana, visando a natureza e a cultura em suas dimensões e camadas mais variadas,
sendo impossível, nesse sentido, um olhar definitivo sobre sua filosofia. Outro aspecto
importante da obra, é a relação do filósofo com a escrita. A escrita hegeliana é
considerada extremamente difícil. Bertrand Russell afirma em sua história da filosofia
que a Fenomenologia do Espírito é o livro mais difícil de estudar, ainda que não seja
o mais verdadeiro e o mais profundo (RUSSERL, 2021). A questão é que Hegel foi o
último filósofo sistemático e nele o sistema toma a forma de uma obsessão: o sistema
deve refletir a intuição central do filósofo, aquela pela qual ela entende que a realidade
está toda dado no movimento do espírito absoluto que só podemos apreender através
de suas manifestações na história e na natureza, principalmente na medida em que
essa história e natureza está relacionada com a nossa existência (MARCONDES,
2000). O tratamento que daremos à filosofia de Hegel visará alguns conceitos
fundamentais do autor e também os impactos de sua filosofia no pensamento
contemporâneo, mas não uma visão completa de sua filosofia. Pretendemos, assim,
dar coordenadas que possam servir para adentrar no ambiente filosófico hegeliano.
Trataremos, assim, do caráter idealista de sua filosofia e dos conceitos de dialética,
espírito e história e sua relação e sua relação com o pensamento de Marx e Engels.
Através de sua filosofia, Hegel pretendeu abarcar todos os níveis de existência
passando pela natureza, pela cultura e pela experiência humana. Para isso, ele
estabeleceu uma descrição a partir de uma rede de relações dialéticas entre cada
instância, buscando atingir a compreensão de como as formas ‘individuais’ de
existência seriam manifestação da experiência da consciência e do Espírito absoluto.
Ele entende o movimento do espírito como histórico, uma história espiritual que se
manifesta sensivelmente através das criações humanas, o que nos leva pensar que a

31
própria humanidade é manifestação e expressão deste espírito, sendo ainda, o que o
torna possível, pois, há um sistema de espelhamento entre as formas empíricas
(históricas) de existência e o espírito. Conforme Bertrand Russell (2021), sua filosofia
representou o ápice do movimento que, na filosofia alemã, teve início com Kant, isto
é, o sistema de Hegel é o momento mais acabado do que se chama idealismo alemão
(RUSSEL, 2021)
O idealismo alemão, que pode ser datado entre 1780 e 1850, e desenvolvido
especialmente nas universidades de Iena e Berlim (Alemanha), teve como base um
estudo crítico e apaixonado da obra de Kant. Esses filósofos, entre Fichte, Schelling
e Hegel se preocuparam em construir sistemas filosóficos baseados no caráter ideal
e espiritual da experiência, a partir do qual pudessem dar explicações abrangentes
sobre o fenômeno humano em diversos níveis. amento que explicasse todas as coisas
do mundo. Eles, em sua maioria, eram, em sua essência, pelo menos quando
começaram a desenvolver suas respectivas formas de pensamento, kantianos, e
buscavam resolver impasses colocados pela filosofia kantiana. Hegel, por exemplo,
apesar de se lançar em uma empreitada filosófica crítica em relação a Kant, jamais
poderia ter existido sem o sistema de Kant. Por outro lado, cabe lembrar, que ambos,
cada um ao seu modo, orientaram a filosofia ao seu destino contemporâneo: Kant,
pela crítica do sujeito. Hegel, pela necessidade de pensar a história e o caráter
concreto do espírito (REALE; ANTISERI, 2006).

4.1 O sistema de Hegel é idealista.

Em filosofia, o idealismo consiste na consideração da existência de uma


realidade espiritual ou ideal como anterior aos processos materiais que constituem o
mundo que apreendemos diretamente pelos sentidos. O idealismo consiste, assim, na
explicação do mundo concreto pelo mundo ideal, conforme a consideração que as
ideias são anteriores às suas manifestações materiais de cunho social e intersubjetivo
e são os fatores determinantes da existência. Em história da filosofia, o termo
idealismo engloba diferentes correntes de pensamento que têm em comum a
interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior,
subjetivo ou espiritual. O idealismo implica, nesse sentido, na redução do objeto do

32
conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale à redução da
matéria ao pensamento ou ao espírito (JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D, 2001).
Encontramos, assim, um idealismo metafísico que vê a realidade como
constituída, ou dependente do espírito (finito ou infinito) ou de ideias (particulares ou
transcendentes) — Hegel e Platão podem ser considerados como parte desta
tendência, — como também há um idealismo epistemológico que parte da primazia
da ideia na formulação do conhecimento e da verdade. O idealismo epistemológico
marca decisivamente a filosofia moderna e contemporânea. No debate entre
empiristas e intelectualistas, por exemplo, temos o idealismo dos racionalistas
mediado pelo discurso dos empiristas, que, em alguns casos, como em Berkeley
(1685-1753), acaba por reduzir o sentido sensível à experiência de uma percepção
absoluta, de estatuto ontológico divino quando afirma que ser é ser percebido
(BERKELEY, 2010), mas ainda se situa no âmbito empirismo, porque trata da
experiência como sensível como fonte de conhecimento, mas o faz na perspectiva de
um idealismo espiritual e um empirismo extremo, pois não se trata do sujeito singular
o pensamento que percebe, mas de uma ‘realidade’ teológica (JAPIASSÚ, H.;
MARCONDES, 2000.)
O Idealismo de Hegel, por outro lado, é filho da crítica de Kant às posições
intelectualistas e empiristas: é a retomada de um terreno onde se pode começar a
pensar o ideal como aquilo que engloba o conjunto da experiência. Na história do
idealismo, existem formas variadas de ‘idealismo’: encontramos um idealismo
histórico que entende as ideias e/ou consciência como agentes fundamentais e únicos
da transformação histórica, desconsiderando as relações concretas como fundantes
do mundo social e da cultura, ou pelo menos, tratando-as como secundárias em
relação às ideais. Em muitos casos, um idealismo ontológico ou absoluto como de
Hegel pode gerar posições deste tipo, ainda que esse não seja o caso de Hegel, mas
de autores da direita hegeliana, um movimento intelectual do século XIX que se
baseou no pensamento de Hegel para discutir questões políticas e culturais na
Alemanha, de um ponto de vista conservador, buscando justifica, por exemplo, que o
desenvolvimento do espírito tinha se realizado completamente na Prússia do século
XIX. O idealismo histórico, muitas vezes, tende a se transmutar em ideologia já que

33
dá às ideias uma força maior que os fatos e se cristaliza em posições que terão a
função de manutenção do tempo presente (HYPPOLITE, 2003).
Podemos falar também de um idealismo ético, de caráter mais comportamental
do que filosófico, baseada em um processo de projeção empiricamente infundado
enquanto uma maneira de julgar ou racionalizar a vida cotidiana. Nesse caso, o
idealismo também se converte em um esforço de modificação da vida material, mas
que se despede das condições dadas. O idealismo de Hegel carrega um pouco de
todos os idealismos, pois é um idealismo que busca englobar através da história as
formas pelas a experiência humana se desenvolve enquanto ideia, mas ao se colocar
o problema da história, do movimento histórico do espírito, ele se torna uma descrição
concreta complexa da experiência humana. Seu idealismo é, portanto, englobante e
sistemático.

4.2 Hegel e a história

Hegel foi um dos primeiros filósofos a considerar as formas de existência


humana em seu sentido cultural, político e histórico, de modo sistemático e propondo
uma explicação a partir da qual a história humana pudesse ser tratada como orientada
para um sentido. Assim, ele buscou tratar a história considerando seu caráter interno
e específico, através da compreensão de que história tinha um sentido ou finalidade
que se manifestava paulatinamente em todas as atividades humanas. Isso quer dizer
o seguinte: se a história tem um sentido é porque ela tende para um fim, se faz
conforme uma finalidade, ou seja, ela tem um objetivo: as vivências e eventos
históricos existem conforme algo que deve ser plasmado, e também expresso ao fim
de sua trajetória (KENNY, 2009).
No caso de Hegel, o que se preconiza é a experiência de uma evolução
espiritual, que conflui para o desenvolvimento total do todo, ou seja, do espírito
absoluto. Ou seja, sua posição era de que através de um movimento dialético baseado
em tese, antítese e síntese, a história revelava as formas de desenvolvimento e
evolução das construções humanas entendidas como manifestação e expressão do
espírito absoluto.

34
Nesse sentido, sua filosofia busca compreender a evolução do ser humano e
do conhecimento, apostando na ideia de que a história é perpassada por um processo
de aprimoramento. Ele descreveu, portanto, um sistema de relações pela qual se
atenta para compreender os processos históricos, os fatos cotidianos, a vida do
homem tal como ela é uma vida com os outros, em sociedade, marcada pela disputa
política e pela dialética do senhor e do escravo, da relação entre dominadores e
dominados. Hegel considerava que as dimensões da existência humana estão
submetidas a um sistema não linear, dentro do qual sempre haveria superação, mas
esse sistema não era material em sua essência, mas primordialmente espiritual.
Hegel sintetiza através do seu pensamento as teorizações sobre história que
antecederam sua reflexão, pois importa teses características da visão cristã ao
conceber a história como o desenvolvimento de um plano espiritual. Sua filosofia faz
referência à teoria de Santo Agostinho em “A cidade de Deus”, que se torna a
finalidade da vida temporal humana, quando através de seu desenvolvimento histórico
busca imitar e mesmo espelhar a cidade divina. Por outro lado, Hegel, parte ainda do
evolucionismo — se adaptando à noção de progresso característica do período
moderno —, tomando como base a ampliação da noção de liberdade individual (ou,
vocabulário de Hegel: vontade subjetiva). No entanto, ele supera 'dialeticamente
essas visões, ao descrever uma história cujo núcleo imanente é a realização história
da própria razão (KENNY, 2009).

4.3 Hegel e a noção de espírito (GEIST)

O termo Geist, alemão, é utilizado por Hegel como base para descrever e
construir sua noção de espírito, mais precisamente sua concepção de espírito
absoluto, enquanto o todo e o universal em autêntica complexidade e manifestação
(RUSSERL, 2021, p. 294). Interessante notar, que o primeiro sentido da palavra, o
mais imediato, se relaciona com a palavra fantasma, sendo o espírito algo que é
diferente de um corpo na forma como pode se manifestar para um sujeito humano. O
fantasma também significa aquilo que assombra seja como marca de uma memória
ou convite a um futuro impossível e indesejável. Tardiamente, na cultura alemã, ela
ainda recolheu em seu interior o sentido da palavra francesa esprit para identificar

35
qualidades humanas como “vivacidade”, “perspicácia” e “gênio”, deixando entender
que ter ‘espírito’ é possuir certas habilidades que permitem desenvoltura em assuntos
especificamente humanos, principalmente aqueles relacionados à vida social e a
política (INWOOD, 1997).
Geist é uma noção complexa, polissêmica, que entra no campo da filosofia,
através de Hegel pelo esforço de descrever fenômenos culturais e históricos segundo
sua diferença em relação à natureza e as coisas simplesmente coisas (Ding). Na
tradição teológica alemã, da qual Hegel era conhecedor e mesmo estudioso, Geist se
desdobra no termo espírito santo, a terceira pessoa da Trindade (der heiliger Geist),
orientado para significar algo como spiritus sanctus de origem latina, estando assim,
vinculado a uma fé católica. No entanto, esse espírito santo, para os alemães
protestantes, da época de Hegel, também tinha um significado específico. Estava na
ordem de um possível arrebatamento místico, de uma modificação de perspectiva que
pode ser aqui na terra, enquanto passagem do material ao para o espiritual, ou em
termos escatológicos: o dia do juízo, da separação entre eles e aqueles
((INWOOD, 1997).
Bertrand Russell (2016), considera que Hegel desenvolveu seu percurso
intelectual a partir de uma visão mística que, posteriormente, estaria na base de suas
elaborações filosóficas. Isso significa ser possível entender a ideia de espírito absoluto
em Hegel como remetida à toda essa tradição e até como esforço de dar sentido
filosófico aquilo que era tratado no âmbito da religião e da cultura, ou seja, pelo
movimento de expressar o alcance ontológico da noção de espírito: “o todo, em toda
sua complexidade e seu sentido” (RUSSERL, 2021).
O termo, Geist, portanto, pode marcar a diferença entre a dimensão material
do 'homem', sua carne, seu corpo e sua dimensão espiritual. Trata-se do esforço de
diferenciar a existência humana da natureza, pondo em relevo um dualismo primitivo,
primordial, onde os seres humanos se reconhecem como dotados de uma dimensão
material e espiritual, ainda que não estejam representando continuamente sua
existência dessa forma. Cabe ainda frisar, que todos esses significados têm um
núcleo comum próximo à ideia de que aquilo que ultrapassa a simples matéria tem
um sentido e existe por esse sentido: o espírito é visto pelo modo que que se manifesta

