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FACULTAS PHILOSOPHIAE
Dissertatio ad Licentiam
Correlatores: Dr. Francisco Javier Calpe Melendres e Dr. Maher Shehata Said
Hanna
Romae 2019
1
Índice
Introdução ................................................................................................................... 3
Conclusão ................................................................................................................. 76
Bibliografia ............................................................................................................... 84
3
Introdução
1
Para uma visão geral da vida e obra de Guilherme de Ockham, indicamos: A. GHISALBERTI,
Introduzione a Ockham, Bari, 1991, p. 109-111.
2
Cfr. PORFIRIO, Isagoge, a cura di G. Grigenti, Milano, 2004, p. 57.
4
Aristóteles, por sua vez, diz que o universal se encontra na nossa alma, mas
também se encontra nas coisas, na realidade concreta. Ou seja, Aristóteles procura
fazer uma mediação entre o idealismo e o empirismo. O filósofo grego afirma que o
universal é o ser predicado de várias coisas, mas ao mesmo tempo ele não explica
em que modo o universal se encontra na realidade e na mente humana. Importante
observar, que em Aristóteles, se encontra também um platonismo resíduo.
Propondo uma visão crítica sobre o tema, afirmamos que a questão dos
universais não foi resolvida desde o início, porque, tanto os filósofos clássicos como
os medievais, deixaram questões sem solução, por desejo pessoal ou não. Questões
essas que deram origem a um debate frutífero e que continua atualmente. Podemos
afirmar que o tema dos universais, em seu fundamento, é uma questão não resolvida
e aberta, uma questão propriamente filosófica.
É importante também notar que cada filósofo tem o seu contexto histórico e
sua visão de pessoa e de mundo. Também por esse motivo se desenvolvem
diferentes visões sobre o tema dos universais. As questões se entrelaçam, o período
histórico muda, a cultura é outra.
3
Cfr. A. DE LIBERA, Il problema degli universali, da Platone fino al Medioevo, Firenze, 1999, p.
15.
6
abrange a dimensão do singular. Nota-se essa inserção também a partir das muitas
citações que Ockham faz dos filósofos que o antecederam. Podemos destacar:
Aristóteles (visto como auctoritas e chamado também de Filósofo), Porfírio, Tomás
de Aquino, Duns Scotus.
Os principais textos onde o filósofo inglês fala da questão dos universais são
a Summa Logicae e Expositio in Primum Librum Sententiarum. Nestas obras,
Ockham desenvolve o tema dos universais diretamente e com maior ênfase. Já nas
obras Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Quodlibeta Septem e
Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, ele aborda a questão dos
universais com menor ênfase. Os principais textos sobre os universais destas obras,
conforme nosso modo de ver, são comentados e apresentados neste trabalho.
Na tentativa de dar uma resposta à questão dos universais, que, como vimos,
atravessa praticamente toda a história da filosofia, Ockham rejeita o idealismo
platônico e o realismo aristotélico, apesar de alinhar-se mais ao segundo. Não aceita
também as ideias de Tomás de Aquino e de Scotus sobre essa questão. O filósofo
inglês rechaça toda a ideia de um universal existente nas coisas. Para ele, o
universal só existe na mente da pessoa humana. Ele é um conceito que ajuda a
explicar as coisas, a agrupá-las. E mesmo a ideia de universal, que significa muitas
coisas, é um singular, visto que é uma só.
Ockham não indica somente uma única teoria para explicar o universal.
Propõe algumas, e deixa a questão em aberto. A teoria que parece ser a mais
adequada, segundo o seu modo de ver, é a teoria do ato mental. O principal objetivo
de Ockham não é desenvolver uma grande teoria sobre os universais, mas afirmar
que fora da mente humana toda a realidade é singular.
7
4
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 386.
5
Cfr. T. DE ANDRÉS, El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del lenguaje,
Madrid, 1969.
6
A lógica é âmbito fundamental na filosofia de Ockham.
8
7
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, in Opera Philosophica I, ed. P. Boehner et al.,
New York, 1974, p. 65-67.
9
Ockham não exclui que nos seres se possa observar características comuns
ou possibilidades de agrupar os indivíduos em determinados grupos ou espécies.
Não é intenção do filósofo inglês negar este aspecto de universalização. Mas, para
ele, é sempre o singular o ponto de partida e o ponto de chegada de sua filosofia,
jamais o universal.
8
Russell, por exemplo, também desenvolve o tema. Cfr. B. RUSSELL, I problemi della filosofia,
Milano, 1988, p. 108-131.
9
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 6.
10
DE LIBERA, Il problema degli universali, 9, tradução própria.
11
Filósofo fenício que viveu entre os anos 233 e 305 d.C. Cfr. G. GIRGENTI, Introduzione, in
PORFIRIO, Isagoge, Milano, 2004, p. 51-53.
12
Caro Crisaorio, dado que para compreender a doutrina das categoria de Aristóteles,
é necessário saber que coisa sejam o gênero, a diferença, a espécie, o próprio e o
acidente, e dado que essa análise é basilar para a formulação das definições, e
contudo, por tudo aquilo que diz respeito à divisão e à demonstração, farei para ti
uma breve exposição em poucas palavras, na forma, por assim dizer, de um
Isagoge, daquilo que foi passado pelos antigos, deixando as questões mais
complexas e abordando em igual medida aquelas mais simples12.
12
PORFIRIO, Isagoge, 57, tradução própria.
13
ARISTOTELE, Topici, 101b, 24-24, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p. 1181,
tradução própria.
14
Cfr. ARISTOTELE, Topici, 101b e ss., 1179-1231.
15
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 16.
13
Te alerto logo que não abordarei o problema dos gêneros e das espécies: isto é, se
sejam por si subsistentes ou se sejam simples conceitos mentais; e, no caso que
sejam subsistentes, se são corpóreos ou incorpóreos; e, enfim, se sejam separados
ou se encontram nas coisas sensíveis, a essas inerentes; esse de fato é um tema
16
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 20.
17
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 26.
18
GIRGENTI, Introduzione, 26, tradução própria.
19
GIRGENTI, Introduzione, 30, tradução própria.
14
De onde vem então o “problema” que não só suscitou dez séculos de discussão,
mas permitiu o nascimento de teses filosóficas fortes e coerentes chamadas
“nominalismo” e “realismo”? Talvez do fato que “o problema dos universais” cobre
um nexo de questões que, no movimento complexo das exegeses de todo o
“corpus” aristotélico se cristalizaram em torno do Isagoge sem serem enunciadas.
Sobre este propósito, se deveria dizer que a árvore de Porfírio esconde uma floresta.
Essa é a tese aqui defendida23.
20
PORFIRIO, Isagoge, 57, tradução própria.
21
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 11.
22
Cfr. É. GILSON, La Filosofia nel Medioevo, Firenze, 1932, p. 31.
23
DE LIBERA, Il problema degli universali, 12, tradução própria.
15
questão já vem antes de Porfírio, ou seja, pode ser colocada justamente em Platão e
Aristóteles. De Libera explicita muito bem esse ponto quando afirma que Porfírio e
os filósofos medievais se remetiam a eles nos seus escritos24.
24
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 24-62.
25
DE LIBERA, Il problema degli universali, 28-29, tradução própria.
26
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 24-26.
27
ARISTOTELE, De interpretatione, 7, 17a, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p.
221, tradução própria.
28
ARISTOTELE, Analitici secondi II, 19, 100a, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p.
1075, tradução própria.
16
nenhum sujeito: ser humano, por exemplo, se diz de um sujeito, isto é, certamente
ser humano, mas não é em nenhum sujeito»29.
Leite Junior no seu livro sobre a questão dos universais indica também a
mesma dificuldade de interpretar Aristóteles. A noção de Aristóteles que foi
passada durante o período medieval é a perspectiva da lógica, da predicabilidade.
Essa perspectiva se encontra no texto de Metafísica: «O universal se diz aquilo que,
por sua natureza, pertence a uma multiplicidade de coisas»31. Apesar de se
encontrar nessa definição a distinção entre universal e singular, ela permite verificar
algumas ambiguidades. O “ser predicado de vários” se refere às coisas ou se refere
às palavras? A exposição de Aristóteles não é clara32.
29
ARISTOTELE, Categorie 2, 1a, 20-23, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p. 59,
tradução própria.
30
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 26-27.
31
ARISTOTELE, Metafisica, 1038 b, 11, in G. REALE, Introduzione, traduzione e commentario della
Metafisica di Arisotele, Milano, 2004, p. 347, tradução própria.
32
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 72-76 e LEITE JUNIOR, O problema dos universais,
21.
17
Já nos escritos de Platão, podemos afirmar que dois são os textos em que
aparecem com maior evidência a sua visão sobre os universais. De Libera aponta
como o primeiro texto o seu diálogo na obra Mênon. Nesse diálogo Platão interroga
sobre a essência das abelhas, já que elas são muitas e de diversos tipos. Mênon
responde que enquanto abelhas elas não se diferem em nada uma da outra:
Outro texto basilar é a ideia contida na obra Fédon, onde se encontra a teoria
da causalidade epônima das formas. Platão afirma que as formas existem e que são
coisas determinadas. Todas as outras coisas participam das formas e recebem o
33
Cfr. ARISTOTELE, Organon, 211.
