Você está na página 1de 44

Os materiais produzidos para os cursos ofertados pelo UEMAnet/UEMA para o Sistema Universidade Aberta do Brasil -

UAB são licenciados nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhada, podendo
a obra ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com fins não comerciais, que seja
atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA

Reitor Professor Conteudista


Gustavo Pereira da Costa Leandro Rodrigues de Oliveira

Vice-Reitor Revisão de Linguagem


Walter Canales Sant´ana Lucirene Ferreira Lopes
Pró-Reitora de Graduação Designer de Linguagem
Zafira da Silva de Almeida Clecia Assunção Silva
Núcleo de Tecnologias para Educação Designer Pedagógica
Ilka Márcia Ribeiro S. Serra - Coord. Geral Suelen SantosFalcão de Sousa

Sistema Universidade Aberta do Brasil Projeto Gráfico e Diagramação


Ilka Márcia R. S. Serra - Coord. Geral Josimar de Jesus Costa Almeida
Lourdes Maria P. Mota - Coord. Adjunta | Coord. de Curso
Capa
Coordenação Designer Educacional Yuri Almeida
Cristiane Peixoto - Coord. Administrativa
Maria das Graças Neri Ferreira - Coord. Pedagógica

Oliveira, Leandro Rodrigues de

Filosofia [e-Book]. Leandro Rodrigues de Oliveira. –


São Luís: UEMA; UEMAnet, 2019.

44 f.

ISBN:

1. Surgimento. 2. Natureza. 3. Objeto. 4. Fenômeno


do conhecimento. 5. Gnosiológicos. 6. Epistemológicos.
I. Título.
CDU: 16
APRESENTAÇÃO

A FILOSOFIA E O PROCESSO DO FILOSOFAR: surgimento,


natureza e objeto

1.1 Introdução
1
1.2 O mito e a consciência mítica

1.2.1 O mito na civilização grega

1.3 Origem e características da Filosofia

1.3.1 Filosofia: significado e a experiência filosófica

RESUMO

REFERÊNCIAS

A FILOSOFIA E O FENÔMENO DO CONHECIMENTO: os grandes


paradigmas gnosiológicos e epistemológicos

2.1 Introdução
2
2.2 O conhecimento e os primeiros filósofos

2.2.1 Heráclito e o eterno fluir

2.2.2 Parmênides e o imobilismo do Ser Curso de Licenciatura em Filosofia

2.3 Sócrates e os sofistas

2.3.1 Sofistas: a linguagem e o relativismo

2.3.2 Sócrates e o conceito

2.4 Platão e o mundo das ideias


2.5 O conhecimento em Aristóteles

2.6 Os filósofos modernos e o surgimento da teoria do


conhecimento

2.6.1 O racionalismo de Descartes

2.6.2 O empirismo de John Locke

2.6.3 Kant e o criticismo

RESUMO

REFERÊNCIAS

O HOMEM E A RELAÇÃO COM O MUNDO: ética, sociedade e


educação

3.1 Introdução
3
3.2 Ética e Educação do mundo grego

3.3 Ética e moral: genealogia e definições conceituais

3.3.1 Ética: individualidade, coletividade e educação

3.4 Sentido e alcance da educação como prática social

RESUMO

REFERÊNCIAS
Curso de Licenciatura em Filosofia
APRESENTAÇÃO

Caro (a) estudante,

F
ilosofia é uma área do conhecimento que implica reflexões e análises tendo
como instrumento exclusivo, o raciocínio lógico. Os estudos anteriores de
Filosofia apresentados a você, na etapa de Ensino Médio, deram conhecimentos
propedêuticos sobre a origem da Filosofia. A partir desta disciplina, teremos
a oportunidade de ampliar o diálogo filosófico dentro de um processo reflexivo como:
compreensão, interpretação e análise crítica.

Levando em consideração os conhecimentos previamente já adquiridos, convidamos


você a mergulhar nos pressupostos básicos da Filosofia, pois estes o levarão a
desenvolver atitudes reflexivas e críticas frente à realidade. Assim, este e-Book de
estudos está organizado em três Unidades: Unidade 1 - A Filosofia e o processo do
filosofar: o surgimento, a natureza e o objeto; Unidade 2 - A filosofia e o fenômeno do
conhecimento: os grandes paradigmas gnosiológicos e epistemológicos; Unidade 3 -
O homem e a relação com o mundo: ética, sociedade e educação.

Os conteúdos pressupõem constantes possibilidades para a indagação. Problematizar


e investigar são prerrogativas das relações filosóficas presentes na metodologia da
disciplina.

Assim, a excelência no processo de aquisição do saber, pelo exercício do pensar e de


assumir a atitude filosófica será o nosso maior compromisso. Sempre com você e por
você desejamos que seja significativa nossa parceria.

Bons estudos!

“O homem é a medida de todas as coisas”

(Protágoras)
A FILOSOFIA E
O PROCESSO
DO FILOSOFAR:
surgimento,
natureza e objeto

OBJETIVO
Identificar as principais características da natureza e do objeto da
reflexão filosófica a partir do seu surgimento na Antiguidade.

Figura 1 – A Filosofia

Fonte: https://www.dm.com.br/wp-content/uploads/2018/08/Brasig_is-Fel_cio.jpg
1.1 Introdução

Diferentemente dos antigos povos da Antiguidade – os chineses e indianos, egípcios,


persas e hebreus –, que também tiveram suas visões próprias da natureza e maneiras
diversas de explicar os fenômenos e processos naturais, só os gregos, entretanto,
fizeram ciência. E isso é o que possibilita dizer que é na cultura grega que podemos
identificar o princípio deste tipo de pensamento que denominamos de filosófico,
conforme veremos.

Quando dizemos que o pensamento filosófico surge na Grécia antiga, estamos


caracterizando-o como uma forma específica de o homem tentar entender os
fenômenos do mundo que o rodeia, bem como sua origem e sua existência. Mas que
forma seria esta, afinal? Através da definição de Aristóteles, de que Tales de Mileto é o
iniciador do pensamento filosófico-científico, podemos considerar que a filosofia nasce
basicamente de uma insatisfação com o tipo de explicação do real que encontramos
no pensamento mítico. É nesse sentido que pretendemos compreender a filosofia
como um movimento de ruptura com o mito, a partir da tentativa dos primeiros filósofos
da escola jônica, que forjaram as primeiras explicações do mundo natural (a physis)
baseadas essencialmente em causas naturais. Por isso, será importante compreender
em que consiste o mito, ou a consciência mítica para, em seguida, demonstrar em que
consiste o pensamento filosófico, sua natureza e seu objeto.

1.2 O mito e a consciência mítica

Tomando como ponto de partida o significado do termo segundo o Dicionário de


Filosofia de Nicola Abbagnano (2007), mito, do grego mythos, significa “narrativa” e
designa um tipo de verdade como compreensão da realidade. Nesse sentido, o mito
Curso de Licenciatura em Filosofia

não pode apenas ser compreendido como pura lenda ou pura fantasia, mas deve
ser também classificado como um tipo de verdade sustentado sob um conjunto de
narrativas, estórias e ensinamentos que estabelecem uma compreensão da realidade
de cada sociedade e cultura.

7
Atenção

Cosmogonia é a especulação sobre a origem e formação do mundo que se encontra em muitos


mitos religiosos e na filosofia dos pré-socráticos, principalmente Tales de Mileto, o primeiro a
buscar a origem de todas as coisas, acreditando encontrá-la na água, considerada por ele como
a substância primordial do universo.

Nos estudos introdutórios de Danilo Marcondes, em Introdução à história da filosofia


(2001), o pensamento mítico consiste numa forma pela qual um povo explica aspectos
essenciais da realidade em que vive como, por exemplo, a origem do mundo, o
funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem
como seus valores básicos. Nessa perspectiva, o mito caracteriza-se, sobretudo, pelo
modo como estas explicações são dadas, ou seja, pelo tipo de discurso que constitui.

Nas civilizações antigas, os mitos nos remetem a povos tribais, cujas relações
permanecem igualitárias. Nas sociedades mais complexas, como aquelas em que se
acentuam as novas técnicas e ofícios especializados, por exemplo, no desenvolvimento
da agricultura, do pastoreio e do comércio, os mitos se estabeleceram através de
hierarquias entre segmentos sociais que introduzem, inclusive, a escravidão.

Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura a própria visão de mundo dos
indivíduos a sua maneira de vivenciar esta realidade. Assim, o pensamento mítico
pressupõe a adesão, a aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas
de experiência do real. O mito não se justifica e não se fundamenta, portanto, nem se
presta ao questionamento, à crítica ou à correção. Deste modo, não há discussão do
mito porque ele constitui a própria visão de mundo.

1.2.1 O mito na civilização grega


Curso de Licenciatura em Filosofia

Segundo Aranha e Martins em Filosofando: introdução à filosofia (2009), na tradição


grega os mitos surgiram quando ainda não havia escrita e eram transmitidos por poetas
ambulantes chamados de aedos e rapsodos. Homero em Ilíada e Odisseia e Hesíodo
em Teogonia são as principais fontes de nosso conhecimento dos mitos gregos, embora
muitas das narrativas não tenham sido criadas por eles. A Ilíada, por exemplo, trata da
guerra de Troia, e a Odisseia, do retorno de Ítaca, terra natal de Ulisses.

8
Já em Hesíodo, outro poeta que teria vivido por volta dos séculos VIII e VII a.C., suas
obras são marcadas pela tentativa de superar a poesia impessoal e coletiva das
epopeias, mesmo que ainda refletem o interesse pela crença dos mitos. Em Teogonia,
Hesíodo relata as origens do mundo e dos deuses, em que as forças emergentes da
natureza vão se transformando nas próprias divindades. Por isso, a teogonia é também
uma cosmogonia, na medida em que narra como todas as coisas surgiram do Caos
para compor a ordem do Cosmo.

