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PONTIFICIA UNIVERSITAS ANTONIANUM

FACULTAS PHILOSOPHIAE

Cláudio André Lottermann

O SINGULAR NA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA EM OCKHAM

Dissertatio ad Licentiam

Moderator: Dr. Ernesto Dezza

Correlatores: Dr. Francisco Javier Calpe Melendres e Dr. Maher Shehata Said
Hanna

Romae 2019
1

Índice

Introdução ................................................................................................................... 3

1 Status Quaestionis: O problema dos universais .................................................... 11

1.1 Os fundamentos da questão dos universais .................................................... 11

1.1.1 O Isagoge de Porfírio .............................................................................. 12

1.1.2 O nascimento do problema dos universais .............................................. 13

1.1.3 A visão sobre os universais em Aristóteles e Platão ............................... 14

1.1.4 A árvore de Porfirio e sua destinação ...................................................... 18

1.2 Os universais no Medievo .............................................................................. 20

1.2.1 Diversas perspectivas .............................................................................. 21

1.2.2 O Universal em Boécio ........................................................................... 22

1.2.3 O realismo e o nominalismo .................................................................... 23

2 O singular em Ockham .......................................................................................... 26

2.1 Os textos de Ockham sobre os universais ...................................................... 26

2.1.1 Summa Logicae ....................................................................................... 27

2.1.2 Scriptum in Librum Primum Sententiarum ............................................. 33

2.1.3 Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Quodlibeta e Expositio


in Librum Porphyrii de Praedicabilibus .......................................................... 37

2.2 Mudança de perspectiva: foco no singular ..................................................... 40

2.2.1 O modo como Ockham se insere na questão dos universais ................... 40

2.2.2 Conclusão: a prioridade é o singular ....................................................... 44

2.3 O singular perpassa toda a obra de Ockham .................................................. 46

2.3.1 Ontologia e Metafísica ............................................................................ 46

2.3.2 Lógica ...................................................................................................... 48


2

2.3.3 Teoria do conhecimento ou gnoseologia ................................................. 49

2.3.4 Filosofia da Linguagem ........................................................................... 50

2.3.5 Teologia ................................................................................................... 51

3 O singular na dimensão antropológica .................................................................. 53

3.1 Conceito de pessoa humana segundo Ockham............................................... 53

3.1.1 Antropologia ockhamista: Unidade tendo em conta as partes ................ 54

3.1.2 O indivíduo .............................................................................................. 63

3.2 Antropologia a partir do singular ................................................................... 68

3.2.1 Antropologia franciscana......................................................................... 68

3.2.2 O singular visto sob os olhos da antropologia: um novo paradigma


também para o mundo de hoje.......................................................................... 73

Conclusão ................................................................................................................. 76

Bibliografia ............................................................................................................... 84
3

Introdução

O singular na perspectiva antropológica em Ockham é o tema que


desenvolvemos no presente trabalho. A filosofia de Ockham dá ênfase ao singular.
Ele é um pensador plenamente inserido no seu tempo. Sem hesitar, ele confronta os
problemas filosóficos do século XIV, e fornece uma visão original em muitos
aspectos, conforme sua concepção franciscana de mundo e sua aguçada formação
lógica.

Ockham, também chamado de Venerabilis Inceptor, escreveu várias obras


filosóficas, dentre essas destacamos: o Comentário ao Primeiro Livro das Sentenças
de Pedro Lombardo e a Summa Logicae. As obras de Ockham escritas depois de
1330 tem um caráter primariamente político, devido aos conflitos que existiam
naquele tempo na Ordem dos Frades Menores e na Igreja1.

O tema do singular é desenvolvido por Ockham, em sua maior parte, no


âmbito do debate sobre os universais. O filósofo inglês expõe os argumentos de
outros filósofos e dá a sua própria resposta a este problema. Deste modo, pensamos
ser de grande importância para a nossa pesquisa colocar um status quaestionis, ou
seja, mostrar que a questão singular e universal iniciou muito antes de Ockham, já
com os filósofos clássicos.

O filósofo que pela primeira vez enfatizou de modo veemente o problema


dos universais foi o fenício Porfírio, na sua obra Isagoge. Nesta obra Porfírio
procura dar uma resposta à questão colocada nas Categorias de Aristóteles. A
questão é assim formulada pelo filósofo fenício: As categorias (gênero, espécie,
diferença, próprio e acidente) são realidades que se encontram na nossa mente ou
são realidades concretas?2

1
Para uma visão geral da vida e obra de Guilherme de Ockham, indicamos: A. GHISALBERTI,
Introduzione a Ockham, Bari, 1991, p. 109-111.
2
Cfr. PORFIRIO, Isagoge, a cura di G. Grigenti, Milano, 2004, p. 57.
4

A filosofia de Porfírio procura fazer uma mediação entre o platonismo e o


aristotelismo. Ele elabora uma resposta ao problema dos universais, mas parece que
em vez de clarear a questão, a torna ainda mais complicada e multifacetada, pois
deixa em aberto muitas interrogações, evitando de desenvolvê-las. Desse modo,
diversos filósofos medievais tentam dar uma resposta a este problema colocado pelo
fenício Porfírio.

Ainda na primeira parte do nosso trabalho, mostraremos que a questão dos


universais nos remete a Platão e a Aristóteles. Platão afirma que as ideias universais
são a fonte do verdadeiro conhecimento. Elas se encontram no mundo das ideias.
Podemos ter acesso a essas ideias através do nosso intelecto, que é a parte mais
importante do ser humano, segundo ele. A realidade concreta, empírica é somente
aparência e fonte de enganos.

Aristóteles, por sua vez, diz que o universal se encontra na nossa alma, mas
também se encontra nas coisas, na realidade concreta. Ou seja, Aristóteles procura
fazer uma mediação entre o idealismo e o empirismo. O filósofo grego afirma que o
universal é o ser predicado de várias coisas, mas ao mesmo tempo ele não explica
em que modo o universal se encontra na realidade e na mente humana. Importante
observar, que em Aristóteles, se encontra também um platonismo resíduo.

Boécio, filósofo que viveu no século V, traduz o Isagoge de Porfírio do


grego para o latim e retoma a questão dos universais colocada pelo filósofo fenício.
Boécio dá sua própria resposta ao problema, afirmando que os universais se
encontram nas coisas e na mente humana distintos formalmente. Boécio, por ter
retomado a questão deixada sem solução por Porfírio, elabora uma teoria que
influenciou todo o pensar sobre a questão durante o período medieval.

No Medievo foram vários os filósofos que escreveram sobre o tema dos


universais. Era uma questão muito importante e que se ramificava em muitos outros
argumentos e dimensões. A partir da interrogação colocada por Porfírio, os filósofos
̶ principalmente a partir do século XI, como Abelardo, Tomás, Scotus, Ockham –
procuram desenvolver a questão, dando a sua resposta e dialogando com os seus
5

antecessores. Os filósofos medievais recorriam muito aos autores clássicos, para


justificar os seus argumentos. Ao mesmo tempo, grande parte deles tinha uma forte
influência da visão cristã em sua filosofia.

Os históricos da Filosofia Medieval dividem os pensadores em correntes


filosóficas distintas, conforme a visão de cada um deles sobre os universais. Em um
modo suscinto são duas as correntes: realismo e nominalismo3. Estas por sua vez,
ainda podem ser subdivididas. Ockham é visto como nominalista ou conceitualista,
porque expõe que os universais são conceitos da mente humana e não vistas como
realidades subsistentes nas coisas.

Propondo uma visão crítica sobre o tema, afirmamos que a questão dos
universais não foi resolvida desde o início, porque, tanto os filósofos clássicos como
os medievais, deixaram questões sem solução, por desejo pessoal ou não. Questões
essas que deram origem a um debate frutífero e que continua atualmente. Podemos
afirmar que o tema dos universais, em seu fundamento, é uma questão não resolvida
e aberta, uma questão propriamente filosófica.

É importante também notar que cada filósofo tem o seu contexto histórico e
sua visão de pessoa e de mundo. Também por esse motivo se desenvolvem
diferentes visões sobre o tema dos universais. As questões se entrelaçam, o período
histórico muda, a cultura é outra.

Para exemplificar esta ideia, podemos afirmar que a bagagem filosófica de


Ockham é muito maior que a bagagem filosófica de Aristóteles, pois o tema dos
universais foi desenvolvido por muitos autores antes da reflexão do filósofo
franciscano. Por sua vez, Aristóteles, não recebeu tamanha reflexão, pois se
encontra ainda nos primórdios da Filosofia clássica.

Nesse sentido, desenvolvemos o status quaestionis no nosso trabalho,


mostrando que Ockham se insere plenamente no debate sobre os universais, quando

3
Cfr. A. DE LIBERA, Il problema degli universali, da Platone fino al Medioevo, Firenze, 1999, p.
15.
6

abrange a dimensão do singular. Nota-se essa inserção também a partir das muitas
citações que Ockham faz dos filósofos que o antecederam. Podemos destacar:
Aristóteles (visto como auctoritas e chamado também de Filósofo), Porfírio, Tomás
de Aquino, Duns Scotus.

Ockham se insere no debate sobre os universais, mas, ao mesmo tempo,


provoca uma ruptura, uma mudança radical: a reflexão de Ockham parte do singular
para chegar ao universal. O universal é simplesmente reduzido a um signo mental, a
um conceito da nossa mente. Essa questão se evidencia a partir dos textos
analisados nos quais ele aborda o tema.

Os principais textos onde o filósofo inglês fala da questão dos universais são
a Summa Logicae e Expositio in Primum Librum Sententiarum. Nestas obras,
Ockham desenvolve o tema dos universais diretamente e com maior ênfase. Já nas
obras Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Quodlibeta Septem e
Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, ele aborda a questão dos
universais com menor ênfase. Os principais textos sobre os universais destas obras,
conforme nosso modo de ver, são comentados e apresentados neste trabalho.

Na tentativa de dar uma resposta à questão dos universais, que, como vimos,
atravessa praticamente toda a história da filosofia, Ockham rejeita o idealismo
platônico e o realismo aristotélico, apesar de alinhar-se mais ao segundo. Não aceita
também as ideias de Tomás de Aquino e de Scotus sobre essa questão. O filósofo
inglês rechaça toda a ideia de um universal existente nas coisas. Para ele, o
universal só existe na mente da pessoa humana. Ele é um conceito que ajuda a
explicar as coisas, a agrupá-las. E mesmo a ideia de universal, que significa muitas
coisas, é um singular, visto que é uma só.

Ockham não indica somente uma única teoria para explicar o universal.
Propõe algumas, e deixa a questão em aberto. A teoria que parece ser a mais
adequada, segundo o seu modo de ver, é a teoria do ato mental. O principal objetivo
de Ockham não é desenvolver uma grande teoria sobre os universais, mas afirmar
que fora da mente humana toda a realidade é singular.
7

Desse modo, o filósofo franciscano rejeita todas as ideias realísticas


desenvolvidas antes dele, para colocar a sua ideia sobre a questão dos universais,
visto como uma posição que se inclui no nominalismo. Expomos, no presente
trabalho, os principais argumentos dos filósofos adeptos do realismo e, também, os
argumentos colocados por Ockham para dizer que não são aceitáveis.

Podemos afirmar que Ockham elabora uma teoria irrepetível sobre os


universais4. Rejeitando as teorias que afirmam que o universal se encontra nas
coisas (in re) ele situa o universal na mente humana. Ele é reduzido a um conceito,
um signo que está a significar muitas coisas. Deste modo, Ockham passa o
universal do âmbito da ontologia à filosofia da linguagem5.

Ockham, portanto, abraça a teoria do singular. Para ele a fonte primeira da


filosofia deve ser o singular. Mostraremos que o singular na filosofia do pensador
franciscano passa as principais dimensões: a começar pela dimensão da ontologia,
passando pela lógica6, teoria do conhecimento, filosofia da linguagem e teologia.
Podemos afirmar que a filosofia de Ockham é uma filosofia do singular.

A partir do desenvolvimento dos âmbitos pelos quais passa o singular, vemos


que ele passa também pela área antropológica. Importante notar, porém, que a
dimensão antropológica no tempo de Ockham não era vista como nos tempos de
hoje e, por sua vez, não tinha tamanha dimensão e particularidade como atualmente.
O ser humano era visto em sua relação com Deus. Era este o aspecto essencial no
Medievo.

Somente na Idade Moderna começou-se a dar mais ênfase à dimensão


propriamente humana, com grande desenvolvimento de muitas áreas
antropológicas, devido em grande parte, às ideias desenvolvidas no período do
Renascimento. Por sua vez, podemos observar nos dias de hoje, em um certo

4
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 386.
5
Cfr. T. DE ANDRÉS, El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del lenguaje,
Madrid, 1969.
6
A lógica é âmbito fundamental na filosofia de Ockham.
8

sentido, uma demasiada multifragmentação e a falta de uma visão unitária do ser


humano.

Desse modo, a antropologia de Ockham poderia também ser de


contribuição para a reflexão atual. O filósofo inglês afirma que o ser humano é uma
unidade, mas no qual subsistem diversas partes: intelectiva, sensitiva, corpórea. Ou
seja, na pessoa humana encontra-se uma pluralidade de formas, mas que formam
uma única pessoa humana. O ser humano é um ser unitário que é formado por
diversas formas. Também na pessoa humana vemos que existem diversas
singularidades.

Queremos, sobretudo, enfatizar no pensamento de Ockham a dimensão da


singularidade de cada ser humano. Para isso, partiremos do texto da Summa
Logicae7, onde ele afirma que o indivíduo não pode ser definido através do conceito
universal de espécie humana, de humanidade. Para ele, o ser humano não pode ser
visto a partir de uma visão abstrata e geral de humanidade: o conceito de
humanidade pode ser elaborado somente a partir do singular e deve retornar a ele.

Para explanar essa questão citaremos também outros textos ockhamistas


sobre a pessoa humana e sobre o indivíduo. É no singular que somos capazes de ver
a essência de cada ser humano e de cada criatura. O indivíduo é o princípio do
conhecimento e da relação.

A pessoa humana é vista no seu particular modo de ser, na sua singularidade,


a partir da experiência que se faz dela. Conforme toda a filosofia de Ockham,
também a pessoa não pode ser conceituada pelo universal na nossa mente, mas devo
partir da experiência. Exemplificando: para conhecer Sócrates, tenho que partir do
ente singular Sócrates, da minha experiência concreta dele, e do mesmo modo de
Platão e de todas as outras pessoas e seres existentes na face da terra. Afirma o
filósofo franciscano que a essência de Sócrates não tem nada a ver diretamente com
a essência de Platão. São duas humanidades diferentes.

7
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, in Opera Philosophica I, ed. P. Boehner et al.,
New York, 1974, p. 65-67.
9

Ockham não exclui que nos seres se possa observar características comuns
ou possibilidades de agrupar os indivíduos em determinados grupos ou espécies.
Não é intenção do filósofo inglês negar este aspecto de universalização. Mas, para
ele, é sempre o singular o ponto de partida e o ponto de chegada de sua filosofia,
jamais o universal.

A visão antropológica que consideramos é a visão franciscana. Ela afirma


que cada ser humano e cada ente do universo tem a sua singularidade, como ser
humano criado por Deus. Esse aspecto foi desenvolvido por outros pensadores
antes de Ockham, como Scotus, com a teoria da ultima solitudo, e no âmbito
teológico, por vários outros autores.

Partimos da visão franciscana de ser humano, mas também queremos mostrar


que, a partir da visão do singular desenvolvida por Ockham em área filosófica, ele
propõe uma ideia muito interessante para os dias de hoje: ideia essa que recupera a
visão do singular, da singularidade.