36
nas coisas e no mundo, significando em Hegel o próprio desenvolvimento da
racionalidade (KENNY, 2019).
A dialética de Hegel, quando se refere ao espírito, e mais precisamente, ao
espírito absoluto, é o estudo deste sentido, das leis pelas quais ele acontece e o
'destino' aos quais eles estão referidos. Reconhecido pelo seu sentido, o espírito na
perspectiva de Hegel, refere-se ao campo da religião, da experiência religiosa, da
teologia, da ciência, da filosofia, das artes, ou seja, tudo que pode e deve ser
identificado como humano através do seu sentido, através de suas contradições, que
se movimentam direção a novas sínteses, que, por sua vez, vão gerar outras teses e
antítese, em um movimento aberto, contínuo. Derrida, faz sobre a dialética hegeliana
uma observação muito interessa que devemos, penso, levar em conta:

É contra a reapropriação incessante desse trabalho do simulacro em uma


dialética de tipo hegeliana [...] que eu me esforço em fazer alcançar a
operação crítica, o idealismo de tipo hegeliano consistindo justamente em
suspender as oposições binárias do idealismo clássico, a resolver a
contradição em um terceiro termo que vem aufheben, negar suspendendo
[relevant], idealizando, sublimando em uma interioridade anamnésica,
internando a diferença em uma presença a si (DERRIDA, 1991, p. 59).

Interessante notar, que em sua compreensão perspicaz, ainda que situada


conforme o seu projeto filosófico, Derrida aponta para o problema geral que pode
haver em qualquer esforço dialético de tomar os fenômenos e os eventos que vem de
encontro a nossa experiência.
De um lado, podemos colocar a dialética na ordem do simulacro, como se o
seu destino fosse nos dar sínteses acabadas e para sempre positivas, o que, por
exemplo, a direita hegeliana fez quando pensou, que o estado prussiano de seu tempo
era encarnação do acabamento mais profundo do desenvolvimento do espírito
absoluto (KENNY, 1999). Nesse caso, a dialética seria produtora de simulacros
porque não teria como objetivo exprimir o ser do espírito absoluto. No entanto, temos
a dialética como produtora de uma forma de pensar que ultrapassa os binarismos
infundados do idealismo tradicional, em que a diferença entre corpo e espírito é
absoluta, mas conforme uma leitura da diferença entre eles.
Pela palavra aufhebe, na perspectiva de Derrida e conforme a passagem que
citamos acima, Hegel, coloca em movimento a diferença a partir da qual é necessário
pensar os eventos e os fenômenos através de seu outros: o corpo pela sua remissão

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ao espírito; o espirito pela sua necessidade de encarnação na matéria; e as formas
de relação singular pelas quais as duas instâncias se negam e se atingem. Nesse
caso, o espírito é o que designa a esfera de todas as criações humanas em âmbito
político, social, econômico e jurídico, mas podem ser tratados através de uma dialética
da diferença e de caráter negativo, ou tratada, ainda como um destino ‘sintético’, ou
seja, uma sedimentação na qual toda contradição deve se revolver, ainda que pela
neutralização do que pode ter de mais concreto na vida e na filosofia (DERRIDA,
1991).

5 A FILOSOFIA E A VIDA DE NIETZSCHE

Nascido em 15 de outubro de 1844, em Rõcken, nas proximidades de Lutzen.


Nietzsche é um dos filósofos que mais impactou a visão de mundo contemporânea,
contribuindo para um questionamento radical da modernidade, que aparece de modo
gritante nas filosofias de autores como Foucault, Roberto Machado, Deleuze e
Derrida, para citar apenas alguns dos mais conhecidos (MARTON, 1985;
NUNES,1991).
Era oriundo de uma família protestante e estudou filologia clássica em Bonn e
em Leipzig. Nesta cidade, estudou O mundo como vontade e representação, de
Schopenhauer, leitura que transformou profundamente sua visão de mundo e se
tornou conformadora das inquietações e objetivos do jovem pensador. Com vinte e
cinco anos apenas, foi chamado, em 1869, a ocupar a cátedra de filologia clássica na
Universidade de Basiléia, onde travou estreita amizade com o importante historiador
do mundo antigo e da cultura grega Jakob Burckhardt (HALÉVY, 1997)
Nesse período, ainda, começou a participar do grupo de intelectuais ligados ao
músico Richard Wagner, que naquele tempo vivia com Cosima von Bülow em
Triebschen, no lago dos Quatro Cantões. Nietzsche se converteu à causa de Wagner,
que sentiu como "seu insigne precursor no campo de batalha", passando a colaborar
com ele na organização do teatro de Bayreuth (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c, p.5).
Em 1872, publicou seu primeiro livro “O nascimento da tragédia” (1972), que
causou o primeiro mal-estar entre ele e figuras proeminentes do ambiente universitário
alemão, já que defendia uma tese sobre os gregos e sentido da trágica grega

38
destoante das posições correntes na universidade. Sua concepção do trágico, como
uma forma de manifestação da riqueza espiritual dos gregos, enquanto uma luta entre
os princípios dionísico e apolíneo que caracterizavam, segundo ele, a cultura grega,
e compreendida segundo a posição de uma irracionalidade presente na experiência
da razão, o que o tornava distante das posições que buscavam encontrar nos gregos
apenas o exemplo de uma razão perfeita (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c, p.5). Essa
compreensão estará, posteriormente, na base de suas concepções sobre o caráter
decadente da forma de filosofar inaugurada por Sócrates e por Platão, uma maneira
de compreender a filosofia que também entrava em confronto as concepções
clássicas acerca do pensamento grego, como também da função da filosofia na
história e do sentido da racionalidade no ocidente (BRUM, 1986).
Nesse meio tempo, por motivos afetivos e teóricos rompeu sua amizade com
Wagner. O testemunho desse rompimento pode ser encontrado em momentos
decisivos do livro “Humano, demasiado humano” (1878), onde o autor também
começa a questionar o sentido religioso e decadente do pessimismo de
Schopenhauer, atacando seu platonismo e sua desvalorização do desejo enquanto
esfera fundamental da existência. No ano seguinte, em 1879, por motivos de saúde,
mas também por questões de escolha intelectual (a filologia não era seu "destino"),
demitiu-se da universidade e iniciou sua inquietante peregrinação de pensão a pensão
pela Suíça, a Itália e o sul da França, assumindo, assim, uma posição de intelectual
errante, opondo-se a institucionalização do trabalho intelectual tal como ele acontece
na universidade (REALE, G; ANTISERI, D, 2006)
Em 1881 publicou a “Aurora” (1994), onde já encontramos teses fundamentais
de seu pensamento, que naquele período aparecia influenciado pelos estudos que
fazia da biologia, principalmente da teoria da evolução de Darwin, afastando-se,
assim, das visões teológicas da filosofia e da religião, em favor de uma visão científica,
pautada no desenvolvimento das ciências naturais (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c)
.A “Gaia ciência”, um dos textos mais fulgurantes da literatura alemão e da filosofia é
de 1882. Nessa obra, o filósofo coloca a necessidade de novo destino para a
humanidade, a partir de uma filosofia que não estivesse baseada preocupada
somente com o espírito, mas voltada para o corpo, para como seres humanos

39
escolhem sua maneira de morar e comer, viver e morrer, isto é, um pensamento cativo
do mundo concreto e existencial em sua dimensão mais imediata e material.
Escreveu, ainda, no período da Gaia Ciência, dois livros em Gênova, onde
também teve oportunidade de ouvir a “Carmen”, de Bizet, que o entusiasmou, levando
a comparar o caráter vivo e concreto desta obra e o trabalho musical de Wagner, que
naquele momento lhe parecia demasiado ‘alemão’, nacionalista e preocupado com
uma visão estreita da realidade alemã (REALE, G; ANTISERI, D, 2006c).
Ainda no ano de1882, Nietzsche conhece Lou Salomé, jovem e pensadora
russa de vinte e quatro anos, que já nesse período teorizava sobre a condição
feminina no mundo ocidental, além de viver uma vida que questionava as formas de
existência imposta às mulheres na sociedade europeia. Apaixonando-se, por ela,
desejou desposá-la. No entanto, Lou Salomé o rejeitou e se uniu, por algum tempo, a
Paul Re, amigo de Nietzsche. No entanto, seria muito pouco dizer que ela trocou um
pelo outro. O que estava em jogo para a pensadora era sua independência, sua
capacidade de escolher como mulher e como ‘espírito livre’ sua forma de existir, o que
não era muito comum ou fácil em uma sociedade controlada por homens (REALE, G;
ANTISERI, D, 2006c).
Em 1883, em Rapallo, ele concebe sua obra-prima: Assim falou Zaratustra,
obra concluída entre Roma e Nice, dois anos depois. Em 1886, publicou “Além do
bem e do mal”. “A Genealogia da moral” é de 1887. No ano seguinte, Nietzsche
escreve: O caso Wagner, O crepúsculo dos ídolos, “O Anticristo”, Ecce homo. Do
mesmo período é também o escrito “Nietzsche contra Wagner” (REALE, G;
ANSTITERI, D, 2006c)
Nesse período, ainda, lê Dostoievski e considera Turim lugar capaz de chamar
de sua cidade (REALE, G; ANSTITERI, D, 2006c). É em Turim que ele trabalha em
sua última obra, a Vontade de poder, que, no entanto, não conseguiu concluir, mas foi
utilizada pela sua irmã como uma justificativa para uma ideologia antissemita que
Nietzsche nunca teria defendido.
A obra de Nietzsche está profundamente ligada à sua vida, tanto na forma
quanto no conteúdo. Primeiramente, muitos de seus temas refletem a maneira como
viveu, as escolhas feitas, como, por exemplo: diante da universidade, escolheu
escrever sobre temas que não eram convencionais e nem eram vistos com olhos de

40
aprovação. Para ele, não se tratava de pesquisar ou escrever sobre aquilo que fosse
passível de aceitação, mas se ater às raízes profundas do que ele entende por
decadência da cultura ocidental, que teria sua forma mais acabada na cultura
moderna (BARRENECHEA, 2009; MARTON, 1985).
Nesse sentido, quando era comum a defesa incondicional da igualdade como
valor universal, o filósofo se apresentava como crítico de toda espécie de
igualitarismo; o que ele justificava pela ideia de que era razoável considerar as
diferenças corporais, históricas e biográficas dos sujeitos no que tange ao seu estar
no mundo e o seu 'destino'. Por isso, encontramos em algumas páginas de Nietzsche,
misoginias típicas do século XIX, em relação às mulheres (MARTON, 2022). Por outro
lado, em outras passagens, elas são comparadas com a verdade, seguida da
constatação de que, em ambos os casos elas seriam inacessíveis aos filósofos,
porque estes não entendiam nem verdade, tampouco das mulheres, o que poderia,
sem muita dificuldade ser dito de alguns aspectos do seu pensamento. No entanto,
seu pensamento se constitui como uma aventura filosófica fascinante, marcada pela
doença, pela loucura, pelo desespero e também pelo amor fati, um amor incondicional
à vida ((BARRENECHEA, 2009).