Na vida dos gregos, os mitos e epopeias desempenharam um papel pedagógico


significativo: elas descreviam a história grega – o período da civilização micênica – e
transmitiam os valores culturais mediante o relato das realizações dos deuses e dos
antepassados. Os seus elementos centrais da forma que se baseia para explicar a
realidade é o apelo ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à magia. As causas dos
fenômenos naturais, aquilo que acontece entre os homens, tudo é governado por uma
realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, divina, a qual só
os sacerdotes, os magos, os iniciados, são capazes de interpretar, ainda que apenas
parcialmente. Por isso, mesmo com o nascimento da Filosofia, os mitos continuaram a
existir, mas ocupando um papel diferente com que representara até então.

Figura 2 – Tykhe ou Tique. Mitologia grega. Divindade tutelar responsável pela sorte
de uma cidade

Curso de Licenciatura em Filosofia

Fonte: http://eventosmitologiagrega.blogspot.com/

9
1.3 Origem e características da Filosofia

Se, por um lado, o pensamento mítico pretende fornecer uma explicação da realidade,
por outro lado, recorre ao mistério e o sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não
se pode explicar, nem se pode compreender por estar fora do plano da compreensão
humana. Por isso, a explicação dada pelo pensamento mítico esbarra, assim, no
inexplicável, na impossibilidade do conhecimento. E esse será o pressuposto fundamental
pelo qual a Filosofia se estabelecerá. Surgindo pouco a pouco em substituição aos
mitos e às crenças religiosas com a tentativa de conhecer e compreender o mundo e
os seres que nele habitam. O conhecimento filosófico se dá, a partir dos pré-socráticos,
como uma experiência de busca pelo conhecimento, essencialmente fundado na razão
(logos) como principal ferramenta para a compreensão do mundo, diferentemente da
visão teogônica do mundo.

Com o passar do tempo à Filosofia se formou como uma atividade que visa refletir sobre
a realidade, qualquer que seja ela, descobrindo seus significados mais profundos. É
importante observar que, em Filosofia refletir é pensar cuidadosamente o que já foi
pensado. Como um espelho que reflete a nossa imagem, a reflexão do filósofo deixa
ver, revela, traduz os valores envolvidos nos acontecimentos e nas ações humanas.

ABC

A palavra refletir deriva do verbo latino refletere, que significa “voltar atrás”. Na Filosofia, refletir é
o mesmo que retornar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, examinar detidamente, prestar
atenção ou analisar com cuidado o objeto que está sendo pensado.

Segundo Demerval Saviani (1996), a reflexão filosófica possui três características


fundamentais:

(i) É radical, ou seja, visa chegar até a raiz dos acontecimentos, isto é, aos seus
Curso de Licenciatura em Filosofia

fundamentos; a sua origem;

(ii) É rigorosa, pois visa seguir um método de investigação adequado e rigoroso a fim
de não deixar escapar nada da realidade que se pretende, colocando em questão
as respostas mais superficiais às mais profundas e gerais;

(iii) É de conjunto, pois considera que os problemas não estão isolados, mas dentro
de um conjunto de fatos, fatores e valores relacionados entre si.

10
1.3.1 Filosofia: o significado e a experiência filosófica

Saiba Mais!

A Filosofia nascente foi também chamada de cosmologia, isto é, o estudo sobre a ordem do
universo, justamente porque os primeiros filósofos se interessavam por compreender a origem e
o fundamento de todas as coisas.

Originando-se nas colônias gregas por volta do século VI a.C., por uma atitude diferente
diante da realidade, inicialmente por homens conhecidos como “físicos”, porque se
dedicavam sobretudo a observar a natureza (physis), a Filosofia (philos= amigo; sophia=
sabedoria), cujo significado literal é “amigo da sabedoria”, é o nome designada por
Pitágoras ao reconhecer na busca daqueles primeiros físicos sua incrível atitude de
conhecer a realidade. Como atesta Diógenes Laércio, Pitágoras teria sido o primeiro
a usar esse termo e a chamar-se de filósofo, porque, segundo ele, homem nenhum é
sábio, mas somente Deus, de modo que o estudioso da sabedoria, não deve receber o
nome de sábio, mas de filósofo, que é aquele que anseia pelo conhecimento (PERINE,
2007).

De acordo com Marcelo Perine em Ensaio de iniciação ao filosofar (2007), Platão e


Aristóteles indicaram com precisão a experiência que, segundo eles, dá origem ao
pensar filosófico. A mais antiga resposta sobre a origem do filosofar foi dada por Platão.
A partir de uma análise cuidadosa da nova atitude diante da realidade, o filósofo grego
em um texto conhecido com o título “sobre o conhecimento” num diálogo do Teeteto,
afirmou que a origem do filosofar era um estado de espírito que pode ser definido com
os termos admiração, espanto e perplexidade (em grego, thauma).

ABC

O termo thauma deriva da palavra grega thaumázein que significa admirar, maravilhar-se, ficar
estupefato.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Aristóteles, na mesma linha de Platão, também vai encontrar na admiração a origem


dessa atitude originária da filosofia. O livro primeiro da Metafísica é dedicado a uma
espécie de introdução ao estudo da Filosofia, entendida como “filosofia primeira”, e de
sua justificação não só como ciência, mas como a mais elevada entre elas, porque tem
por objeto o conhecimento das causas primeiras e dos princípios primeiros de toda

11
a realidade. Aristóteles se empenha por mostrar que o conhecimento pelas causas
primeiras e pelos primeiros princípios é superior a qualquer outro tipo de conhecimento
e é de competência dessa ciência, que não é produtiva nem prática, mas teórica e
especulativa (PERINE, 2007, p.26).

Essa primeira experiência do filosofar, descrita por Platão e Aristóteles, começa com os
pré-socráticos, cuja atenção se centrava na natureza e elaboraram diversas concepções
de cosmologia, procurando explicar como, diante da mudança (do devir), podemos
encontrar a estabilidade; como diante do múltiplo, descobrimos o uno. Ao perguntarem
como poderia emergir o cosmo do caos – ou seja, como da confusão inicial surge o
mundo ordenado –, os pré-socráticos buscam o princípio (a arkhé) de todas as coisas,
entendido como fundamento do ser. Assim, buscar a arkhé é explicar qual é o elemento
constitutivo de todas as coisas, da realidade natural (physis).

Atenção

Os filósofos pré-socráticos fazem parte do primeiro período da filosofia grega. Eles desenvolveram
suas teorias do século VII ao V a.C., e recebem esse nome, pois são os filósofos que antecederam
Sócrates. Esses pensadores buscavam nos elementos da natureza as respostas sobre a origem
do ser e do mundo.

As respostas dos filósofos à questão do fundamento de todas as coisas foram diversas. A


começar por Tales de Mileto, astrônomo, matemático e primeiro filósofo, a água (hydor)
é o elemento primordial que dá unidade à natureza. Em sua visão, o mundo teria sua
origem na evaporação, uma vez que água está presente em todos os elementos. Os
seus sucessores, Anaxímenes e Anaximandro, por sua vez, adotaram respectivamente
o ar e o apeíron. O primeiro, pelo princípio da rarefação; o segundo, por um princípio
abstrato significando algo de ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza.

Heráclito de Éfeso, um dos mais importantes pensadores daquele tempo, dizia que
o mundo era regido por um constante movimento, tudo flui, tudo está em constante
Curso de Licenciatura em Filosofia

devir, e o fogo seria o princípio explicativo. Por outro lado, Demócrito apostava no
átomo como o princípio explicativo de todas as coisas, enquanto que, Empédocles,
com sua doutrina dos quatro elementos, sintetiza essas diferentes posições afirmando
a existência de quatro elementos primordiais – terra, água, ar e fogo, tese que mais
tarde foi retomada por Platão no Timeu e bastante difundida em toda Antiguidade,
chegando mesmo ao período moderno, presente nas especulações da alquimia do
período do Renascimento até o surgimento da química moderna.

12
Reflexão!

Para refletir

Como a filosofia passou a ser vista no mundo atual?


Ainda existe relevância para a reflexão filosófica?

Na visão dos pré-socráticos destacam-se, sobretudo, a importância da noção de arqué,


exatamente na tentativa por parte desses filósofos de apresentar uma explicação
da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico que
permeie toda a realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja
um elemento natural. Entretanto, a reflexão filosófica por eles iniciada possui outras
características essenciais, como, a noção de physis, de causalidade, de cosmo. Assim,
que essas noções são fundamentais para entender o processo de transição com o
pensamento mítico, justamente porque mostram como elas constituem o ponto de
partida de uma visão de mundo que, apesar das profundas transformações ocorridas,
permanece parte de nossa maneira de compreender a realidade ainda hoje. Isso
significa dizer que podemos reconhecer nesses pensadores as raízes de conceitos
constitutivos de nossa tradição filosófico-científica.

Enfim, como afirma Luckesi (1990, p. 22):

A filosofia é um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço que


o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um sentido,
um significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em Filosofia, significa
um conjunto coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade.
Conhecimentos estes que expressam o entendimento que se tem do mundo, a
partir de desejos, anseios e aspirações.

RESUMO Curso de Licenciatura em Filosofia

Esta Unidade apresentou algumas das características fundamentais da reflexão


filosófica desde o surgimento da Filosofia na Antiguidade. Ao situar o contexto que
proporcionou a passagem do pensamento mítico ao pensamento racional, foram
apresentados os elementos fundamentais que constituíram a experiência do filosofar,
baseada na razão. Foi assim que os primeiros pensadores, os pré-socráticos, iniciaram

13
a Filosofia promovendo várias reflexões sobre a origem de todas as coisas, e o princípio
fundamental que rege o funcionamento do universo. A Filosofia deste período surgiu
como uma cosmologia, isto é, uma reflexão sobre a ordem e fundamento da realidade.