34
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 23.
35
Cfr. PLATONE, Menone, 72a-72b, a cura di G. Reale, Milano, 2000, p. 79, tradução própria.
36
DE LIBERA, Il problema degli universali, 51.
18
nome delas: «Todas as outras coisas participam das Ideias e recebem o seu nome
das Ideias»37.
O sumo gênero é aquele acima do qual não pode existir algum gênero superior,
enquanto a espécie ínfima é aquela abaixo da qual não pode existir alguma espécie
inferior, outros são contemporaneamente gêneros e espécies, naturalmente em
relação a sujeitos diferentes. Clareamos esse discurso colocando como exemplo
uma categoria: A “substância” é essa mesma um gênero, a qual é subordinada a
espécie “corpo”; subordinada a “corpo” é “ser vivente”; a essa, ainda, é
37
PLATONE, Fedone, 102b, a cura di G. Reale, Milano, 2000, p. 239, tradução própria.
38
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 52-53.
39
DE LIBERA, Il problema degli universali, 52, tradução própria.
40
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 19.
41
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 37-42.
19
42
PORFIRIO, Isagoge, 67, tradução própria.
43
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 11-12.
44
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 34-35.
20
Mas nós podemos dizer sem fingimento que a árvore dos gêneros e das espécies,
independentemente de como é construída, explode em uma poeira de diferenças,
em um turbilhão infinito de acidentes, em uma rede não hierarquizável de qualia. O
dicionário (porque é tal modo que a árvore nos interessa hoje, e podemos olhá-lo
com distância numa “fissão” de um universo neoplatônico) se dissolve
necessariamente, por força interna, em uma galáxia potencialmente desordenada e
ilimitada de elementos de conhecimento de mundo. Portanto se transforma em uma
enciclopédia e se torna tal porque de fato era uma enciclopédia que se ignorava, ou
seja, um artifício inventado para mascarar a inevitabilidade da enciclopédia46.
45
GIRGENTI, Introduzione, 37, tradução própria.
46
U. ECO, L’antiporfirio, in Il pensiero debole, a cura di G. Vattimo - P. Rovatti, Milano, 2010, p.
73-74, tradução própria.
47
J. SARANYANA , Historia de la Filosofia Medieval, Pamplona, 1989, p. 141, tradução própria.
21
48
GILSON, La filosofia nel Medioevo, 31, tradução própria.
49
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 25.
50
Cfr. F. COPLESTON, Storia della Filosofia, Vol. II, Brescia, 1971, p. 185.
51
DE LIBERA, Il problema degli universali, 59, tradução própria.
22
Boécio encontra em tal maneira uma solução elegante ao problema aberto por
Porfírio, mas abre um espaço ainda mais problemático, sugerindo que uma mesma
coisa possa ser ao mesmo tempo singular e universal. Essa tese seria reformulada
ou rechaçada de uma ponta à outra no Medievo, e de qualquer maneira, abria a
estrada para uma série de paradoxos nos quais realismo e nominalismo
encontrariam, ao mesmo tempo, o próprio alimento e a razão última do próprio
dissenso. Mais ainda do que do problema de Porfírio, o impulso inicial da disputa
dos universais que explodiu no XII século latino derivou da solução de Boécio57.
52
Cfr. BOETHIUS, In Isagogen Porphyrii Commenta, Lipsiae, 1906.
53
Cfr. COPLESTON, Storia della filosofia, 183.
54
DE LIBERA, Il problema degli universali, 133, tradução própria.
55
Cfr. PEDRO LEITE, O problema dos universais, 37.
56
Nós decidimos não colocar Boécio nas correntes medievais do pensamento sobre o universal
porque foi ele que impulsionou o problema dos universais no Medievo, comentando o Isagoge e
propondo uma solução. Cfr. COPLESTON, Storia della filosofia, 184.
57
DE LIBERA, Il problema degli universali, 134, tradução própria.
23
Interessante a ideia que nos propõe De Libera sobre a visão dos realistas e
nominalistas, baseando sua ideia em Paul Spade58. Os realistas acreditam que
existem os universais no mundo, já os nominalistas não os vêem desse modo. E para
ilustrar essa ideia, ele dá o seguinte exemplo: Eu tenho diante de mim duas canetas
de cor preta. O realista vê uma só cor preta participada nas duas canetas. Uma só e
mesma cor, mesmo que sejam duas coisas distintas em lugares diferentes. Os
realistas acreditam no universal, como a pretidão, que participa de tantas coisas com
a mesma propriedade.
58
Paul Spade é especialista em história da filosofia medieval. A ideia de Spade se encontra em P.
SPADE, Introduction, in J. WYCLIF, On Universals, Tractactus de Universalibus, Oxford, 1985.
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 13.
59
Cfr. G. REALE – D. ANTISERI, Storia della Filosofia, Dalle origini a oggi, Vol. III, Milano, 2008,
p. 683-684; LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 27-30 e GIRGENTI, Introduzione, 35.
24
Esses gêneros e essas espécies que distinguem o mundo aristotélico estão no nosso
intelecto como praedicabilia, como predicados possíveis: cada ciência, em efeito,
25
60
P. VIGNAUX, La filosofia nel Medioevo, Bari, 1990, p.121, tradução própria.
61
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 367-390 e P. VIGNAUX, Nominalisme, in
Dictionaire de Théologie Catholique 11 (1931), Col. 719, p. 734-755.
62
Cfr. A. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, Milano, 1996, p. 90.
63
Para aprofundar a questão propomos: W. SARAIVA BORGES - P.LEITE JUNIOR, O antirrealismo
nominalista de Guilherme de Ockham, a partir do Comento de Isagoge a Porfírio, em Thaumazein
15 (2015), p. 59-73, Internet (25.09.2019):
https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/thaumazein/article/view/228/pdf_1
26
2 O singular em Ockham
64
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, in Opera Philosophica I, ed. P. Boehner et al., New
York, 1974.
65
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, Ordinatio, in Opera
Theologica II, ed. S. Brown, New York, 1970.
66
GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Prooemium, in
Opera Philosophica II, ed. A. Gambatese - S. Brown, New York, 1978.
67
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, in Opera Theologica IX, ed. J. C. Wey, New
York, 1980.
68
GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, in Opera
Philosophica II, ed. E. Moody, New York, 1978.
27
Ockham diz que é importante saber o que se entende por universal e por
singular e depois ele expõe a definição de cada um:
69
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 63.
70
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, XIV, 47-48. Reportamos a tradução dos textos
da Summa Logicae em WILLIAM OF OCKHAM, Seleção de textos, in Os Pensadores Vol. VIII:
“Tomás de Aquino, Dante, Duns Scot, Ockham”, tradução e notas de C. Lopes de Mattos. 1ª ed.,
São Paulo, 1973, p. 354-365.
28
Se é uma e não muitas, é numericamente una e todos a chamam assim. Se, porém,
uma substância é muitas coisas, ou são muitas coisas singulares, ou muitas coisas
universais. Na primeira hipótese, segue-se que uma substância seria muitas
substâncias particulares e, consequentemente, pela mesma razão, muitos homens
seriam a mesma substância; e então, ainda que o universal se distinguisse de
determinada coisa particular, não se distinguiria das coisas particulares. Se, porém,
uma substância fosse muitas coisas universais, tomemos uma dessas coisas
71
«Est autem primo sciendum quod ‘singulare’ dupliciter accipitur. Uno modo hoc nomen
‘singulare’ significat omne illud quod est unum et non plura. Et isto modo tenentes quod universale
est quaedam qualitas mentis praedicabilis de pluribus, non tamen pro se sed pro illis pluribus,
dicere habent quod quodlibet universale est vere et realiter singulare: quia sicut quaelibet vox,
quantumcumque communis per institutionem, est vere et realiter singularis et una numero quia est
una et non plures, ita intentio animae, significans plures res extra, est vere et realiter singularis et
una numero, quia est una et non plures res, quamvis significet plures res. Aliter accipitur hoc
nomen ‘singulare’ pro omni illo quod est unum et non plura, nec est natum esse signum plurium. Et
sic accipiendo ‘singulare’ nullum universale est singulare, quia quodlibet universale natum est esse
signum plurium et natum est praedicari de pluribus. Unde vocando universale aliquid quod non est
unum numero, - quam acceptionem multi attribuunt universali -, dico quod nihil est universale nisi
forte abuteris isto vocabulo, dicendo populum esse unum universale, quia non est unum sed multa;
sed illud puerile esset. Dicendum est igitur quod quodlibet universale est una res singularis, et ideo
non est universale nisi per significationem, quia est signum plurium». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Summa Logicae, 1, XIV, 48, tradução de C. Lopes de Mattos.
72
«Sic intentio animae dicitur universalis, quia est signum praedicabile de pluribus; et dicitur etiam
singularis, quia est una res et non plures res». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV,
49, tradução C. Lopes de Mattos.