No presente estudo desenvolveremos o tema do singular em Ockham. Porém,


é fundamental levar em consideração que a questão do singular não se inicia com a
filosofia do Venerabilis Inceptor. O debate sobre os universais nasce com a filosofia
grega e continua durante a Filosofia Medieval. No primeiro capítulo da nossa
pesquisa colocaremos o assim chamado status quaestionis, ou seja, indicaremos os
textos fundadores do debate dos universais, bem como o seu desenvolvimento
durante o Medievo até chegar a Ockham, considerado por muitos a última grande
figura da filosofia medieval e a primeira grande figura da filosofia moderna. Devido
à amplitude e à complexidade do tema, explanaremos as questões que entendemos
serem basilares para a argumentação que desenvolveremos em seguida.

O tema do singular nas obras de Ockham é o que desenvolveremos no


segundo capítulo de nossa pesquisa. Em diversas obras do Venerabilis Inceptor se
encontra o tema da singularidade. Daremos ênfase a duas delas: a Summa Logicae e
a Scriptum in Librum Primum Sententiarum. Em seguida, mostraremos como se
10

insere na questão dos universais e como a singularidade é um aspecto presente,


como pano de fundo, em todo o pensamento de Ockham.

Já no capítulo terceiro vamos analisar como o singular perpassa a dimensão


antropológica, no pensamento de Ockham e em sua interpretação posterior.
Primeiramente, colocaremos o conceito de pessoa humana segundo Ockham, ou
seja, a antropologia ockhamista. Em seguida, indicaremos como o filósofo inglês se
insere na antropologia franciscana e como ele mesmo dá a sua contribuição peculiar
para a antropologia.
11

1 Status Quaestionis: O problema dos universais

Os pensadores da Idade Média foram aqueles que problematizaram e


propuseram soluções para a questão dos universais, mas ela pertence já à
Antiguidade e reúne em si o platonismo e o aristotelismo. No período medieval o
conflito continuou com o nominalismo e o realismo e este debate continua até hoje8,
ou seja, o tema dos universais perpassa toda a história da filosofia.

Mesmo que seja um tema que permeia toda a história da filosofia, é


importante compreender o contexto em que cada filósofo desenvolveu o tema, e que
não pode ser englobado superficialmente em um sistema9. Observa Alain de Libera:
«Antes que os medievais se perguntassem se os ‘universais’ fossem coisas,
conceitos ou palavras, os neoplatônicos se interrogavam se as categorias de
Aristóteles fossem entes (̓όντα), noêmas (νοήματα) ou sons vocais (ϕωναί)»10.
Entramos assim no ponto crucial do início do debate dos universais: O Comentário
às Categorias de Aristóteles feitas por Porfírio no seu Isagoge. Antes dessa obra o
debate sobre os universais era apenas latente.

1.1 Os fundamentos da questão dos universais

Em sua maioria, os historiadores colocam como ponto de partida o ingresso


do problema dos universais na filosofia com a obra Isagoge de Porfírio11. Ele é
discípulo do filósofo neoplatônico Plotino, e procura conjugar as ideias de Platão e
de Aristóteles. Deste modo, a sua filosofia pretende ser uma mediação entre a
filosofia platônica e aristotélica.

8
Russell, por exemplo, também desenvolve o tema. Cfr. B. RUSSELL, I problemi della filosofia,
Milano, 1988, p. 108-131.
9
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 6.
10
DE LIBERA, Il problema degli universali, 9, tradução própria.
11
Filósofo fenício que viveu entre os anos 233 e 305 d.C. Cfr. G. GIRGENTI, Introduzione, in
PORFIRIO, Isagoge, Milano, 2004, p. 51-53.
12

1.1.1 O Isagoge de Porfírio

Porfírio afirma que para entendermos as categorias de Aristóteles, é


fundamental compreender o que significa gênero, diferença, espécie, o próprio e o
acidente:

Caro Crisaorio, dado que para compreender a doutrina das categoria de Aristóteles,
é necessário saber que coisa sejam o gênero, a diferença, a espécie, o próprio e o
acidente, e dado que essa análise é basilar para a formulação das definições, e
contudo, por tudo aquilo que diz respeito à divisão e à demonstração, farei para ti
uma breve exposição em poucas palavras, na forma, por assim dizer, de um
Isagoge, daquilo que foi passado pelos antigos, deixando as questões mais
complexas e abordando em igual medida aquelas mais simples12.

As categorias (definição, característica peculiar, gênero e acidente) são


indicadas e comentadas por Aristóteles no livro I, dos Tópicos. Afirma o filósofo
grego: «É claro que os elementos [do método] ao todo são quatro, isto é: definição,
característica peculiar, gênero e acidente»13. Logo depois de indicados, Aristóteles
expõe o seu parecer e desenvolve cada um destes elementos14.

Leite Júnior nota que Porfírio comentando as Categorias de Aristóteles muda


o número das categorias e as redefine. Não aparecem mais as quatro vozes
aristotélicas, mas no texto de Porfírio são expostos os cinco predicáveis (quinque
voces) que são: o gênero, a espécie, a diferença, a característica peculiar e o
acidente. Ou seja, Porfírio acrescenta a espécie e a diferença e retira a definição15.

A obra Isagoge de Porfírio, conforme acenado, se situa na linha de


conjugação entre platonismo e aristotelismo. Apesar de ter um cunho lógico, na
obra aparece também o ponto de vista ontológico, bem como outras dimensões
filosóficas:

12
PORFIRIO, Isagoge, 57, tradução própria.
13
ARISTOTELE, Topici, 101b, 24-24, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p. 1181,
tradução própria.
14
Cfr. ARISTOTELE, Topici, 101b e ss., 1179-1231.
15
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 16.
13

Porfírio afirma que no início do Isagoge de querer considerar só o segundo


significado, isto é, o ponto de vista lógico, que é intermédio e conectivo entre os
outros dois: a lógica, de fato, inclui a gramática e se refere à ontologia. A ontologia,
depois, é mediada com a henologia. Isso significa que as categorias não são
somente articulações da linguagem, mas também do Ser; e, enfim, se são divisões
do Ser, são outrossim divisões do Uno, pois todos os significados do Ser, para
Porfírio, equivalem aos significados do Uno, nos vários níveis. E se bem que
Porfírio declare de deixar de lado as questões metafísicas, indicações nesse sentido,
como veremos, emergem em modo claríssimo no Isagoge16.

São diversas as interpretações do esquema de Porfírio desde a sua colocação


até hoje17. Observa-se nesse esquema o aristotelismo e o platonismo latentes: «No
Isagoge, Porfírio liga a relação entre os gêneros e as espécies à redução da
multiplicidade à unidade, religando-se expressamente à Platão»18.

A partir da observação que faz Girgenti podemos observar toda


complexidade do problema dos universais, como também ver que a dimensão lógica
não está separada das outras dimensões filosóficas. Porém, afirma Girgenti, que
durante a Idade Média a metafísica de Porfírio caiu no esquecimento:

No Medievo, entretanto, a metafísica de Porfírio caiu rapidamente no


esquecimento, depois da prevalência do aristotelismo sobre o platonismo, e,
portanto, o Isagoge foi lido exclusivamente segundo parâmetros lógicos e
ontológicos: deste modo, a questão dos universais foi reproposta em todas as suas
múltiplas soluções, em ótica também antiplatônica19.

1.1.2 O nascimento do problema dos universais

Porfirio não dá uma resposta definitiva ao problema dos universais. Ele


mesmo diz que “exigiria um aprofundamento muito maior”:

Te alerto logo que não abordarei o problema dos gêneros e das espécies: isto é, se
sejam por si subsistentes ou se sejam simples conceitos mentais; e, no caso que
sejam subsistentes, se são corpóreos ou incorpóreos; e, enfim, se sejam separados
ou se encontram nas coisas sensíveis, a essas inerentes; esse de fato é um tema

16
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 20.
17
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 26.
18
GIRGENTI, Introduzione, 26, tradução própria.
19
GIRGENTI, Introduzione, 30, tradução própria.
14

muito complexo, que necessita de outro tipo de investigação, muito mais


aprofundada. Me limito, em vez disso, a explicar de um ponto de vista lógico aquilo
que os antigos sustentaram sobre esses dois argumentos e sobre outros, sobretudo
os Peripatéticos20.

Observa-se que Porfírio na Introdução do Isagoge não cita a palavra


“universal”. Também não se evidencia a ligação existente entre a questão dos
universais e as Categorias de Aristóteles, que foram comentadas pelo próprio
Porfírio na mesma obra21.

A questão não levada em consideração por Porfírio, porém colocada no


início do Isagoge, é indicada por Gilson como o quadro em torno do qual surgiram
os debates posteriores sobre a questão do universal: os universais (gêneros e
espécies) são realidades subsistentes ou são simples concepções do intelecto? Se são
realidades subsistentes são corporais ou incorporais? Se são incorporais se situam
nas coisas sensíveis ou separadas das coisas sensíveis?22

Segundo De Libera a questão é ainda mais ampla, o problema se iniciou com


Aristóteles e com Porfírio, mas não se limita a ideia de deles. A árvore de Porfírio
esconde uma floresta:

De onde vem então o “problema” que não só suscitou dez séculos de discussão,
mas permitiu o nascimento de teses filosóficas fortes e coerentes chamadas
“nominalismo” e “realismo”? Talvez do fato que “o problema dos universais” cobre
um nexo de questões que, no movimento complexo das exegeses de todo o
“corpus” aristotélico se cristalizaram em torno do Isagoge sem serem enunciadas.
Sobre este propósito, se deveria dizer que a árvore de Porfírio esconde uma floresta.
Essa é a tese aqui defendida23.

1.1.3 A visão sobre os universais em Aristóteles e Platão

Como vimos, Porfírio na sua filosofia procura unir a filosofia de Aristóteles a


de Platão. Importante observar essa questão implícita e notar que a origem da

20
PORFIRIO, Isagoge, 57, tradução própria.
21
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 11.
22
Cfr. É. GILSON, La Filosofia nel Medioevo, Firenze, 1932, p. 31.
23
DE LIBERA, Il problema degli universali, 12, tradução própria.
15

questão já vem antes de Porfírio, ou seja, pode ser colocada justamente em Platão e
Aristóteles. De Libera explicita muito bem esse ponto quando afirma que Porfírio e
os filósofos medievais se remetiam a eles nos seus escritos24.

Portanto, os autores medievais recorriam às auctoritates. Quando falam da


questão do universal recorrem muito a Aristóteles, como uma das auctoritates.
Porém, em Aristóteles se apresenta um platonismo resíduo. E é esse ponto que dá
origem ao problema dos Universais:

À pergunta sobre a proveniência dos problemas filosóficos, se responderá desse


modo que provêm das estruturas conceituais estabelecidas nos enunciados
fundadores. A questão dos universais não nasceu do nada, como um arquétipo que
se teria manifestado de uma só vez no tempo. Foi um produto do aristotelismo - do
corpus de Aristóteles - da sua tradição interpretativa, e não de uma tradição
qualquer, mas daquela neoplatônica. O problema dos universais nasceu de
Aristóteles, da crítica aristotélica do platonismo, e do platonismo resíduo do
aristotelismo. Nasceu do confronto do corpus aristotélico com aquela das
Categorias que foram sempre um corpo estranho ao seu interno, das explicações de
Porfírio naquele Isagoge que se considerava uma introdução às Categorias25.

De Libera indica três textos de Aristóteles onde é formulado o problema dos


universais. Ele mostra que existe uma grande incoerência sobre o tema do universal
nesses textos26.

O primeiro texto é o De Interpretatione 7: «Universal é aquilo que por


natureza pode ser predicado de muitos»27. O segundo é o texto de Analíticos
Posteriores II, 19: «O universal em repouso na alma como uma unidade apesar da
multiplicidade, e que reside una e idêntica em todos os sujeitos particulares»28. O
terceiro texto, e de maior importância no debate, é o de Categorias 2 onde
Aristóteles define as substâncias segundas através do não-ser nas coisas, mas o ser
somente dito das coisas: «Alguns entes são ditos de um sujeito, mas não estão em

24
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 24-62.
25
DE LIBERA, Il problema degli universali, 28-29, tradução própria.
26
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 24-26.
27
ARISTOTELE, De interpretatione, 7, 17a, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p.
221, tradução própria.
28
ARISTOTELE, Analitici secondi II, 19, 100a, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p.
1075, tradução própria.
16

nenhum sujeito: ser humano, por exemplo, se diz de um sujeito, isto é, certamente
ser humano, mas não é em nenhum sujeito»29.

Sobre os dois primeiros textos podemos observar as seguintes incoerências:


Ou o universal é um termo e se encontra na mente como um conceito, mas então
não pode ser contido nos singulares, ou não é presente nas coisas mesmas e não é
uma realidade que se encontra no “repouso da alma”. E relacionando a afirmação do
texto de Analíticos Posteriores onde “o universal se encontra na alma e nas coisas”,
e o texto de Categorias 2 onde o universal se apresenta como “o não ser que se
encontra de algum modo nas coisas”, se observa também uma contradição.

Muitos autores sucessivos tentaram resolver essa incoerência nos textos


aristotélicos, desenvolvendo uma perspectiva realista. Porfírio procurou resolver
essa questão nessa mesma perspectiva, mas não obteve êxito. Desse modo, o debate
continuou no período medieval30.

Leite Junior no seu livro sobre a questão dos universais indica também a
mesma dificuldade de interpretar Aristóteles. A noção de Aristóteles que foi
passada durante o período medieval é a perspectiva da lógica, da predicabilidade.
Essa perspectiva se encontra no texto de Metafísica: «O universal se diz aquilo que,
por sua natureza, pertence a uma multiplicidade de coisas»31. Apesar de se
encontrar nessa definição a distinção entre universal e singular, ela permite verificar
algumas ambiguidades. O “ser predicado de vários” se refere às coisas ou se refere
às palavras? A exposição de Aristóteles não é clara32.

Aristóteles mesmo aplica a noção de universal tanto às palavras quanto as


coisas. Em relação às palavras por meio da ideia dos termos gerais que são símbolos

29
ARISTOTELE, Categorie 2, 1a, 20-23, in Organon, a cura di M. Migliori, Milano, 2016, p. 59,
tradução própria.
30
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 26-27.
31
ARISTOTELE, Metafisica, 1038 b, 11, in G. REALE, Introduzione, traduzione e commentario della
Metafisica di Arisotele, Milano, 2004, p. 347, tradução própria.
32
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 72-76 e LEITE JUNIOR, O problema dos universais,
21.
17

dos conceitos universais33. Mas existe na realidade extramental algo que


corresponda aos termos gerais? E quanto à noção de universal contida nas coisas:
Como combinar a questão de “ser predicado de vários” às coisas? Essa questão dá a
entender que há coisas universais predicáveis das próprias coisas? Então a questão
não seria mais lógico-semântica, mas ontológica. É a formulação ontológica que
posteriormente Boécio desenvolve a partir do pensamento de Aristóteles34.

Já nos escritos de Platão, podemos afirmar que dois são os textos em que
aparecem com maior evidência a sua visão sobre os universais. De Libera aponta
como o primeiro texto o seu diálogo na obra Mênon. Nesse diálogo Platão interroga
sobre a essência das abelhas, já que elas são muitas e de diversos tipos. Mênon
responde que enquanto abelhas elas não se diferem em nada uma da outra:

Porém, Mênon, permanecendo na imagem do enxame, se eu te perguntasse qual a


essência da abelha, e se tu me dirias que as abelhas são muitas e de diversos tipos,
que coisa me responderias, se eu ulteriormente te perguntasse: “Talvez”. Diga-me,
que coisa responderias, se fosse assim interrogado? Mênon: Isto, eu responderia:
que elas não se diferenciam em nada, enquanto abelhas, uma da outra35.

De Libera, propondo uma leitura crítica, afirma que na interpretação desse


texto se fez tantas vezes uma violência, uma exageração, porque no texto se fala de
não-diferença e não de semelhança. O eidos (essência) é aquilo que faz com que
algumas coisas não sejam diferentes umas das outras. Diferentes seres são abelhas:
«A passagem da não-diferença à semelhança é a matriz do problema dos universais
e a mola que suscita o realismo».36

Outro texto basilar é a ideia contida na obra Fédon, onde se encontra a teoria
da causalidade epônima das formas. Platão afirma que as formas existem e que são
coisas determinadas. Todas as outras coisas participam das formas e recebem o

33
Cfr. ARISTOTELE, Organon, 211.
34
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 23.
35
Cfr. PLATONE, Menone, 72a-72b, a cura di G. Reale, Milano, 2000, p. 79, tradução própria.
36
DE LIBERA, Il problema degli universali, 51.
18

nome delas: «Todas as outras coisas participam das Ideias e recebem o seu nome
das Ideias»37.