6 O MARXISMO: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

Na primeira metade do século XIX, com a publicação do Manifesto Comunista


(1848/2005), Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895) tornaram pública
uma nova e radical concepção da história e das relações sociais, conhecida
posteriormente por materialismo histórico-dialético.
Essa forma de pensamento retoma a dialética hegeliana, mas em uma
perspectiva materialista, buscando na vida material as bases de explicação para o
desenvolvimento histórico e social das organizações humanas, seja em seu sentido
político, cultural ou econômico.
Marx e Engels, apontam, assim, para uma concepção de ser humano diferente
daquela de Hegel e Kant, pois não partem da ideia de uma base ‘universalista’ de
caráter ideal, mas consideram como as relações sociais e econômicas são

41
constituídas através dos modos pelos quais, em um determinado nível de
desenvolvimento, os seres humanos produzem e reproduzem sua vida.
No Manifesto Comunista, redigido sob encomenda em 1847 para a Liga dos
Justos, como programa da organização, Marx e Engels afirmaram que “[...] a história
de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes” (MARX;
ENGELS, 2005, p. 40). A partir dessa simples, mas poderosa frase, todo um novo
horizonte teórico se abriria, que mais tarde seria chamado de marxismo. Segundo a
concepção dos autores, ao longo dos séculos todas as sociedades apresentaram um
conflito entre duas grandes classes principais. Na Antiguidade, a oposição se dava
entre senhores e escravos; no período medieval, a contradição social ocorria entre
nobres e plebeus; já na modernidade, com a ascensão da burguesia, que no seu seio
criava o proletariado, o conflito se tornava ainda mais simples, com uma pequena
parcela de burgueses contra a vasta população de proletários.
Enquanto condição de existência concreta, que caracteriza uma sociedade em
determinado nível de desenvolvimento, as lutas entre as classes sociais são o motor
da história; pois é a partir delas que as novas sociedades surgem e atuais se
desenvolvem e desaparecem, conforme os modos pelos quais uma sociedade se
organiza e se estrutura em relação ao trabalho e à produção. Quando um determinado
modo de produção se exaure, a classe que o comandava é destruída por uma nova
classe, que estabelece uma nova forma de produção e circulação de mercadorias.
Assim, cada vez que o modo de produção de uma sociedade é revolucionado, toda a
sociedade é transformada.
Para o marxismo, portanto, são as condições concretas da vida, o modo como
os seres humanos reproduzem a sua existência que determinam em última análise a
consciência social e suas instituições políticas, jurídicas, religiosas, que Marx e Engels
denominam superestrutura. Segundo essa ótica, toda forma de Estado é uma ditadura
de classe, pois esse Estado é um reflexo da exploração e da opressão que a classe
dominante exerce sobre a classe dominada, sendo que ele que se sustenta pelo
aparato físico e material que controla, como também pelo fato de que as ideias de
uma classe dominante são as ideias que dominam em uma sociedade (
BOTTOMORE, 1983).

42
No contexto em que Marx produziu seus escritos, com destaque para O Capital,
uma obra monumental de crítica à economia política, na qual o funcionamento do
capitalismo é dissecado minuciosamente, a burguesia — que outrora fora uma classe
revolucionária, responsável por derrubar o Antigo Regime — agora encontrava-se
plenamente assentada sobre o poder, tornando-se assim uma classe conservadora e
contra revolucionária. Portanto, o objetivo da burguesia seria o de manter seu controle
sobre o proletariado, de forma que esse não se organizasse e viesse, eventualmente,
a tomar o seu lugar como classe dominante, o que o marxismo conceitua como
ditadura do proletariado (BOTTOMORE, 1983).
Para superar sua condição de classe explorada e oprimida, os proletários
deveriam se organizar politicamente, tendo em vista a conquista do poder. Realizado
esse movimento, de acordo com o marxismo, haveria uma etapa de transição, que é
o socialismo, no qual os meios de produção são expropriados e coletivizados
paulatinamente, caracterizando assim a referida ditadura do proletariado. Ou seja, o
Estado ainda existe, e pelo simples fato de sua existência, trata-se de uma ditadura
de classe. Porém, o objetivo final é atingir o comunismo, uma sociedade em que as
classes sociais deixam de existir e, devido a isso, ocorre o definhamento do Estado,
que acaba por sumir. Dessa forma, o marxismo é frequentemente descrito como uma
historiografia “teleológica”, ainda que a forma da sociedade comunista nunca tenha
sido determinada nos escritos de Marx. Encontramos indicações, tais como a
necessidade de constituir as bases para uma sociedade em que uma classe não
explore a outra, ou mesmo os elogios e os estudos de Marx acerca da Comuna de
Paris em seu livro “Guerra Civil em França”, entendida por ele como um exemplo de
organização social que se encaminha e dá as bases para futura sociedade comunista
(MARX, 2011b).
Na perspectiva do marxismo, o ser humano está no centro de tudo, pois a
libertação da humanidade defendida por Marx visa à realização integral do ser
humano. Porém, de acordo com Marx (2011), existem condições pré-determinadas
nas quais os homens se situam na história:

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de
todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos
(MARX, 2011, p. 25).
43
Marx reconhece que os seres humanos agem dentro de estruturas herdadas
do passado, e que isso limita a atuação livre de cada um ou de uma sociedade, o que
nos leva a entender a liberdade em Marx como uma possibilidade que se estrutura
através do jogo entre a experiência humana e as condições que a sustentam
(infraestrutura, coisas materiais básicas, e superestrutura, o conjunto de ideologias e
valores que justificam um modo de ser de uma sociedade). No entanto, também
existem interpretações estruturalistas do marxismo, que tendem a pensar a história
sem o ser humano, levando em consideração apenas as estruturas sociais. Para
Althusser (1978), célebre pensador marxista de tendência estruturalista, Marx em O
Capital, sua obra máxima, fez a descoberta de um novo “continente” científico
exatamente porque identifica o funcionamento da estrutura capitalista:

Esta obra gigantesca que é O Capital contém simplesmente uma das três
grandes descobertas científicas de toda a história humana: a descoberta do
sistema de conceitos (portanto, da teoria científica) que abre ao
conhecimento científico aquilo que podemos chamar de “Continente-
História”. Antes de Marx, dois “continentes” de importância comparável já
haviam sido “abertos” ao conhecimento científico: o Continente-Matemática,
pelos gregos do século V a.C., e o Continente-Física, por Galileu
(ALTHUSSER, 2008, p. 39).

A contribuição do marxismo às mais diversificadas áreas do conhecimento


humano, como economia, psicanálise, sociologia, filosofia, geografia e artes, fez então
surgir tendências de pensamentos que foram fundamentais no século XX, como
aquela de Althusser, por exemplo. Na história, talvez a influência marxista tenha sido
ainda maior, com alguns dos maiores historiadores do século XX tendo se inscrito nas
fileiras do marxismo e adotado o método de análise histórica posto em movimento nos
textos de Marx. Alguns deles são: Eric Hobsbawm, Perry Anderson, E. P. Thompson
e Domenico Losurdo. No Brasil, Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Ciro
Flamarion Cardoso são alguns dos mais importantes pensadores, filósofos e
historiadores marxistas (KONDER, 1991).

7 FENOMENOLOGIA: GENÊSE E FORMA

O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais


e de filosofias que buscavam no universo científico fundamentação metodológica
44
(SANTOS, 1973). O influxo da biologia e da psicologia em assuntos lógicos e
filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores (REALE; ANTISERI, 2006b). Aliado a traços positivistas e naturalistas
na compreensão do ser humano e do mundo, esse influxo foi predominante,
principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária daquele
período, especialmente na última década do século XIX (SANTOS, 1973). Os estudos
no campo da epistemologia e teoria do conhecimento se faziam, assim, a partir de
uma atitude geral de valorização da metodologia que estava sendo desenvolvida no
campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Edmund Husserl (1859),
- filósofo criador da fenomenologia - até 1900 – ano de publicação de sua primeira
grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram
para que as relações entre ciência e filosofia se apresentassem configuradas de modo
a colocar em risco a normatividade do discurso filosófico; ou que pressupostos da
psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios para concepções
filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único


conhecimento possível e o método científico como único método válido,
vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu objeto
próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade’, a qual
sucede o triunfo da ciência (SANTOS, 1973, p. 20)

O surgimento da fenomenologia está inteiramente implicado com esse


contexto, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais
produtivos e inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um
processo de adesão ao sentimento constante da época, ou seja, conforme a
consideração de que as ciências naturais teriam a chave para compreensão da
existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas
e demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A
fenomenologia surge pelo questionamento dessa adesão e pela preocupação em dar
fundamentação à prática científica, diferindo as dimensões empíricas da experiência
daquelas das ideais. A distinção aqui é fundamental para entender o que é a
fenomenologia e qual seu campo de investigação.

45
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados
por ciências empíricas como biologia, química e a psicologia, por exemplo. De outro
temos ciências eidéticas, que tem como objeto idealidades, formas de existência e
conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da lógica e os objetos
matemáticos, por exemplo (HUSSERL, 2012).
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo
idealidades não pode ser explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico,
ou seja, para Husserl é um equívoco considerar o método de ciências como a biologia
e a psicologia enquanto métodos passíveis de serem utilizados por todos as ciências,
já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma estrutura
diferente daquela dos fenômenos empíricos (DARTIGUES, 1973)
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento
teórico chamado psicologismo, conforme o qual a fundamentação das ciências
encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico. Cabe ainda ressaltar, que
o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou. Em
sua primeira obra importante, Philosophie der Arithmetik (A filosofia da Aritmética)
(1883/1970), ele desenvolveu uma posição psicologista acerca da gênese do número
através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da aritmética combinando o
método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia
empírica de Franz Brentano (1838-1917).
Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a
relação dos conceitos matemáticos com as atividades subjetivas da consciência
empírica, entendida como esfera produtora de conceitos tais como número, unidade
e multiplicidade. O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das
concepções recorrentes em sua época. No entanto, é possível encontrar, segundo o
testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores, dimensões importantes
do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um prefácio
de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele
avalia, por exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações
colocam em perspectiva a tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da

46
ciência matemática, buscando traçar relações entre o ato da experiência e seu
conteúdo. (HUSSERL, 2012).
Neste sentido, a fenomenologia se desdobrará em uma corrente filosófica plural
que ainda é uma das mais importantes e estudadas no mundo contemporâneo. Tendo
em vista essa pluralidade, trataremos do pensamento de quatro autores oriundos
desse campo filosófico:
a) Edmund Husserl, o criador da fenomenologia, como já indicamos.
b) Merleau-Ponty, exemplo máximo da presença da fenomenologia na França,
através de uma fenomenologia do corpo e da percepção;
c) Simone de Beauvoir, que utiliza do método fenomenológico em uma
perspectiva existencial através da literatura, no qual temas como condição
da mulher, a juventude e velhice tomam relevo.
d) Martin Heidegger, com sua fenomenologia hermenêutica e ontologia
fundamental.

7.1 Edmund Husserl

Considerado o criador da fenomenologia contemporânea, Husserl, como já


observamos, era matemático e se interessava especialmente por questões
relacionados à gênese e fundamento das matemáticas, o que o levou a estudar a
gênese fenomenológica do conhecimento matemático conforme sua remissão a
experiência da consciência pura, que ele busca diferenciar da consciência empírica
(DARTIQUES, 1973; LYOTARD, 2008).
A consciência pura é aquela alcançada através do método fenomenológico,
pela suspensão dos juízos e a redução dos aspectos empíricos que perpassam os
fenômenos. A consciência empírica é aquela do sujeito singular e sua vida psicológica
que pode ser estudada pela psicologia experimental e é abordada pelas correntes
psicológicas em sua diversidade e singularidade (LYOTARD, 2008).
Husserl nasceu em abril de 1859 na cidade de Prostejov, atualmente uma
cidade da República Tcheca, e faleceu em abril de 1938 em Friburgo. Em 1886,
converteu-se ao protestantismo luterano e, em 1887, casou-se como Malvine
Steinschneider, o que não impediu de ter os direitos políticos e intelectuais cerceados

47
pela ascensão do nazismo na Alemanha. Husserl lecionou em duas universidades,
primeiro na Universidade de Göttingen, em 1916, e em 1928 na Universidade de
Freiburg, onde permaneceu até se aposentar. Entre suas obras podemos destacar:
As investigações Lógicas (1900); Filosofia como ciência rigorosa (1911); Ideias para
uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenológica (1913); Meditações
cartesianas (1931); póstuma, em 1950, apareceu A crise das ciências europeias e a
fenomenologia transcendental. Entre os discípulos mais famosos, devemos citar
Martin Heidegger e Edith Stein (DARTIGUES, 1973).
Para Husserl, o principal problema que se apresenta ao método
fenomenológico concerne aos fundamentos do conhecimento tanto em filosofia
quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele investigou criticamente a
apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois em
sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento,
acabava por colocar em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia
enquanto ciência rigorosa e diferenciar os métodos e fundamentos das ciências
naturais e humanas. Assim, opondo-se às tendências de naturalização da experiência,
Husserl desenvolveu a redução, ou epoché, enquanto método para o conhecimento
ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando tratamos
especificamente do pensamento de Husserl.
Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva
de Husserl, o método da redução consistia na suspensão da nossa experiência
imediata ao mundo, para a partir daí atingir as essências. Na perspectiva de Husserl,
são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram no campo de
conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto
de um fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência
que apenas pode ser descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes
à experiência da consciência e o conhecimento que delas se toma apenas adquire
caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude da fenomenologia, advinda do processo
de redução. Nas palavras de Husserl:

Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de


conhecimentos absolutos, para o qual ficam indecisos o eu, o mundo, Deus
e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades científicas;
conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas,
valem o que valem, quer a respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto,
48
portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a captação do sentido
do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a
dúvida que tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência
absolutamente intuitiva, que a si mesma se apreende (HUSSERL, 1985, p.
25).