29
73
«Si est una et non plures, est una numero; hoc enim ab omnibus vocatur unum numero. Si autem
aliqua substantia est plures res, vel est plures res singulares vel plures res universales. Si primum
detur, sequitur quod aliqua substantia esset plures substantiae singulares, et per consequens eadem
ratione aliqua substantia esset plures homines; et tunc, quamvis universale distingueretur a
particulari uno, non tamen distingueretur a particularibus. Si autem aliqua substantia esset plures
res universales, accipio unam istarum rerum universalium et quaero: aut est plures res aut una et
non plures. Si secundum detur, sequitur quod est singularis, si primum detur, quaero aut est plures
res singulares aut plures res universales. Et ita vel erit processus in infinitum vel stabitur quod nulla
substantia est universalis ita quod non singularis, ex quo relinquitur quod nulla substantia est
universalis». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XV, 50-51, tradução C. Lopes de
Mattos.
74
«Item, si aliquod universale esset substantia una, exsistens in substantiis singularibus, distincta
ab eis, sequeretur quod posset esse sine eis, quia omnis res prior naturaliter alia potest per divinam
potentiam esse sine ea; sed consequens est absurdum. Item, si opinio ista esset vera, nullum
individuum posset creari si aliquod individuum praeexsisteret, quia non totum caperet esse de
nihilo si universale quod est in eo prius fuit in alio. Propter idem etiam sequeretur quod Deus non
posset unum individuum substantiae adnihilare nisi cetera individua destrueret, quia si adnihilaret
aliquod individuum, destrueret totum quod est de essentia individui, et per consequens destrueret
illud universale quod est in eo et in aliis, et per consequens alia non manerent, cum non possent
manere sine parte sua, quale ponitur illud universale». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,
1, XV, 51, tradução C. Lopes de Mattos.
30
O filósofo inglês ainda indica duas outras razões para dizer que o universal
não é uma substância existente nos indivíduos: o indivíduo composto de universais
e a outra é o exemplo de Cristo:
Ademais, tal universal não poderia ser constituído por alguma coisa totalmente
exterior à essência do indivíduo; logo, seria da essência do indivíduo, e por
consequência o indivíduo se comporia de universais, e assim o indivíduo não seria
mais singular que universal. Igualmente, segue-se que alguma coisa da essência de
Cristo seria miserável e condenada, pois se aquela natureza comum existisse
realmente em Cristo existiria também realmente em Judas, e seria condenada; logo
existiria no Cristo, e no condenado, isto é, em Judas. Isto, porém, é absurdo75.
Disso tudo e de muitos outros textos vê-se que o universal é uma intenção mental,
capaz de ser predicada de muitas coisas. Isso também pode ser confirmado pela
razão. Com efeito, toda a gente reconhece que todo o universal é predicável de
muitas coisas; ora, só uma intenção mental ou um sinal voluntariamente instituído é
um universal76.
São dois argumentos que Ockham sustenta para afirmar que uma substância
não pode ser predicável de muitas coisas. Afirma Ockham:
Que a substância não possa predicar-se, vê-se pelo fato de que, na hipótese
afirmativa, a proposição se comporia de substâncias particulares, e
consequentemente, o sujeito estaria em Roma e o predicado na Inglaterra, o que é
absurdo. Do mesmo modo, uma proposição só pode estar na mente ou na palavra
falada ou escrita; ora, essas coisas não são substâncias particulares. Está certo,
75
«Item, tale universale non posset poni aliquid totaliter extra essentiam individui; esset igitur de
essentia individui, et per consequens individuum componeretur ex universalibus, et ita individuum
non esset magis singulare quam universale. Item, sequeretur quod aliquid de essentia Christi esset
miserum et damnatum, quia illa natura communis exsistens realiter in Christo et in damnato esset
damnata, quia in Iuda. Hoc autem absurdum est». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1,
XV, 51, tradução C. Lopes de Mattos.
76
«Ex quibus aliisque multis patet quod universale est intentio animae nata praedicari de multis.
Quod etiam ratione confirmari potest, nam omne universale, secundum omnes, est de multis
praedicabile; sed sola intentio animae vel signum voluntarie institutum natum est praedicari et non
substantia aliqua; ergo sola intentio animae vel signum voluntarie institutum est universale».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XV, 53, tradução C. Lopes de Mattos.
31
portanto, que nenhuma proposição pode ser composta por substâncias, pois é feita
de universais e estes não são, de maneira alguma, substâncias77.
Conquanto muitos vejam que o universal não é uma substância existente fora da
alma nos indivíduos e distinta realmente deles, pensam alguns que o universal está
de algum modo fora da alma nos indivíduos, ainda que não distinto realmente deles,
mas apenas formalmente. Dizem, então, que em Sócrates há uma natureza humana
contraída a Sócrates, por uma diferença individual, não distinta realmente dessa
natureza, mas formalmente. Logo, a natureza e a diferença individual não são duas
coisas, mas uma não é formalmente a outra78.
Mas essa opinião de Scotus sobre os universais é improvável e não pode ser
aceita, segundo Ockham. Para explicá-la, ele evidencia os seguintes argumentos79:
- Nas criaturas não pode haver alguma distinção qualquer fora da alma se as coisas
não são de fato distintas. A prova que ele dá para esse argumento é silogística:
Portanto, se entre esta natureza e esta diferença há uma distinção qualquer, precisa
haver coisas realmente distintas. Provo a menor em forma silogística: Esta natureza
não se distingue formalmente desta natureza; ora, esta diferença individual
distingue-se formalmente desta natureza; logo, esta diferença individual não é esta
natureza80.
- O segundo argumento exposto por Ockham é que uma coisa não pode ser
comum e própria ao mesmo tempo. A tese contrária defende que a diferença
77
«Quod enim substantia non sit nata praedicari patet, quia si sic, sequeretur quod propositio
componeretur ex substantiis particularibus, et per consequens subiectum esset Romae et
praedicatum in Anglia, quod absurdum est. Item, propositio non est nisi in mente vel in voce vel in
scripto; igitur partes eius non sunt nisi in mente vel in voce vel in scripto; huiusmodi autem non
sunt substantiae particulares. Constat igitur quod nulla propositio ex substantiis componi potest.
Componitur autem propositio ex universalibus, universalia igitur non sunt substantiae ullo modo».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XV, 53-54, tradução C. Lopes de Mattos.
78
«Quamvis multis sit perspicuum quod universale non sit aliqua substantia extra animam exsistens
in individuis, distincta realiter ab eis, videtur tamen aliquibus quod universale est aliquo modo
extra animam in individuis, non quidem distinctum realiter ab eis, sed tantum distinctum formaliter
ab eisdem. Unde dicunt quod in Sorte est natura humana, quae contrahitur ad Sortem per unam
differentiam individualem, quae ab illa natura non distinguitur realiter sed formaliter. Unde non
sunt duae res, una tamen non est formaliter alia. Sed ista opinio omnino improbabilis videtur mihi».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54, tradução C. Lopes de Mattos.
79
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54-56.
80
«Assumptum probo per formam syllogisticam sic. Ista natura non est distincta formaliter ab ista
natura; haec differentia individualis est distincta formaliter ab hac natura; igitur haec differentia
individualis non est haec natura». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54, tradução
C. Lopes de Mattos.
32
individual é própria, porém o universal é comum. Mas sendo assim, não se poderia
ter a diferença universal comum.
- O terceiro argumento diz que não podem ser atribuídas as mesmas coisas
opostas: comum e próprio são opostos. Portanto, não podemos afirmar que a
natureza individual e comum são a mesma coisa.
- O sétimo argumento diz que o que por nenhum poder pode competir a
muitos, pelo mesmo poder não pode ser predicável de muitos. Desse modo, se a
natureza for realmente a mesma que a diferença individual, não poder ser atribuída
a muitos e desse modo não será universal.
81
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 56.
33
Nas criaturas afirma o filósofo inglês, a distinção não é formal, mas real: As
coisas, os entes são realmente distintos. Conclui dizendo que tudo o que se pode
pensar de substancial de um ser existente é particular e simples:
Por isso devemos dizer com o Filósofo que na substância particular nada é
absolutamente substancial a não ser a forma particular e a matéria particular ou
alguma coisa composta dessas duas. Eis porque não se deve imaginar que em
Sócrates haja a humanidade ou natureza humana distinta de qualquer modo de
Sócrates, ao qual se adicionaria uma diferença individual que contraísse aquela
natureza. Na verdade, tudo quanto se pode pensar de substancial existente em
Sócrates será a matéria particular, ou a forma particular, ou alguma coisa composta
das duas: Por conseguinte, toda essência é quididade e qualquer coisa substancial,
desde que se trate de uma realidade extramental, é simples e absolutamente a
matéria ou a forma ou um composto das duas, ou uma substância imaterial
separada, conforme a doutrina dos peripatéticos82.