Nesse texto é presente a tese do realismo platônico das formas separadas,


que influenciou todo o Medievo, principalmente as correntes do conceitualismo e
nominalismo38. De Libera conceitua dessa maneira a teoria das formas epônimas
contidas no Fédon:

Além das separações das formas, consideradas como coisas determinadas e a


participação, observa-se o tema da causalidade epônima que dá origem à
participação ontologicamente. As formas não são não somente causa das coisas,
mas causas epônimas. A eponomia assinala que as coisas sensíveis recebem o nome
de uma forma39.

De forma geral, os universais em Platão são compreendidos como entidades


que existem em si mesmo e independentemente das coisas. Os indivíduos
participam de uma Ideia universal que é anterior e independente dos mesmos. Esse
fato é chamado de ontologia da participação40.

1.1.4 A árvore de Porfirio e sua destinação

A teoria apresentada no Isagoge ficou conhecida como “árvore de Porfírio”.


Essa teoria influenciou todo o pensamento medieval, principalmente no que diz
respeito à questão dos universais41. A origem da “árvore” é o seguinte texto do
Isagoge:

O sumo gênero é aquele acima do qual não pode existir algum gênero superior,
enquanto a espécie ínfima é aquela abaixo da qual não pode existir alguma espécie
inferior, outros são contemporaneamente gêneros e espécies, naturalmente em
relação a sujeitos diferentes. Clareamos esse discurso colocando como exemplo
uma categoria: A “substância” é essa mesma um gênero, a qual é subordinada a
espécie “corpo”; subordinada a “corpo” é “ser vivente”; a essa, ainda, é

37
PLATONE, Fedone, 102b, a cura di G. Reale, Milano, 2000, p. 239, tradução própria.
38
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 52-53.
39
DE LIBERA, Il problema degli universali, 52, tradução própria.
40
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 19.
41
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 37-42.
19

subordinada “animal”, enquanto a “animal” é subordinada “animal racional”; a


essa, ainda, é subordinada “homem”, e a “homem”, enfim, são subordinadas
“Sócrates”, “Platão” e os outros indivíduos. Entre todos estes termos, “substância”
é o gênero sumo, porque é somente gênero, enquanto “homem” é espécie ínfima,
porque é somente espécie; “corpo”, em vez disso, é espécie de “substância” e, ao
mesmo tempo, gêneros de “seres viventes”. Por sua vez, “seres viventes” é espécie
de “corpo” e gênero de “animal”; e assim “animal” é espécie de “seres viventes” e
gênero de “animal racional”; “animal racional” é espécie de “animal” e gênero de
“homem”; “homem”, enfim, é espécie de “animal racional”, mas não é gênero dos
homens individuais, mas é somente espécie42.

Mostraremos aqui um modelo de árvore de Porfírio, dentre os vários modelos


que podem ser construídos:

Material Substância (summus genus) Imaterial

Animado Corpo Inanimado

Sensível Organismo Insensível

Racional Animal Irracional

Homem (infima species)

Este não é o único modelo de descrição da árvore de Porfírio. Existem


modelos em que não aparecem as diferenças. Importante, porém, notar que o
modelo de árvore que foi utilizada pelos pensadores no período medieval foi aquele
que contém as diferenças divisórias dos gêneros e das espécies43.

A árvore ou sistema de Porfírio parte de um gênero sumo e descende, através


de várias diferenças específicas, até as espécies ínfimas. Os gêneros, as espécies, as
diferenças, o próprio e os acidentes são colocados em um modo hierárquico que não
é somente lógico, mas tem referências onto-henológicas na filosofia de Porfírio44. É
importante, desse modo, observar que os reflexos ontológicos do sistema lógico de

42
PORFIRIO, Isagoge, 67, tradução própria.
43
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 11-12.
44
Cfr. GIRGENTI, Introduzione, 34-35.
20

Porfírio, que como afirmamos, caíram no esquecimento. Girgenti afirma que a


árvore pode ser vista de duas maneiras:

De fato, o ponto de vista ontológico, ou melhor, onto-henológico na impostação de


Porfírio, adota necessariamente um método dialético descendente, que parte do
Uno-Ser supremo para descender, através das divisões e diferenças, até os múltiplos
indivíduos. Em vez disso o ponto de vista lógico é, por assim, dizer, invertido: parte
das espécies ínfimas para reascender aos gêneros sumos45.

Umberto Eco, especialista em história da filosofia medieval e defensor do


“pensiero debole”, faz uma análise da árvore de Porfírio e propõe uma leitura crítica
dela, afirmando que ela propõe um modelo de pensamento forte. Na árvore não
devem ser colocadas somente as diferenças porfirinas, mas inúmeras outras. Em vez
de ser uma árvore, se pode dizer o esquema de Porfírio constitui uma
“Enciclopédia”:

Mas nós podemos dizer sem fingimento que a árvore dos gêneros e das espécies,
independentemente de como é construída, explode em uma poeira de diferenças,
em um turbilhão infinito de acidentes, em uma rede não hierarquizável de qualia. O
dicionário (porque é tal modo que a árvore nos interessa hoje, e podemos olhá-lo
com distância numa “fissão” de um universo neoplatônico) se dissolve
necessariamente, por força interna, em uma galáxia potencialmente desordenada e
ilimitada de elementos de conhecimento de mundo. Portanto se transforma em uma
enciclopédia e se torna tal porque de fato era uma enciclopédia que se ignorava, ou
seja, um artifício inventado para mascarar a inevitabilidade da enciclopédia46.

1.2 Os universais no Medievo

Os pensadores medievais tentam dar uma resposta ao problema dos


universais, colocado por Porfírio. Afirma Saranyana: «A filosofia medieval foi uma
obstinada busca de resolver o problema dos universais»47. A partir dessas respostas
colocadas por cada filósofo nascem as diferentes perspectivas e correntes.

45
GIRGENTI, Introduzione, 37, tradução própria.
46
U. ECO, L’antiporfirio, in Il pensiero debole, a cura di G. Vattimo - P. Rovatti, Milano, 2010, p.
73-74, tradução própria.
47
J. SARANYANA , Historia de la Filosofia Medieval, Pamplona, 1989, p. 141, tradução própria.
21

1.2.1 Diversas perspectivas

Existem diferentes tipos de solução para o problema dos universais colocado


e diversos filósofos medievais que colocam o tema dos universais, iniciado com
Platão, Aristóteles e Porfírio. Notamos, novamente, que as questões se conectam e
que são desenvolvidas em diversas correntes. Escreve Gilson: «Se tratava por
exemplo de escolher entre Aristóteles e Platão, ou de conciliá-los artificiosamente,
porque esse problema, em aparência de pura lógica, se complica imediatamente com
problemas de física e metafísica»48.

Leite Júnior reconhece o domínio ontológico do discurso sobre os universais


sem deixar à parte os múltiplos aspectos: «O problema dos universais diz respeito,
primariamente, ao domínio ontológico do discurso. A questão acerca dos universais
guarda como pano de fundo a pergunta sobre sua existência – seja real ou
pensada»49.

Conforme Copleston, o problema pode ser colocado de diversas maneiras:


ontológica, psicológica, conceitualista. Mas a questão, em todas as maneiras em que
é colocada, é de importância fundamental50.

Apesar de apresentarmos diferentes linhas de pensamento sobre os


universais, cada autor desenvolve de sua maneira, no seu tempo e dependendo
daquilo sobre o qual ele procura refletir. Coloca em evidência De Libera:

O ponto de partida do problema medieval dos universais não é no nosso mundo,


mas nos sistemas filosóficos e nos campos enunciados disponíveis na época em que
se constituiu como problema. Não tem uma existência isolada, mas sempre se
circunscreve em problemáticas mais vastas. Elemento de um discurso, peça de um
quebra-cabeças, ela pertence a nexos múltiplos51.

48
GILSON, La filosofia nel Medioevo, 31, tradução própria.
49
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 25.
50
Cfr. F. COPLESTON, Storia della Filosofia, Vol. II, Brescia, 1971, p. 185.
51
DE LIBERA, Il problema degli universali, 59, tradução própria.
22

1.2.2 O Universal em Boécio

Boécio continua o argumento deixado em aberto por Porfírio sobre a questão


dos universais52. Ele afirma que o tema é complexo e o averigua com atenção.
Explica que mediante a abstração se cria a ideia dos gêneros e das espécies, citadas
por Porfírio. Desse modo, gêneros e espécies estão nos indivíduos, mas enquanto
pensados são universais. Gêneros e espécies subsistem nas coisas sensíveis, mas
podem ser concebidas sem elas53:

Como explicar a semelhança essencial entre as coisas singulares? Através da


natureza formal dos indivíduos. Cada indivíduo possui uma natureza formal. Os
indivíduos que possuem a mesma natureza formal apresentam uma semelhança
essencial. Essa é percebida pela mente: uma semelhança sensível em nível de cada
realidade particular e inteligível em nível de pensamento54.

Mesmo que Boécio siga a linha de Aristóteles na questão dos universais, no


final da sua vida, ele se decidiu a favor do platonismo55. A sua linha de pensamento
sobre os universais se aproxima de um realismo moderado56. Boécio encontra uma
solução ao problema dos universais colocadas por Porfírio, mas ao mesmo tempo
abre ainda mais o caminho para os debates sucessivos:

Boécio encontra em tal maneira uma solução elegante ao problema aberto por
Porfírio, mas abre um espaço ainda mais problemático, sugerindo que uma mesma
coisa possa ser ao mesmo tempo singular e universal. Essa tese seria reformulada
ou rechaçada de uma ponta à outra no Medievo, e de qualquer maneira, abria a
estrada para uma série de paradoxos nos quais realismo e nominalismo
encontrariam, ao mesmo tempo, o próprio alimento e a razão última do próprio
dissenso. Mais ainda do que do problema de Porfírio, o impulso inicial da disputa
dos universais que explodiu no XII século latino derivou da solução de Boécio57.

52
Cfr. BOETHIUS, In Isagogen Porphyrii Commenta, Lipsiae, 1906.
53
Cfr. COPLESTON, Storia della filosofia, 183.
54
DE LIBERA, Il problema degli universali, 133, tradução própria.
55
Cfr. PEDRO LEITE, O problema dos universais, 37.
56
Nós decidimos não colocar Boécio nas correntes medievais do pensamento sobre o universal
porque foi ele que impulsionou o problema dos universais no Medievo, comentando o Isagoge e
propondo uma solução. Cfr. COPLESTON, Storia della filosofia, 184.
57
DE LIBERA, Il problema degli universali, 134, tradução própria.
23

1.2.3 O realismo e o nominalismo

Podemos identificar duas correntes principais de pensamento medieval sobre


o tema dos universais, mesmo que essas ainda possam ser subdivididas
subsequentemente. As correntes são o realismo e o nominalismo. Estas duas depois
podem ser divididas em quatro: realismo exagerado, realismo moderado,
conceitualismo e nominalismo “exagerado”.

Interessante a ideia que nos propõe De Libera sobre a visão dos realistas e
nominalistas, baseando sua ideia em Paul Spade58. Os realistas acreditam que
existem os universais no mundo, já os nominalistas não os vêem desse modo. E para
ilustrar essa ideia, ele dá o seguinte exemplo: Eu tenho diante de mim duas canetas
de cor preta. O realista vê uma só cor preta participada nas duas canetas. Uma só e
mesma cor, mesmo que sejam duas coisas distintas em lugares diferentes. Os
realistas acreditam no universal, como a pretidão, que participa de tantas coisas com
a mesma propriedade.

Já os nominalistas veem duas pretidões, tantas quantas são as canetas. Certo,


as pretidões são semelhantes, mas basta observá-las em um modo mais aguçado
para ver que são duas pretidões. Nesse sentido podemos colocar a seguinte questão:
Existem ou não duas pretidões nas duas canetas? O nominalismo vai dizer que sim,
o realismo que não.

Devido à amplitude do tema, exporemos as correntes em modo sintético,


conceituando-as. Conforme indicado anteriormente são as linhas que nascem a
partir do problema colocado por Porfírio e por Boécio. Expomos as quatro correntes
citadas anteriormente59:

58
Paul Spade é especialista em história da filosofia medieval. A ideia de Spade se encontra em P.
SPADE, Introduction, in J. WYCLIF, On Universals, Tractactus de Universalibus, Oxford, 1985.
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 13.
59
Cfr. G. REALE – D. ANTISERI, Storia della Filosofia, Dalle origini a oggi, Vol. III, Milano, 2008,
p. 683-684; LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 27-30 e GIRGENTI, Introduzione, 35.
24

O realismo exagerado entende que os universais sejam realidades


metafísicas efetivamente existentes nas coisas, nos entes. Essa corrente tem clara
influência platônica. São representantes do realismo exagerado: Guilherme de
Champeaux, Anselmo d’Aosta.

O realismo moderado vê a existência dos universais identificada com uma


essência comum compartilhada e presente nas coisas visíveis. O universal é um
conceito que nasce através de um processo de abstração e gera também a intelecção
em relação às coisas, de onde permanece sempre conectado. Os universais são
categorias lógico-linguísticas que ligam o mundo ao ser. Essa corrente possui a
influência de Aristóteles. São representantes dessa corrente Tomás de Aquino, João
Duns Scotus e João de Salisbury.

Conceitualismo: Também designado como nominalismo moderado. Trata-se


de uma corrente que entende que os conceitos da lógica não possuem nenhum
objeto correspondente na realidade. É a posição de Pedro Abelardo e de Hugo de
São Vítor.

Nominalismo: Os nominalistas sustentam que os universais não têm valor


semântico e, igualmente, não têm valor predicativo. Os universais que não podem se
referir as coisas (res) e são puros nomes convencionais, porque a única coisa
existente é o individual, o singular. É também chamado de conceitualismo
exagerado. São representantes dessa corrente os pensadores Henrique de Auxerre e
Roscelino de Compiégne.

O nominalismo principalmente do século XII ao século XIV encontra na


lógica de Aristóteles de Porfírio e de Boécio o instrumento do saber e dos
fundamentos do pensamento mental e se remete ao aspecto dos gêneros e das
espécies, que já colocavam esses filósofos. Existe uma relação direta entre pensar e
linguagem. Expõe Vignaux:

Esses gêneros e essas espécies que distinguem o mundo aristotélico estão no nosso
intelecto como praedicabilia, como predicados possíveis: cada ciência, em efeito,
25

se resolve através de proposições; essas proposições em termos: sujeitos e


predicados; o universal se define como um predicado possível de vários sujeitos60.

Em qual dessas correntes se insere Guilherme de Ockham? Grande parte dos


históricos de filosofia medieval definem Ockham como nominalista61. Ghisalberti e
outros o colocam na corrente conceitualista62. A parte a classificação que podemos
dar a Ockham63, o que queremos apresentar na nossa pesquisa é a visão original que
Ockham têm sobre os universais e como ele a desenvolve.

60
P. VIGNAUX, La filosofia nel Medioevo, Bari, 1990, p.121, tradução própria.
61
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 367-390 e P. VIGNAUX, Nominalisme, in
Dictionaire de Théologie Catholique 11 (1931), Col. 719, p. 734-755.
62
Cfr. A. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, Milano, 1996, p. 90.
63
Para aprofundar a questão propomos: W. SARAIVA BORGES - P.LEITE JUNIOR, O antirrealismo
nominalista de Guilherme de Ockham, a partir do Comento de Isagoge a Porfírio, em Thaumazein
15 (2015), p. 59-73, Internet (25.09.2019):
https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/thaumazein/article/view/228/pdf_1
26

2 O singular em Ockham

Neste capítulo desenvolveremos o tema do singular em Ockham, e


consequentemente, também o tema dos universais. Em primeiro lugar, indicaremos
os textos nos quais o filósofo inglês aborda essa questão. Depois mostraremos como
Ockham entra no debate sobre os universais e qual a sua proposta de solução. A
partir dela desenvolveremos, em seguida, a dimensão específica do singular, que é
parte essencial de sua filosofia.