ARANHA, Maria. L. A.; MARTINS, Maria H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São


Paulo: Moderna, 2009.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles.


2. ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2002.vol.1.

RESENDE, Antonio (org.). Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos
de segundo grau e de graduação. 12. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1990.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a


Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

___________. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 5. ed.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

PERINE, Marcelo. Ensaio de iniciação ao filosofar. São Paulo: Loyola, 2007.

SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 11. ed. São
Paulo: Cortez, 1999.
Curso de Licenciatura em Filosofia

14
A FILOSOFIA E O
FENÔMENO DO
CONHECIMENTO: os
grandes paradigmas
gnosiológicos e
epistemológicos

OBJETIVO
Compreender os problemas centrais ligados ao debate gnosiológico
e epistemológico na Filosofia da Antiguidade e Modernidade.
2.1 Introdução

A questão sobre o conhecimento sempre ocupou na Filosofia lugar central. Desde


que o pensamento sistemático começou a ser gestado na Antiguidade, a busca pelo
conhecimento foi concebida relativamente ao processo de busca pela compreensão
da realidade (cosmos), e mais tarde veio a se tornar o objetivo essencial da busca
filosófica. Entretanto, a preocupação com o conhecimento, enquanto conhecimento
passou apenas a ser central na Filosofia a partir de Platão e Aristóteles. Mas é
somente com a modernidade que se tornou uma disciplina filosófica voltada ao próprio
conhecer, com a finalidade de investigar as condições do conhecimento verdadeiro,
dando origem a diversas teorias do conhecimento. Assim sendo, nosso objetivo para
esta Unidade será o de apontar as condições em que o fenômeno do conhecimento
surge e se desenvolve na história do pensamento filosófico, analisando como surgiram
as principais indagações relativas ao tema entre os pensadores gregos e os modernos.

2.2 O conhecimento e os primeiros filósofos

O fenômeno do conhecimento surge, na Filosofia, atrelado ao próprio movimento de


busca pela compreensão do mundo. Quando olhamos para a atitude dos primeiros
filósofos na Grécia antiga, por volta do século VI a.C., que se dedicaram a compreender
a ordem do mundo e os princípios que regem a natureza, entendemos aí as primeiras
atitudes relativas ao fenômeno do conhecimento. Com as primeiras indagações que
questionavam “por que e como as coisas existem?”; “o que é o mundo (cosmos)?”;
“qual a origem da Natureza (physis)?”; e, “quais as causas de sua transformação
(devir)?”, a filosofia nascente surge como uma cosmologia, na qual, o próprio cosmos,
isto é, o mundo visto por uma ordem harmoniosa, era o objeto de indagação, a fim de
se encontrar o princípio (arkhé) eterno que ordenava todas as coisas e que, mesmo
com a multiplicidade e transformação do real, permanecia imutável.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Esse princípio (arché) era concebido como o fundo imperecível presente em todas as
coisas, fazendo-as existir como são. Esse fundo presente em todas as coisas era o
Ser – palavra em português que traduz a expressão grega “tò on”, que passou a ser
usado para designar “aquilo que é”, ou aquilo que subjaz a todos os seres –. Assim, a
filosofia nascente coloca no centro de suas indagações o questionamento sobre “o que
é o Ser?”, tornando assim, uma ontologia, isto é, conhecimento ou saber sobre o ser.

16
Por esse motivo, alguns historiadores consideram que os primeiros filósofos não
tinham uma preocupação com o conhecimento enquanto conhecimento, porque não
indagavam se podemos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição de que
o podemos conhecer, pois a verdade, sendo aletheia, isto é, presença e manifestação
das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, significa que o Ser
está manifesto e presente para nós e, portanto, nós o podemos conhecer.

Mas mesmo que os primeiros filósofos não tivessem a preocupação do conhecimento


pelo conhecimento, já que se podemos ou não conhecer o ser, todavia, a ideia que
eles não se preocupavam com nossa capacidade e possibilidade de conhecimento
não são exatas, se levarmos em conta o fato de afirmarem que a realidade é racional
e que a podemos conhecer porque também somos racionais. Esse argumento, por si,
já seria um pressuposto para mostrar que desde sempre houve preocupação para com
o conhecimento. Alguns exemplos, inclusive, indicam a existência dessa preocupação
por parte dos primeiros filósofos, como veremos.

2.2.1 Heráclito e o eterno fluir

Com base na leitura de Pré-socráticos, da coleção Figura 3 – Heráclito de Éfeso


os pensadores (2000), o pensamento de Heráclito
de Éfeso, ou os fragmentos do seu pensamento
que nos restaram, é possível observar um filósofo
conhecido por formular a concepção de que o mundo
todo é um fluxo constante de transformações, onde
só permanece estável e inalterável a lei (logos)
que rege a inevitável transformação de todas
as coisas. Esta concepção torna-se perceptível
no famoso fragmento descrito nos diálogos de
Platão em o Crático, onde comparava as coisas a
Curso de Licenciatura em Filosofia

corrente de um rio – que não se pode entrar duas


vezes na mesma corrente, pois o rio corre, toca
outras águas e não permanece mais o mesmo.
Daí também se poderia afirmar a concepção
de que tudo flui (panta rei), nada persiste, nem Fonte: https://revistaculturae.com.
permanece o mesmo (2000, p.103). br/a-classica-polemica-entre-heracli-
to-e-parmenides-parte-1/

17
Essa máxima põe em destaque a concepção de devir (vir-a-ser) como princípio de tudo,
que a contradição, como o movimento de sua própria harmonia. Por isso, Heráclito
comparava o mundo à chama de uma vela que queima sem cessar e transforma a
cera em fogo, o fogo se torna fumaça e a fumaça em ar. Por esse mesmo movimento,
também o dia se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria,
o úmido seca. Assim, tudo se transforma no seu contrário.

Na doutrina do mobilismo de Heráclito, a realidade é, portanto para Heráclito, regida


por um movimento de harmonia dos contrários que não cessam de se transformar
uns nos outros. Nessa doutrina, o fenômeno do conhecimento ganha destaque no
momento em que o filósofo afirma, no entanto, que é preciso distinguir o conhecimento
que nossos sentidos nos oferecem do conhecimento que nosso pensamento alcança,
pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e nosso pensamento
alcança a verdade como mudança contínua.1

2.2.2 Parmênides e o imobilismo do Ser

Contrariamente à doutrina do mobilismo de Heráclito, Figura 4 – Parmênides


Parmênides afirmará a unidade e a imobilidade
do ser. No poema “As duas vias” (no fragmento
Sobre a Natureza) onde expõe seu pensamento,
dizia que só podemos pensar sobre aquilo que
permanece sempre idêntico a si mesmo, de modo
que o pensamento não alcança aquilo que não é,
que não existe, o não-ser. Com a fórmula o “ser é
e o não-ser não é”, Parmênides delineia a questão
do conhecimento, na medida em que acredita
que não é possível pensar o que é e o que não é
ao mesmo tempo. Daí o princípio lógico da não
Curso de Licenciatura em Filosofia

contradição, na medida em que não é possível


pensar o instável, o oposto, ou aquilo que é
contrário a si mesmo, pois, pensar é apreender
um ser em sua identidade profunda e permanente
Fonte: https://miro.medium.com/max
(PARMÊNIDES, 2000, p. 121). /1280/1*5zEvfEj-be8YKKFBh-t_NA.jpeg

1
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p. 138.

18
Esses dois exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a Filosofia preocupou-
se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do
verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento
parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença
entre perceber e pensar.

2.3 Sócrates e os sofistas

Embora as questões cosmológicas ainda fossem importantes, a partir do período


socrático, as questões filosóficas foram ampliadas para a antropologia, a moral e a
política. Assim, preocupação com os problemas do conhecimento tornaram-se ainda
mais centrais, surgindo até, sob as oposições de Sócrates e os Sofistas, que também
eram do período clássico.

2.3.1 Sofistas: a linguagem e o relativismo

Saiba Mais!

Na Grécia Antiga, havia professores itinerantes que percorriam as cidades ensinando, mediante
pagamento, a arte da retórica às pessoas interessadas. A principal finalidade de seus ensinamentos
era introduzir o cidadão na vida política. Tudo o que temos desses professores são fragmentos e
citações e, por isso, não podemos saber profundamente sobre o que eles pensavam. Aquilo que
temos de mais importante a respeito deles foi aquilo que disseram seus principais adversários
teóricos, Platão e Aristóteles.

Fonte: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/filosofia/sofistas.htm

Por um lado, motivados pela pluralidade e pelo antagonismo das filosofias anteriores,
Curso de Licenciatura em Filosofia

e por outro, pelos conflitos entre as várias ontologias, os Sofistas partiam da ideia de
que não podemos conhecer o Ser, mas só podemos ter opiniões subjetivas sobre a
realidade. Na visão sofista, a linguagem era mais importante do que a percepção e o
pensamento, e a verdade nada mais é do que uma questão de opinião e de persuasão.
Portanto, para eles, os homens deveriam se valer da linguagem (da retórica, enquanto
capacidade de persuasão e convencimento) para persuadir os outros de suas próprias
ideias e opiniões.