82
«Et ideo debemus dicere cum Philosophis quod in substantia particulari nihil est substantiale
penitus nisi forma particularis et materia particularis vel aliquid compositum ex talibus. Et ideo non
est imaginandum quod in Sorte sit humanitas vel natura humana distincta a Sorte quocumque
modo, cui addatur una differentia individualis, contrahens illam naturam, sed quidquid imaginabile
substantiale exsistens in Sorte vel est materia particularis vel forma particularis vel aliquid
compositum ex his. Et ideo omnis essentia et quidditas et quidquid est substantiae, si sit realiter
extra animam, vel est simpliciter et absolute materia vel forma vel compositum ex his, vel
substantia immaterialis abstracta, secundum doctrinam Peripateticorum». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Summa Logicae, XVI, 56-57, tradução C. Lopes de Mattos.
83
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 735-754.
84
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 88-97.
34
Em conclusão dessa questão, todos, que vimos, concordam dizendo que, uma
natureza, que, é de algum modo universal, ao menos em potência e incompleta,
existe realmente no indivíduo, ainda que alguns digam que é distinta realmente,
alguns que simplesmente formalmente, alguns que de nenhum modo a partir da
natureza da coisa, mas simplesmente segundo a razão ou pela consideração do
intelecto89.
85
Ockham dedica bem cinco questões (IV a VIII) ao problema dos universais nessa obra. Cfr.
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, 99-292. Os textos aqui
traduzidos são retirados do livro LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 83-154. Leite Junior
desenvolve a parte crítica do texto de Ockham.
86
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 89.
87
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 91.
88
«Omnes conveniunt quod universaliza sunt aliquo modo a parte rei, ita quod universaliza sunt
realiter in ipsis singularibus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum
Sententiarum, VIII, 266, tradução de P. Leite Junior.
89
«In conclusione istius quaestionis omnes quos vidi concordant, dicentes quod natura, quae est
aliquo modo universalis, saltem in potentia et incomplete, est realiter in individuo, quamvis aliqui
dicant quod distinguitur realiter, aliqui quod tantum formaliter, aliqui quod nullo modo ex natura
rei sed secundum rationem tantum vel per considerationem intellectus». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Scriptum in Librum Primum Sententiarum, VII, 225-226, tradução de P. Leite Junior.
35
Por isso digo que nenhuma coisa [existente] fora da alma, nem por si, nem por algo
acrescentado, real ou de razão, nem como queira que se a considere ou se a pense, é
universal; de modo que é tão grande a impossibilidade de que uma coisa [existente]
fora alma seja de qualquer maneira universal – senão por instituição voluntária,
como, por exemplo, esta palavra “homem”, que é uma palavra singular, é universal
– quanto é impossível que o homem por qualquer consideração ou conforme
qualquer ser seja um asno92.
Ockham afirma que toda a realidade fora da alma é singular, conforme ele
mesmo coloca no Livro VI: «Disso se segue, que toda coisa fora da alma é por si
mesma singular, de modo que ela mesma, sem nenhum acréscimo, é aquilo que
90
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 96.
91
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 735.
92
«Ideo aliter dico ad quaestionem quod nulla res extra animam, nec per se nec per aliquid
additum, reale vel rationis, nec qualitercumque consideretur vel intelligatur, est universalis; ita
quod tanta est impossibilitas quod aliqua res extra animam sit quocumque modo universalis - nisi
forte per institutionem voluntariam, quomodo ista vox ‘homo’, quae est vox singularis, est
universalis - quanta impossibilitas est quod homo per quamcumque considerationem vel secundum
quodcumque esse sit asinus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum
Sententiarum, VI, 248-249.
36
Assim, pois, como a casa imaginada, se aquele que a imagina, possuísse uma força
produtiva real, é um modelo para o artesão, assim aquela ficção seria um modelo
com respeito ao que imagina. E a isso se pode chamar de universal, porque é um
modelo e visa indiferentemente todos os singulares fora da alma e, por essa
semelhança no ser objetivo, pode supor pelas coisas [isto é, pode estar no lugar das
coisas] fora da alma que têm existência inteiramente semelhante fora do intelecto97.
93
«Ex istis sequitur quod quaelibet res extra animam se ipsa est singularis, ita quod ipsamet sine
omni addito est illud quod immediate denominatur ab intentione singularitatis». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VI, 197.
94
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 139.
95
«Quamlibet istarum trium opinium reputo probabilem, sed qual earum sit verior relinquo iudicio
aliorum». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, VIII, 29.
96
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 141.
97
«Ita enim sicut domus ficta, si fingens haberet virtutem productivam realem, est exemplar ipsi
artifici, ita illud fictum esset exemplar respectu sic fingentis. Et illud potest vocari universale, quia
est exemplar et indifferenter respiciens omnia singularia extra, et propter istam similitudinem in
esse obiectivo potest supponere pro rebus extra quae habent consimile esse extra intellectum».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 272.
98
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 142 e GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in
Primum Librum Sententiarum, VIII, 291.
37
seja, o universal seria o próprio ato de conhecer99. É a teoria que Ockham assumirá
posteriormente. Ockham, então, abandona a teoria do conceito como imagem da
realidade externa para acentuar o caráter intencional do conhecimento por meio de
conceitos100.
Concluindo, Ockham afirma que não existe universal fora da alma, salvo
aquele instituído voluntariamente. O universal é predicável de muitos e existe
somente na mente humana103.
99
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 142 e GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in
Primum Librum Sententiarum, VIII, 291.
100
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 24.
101
«Conceptus e quodlibet universale est aliqua qualitas exsistens sibiective in mente, quae ex
natura sua ita est signum rei extra sicut vox est signum rei ad placitum instituentis». GUILLELMUS
DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 289.
102
«(...) est universalis per praedicationem non pro se sed pro rebus quas significat». GUILLELMUS
DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 290.
103
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 143.
38
existem somente na mente humana. Ao mesmo tempo, nesta obra, se pode observar
uma preferência pela teoria do ato mental104:
Poderia haver outra opinião, segundo a qual a paixão da alma [conceito], é próprio
ato do intelecto. E porque essa opinião me parece ser a mais provável de todas as
que estabelecem estarem subjetiva e realmente na alma estas paixões da alma,
como verdadeiras qualidades dela105.
104
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 143.
105
«Alia posset esse opinion, quod passio animae est ipse actus intelligendi. Et quia ista opinio
videtur mihi probabilior de omnibus opinionibus quae ponunt istas passiones esse subiective et
realiter in anima tamquam veras qualitates ipsius». GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum
Perihermeneias Aristotelis, VI, 351. tradução de C. Lopes de Mattos, em WILLIAM OF OCKHAM,
Seleção de textos, 367-368.
106
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, VI, 352.
107
«Breviter igitur ipsae intellectiones animae vocantur passiones animae et supponunt ex natura
sua pro ipsis rebus extra vel pro aliis rebus in anima sicut vocês ex institutione». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, VI, 352.
39
possibilidade de sê-lo, não podendo ser causado por outra coisa singular, ainda que
da mesma espécie108.
108
«Quia res extra animam quae non est signum tali cognitione primo intellegitur; sed omnis res
extra animam est singularis; igitur, etc. Praeterea obiectum praecedit actum proprium et primum
primitate generationis; nihil autem praecedit talem actum nisi singulare; igitur etc. Secundo dico
quod cognitio simplex própria singular et prima tali primitate est cognitio intuitiva. Quod autem
ista cognitio sit prima patet, quia cognitio singularis abstractiva praesuponit intuitivam respectu
eiusdem obiecti et non econverso. Quod autem sit propria singulari patet, quia immediate causatur
a re singulari vel nata est causari, et non est nata causari ab alia re singulari etiam eiusdem speciei».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, I, q.13, 73.
109
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 19.
110
«Tertio dico quod cognitio prima abstractiva primitate generationis et simplex non est cognitio
propria singulari sed est cognitio communis aliquando, immo semper». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, I, q.13, 74.
111
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, I, 13.
40
112
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, I, 8-16.
113
Para ver a evolução do pensamento de Ockham sobre os universais consultar: V. RICHTER, Zu
Ockham Entwicklung in der UniversalienFrage, in Philosophisches Jahrbuch, 82 (1975), p. 177-
187.
41
Vista como uma ponte, a filosofia medieval se divide em dois grupos rivais: um, o
grupo dos ockhamistas, manipula a navalha, enquanto a outra, dos barbudos,
aparam os pêlos. Sobre este tema, parece que tudo já foi dito por Quine, quando
propõe de “fazer a barba de Platão com a navalha de Ockham”. A característica
distintiva do ockhamismo é então constituído do antiplatonismo? Nada de mais
incerto. O horizonte teórico de Ockham é dado pelo aristotelismo e pela filosofia do
seu tempo116.
114
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 89.
115
Para aprofundar a questão ver: C. PANACCIO, Guilherme de Ockham e a perplexidade dos
platônicos, Internet (30.04.2019):
https://www.revistas.usp.br/discurso/article/download/68255/pdf_79/
116
DE LIBERA, Il problema degli universali, 367, tradução própria.
117
DE LIBERA, Il problema degli universali, 367-368, tradução própria.
42
Não existe forma nem matéria comum a duas coisas singulares. Por isso, segundo
Ockham, existe generalização somente através da significação. Esse é um ponto
capital, e que consente sozinho de colocar Ockham no debate sobre os universais119.