2.1 Os textos de Ockham sobre os universais

Expomos, os principais textos de Ockham em que aparecem a questão dos


universais, segundo a nossa análise, sem ter a pretensão de afirmar que estes são os
únicos. A ordem do comentário das obras que seguimos é temática e não
cronológica. São elas: Summa Logicae64, Scriptum in Primum Librum
Sententiarum65, Scriptum in Librum Perihermeneias Aristotelis66, Quodlibet67,
Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus68.

Iniciamos com a Summa Logicae, por representar um marco e a base do


pensamento ockhamista, e onde o tema dos universais (os gêneros e as espécies),
são debatidos amplamente. Em seguida, desenvolveremos o tema dos universais em
Scriptum in Primum Librum Sententiarum, o primeiro livro do Comentário às
Sentenças de Pedro Lombardo. Também nessa obra o tema dos universais é

64
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, in Opera Philosophica I, ed. P. Boehner et al., New
York, 1974.
65
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, Ordinatio, in Opera
Theologica II, ed. S. Brown, New York, 1970.
66
GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Prooemium, in
Opera Philosophica II, ed. A. Gambatese - S. Brown, New York, 1978.
67
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, in Opera Theologica IX, ed. J. C. Wey, New
York, 1980.
68
GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, in Opera
Philosophica II, ed. E. Moody, New York, 1978.
27

desenvolvido amplamente por Ockham. Depois disso, comentaremos as três obras


citadas anteriormente em que aparece o tema dos universais, mas não desenvolvidos
em modo tão aprofundado. Podemos observar, desta maneira, que a questão dos
universais é debatida em diversas áreas na obra de Ockham.

2.1.1 Summa Logicae

A Summa Logicae é uma das obras mais estudadas do Venerabilis Inceptor e


representa a mais significativa das obras sistemáticas de Ockham dedicados a
argumentos filosóficos69. Na Parte I, cujo tema são os termos linguísticos, ele
expõe, dos capítulos XIV ao XVII, a questão dos universais. Depois de uma análise
sobre a divisão dos termos feita nos capítulos anteriores, ele afirma que é
importante compreender o que são os termos de primeira intenção, ou seja, os
singulares e os termos de segunda intenção, que correspondem aos universais70.

Ockham diz que é importante saber o que se entende por universal e por
singular e depois ele expõe a definição de cada um:

Saiba-se, pois, primeiramente, que se toma o singular em dois sentidos. Na primeira


acepção, o vocábulo “singular” significa tudo quanto é uma coisa e não várias.
Compreendido singular desta maneira, aqueles que julgam ser universal uma
qualidade da mente, predicável de muitas coisas (representando-as e não a si
mesma) precisam dizer que todo o universal é verdadeira e realmente singular. Com
efeito, assim como a palavra, por mais comum que seja por convenção, é verdadeira
e realmente singular e numericamente uma, visto ser uma só e não várias, também a
intenção mental que significa muitas coisas é verdadeira e realmente singular e
numericamente uma visto ser uma coisa só e não várias, ainda que signifique
muitas coisas.
Na segunda acepção toma-se “singular” como aquilo que é uma só coisa e não
várias, sem ser, por natureza, sinal de muitas coisas. Neste sentido, nenhum
universal é singular, porque todo o universal destina-se a ser sinal de muitas coisas

69
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 63.
70
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, XIV, 47-48. Reportamos a tradução dos textos
da Summa Logicae em WILLIAM OF OCKHAM, Seleção de textos, in Os Pensadores Vol. VIII:
“Tomás de Aquino, Dante, Duns Scot, Ockham”, tradução e notas de C. Lopes de Mattos. 1ª ed.,
São Paulo, 1973, p. 354-365.
28

e predica-se, por natureza, de muitas coisas. Logo chamando de universal aquilo


que não é numericamente um (acepção que muitos dão a universal), digo que
nenhuma coisa é universal, a não ser empregando-se abusivamente o vocábulo e
dizendo-se que um povo é universal, porque não é um, mas muitos. Isso seria,
contudo, pueril. Diga-se, portanto, que todo o universal é uma coisa singular e por
isso não há universal senão pela significação, enquanto é sinal de muitas coisas71.

Para Ockham, conforme o texto acima, o universal é algo singular que


significa muitas coisas. Continuando a sua reflexão e citando Avicena, Ockham
reafirma a sua posição, dizendo que o universal é uma intenção da mente que
significa muitas coisas: «É assim que a intenção da mente se chama universal, por
ser um sinal predicável de muitas coisas, mas é denominada singular enquanto é
uma só coisa e não muitas»72.

No capítulo seguinte da Summa Logicae, Ockham afirma que o universal não


é algo exterior à alma. Como primeiro argumento, ele mostra que nenhuma
substância é universal, mas toda a substância é una e singular, pois ou é
numericamente uma ou se refere a uma pluralidade:

Se é uma e não muitas, é numericamente una e todos a chamam assim. Se, porém,
uma substância é muitas coisas, ou são muitas coisas singulares, ou muitas coisas
universais. Na primeira hipótese, segue-se que uma substância seria muitas
substâncias particulares e, consequentemente, pela mesma razão, muitos homens
seriam a mesma substância; e então, ainda que o universal se distinguisse de
determinada coisa particular, não se distinguiria das coisas particulares. Se, porém,
uma substância fosse muitas coisas universais, tomemos uma dessas coisas

71
«Est autem primo sciendum quod ‘singulare’ dupliciter accipitur. Uno modo hoc nomen
‘singulare’ significat omne illud quod est unum et non plura. Et isto modo tenentes quod universale
est quaedam qualitas mentis praedicabilis de pluribus, non tamen pro se sed pro illis pluribus,
dicere habent quod quodlibet universale est vere et realiter singulare: quia sicut quaelibet vox,
quantumcumque communis per institutionem, est vere et realiter singularis et una numero quia est
una et non plures, ita intentio animae, significans plures res extra, est vere et realiter singularis et
una numero, quia est una et non plures res, quamvis significet plures res. Aliter accipitur hoc
nomen ‘singulare’ pro omni illo quod est unum et non plura, nec est natum esse signum plurium. Et
sic accipiendo ‘singulare’ nullum universale est singulare, quia quodlibet universale natum est esse
signum plurium et natum est praedicari de pluribus. Unde vocando universale aliquid quod non est
unum numero, - quam acceptionem multi attribuunt universali -, dico quod nihil est universale nisi
forte abuteris isto vocabulo, dicendo populum esse unum universale, quia non est unum sed multa;
sed illud puerile esset. Dicendum est igitur quod quodlibet universale est una res singularis, et ideo
non est universale nisi per significationem, quia est signum plurium». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Summa Logicae, 1, XIV, 48, tradução de C. Lopes de Mattos.
72
«Sic intentio animae dicitur universalis, quia est signum praedicabile de pluribus; et dicitur etiam
singularis, quia est una res et non plures res». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV,
49, tradução C. Lopes de Mattos.
29

universais e perguntemos: é uma coisa e não muitas ou são muitas coisas. No


primeiro caso, segue-se que é singular: no segundo pergunto, ou são muitas coisas
singulares, ou muitas coisas universais, e, assim, ou haverá um processo infinito, ou
convir-se-á que nenhuma substância é universal de modo a não ser singular. Daí se
conclui que nenhuma substância é universal73.

Ockham também rejeita a tese de que o universal é uma substância existente


nos entes singulares e distinta delas, sendo preexistente pelo poder de Deus. Em
primeiro lugar, ele afirma que essa consequência é absurda. Depois diz que,
seguindo essa maneira de pensar, nenhum ser poderia ser criado e, ao mesmo
tempo, Deus aniquilando um ser aniquilaria todos, já que o universal é comum:

Igualmente, se um universal fosse uma substância existente nas substâncias


singulares e distinta delas, seguir-se ia que poderia existir sem elas, porque cada
coisa naturalmente anterior à outra pode existir sem ela, pelo poder divino. Mas
essa consequência é absurda. Além disso, se essa opinião fosse verdadeira, nenhum
indivíduo poderia ser criado, mas alguma coisa do indivíduo preexistiria, porque ele
não tiraria todo o seu ser do nada, se o universal que há nele existisse antes do
outro. Pelo mesmo motivo se segue que Deus não pode aniquilar um indivíduo de
uma substância sem destruir os outros indivíduos: porque, se aniquilasse algum
indivíduo, destruiria tudo quanto é da essência do indivíduo, e por conseguinte
destruiria aquele universal que existe nele e nos outros, não ficando portanto os
outros, pois não poderiam permanecer sem sua parte, que é no caso aquele
universal74.

73
«Si est una et non plures, est una numero; hoc enim ab omnibus vocatur unum numero. Si autem
aliqua substantia est plures res, vel est plures res singulares vel plures res universales. Si primum
detur, sequitur quod aliqua substantia esset plures substantiae singulares, et per consequens eadem
ratione aliqua substantia esset plures homines; et tunc, quamvis universale distingueretur a
particulari uno, non tamen distingueretur a particularibus. Si autem aliqua substantia esset plures
res universales, accipio unam istarum rerum universalium et quaero: aut est plures res aut una et
non plures. Si secundum detur, sequitur quod est singularis, si primum detur, quaero aut est plures
res singulares aut plures res universales. Et ita vel erit processus in infinitum vel stabitur quod nulla
substantia est universalis ita quod non singularis, ex quo relinquitur quod nulla substantia est
universalis». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XV, 50-51, tradução C. Lopes de
Mattos.
74
«Item, si aliquod universale esset substantia una, exsistens in substantiis singularibus, distincta
ab eis, sequeretur quod posset esse sine eis, quia omnis res prior naturaliter alia potest per divinam
potentiam esse sine ea; sed consequens est absurdum. Item, si opinio ista esset vera, nullum
individuum posset creari si aliquod individuum praeexsisteret, quia non totum caperet esse de
nihilo si universale quod est in eo prius fuit in alio. Propter idem etiam sequeretur quod Deus non
posset unum individuum substantiae adnihilare nisi cetera individua destrueret, quia si adnihilaret
aliquod individuum, destrueret totum quod est de essentia individui, et per consequens destrueret
illud universale quod est in eo et in aliis, et per consequens alia non manerent, cum non possent
manere sine parte sua, quale ponitur illud universale». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,
1, XV, 51, tradução C. Lopes de Mattos.
30

O filósofo inglês ainda indica duas outras razões para dizer que o universal
não é uma substância existente nos indivíduos: o indivíduo composto de universais
e a outra é o exemplo de Cristo:

Ademais, tal universal não poderia ser constituído por alguma coisa totalmente
exterior à essência do indivíduo; logo, seria da essência do indivíduo, e por
consequência o indivíduo se comporia de universais, e assim o indivíduo não seria
mais singular que universal. Igualmente, segue-se que alguma coisa da essência de
Cristo seria miserável e condenada, pois se aquela natureza comum existisse
realmente em Cristo existiria também realmente em Judas, e seria condenada; logo
existiria no Cristo, e no condenado, isto é, em Judas. Isto, porém, é absurdo75.

Assim, Ockham reafirma a sua posição, referindo-se às autoridades de


Aristóteles e Avicena. Posição essa que também pode ser confirmada pela razão. O
universal é uma intenção mental que pode ser predicada de muitas substâncias, mas
o universal não é uma substância:

Disso tudo e de muitos outros textos vê-se que o universal é uma intenção mental,
capaz de ser predicada de muitas coisas. Isso também pode ser confirmado pela
razão. Com efeito, toda a gente reconhece que todo o universal é predicável de
muitas coisas; ora, só uma intenção mental ou um sinal voluntariamente instituído é
um universal76.

São dois argumentos que Ockham sustenta para afirmar que uma substância
não pode ser predicável de muitas coisas. Afirma Ockham:

Que a substância não possa predicar-se, vê-se pelo fato de que, na hipótese
afirmativa, a proposição se comporia de substâncias particulares, e
consequentemente, o sujeito estaria em Roma e o predicado na Inglaterra, o que é
absurdo. Do mesmo modo, uma proposição só pode estar na mente ou na palavra
falada ou escrita; ora, essas coisas não são substâncias particulares. Está certo,

75
«Item, tale universale non posset poni aliquid totaliter extra essentiam individui; esset igitur de
essentia individui, et per consequens individuum componeretur ex universalibus, et ita individuum
non esset magis singulare quam universale. Item, sequeretur quod aliquid de essentia Christi esset
miserum et damnatum, quia illa natura communis exsistens realiter in Christo et in damnato esset
damnata, quia in Iuda. Hoc autem absurdum est». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1,
XV, 51, tradução C. Lopes de Mattos.
76
«Ex quibus aliisque multis patet quod universale est intentio animae nata praedicari de multis.
Quod etiam ratione confirmari potest, nam omne universale, secundum omnes, est de multis
praedicabile; sed sola intentio animae vel signum voluntarie institutum natum est praedicari et non
substantia aliqua; ergo sola intentio animae vel signum voluntarie institutum est universale».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XV, 53, tradução C. Lopes de Mattos.
31

portanto, que nenhuma proposição pode ser composta por substâncias, pois é feita
de universais e estes não são, de maneira alguma, substâncias77.

No capítulo seguinte da Summa Logicae, Ockham rejeita o argumento de


Duns Scotus acerca dos universais. Ockham indica a questão da seguinte maneira:

Conquanto muitos vejam que o universal não é uma substância existente fora da
alma nos indivíduos e distinta realmente deles, pensam alguns que o universal está
de algum modo fora da alma nos indivíduos, ainda que não distinto realmente deles,
mas apenas formalmente. Dizem, então, que em Sócrates há uma natureza humana
contraída a Sócrates, por uma diferença individual, não distinta realmente dessa
natureza, mas formalmente. Logo, a natureza e a diferença individual não são duas
coisas, mas uma não é formalmente a outra78.

Mas essa opinião de Scotus sobre os universais é improvável e não pode ser
aceita, segundo Ockham. Para explicá-la, ele evidencia os seguintes argumentos79:

- Nas criaturas não pode haver alguma distinção qualquer fora da alma se as coisas
não são de fato distintas. A prova que ele dá para esse argumento é silogística:

Portanto, se entre esta natureza e esta diferença há uma distinção qualquer, precisa
haver coisas realmente distintas. Provo a menor em forma silogística: Esta natureza
não se distingue formalmente desta natureza; ora, esta diferença individual
distingue-se formalmente desta natureza; logo, esta diferença individual não é esta
natureza80.

- O segundo argumento exposto por Ockham é que uma coisa não pode ser
comum e própria ao mesmo tempo. A tese contrária defende que a diferença
77
«Quod enim substantia non sit nata praedicari patet, quia si sic, sequeretur quod propositio
componeretur ex substantiis particularibus, et per consequens subiectum esset Romae et
praedicatum in Anglia, quod absurdum est. Item, propositio non est nisi in mente vel in voce vel in
scripto; igitur partes eius non sunt nisi in mente vel in voce vel in scripto; huiusmodi autem non
sunt substantiae particulares. Constat igitur quod nulla propositio ex substantiis componi potest.
Componitur autem propositio ex universalibus, universalia igitur non sunt substantiae ullo modo».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XV, 53-54, tradução C. Lopes de Mattos.
78
«Quamvis multis sit perspicuum quod universale non sit aliqua substantia extra animam exsistens
in individuis, distincta realiter ab eis, videtur tamen aliquibus quod universale est aliquo modo
extra animam in individuis, non quidem distinctum realiter ab eis, sed tantum distinctum formaliter
ab eisdem. Unde dicunt quod in Sorte est natura humana, quae contrahitur ad Sortem per unam
differentiam individualem, quae ab illa natura non distinguitur realiter sed formaliter. Unde non
sunt duae res, una tamen non est formaliter alia. Sed ista opinio omnino improbabilis videtur mihi».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54, tradução C. Lopes de Mattos.
79
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54-56.
80
«Assumptum probo per formam syllogisticam sic. Ista natura non est distincta formaliter ab ista
natura; haec differentia individualis est distincta formaliter ab hac natura; igitur haec differentia
individualis non est haec natura». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 54, tradução
C. Lopes de Mattos.
32

individual é própria, porém o universal é comum. Mas sendo assim, não se poderia
ter a diferença universal comum.