19
Embora fossem constantemente criticados por Sócrates e seus discípulos, que os
acusavam de não ter compromisso com a verdade e de condenar a arte retórica de
persuadir reduzir os seus discursos a opiniões relativistas, devemos dizer, no entanto,
que o relativismo ou a valorização da linguagem por parte dos sofistas estão ligados à
questão do conhecimento. Se tomarmos a formulação máxima de Protágoras “o homem
é a medida de todas as coisas”, presentes nos diálogos do Teeteto de Platão, portanto
observaremos que o pensamento do sofista pode ser entendido como a exaltação da
capacidade humana de construir a verdade, isto é, pode ser compreendido que o logos
não é divino, mas decorre do exercício da razão humana, a quem cabe confrontar as
diversas concepções possíveis da verdade.

A utilização da linguagem por meio dos sofistas demonstra que a questão do


conhecimento está subentendida na discussão filosófica como meio para aquilo que
se pode argumentar, a fim de demonstrar e convencer.

2.3.2 Sócrates e o conceito

Distanciando-se dos primeiros filósofos, cujo Figura 5 – Estátua de Sócrates


interesse se concentrava na busca pelos
princípios ordenadores da natureza, Sócrates
propõe uma filosofia com foco na autorreflexão,
conforme concebe em sua famosa máxima
“conhece-te a ti mesmo”. Embora não deixasse
nada escrito, e o que se sabe a seu respeito
é fruto dos escritos de seus discípulos, Platão
e Xenofonte, o pensamento socrático é
caracterizado pela forte oposição aos sofistas
que, contrariamente a esses, concebia que
Curso de Licenciatura em Filosofia

a verdade poderia ser alcançada desde que


possamos compreender que precisamos nos
afastar das ilusões dos sentidos, das imposições
das palavras e da multiplicidade de opiniões.
Fonte: Renata Sedmakova / Shutter-
stock.com

20
Com base numa filosofia baseada na premissa “só sei que nada sei”, Sócrates cria
seu próprio método de investigação da verdade, que consistia justamente na sabedoria
de reconhecer a própria ignorância, mas como ponto de partida para a busca do saber.
O seu método era divido basicamente em duas etapas: a primeira que começava pela
fase da “ironia”, que consistia em perguntar algo a seu interlocutor, fingindo nada saber.
Diante do oponente, Sócrates, com hábeis perguntas, desmonta as certezas até que o
outro reconheça a própria ignorância. A segunda etapa, a maiêutica, consistia em dar
à luz a novas ideias. Ou seja, após destruir o saber meramente opinativo (a dóxa) em
diálogo com seu interlocutor, dava início à procura da definição do conceito, de modo
que o conhecimento se manifestasse “de dentro” de cada um. A filosofia de Sócrates
tinha como objetivo filtrar as opiniões do senso comum, conduzindo o indivíduo a
encontrar e produzir conceitos universais utilizando-se unicamente da razão.

Saiba Mais!

Ao proferir a frase "Só sei que nada sei", Sócrates reconhece a sua própria ignorância. Através do
paradoxo socrático, o filósofo negava categoricamente o posto de professor ou grande sabedor
de qualquer conhecimento. A lógica é simples: ao afirmar que nada sabe, ratifica o fato de que
também nada tem para ensinar.

Outro filósofo, Nicolau de Cusa, anos mais tarde, durante o Renascimento, reconhece o gesto de
humildade intelectual e o denomina de douta ignorância.

2.4 Platão e o mundo das ideias

A partir de Platão, o fenômeno do conhecimento Figura 6 – Platão


assume novo patamar, como teoria do conheci-
mento, embora o filósofo não usasse essa termino-
logia, que só foi criada na modernidade. Discípulo
Curso de Licenciatura em Filosofia

de Sócrates, esse filósofo grego construiu o edifí-


cio de sua filosofia com base na chamada teoria
das ideias, onde sistematiza as formas e os graus
de conhecer e as diferenças entre o conhecimento
verdadeiro e a ilusão. Fonte: https://static.mundoeduca-
cao.bol.uol.com.br/mundoeduca-
Tomando como ponto de partida o seu mais famoso cao/conteudo_legenda/e0eb9c8f-
texto de A República, livro VII, em que é relatada a c33d8750939a00adf9381ba9.jpg

21
famosa “alegoria da caverna”, veremos como Platão propõe o seu famoso dualismo,
a partir da distinção das quatro formas do conhecimento, que vão do grau inferior a
superior: crença, opinião, raciocínio, e intuição intelectiva. Os dois primeiros formam o
que ele chamou de conhecimento sensível; os dois últimos, o conhecimento inteligível.

O mundo sensível são os primeiros graus do conhecimento, pois eles nos dão a
conhecer somente as coisas perceptíveis pelas faculdades humanas: tato, paladar,
olfato, audição e visão. É a fase do conhecimento falho, já que os sentidos só nos dão
a conhecer as aparências e as imagens das coisas, e não a essência delas. Por outro
lado, o conhecimento inteligível, que será para Platão o grau máximo do conhecimento,
representa o conhecimento verdadeiro, a essência das coisas, a ideia universal.

É importante observar, no entanto, que o conhecimento inteligível, para Platão, só


pode ser alcançado pela dialética ascendente, que fará a alma se elevar das coisas
múltiplas e multáveis as ideias unas e imutáveis. Essa dialética se daria exatamente
pelo exercício do filosofar, do exercício da razão. Nesse processo, as ideias gerais
são hierarquizadas, e no topo está à ideia do Bem, a mais alta perfeição e a mais
universal de todas. A dialética consiste, nesse sentido, no trabalho de examinar as
teses contrárias sobre um mesmo assunto, a fim de purificar as ideias e se elevar ao
mais alto conhecimento. A partir dela, deve-se abandonar as teses falsas e conservar
a verdadeira.

2.5 O Conhecimento em Aristóteles

Diferentemente de Platão, que concebia o conhecimento como abandono de um grau


inferior por um grau superior (conforme vimos em sua teoria das ideias), para Aristóteles
nosso conhecimento é formado por acúmulo das informações trazidas por todos os
graus do conhecimento: sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem,
raciocínio e intuição, de modo que, em lugar de uma ruptura entre o conhecimento
Curso de Licenciatura em Filosofia

sensível e o intelectual, há uma continuidade entre eles.

Para Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das ideias era
um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento verdadeiro.
Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das ideias,
mas da experiência sensível. “Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos
sentidos”, dizia o filósofo.

22
Isso significa que não posso ter ideia de um cavalo sem ter observado um diretamente
ou por meio de uma pesquisa científica. Sem isso, “cavalo” é apenas uma palavra
vazia de significado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se não fosse preenchido
pelas informações que os sentidos nos trazem.

Mas nossa razão não é apenas receptora de Figura 7 – Aristóteles


informações. Aliás, o que nos distingue como seres
racionais é a capacidade de conhecer. E conhecer
está ligado à capacidade de entender o que a coisa
é no que ela tem de essencial. Por exemplo, se digo
que “todos os cavalos são brancos”, vou deixar de
fora um grande número de animais que poderiam ser
considerados cavalos, mas que não são brancos.
Por isso, ser branco não é algo essencial em um
cavalo, mas você nunca encontrará um cavalo que
não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.

O conhecimento verdadeiro para Aristóteles é a


ciência, ou seja, o conhecimento pelas causas. Para
ele, é este conhecimento que torna possível superar
os enganos da opinião e compreender a natureza
da mudança, do movimento. O filósofo aponta três Fonte: https://s1.static.brasilescola.
distinções básicas – substância, essência e acidente uol.com.br/be/conteudo/images/ar-
– como pressupostos necessários e fundamentais istoteles.jpg
para a formação do conhecimento.

A substância é “aquilo que é por si mesmo” e o suporte dos atributos. Os atributos


podem ser essenciais ou acidentais: a essência é o atributo que torna a substância
o que ela é; o acidente é o atributo que a substância pode ter ou não, sem deixar de
ser o que é. Por exemplo, a essência de uma flor não está na sua cor, mas na sua
essência, ou seja, naquilo que a sua existência foi destinada. A cor, neste sentido, seria
um acidente que não mudaria sua essência se ela fosse vermelha ou rosa.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Além disso, conhecer para Aristóteles é conhecer o ser enquanto matéria e forma,
já que todos eles são dotados dessas suas propriedades. A matéria é o princípio
indeterminado de que o mundo físico é composto, é aquilo de que é feito algo, enquanto
a matéria é pura passividade e contém a forma em potência; a forma é o princípio
inteligível, a essência comum aos indivíduos da mesma espécie pela qual todos são o
que são.

23
A teoria do conhecimento em Aristóteles se encontra, portanto, na compreensão do que
ele designou por substância, essência, acidente, matéria e forma uma vez que aí seria
o meio pelo qual nós podemos formar nossa compreensão sobre a realidade material.

Figura 8 – Platão e Aristóteles em recorte do plano central da Escola de Atenas, pintura


renascentista, de Rafael Sanzio

Fonte: https://voyager1.net/wp-content/uploads/2017/09/Escola-de-Atenas-de-Rafael.jpg

Atenção

Na imagem a cima, a “Escola de Atenas”, observe no plano central, Aristóteles, do lado direito do
espectador, e Platão, do lado esquerdo. A atitude dos dois pensadores na pintura é emblemática.
Ela apresenta as diferenças entre suas ideias quanto ao conhecimento empírico e metafísico,
Curso de Licenciatura em Filosofia

pois Platão aponta o dedo para cima, como quem quer dizer que o conhecimento está no mundo
das ideias, enquanto segura o seu diálogo Timeu, que fala da formação da natureza no plano
ideal e no plano material (imperfeito). Aristóteles, por sua vez, com sua mão espalmada para
baixo e segurando a sua Ética (livro de filosofia prática), parece sinalizar que se deve olhar
também para o mundo prático, sensorial e material.