Na Summa Logicae120, Ockham define o universal como aquilo que pode ser
predicado de mais coisas. O que interessa para Ockham é o conceito, o universal
natural, não tanto a questão do universal convencional, ou seja, aquele que é
instituído voluntariamente. Desse modo se há três características do universal: a) é
singular enquanto signo e universal enquanto conceito, b) é um signo natural
(conceito) e não convencional (uma palavra). c) é uma pura abstração porque a
realidade é feita somente de entes individuais, particulares121.
118
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Sententiarum, VIII, 290.
119
DE LIBERA, Il problema degli universali, 368, tradução própria.
120
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV, 48.
121
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 48.
122
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 368.
43
123
MÜLLER, La logica di Ockham, 50, tradução própria.
124
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus I, 14-16 ed
OCKHAM, Summa Logicae, XIV, 48.
125
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 407-408.
126
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in primum Librum Sententiarum, IV, 108.
44
Crítica ao realismo sutil: o realismo sutil, tese elaborada por Duns Scotus,
defende que a natureza comum a causa de um acréscimo torna-se natureza
individual. Scotus elabora a teoria da distinctio formalis: afirmando que as coisas
são singulares, mas que a natureza das coisas não é somente singular. Nelas existem
aspectos pelas quais as coisas se assemelham e se distinguem umas das outras,
chamada de natura communis. E é ela que fundamenta o universal. Ockham rejeita
essa opinião e afirma que a singularidade é a essência do indivíduo e não existem
realidades distintas nele: é tudo indiviso. Ockham admite a opinião de Scotus
somente no âmbito trinitário: um ser divino em três pessoas distintas.
127
Para aprofundar a questão, sugerimos o texto: DE URMENETA, Actitudes del tomismo y del
ockhamismo ante los problemas de lo singular y lo universal, in Sapientia, 18 (1963) p. 122-126.
128
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 52-57.
129
Para um aprofundamento da questão ver: MÜLLER, La logica di Ockham, 49-104 e DE ANDRÉS,
El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del linguaje,
130
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 57.
45
que é o universal. Ele pode ser inserido no debate sobre os universais, mas muda a
perspectiva. É o que afirma também Leite Junior:
A resposta que Ockham propôs para a questão dos universais move-se no campo da
probabilidade. Parece que o mais importante não é determinar o modo de existência
do universal in anima, quanto seu esforço em recusá-lo como existente extra
animam. Ockham admite a existência do universal na mente enquanto intelecto que
gera um conceito confuso, a partir da similitude das próprias coisas singulares131.
Desse modo temos uma mudança de perspectiva. A ideia não é mais partir do
universal ao singular, mas do singular ao universal. Portanto, o problema dos
universais não é mais um problema metafísico:
O problema dos universais perde toda valência metafísica: dos universais resta
estabelecer como se formam na nossa mente e qual realidade ou natureza possuem.
Uma semelhante impostação do problema é revolucionária respeito àquela
tradicional porque não se pergunta mais como do universal se chega ao singular,
mas como do singular se chega ao universal135.
131
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 154.
132
Essa teoria é bastante estudada atualmente, ver: C. PANACCIO, Ockham on Concepts, Wiltshire,
2004. e The Cambridge Companion to Ockham, a cura di P. Spade, Cambridge, 2000.
133
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XIV, 48.
134
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 70, tradução própria.
135
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 71, tradução própria.
46
Segundo aquilo que foi analisado até aqui, podemos afirmar que o singular é
o ponto de partida e o ponto de chegada da filosofia de Ockham no debate sobre os
universais. Os universais são reduzidos a signos mentais. Vemos que o singular é
presente em todos os âmbitos da filosofia de Ockham. A nossa intenção não é
desenvolver todos esses âmbitos, mas observar que o singular está presente em cada
um deles.
136
O. TODISCO, Guglielmo d’Occam, filosofo della contingenza, Padova, 1998, p. 105, tradução
própria.
137
J. MERINO, Storia della filosofia francescana, Milano, 1993, p. 345.
138
«Quod omnis res extra animam est realiter singularis et una numero». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Scriptum Librum Primum Sententiarum, VI, 196.
47
139
P. ALFÉRI, Guillaume d'Ockham, le Singulier, Paris, 1989, p. 29, tradução própria.
140
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 347.
141
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV, 48.
142
ALFÉRI, Guillaume d'Ockham, le Singulier, 33, tradução própria.
143
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 3, q.2, XXVII, 554.
144
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 348-349.
48
2.3.2 Lógica
Como tudo aquilo que opera, pelo fato que pode errar em suas operações e em seus
atos, tem necessidade de um princípio diretor, pois que a inteligência humana, na
aquisição da ciência e de sua perfeição própria, procede necessariamente do
desconhecido para o conhecido, pois que sobre esse princípio diretor ela pode errar
de múltiplos modos, é necessário descobrir uma arte, graças à qual ela distinga com
evidência o discurso verdadeiro do falso, para poder, enfim, discernir com certeza o
verdadeiro do falso. Ora, essa arte é a Lógica e é por tê-la ignorado, como atesta o
Filósofo I da Física, que numerosos dos antigos caíram em erros diversos147.
145
MERINO, Storia della filosofia francescana, 379, tradução própria.
146
Para aprofundar o tema, ver: MÜLLER, La logica di Ockham e GHISALBERTI, Guglielmo di
Ockham, 37-63.
147
«Quoniam omne operans, quod in suis operationibus et ectibus potest errare, aliquo indiget
directivo, et intellectus humanus in adquirindo scientiam et suam perfectionem ab ignotis ad nota
discurrit necessario, circa quod directivum errare potest multipliciter, necesse fuit aliquam artem
inveniri per quam evidenter cognosceret veros discursus a falsis, ut tandem posset certitudinaliter
inter verum et falsum discernere. Haec autem ars est logica, propter cuiús ignoriantiam, testante
Philosopho Pysicorum, multi antiqui in errores vários devenerunt». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Expositionis in Libros Artis Logicae, Prooemium, in Opera Philosophica II, ed. E. Moody, New
York, 1974, p. 3, tradução em LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 99.
148
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 738.
49
149
MÜLLER, La logica di Ockham, 49, tradução própria.
150
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 40.
151
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Primum Sententiarum, 30.
152
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 64-67.
50
não é uma realidade, ele reproduz, significa a realidade. É uma imagem mental dos
objetos singulares extramentais153.
153
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 64-73.
154
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 360.
155
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 362-364.
156
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum Librum Primum Sententiarum, VII, 228.
51
2.3.5 Teologia
Questão essa que Ockham coloca como sendo essencial: para formarmos um
conceito de Deus, o mesmo deve ser predicado primeiramente das criaturas e deve
poder ser predicável de Deus. Ao Homo viator é possível formar tal conceito,
através da univocidade, ideia já desenvolvida por Duns Scotus. A raiz da
univocidade é conceitual, porque Deus e as criaturas são extremamente diversos em
sua essência, mas convergem pelo fato de serem recordados por um mesmo signo
mental159.
157
DE ANDRÉS, El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del lenguaje, 70-73.
158
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 90.
159
GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 27.
160
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 127
52
Apesar de indicar tal prova da existência de Deus, Ockham diz que não
podemos demonstrar filosoficamente a existência do Deus Trinitário: Este nos é
dado através da Revelação162. Desse modo, vemos que também no âmbito da
teologia racional de Ockham, o ponto de partida é o conhecimento intuitivo, o
singular.
161
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 138.
162
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 140-143.
53
Para Ockham, a pessoa humana é vista como uma realidade unitária de corpo
e de alma. Ele afirma que existe pluralidade de formas na pessoa humana, mas, ao
mesmo tempo, o ser humano é uma realidade unitária. Na visão antropológica, pode
se observar que Ockham dá ênfase ao aspecto da singularidade de cada pessoa e, de
igual modo, ao singular existente em cada ser humano: pluralidade de formas em
cada pessoa e pluralidade de seres existentes. Ockham não elabora uma
antropologia sistemática, porém é possível traçar as linhas da sua antropologia164.
163
Preferimos utilizar neste trabalho o termo singular. Nos textos ockhamistas, encontram-se os
termos indivíduo, particular, entre outros. Seguimos a visão de ALFÉRI, Guillaume D’Ockham, Le
singulier.
164
O. LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, in Revista Española
de Filosofia Medieval, 13 (2006), p. 47, Internet (07.05.2019):
https://www.academia.edu/31801358/El_hombre_una_singularidad_en_el_universo_f%C3%ADsic
o_ockhamista_por_Olga_LARRE, tradução própria.
54
Sobre essa diferença colocada, interroga-se o filósofo inglês: Quem dos dois
há razão? Ele responde que, na verdade, nenhum deles. Para ser completa a
definição de homem deve compreender o gênero “homem”, mas também tantas
diferenças quantas são as partes essenciais da pessoa humana166:
165
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 5, XV, 538-542.
166
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195-196.
167
«Si diffiniamus hominem sic: homo est substantia composita ex corpore, et anima intellectiva;
ista est diffinitio naturalis, et isti termini obliqui: corpore et anima intellectiva, exprimunt partes rei.