- O terceiro argumento diz que não podem ser atribuídas as mesmas coisas
opostas: comum e próprio são opostos. Portanto, não podemos afirmar que a
natureza individual e comum são a mesma coisa.

- O quarto argumento que refuta a tese realística de Scotus é que compreende


que a natureza comum não pode ser identificada com a natureza própria, devido à
multiplicidade de naturezas próprias, e assim nenhum indivíduo seria comum, mas
somente próprio.

- O quinto argumento afirma que toda coisa se distingue realmente de outra


por si mesmo ou por alguma coisa que lhe é intrínseca, e não por algo que lhe é
associado.

- O sexto expõe o argumento das espécies de Aristóteles e afirma que o que


difere na questão da espécie é o número. Assim, a natureza de cada ser é
numericamente uma.

- O sétimo argumento diz que o que por nenhum poder pode competir a
muitos, pelo mesmo poder não pode ser predicável de muitos. Desse modo, se a
natureza for realmente a mesma que a diferença individual, não poder ser atribuída
a muitos e desse modo não será universal.

- O oitavo argumento diz que a diferença individual e a natureza que ela


contrai não é nem maior e nem menor do que a diferença entre dois indivíduos.

Continuando a sua reflexão, Ockham através de uma argumentação


silogística responde à pergunta: A natureza é a diferença individual ou não? Prova
que sim, afirmando que a diferença individual é a natureza, e a natureza é própria e
não comum81.

81
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XVI, 56.
33

Nas criaturas afirma o filósofo inglês, a distinção não é formal, mas real: As
coisas, os entes são realmente distintos. Conclui dizendo que tudo o que se pode
pensar de substancial de um ser existente é particular e simples:

Por isso devemos dizer com o Filósofo que na substância particular nada é
absolutamente substancial a não ser a forma particular e a matéria particular ou
alguma coisa composta dessas duas. Eis porque não se deve imaginar que em
Sócrates haja a humanidade ou natureza humana distinta de qualquer modo de
Sócrates, ao qual se adicionaria uma diferença individual que contraísse aquela
natureza. Na verdade, tudo quanto se pode pensar de substancial existente em
Sócrates será a matéria particular, ou a forma particular, ou alguma coisa composta
das duas: Por conseguinte, toda essência é quididade e qualquer coisa substancial,
desde que se trate de uma realidade extramental, é simples e absolutamente a
matéria ou a forma ou um composto das duas, ou uma substância imaterial
separada, conforme a doutrina dos peripatéticos82.

No capítulo XVII da Summa Logicae, Ockham reafirma sua posição de que o


universal é uma intenção mental e esclarece eventuais dúvidas que podem ter
permanecido sobre a questão dos universais. Em seguida, dos capítulos XVIII ao
XXV, ele apresenta os cinco universais de Porfírio, afirmando que são intenções da
mente. O capítulo XIX nos interessa particularmente sob a perspectiva
antropológica e o desenvolveremos mais adiante no nosso trabalho.

2.1.2 Scriptum in Librum Primum Sententiarum

Seguimos aqui basicamente o esquema da parte crítica de Vignaux83 e


apresentado por Leite Junior84. Colocamos de uma maneira sintética o modo como

82
«Et ideo debemus dicere cum Philosophis quod in substantia particulari nihil est substantiale
penitus nisi forma particularis et materia particularis vel aliquid compositum ex talibus. Et ideo non
est imaginandum quod in Sorte sit humanitas vel natura humana distincta a Sorte quocumque
modo, cui addatur una differentia individualis, contrahens illam naturam, sed quidquid imaginabile
substantiale exsistens in Sorte vel est materia particularis vel forma particularis vel aliquid
compositum ex his. Et ideo omnis essentia et quidditas et quidquid est substantiae, si sit realiter
extra animam, vel est simpliciter et absolute materia vel forma vel compositum ex his, vel
substantia immaterialis abstracta, secundum doctrinam Peripateticorum». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Summa Logicae, XVI, 56-57, tradução C. Lopes de Mattos.
83
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 735-754.
84
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 88-97.
34

Ockham vê a questão dos universais no livro do Comentário às Sentenças de Pedro


Lombardo (Scriptum in libros Sententiarum), devido ao grande desenvolvimento
feito por Ockham85. Interessante notar que o âmbito é teológico: Ele quer tratar da
possibilidade de encontrar algo comum entre Deus e as criaturas que seja atribuível
à essência de ambos. E a resolução dessa questão depende do conhecimento do
universal86.

O universal é o tema das questões IV a VIII do primeiro livro do Comentário


às Sentenças, isto é, Scriptum in Librum Primum Sententiarum. Das questões IV a
VII, Ockham questiona os argumentos a favor de um universal fora da mente, isto é,
extra animam87. Afirma o filósofo franciscano: «Todas as opiniões nisto convêm:
que os universais são de algum modo à parte das coisas, daí que os universais estão
nos singulares mesmos»88.

Na questão VII, Ockham resume a posição geral dos adversários, ou seja,


daqueles que sustentam que o universal se encontra nos indivíduos:

Em conclusão dessa questão, todos, que vimos, concordam dizendo que, uma
natureza, que, é de algum modo universal, ao menos em potência e incompleta,
existe realmente no indivíduo, ainda que alguns digam que é distinta realmente,
alguns que simplesmente formalmente, alguns que de nenhum modo a partir da
natureza da coisa, mas simplesmente segundo a razão ou pela consideração do
intelecto89.

Pelo exposto todas as opiniões examinadas e rejeitadas por Ockham


consistem em colocar nos indivíduos, ou seja, nos singulares, alguma natureza

85
Ockham dedica bem cinco questões (IV a VIII) ao problema dos universais nessa obra. Cfr.
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, 99-292. Os textos aqui
traduzidos são retirados do livro LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 83-154. Leite Junior
desenvolve a parte crítica do texto de Ockham.
86
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 89.
87
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 91.
88
«Omnes conveniunt quod universaliza sunt aliquo modo a parte rei, ita quod universaliza sunt
realiter in ipsis singularibus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum
Sententiarum, VIII, 266, tradução de P. Leite Junior.
89
«In conclusione istius quaestionis omnes quos vidi concordant, dicentes quod natura, quae est
aliquo modo universalis, saltem in potentia et incomplete, est realiter in individuo, quamvis aliqui
dicant quod distinguitur realiter, aliqui quod tantum formaliter, aliqui quod nullo modo ex natura
rei sed secundum rationem tantum vel per considerationem intellectus». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Scriptum in Librum Primum Sententiarum, VII, 225-226, tradução de P. Leite Junior.
35

universal. Desse modo, a natureza universal seria comum a muitos e parte


constitutiva de muitos. E tal universal poderia ser distinguido dos singulares.

Analisando a distinção, Ockham afirma que a diferença pode ser estabelecida


pela natureza da coisa (ex natura rei) ou segundo à razão (secundum rationem). Se
for pela natureza da coisa, pode ser distinta realmente (não multiplicada e
multiplicada) e formalmente. E segundo à razão se dá enquanto forma, pela
consideração do intelecto e enquanto conceito confuso90.

Vignaux apresenta uma interessante análise do desenvolvimento do problema


dos universais nesse livro, da questão IV à questão VII. Segundo ele, Ockham parte
de uma distinção máxima entre a natureza dos universais e a multiplicidade dos
indivíduos para chegar até uma distinção mínima91.

Depois de rechaçadas todas as opiniões a favor do universal fora da alma,


nos indivíduos, Ockham questiona se o universal existe em qualquer parte, de
algum modo. O rechaço do universal existente fora da alma, seja de que modo for,
pode ser vista pelo seguinte texto:

Por isso digo que nenhuma coisa [existente] fora da alma, nem por si, nem por algo
acrescentado, real ou de razão, nem como queira que se a considere ou se a pense, é
universal; de modo que é tão grande a impossibilidade de que uma coisa [existente]
fora alma seja de qualquer maneira universal – senão por instituição voluntária,
como, por exemplo, esta palavra “homem”, que é uma palavra singular, é universal
– quanto é impossível que o homem por qualquer consideração ou conforme
qualquer ser seja um asno92.

Ockham afirma que toda a realidade fora da alma é singular, conforme ele
mesmo coloca no Livro VI: «Disso se segue, que toda coisa fora da alma é por si
mesma singular, de modo que ela mesma, sem nenhum acréscimo, é aquilo que

90
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 96.
91
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 735.
92
«Ideo aliter dico ad quaestionem quod nulla res extra animam, nec per se nec per aliquid
additum, reale vel rationis, nec qualitercumque consideretur vel intelligatur, est universalis; ita
quod tanta est impossibilitas quod aliqua res extra animam sit quocumque modo universalis - nisi
forte per institutionem voluntariam, quomodo ista vox ‘homo’, quae est vox singularis, est
universalis - quanta impossibilitas est quod homo per quamcumque considerationem vel secundum
quodcumque esse sit asinus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum
Sententiarum, VI, 248-249.
36

imediatamente é denominado intenção da singularidade»93. Esse princípio não deixa


espaço para o universal fora da alma. A partir desse princípio, ele vai localizá-lo in
anima, ou seja, na razão, mais precisamente como um conceito94.

Propondo uma solução para a questão do universal, nesse texto, Ockham


apresenta na Quaestio VIII as opiniões a favor do universal in anima. Ao todo são
cinco opiniões que ele propõe. Dentre essas considera três as mais prováveis:
«Qualquer dessas três opiniões considero provável, mas deixo ao juízo dos demais
decidir qual é a mais verdadeira»95.

A primeira opinião é a teoria do fictum: ou seja, que os universais têm um ser


objetivo na alma e são uma certa ficção. Os universais enquanto objetos pensados
são imagens mentais96. Afirma Ockham:

Assim, pois, como a casa imaginada, se aquele que a imagina, possuísse uma força
produtiva real, é um modelo para o artesão, assim aquela ficção seria um modelo
com respeito ao que imagina. E a isso se pode chamar de universal, porque é um
modelo e visa indiferentemente todos os singulares fora da alma e, por essa
semelhança no ser objetivo, pode supor pelas coisas [isto é, pode estar no lugar das
coisas] fora da alma que têm existência inteiramente semelhante fora do intelecto97.

A segunda opinião que apresenta Ockham se refere à teoria da qualitas


mentis, que sustenta que o universal seja alguma qualidade existente subjetivamente
na alma. Os universais são posteriores ao ato do intelecto e se distinguem dele98.

A última opinião afirma que a qualidade existente subjetivamente na alma é a


intelecção mesma. Essa teoria pode ser denominada como teoria do ato mental, ou

93
«Ex istis sequitur quod quaelibet res extra animam se ipsa est singularis, ita quod ipsamet sine
omni addito est illud quod immediate denominatur ab intentione singularitatis». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VI, 197.
94
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 139.
95
«Quamlibet istarum trium opinium reputo probabilem, sed qual earum sit verior relinquo iudicio
aliorum». GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Primum Sententiarum, VIII, 29.
96
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 141.
97
«Ita enim sicut domus ficta, si fingens haberet virtutem productivam realem, est exemplar ipsi
artifici, ita illud fictum esset exemplar respectu sic fingentis. Et illud potest vocari universale, quia
est exemplar et indifferenter respiciens omnia singularia extra, et propter istam similitudinem in
esse obiectivo potest supponere pro rebus extra quae habent consimile esse extra intellectum».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 272.
98
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 142 e GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in
Primum Librum Sententiarum, VIII, 291.
37

seja, o universal seria o próprio ato de conhecer99. É a teoria que Ockham assumirá
posteriormente. Ockham, então, abandona a teoria do conceito como imagem da
realidade externa para acentuar o caráter intencional do conhecimento por meio de
conceitos100.

Entretanto, escolhendo ou teoria do ato mental ou a teoria dela qualitas


mentis, a universalidade do conceito se explica da mesma maneira: «O conceito e
todo o universal é uma qualidade existente subjetivamente na alma, que por sua
natureza é como um sinal de uma coisa fora da alma, assim como a palavra é um
sinal das coisas pela instituição voluntária»101. Ou seja, o conceito é singular, mas
tem uma significação universal: «[O conceito] é universal pela predicação, não por
si, mas pelas coisas que significa»102.

Concluindo, Ockham afirma que não existe universal fora da alma, salvo
aquele instituído voluntariamente. O universal é predicável de muitos e existe
somente na mente humana103.

2.1.3 Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Quodlibeta e Expositio in


Librum Porphyrii de Praedicabilibus

Na obra Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, Ockham também


desenvolve a questão dos universais. Observa-se neste texto a mesma ideia sobre os
universais contida nos escritos analisados anteriormente nesse trabalho, ou seja, que

99
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 142 e GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in
Primum Librum Sententiarum, VIII, 291.
100
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 24.
101
«Conceptus e quodlibet universale est aliqua qualitas exsistens sibiective in mente, quae ex
natura sua ita est signum rei extra sicut vox est signum rei ad placitum instituentis». GUILLELMUS
DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 289.
102
«(...) est universalis per praedicationem non pro se sed pro rebus quas significat». GUILLELMUS
DE OCKHAM, Scriptum in Primum Librum Sententiarum, VIII, 290.
103
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 143.
38

existem somente na mente humana. Ao mesmo tempo, nesta obra, se pode observar
uma preferência pela teoria do ato mental104:

Poderia haver outra opinião, segundo a qual a paixão da alma [conceito], é próprio
ato do intelecto. E porque essa opinião me parece ser a mais provável de todas as
que estabelecem estarem subjetiva e realmente na alma estas paixões da alma,
como verdadeiras qualidades dela105.

Para explicar essa questão, Ockham dá o exemplo das palavras “Sócrates” e


“Platão” que se referem às coisas, bem como a intelecção. Essas palavras são
intelecções singulares. Mas a palavra “homem” se refere tanto a “Sócrates” como a
“Platão”. Não é mais uma palavra e intelecção particular, mas universal. Trata-se
de um conceito confuso106: «Em suma, pois, as próprias intelecções da alma são
chamadas de paixões da alma e representam por sua natureza as próprias coisas
exteriores ou outras coisas na alma, como as palavras representam as coisas por
convenção»107.

Já no Quodlibeta I, Quaestio XIII, o filósofo inglês afirma que o singular é o


primeiro ato do intelecto, e se pode conhecer o singular intuitivamente. Também
nesse texto aparece a teoria do ato mental:

O que se conhece primeiramente por semelhante conhecimento [simples e próprio]


é coisa extramental, que não é um sinal; ora, toda coisa extramental é singular;
logo, etc. Além disso: o objeto precede o ato que lhe é próprio e primeiro quanto à
origem; ora, o que precede tal ato é somente o singular; logo, etc. Em segundo
lugar, digo: O conhecimento simples, próprio do singular e primeiro sob esse
aspecto é o conhecimento intuitivo. Que esse conhecimento é o primeiro, vê-se pelo
fato de que o conhecimento abstrativo do singular pressupõe a intuição a respeito
do mesmo objeto, e não vice-versa. Que, porém, seja próprio do singular,
evidencia-se pelo fato de ser causado imediatamente pela coisa singular ou ter

104
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 143.
105
«Alia posset esse opinion, quod passio animae est ipse actus intelligendi. Et quia ista opinio
videtur mihi probabilior de omnibus opinionibus quae ponunt istas passiones esse subiective et
realiter in anima tamquam veras qualitates ipsius». GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum
Perihermeneias Aristotelis, VI, 351. tradução de C. Lopes de Mattos, em WILLIAM OF OCKHAM,
Seleção de textos, 367-368.
106
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, VI, 352.
107
«Breviter igitur ipsae intellectiones animae vocantur passiones animae et supponunt ex natura
sua pro ipsis rebus extra vel pro aliis rebus in anima sicut vocês ex institutione». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, VI, 352.
39

possibilidade de sê-lo, não podendo ser causado por outra coisa singular, ainda que
da mesma espécie108.