A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e


imediata, isto é, um conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A
redução fenomenológica permitiria o que, para Greaves (2012), pode ser resumido
em uma forma de descrição de como as coisas são em sua presentificação
fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua
estruturação empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma
cadeia transcendental de experiências, como relativo ao caráter absoluto da
consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como Husserl a entende será
bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o fenômeno
pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das
condições mundanas que sustentam a atitude natural.
O fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser compreendido e
definido como algo que aparece à luz da redução, que é iluminado e se deixa ver
quando se passa atitude mundana e natural para atitude fenomenológica que consiste
primeiramente na quebra e na desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é
simplesmente um acessório ao fenômeno, torna a fenomenologia uma filosofia da
presença e uma filosofia que retorna ao mundo-da-vida, isto é, esse mundo concreto
que experimentamos e se torna um enigma quando pensamos filosoficamente. A
fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo
como a linguagem filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido,
ainda que essa inerência e preocupação com a experiência possa ser tratado
diferentemente

7.2 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)

49
Considerado um dos mais importantes filósofos do campo fenomenológico,
Merleau-Ponty nasceu na França, na cidade de Rochefort-sur-Mer em 14 de março
de 1908 e morreu em Paris a 3 de maio de 1961. Formou-se em filosofia no ano 1930,
aos 23 anos de idade. Foi professor no Liceu (nome dado às escolas da época) de
Beauvais em 1931, no Liceu de Chartres em 1934 e na Escola Normal Superior em
1935, permanecendo lá até 1939 (MATHEWS, 2010)
Além de professor, foi oficial do exército na Segunda Guerra Mundial.
Trabalhou ainda em outras instituições de ensino superior na França, terminando sua
carreira no Collège de France, uma das mais importantes instituições de pesquisa e
ensino da Europa e do mundo. Nesse período (1952-1961), ministrou alguns cursos
fundamentais para a tradição filosófica contemporânea e reveladores de toda
inovação posta em movimento pelo seu pensamento. Após 1945, juntamente com
Jean-Paul Sartre, foi coeditor da revista Les Temps Modernes (Os Tempos
Modernos), parceria que durou até 1952, e teve como desfecho uma série de
discordâncias entre os dois pensadores, principalmente no que diz respeito a
questões políticas da época.
Merleau-Ponty, muito antes de Sartre observou a importância da Revolução
Russa de 17, orientando-se para uma análise fenomenológica e histórica das formas
de expressão revolucionária que caracterizavam aquele momento histórico vivido pela
sociedade russa, análise que aparece em seu livro “Humanismo e Terror” (1968), uma
das obras do período estritamente fenomenológico de seu pensamento (MATHEWS,
2010). Todavia, muito antes de Sartre, também se desvinculou de qualquer
perspectiva ingênua em relação à mesma Revolução, buscando problematizar sua
base ontológica em um livro escrito e publicado no começo em 1956, intitulado “As
aventuras da Dialética”.
O rompimento com Sartre se dá, exatamente, quando Merleau-Ponty
considerou perdida a Revolução Russa seu conteúdo humanista e revolucionário.
Mais precisamente, quando entende que a invasão da Hungria, em 1956, pela União
Soviética, como um processo em que a Rússia apenas retornava a uma espécie de
imperialismo de guerra próximo àquele das potências ocidentais (SICHÈRE,1982).
Merleau-Ponty, defende, então, no texto ‘Aventuras da Dialética’ (2006), a tese
que o problema central do marxismo se dava pela perpetuação de uma ontologia do

50
objeto fundada em uma concepção de continuidade entre natureza e sociedade
através do conceito de dialética. A consequência prática desta concepção é uma
leitura dos fatos de caráter mecânico, o que também levava a um esforço de controle
da ‘natureza social’ através da consideração de leis que não aceitavam ser
desmentidas pelos fatos. Ao pensamento de Sartre, Merleau-Ponty dirige uma crítica
na qual o pensamento político sartriano é chamado de voluntarista, na medida em que
defende uma vontade não situada como dado constitutivo do proletariado, por isso,
na perspectiva de Sartre, a revolução teria que ser defendida apesar de seus desvios.
Para Merleau-Ponty esse posicionamento era o idealismo de Sartre sendo a
contrapartida teórica do materialismo pragmático dos marxistas (MERLEAU-PONTY,
2006).
Em sua filosofia, Merleau-Ponty possui como maior influência a fenomenologia
de Husserl, mas trata-se de uma influência mediada pelo contato do filósofo com as
ciências humanas, especialmente com a psicologia (COELHO, 2001). Suas duas
teses de doutoramento, “A Estrutura do Comportamento” (1942/2006) e
“Fenomenologia da Percepção” (1945/1999), trouxeram importantes contribuições no
âmbito dos estudos do comportamento e da compreensão da experiência perceptiva,
tendo em vista construir um olhar unitário em relação à experiência humana,
questionando, principalmente a tradição cartesiana e o dualismo entre corpo e alma
que lhe caracteriza (BIMBENET, 2004).
Escreveu textos dedicados ao tema da linguagem e da expressão artística;
podemos dar destaque ao ensaio ‘Dúvida de Cézanne’, na qual trata da pintura e da
criação artística de um ponto de vista existencial e fenomenológico (BIMBENET,
2004). O fenômeno da expressão seja na arte como na linguagem assume em sua
descrição da existência papel fundamental, pois a existência humana é para ele
expressiva tanto do ponto de vista de seus produtos culturais quanto pela sua
conformação ontológica, que o filósofo descreve através da sua filosofia do corpo
(ALLOA, 2012). Em sua visão, a experiência corporal não pode ser reduzida à
concepção biológica de corpo, já que o que está em jogo é o modo como o corpo abre
existencialmente ao sujeito e ao mundo. Nesse sentido, grande parte de sua obra trata
da questão da corporeidade enquanto fonte de toda experiência possível. Em seus

51
últimos escritos e notas de trabalho desenvolveu a ontologia da carne (Chair), na qual
busca superar a ontologia do objeto de origem cartesiana (ALLOA, 2012).

7.3 Simone de Beauvoir (1908–1986)

Nascida na França, Simone de Beauvoir é considerada atualmente como uma


das percursoras da crítica feminista da sociedade contemporânea. Em seus escritos,
ela defendia que o ser humano sempre foi compreendido em uma perspectiva
masculina, o que retirava da humanidade à existência das mulheres. Simone, defendia
nesse sentido, a igualdade entre os sexos, afirmando que não existem características
tipicamente femininas ou masculinas, mas uma construção social que delega papéis
e características às pessoas (BUCKINGHAM et al., 2011).
Beauvoir era proveniente de uma família tradicional francesa e estudou em um
colégio interno católico até os 17 anos. Posteriormente, se dedicou, por um período,
ao estudo da matemática e de línguas, até que, por fim, começou a estudar na
Universidade de Paris, onde conheceu Jean-Paul Sartre, com quem manteve um
relacionamento amoroso nada convencional por toda a sua vida.
Em meio ao universo acadêmico francês e, antes, no seio de uma família
tradicional, Beauvoir percebeu a opressão que sofria quando fazia escolhas que eram
consideradas inadequadas às mulheres da época. Pode-se dizer que essa
experiência a levou à reflexão crítica de sua condição feminina na sociedade. Sua
filosofia assume a fenomenologia de uma perspectiva existencial, que dialoga com o
existencialismo de Sartre e com a fenomenologia do corpo de Merleau-Ponty, mas
assume feições originais, na medida em que apresenta as condições históricas e
culturais como determinantes que condicionam a experiência de existência pelos
seres humanos e em especial as mulheres (GOTHLIN, 2002).
Em “O segundo sexo”, Beauvoir (1980) argumenta, por exemplo,
fundamentando-se historicamente, que desde a Antiguidade se estabeleceu uma
concepção de mulher que orientava e determina a forma de existir do segundo sexo
de modo arbitrário. Nesse sentido, vários foram os ‘fundamentos’ para uma
abordagem autoritária e arbitrária da vida das mulheres: fundamentos biológicos,
psicológicos/psicanalíticos, políticos e ontológicos foram usados como parâmetro para

52
constituir uma visão da mulher como um ser inferior. Nesse contexto, Beauvoir avalia
que à mulher sempre restou o lugar do outro, mas de um outro do qual se retirava a
autonomia existencial e intelectual. Ou seja, as mulheres foram narradas a partir da
perspectiva masculina ao longo da história. Beauvoir afirma que este é o drama de
ser mulher: ter as necessidades afirmativas de um sujeito essencial a si, mas se
compreender a partir de uma perspectiva que não nasce da sua existência (KRUKS,
2012).
Apropriando-se, do conceito de inautenticidade de Heidegger, Beauvoir
entende como mulher teve que assumir um papel considerado inautêntico na história
da cultura, pois surge condicionada por um papel criado pelos homens e por uma
cultura de homens. Nesse sentido, Beauvoir aponta para a dificuldade das mulheres
de se desvencilhar da servidão. Se o lugar que sempre foi reservado para o sexo
feminino foi o do outro, determinado por uma visão que não é sua, mas do sexo
oposto, haveria uma dificuldade em romper com essa negativizarão de si. Ou seja,
trata-se da constituição histórica da existência feminina: determinada por uma
sociedade culturalmente comandada por homens, mas que não é natural, o que torna
possível às mulheres, na perspectiva da autora, assumir e construir o sentido de sua
própria vida (KRUKS, 2012).

7.4 Martin Heidegger (1889-1976)

Martin Heidegger foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl


(1859–1938). Ele nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O
seu pai era sacristão, além de mestre tanoeiro. Vivendo em uma cidade muito
pequena e tendo pais católicos, Heidegger passou a sua infância alternando entre a
sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente determinou de alguma forma
sua escolha de estudar teologia e sua aproximação à filosofia.
Na escola municipal de Messkirch, ele estudaria latim e romances de formação.
Os seus professores lhe deram o auxílio necessário para ingressar no internato para
rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber,
que lhe possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo
Aristóteles, dissertação de Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, ainda

53
adolescente, encontraria a questão que lhe acompanharia pelo resto da sua vida: a
questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger ingressou na
Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela
filosofia a partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além
estudar as teorias teológicas, seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na
filosofia. Através de seu interesse por Brentano acabou por se aproximar dos
trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por Brentano,
Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia,
Heidegger começou a estudar os textos husserlianos (GORNER, 2018).
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias
de Husserl e Heidegger é que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como
as coisas são (e isso está indicado na fórmula geral da fenomenologia, que é alcançar
as coisas mesmas, conforme sua essência), enquanto que, para Heidegger, a
fenomenologia permitiria descobrir o modo como as coisas são. Por isso, a partir da
fenomenologia, Heidegger se lança em um processo de desconstrução do pano de
fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento, compreendidos em sua
perspectiva, como uma história de encobrimento do Ser e da existência, pela
determinação da pergunta pelo ser pela ideia de essência e não pela investigação
acerca do modo como Ser é na perspectiva dos entes e principalmente do ente que é
capaz da pergunta pelo ser, isto é, o ser humano.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) procura responder
o que é o sentido da fenomenologia, buscando na etimologia da palavra uma forma
de ampliar a prática e o método indicado por Husserl. A palavra “fenomenologia” pode
ser dividida em dois termos e considerando a significação deles se torna possível, em
sua perspectiva, filosofar fenomenologicamente. Fenômeno é um encontro, mas um
encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. O termo logos significa a
fala ou discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela esse encontro, isto
é, se dá expressão do Ser. A fenomenologia, portanto, “é deixar e fazer ver por si
mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo” (HEIDEGGER,
2015, p. 75).