24
2.6 Os filósofos modernos e o surgimento da teoria do conhecimento

Como disciplina filosófica independente, não se pode falar de uma teoria do conhecimento
nem na Antiguidade nem na Idade Média, embora já tenhamos encontrado numerosas
reflexões epistemológicas na filosofia antiga, especialmente em Platão e em Aristóteles.
São, porém, investigações epistemológicas que ainda estão completamente embutidas
no contexto ontológico.

Entretanto, é só na Idade Moderna que a teoria do conhecimento aparece como


disciplina independente, tendo como fundador o filósofo inglês John Locke, a partir
do seu Ensaio sobre entendimento humano. Mas são vários os aspectos a se
considerar a culminância da teoria do conhecimento na modernidade. Poderíamos
começar destacando a revolução científica que quebrou o modelo de inteligibilidade do
aristotelismo e, a filosofia passando a se constituir com bases científicas, valorizando,
acima de tudo, o racionalismo e a confiança no poder da razão para o alcance do
conhecimento verdadeiro. Além disso, a questão do método passa a ser uma das
expressões mais claras desse racionalismo e de toda a modernidade.

Sugestão de vídeo

Para auxiliá-lo na compreensão da temática sobre o conhecimento na Filosofia,


assista à videoaula Teoria do conhecimento – uma introdução que está no
material básico.

Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=FLmXYm8oVsY

Diferentemente dos filósofos que partiam do problema do ser, a modernidade volta-


se para as questões do conhecer. O foco agora é desviado para a consciência da
consciência. Se antes era perguntado se “existe alguma coisa?”, na modernidade o
foco passa da pergunta sobre o que as coisas são, para, sobre como nós podemos
Curso de Licenciatura em Filosofia

eventualmente conhecê-las. Portanto, as perguntas agora são outras: “O que é possível


conhecer?”; “Qual o critério de certeza?”.

Segundo Johannes Hessen em Teoria do conhecimento (2000), o campo de investigação


da teoria do conhecimento, na modernidade, trata propriamente do modo pelo qual o
sujeito se apropria intelectualmente do objeto. Assim, o lugar central é o do sujeito
na relação com o objeto. Daí que se pode caracterizar o conhecimento pelo ato ou o
produto: o primeiro diz respeito à relação que se estabelece entre sujeito cognoscente

25
e o objeto cognoscível. O objeto e algo fora da mente, mas também a própria mente,
quando nos apropriamos intelectualmente dele. O produto, por sua vez, é o resultado
do ato de conhecer, ou seja, o conjunto de saberes acumuladores que adquiridos nessa
relação.

A filosofia moderna se torna, desse modo, marcada pela visão antropocêntrica,


exatamente por colocar o sujeito e sua consciência no centro da investigação e não mais
o objeto ou Deus, como foi na Idade Média em que conhecemos por iluminação divina.
As soluções apresentadas a esse problema deram origem a duas grandes correntes
filosóficas, uma com ênfase na razão, e outra nos sentidos. Dessas correntes vários
pensadores como, Francis Bacon, René Descartes, John Locke, David Hume, e mais
tarde Immanuel Kant ficaram conhecidos pelas discussões em torno do processo de
aquisição do conhecimento. Dentre esses, destacaremos o pensamento de Descartes,
Locke e Kant, o qual tornará possível apresentar alguns dos principais paradigmas
epistemológicos desenvolvidos no período moderno da Filosofia.
Saiba Mais!
Racionalismo pode ser definido como a doutrina
2.6.1 O racionalismo de Descartes que, por oposição ao ceticismo, atribui à razão
humana a capacidade exclusiva de conhecer e de
estabelecer a Verdade.

René Descartes e considerado o pai da Figura 9 – René Descartes


filosofia moderna, porque, entre outras
razões, foi o pensador que torna a
consciência o ponto de partida ao enfatizar
a capacidade humana de construir o
próprio conhecimento. Pode-se dizer que
seu pensamento se assenta basicamente,
em três pilares centrais: a na visão
racionalista, que coloca a razão como
principal ferramenta para a aquisição do
Fonte: https://static.todamateria.com.br/up-
conhecimento verdadeiro; no princípio da load/de/sc/descartes3.gif
Curso de Licenciatura em Filosofia

dúvida metódica, como ponto de partida


para se livrar de todo conhecimento que não seja indubitável; e estabelece o método
científico como princípio para bem conduzir a razão, evitar o erro e alcançar o
conhecimento seguro e indubitável.

O propósito do pensamento cartesiano pode ser resumido de modo muito sucinto em


encontrar um método tão seguro que o conduzisse à verdade indubitável. Conforme

26
nos mostra em Discurso do método, Descartes procura no ideal matemático, isto é,
em uma ciência que seja racional e universal, os princípios de sustentação racional
para o método. Com o auxílio do tipo de conhecimento utilizado na matemática (como
sabemos, a matemática é um conhecimento inteiramente dominado pela inteligência,
e não pelos sentidos), o filósofo moderno estabelece quatro regras básicas: a da
evidência; da análise; da ordem e da enumeração.

Com tais regras, o objetivo é buscar uma verdade primeira que não possa se posta
em dúvida. Primeiramente, procede duvidando de tudo: do testemunho dos sentidos,
das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, das informações da
consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior,
da realidade do seu próprio corpo, enfim, de tudo que havia aprendido até então. Com
isso, estabelece a dúvida metódica, como meio de averiguação técnica, para avaliar se
não restaria algo que fosse duvidoso.2

Após ter colocado em suspensão até mesmo a própria existência, Descartes chega,
então, à primeira certeza que servirá, também, como ponto de partida para as demais
investigações: o “cogito ergo sum” (penso, logo existo). Esse é o momento em que o
filósofo interrompe a cadeia de dúvidas, já que o limite é o próprio ser que dúvida. Ou
seja, a certeza de que se pode duvidar de tudo, mas não se pode duvidar da própria
dúvida. Eis o raciocínio hipotético e dedutivo: se, portanto, existe a dúvida, é porque
existe alguém que está duvidando. Aí se encontra a primeira intuição: “penso, logo
existo”, que confere a primeira certeza admitida por ele.

Com isso Descartes julga estar diante de ter encontrado uma ideia que seja clara e
distinta, a partir da qual seria reconstruído todo o saber. Estabelece, assim, o edifício
que embasará a busca pelo conhecimento verdadeiro.

2.6.2 O empirismo de John Locke


Saiba Mais!
Curso de Licenciatura em Filosofia

O empirismo é, juntamente com o racionalismo, uma das grandes correntes formadoras


da filosofia moderna. Se por um lado o racionalismo de Descartes explicava a
conhecimento humano a partir da existência de ideias inatas, presente no indivíduo, por
outro lado, os empiristas pretendiam dar uma explicação do conhecimento a partir da
experiência, eliminando, portanto, a noção de ideias inatas.

2
Exatamente por isso, não se pode caracterizar Descartes como um cético, já que o objetivo da dúvida metódica é
inteiramente técnica, isto é, se estabelece como um meio de averiguação para aquilo que não se pode duvidar.

27
Locke foi o primeiro pensador a elaborar Figura 10 – Retrato de John Locke por
uma teoria do conhecimento como Godfrey Kneller (1697)
disciplina filosófica na obra Ensaio sobre
o entendimento humano, cujo objetivo é
saber “qual é a essência, qual a origem,
qual o alcance do conhecimento humano”.
Mas pode-se dizer que a centralidade do
seu pensamento se assenta sob a ideia
de que a mente é como uma tábula rasa,
que é a partir da experiência humana no
mundo que começa a ser construído todos Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Fichei-
os nossos conhecimentos e saberes. ro:JohnLocke.png

Nesse sentido, pode-se afirmar que, para Locke, o conhecimento começa apenas
a partir da experiência sensível. Daí a sua crítica a doutrina inatista de Descartes
afirmando que não existe conhecimento na mente humana anterior a experiência.

Ao investigar as origens das ideias, ao contrário dos racionalistas, que privilegiam as


verdades da razão, Locke afirma que duas são as fontes possíveis para nossas ideias:
a sensação e a reflexão. A primeira é tudo aquilo que percebemos pelos sentidos,
pelas faculdades sensíveis. A segunda é a nossa capacidade intelectual de processar,
internamente, os dados da percepção.

Para Locke, a razão reúne as ideias, as coordena, compara, distingue, compõe, e


as põe em conexão formando conhecimentos e novas ideias, simples e complexas.
As ideias simples (as que vêm da sensação), combinadas entre si, formam as ideias
complexas, que são, por exemplo, as da identidade, dos conceitos, da existência,
substância, causalidade etc. Assim se dá, portanto, a construção do conhecimento. É
o intelecto que constrói as ideias que são provenientes da sensibilidade.

2.6.3 Kant e o criticismo


Curso de Licenciatura em Filosofia

Outro pensador que a tradição costuma atribuir grande relevância em relação à teoria
do conhecimento é o filósofo alemão, Immanuel Kant. Pensador tardo moderno,
considerado um dos principais difusores do Iluminismo, Kant é também um que se
encarregou de pensar o fenômeno de como é possível conhecer. Situado no embate

28
entre racionalismo e empirismo, e influenciado pela ciência de Newton, Kant estava
atento às dificuldades relativas à natureza do nosso conhecimento, por isso debruçou-
se intensamente sobre o assunto em sua obra Crítica da razão pura.

Figura 11 – Kant

Fonte: https://nova-acropole.org.br/wp-content/uploads/2019/02/im-
manuel-kant.jpg

Com uma Filosofia que mais tarde ficou caracterizada pelo criticismo, justamente
por ter colocado a pergunta “Qual é o valor dos nossos conhecimentos e o que é
conhecimento?”, a Crítica da razão pura é onde defende a proposta de uma Filosofia
crítica, visando superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo, entre Descartes
e Locke, e examinar as condições de possibilidade da experiência humana do real e
fundamentar nossas pretensões ao conhecimento (MARCONDES, 2007).