O universal, para Ockham, somente é conhecido por abstração. Abstração é o


conhecimento que se obtêm de vários objetos individuais. Cada coisa pode suscitar
no ser humano um conhecimento. Como posso ter o conhecimento de várias coisas,
que são similares entre elas e que se repetem, essas geram conceitos no intelecto
humano. Esses conceitos significam não mais uma coisa somente, mas várias coisas
similares e esses conceitos são chamados de universais109.

O processo abstrativo se dá depois do conhecimento intuitivo e, portanto, não


é abstração do singular. Ele se refere à questão do ser e às coisas comuns e não é
conhecimento próprio do singular, ainda que o universal seja em certo sentido um
singular: «Digo, em terceiro lugar, que o conhecimento abstrativo, que é primeiro
sob o aspecto da origem e simples não é conhecimento próprio do singular, mas é
um conhecimento às vezes comum e até sempre»110.

No livro Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, ele afirma


quanto foi dito anteriormente: o universal só existe na alma. Remetendo-se a
Aristóteles, Ockham afirma que muitos interpretaram erroneamente o pensamento
do filósofo grego, porque segundo o livro Metafísica, o Filósofo mesmo afirma que
o universal não é substância111. Mesmo que não seja neste livro onde Ockham
expõe sobre a questão dos universais de modo mais elaborado, é interessante que
ele remete à questão dos universais colocada por Porfírio.

108
«Quia res extra animam quae non est signum tali cognitione primo intellegitur; sed omnis res
extra animam est singularis; igitur, etc. Praeterea obiectum praecedit actum proprium et primum
primitate generationis; nihil autem praecedit talem actum nisi singulare; igitur etc. Secundo dico
quod cognitio simplex própria singular et prima tali primitate est cognitio intuitiva. Quod autem
ista cognitio sit prima patet, quia cognitio singularis abstractiva praesuponit intuitivam respectu
eiusdem obiecti et non econverso. Quod autem sit propria singulari patet, quia immediate causatur
a re singulari vel nata est causari, et non est nata causari ab alia re singulari etiam eiusdem speciei».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, I, q.13, 73.
109
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 19.
110
«Tertio dico quod cognitio prima abstractiva primitate generationis et simplex non est cognitio
propria singulari sed est cognitio communis aliquando, immo semper». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, I, q.13, 74.
111
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, I, 13.
40

Depois de uma série de análises Ockham conclui que os gêneros e as


espécies não subsistem fora da alma, mas existem somente no intelecto, porque são
conceitos que expressam as essências e as significam. Não são as coisas mesmas,
assim como um signo não é seu significado. Não são corporais, porque subsistem
somente na mente humana. Concluindo, ele afirma que os universais não existem na
realidade e nem são essências das coisas exteriores, mas se trata somente de
signos112.

Para Ockham, fora da alma, isto é, na realidade existem somente entes


singulares. É a partir do singular que ele dá uma resposta para definir o que é o
universal e como ele se forma na mente humana. A resposta que mais lhe parece
adequada é a teoria do ato mental113.

2.2 Mudança de perspectiva: foco no singular

Colocando o acento da sua filosofia no singular, Ockham muda radicalmente


a visão sobre esse tema: o ponto de partida não é mais o universal, mas o singular.
Nessa perspectiva é possível inseri-lo no debate sobre os universais.

2.2.1 O modo como Ockham se insere na questão nos universais

Sobre a questão dos universais na qual Ockham se insere, podemos afirmar


que no seu tempo, o tema dos universais não foi mais desenvolvido tendo como

112
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus, I, 8-16.
113
Para ver a evolução do pensamento de Ockham sobre os universais consultar: V. RICHTER, Zu
Ockham Entwicklung in der UniversalienFrage, in Philosophisches Jahrbuch, 82 (1975), p. 177-
187.
41

parâmetro as questões propostas por Porfírio. Entravam em voga muitos outros


aspectos, como o problema da individuação, entre outros114.

Propondo a primazia do singular, Ockham se coloca da parte de Aristóteles e


contra a opinião de Platão no debate sobre os universais115. De Libera evidencia
essa questão com ironia e, ao mesmo tempo, mostra o impacto da filosofia de
Ockham no Medievo:

Vista como uma ponte, a filosofia medieval se divide em dois grupos rivais: um, o
grupo dos ockhamistas, manipula a navalha, enquanto a outra, dos barbudos,
aparam os pêlos. Sobre este tema, parece que tudo já foi dito por Quine, quando
propõe de “fazer a barba de Platão com a navalha de Ockham”. A característica
distintiva do ockhamismo é então constituído do antiplatonismo? Nada de mais
incerto. O horizonte teórico de Ockham é dado pelo aristotelismo e pela filosofia do
seu tempo116.

Ockham segue a filosofia de Aristóteles, mas propõe o aristotelismo em um


modo diverso, ou seja, simplificado. Grande parte daquilo que era a fonte dos
problemas sobre os universais, é excluído por Ockham, porque todos os entes são
singulares. Assim, o tema das substâncias segundas de Aristóteles (gêneros e
espécies) e das qualidades comuns que foi causa de grande parte da disputa sobre os
universais desaparece:

Ockham é aristotélico, mas o seu é um aristotelismo reduzido. Dos quatro tipos de


entes distintos das relações “ser dito de” e “ser em” em Cat. 2, ele mantem somente
as substâncias primeiras e as suas qualidades. Todas as qualidades são individuais:
a brancura de Sócrates (desse homem), aquela de Brunello (aquele cavalo), distintas
reciprocamente por número como são os seus “portadores”. Segundo Ockham,
todos os entes são singulares. A consequência mais relevante dessa ontologia, dita
“particularista” ou “parcimoniosa” é a eliminação das entidades que haviam
colocado até então o problema maior aos filósofos: a) as “substâncias segundas”, os
gêneros e as espécies, b) as qualidades comuns, como a brancura entendida qual
propriedade real participada por uma multiplicidade de indivíduos117.

114
Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 89.
115
Para aprofundar a questão ver: C. PANACCIO, Guilherme de Ockham e a perplexidade dos
platônicos, Internet (30.04.2019):
https://www.revistas.usp.br/discurso/article/download/68255/pdf_79/
116
DE LIBERA, Il problema degli universali, 367, tradução própria.
117
DE LIBERA, Il problema degli universali, 367-368, tradução própria.
42

O universal para Ockham somente existe através da significação118. Somente


através da linguagem mental se pode generalizar, se pode universalizar:

Não existe forma nem matéria comum a duas coisas singulares. Por isso, segundo
Ockham, existe generalização somente através da significação. Esse é um ponto
capital, e que consente sozinho de colocar Ockham no debate sobre os universais119.

Na Summa Logicae120, Ockham define o universal como aquilo que pode ser
predicado de mais coisas. O que interessa para Ockham é o conceito, o universal
natural, não tanto a questão do universal convencional, ou seja, aquele que é
instituído voluntariamente. Desse modo se há três características do universal: a) é
singular enquanto signo e universal enquanto conceito, b) é um signo natural
(conceito) e não convencional (uma palavra). c) é uma pura abstração porque a
realidade é feita somente de entes individuais, particulares121.

Sob esse horizonte podemos colocar Ockham como sendo um filósofo da


corrente do nominalismo, pois assim constatado, os gêneros e as espécies são
reduzidos a simples nomes comuns. Os nomes comuns primeiros não são, porém, as
palavras, como descrito anteriormente, mas os conceitos. A linguagem mental
anterior a todas as línguas existentes é composta de conceitos que são signos
naturais122.

Ockham afirma a unidade numérica do universal. É um conceito que se


predica de mais coisas, mas é um. Isso ocasiona uma mudança no modo de
conceber a ciência e no modo de conceber os universais, como afirma Müller:

A afirmação da unidade numérica do universal vem inserida em um contesto novo:


abandonada a tese segundo qual existe ciência somente do universal, Ockham
afirma que a realidade é por si mesma singular e inteligível enquanto tal. Isso
comporta duas consequências: de uma parte, a doutrina do princípio de
individuação perde a própria importância e torna-se um pseudoproblema, de outra,

118
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in Librum Sententiarum, VIII, 290.
119
DE LIBERA, Il problema degli universali, 368, tradução própria.
120
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV, 48.
121
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 48.
122
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 368.
43

o mesmo problema dos universais cessa de ter prevalentemente um caráter


metafísico, assumindo uma coloratura mais lógico-gnosiológica123.

Conforme as suas obras Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus e


Summa Logicae124, Ockham responde às questões colocadas por Porfírio, que
sintetizamos desse modo:

1) Os gêneros e as espécies subsistem fora da alma ou se encontram somente no


intelecto? Os gêneros e as espécies subsistem somente no intelecto, porque
são conceitos e intenções formados pelo intelecto e que significam e
exprimem a essência das coisas.
2) Os gêneros e as espécies são corpóreos ou incorpóreos? Todos os universais
desse tipo (como gêneros e espécies) são incorpóreos porque subsistem
somente na mente humana.
3) Se são incorpóreos são separados das coisas sensíveis ou se encontram nas
coisas sensíveis? Os universais são estão nas coisas sensíveis, nem fazem
parte da essência das coisas sensíveis, porque não são parte da essência das
substâncias. Os universais somente ajudam a conhecer determinada coisa,
assim como um sinal remete ao seu significado125.

No debate sobre os universais, vemos que ele crítica o realismo que se


instituiu antes dele, ou seja, a tese que colocava o universal nas coisas (in re)126:

Crítica ao realismo grossolano: O realismo grossolano afirma que existe o


universal nas coisas singulares e existe a distinção a distinção real entre o universal
e o singular. Por exemplo, a humanidade é algo que existe realmente fora da mente,
nas pessoas, e se distingue realmente das pessoas. Para Ockham essa ideia deve ser
abandonada porque somente é possível colocar uma tal natureza tendo presente o
indivíduo. Tudo é singular, e assim também são todas as partes. A singularidade
cobre todo o ser.

123
MÜLLER, La logica di Ockham, 50, tradução própria.
124
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus I, 14-16 ed
OCKHAM, Summa Logicae, XIV, 48.
125
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 407-408.
126
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum in primum Librum Sententiarum, IV, 108.
44

Crítica ao realismo sutil: o realismo sutil, tese elaborada por Duns Scotus,
defende que a natureza comum a causa de um acréscimo torna-se natureza
individual. Scotus elabora a teoria da distinctio formalis: afirmando que as coisas
são singulares, mas que a natureza das coisas não é somente singular. Nelas existem
aspectos pelas quais as coisas se assemelham e se distinguem umas das outras,
chamada de natura communis. E é ela que fundamenta o universal. Ockham rejeita
essa opinião e afirma que a singularidade é a essência do indivíduo e não existem
realidades distintas nele: é tudo indiviso. Ockham admite a opinião de Scotus
somente no âmbito trinitário: um ser divino em três pessoas distintas.

Crítica ao realismo mitigado127: O realismo mitigado coloca o universal e o


singular distintos segundo a razão. Existem diversos modos de compreender essa
tese, todos rejeitados por Ockham. Ele afirma que, no fim das contas, não se sabe
mais o que se atribui ao universal e o que ao singular. Uma coisa não pode ser
universal e singular, não é lógico. Nenhuma coisa extramental é universal128.

Assim, para Ockham, o realismo é uma impossibilidade extrema, porque o


universal não pode se encontrar em algum modo fora da mente humana. Os
universais não se encontram nas coisas: eles são nomes que significam por natureza
conceitos gerais e signos que por convenção correspondem a esses 129. Ou seja, o
universal se predica do singular e a ele remanda130.

2.2.2 Conclusão: a prioridade é o singular

Segundo o nosso parecer, depois da análise dos textos, o ponto é que


Ockham enfatiza e dá prioridade ao singular. A sua intenção não é tanto explicar o

127
Para aprofundar a questão, sugerimos o texto: DE URMENETA, Actitudes del tomismo y del
ockhamismo ante los problemas de lo singular y lo universal, in Sapientia, 18 (1963) p. 122-126.
128
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 52-57.
129
Para um aprofundamento da questão ver: MÜLLER, La logica di Ockham, 49-104 e DE ANDRÉS,
El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del linguaje,
130
Cfr. MÜLLER, La logica di Ockham, 57.
45

que é o universal. Ele pode ser inserido no debate sobre os universais, mas muda a
perspectiva. É o que afirma também Leite Junior:

A resposta que Ockham propôs para a questão dos universais move-se no campo da
probabilidade. Parece que o mais importante não é determinar o modo de existência
do universal in anima, quanto seu esforço em recusá-lo como existente extra
animam. Ockham admite a existência do universal na mente enquanto intelecto que
gera um conceito confuso, a partir da similitude das próprias coisas singulares131.

Ockham não nega a existência do universal e também dá a sua interpretação


sobre as Categorias de Aristóteles e sobre o problema colocado por Porfírio.
Elabora a sua própria teoria, reduzindo o universal a um signo 132: Toda a realidade
extramental é singular, e até o universal contido na mente é singular133.

A preocupação de Ockham é afirmar que na realidade (extra anima) existem


somente os entes particulares. Afirma Ghisalberti:

Na verdade, Avicena, Tomás de Aquino e Duns Scotus defendiam que as coisas na


sua natureza não são nem individuais, nem universais, mas são “indiferentes” a um
modo de ser individual ou universal. Singularidade e universalidade são, portanto,
modos de ser do qual se revestem quando se realizam respectivamente na realidade
ou na mente do sujeito conhecedor. Ockham em vez disso é convicto que somente o
indivíduo existe e que a realidade é por si mesma singular e como tal é inteligível,
ou seja, é inteligível na sua singularidade134.

Desse modo temos uma mudança de perspectiva. A ideia não é mais partir do
universal ao singular, mas do singular ao universal. Portanto, o problema dos
universais não é mais um problema metafísico:

O problema dos universais perde toda valência metafísica: dos universais resta
estabelecer como se formam na nossa mente e qual realidade ou natureza possuem.
Uma semelhante impostação do problema é revolucionária respeito àquela
tradicional porque não se pergunta mais como do universal se chega ao singular,
mas como do singular se chega ao universal135.

Todisco completa dizendo que depois de chegado ao universal, Ockham


retorna ao singular: «O problema não é como se chega ao singular, mas como se

131
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 154.
132
Essa teoria é bastante estudada atualmente, ver: C. PANACCIO, Ockham on Concepts, Wiltshire,
2004. e The Cambridge Companion to Ockham, a cura di P. Spade, Cambridge, 2000.
133
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,1, XIV, 48.
134
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 70, tradução própria.
135
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 71, tradução própria.
46

chega ao universal e como, alcançado o universal, se possa e se deva retornar ao


singular»136.

2.3 O singular perpassa toda a obra de Ockham

Segundo aquilo que foi analisado até aqui, podemos afirmar que o singular é
o ponto de partida e o ponto de chegada da filosofia de Ockham no debate sobre os
universais. Os universais são reduzidos a signos mentais. Vemos que o singular é
presente em todos os âmbitos da filosofia de Ockham. A nossa intenção não é
desenvolver todos esses âmbitos, mas observar que o singular está presente em cada
um deles.

2.3.1 Ontologia e Metafísica

A ontologia é o que está na base de toda a filosofia ockhamista: a ontologia


do singular, reconhecendo o valor fundamental da experiência. Afirma Merino:

O mundo não é essência, mas presença, um conjunto de seres singulares irrepetíveis


que não tem essência, mas que são essência. Cada singular é um certo absoluto
indivisível, que não é compreensível a partir do universal e da essência abstrata,
mas de si mesmo. O singular é o primeiro seja no âmbito ser como do conhecer137.