54
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a
concepção de fenomenologia dada por Husserl, no entanto, se desloca
consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando-se, assim,
como a primeira formulação original que se destaca da fenomenologia de Husserl.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao
problema epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões
de caráter ontológico, Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como
a mais radical e necessária de ser investigada.
Husserl não se interessava pela ontologia, pelo menos em sentido fundamental,
ou seja, enquanto interrogação radical pelo ser em geral. Husserl considerava a
possibilidade de uma ontologia formal dada como organização lógica das ciências em
relação aos objetos que ela intenciona, mas não de uma ontologia enquanto
‘descrição fundamental do Ser’. Em Heidegger, ao contrário, o que é visado é o
desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes
daquelas de Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em
relação ao alcance e o sentido da fenomenologia (GREAVES, 2012). É nessa
perspectiva, que surge um conceito fundamental na fenomenologia de Heidegger, o
conceito de Dasein.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no
Brasil, mostra a dificuldade que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para
o português, expressando através do idioma português que o termo tem de
fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra quando se percebe, que após
mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português, ainda não
há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do
texto de Heidegger deve ou não ser traduzido.
Em língua portuguesa, há duas opções possíveis de tradução. Em alemão, Da
significa tanto “aqui” quanto “lá”, e “Sein” é, literalmente, “ser”. Dessa forma, pode-se
utilizar o termo, já consagrado, “ser-aí”. Pode-se utilizar essa tradução pois, para
Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está “fora” e a distância para que “meu ser” apareça enquanto
tal, isto é, como o ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em “Ser-aí” tenta
alcançar essas possibilidades. A outra tradução utilizada é “presença”, defendida por

55
Márcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora, é a que mais se aproxima da
ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois Presença não é
sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas
de natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas
exposições. Nas palavras da autora:

A palavra Dasein é comumente traduzida por existência. Em Ser e Tempo ,


traduz-se em geral, para as línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-
là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de presença pelos seguintes motivos:
1) para que não se fique aprisionado às implicações do binômio metafísico
essência-existência; (...) 2) presença não é sinônimo nem de homem, nem
de ser humano, nem de humanidade, embora conserve uma relação
estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de homem, ser
humano e humanidade. (HEIDEGGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de
Márcia de Sá Cavalcante, p 309).

Ao se perguntar pelo sentido do ser, surge assim, a problemática sobre o


sentido do ente que se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal
como considerada por Heidegger, passa pela interrogação sobre uma forma muito
singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo termo Dasein’, se
pergunta pelo ser.
Nesse sentido, o Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e
a experiência humana: trata-se de uma aparecer, de algo que se torna presente, o
ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua condição de
possibilidade manifesta uma relação com o próprio Ser. O segundo aspecto, é que
esse sentido da experiência humana está sempre aí, na maneira como os entes
humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos dados em conjunto formam
a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz
em si a possibilidade da pergunta pelo ser porque tem como ‘sentido’ a ocupação com
o mundo.

8 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA

De acordo Ribeiro (2010), a Teoria Crítica surge de dilemas históricos,


poderíamos acrescentar ainda filosóficos e sociais, que caracterizam as primeiras
décadas do século XX. Conforme o autor, a teoria crítica, é uma reação ante o
56
fracasso da sociedade burguesa em sua promessa de criação de uma sociedade
baseada nos valores do iluminismo e da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e
fraternidade.
A teoria crítica se encarna a partir da fundação do Instituto de Pesquisas
Sociais, no ano de 1923, em Frankfurt, na Alemanha. Nomeados Escola de Frankfurt,
na história da filosofia, os intelectuais do Instituto (ou ligados ao Instituto) se
dedicaram, de modo heterogêneo, em analisar criticamente o capitalismo e os
fundamentos da ciência moderna, voltando-se para a problemática da razão e da
liberdade, além de uma reflexão sobre os extremos da dominação e da emancipação
que marcam a experiência contemporânea, em especial aquela do século XX, tal
como eles a vivenciaram onde fenômenos como nazismo e fascismo impactam
fortemente a vida intelectual e a prática filosófica.
O Instituto teve suas atividades interrompidas na Alemanha, com a acessão do
regime nazista. Os intelectuais que se dedicavam à pesquisa e ao ensino no Instituto
tiveram que sair da Alemanha, encontrando abrigo nos EUA, onde o Instituto pode
‘existir’ e continuar suas atividades. Alguns tiveram destino trágico, como Walter
Benjamim, que em sua tentativa de fuga do regime nazista, durante começo da
segunda Guerra, se decidiu pelo suicídio.
Em termos programáticos e conceituais, a teoria crítica é uma tendência do
pensamento contemporâneo que se vincula organicamente ao programa iluminista ao
valorizar a experiência do pensamento como condição de autonomia dos seres
humanos, mas também questiona a herança iluminista, na medida, que coloca a razão
sob suspeita. Podemos entender esse aspecto retornando ao problema do
esclarecimento tal como apresentado por Kant.
Para Kant, o primeiro filósofo que estudamos nessa exposição, o
esclarecimento é um processo onde o ‘homem’ se desenvolve e deixa para trás a sua
menoridade, da qual ele mesmo é culpado (KANT, 1985). Essa é uma condição de
possibilidade para que ele atinja a autonomia e, consequentemente, a sua maioridade
ética e intelectual. Dessa forma, segundo Kant, o esclarecimento é um processo por
meio do qual os indivíduos saem da menoridade, (que consiste na dependência do
pensamento e da ideologia do outro), pondo em cena a autonomia, encarnada em
vontade e sua liberdade, o que inclui pensar por si mesmo e criticamente.

57
Porém, a mesma base emancipatória da razão, que se vincula à libertação,
está subordinada à técnica e à instrumentalização, como também pode se deslocar
das condições materiais nas quais a vida humana é construída, já que tende a pensar
a razão como uma forma universal de experiência, o que acontece com Kant, quando
ele fala de ‘sujeito transcendental’ como condição de possibilidade de toda experiência
possível. Assim, o processo acaba se transformando em um processo de sujeição,
desviando-se do propósito original. Nesse contexto é que surge a teoria crítica. Ela
questiona as relações de poder e as instituições com base numa interpretação
materialista de caráter marxista e psicanalítico das sociedades industriais e seus
fenômenos na contemporaneidade, fazendo aparecer o enraizamento da razão em
uma ambiência social, política e econômica, onde aspectos psicológicos, formados
institucionalmente, determinam toda uma forma ‘emocional’ de apropriação da
experiência do outro e da própria verdade de modo fetichizado.
Por isso, a teoria crítica questiona o ideal da razão na teoria tradicional e os
caminhos pelos quais a racionalidade se enveredou no mundo contemporâneo. A
teoria crítica, visa analisar esferas particulares da atividade humana como fragmento
de um todo, fazendo uma avaliação dos ideais supostamente universais nos quais se
funda a ideia tradicional de razão, conforme, ela é apresentada na concepção
iluminista. Dois autores da tradição da teoria crítica são fundamentais na teorização
e formulação dos princípios e propósitos de um questionamento da razão iluminista
enquanto base para uma instrumentalização da experiência. São eles: Theodor W.
Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973). Segundo Silva (2007, p. 10),
esses dois autores:

[...] põem em xeque as conquistas da razão iluminista. Para eles, a razão é


sobremaneira emancipatória, e ao instrumentalizar-se, nega o seu
fundamento. A teoria crítica visa a repensar a própria racionalidade,
resgatando o significado de guiar-se pela razão.

Adorno e Horkheimer (1985) mostram que houve um afastamento do caminho


idealizado pela razão iluminista. Para eles, é necessário retomar e emancipar a
própria razão iluminista, cujas consequências ameaçam o projeto inicial do
Iluminismo, que é justamente a emancipação e a autonomia do sujeito. Assim, “[...] a
teoria crítica é um claro não à razão instrumentalizada e à sociedade administrada,

58
considerando-as como resultado de um desvio na trajetória originalmente
emancipatória da razão [...]” (SILVA, 2007, p. 13).
Além dessa remissão histórica à razão iluminista, a teoria crítica deve ser
entendida como expressão de um momento histórico particular e também atrelada a
uma concepção epistemológica que ultrapassa a filosofia pura e se direciona a
questão ‘social’ como fundamento de uma prática intelectual onde as fronteiras entre
filosofia, sociologia e psicologia (psicanálise, principalmente) são questionadas em
favor de uma racionalidade interdisciplinar e histórica.
Os principais nomes da Escola de Frankfurt são os seguintes: Max Horkheimer
(1895-1973), Theodor W. Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979),
Friedrich Pollock (1894-1970), Erich Fromm (1900-1994), Walter Benjamin (1892-
1940). Há também uma segunda geração de pensadores desta tradição. São eles:
Axel Honneth (1946), Albrecht Wellmer (1913-2018), Jürgen Habermas (1918), Oskar
Negt (1934), Franz Neumann (1900-1954) e Alfred Schmidt (1931-2012).

9 ESTRUTURALISMO, PÓS-ESTRUTURALISMO E DESCONSTRUÇÃO

O estruturalismo é uma corrente de pensamento que surge conforme o


encontro entre filosofia e ciências humanas no século XX, apresentando caráter
interdisciplinar, enquanto se tornou um método utilizado por pesquisadores e
intelectuais de diversas áreas de conhecimento. A possibilidade de uma posição
estruturalista surge a partir dos trabalhos do linguista Ferdinand de Saussure (1857 –
1913), que sistematizou a linguística enquanto ciência, partindo da ideia de que as
línguas devem ser estudadas segundo sua estrutura interna e não por sua remissão
a fatores externos à sua própria estrutura (DOSSE, 2009).
Entende-se, assim, que na perspectiva do método estruturalista, a investigação
dos fatos e fenômenos se dá partir das estruturas que compõem uma sociedade, uma
cultura ou um acontecimento. Essa concepção visa identificar as estruturas que
formam e interferem na sociedade; determinando padrões de comportamentos nos
indivíduos e em grupos sociais, para além das concepções das filosofias da
consciência (fenomenologia de Husserl, criticismo de Kant, racionalismo de

59
Descartes) que visa fundar a filosofia e as ciências na posição subjetiva da experiência
(DOSSE, 2009).
De acordo com Bastide (1971), a palavra estrutura tem sua origem no latim
structura (do verbo struere = construir), e seu primeiro sentido é oriundo da arquitetura,
significando a maneira como um edifício é construído e relação entre as partes que
formam um todo que não pode ser reduzido a soma de suas partes. O fenômeno
arquitetônico ilustra muito bem o que é a ideia de estrutura.
Uma construção arquitetônica não é a soma de suas partes, mas a relação que
determinadas formas e materiais mantêm entre si. A estrutura é, portanto, é uma
relação de sentido posta quando formas, traços, conteúdos, relações e ideias se
remetem entre si. Além de sua origem direta na linguística saussuriana, podemos
mapear um pensamento da estrutura no campo das ciências sociais. Autores do
século XIX, com Herbet Spencer (1820 – 1903), Morgan (1818 – 1881) e Karl Marx
(1818 – 1883), que mesmo não sendo estruturalistas em sentido preciso, pensam
relações e conformações da experiência humana em termos culturais e sociais.
No início do século XX surge o uso do neologismo “estruturalismo”, tendo sua
origem na obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857 – 1913), como
indicamos. Em uma obra, que recolhe anotações de aulas, intitulada Curso de
Linguística Geral e publicada no ano de 1916, estão as bases para uma consideração
da linguagem como fenômeno estrutural que deve ser estudado conforme suas
relações internas. Visa-se, assim, a inteligibilidade dos arranjos e das organizações
sistemáticas, afirmando que a história de uma palavra não dava conta de sua
significação atual. Tornava-se, então, necessário descrever a relação diacrítica entre
os signos, isto é, como um fenômeno idiomático se dava em determinado momento
do espaço e tempo da vida humana.
A linguística saussuriana tem como objeto, portanto, a diacriticidade dos
sistemas de signos linguísticos constituídos pelas relações de determinação recíproca
entre uma cadeia de sons (significantes) e uma cadeia de conceitos (significados)
(SALES, 2003).Essa difusão das bases dos dispositivos teóricos estruturalistas
segundo a línguistica como disciplina piloto na direção de todas as ciências humanas
encontra seu primeiro solo na Antropologia por ocasião do famoso encontro, em Nova
York, entre Lévi-Strauss e Roman Jakobson, um antropológo formado em filosofia e

60
um línguística apaixonado por poesia. É lá que o filósofo estrutural da Antropologia
assiste às aulas do linguista sobre fonologia estrutural, o que lhe conduz a formular
tanto a tese de correspondência formal entre a língua e o sistema de parentesco,
quanto o modelo da metodologia estruturalista. Nascem as estruturas elementares do
parentesco, obra que se torna referência para o que será produzido em seguida
(SALES, 2003).
Tendo a origem de sua abordagem na linguística, posteriormente o uso passou
a ser cada vez mais adotado por autores de outros campos, como nas áreas de
sociologia, psicologia, linguística, antropologia e filosofia, transformando-se em um
dos métodos de estudo mais utilizados pelos intelectuais na segunda metade do
século XX, mas modo nenhum homogêneo ou ‘dogmático’.