A partir da tentativa de superar esta dicotomia, Kant explica que o conhecimento é


Curso de Licenciatura em Filosofia

construído de algo que recebemos de fora, da experiência (a posteriori), e algo que já


existe em nós mesmos (a priori) e, portanto, anterior a qualquer experiência. Ao contrário
do que propunha a filosofia tradicional, que os objetos de nosso conhecimento devem
conformar à natureza à nossa estrutura cognitiva, e não o conhecimento à natureza do
objeto, Kant propõe que o conhecimento é proveniente de duas categorias: matéria e
forma. A primeira é o que nos vem de fora; a segunda é o que já está em nós.

29
O essencial em Kant é compreender, enfim, que em sua teoria do conhecimento a
sensibilidade é a faculdade receptiva, pela qual obtemos as representações exteriores,
enquanto o entendimento é a faculdade de pensar ou produzir conceitos. Isso significa
que para conhecer as coisas, precisamos da experiência sensível (proveniente da
matéria), mas também das formas do entendimento, que, por sua vez, são a priori
e condição da própria existência, por onde serão organizadas as ideias. Assim,
o conhecimento em Kant não se dá por adequação entre sujeito e objeto, mas por
construção, fruto da mediação entre sensibilidade e entendimento, fruto da matéria e
forma.

Reflexão!

Para refletir

Como distinguir o conhecimento filosófico de outras formas de


conhecimento como, por exemplo, conhecimento mítico, senso comum,
conhecimento religioso e conhecimento científico?

Na sociedade atual, como informação e conhecimento interagem?

Como podemos observar, a questão do conhecimento se apresenta na filosofia desde


que suas primeiras questões foram colocadas, mas apenas no período da modernidade
é que ela se tornou uma disciplina específica na filosofia, e também em outras áreas
do conhecimento humano. Ainda hoje quando pensamos nestas questões: “o que é
o conhecimento?”; “quais as tipos de conhecimento?”; “o que é possível conhecer?”
etc., nos encontramos diante de temáticas que fazem parte do desenvolvimento do
ser humano, uma vez que é por meio destas questões e a interação do homem com
a realidade que formamos nossa compreensão de mundo, produzindo e acumulando
conhecimentos e saber. Conhecer é, portanto, elucidar, dar luz, clarear a realidade por
Curso de Licenciatura em Filosofia

meio de nossas capacidades especificamente humanas, os sentidos e principalmente a


razão. Assim, seja por meio de questões ontológicas ou epistemológicas, o conhecimento
se tornou a grande busca do ser humano tanto na Antiguidade, quanto na Modernidade
e até mesmo no presente.

30
RESUMO

Esta Unidade abordou como a questão do conhecimento surgiu na história do


pensamento filosófico como um problema que foi sendo abordado de diferentes
modos. Assim, buscou-se compreender as diferenças fundamentais da abordagem
dos pensadores na Antiguidade e na Modernidade. Verificou-se, deste modo, que as
discussões relativas ao conhecimento, foram desenvolvidas a partir de importantes
áreas da filosofia que ficaram conhecidas como o estudo da metafísica, da ontologia e
da teoria do conhecimento. Tais discussões foram importantes para o desenvolvimento
das várias correntes e paradigmas científicos.

CASSIRER, E. El problema del conocimiento. México: FCE, 1974.

REZENDE, Antonio (org.). Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos
de segundo grau e de graduação. 12. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

DURANT, Will. A história da filosofia. Trad. Luiz Carlos do Nascimento Silva. São
Paulo: Nova Cultural, 2000. (Coleção Os Pensadores).

HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Virgílio Gallerani Cuter.


São Paulo: Martins fontes, 2000.

MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.


5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
Curso de Licenciatura em Filosofia

PRÉ-SOCRÁTICOS, Col. “Os Pensadores”. Seleção de textos e supervisão do prof.


Dr. José Cavalcante de Souza, São Paulo: Abril Cultural, 1978. Vol.1.

PERINE, Marcelo. Ensaio de iniciação ao filosofar. São Paulo: Loyola, 2007.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. Trad. Ísis Borges. São


Paulo: Difel, 2002.

31
O HOMEM E A
RELAÇÃO COM
O MUNDO: ética,
sociedade e educação
OBJETIVO
Discutir as dimensões das diversas relações entre homem e
sociedade na perspectiva da antropologia filosófica.

Figura 12 – Ética, Sociedade e Educação

Fonte: https://www.ghc.com.br/files/img.ptg.2.1.01.11504.jpg
3.1 Introdução

Desde os gregos da Antiguidade o convívio em sociedade sempre exigiu uma educação


para as regras e normas estabelecidas. Por isso, tanto a ética quanto a moral surgem
como parte integrante ao processo de educação (Paideia) grega, cujo objetivo era a
formação dos indivíduos para a vida política, consoante à vida em sociedade. Hoje
podemos dizer que a instituição educacional é uma das mais importantes e responsáveis
pela formação ética do indivíduo, para exercer o papel de cidadão membro da sociedade.
Mas, será que a instituição educacional tem conseguido desempenhar seu papel na
formação integral do indivíduo como um membro da sociedade?

Nos últimos anos muito se tem discutido sobre a importância da ética no processo formativo
dos indivíduos para vida em sociedade, que tem sido objeto de discussão de muitos
filósofos, educadores e teóricos de diversas áreas do conhecimento. Particularmente,
esse debate tem se intensificado por vários motivos, merecendo aqui destacar, entre
vários outros, o desafio da educação formar indivíduos que sejam, ao mesmo tempo,
reflexivos e autônomos, porém sem a perda dos laços de solidariedade social.

Esse fator tem concorrido para ampliar a reflexão sobre a relação entre ética e educação
com vistas para o caráter social de ambas, considerando-as como um processo por
meio do qual se dá o próprio processo de constituição dos humanos. Nessa perspectiva,
partimos da ideia de que a educação contribui para que os homens construam suas
relações buscando referência nos valores defendidos na vida social, os quais ganham
consistência em contextos sócio-históricos específicos. Nesse sentido, o objetivo desta
aula é desenvolver alguns aspectos da relação entre ética e educação, como elementos
que concorrem para a educação concebida como prática social.
Curso de Licenciatura em Filosofia

3.2 Ética e Educação no mundo grego

A ética na educação, além de formar, também constrói o indivíduo, permitindo que o


mesmo se compreenda como um membro da sociedade, assumindo, dessa forma, as
responsabilidades que lhe cabem como cidadão. A ética não é apenas uma teorização

33
do agir moral, ela é uma prática, sobretudo reflexão, que está vinculada diretamente
à ação humana na sociedade. Logo, ela é vivenciada em contextos diferentes na
sociedade, como por exemplo, no político, no social, no econômico e no educacional.
Assim, contribui de uma forma abrangente no que se refere a uma perspectiva coletiva
e não puramente individual.

Desde os gregos aprendemos que a ética inserida na educação desenvolve no indivíduo


a capacidade de estabelecer relações entre esses conhecimentos e habilidades,
orientando-o para a prática da cidadania, que será o elemento fundamental para o
equilíbrio social, em vista de uma sociedade justa.

3.3 Ética e moral: genealogias e definições conceituais

Etimologicamente, a palavra ética vem da palavra grega ethos, cuja grafia é concebia
de dois modos em uso: no primeiro, ethos era usado para designar o “modo de ser”
ou “caráter” do indivíduo; no segundo, referia-se aos “costumes” ou “hábitos” comuns
praticados. Criada pelos filósofos gregos no século VI a.C, o ethos representava o lugar
que abrigava os indivíduos cidadãos responsáveis pelo destino da polis. Nessa morada,
os homens sentiam-se em segurança. Isso significa que, vivendo de acordo com as
leis e os costumes, os indivíduos poderiam tornar a sociedade melhor e encontrar
nela sua proteção, seu abrigo seguro. A ética aparece, assim, como resultado das
leis determinadas pelos costumes e das virtudes e hábitos gerados pelo caráter dos
indivíduos. Os costumes representam, então, o conjunto de normas e regras adquiridas
por hábito, enquanto a permanência destes define a caráter virtuoso da ação do sujeito.
A excelência moral seria não apenas determinada pelas leis da cidade, mas também
pelas decisões pessoais que geram as virtudes e os bons hábitos.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Saiba Mais!
Os gregos utilizavam a palavra polis para se referir a cidade ou ao Estado. Antenas ficou
muito famosa por ter sido a principal cidade grega a desenvolver a Filosofia e junto com
e ela a política. É interessante, ainda observar, o termo política também foi gerado da
palavra polis. A política para os gregos era uma atividade muito importante e deveria ser
exercida por todas os cidadãos. Assim, o conceito de cidadania, além de estar ligado ao
conceito de ética, também se refere a atividade política.

34
O ethos grego, mais tarde traduzido pelos romanos, passou a corresponder ao termo
latino mos (mores), do qual deriva o termo moral. Ética e moral são palavras que
significam, em sua origem, a mesma coisa, pois dizem respeito ao modo como os
indivíduos devem agir em relação ao outro no espaço em que vivem. Entretanto, hoje
podemos estabelecer uma diferença entre ambas, pois a ética se constitui como uma
parte da filosofia que trata da reflexão sobre a moral em geral, ou da moralidade de
cada ser humano, em particular. A ética é para muitos, definida como a “ciência da
moral” (VÁSQUEZ, 2011).