É também a visão de Alféri na sua bela obra Guillaume d’Ockham, Le


singulier. Alféri diz que a ontologia de Ockham é a ontologia do singular. Partindo
da afirmação de Ockham na obra Scriptum in Librum Primum Sententiarum: «Que
toda a coisa fora da alma é singular»138, ele afirma:

136
O. TODISCO, Guglielmo d’Occam, filosofo della contingenza, Padova, 1998, p. 105, tradução
própria.
137
J. MERINO, Storia della filosofia francescana, Milano, 1993, p. 345.
138
«Quod omnis res extra animam est realiter singularis et una numero». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Scriptum Librum Primum Sententiarum, VI, 196.
47

O que é um ser singular, uma coisa singular? Singularidade é o traço fundamental


do ser, deste último ser, externo, que não é um signo e se refere apenas a si mesmo.
É o único objeto legítimo de uma possível ontologia. Esta é realmente a primeira
tese ontológica de Ockham, e que comanda todas as outras139.

Desse modo, a singularidade não reenvia à outras coisas, se não a si mesma.


A singularidade é imediata e não é demonstrável. O modo de ser é o modo de ser
singular, é o mais original e fundamental dos modos de ser. Todas as outras coisas
são significação140.

Tudo aquilo que se afirmava sobre a metafísica tradicional, deve ser


compreendido somente na teoria dos signos, da significação 141: O universal é
entendido somente enquanto signo que nasce e reenvia ao singular. O universal é tal
somente pela sua significação, e desse modo ele é um. Alféri afirma: «O
nominalismo de Ockham não é outra coisa que uma longa expropriação da
ontologia mediante uma teoria dos signos»142.

Para Ockham, o singular não tem essência, mas é a própria essência. A


essência é o próprio indivíduo. Não existe a essência de pessoa humana, mas
essência de Pedro, essência de Maria, etc. A essência não se distingue da
existência143. Conforme esse modo de ver, a tradicional divisão de essência e
existência perde todo o sentido144.

Dessa maneira, conforme Merino, Ockham propõe uma revisão da metafísica


tradicional: os princípios metafísicos devem ser individuais, já que são tantos
princípios constitutivos dela como são tantos os seres singulares.

Exclui-se, portanto, a metafísica para dar espaço à física:

139
P. ALFÉRI, Guillaume d'Ockham, le Singulier, Paris, 1989, p. 29, tradução própria.
140
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 347.
141
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIV, 48.
142
ALFÉRI, Guillaume d'Ockham, le Singulier, 33, tradução própria.
143
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 3, q.2, XXVII, 554.
144
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 348-349.
48

Se a ontologia é abrangida pela experiência e intuição do singular, o conhecimento


do real não se obterá através das essências e das definições universais, mas através
dos experimentos. A física absorve assim todo o conhecimento real e verdadeiro145.

2.3.2 Lógica

Ockham dá grande valor à lógica146. Remetemos um texto de Ockham para


afirmar a importância desse instrumento:

Como tudo aquilo que opera, pelo fato que pode errar em suas operações e em seus
atos, tem necessidade de um princípio diretor, pois que a inteligência humana, na
aquisição da ciência e de sua perfeição própria, procede necessariamente do
desconhecido para o conhecido, pois que sobre esse princípio diretor ela pode errar
de múltiplos modos, é necessário descobrir uma arte, graças à qual ela distinga com
evidência o discurso verdadeiro do falso, para poder, enfim, discernir com certeza o
verdadeiro do falso. Ora, essa arte é a Lógica e é por tê-la ignorado, como atesta o
Filósofo I da Física, que numerosos dos antigos caíram em erros diversos147.

Vignaux aponta que a dimensão da lógica é fundamental na visão sobre os


universais de Ockham, pois é ela que dá um saber certo e indubitável. Desse modo,
Ockham pode afirmar que toda a existência do universal fora da alma é falsa e
absurda. É sublinhada, assim, a dimensão da parcimônia e do saber certo e
indubitável148.

Como coloca em evidência Müller, a lógica segue o pensamento metafísico


de base, isto é, que toda a realidade é singular:

145
MERINO, Storia della filosofia francescana, 379, tradução própria.
146
Para aprofundar o tema, ver: MÜLLER, La logica di Ockham e GHISALBERTI, Guglielmo di
Ockham, 37-63.
147
«Quoniam omne operans, quod in suis operationibus et ectibus potest errare, aliquo indiget
directivo, et intellectus humanus in adquirindo scientiam et suam perfectionem ab ignotis ad nota
discurrit necessario, circa quod directivum errare potest multipliciter, necesse fuit aliquam artem
inveniri per quam evidenter cognosceret veros discursus a falsis, ut tandem posset certitudinaliter
inter verum et falsum discernere. Haec autem ars est logica, propter cuiús ignoriantiam, testante
Philosopho Pysicorum, multi antiqui in errores vários devenerunt». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Expositionis in Libros Artis Logicae, Prooemium, in Opera Philosophica II, ed. E. Moody, New
York, 1974, p. 3, tradução em LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 99.
148
Cfr. VIGNAUX, Nominalisme, 738.
49

A lógica, como a filosofia de Ockham, segue a instância metafísica de base: aquilo


que existe é radicalmente singular em si mesmo e na sua essência, que coincide
com a existência. O primado do indivíduo caracteriza a lógica ockhamista149.

Dessa maneira, quando se fala de termos ou de proposições, em última


instância, se fala do singular, de onde eles derivam e ao qual eles remetem. Palavras
e conceitos são signos das coisas, dos entes singulares150.

2.3.3 Teoria do conhecimento ou gnoseologia

Ockham se interroga sobre a origem do conhecimento e faz a distinção entre


conhecimento intuitivo e conhecimento abstrativo151.

O conhecimento intuitivo é o conhecimento pelo qual entramos em contato


com a realidade e vemos que existem os seres individuais que podem ser
conhecidos. É a relação direta com as coisas. O conhecimento intuitivo pode ser
perfeito ou imperfeito: perfeito é quando o conhecimento faz conhecer a existência
atual de uma coisa ou não, e imperfeito é quando um conhecimento nos fornece
evidências que dizem respeito ao passado152.

O conhecimento abstrativo é aquele que nos fornece um conhecimento de um


objeto considerado simplesmente como tal, prescindindo da sua existência ou não.
Ele também pode ser de dois tipos: o primeiro tipo de conhecimento se refere
imediatamente ao conhecimento intuitivo e é acompanhado sempre por ele. Juntos
formam um habitus, isto é, uma disposição do intelecto que reproduz o ato de
conhecimento original. Já o conhecimento abstrativo de segundo tipo é aquele fruto
de um conhecimento conceitual, ou o conhecimento do universal. Ele é a
representação mental de uma coisa que existe ou pode existir. Assim, o universal

149
MÜLLER, La logica di Ockham, 49, tradução própria.
150
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 40.
151
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Expositio in Librum Primum Sententiarum, 30.
152
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 64-67.
50

não é uma realidade, ele reproduz, significa a realidade. É uma imagem mental dos
objetos singulares extramentais153.

O que interessa sublinhar é que todo o conhecimento nasce do singular e a


ele retorna. A abstração é um conhecimento recavado de muitas coisas singulares e
pelos quais são formados os conceitos154.

Para Ockham a intuição singular é o fundamento do verdadeiro


conhecimento. As espécies universais são discursos abstratos que não são
necessários. Os entes singulares têm essência em si mesmos. Eles podem ser
certamente agrupados em grupos, mas basta por exemplo ver uma só “árvore”, para
formarmos o conceito de “árvore”155.

2.3.4 Filosofia da Linguagem

De Andrés afirma que através da sua concepção de universal como signo,


Ockham deu uma nova visão sobre a natureza do universal. É por meio da palavra
que significa muitas coisas particulares que é possível a universalização. Como
exemplo podemos colocar a palavra “homem” que significa muitas coisas, mas não
se realiza em nenhum deles156.

Ockham ao colocar o fundamento de um determinado tipo de filosofia da


linguagem, não afirma, entretanto, que existe o universal extra animam ou um
preuniversal, segundo De Andrés. O universal é um signo que significa muitas
coisas particulares. É nesse sentido que Ockham pode ser chamado de nominalista,
melhor ainda, conceitualista. Também não podemos afirmar que o universal seja

153
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 64-73.
154
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 360.
155
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 362-364.
156
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Scriptum Librum Primum Sententiarum, VII, 228.
51

somente um “flatum vocis”. Porém, a natureza, a essência, se encontra sempre no


singular, do qual provêm o signo linguístico e ao qual remanda157.

2.3.5 Teologia

O desenvolvimento dos universais em Ockham na obra Scriptum in Primum


Librum Sententiarum, nasce dentro do âmbito teológico, como sublinha Leite
Junior:

Esse é o âmbito da Teologia, quer dizer, trata-se da possibilidade de encontrar entre


Deus e as criaturas alguma coisa comum que seja atribuível à essência de um e de
outro. O próprio Ockham lembra que a resolução dessa questão depende do
conhecimento da natureza do universal, e é acerca de tal natureza que ele levanta
algumas questões158.

Questão essa que Ockham coloca como sendo essencial: para formarmos um
conceito de Deus, o mesmo deve ser predicado primeiramente das criaturas e deve
poder ser predicável de Deus. Ao Homo viator é possível formar tal conceito,
através da univocidade, ideia já desenvolvida por Duns Scotus. A raiz da
univocidade é conceitual, porque Deus e as criaturas são extremamente diversos em
sua essência, mas convergem pelo fato de serem recordados por um mesmo signo
mental159.

Exemplificando citamos a ideia de “sabedoria”, que se apresenta em Deus e


nas criaturas em proporções infinitamente diferentes. Esse conceito de “sabedoria” é
quididativo: ele me diz o que é Deus, e não simplesmente nomina. Não é, porém,
demonstrativo, porque não tenho conhecimento intuitivo de Deus160.

157
DE ANDRÉS, El nominalismo de Guillermo de Ockham como filosofia del lenguaje, 70-73.
158
LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 90.
159
GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 27.
160
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 127
52

A demonstração principal da existência de Deus se dá pelo argumento da


conservação. Os entes, recebem o ser de um Outro, e permanecem na existência até
que Ele os conserva161.

Apesar de indicar tal prova da existência de Deus, Ockham diz que não
podemos demonstrar filosoficamente a existência do Deus Trinitário: Este nos é
dado através da Revelação162. Desse modo, vemos que também no âmbito da
teologia racional de Ockham, o ponto de partida é o conhecimento intuitivo, o
singular.

161
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 138.
162
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 140-143.
53

3 O singular na dimensão antropológica

O singular163, como sublinhado anteriormente, faz parte das diversas


dimensões da filosofia de Ockham. Mostraremos, nesse capítulo, que o singular
passa também pela dimensão antropológica desenvolvida pelo filósofo franciscano.
Além disso, o singular, abordado em determinados âmbitos como o lógico, pode ser
visto em perspectiva antropológica. Tendo como base a sua ontologia do singular, a
visão de pessoa humana também é permeada da singularidade. Ele segue o modo
franciscano de ver o mundo e oferece uma interessante reflexão para os dias atuais.

3.1 Conceito de pessoa humana segundo Ockham

Para Ockham, a pessoa humana é vista como uma realidade unitária de corpo
e de alma. Ele afirma que existe pluralidade de formas na pessoa humana, mas, ao
mesmo tempo, o ser humano é uma realidade unitária. Na visão antropológica, pode
se observar que Ockham dá ênfase ao aspecto da singularidade de cada pessoa e, de
igual modo, ao singular existente em cada ser humano: pluralidade de formas em
cada pessoa e pluralidade de seres existentes. Ockham não elabora uma
antropologia sistemática, porém é possível traçar as linhas da sua antropologia164.

163
Preferimos utilizar neste trabalho o termo singular. Nos textos ockhamistas, encontram-se os
termos indivíduo, particular, entre outros. Seguimos a visão de ALFÉRI, Guillaume D’Ockham, Le
singulier.
164
O. LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, in Revista Española
de Filosofia Medieval, 13 (2006), p. 47, Internet (07.05.2019):
https://www.academia.edu/31801358/El_hombre_una_singularidad_en_el_universo_f%C3%ADsic
o_ockhamista_por_Olga_LARRE, tradução própria.
54

3.1.1 Antropologia ockhamista: Unidade tendo em conta as partes

Na Quaestio XV do Quodlibet 5165, Ockham reflete sobre a ideia de pessoa


humana e procura dar-lhe uma definição completa. Ele evidencia a diferença entre a
concepção de homem feita pelo físico daquela feita pelo metafísico. O físico,
conforme a linha de Aristóteles, afirma que o homem é “uma substância composta
de corpo e alma intelectiva”, já o metafísico diz que o homem é um “animal
racional”.

Sobre essa diferença colocada, interroga-se o filósofo inglês: Quem dos dois
há razão? Ele responde que, na verdade, nenhum deles. Para ser completa a
definição de homem deve compreender o gênero “homem”, mas também tantas
diferenças quantas são as partes essenciais da pessoa humana166:

Se definimos o homem deste modo: o homem é uma substância composto de corpo


e alma intelectiva; esta definição natural e estes termos oblíquos [transversais],
corpo e alma intelectiva, exprimem a parte do objeto. Todavia, na definição
metafísica um termo não se define como oblíquo. Mas o gênero é colocado em
modo justo e igualmente as diferenças exprimem as partes essenciais do objeto
definido. Exemplo: se definimos o homem deste modo: o homem é um animal
racional, esta definição é metafísica. Igualmente esta: uma substância animada
sensível, na qual todos os termos estão no seu lugar. E mesmo que tais termos
sejam predicados no lugar adequado, todavia exprimem partes essenciais da coisa
definida. Todavia, não supõem estas singulares partes, mas precisamente todo o
composto daquelas partes. Assim, como o branco exprime a brancura, e supõe o
sujeito da brancura. Ademais, as diferenças postas nas definições naturais
exprimem as partes essenciais definidas e supõe aquelas167.

165
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 5, XV, 538-542.
166
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195-196.
167
«Si diffiniamus hominem sic: homo est substantia composita ex corpore, et anima intellectiva;
ista est diffinitio naturalis, et isti termini obliqui: corpore et anima intellectiva, exprimunt partes rei.
In diffinitione autem metaphisicali non ponitur aliquis terminus in obliquo. Sed genus ponitur in
recto et similiter differentiae exprimentes partes essentiales rei definitae. Exemplum: ista definitio
hominis sic: homo est animal rationale, haec diffinitio est metaphisicalis. Similiter haec: substantia
animata sensibilis, ubi omnes termini ponuntur in recto. Et quamvis tales praedicantur in recto de
diffinito, tamen exprimunt partes essentiales rei diffinitae. Non tamen supponunt pro illis partibus,
sed praecise pro toto composito ex illis partibus. Sicut album exprimit albedinem et tamen non
supponit pro albedine, sed tantum pro subiecto albedines. Differentiae autem positae in diffinitione
naturali exprimunt partes essentiales diffiniti et pro illis supponunt». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, 5, XV, in GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 193-194. Seguimos a tradução
de Ghisalberti, como também o original em latim usado por ele.
55

A definição de pessoa humana desenvolvida por Ockham, segundo


Ghisalberti, é: “O homem é uma substância material, sensível, racional”. Com a
palavra “substância” se indica o gênero e com as palavras material, sensível,
racional, se indica a matéria, a alma sensitiva e a alma intelectiva do ser humano.

Ockham mostra também que os seres que pertencem a uma mesma espécie
não têm um princípio comum, uma natureza comum168. Eles somente podem ser
agrupados em uma determinada espécie, como signo mental, mas a ela não é uma
realidade existente nas coisas.

Não existe uma natureza comum aos indivíduos que pertencem a uma mesma
espécie. Ele rechaça toda ideia de um universal nas coisas. Desse modo, não existe
diferença entre termos como “homem” e “humanidade”. Eles, no fundo, são a
mesma coisa, pois em cada homem se encontra a sua própria humanidade.