9.1 Os pensadores da estrutura

O estruturalismo enquanto uma possível forma de pensar e proposta


epistemológica influenciou as ciências humanas, que, por sua vez, influenciaram
fortemente a filosofia que se apropriava do objetivo de pensar o sentido da noção de
estrutura e seu alcance epistemológico.
De todos os locais e escolas onde o estruturalismo foi debatido, o maior local
ou escola estruturalista ocorreu na França, ainda que seja um exagero considerar que
o estruturalismo seja uma forma de pensar exclusivamente francesa. No entanto, são
os franceses aqueles pensadores que causaram maior impacto na cultura filosófica e
científica do século XX quando começaram a pensar a estrutura como uma resposta
às filosofias da consciência (Husserl, Kant, Descartes, etc.).
Entre os estruturalistas franceses podemos listar Roland Barthes (Literatura,
filosofia e crítica), Claude Lévi-Strauss (Antropologia e psicanálise), Jacques Lacan
(Psicanálise) e Michel Foucault (História, política, poder, filosofia e ciências humanas).
Estes são autores de fundamental importância para compreendermos onde estamos
e o que somos quando falamos que somos seres contemporâneos.
Na relação com sua herança, o estruturalismo, sofre influências do pensamento
dialético de Hegel e Marx, da fenomenologia de Husserl e até da geologia (LÉVI-
STRAUSS, 1971), mas ele nasce especialmente pelo confronto entre teoria e prática,

61
ou mais precisamente, ele emerge do olhar que se volta ao lugar no qual os fatos
acontecem, isto é, o mundo-da-vida, que na perspectiva estruturalista não significará
mais o mundo europeu tematizado por Husserl no final de sua vida, mas também
outras culturas e formas de pensamento que começam desde o século XIX a
desestabilizar as formas de pensamento canônicas e europeias.
As pesquisas de campo e não somente o raciocínio especulativo,
apresentavam-se, nesse sentido, enquanto uma tentativa de reconciliar a teoria com
a prática. Podemos pensar, assim, na obra do antropólogo francês Claude Lévi-
Strauss, que procurou uma ponte entre o lógico e o empírico, ou seja, buscando um
fundamento que pudesse dar conta da diversidade dos mundos culturais descritos
através da etnologia moderna e contemporânea, desenvolvendo, assim, um
instrumental teórico surgido pelo confronto direto entre pensamento europeu e mundo
das culturas originárias da América Latina.
Claude Lévi-Strauss é considerado o fundador da antropologia estruturalista.
Ele desenvolve as bases de seu trabalho entre 1935-1938, no período em que esteve
no Brasil e foi professor convidado na Universidade do Estado de São Paulo (USP) e
desenvolveu uma teoria antropológica em contato com a cultura dos povos originários
brasileiros. Desenvolveu uma construção teórica de superação do contraditório entre
a realidade observável e o que pode ser coligido, ordenado e transmitido, entre o
concreto e o que pode ser objeto de ciência (DOSSE, 2019). Ele pretendia, assim,
algo que não fosse a simples descrição do empírico imediato e também não
resvalasse para o devaneio e para a pura abstração, visando assim uma teoria do
possível das estruturas concretas e das vidas concretas (DOSSE, 2019).
Em seu programa estruturalista, ele apresenta as seguintes propostas:
a) considerar não o fenômeno consciente e as relações que mantêm entre si
os elementos diretamente observáveis, mas a voltar-se para a estrutura (inconsciente)
que sustenta e ordena estes elementos e estas relações;
b) estudar não mais os elementos, mas privilegiar a descrição e a análise das
relações entre os elementos;
c) se concentrar na ordenação das relações como sistemas inteligíveis, não
como invenções do espírito nem como simples abstrações, mas relações que, ainda

62
que baseadas no empírico, são também dotadas de uma ‘significação’ interior, isto é,
são passíveis representação por esquemas lógico-matemáticos;
d) se restringir aos sistemas efetivos, isto é, aos sistemas de relações
simultâneas em um tempo dado (os sistemas sincrônicos), e abandonar toda a ideia
de origem e formação histórica dessas estruturas (a diacronia);
e) identificar as leis gerais desses sistemas, seja por indução, seja por dedução
lógica.
Outro representante do estruturalismo francês, pelo menos em um momento
específico de sua obra, o filósofo francês Michel Foucault, participou ativamente dos
movimentos sociais de vanguarda de seu tempo, sobretudo durante as décadas de
1960 e 1970. Como tantos outros da sua geração, Foucault não deixou de mergulhar
nesse caldeirão de experiência produzido pelo pensamento europeu e as formas de
resistência e políticas de sua época.
Autor do “Nascimento da Clínica” (1963) e dois anos antes, de “A História da
Loucura na época clássica” (1961), Foucault não escreveu uma história da loucura
enquanto uma narrativa das teorias relacionados ao tratamento das pessoas
acometidas de enfermidades psíquicas; mas como uma reconstrução de como a
noção de loucura foi construída no âmbito da cultura europeia; e orientou o surgimento
de práticas de saber e poder relacionadas na constituição do discurso psiquiátrico
(ANTISERI; REALE, 2006)
Tratava-se ainda de mostrar como “homens normais e racionais” da Europa
Ocidental deram expressão ao seu medo da não-razão e da loucura, estabelecendo
repressivamente os dispositivos teóricos e práticos pelos quais se identificará o normal
e o patológico; dando, assim, a base epistemológica e política para o surgimento da
psiquiatria e das instituições nas quais esse ramo da medicina é praticado (BERT,
2011).
Em seu percurso intelectual, Foucault, visou analisar as relações entre o poder
e o saber em instituições como asilo psiquiátrico, a clínica médica e também no âmbito
do surgimento das prisões, deslocando das concepções tradicionais que situavam a
discussão sobre o poder somente no âmbito do poder do Estado. Desta maneira,
descreve os processos de internalização pela sujeitos e pela cultura europeia da
própria noção de doença ou crime, o qual, a partir do século XIX, impõe-se a todos os

63
indivíduos, estando confinados ou não. Para Foucault, era também necessário
descrever as relações de poder tais como elas acontecem e se estruturam nas
inúmeras instituições que formam a vida social. Esse projeto de sua obra é nomeado
‘microfísica do poder: não se trata mais do poder que vem do estado apenas, mas do
poder que envolve e produz os sujeitos nos inúmeros espaços e ‘tempos’ que eles
frequentam. Entendendo como as relações entre saber e poder determinaram o
surgimento de formas de subjetividade, isto é, a relação pessoal e intransferível de
um sujeito com as coisas e com os outros. O tema das prisões foi tratado na obra
Vigiar e Punir, na qual ele traça a genealogia do que ele chama de sociedade
disciplinar e as formas de punição que ela implica (ANTISERI; REALE, 2006; BERT,
2011).
Em outra obra fundamental, o livro ‘A Arqueologia do Saber’ (1969), o autor
tenta se desligar a sua postura filosófica de toda a relação com o estruturalismo. A
partir de 1967, o discurso foucaultiano será cada vez mais radicalizado no sentido de
querer consolidar sua diferença para com os estruturalistas. Ele assume, nesse
período, a necessidade de que o pensamento não se restrinja a um 'fechamento'
teórico, seja através da noção de sujeito ou da de estrutura (DOSSE, 2009).

9.2 Pós-estruturalismo: filosofia e rebelião social

Os anos 1960 representaram um marco histórico no mundo ocidental. Nesse


período, fervilhavam movimentos sociais, que demandavam direitos civis e tomavam
as ruas de vários países. Nos Estados Unidos, por exemplo, Martin Luther King
liderava marchas de multidões pelas ruas, discursando e reivindicando direitos iguais
entre cidadãos negros e brancos, além do surgimento de movimentos jovens
contraculturais, como os hippies e os Panteras Negras, e feministas, que lutavam por
equidade de gênero. Já na Europa do pós-guerra, os sindicatos pressionavam cada
vez mais os aparelhos estatais para manter e aprofundar o Estado de bem-estar
social. Na América Latina, organizações, grupos partidários, estudantes, intelectuais
e gente do povo resistiam a regimes autoritários (HUNT, 2009; VENTURA, 2006;
MATTOS, 1981).

64
Em 1968, na França, os estudantes universitários de Paris tomaram as ruas
contra o governo paternalista e autoritário do general Charles de Gaulle, reivindicando
mais autonomia e liberdade de pensamento e expressão nos centros superiores de
ensino do país. A esse gesto de rebeldia, somaram-se os sindicatos relacionados à
indústria, que passaram a exigir mais direitos trabalhistas. O clima de tensão e
expectativa durante esse evento foi intenso. Filósofos e intelectuais, como Michel
Foucault e Jean-Paul Sartre, uniram-se aos estudantes nas ruas de Paris: ao lado
esquerdo do rio Sena, eles discursavam e prestavam seu apoio político a causa dos
estudantes. Pairava no ar a ansiosa dúvida sobre o apoio do partido comunista francês
(PCF) e da URSS aos protestos estudantis, como também a crise das noções de
revolução e engajamento político, entendidos em uma perspectiva exclusivamente
marxista (HUNT, 2009).
Diante do maio de 68, intelectuais e pessoas do mundo inteiro se perguntavam
se o mundo ocidental estaria prestes a ver uma nova comuna de Paris. O espectro do
comunismo finalmente tomaria a Europa? Esse entusiasmo efusivo foi duramente
frustrado pela omissão dos partidos comunistas e de esquerda e da URSS, somada à
forte repressão militar orquestrada pelo Estado contra os movimentos de maio de
1968, que, abastecidos de revolta juvenil, foram ganhando ares cada vez mais
anárquicos e dispersivos, assumindo, posteriormente, um sentido mais cultural do que
político na memória de muitos intelectuais que, posteriormente, testemunharam a
grandiosidade do evento (ROSS, 2010).
Essa convulsão social e política não passou em branco pela produção
intelectual e acadêmica da França naquela época. Neste momento, por exemplo,
Michel Foucault, filósofo francês que produziu durante o momento mais fervilhante do
pensamento estruturalista, tratava de questões até então consideradas “secundárias”,
ou seja, entendidas como de menor importância à análise histórica, como a loucura e
o discurso. Em 1966, o pensador publicou sua grande obra estruturalista, As palavras
e as coisas, em que discute as rupturas de pensamento entre as formações do saber,
desde a Idade Média até a Modernidade (FOUCAULT, 1995). Sua tese central nessa
obra é a de que o saber não se constitui de maneira cumulativa e linear, mas por meio
de disputas e rupturas entre as disciplinas e as formas de nomear o mundo, que
acabam entrando na dança das tensões políticas por domínio dos saberes.