Isso significa que a moral aparece atualmente como um objeto de reflexão da ética.
Desse modo, enquanto à ética compete estudar os elementos teóricos que nos
permitem entender a moralidade do sujeito, a moral diz respeito à esfera da conduta,
do agir concreto de cada um. Podem-se resumir tais diferenças da seguinte forma: a
ética revela-se como reflexão (theoria), já a moral diz respeito à ação (práxis).

3.3.1 Ética: individualidade, coletividade e educação

O mundo do ethos envolve a individualidade (subjetividade) e a coletividade


(intersubjetividade) dos seres humanos dotados de sentimento (pathos) e razão (logos).
Nesse sentido, a prática do bem ou da justiça estaria ligada ao respeito às leis da polis
(heteronomia) e à intenção individual (autonomia) de cada sujeito. Isso significa que
existem fatores externos (a lei, os costumes) e internos (as convicções, os hábitos) que
determinam o comportamento dos cidadãos. Nesse sentido, a moral, definida como
um conjunto de regras, princípios e valores que determinam a conduta do indivíduo,
teria sua origem nas virtudes ou ainda na obrigação de o sujeito seguir as normas que
disciplinam o seu comportamento.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Saiba Mais!
Na Filosofia grega, o termo virtude assume um papel muito importante, pois designa
um tipo de qualidade que exige dos indivíduos a capacidade de realizar uma ação
ou atividade com excelência. Na ética, na política e na educação a virtude é o que
deferência a atividade nobre de uma atividade qualquer. Uma ação é considerada
virtuosa quando é praticada com excelência, quando expressa a máxima qualidade
do indivíduo que a desenvolve, ligado à noção de cumprimento do propósito ou da
função a que o indivíduo se destina.

35
A necessidade que impõe a cada ser humano o dever de respeitar os costumes e as
normas da sociedade revela a importância que o ethos, ou aquilo que hoje chamamos
de moral, assume em nossas vidas. Como o homem, em seu agir moral, é, ao mesmo
tempo, produto da natureza e da cultura, o ethos (ou moral), segundo alguns pensadores
gregos (Platão, Aristóteles, Epicuro), serviria para regular os apetites humanos e
controlar as suas inclinações e instintos mediante o uso da razão (logos). Eis porque
ela surge quando o homem supera sua natureza instintiva e se torna membro de uma
coletividade regida por leis racionais.

Ora, para tais filósofos, nenhuma comunidade humana pode sobreviver sem o mínimo de
regras ou padrões de comportamento, ou seja, sem um código de condutas. O referido
código normativo representa os ensinamentos que orientam nossas ações diante do
mundo e, sobretudo, em face do outro. A ética, com efeito, trata do comportamento do
homem, da relação entre a sua vontade e a obrigação de seguir uma norma, do bem e
do mal, do que é justo e injusto, da liberdade e da necessidade de respeitar o próximo.
A ética, enquanto campo de estudo e reflexão, revela que nossas ações têm efeitos na
sociedade e que cada homem deve ser livre e responsável por suas atitudes.

Todavia, no mundo grego a boa conduta poderia também ser determinada pela
educação (Paideia), na medida em que o processo educacional forneceria as regras
e ensinamentos capazes de orientar os julgamentos e decisões dos indivíduos
no seio de sua comunidade. Com os gregos, a educação se configura como um

Saiba Mais!

É comum considerar que há dois períodos na história da educação grega: o período


antigo, que compreende a educação homérica e a educação antiga de Atenas e de
Esparta, a Paideia, e o novo período, o da educação do "Século de Péricles". Período
áureo da cultura grega, ele inicia-se com os sofistas e desenvolve-se com os filósofos/
educadores Sócrates, Platão e Aristóteles.
Seguir-se-á depois o período helenístico, de decadência política, em que a Grécia
Curso de Licenciatura em Filosofia

é conquistada, primeiro pelos Macedónios e depois pelos Romanos. Atenas perde,


então, a sua posição de centro cultural do mundo em favor de Alexandria.
O modelo educativo que existia em Atenas antes do aparecimento dos sofistas, por
volta do séc. V a.C., era a Paideia. O seu ideal residia numa educação humanista,
não especializada nem marcadamente técnica. A Paideia era entendida como cultura
geral, ou formação geral que convinha ao homem, enquanto homem livre e cidadão.

Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/sofistas/
educativo.htm

36
elemento fundamental para a constituição da Figura 13 – Educação grega
sociabilidade. Assim, enquanto os costumes
determinam as normas e valores a serem
seguidas e transmitidas pelos sujeitos morais,
à educação se impõe como um importante
instrumento para o desenvolvimento moral do
indivíduo. Isso porque, no universo da polis, as Fonte: https://1.bp.blogspot.com/-KjsWdWkU-
virtudes que determinam a excelência moral 8VA/XI1FR7n96PI/AAAAAAAAOLQ/539seafV-
v9A_1GUV1OB0q2zuz20QZEz-wCLcBGAs/
dos agentes sociais poderiam ser transmitidas s1600/paideia.jpg
pelos ensinamentos.

A educação estaria, por conseguinte, na base do esforço para fazer do indivíduo um


homem bom e do sujeito um cidadão exemplar. A formação moral serve também de
auxílio à formação do indivíduo em sua dimensão política. Assim, o ethos não apenas
representa o instrumento fundamental para a instauração de um viver em conjunto,
serve também de alicerce à construção do espaço da política. Disso se conclui que
ética e política são atividades que se relacionam e se complementam, mas também
a educação e sociedade, à medida que o foco da educação é a prática social, como
veremos.

3.4 Sentido e alcance da educação como prática social

Tão importante quanto à ética para os gregos antigos, a educação ocupa lugar central
no que diz respeito ao processo de formação integral dos indivíduos. Mas hoje podemos
dizer que a instituição educacional é uma das e, talvez, a mais importante responsável
pela formação ética do indivíduo para exercer o papel de cidadão membro da sociedade.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Mas, será que a instituição educacional tem conseguido desempenhar seu papel na
formação integral do indivíduo como um membro da sociedade? E o que seria educação,
nesse processo? Qual o papel eminente da educação para a sociedade?

Do ponto de vista etimológico, a palavra latina educare é a raiz do vocábulo educação


(como hoje o entendemos), e significa o ato de alimentar ou criar. Nesse sentido,

37
educação pode ser compreendida apenas como instrução ou mera aquisição de
informações (alimentar o outro com informações), sem uma reflexão crítica do
conhecimento acumulado.

Em uma segunda acepção, educação significa a formação integral do ser humano


(educere) sendo, assim, o processo que indicaria o pleno desenvolvimento das
potencialidades do homem. Esse outro sentido implica considerar o educando como
um sujeito ativo que faz parte de determinado grupo social, e que acumula, sistematiza
e reelabora conhecimentos, levando em conta as relações que estabelece com os
demais membros desse mesmo grupo. Nessa perspectiva, a educação pode ser
concebida como uma prática social que ocorre em um contexto histórico, de forma
relacionada à maneira como os homens produzem sua própria existência, possuindo
múltiplos sentidos e alcances para o indivíduo e a coletividade.

De fato, em sentido amplo nenhum indivíduo escapa da educação, pois ela ocorre em
todos os espaços sociais, sendo um deles o escolar. Assumindo um real significado para
os grupos humanos que o vivenciam, a educação revela um caráter eminentemente
social, considerando o contexto no qual se realiza. Nessa lógica, segundo Rodrigues
Brandão em O que é educação (1996, p. 23), ela “[…] é um dos principais meios de
realização de mudança social ou, pelo menos um dos recursos de adaptações das
pessoas, em um mundo em mudança […]”.

Também é relevante destacar que, como prática social, a educação sempre está
fundada em uma visão de mundo, de conhecimento, e de homem. Essa visão assume
um caráter de transformar ou não frente à realidade social, o que acaba por influenciar
diretamente o processo formativo dos indivíduos. Assim, sempre há uma intencionalidade
na prática pedagógica, bem como nas ações de professores e alunos. Essas ações são
orientadas por concepções que se originam em função de determinados condicionantes
de natureza política, econômica, social, cultural etc.
Curso de Licenciatura em Filosofia

Mergulhada em avanços tecnológicos e científicos de grande alcance, a sociedade


contemporânea é marcada por perplexidades e incertezas diversas. Todavia,
paradoxalmente, essa mesma sociedade convive com um expressivo crescimento
de problemas graves, que assustadoramente assombram o viver comum da grande
maioria das pessoas. Cotidianamente, deparamo-nos com manchetes sobre violência,

38
incluindo violência física, intrafamiliar, moral, psicológica, sexual, sem falar nos
constantes números de homicídios, e outros tantos acontecimentos que nos fazem crer
que vivemos em tempos difíceis e assustadores. Além disso, os tempos não são apenas
difíceis no que corresponde ao aumento exponencial da violência. São tempos difíceis
também pelo agravamento das desigualdades sociais, pela deterioração de nosso
sistema ecológico, pelas relações confusas que constituem um mundo globalizado e
individualista. Enfim, pela ditadura do prazer regida pelo consumismo desenfreado da
idolatria do mercado.

Dentre estes problemas, podemos mencionar ainda questões diversas, como: as


discussões sobre justiça social tanto no âmbito nacional quanto no mundial; as políticas
relativas aos direitos dos grupos particulares ou marginalizados; questões acerca das
leis da imigração, dos asilos para idosos e dos direitos dos estrangeiros; a permissão
ou não permissão da eutanásia; os direitos dos animais; os avanços da ciência e da
tecnologia, entre outras que, efetivamente, assolam o mundo de hoje. Neste contexto,
cabe-nos perguntar: O que significa educar? Que valores éticos devem ser defendidos
em um mundo que, de repente, ficou pequeno e globalizado, considerando o avanço
do conhecimento e suas repercussões sobre a vida das pessoas?