In diffinitione autem metaphisicali non ponitur aliquis terminus in obliquo. Sed genus ponitur in
recto et similiter differentiae exprimentes partes essentiales rei definitae. Exemplum: ista definitio
hominis sic: homo est animal rationale, haec diffinitio est metaphisicalis. Similiter haec: substantia
animata sensibilis, ubi omnes termini ponuntur in recto. Et quamvis tales praedicantur in recto de
diffinito, tamen exprimunt partes essentiales rei diffinitae. Non tamen supponunt pro illis partibus,
sed praecise pro toto composito ex illis partibus. Sicut album exprimit albedinem et tamen non
supponit pro albedine, sed tantum pro subiecto albedines. Differentiae autem positae in diffinitione
naturali exprimunt partes essentiales diffiniti et pro illis supponunt». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, 5, XV, in GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 193-194. Seguimos a tradução
de Ghisalberti, como também o original em latim usado por ele.
55
Ockham mostra também que os seres que pertencem a uma mesma espécie
não têm um princípio comum, uma natureza comum168. Eles somente podem ser
agrupados em uma determinada espécie, como signo mental, mas a ela não é uma
realidade existente nas coisas.
Não existe uma natureza comum aos indivíduos que pertencem a uma mesma
espécie. Ele rechaça toda ideia de um universal nas coisas. Desse modo, não existe
diferença entre termos como “homem” e “humanidade”. Eles, no fundo, são a
mesma coisa, pois em cada homem se encontra a sua própria humanidade.
Tal nome “humanidade” não significa nada se não uma natureza composta de corpo
e alma intelectiva não conotando que esta natureza é fundada por qualquer suposto.
O homem é uma composta de corpo e de alma intelectiva por nenhum suposto
sustentada, ou é qualquer suposto que sustenta tal natureza composta de corpo e
alma intelectiva170.
168
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 194-195.
169
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195.
170
«Hoc nomen “humanitas” nihil significat nisi naturam unam compositam ex corpore et anima
intellectiva non connotando, quod ista natura sustentetur ab aliquo supposito. Homo est natura
composita ex corpore et anima intelectiva a nullo supposito sustentata, vel est aliquod suppositum
talem naturam compositam ex corpore et anima intelectiva sustentans». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Summa Logicae, 1, VII, 24.
56
E, portanto, é um engano aquilo que dizem alguns, isto é, que do homem existe
uma definição lógica, uma natural e uma metafísica. Porque o lógico, por não tratar
do homem, não trata das coisas que não são signos, não pode definir o homem, mas
pode ensinar em que modo as outras ciências que tratam do homem devam defini-
lo172.
Sendo assim, o ato na qual uma pessoa aceita uma coisa e o ato com o qual
também pode rejeitar a mesma coisa, mostra que esses dois atos são dois contrários.
Mas é impossível que no mesmo sujeito possam existir dois contrários
contemporaneamente. Desse modo, existem duas formas distintas no ser humano.
Uma é a alma intelectiva e a outra é a alma sensitiva175.
171
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195.
172
«Et ideo trufaticum est illud, quod dicunt aliqui, quod hominis quaedam est definitio logicalis,
quaedam naturalis, quaedam metaphysicalis: quia logicus, cum non tractet de homine, eo quod non
tractat de rebus, quae non sunt signa, non habet hominem definire, sed habet docere, quomodo aliae
scientiae tractantes de homine ipsum definire debent». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,
1, XXVI, 77.
173
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM. Quodlibeta Septem, 2, X, 156-161.
174
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195-196, tradução própria.
175
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, X, 156-161.
176
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, XI, 162.
57
Desse modo, o corpo humano, que é a matéria em relação à alma, tem uma
atualidade e uma forma própria e que são independentes da alma. É desta maneira
que se pode ver a natureza do organismo, que se une a uma substância espiritual178.
O que faz com que o cadáver mantenha os seus traços originais que o
impedem de ser confundido com outros é a forma da corporeidade, ou seja, é o
princípio que permite a cada ser vivente uma unidade e característica peculiares,
que perduram por um tempo, mesmo depois da morte do ser vivo180.
177
Cfr. A. PETAGINE, Il fondamento positivo del mondo, indagini francescane sulla materia
all’ínizio del XIV secolo (1300-1330 ca.), Canterano, 2019, p. 149-154.
178
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 196.
179
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 196.
180
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 197.
181
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, XI, 162.
58
também a questão da unidade corpo e alma em Ockham, que segue a linha clássica
de pensamento. Mas, ao mesmo tempo, observa-se que ele dá uma intepretação
diferente daquela de São Tomás de Aquino e de Agostinho de Hipona. Tomás
sustentava que a alma é a forma substancial do corpo. Agostinho defendia que a
união da alma e do corpo se dá através da forma da corporeidade182.
Ockham, por sua vez, afirma que não se pode demonstrar a espiritualidade da
alma e, igualmente, não se pode demonstrar e que ela se une ao corpo de modo
substancial. Assim, também não é possível demonstrar que a alma sobrevive no
182
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
183
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
184
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
59
Se podemos conhecer a alma intelectiva por quanto não tenha forma corpórea...
Parece que sim, porque muitas coisas são atribuídas a uma só coisa a causa de
alguma propriedade comum que não é nem a sua forma, nem a sua matéria e nem
uma parte sua. Assim como dizemos que alguma coisa é atribuída a uma outra coisa
por causa do instrumento e do hábito e similares. Do mesmo modo dizemos que
este homem é um remador do remo, ou uma capinador da atividade de capinar. E
dizemos que este está vestido, calçado ou armado. E dizemos que aquele homem
machuca um outro homem porque os seus hábitos machucam o outro188.
185
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 199.
186
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 199, tradução própria.
187
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 197.
188
«Utrum possemus intelligere per animam intellectivam, quamvis non esset forma corporis...
Videtur quod sic, quia multa attribuuntur uni rei propter aliquam comunicationem idiomatum, quae
nec est forma, nec materia, nec pars eius; sicut dicimus aliquid attribui alteri propter instrumentum,
vel propter vestimentum et similia. Quemamdmodum dicimus istum hominem esse remigatorem a
remo, vel fossorem a fodiendo. Et illum dicimus esse vestitum, calciatum et armatum. Et dicimus
60
Através da experiência de nosso mundo interior nós não vemos que existe
uma forma imaterial e incorruptível. Também não podemos demonstrar que os atos
intelectivos dessa experiência sejam os atos dessa forma imaterial. A intelecção e o
querer poderiam derivar de uma forma do corpo que seja estendida e corruptível,
por exemplo. E mesmo que pudéssemos demonstrar que os atos intelectivos e
volitivos que experimentamos sejam uma substância imaterial, não poderíamos,
porém, afirmar que tal substância se une ao corpo como forma, porque também
poderia ser o motor190. Conclui Ockham:
Responderei no modo seguinte à razão natural, isto é, que nós fazemos experiência
do conhecimento em nós como ato da forma corruptível e corpórea. E se deveria
responder consequentemente que tal intelecção é recebida na forma estendida. De
outro lado, não fazemos experiência deste conhecimento que é operação própria da
substância imaterial, e, portanto, por conhecimento não concluímos que aquela
substância seja incorruptível em todas as coisas como a forma. E se fortemente
experimentaremos que este conhecimento está em nós, não poderíamos mais
concluir se não que esteja somente em nós como motor, não como uma forma191.
quod ille homo tetigit alium quia vestimenta sua tetigerunt alium». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, 1, X.
189
«Intelligendo per animam intellectivam formam immaterialem et incorruptibilem Ockham, quae
tota est in toto et tota in qualibet parte, non potest sciri evidenter per rationem vel experientiam
quod talis forma sit in nobis, nec quod intelligere talis substantiae proprium sit in nobis, nec quod
talis anima sit forma corporis. Quicquid de hoc senserit Aristotiles non curo, quia ubicumque
dubitative videtur loqui. Sed ista tria solum fide tenemus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta
Septem, 1, X.
190
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 198.
191
«Responderet sequens rationem naturalem, quod experimur intellectionem in nobis quae est
actus formae corruptibilis et corporeae. Et diceret consequenter quod talis intellectio recipietur in
forma extensa. Non autem experimur istam intellectionem quae est operatio propria substantiae
immaterialis, et ideo per intellectionem non concludimus illam substantiam incorruptibilem esse in
61
omnibus tamquam formam. Et forte si experimeremur istam intellectionem esse in nobis, non
possemus plus concludere nisi quod esset solum in nobis tamquam motor, sicut forma».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 1, X.
192
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 413-414.
193
«Quod hominis est tantum unum esse totale, sed plura sunt esse partialia». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, X, 161.
194
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 417-418.
195
«Potest tamen evidenter cognosci per experientiam, per hoc quod homo experitur quod
quantumcumque ratio dictet aliquid, potest tamen voluntas hoc velle vel non velle nel nolle».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 1, XVI, 88.