65
Embora, o texto As palavras e as coisas, seja considerada sua grande obra
estruturalista, uma vez que o autor separa em sua análise as disciplinas como
estruturas discursivas fechadas (como a biologia, a economia e a linguística),
encontramos na obra o início, ou virada, para formas de pensar pós-estruturalista,
uma vez que tais estruturas discursivas de conhecimento começam, aos poucos, a
ser encaradas em seu viés histórico (arqueológico) e, por isso, dinâmico, de limites
instáveis e não delimitáveis. Nesse sentido, três anos mais tarde, Foucault publica A
arqueologia do saber, seu grande marco de virada do pensamento estruturalista para
o pós-estruturalista, ou como dissemos anteriormente: uma obra marcada pelo
esforço de mostrar que o fechamento do pensamento pela noção de estrutura era
contrapartida necessária a uma visão abstrata de subjetividade (DOSSE, 2009).
É importante perceber que a estrutura não deixou de ser o objeto central de
seu pensamento, mas apenas que a sua noção filosófica e conceitual de estrutura
passa a não ser uma categoria fechada e coesa, pois, ao considerar a política e a
história, Foucault argumenta que são justamente esses fatores externos (relações
institucionais de poder) aqueles que conferem à estrutura de uma disciplina (formação
discursiva) uma unidade e coesão irreais, levando-a a atender às demandas políticas
de determinada época (demandas que ele sintetizou no conceito vontade de verdade)
(FOUCAULT, 2008).
Outros dois filósofos caros ao momento pós-estruturalista da noção de
estrutura foram Jacques Derrida e sua noção de desconstrução, sobre a qual nos
debruçamos mais adiante; e Julia Kristeva (1941), estudiosa búlgara que, a partir de
sua leitura dos escritos do filósofo russo Mikhail Bakhtin sobre o dialogismo da
linguagem, levou para a França dos anos 1960 a noção de intertextualidade,
fundamental ao pós-estruturalismo e aos estudos da linguagem posteriores a ele
(DOSSE, 2009). O que podemos abstrair de comum e fundamental à produção teórica
dos filósofos e críticos literários pós-estruturalistas, como coloca o filósofo marxista e
crítico cultural britânico Eagleton (2006), em seu clássico manual didático Teoria da
Literatura: uma introdução, originalmente publicado em 1985, é, em essência, a
consideração da parcial instabilidade e a impossibilidade de significações completas
através da estrutura da linguagem e do texto. Nas palavras de Eagleton:

66
Há sempre mais alguma significação a ser constatada. [...] Cada signo na
cadeia de significação está, de alguma forma, marcado e influenciado por
todos os outros, vindo a formar um emaranhado complexo que nunca se
esgota; e nesse sentido, nenhum signo jamais é “puro” ou “de significação
completa” (EAGLETON, 2006, p. 192–193).

9.3 A desconstrução das estruturas estáveis

Jacques Derrida foi um filósofo naturalizado francês, mas nascido na Argélia,


país africano que era ainda uma colônia francesa no século XX. Pertencente a uma
família judaica, o filósofo viveu já na infância os efeitos sociais da segregação e do
racismo nazistas, uma vez que a França, Estado que dominava politicamente a
Argélia, esteve sob domínio alemão durante a Segunda Guerra. Considerar essa
passagem na vida de Derrida, bem como sua adaptação durante a juventude e vida
adulta à capital parisiense, é fundamental para entender seu peculiar posicionamento
filosófico e epistemológico (relacionado à construção do conhecimento), crítico à toda
filosofia ocidental produzida até aquele momento (DOSSE, 2009).
Debruçando-se sobre fenomenologia de Husserl e Heidegger, como também
sobre trabalhos de escritores franceses como Antonin Artaud (1896-1948) e Maurice
Blanchot (1907-2003), Derrida desenvolveu já no começo da sua carreira as bases
para uma crítica da filosofia ocidental, que em sua perspectiva estava baseada na
noção de presença enquanto uma forma de excluir do campo do conhecimento todos
os elementos e dimensões que não pudessem se tratadas como fenômenos de pura
idealidade ou pura doação de sentido.
Nesse sentido, ele escreve obras fundamentais como “A voz e o Fenômeno”
de 1961, no qual trata do tema do signo em Husserl e começa, assim, a formular as
bases para sua noção de escritura. No mesmo período, ele escreve ainda as obras
Gramatologia e a Escritura e Diferença em que ultrapassa as tendências
estruturalistas que estão em voga no ambiente intelectual francês.
Em sua crítica as bases da filosofia ocidental, seu argumento gira em torno do
fato de que a filosofia, desde os antigos gregos, sempre procurou uma “verdade
fundamental”, uma essência das coisas, para pautar sua epistemologia (a maneira
com que construíra o conhecimento até então) em bases axiológicas (premissas e
fundamentos teóricos) estáveis, desconsiderando aspectos instáveis que estariam
também na base de nossas relações de conhecimento com o mundo. Segundo ele,
67
essa postura equivocada resultou de um entendimento reduzido da linguagem, mais
precisamente da escrita, excluída pelos filósofos conforme um tratamento dela como
instrumento que deveria ter a função de servir ao pensamento e não participando de
sua constituição. Conforme o entendimento do filósofo, o signo linguístico sempre
fora encarado como algo metafísico na história da filosofia (algo idealizado, perfeito,
representação objetiva e direta da realidade e do pensamento), comportamento
teórico ao qual o filósofo deu o nome de “logocentrismo”, sendo este no qual
concentrou sua crítica desconstrutiva.
A desconstrução derridiana busca, assim, “quebrar” as relações binárias,
fechadas e óbvias entre os entes, sendo a principal aquelas presentes no signo como
fenômeno exemplar de um pensamento que se estrutura pela suspensão e
neutralização do que na experiência é empírico, contingente ‘mortal’. Dessa maneira,
o par objetivo “significante/significado” que compõe a lógica básica do signo
saussuriano é desconstruído, ou seja, perde sua natureza óbvia, direta e objetiva. O
filósofo franco-argelino, que, como seus contemporâneos franceses, gostava muito de
brincar com as palavras justamente para mostrar os furos da linguagem, nomeou sua
proposta de desconstrução do signo saussuriano como a differánce (DOSSE, 2009).
O valor filosófico da perspectiva de Derrida, é que sua
elaboração/desconstrução do signo busca desvelar como não há relação direta entre
os signos e o mundo, ou mesmo como, somente através dos signos podemos
encontrar a diferença do mundo em relação à linguagem e que o ‘modelo’ que leva ao
lugar da differánce é a escrita. Desse modo, a linguagem para o filósofo não deve ser
pensada na perspectiva da palavra falada ou do ‘sopro’, mas da escrita e seu
espaçamento, pois, a partir da escrita temos a ausência/presença da diferença em
seu movimento próprio e descontinuo (DOSSE, 2009).
Escrever, nessa perspectiva, não envolve apenas a remissão de um signo
traçado no papel a um objeto mental ou empírico, mas uma relação com os traços
empíricos da escrita e seu espaçamento, já que um traço escrito está nessa relação
entre traços, em que há sempre um vazio: dobras e faltas que constituem o próprio
‘significar’ enquanto tal. Essa concepção de Derrida é construída através da relação
profunda e quase literária que ele tem com a língua francesa. A palavra difference
significa “diferença”, traduzida para o português. Porém, em muitas ocorrências do

68
francês, as vogais (fonemas, sons que diferenciam os significados das palavras) /a/ e
/e/ não têm diferença sonora e acústica, sendo, portanto, sons homônimos cuja
diferença aparece apenas na grafia das palavras. Um exemplo desse fenômeno
linguístico na língua portuguesa é a terceira pessoa do modo indicativo do verbo “vir”,
cujas formas no singular e plural não têm diferença sonora: ele vem; eles vêm. Derrida,
sabendo dessa ocorrência linguística do francês, resolveu fazer essa brincadeira
sonora com o conceito de “diferença” do valor do signo linguístico proposto por
Saussure, criando o conceito da differánce (DUQUE-ESTRADA, 2002)
A differánce de Derrida, assim, compreende o conceito que o filósofo
desenvolveu para desconstruir a concepção do signo linguístico tal como descrita pela
linguística saussuriana, isto é, teoria que está na base do surgimento do
estruturalismo francês. Trata-se, na perspectiva de Derrida, de mostrar que, embora
realmente seja esse processo de diferenciação entre os significantes o responsável
por relacioná-los aos seus significados, a diferenciação entre os significantes não é
óbvia e objetiva, o que faz com que a dicotomia significante/significado não ocorra de
maneira direta e uniforme no processo de significação da linguagem (DOSSE, 2019).
Como um intruso na filosofia eurocêntrica, Jacques Derrida levou seu projeto
de desconstrução até às últimas consequências a partir dessa desconstrução
primordial da differánce do signo linguístico, expandindo-a a várias outras dicotomias
aparentemente óbvias na cultura ocidental, como “masculino/feminino”,
“razão/loucura”, “lógico/ilógico” (DOSSE, 2019). E, embora essa quebra da relação
entre o significante e o significado seja aparentemente simples, seu processo filosófico
de desconstrução tornou-se uma revisão epistemológica (da maneira como se produz
e se compreende o conhecimento) da filosofia contemporânea e das teorias sobre a
interpretação textual e linguística (hermenêutica, exegese textual, filologia, etc.) que
buscaram, até então, bases axiológicas estáveis, verdades essenciais (metafísicas) e
o “verdadeiro” sentido de um texto. Como bem sintetiza Eagleton (2006, p. 200):

A desconstrução, portanto, compreendeu que as oposições binárias, com as


quais o estruturalismo clássico gosta de trabalhar, representam uma maneira
de ver típica das ideologias. Estas tendem a traçar fronteiras rígidas entre o
que é aceitável e o que não é, entre o eu e o não eu, a verdade e a falsidade,
o sentido e o absurdo, a razão e a loucura, o central e o marginal, a superfície
e a profundidade. Esse pensamento metafísico, como dissemos, não pode
ser simplesmente evitado. Não podemos nos lançar, para além desse hábito
binário de pensamento, a uma esfera ultrametafísica. Mas através de uma

69
determinada maneira de operar sobre os textos — sejam literários ou
filosóficos — podemos começar a revelar um pouco dessas oposições, a
demonstrar como um termo de uma antítese está secretamente presente no
outro.

9.4 Experiência e subjetivação: o conceito de dobra em Gilles Deleuze

Gilles Deleuze (1925–1995) foi um importante filósofo francês que produziu


conceitos caros à filosofia contemporânea, tais como: rizoma, dobra, ritornelo e
máquina desejante. Isso faz jus à sua forma de pensar a filosofia, que, segundo ele,
tem a função de produzir e criar conceitos. Entretanto, Deleuze nunca teve a
pretensão, que é comum à maioria dos pensadores, de que seus conceitos se
provassem verdades instáveis ou absolutas. Ele desejava realizar uma elaboração
sobre o conhecimento, na qual a experiência da verdade fosse descrita como
acontecimento de um devir.
Sua obra é repleta de conceitos inovadores que se entrecruzam para fazer
nascer mais do que é uma teórica, mas, principalmente, uma postura de vida e uma
interpretação prática do desejo. Através da releitura original de autores como Bergson,
Nietzsche, Espinosa Proust, Deleuze conseguiu romper com o pensamento
hegemônico do estruturalismo francês e suas ideias, atualmente, atravessam as artes,
a psicanálise, a filosofia, a psicologia, a literatura e o cinema. Certa vez, Foucault disse
que um dia o século seria Deleuziano, uma afirmação pela qual como, o autor de As
palavras e as coisas, buscava mostrar como a filosofia de Deleuze estava altura de
sua época e também apontava para formas de pensamento futuras (GALLO, 2003).
Deleuze se dedicou também a pensar a esquizofrenia, tanto que uma parte
considerável de sua obra é proveniente de seu encontro com o pensador e psiquiatra
Félix Guattari (1930-1992). Ambos os pensadores escreveram vários textos sobre a
relação entre o complexo de Édipo e a esquizofrenia, no sentido de uma crítica e uma
ampliação da teoria do complexo de Édipo oriunda da psicanálise freudiana. Nesse
sentido, eles criaram juntos as bases para uma modalidade de intervenção
psicoterápica chamada esquizoanálise. A esquizoanálise (enquanto uma análise de
partes, pedaços, linhas ou estilhaços de experiência e vivências desejantes) poderia
ser entendida como uma ética e uma estética de valorização da vida. Seria uma

70
perspectiva e não uma metodologia em termos estritos. Procura valorizar a vida vibrátil
e agradável, em sua potencialidade máxima. Deleuze e Guattari nos apontam que

[...] a Esquizoanálise não incide em elementos nem em conjuntos, nem em


sujeitos, relacionamentos e estruturas. Ela só incide em lineamentos, que
atravessam tanto os grupos quanto os indivíduos. Análise do desejo, a
Esquizoanálise é imediatamente prática, imediatamente política, quer se trate
de um indivíduo, de um grupo ou de uma sociedade. Pois, antes do ser, há a
política (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 77-78).