Para refletir

Propor analisar a relação entre Ética e Educação em um encontro de escolas, de


educadores e educadoras traz interrogações como:
• A formação ética da infância, da adolescência, da juventude faz parte da formação
humana? Faz parte da Educação?
• De quem é a responsabilidade social, política, pedagógica da formação ética? Das
famílias, das escolas, da docência, da sociedade ou do Estado?
• A função das escolas, dos currículos, dos docentes seria apenas instruir, capacitar
no domínio das competências necessárias ao domínio dos conhecimentos, das
ciências…?
Curso de Licenciatura em Filosofia

Perguntas como essas reforçam a convicção de que, no mundo atual, a educação


vê-se diante de diversos problemas, frente aos quais precisa se posicionar de forma
crítica. Dentre esses problemas, merecem destaque a formação para a cidadania
plena, a necessidade do respeito à diversidade cultural, a democratização tanto
da sociedade quanto do próprio espaço escolar e o combate à violência.

39
Figura 14 – Ética e Educação

Fonte: https://escolascritique.com.br/kritike/wp-content/
uploads/2018/09/michal-parzuchowski-224092-unsplash-
1024x680.jpg

Particularmente, em relação ao último item, Marilena Chauí (2000) enfatiza que os atos
de violência cometidos contra os homens se caracterizam como ações que retiram dos
indivíduos sua autonomia, coisificando-os, desumanizando-os. Situando o debate no
âmbito da formação cultural brasileira, a autora ressalta que nossa sociedade revela
também diversas formas de violência simbólica que,

[...] marcada pela estrutura hierárquica do espaço social que determina a forma
de uma sociedade fortemente verticalizada em todos os seus aspectos: nela, as
relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relação entre um
superior, que manda, e um inferior, que obedece. As diferenças e assimetrias são
sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência.
O outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é
reconhecido como subjetividade nem como alteridade (CHAUÍ, 2000, p.89).

Considerando esse cenário, é fundamental que as políticas públicas definidas para a


Curso de Licenciatura em Filosofia

educação, no país, invistam, cada vez mais, em ações que estabeleçam e consolidem
a relação educação e cidadania, bem como em outros temas a ela relacionados como
democracia, justiça, solidariedade e autonomia. Mas o que é cidadania? Como formar
um cidadão? Para a primeira pergunta, podemos sinalizar, ainda que provisoriamente,
que cidadania é algo complexo, que vai além da mera formalidade: trata-se, na

40
verdade, de um processo político. Quanto à segunda pergunta, Coutinho (1994, p. 2)
nos esclarece que, para formar um cidadão, a educação precisa atualizar “[...] todas
as possibilidades de realização humanas abertas pela vida social em cada contexto
historicamente determinado”.

No Brasil, do ponto de vista legal, a formação para a cidadania é um dos princípios


e fins da educação nacional. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei
nº 9.394/96 – trata a questão nos seguintes termos:

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de


liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

No mundo moderno, a educação formal tem ficado sob a responsabilidade social de uma
instituição específica – a escola. Devido à amplitude do seu trabalho, essa instituição
tem exercido um papel fundamental na vida individual e coletiva das pessoas. Portanto,
numa visão emancipatória e crítica do saber, a escola precisa constituir-se em um
espaço social que crie oportunidades visando permitir a ampliação e consolidação da
cidadania dos atores que a vivenciam.

A escola, de fato, institui a cidadania. É ela o lugar onde as crianças deixam de


pertencer exclusivamente à família para integrarem-se numa comunidade mais
ampla em que os indivíduos estão reunidos não por vínculos de parentesco ou
de afinidade, mas pela obrigação de viver em comum. A escola institui, em outras
palavras, a coabitação de seres diferentes sob a autoridade de uma mesma
regra (CANIVEZ, 1991, p.33).

Nessa mesma perspectiva, a escola tem a importante função de contribuir para


fortalecer a democracia. É o compromisso com a democratização de suas práticas
que contribui para que ela seja, de fato, um espaço público, e a configura como um
local que reconhece a necessidade do respeito à percepção do outro, “[...] num mundo
Curso de Licenciatura em Filosofia

social intersubjetivamente partilhado” (HABERMAS, 2004, p. 109).

Trata-se de defender, portanto, uma educação escolar que efetivamente contribua para
ajudar os indivíduos a reconhecer o outro, respeitando suas diferenças. Para tanto, é
preciso que os professores tenham como preocupação básica a formação integral dos
seus alunos, articulando duas grandes dimensões – moral e intelectual – com vistas ao
desenvolvimento da autonomia do indivíduo.

41
Na perspectiva filosófica de Kant (1985), a autonomia dos sujeitos corresponde
à conquista da sua maioridade intelectual e moral. É por meio de uma consciência
autônoma, que os indivíduos sabem resolver problemas diversos, desenvolvendo uma
reflexão própria. Para tanto, é preciso utilizar conhecimentos e não apenas informações,
e apoiar-se em princípios éticos e não apenas em vivências que, muitas vezes, podem
não traduzir os valores morais do coletivo.

Sem dúvida, toda educação exige, em alguma medida, o diálogo entre os sujeitos que
realizam. Assim, a ética torna-se indispensável, sobretudo, porque pode contribuir para
o processo de humanização dos homens, considerando os valores que norteiam suas
condutas.

SOUSA, José Vieira de. Ética e Educação: que relação é esta?. Disponível em: http://
docplayer.com.br/18907445-Etica-e-educacao-que-relacao-e-esta.html. Acesso em: 3
dez. 2019.

Para refletir

O que significa educar? Que valores éticos devem ser defendidos em um mundo que,
de repente, ficou pequeno e globalizado, considerando o avanço do conhecimento e
suas repercussões sobre a vida das pessoas?

Embora possamos tratar de Ética, Educação e Sociedade como temas distintos, até
mesmo pela natureza específica dos problemas com que poderiam abordar, importa
observar a relação fundamental que as desenvolvem em vista do processo de formação
do ser humano de modo geral. Sem dúvida alguma, a ética, desde o seu nascimento,
torna-se um importante componente para a educação humana, com foco na vida social.
Atuando junto ao campo da moral, como conjunto de normas, princípios e valores,
que determinam as condutas sociais dos indivíduos, mais do que isso, à ética pode
Curso de Licenciatura em Filosofia

proporcionar uma reflexão sobre as próprias normas, e determinar aquilo que será
considerado o bom e o melhor para todos, em uma sociedade cujos princípios orientam
à vida justa.

Em sociedades como as nossas, em constantes transições de valores, dominadas pela


era tecnológica e assombradas pela violência, mais do que nunca, a educação, seja ela

42
do ponto de vista institucional ou intrafamiliar, deve manter um foco na formação ética,
da qual, se deverá buscar o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos, valorizando
bens como a liberdade, a democracia, a política, a justiça e, preparando os indivíduos
para a vida coletiva, por onde brotam grande parte dos problemas sociais.

A educação é ponto de partida para que todos os indivíduos alcancem e desenvolvam


suas potencialidades de seres humanos, cuja liberdade é a vitória da consciência
bem formada e instruída, sobretudo em sociedades em constante transição, como
as nossas. A ética, nesse sentido, torna-se uma importante aliada da educação, pois
são imprescindíveis suas contribuições para o desenvolvimento da consciência dos
sujeitos, que não só aprendem a se situar no tempo e no espaço, como também se
tornam sensíveis às necessidades do outro. A reflexão ética deve priorizar, portanto, a
construção de valores que preservem a igualdade e, sobretudo a justiça nas relações
humanas, de modo a reger a vida em sociedade observando o sentido comum nas
práticas e ações humanas.

RESUMO

Nesta Unidade, apresentamos alguns elementos da reflexão sobre a ética e sobre a


educação, buscando demonstrar como ambas se articulam no plano da sociedade.
Foi pontuado um estudo introdutório da ética, enquanto reflexão filosófica, abordando
como ela pode contribuir para pensar a educação a partir dos seus problemas dentro de
nossa sociedade. Neste sentido, verificou-se que, se, a educação cumpre a função de
formar os indivíduos para a vida em sociedade, a ética se apresenta como fundamental
Curso de Licenciatura em Filosofia

e indispensável para a educação, na medida em que ela tem por objetivo refletir sobre
as questões ligadas ao comportamento humano, buscando compreender que tipo de
sujeitos e de sociedade que desejamos. Viu-se, assim, que, entre ética e educação há,
portanto, uma relação de convergência natural.

43
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. de Antônio de Castro Caeiro. São Paulo:
Atlas, 2009.

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bossi e Ivone Castilho. 5.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. 38. ed. São Paulo: Brasiliense,
1996.

COUTINHO, Carlos Nelson. Cidadania e modernidade. Palestra proferida na Embratel,


Rio de Janeiro, 20 maio 1994, Mimeo.

CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? São Paulo: Papirus, 1991.

GALLO, Sílvio (coord.). Ética e cidadania: caminhos da filosofia: elementos para o


ensino de filosofia. 11. ed. Capinas, SP: Papirus, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JAEGER, W. W. Paideia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. 3. ed.


São Paulo: Martins Fontes, 1994.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70,


1985.

SOUSA, José Vieira de. Ética e Educação: que relação é esta?. Disponível em: http://
docplayer.com.br/18907445-Etica-e-educacao-que-relacao-e-esta.html. Acesso em: 3
dez. 2019.
Curso de Licenciatura em Filosofia

VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Escritos de filosofia II. Ética e cultura. São Paulo:
Edições Loyola, 1993.

VAZQUÉZ, Adolfo Sánchez. Ética. Trad. João Dell’Anna. 34. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.
44

Você também pode gostar