62
Já Ockham rejeita essa ideia e diz que não existe uma tendência natural da
vontade humana para o Bem Infinito e nem à felicidade em geral. A prova disso é
que existem pessoas que podem renunciar à felicidade. Assim, a liberdade é
“extremamente livre”, incondicionada: pode querer ou não querer a felicidade. À
liberdade nada pode ser ordenado199.
Ockham não rejeita a ideia de que é possível que o ser humano possa ter o
possesso da essência divina, porém essa não pode ser demonstrada filosoficamente.
É um dado de fé200. O que o filósofo inglês quer mostrar é que a pessoa humana não
quer necessariamente a felicidade perfeita, já que mediante o intelecto a pessoa
pode afirmar que é impossível conseguir alcançá-la.
196
MERINO, Storia della filosofia francescana, 418, tradução própria.
197
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 418.
198
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 7, XIV, 753-755.
199
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 418-419.
200
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 419.
201
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 3, I, 207-208.
63
No que diz respeito a relação entre a vontade e à razão num ato feito
voluntariamente, Ockham afirma que a vontade não deve necessariamente obedecer
à razão. Quem decide em última instância é a vontade, mesmo o intelecto propondo
e motivando o objeto à vontade. Para ser plenamente livre e ética, ela deve obedecer
à vontade divina, porque Deus é o Ser livre por excelência203. Neste sentido,
Ockham segue a escola franciscana, que vê na vontade a principal característica do
ser humano, e não no intelecto, como afirma São Tomás de Aquino.
3.1.2 O indivíduo
202
MERINO, Storia della filosofia francescana, 419, tradução própria.
203
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 419-420.
204
Para aprofundar a questão veja-se: M. DAMIATA, I problemi di Ockham, L’uomo, vol. IV,
Firenze, 1999.
64
Depois de ter falado sobre o universal, ocorre explorar em particular, a índole dos
cinco universais. Antes, porém, ocorre dizer alguma coisa acerca do indivíduo, que
é conteúdo sob qualquer universal.
É bom saber, antes de tudo, que para os lógicos esses nomes - indivíduo, singular,
suposto (suppositum) – são convertíveis, se bem que para os teólogos “indivíduo” e
“suposto” não é que a substância, enquanto o acidente é o indivíduo. Mas aqui,
neste capítulo, precisa-se usar estes termos no modo dos lógicos.
Ora, para o lógico o termo “indivíduo” é compreendido em três significados. De
fato, em um primeiro modo indivíduo é dito aquilo que é numericamente uno e não
mais, e entendido assim é lícito sustentar que cada universal é um indivíduo. Em
um segundo modo se diz indivíduo a coisa que está fora da alma, coisa que é uma e
não mais e que não é signo de alguma coisa; segundo esta acepção cada substância
é indivídua. Em um terceiro modo se diz indivíduo o signo próprio a uma coisa, que
é chamado termo discreto, e nesta acepção Porfírio diz que o indivíduo é aquilo que
se predica de um só. Mas esta última definição não se pode entender de uma coisa
existente fora da alma, por exemplo Sócrates, Platão e outros similares, porque uma
tal coisa não é predicável nem de um e nem de mais; por isso, precisa que seja dita
de qualquer signo próprio de uma coisa, signo que não pode predicar que de um só,
isto é, não vem predicado de algum convertivelmente, em modo de poder estar no
lugar (supponere) de muitos na mesma proporção.
Ora, um tal indivíduo pode ser indicado em três modos. De fato, às vezes é o nome
próprio de alguém, como este nome “Sócrates” e este nome “Platão”. Às vezes, é
um pronome demonstrativo, como por exemplo, “Aquele é homem”, indicando
Sócrates. Às vezes ainda é pronome demonstrativo que está junto a algum termo
comum, como por exemplo, “este homem”, “este animal”, “esta pedra” e assim se
diga dos outros.
E como se distingue em torno ao nome “indivíduo”, assim se pode distinguir acerca
dos nomes “singular” e “suposto”206.
205
Cfr. TODISCO, Guglielmo d’Occam, filosofo della contingenza, 241-242.
206
«His praemissis de universali dicendum est de quinque universalibus in speciali. Primo tamen
dicendum est de individuo, quod continetur sub quolibet universali.
Et est sciendum primo quod apud logicos ista nomina convertibilia sunt ‘individuum’, ‘singulare’,
‘suppositum’, quamvis apud theologos ‘individuum’ et ‘suppositum’ non convertantur, quia apud
eos suppositum non est nisi substantia, accidens autem est individuum. Sed in isto capitulo
utendum est istis nominibus illo modo quo logici utuntur eis.
Apud logicum autem ‘indiduum’ tripliciter accipitur. Nam uno modo dicitur individuum illud quod
est una res numero et non plures, et sic potest concedi quod quodlibet universale est individuum.
65
Na última acepção e a que mais é desenvolvida por Ockham, ele diz que o
signo mental próprio de uma coisa, também é individual, o chamado termo discreto.
Ele está na alma, e por isso é capaz de ser predicável de uma coisa. Esse signo
mental individual pode ser tomado em três modos: como nome próprio, como
pronome demonstrativo e como pronome demonstrativo acompanhado de um nome
comum.
Nos três modos expostos por Ockham, observamos que o signo mental se
refere em última análise ao individual, ao singular. Queremos sublinhar o primeiro
modo, que se refere ao nome próprio de alguém: “Sócrates”, “Platão”. Este nome
próprio sempre se refere a alguém particular, a uma pessoa ou a um ente. Apesar de
se encontrar na nossa mente como signo, como conceito, jamais ele se refere a um
universal, à ideia de humanidade, por exemplo. Os nomes próprios que usamos para
Aliter dicitur individuum res extra animam, quae est una et non plures, nec est signum alicuius; et
sic quaelibet substantia est individuum. Tertio modo dicitur individuum signum proprium uni, quod
vocatur terminus discretus; et sic dicit Porphyrius quod individuum est quod praedicatur de uno
solo. Ista autem definitio non potest intelligi de re exsistente extra animam, puta de Sorte et Platone
et huiusmodi, quia res talis non praedicatur de uno nec de pluribus, ideo oportet quod intelligatur de
aliquo signo proprio uni, quod non potest praedicari nisi de uno; hoc est non praedicatur de aliquo
convertibiliter, quod potest supponere pro pluribus in eadem propositione. Tale autem individuum
tripliciter potest assignari. Quia aliquod est nomen proprium alicuius, sicut hoc nomen ‘Sortes’ et
hoc nomen ‘Plato’. Aliquod autem est pronomen demonstrativum, sicut hic ‘hoc est homo’,
demonstrando Sortem. Aliquando autem est pronomen demonstrativum sumptum cum aliquo
termino communi, sicut ‘hic homo’, ‘hoc animal’, ‘iste lapis’, et sic de aliis. Et sicut distinguitur de
hoc nomine ‘individuum’, ita potest distingui de hoc nomine ‘singulare’ et de hoc nomine
‘suppositum’». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae 1, XIX, 65-67.
66
definir os entes são singulares e os entes, por sua vez, também o são. Os signos
mentais têm a sua base na singularidade e não na universalidade.
207
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIX, 65-66.
208
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 71-74.
67
Este conceito ockhamista do indivíduo significa, de fato, que a realidade nos é dada
somente pela simples presença de infinitos entes particulares entre os quais não é
mais possível a subordinação a um plano lógico universal e onde o indivíduo não é
mais a parte, nem a manifestação de um princípio, de uma ordem transcendente.
Individualitas, particularitas e unitas: eis os novos conceitos dos quais Ockham
começa a reivindicar o significado mais frutífero e dos quais se servirá como
melhores instrumentos na sua luta contra a tradição platonizante e as tendências
abstratas dos aristotélicos209.
Para Ockham temos que dizer que “Pedro é a sua humanidade”, porque ele entende
que se a humanidade de Pedro é individual e não geral, não pode ser mais que “este
homem”, e, portanto, vem a coincidir com o mesmo indivíduo (Pedro é
homem=Pedro é este homem). Porém este fato não exclui que tanto o nome próprio
Pedro, como o nome comum homem, que é concreto e não abstrato como
humanidade, incluam o todo individual, se bem que significando a essência, e,
portanto, não podem identificar-se com a parte que significam, porque supõem o
todo211.
Recordemos que para Ockham todos os indivíduos que pertencem a uma mesma
espécie não resultam compostos de uma natureza comum e de um princípio que
tornaria individual essa natureza, pois para Ockham o indivíduo é tal em todas as
209
C. VASOLI, Guglielmo d’Occam, Firenze, 1953, p. 101, tradução própria.
210
J. SANGUINETI, Individuo y naturaleza em Guillermo de Ockham, in Scripta Theologica 17
(1985), p. 853. Internet (07.05.2019): http://dadun.unav.edu/handle/10171/14655, tradução própria.
211
SANGUINETI, Individuo y naturaleza em Guillermo de Ockham, 859-860, tradução própria.
68
suas partes. Por conseguinte, entre os termos homem e humanidade não existe
diferença: ambos significam o mesmo. Se trata de termos sinônimos que expressam
uma mesma realidade: o termo homem designa uma natureza composta por um
corpo e uma alma intelectiva que se sustentam por si, enquanto que humanidade
significa a mesma natureza composta de corpo e alma intelectiva, sem especificá-la
como subsistente212.