Não trataremos, nesta exposição, de vários conceitos deleuzianos; eles são


complexos e demandam mais tempo e espaço, para além do que temos aqui. Vamos
nos ater a um conceito determinado e dar a ver ao estudante como essa filosofia se
destaca pela sua abertura e pelo seu devir e como ele tende a deslocar nossa forma
habitual de tratar problemas e questões no âmbito da filosofia e de outras formas de
conhecimento e expressão. Trabalharemos, nesse sentido, o conceito de dobra e na
próxima seção falaremos do conceito de rizoma, no sentido de enriquecer um pouco
mais nossa exposição.
O conceito de dobra é um dos mais estudados na obra de Deleuze, isso porque
ele tem um impacto estético e existencial em diversos campos de conhecimento e
experiência. Tal conceito é empregado na reflexão sobre a subjetividade humana; ou
seja, para considerar as diversas dobras operam que entre o dentro e o fora da
experiência: interna e externamente. É uma estratégia para descrever os
agenciamentos da subjetividade, enquanto formas imanentes de temporalidade e
espacialidade. Em outras palavras, a dobra trabalha tanto na subjetividade do sujeito,
interioridade, quanto na produção dessa subjetividade, externalizada e em contato
com seus outros que estão na base de seu devir.
O conceito de dobra é construído por Deleuze a partir da filosofia de Leibniz; que
no que lhe concerne, encontra reverberação no modo como Leibniz exprime em sua
obra aspectos de uma 'cultura barroca'. Uma cultura barroca é aquela onde os opostos
e os divergentes são momentos de uma convergência infinita. Além disso, cabe
lembrar, que o conceito aparece nos livros de Gilles Deleuze escreveu sobre Michel
Foucault. Na definição do verbete “dobra” no Deleuze Dictionary, Simon O’Sullivan
(2010) observa que Deleuze usa a dobra como uma forma de agir no texto e fora do

71
texto, pois ele sempre cria e inventa seu pensamento a partir de dobras do
pensamento do outro, no pensamento artístico, científico e filosófico.
O verbete também nos indica que pensar em dobras tem a ver com o
pensamento sobre a produção de subjetividades, humanas ou não. Podemos, por
exemplo, segundo esse autor, pensar o “interior”, o íntimo, como uma dobra do
exterior, como dobra daquilo que vem do fora, por isso Deleuze falará dessa dobra
que é o devir, onde uma existência humana se abre, se fecha e se transforma. Assim,
O ‘Sullivan (2010), mostra que para Deleuze, a potência de uma dobra sobre nós,
sobre o que pensamos ser tem implicações éticas e políticas, existenciais e estéticas,
de vida e morte.
Através do conceito de dobra busca-se tornar presente também a instabilidade
que o Barroco expressa, pois o Barroco é uma arte de crise e não da crise. Isso quer
dizer que o Barroco não representa uma crise, uma sociedade em crise, um momento
histórico em crise, o que seria apenas um aspecto de superfície do que ele é. Tal como
existem dobras clássicas, dobras gregas, góticas e românticas, existe a dobra
barroca, que se caracteriza por ir até o infinito em sua crise de sentido e
‘deslocamento’ da noção de representação. O alcance do conceito de dobra é
estético e existencial, pois, possui o agenciamento de colocar em cena isso que
consiste em ser um traço que vai até o infinito, próprio a uma forma de arte, como
também aponta para o devir existencial que caracteriza o próprio ser humano
enquanto crise. Para Deleuze: "Sempre existe uma dobra na dobra, como também
uma caverna na caverna. A menor unidade da matéria, o menor elemento, é a dobra,
não o ponto, que nunca é uma parte, e sim uma simples extremidade da linha"
(DELEUZE, 1991, p. 13). Dessa forma, a dobra é dividida em dois momentos, dois
andares segundo análise de Leibniz (andar de cima e andar de baixo), ou dois lados
conforme análise de Foucault (dentro e fora) (DELEUZE, 1988).
Quando se pensa na dobra podemos, por exemplo, pensar a cidade. Pensar, por
exemplo, uma cidade específica. A cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, por
exemplo. Uma cidade marcada por uma ‘cultura barroca’ e por uma arquitetura
barroca onde as dobras são infinitas. O movimento da dobra é responsável pela
constituição da arte, da filosofia, das ciências, bem como dos processos de
subjetivação que estão disseminados na existência e seus territórios, o que também

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pode ser visto e vivenciado em uma cidade, como aquela que tomamos como
exemplo. Subjetivação é o nome dado por Deleuze às formas de produção da
subjetividade em relação à formação de determinada sociedade, lugar e
posicionamento no plano da imanência. Através do conceito de dobra, segundo
Deleuze, entende-se que a subjetividade é uma curvatura, um dobramento que as
formações históricas fazem em razão das relações de forças que as constituem. Ou
seja, a dobra, constitui também tais formações, na medida em que elas só existem a
partir dessa relação de forças (DELEUZE, 2007).
Dessa forma, a singularidade de determinada subjetividade se dá a partir das
intensidades de forças que a atravessam. A dobra, para Deleuze, é um conceito que
permite compreender a relação do sujeito com a formação da sua subjetividade, assim
como a formação histórica em seu processo de subjetivação. Deleuze buscou, com
esse conceito, a relação entre o pessoal e o social, o singular e o universal. Podemos
entender esse devir expresso no conceito de dobra a partir de um exemplo simples:
imaginemos, uma pessoa que visita pela primeira vez, a cidade de Ouro Preto, em
Minas Gerais. Sua experiência é turística, portanto, ele não conhece muito lugares
das cidades e precisará ouvir de outros, algumas informações sobre aquele lugar,
suas formas arquitetônicas e os significados que se sedimentaram na forma de ser
daquela cidade.
Após o passeio, esse sujeito volta para casa, e depois de um tempo, decide
retornar a Ouro Preto; dessa vez já conhece melhor os lugares, não precisa de tanto
auxílio e, por isso, consegue se divertir mais e conhecer melhor a cidade. Além disso,
esse sujeito é um estudante de artes visuais. Depois da primeira visita, ele decidiu ler
sobre as formas arquitetônicas de Ouro Preto, o que lhe permite, também, se
aproximar, não apenas com outros olhos à cidade, mas com ‘outro corpo’, sutilmente
desviado, transformada pelas experiências que pode constituir a partir de seu primeiro
encontro com a cidade. Ou seja, o devir de sua existência constituiu outra relação de
força com a cidade: uma dobra sobre a experiência anterior e uma abertura para
outras experiências possíveis.

73
9.5 O conceito de rizoma

Influenciados pelo estilo e questões expressas pela obra do filósofo alemão


Friedrich Nietzsche, Deleuze e Guattari se dedicaram a pensar sobre as questões que
a obra nietzschiana sugere acerca da vontade e da verdade. Por esse motivo, ambos
buscaram compreender a história da vontade e da verdade a fim de entender a
construção tanto do pensamento como do conceito. A partir de tal investigação,
Deleuze e Guattari entenderam que, ao longo da tradição filosófica, a produção de
conceitos, tais como de verdade e de vontade, está sempre fundamentada em uma
relação remissiva, o que eles explicitam pelo conceito de agenciamento (DOSSE,
2010).
A partir disso, os pensadores produziram o modelo de rizoma a fim de
estabelecer dispositivos conceituais para compreender o pensamento enquanto
explicação, expressão e base de sua própria produção. O rizoma é uma espécie de
caule que cresce de forma transversal e tem partes aéreas. Deleuze e Guattari deram
esse nome ao seu modelo justamente porque queriam passar a ideia de “sistema”
aberto, até porque as raízes do caule formam um emaranhado, tornando difícil saber
onde estão o início, o meio e o fim. Assim, as linhas do rizoma (caule) são como as
linhas do modelo rizoma, de modo que cada uma sustenta o seu próprio devir,
formando redes e contato e interrupção que são formativas em relação a todo percurso
possível destas relações. Ou seja, com tal modelo, Deleuze e Guattari buscaram
explicar o próprio sistema de pensamento enquanto abertura, multiplicidade e projeto
de experiência que se move em um campo imanência por ele produzido (DOSSE,
2010).
Nesse sentido, para ambos os pensadores, o humano só pode e consegue se
desenvolver com suas potencialidades em relação tanto com o fora (a exterioridade),
quanto com outros devires que promovem encontros, mudanças, rupturas. Seria uma
espécie de vida seguindo as linhas do emaranhado, isto é, as formas seguras e
inseguras do rizoma. O rizoma sugere, portanto, outra forma de ‘organização’ e
expressão da experiência, pois trata-se de um sistema de caules horizontais que tem
um crescimento diferenciado, polimorfo, horizontal, sem uma direção definida. A
grama, é um bom exemplo, ela se espalha pelo quintal ocupando todo o território que
for capaz. Não há centro, hierarquia, ordem, profundidade: ela se dissemina.
74
Aponta-se, assim, para ideia de que a realidade é constituída por estratos —
estrato social, estrato subjetivo, entre outros — e cada estrato é um estrato da
realidade e de contato em que estamos. O rizoma é processo de ligação da
multiplicidade por ela mesma, o que nos dá a experiência de uma realidade em devir,
uma totalidade que é a sua própria impossibilidade. Interessante, notar, que ao
pensar a realidade e a experiência desta maneira, Deleuze e Guattari, não tinham
como objetivo dizer que toda experiência se dá dessa maneira. Existem experiências
mais próximas e mais distantes do ser do rizoma.
Nesse caso, o sentido do conceito é ontológico, pois, com ele se descreve
algumas formas de experiência e realidade; mas ele também ético e estético, pois
através dele se produz uma teoria que se busca não apenas ‘entender’ o real, mas
também agir sobre ele, se dar a ele nos termos de uma modificação e um devir do
próprio sujeito, o que constitui, na perspectiva dos pensadores, os agenciamentos.
Para Deleuze e Guattari (1997), esses agenciamentos são movidos pelo desejo e
existem dentro de um território (campos de imanência), de modo que cada
agenciamento acontece dentro de um plano (aquilo que contém seu próprio princípio
e fim). Assim, o agenciamento provoca um esforço para que, em sua necessidade de
territorialidade, o sujeito busque diversas conexões e agenciamentos. Entretanto, há
o que ambos os pensadores caracterizaram por linha de fuga, que é o desejo de se
desterritorializar (BADIE, 1995).
Nesse sentido, há um desejo por sair do emaranhado e, por conseguinte,
buscar outro território, o que constitui um momento decisivo de todo devir de uma
experiência. Dessa forma, Deleuze e Guattari pensam o modelo rizoma como algo
que está sempre entre o dentro e o fora, justamente por não ter começo nem fim.
Deleuze e Guattari elencam alguns princípios para se entender e fazer um rizoma:

▪ Princípio de conexão: como em uma árvore, qualquer parte pode se conectar


a outra, “[...] um rizoma não cessaria de conectar cadeias semióticas,
organizações de poder, ocorrências que remetem às artes, às ciências, às lutas
sociais [...]” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p. 15–16).
▪ Princípio de heterogeneidade: é produzido no interior das conexões, uma vez
que as conexões são múltiplas.

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▪ Princípio de multiplicidade: aquilo que não tem mais nenhuma relação com a
unidade.
▪ Princípio de ruptura assignificante: o rizoma é sempre um porvir, assim não se
pode hierarquizá-lo nem o significar.
▪ Princípio de cartografia: o rizoma é uma espécie de mapa, de cartografia
mutável de acordo com as mudanças dos agenciamentos.

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