Apesar desta distinção ser feita em âmbito lógico podemos afirmar que ela
engloba o âmbito antropológico. É na singularidade de cada pessoa que se encontra
a essência dela213.
212
LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, 52.
213
Cfr. ALFÉRI, Guillaume d'Ockham: le Singulier, 23.
214
Cfr. B. MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, vol. I, Dalle origini fino a Vico, Bologna,
2001, p. 12.
215
Por este motivo causa estranheza que a antropologia de Ockham não seja tratada no livro de
Freyer “Homo Viator”, onde Freyer aborda a visão franciscana dos principais filósofos e teólogos
franciscanos. Cfr. J. FREYER, Homo Viator, L’uomo alla luce della storia della salvezza,
Un’antropologia teologica in prospettiva francescana, Bologna, 2008.
69
No século XII não existe uma ciência autônoma sobre o homem. Esse é objeto de
estudo somente na sua relação com Deus. O conhecimento do homem e aquela de
Deus são estreitamente ligadas: trata-se de duas ciências inseparáveis, subordinada
uma à outra. Não existe, portanto, uma antropologia sem uma teologia216.
216
R. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, Assisi, 2014, p. 112, tradução
própria.
217
MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, 265, tradução própria.
218
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 122.
219
MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, 336, tradução própria.
70
Ockham é consciente deste aspecto do seu tempo. Como filósofo vemos que
ele se aproxima mais de Aristóteles, que afirma que o homem é composto de corpo
e alma e não há somente a alma, como vê Platão221. A partir dessa concepção
observa-se também um pensamento voltado mais para o empírico, a realidade
concreta.
Ockham recebeu toda uma longa e rica doutrina sobre o homem como realidade
unitária e, ao mesmo tempo, composta de elementos diversos e opostos. Em
coerência com seus princípios lógicos e ontológicos, analisou as diversas
interpretações de seu tempo, criticou-as e tratou de oferecer sua própria e pessoal
concepção sobre a realidade humana em seu ser e em seu agir223.
220
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 113.
221
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 367.
222
LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, 58, tradução própria.
223
MERINO, Storia della filosofia francescana, 411, tradução própria.
224
Cfr. MERINO, Storia della filosofia franciscana, 102.
71
O franciscano é uma pessoa que se aceita a si mesma tal como ela é. E no fato
psicológico e metafísico de aceitar-se e de dizer sim ao seu eu pessoal se abre às
suas próprias possibilidades pessoais e se dispõe a indefinidos encontros com o
não-eu. O encontro sincero e verdadeiro consigo mesmo é condição indispensável
para um encontro fecundo com os outros: com o outro e com o Outro. Somente a
pessoa pode estar disponível ao serviço de uma missão que o reclama e, às vezes, o
transcende225.
225
J. MERINO, Antropologia, in Manual de Filosofia Franciscana, Petrópolis, 2006, p. 221.
226
MERINO, Antropologia, 221-222.
227
ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 226, tradução própria.
72
O homem é visto por Francisco na sua unidade (dos dois componentes) não
somente quando são apresentados como obra de Deus, mas também quando são
considerados na sua pecaminosidade. Em diversos lugares ele afirma que os
pecados têm origem no interior da pessoa humana. O homem não é somente alma,
mas é alma e corpo, e em todos os derivados destes dois componentes230.
228
Cfr. A. PELLEGRINI, Scoto e Occam: “Persona” come progetto, em Miscellanea Francescana,
108 (2008), p. 95-96.
229
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 111.
230
ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano,122, tradução própria.
231
Para aprofundar o tema, indicamos O. TODISCO, Nella libertà la verità, Lettura francescana
della filosofia occidentale, Padova, 2014.
232
TODISCO, Nella libertà la verità, 138.
73
233
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae 1, XIX, 66.
234
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, q. II, X, 156-161.
74
Cada pessoa humana tem a sua própria essência, que não pode ser
universalizada, compreendida através da essência de outro ser. A pessoa humana é
constituída por partes e que formam uma pessoa única e irrepetível. Ockham, com a
sua antropologia do singular, coloca-se em continuidade com o pensar franciscano e
ao mesmo tempo radicaliza a questão da singularidade. Damiata afirma que para
Ockham: “O homem é antes de tudo um singular”237.
235
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, q. 1, XVI, 88.
236
MERINO, Antropologia, 219.
237
DAMIATA, I problemi di Ockham, L’uomo, 15.
238
MERINO, Antropologia, 214.
75
Conclusão
Guilherme de Ockham viveu nos séculos XII e XIII da Era Cristã. Como
filósofo franciscano, continuou a desenvolver as ideias dos pensadores da Ordem
dos Frades Menores, como Boaventura e Scotus, mas também propôs ideias novas.
Apesar de conflitos com a autoridade do papal, Ockham jamais deixou de
permanecer na Ordem e foi fiel aos princípios vividos e indicados por São Francisco
de Assis239.
239
O conflito com o Papa João XXII se deu por conta das acusações de heresia, motivadas por João
Lutterell, pelo qual Ockham devia depor e também por conta da discussão sobre a pobreza
evangélica, onde Ockham se alinha com Miguel de Cesena e outros franciscanos, rejeitando o
parecer do papa. Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 83.
77
240
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 12-14.
241
Veja-se, por exemplo, a filosofia de Hegel.
242
Veja-se, por exemplo, a filosofia de Foucault e Deleuze.
243
Os principais autores que seguimos são: DE LIBERA, Il problema degli universali e LEITE
JUNIOR, O problema dos universais.
78
244
Cremos que este seja um tema muito interessante e que, talvez, será fruto de um estudo
sucessivo.
245
Cfr. ALFÉRI, Guillaume D’Ockham, Le singulier, 29-65.
246
Cfr. Francisco de Assis, Cântico do irmão sol ou louvores das criaturas, em Fontes
Franciscanas e Clarianas. Petrópolis, 2004, p. 104-105.
79
247
Cfr. TODISCO, Nella libertà la verità, 65-221.
248
Basta notar que Ockham é conhecido como aquele que fez a separação entre teologia e filosofia
em âmbito filosófico durante a Escolástica. Para alguns historiadores, Ockham já deve ser situado
no Período Moderno. Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 7-36.
80
que conta, mas cada ente singular, cada pessoa: Sócrates, Platão, e todos os outros
seres existentes. O princípio e o ponto de chegada do conhecimento e da relação é o
singular.
A dimensão corpórea por muito tempo foi deixada à margem por parte da
pessoa humana. O que contava unicamente era a dimensão do espírito, do
intelectual. Cremos que isso se tenha dado muito por causa da influência do
platonismo e que Agostinho também desenvolveu em âmbito cristão. A ascese
extrema, o desleixo em relação ao corpo, era algo comum durante o Medievo e na
Modernidade249.
249
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 122-129.
81
Acreditamos que as ideias ajudam a mover o mundo. E elas não são estáticas.
Elas são construídas em um período histórico, mas ao mesmo tempo, atravessam a
História. Neste sentido, o desenvolvimento que Ockham faz do singular pode
também mostrar algo para o mundo de hoje.
250
Cfr. I. COLAGÉ, La scienza odierna verso l’uomo situato e pluridimensionale, in
Francescanismo e mondo attuale: stile di vita francescana. Miscellanea in onore di José Antonio
Merino Abad, OFM, a cura di A. Hernández Vidales, Roma, 2016, p. 101-130.
82
Ockham vai mais a fundo com sua filosofia, e convida a olhar cada pessoa
como singular, única. Ela mesma é a essência. Neste sentido, entrando em contato
com outro, somos convidados a fazer experiência desta essência irrepetível.
Conhecer Sócrates, Pedro, Maria. Todos os seres viventes, independentemente do
grupo em que podem ser conceituados, enquadrados, têm sua essência singular e
que é convidada a ser descoberta, experienciada.
descobrir a sua essência e não ser vista a partir do universal, como em um bloco
único, pre-conceituado.
251
Veja-se, por exemplo, o pensamento de Buber e Lévinas.
84
Bibliografia
Fontes
Edição crítica
Estudos
DE URMENETA F., Actitudes del tomismo y del ockhamismo ante los problemas de
lo singular y lo universal, in Sapientia, 18(1963) p. 122-126.
FREYER J., Homo Viator, L’uomo alla luce della storia della salvezza,
Un’antropologia teologica in prospettiva francescana, Bologna, 2008.
MONDIN B., Storia dell’Antropologia Filosofica, vol. I, Dalle origini fino a Vico,
Bologna, 2001.
PETAGINE A., Il fondamento positivo del mondo, indagini francescane sulla materia
all’ínizio del XIV secolo (1300-1330 ca.), Canterano, 2019.
REALE G. – ANTISERI D., Storia della Filosofia, Dalle origini a oggi, Vol III,
Milano, 2008.
TODISCO O., Nella libertà la verità, Lettura francescana della filosofia occidentale,
Padova, 2014.
ZAVALLONI R., L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, Assisi, 2014.
Sites