Podemos explanar essa ideia com um exemplo: O ser Aristóteles é a mesma


coisa que a sua “aristoteleidade” (aquilo que define Aristóteles). Aristóteles e a
“aristoteleidade” são termos sinônimos, mesmo que com características diferentes.
O termo “homem” significa uma natureza que se compõe de uma alma intelectiva e
um corpo e que subsiste por si mesmo. Já o termo “humanidade” designa uma
natureza que se compõe de corpo e alma intelectiva, sem especificar se é sustentada
por algum suposto169.

Desse modo, Ockham expõe a sua visão na Summa Logicae:

Tal nome “humanidade” não significa nada se não uma natureza composta de corpo
e alma intelectiva não conotando que esta natureza é fundada por qualquer suposto.
O homem é uma composta de corpo e de alma intelectiva por nenhum suposto
sustentada, ou é qualquer suposto que sustenta tal natureza composta de corpo e
alma intelectiva170.

168
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 194-195.
169
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195.
170
«Hoc nomen “humanitas” nihil significat nisi naturam unam compositam ex corpore et anima
intellectiva non connotando, quod ista natura sustentetur ab aliquo supposito. Homo est natura
composita ex corpore et anima intelectiva a nullo supposito sustentata, vel est aliquod suppositum
talem naturam compositam ex corpore et anima intelectiva sustentans». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Summa Logicae, 1, VII, 24.
56

Ockham exclui também a possibilidade de uma terceira definição que seria a


definição lógica171, porque o lógico não tem condição de definir o que é a pessoa
humana. O âmbito do lógico são os signos. A lógica pode ser um instrumento para
que as outras ciências possam defini-lo. Afirma Ockham:

E, portanto, é um engano aquilo que dizem alguns, isto é, que do homem existe
uma definição lógica, uma natural e uma metafísica. Porque o lógico, por não tratar
do homem, não trata das coisas que não são signos, não pode definir o homem, mas
pode ensinar em que modo as outras ciências que tratam do homem devam defini-
lo172.

Segundo a visão de Ockham, é importante evidenciar a parte sensitiva do ser


humano que se diferencia da alma intelectiva, ideia rejeitada por muitos outros
filósofos173. Afirma Ghisalberti:

Certamente é difícil demonstrar que a alma sensitiva e aquela intelectiva são


distintas no homem, do momento que tal distinção não é obtida por proposições
evidentes. Ockham, todavia, se esforça para elaborar uma prova da distinção real
delas, acenando à experiência: é manifestado que o homem pode querer alguma
coisa com o apetite sensível, enquanto ao mesmo tempo a pode rejeitar com a
vontade racional174.

Sendo assim, o ato na qual uma pessoa aceita uma coisa e o ato com o qual
também pode rejeitar a mesma coisa, mostra que esses dois atos são dois contrários.
Mas é impossível que no mesmo sujeito possam existir dois contrários
contemporaneamente. Desse modo, existem duas formas distintas no ser humano.
Uma é a alma intelectiva e a outra é a alma sensitiva175.

Ockham procura diferenciar também a alma sensitiva da forma corpórea176.


Ele admite que é difícil demonstrar apoditicamente a distinção entre essas duas
formas. A tese que Ockham elabora é a consequência da sua concepção de matéria.

171
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195.
172
«Et ideo trufaticum est illud, quod dicunt aliqui, quod hominis quaedam est definitio logicalis,
quaedam naturalis, quaedam metaphysicalis: quia logicus, cum non tractet de homine, eo quod non
tractat de rebus, quae non sunt signa, non habet hominem definire, sed habet docere, quomodo aliae
scientiae tractantes de homine ipsum definire debent». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae,
1, XXVI, 77.
173
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM. Quodlibeta Septem, 2, X, 156-161.
174
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 195-196, tradução própria.
175
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, X, 156-161.
176
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, XI, 162.
57

A matéria, segundo a sua concepção, não é somente potencialidade. Ele dá uma


consistência ontológica a ela, é um ente em ato. Matéria e substância são entidades
singulares, quase constituindo um isomorfismo177.

Desse modo, o corpo humano, que é a matéria em relação à alma, tem uma
atualidade e uma forma própria e que são independentes da alma. É desta maneira
que se pode ver a natureza do organismo, que se une a uma substância espiritual178.

Para exemplificar essa questão, Ockham expõe dois argumentos. O primeiro


é parecido com aquele usado por Duns Scotus, quando ele quer estender a todos os
seres viventes uma forma corpórea. Tese essa já apresentada por Henrique de
Gand179.

Ockham, exemplificando com questões práticas, coloca a seguinte questão:


Em que modo um cadáver humano ou de um animal conserva as suas características
ou seus traços, que o impedem de ser confundidos com outro cadáver? Não pode ser
pela matéria primeira, porque ela não serve de suporte dos acidentes separáveis.

O que faz com que o cadáver mantenha os seus traços originais que o
impedem de ser confundido com outros é a forma da corporeidade, ou seja, é o
princípio que permite a cada ser vivente uma unidade e característica peculiares,
que perduram por um tempo, mesmo depois da morte do ser vivo180.

Um último argumento que Ockham expõe a favor da teoria181é um


argumento teológico. Ele diz que para poder explicar a identidade numérica do
corpo vivente e do corpo morto de Cristo é necessário postular a forma da
corporeidade. Caso contrário, não seria possível fazê-lo.

Ockham, segundo o dado proclamado e seguindo a reflexão filosófica feita


pelos seus predecessores, explica a união entre a alma e o corpo. Merino sublinha

177
Cfr. A. PETAGINE, Il fondamento positivo del mondo, indagini francescane sulla materia
all’ínizio del XIV secolo (1300-1330 ca.), Canterano, 2019, p. 149-154.
178
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 196.
179
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 196.
180
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 197.
181
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, XI, 162.
58

também a questão da unidade corpo e alma em Ockham, que segue a linha clássica
de pensamento. Mas, ao mesmo tempo, observa-se que ele dá uma intepretação
diferente daquela de São Tomás de Aquino e de Agostinho de Hipona. Tomás
sustentava que a alma é a forma substancial do corpo. Agostinho defendia que a
união da alma e do corpo se dá através da forma da corporeidade182.

Ockham, segundo Merino, segue a tese proclamada pelo Concílio de Vienne


(1311), onde se proclama que a alma intelectiva da pessoa humana é a forma do
corpo. Assim é assunta a posição de Tomás de Aquino e rejeitada a posição de
Pedro Olivi. Ockham não coloca em discussão essa questão. Afirma, porém, que a
tese proclamada pelo Concílio não pode ser comprovada filosoficamente183.

Ockham também interpreta a questão alma e corpo de maneira hilemórfica,


ou seja, que a alma se une ao corpo humano, como a matéria à forma. Mas o que ele
questiona é essa perfeição formal, com a qual a pessoa humana conhece e ama, ser
uma substância incorruptível, imaterial e ingerada, provada filosoficamente.
Segundo Ockham isso não é possível. Esse dado se tem somente através da fé184.

Ghisalberti coloca em evidência a semelhança e a diferença entre Duns


Scotus e Ockham sobre o argumento da indemonstrabilidade da imortalidade de
alma entre os dois. Ambos afirmam que não se pode demonstrar em modo apodítico
que a sobrevivência da alma no corpo. Mas as duas concepções de alma são muito
diversas. Duns Scotus afirma que a alma é uma substância espiritual que se une ao
corpo como forma substancial. A impossibilidade de demonstrar a imortalidade da
alma está no modo como ele entende a união dessas duas formas ao interno de cada
ser humano.

Ockham, por sua vez, afirma que não se pode demonstrar a espiritualidade da
alma e, igualmente, não se pode demonstrar e que ela se une ao corpo de modo
substancial. Assim, também não é possível demonstrar que a alma sobrevive no

182
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
183
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
184
Cfr. MERINO, Storia della Filosofia Francescana, 412.
59

corpo. Dessa maneira se vê a diferença no modo de entender a imortalidade da alma


em relação aos predecessores e indica em que âmbito está a filosofia de Ockham: a
verdade deve ser comprovada empiricamente185.

Ockham também neste aspecto é atento a não misturar as dimensões


filosófica e teológica. Afirma Ghisalberti:

A precisão é muito importante do ponto de vista histórico, do momento que ilumina


uma diversidade de metodologia crítica e de interesse filosófico entre os dois
autores, e nos revela melhor o contexto entre o qual se move a reflexão filosófica de
Ockham: de um lado, o Venerabilis Inceptor reduz constantemente o número das
verdades alcançadas apoditicamente ou que resistem a um serrado exame empírico,
enquanto do outro é pronto a manter tais verdades inscritas no horizonte
teológico186.

Para averiguar a natureza específica da alma intelectiva, tantos pensadores


cristãos tentaram dar uma resposta. Na sua grande maioria, durante os filósofos
medievais defendiam que a alma intelectiva é de natureza espiritual e corresponde à
forma do corpo. Ockham, por sua vez, se afasta dessa opinião187.

Em primeiro lugar, ele afirma que são necessárias algumas observações


preliminares. Desse modo, precisa ser visto, segundo Ockham, se é possível ter
algum conhecimento intelectivo, mesmo a alma não sendo forma do corpo. Afirma
Ockham no Quodlibeta Septem:

Se podemos conhecer a alma intelectiva por quanto não tenha forma corpórea...
Parece que sim, porque muitas coisas são atribuídas a uma só coisa a causa de
alguma propriedade comum que não é nem a sua forma, nem a sua matéria e nem
uma parte sua. Assim como dizemos que alguma coisa é atribuída a uma outra coisa
por causa do instrumento e do hábito e similares. Do mesmo modo dizemos que
este homem é um remador do remo, ou uma capinador da atividade de capinar. E
dizemos que este está vestido, calçado ou armado. E dizemos que aquele homem
machuca um outro homem porque os seus hábitos machucam o outro188.

185
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 199.
186
GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 199, tradução própria.
187
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 197.
188
«Utrum possemus intelligere per animam intellectivam, quamvis non esset forma corporis...
Videtur quod sic, quia multa attribuuntur uni rei propter aliquam comunicationem idiomatum, quae
nec est forma, nec materia, nec pars eius; sicut dicimus aliquid attribui alteri propter instrumentum,
vel propter vestimentum et similia. Quemamdmodum dicimus istum hominem esse remigatorem a
remo, vel fossorem a fodiendo. Et illum dicimus esse vestitum, calciatum et armatum. Et dicimus
60

Andando contra a opinião de Aristóteles, Ockham afirma que se


compreendemos a alma intelectiva como forma imaterial e incorruptível que se
encontra no todo e nas partes, não podemos afirmar pela razão que a alma espiritual
é a forma do corpo:

Se compreendemos a alma intelectiva como forma imaterial e incorruptível que


toda é no todo e toda em todas as partes, não se pode evidentemente conhecer com
a razão ou experiência que tal forma está em nós, nem que tal alma tenha a forma
corpórea. Não me preocupo de qualquer coisa que pensou Aristóteles a este favor,
pois em casa lugar parece que fala com hesitação. Mas tenhamos fé somente nestes
três aspectos189.

Através da experiência de nosso mundo interior nós não vemos que existe
uma forma imaterial e incorruptível. Também não podemos demonstrar que os atos
intelectivos dessa experiência sejam os atos dessa forma imaterial. A intelecção e o
querer poderiam derivar de uma forma do corpo que seja estendida e corruptível,
por exemplo. E mesmo que pudéssemos demonstrar que os atos intelectivos e
volitivos que experimentamos sejam uma substância imaterial, não poderíamos,
porém, afirmar que tal substância se une ao corpo como forma, porque também
poderia ser o motor190. Conclui Ockham:

Responderei no modo seguinte à razão natural, isto é, que nós fazemos experiência
do conhecimento em nós como ato da forma corruptível e corpórea. E se deveria
responder consequentemente que tal intelecção é recebida na forma estendida. De
outro lado, não fazemos experiência deste conhecimento que é operação própria da
substância imaterial, e, portanto, por conhecimento não concluímos que aquela
substância seja incorruptível em todas as coisas como a forma. E se fortemente
experimentaremos que este conhecimento está em nós, não poderíamos mais
concluir se não que esteja somente em nós como motor, não como uma forma191.

quod ille homo tetigit alium quia vestimenta sua tetigerunt alium». GUILLELMUS DE OCKHAM,
Quodlibeta Septem, 1, X.
189
«Intelligendo per animam intellectivam formam immaterialem et incorruptibilem Ockham, quae
tota est in toto et tota in qualibet parte, non potest sciri evidenter per rationem vel experientiam
quod talis forma sit in nobis, nec quod intelligere talis substantiae proprium sit in nobis, nec quod
talis anima sit forma corporis. Quicquid de hoc senserit Aristotiles non curo, quia ubicumque
dubitative videtur loqui. Sed ista tria solum fide tenemus». GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta
Septem, 1, X.
190
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 198.
191
«Responderet sequens rationem naturalem, quod experimur intellectionem in nobis quae est
actus formae corruptibilis et corporeae. Et diceret consequenter quod talis intellectio recipietur in
forma extensa. Non autem experimur istam intellectionem quae est operatio propria substantiae
immaterialis, et ideo per intellectionem non concludimus illam substantiam incorruptibilem esse in
61

Um componente continuamente presente no pensamento de Ockham é que o


homem é composto por uma pluralidade de formas: a forma intelectiva, a forma
sensitiva e a forma da corporeidade. A forma intelectiva confere ao homem a
capacidade de pensar, de raciocinar. A segunda confere à capacidade ao corpo de
viver e a última qualifica a pessoa humana como corpo. A pluralidade das formas é
uma característica própria da escola franciscana192.

Admitindo, porém, a pluralidade de formas no corpo humano, Ockham não


rejeita a ideia de que a pessoa humana é uma realidade única, completa, conforme
ele mesmo afirma: «No homem existe um só ser total e diversos seres parciais»193.
Vemos que o ser humano é interpretado como uma realidade compacta e total. A
pluralidade não exclui a unidade, o que é assegurado no corpo humano pela alma
racional, em conformidade com o decreto de Vienne.

Outra característica fundamental da antropologia de Ockham e evidenciada


por Merino é a liberdade humana194. Conforme abordado por Ockham no
Quodlibeta Septem, a vontade é a capacidade do homem de se autodeterminar, e
essa prova se dá através da experiência. Ockham afirma:

Se pode conhecer por provas concretas mediante à experiência. De fato, cada


homem experimenta que, por quanto a razão diga alguma coisa, a sua vontade pode
querê-la ou menos195.

Afirma Merino, sobre a importância da liberdade na antropologia de


Ockham:

A liberdade ockhamista não se limita à liberdade de oposição, isto é, de poder


escolher entre dois contrários e várias alternativas, mas é anterior a esta: é
capacidade radical da vontade se autodeterminar. A essência da liberdade não está

omnibus tamquam formam. Et forte si experimeremur istam intellectionem esse in nobis, non
possemus plus concludere nisi quod esset solum in nobis tamquam motor, sicut forma».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 1, X.
192
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 413-414.
193
«Quod hominis est tantum unum esse totale, sed plura sunt esse partialia». GUILLELMUS DE
OCKHAM, Quodlibeta Septem, 2, X, 161.
194
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 417-418.
195
«Potest tamen evidenter cognosci per experientiam, per hoc quod homo experitur quod
quantumcumque ratio dictet aliquid, potest tamen voluntas hoc velle vel non velle nel nolle».
GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 1, XVI, 88.
62

no ato intelectivo, mas no poder privilegiado de autodeterminação, isto é, no querer


ou menos de alguma coisa de concreto196.

Neste sentido, o pensamento de Ockham se encontra em linha com o


pensamento franciscano que coloca a liberdade como central na pessoa humana e
que não se limita apenas à liberdade de escolha, mas é a capacidade radical de poder
querer ou não uma determinada coisa197.

Existe, porém, uma diferença entre a visão de Ockham198 e de outros


pensadores franciscanos, como Scotus. Para Scotus, existe na vontade humana uma
orientação natural voltada para o Bem infinito, ou seja, para Deus, que é a resposta
para as aspirações mais profundas do ser humano.

Já Ockham rejeita essa ideia e diz que não existe uma tendência natural da
vontade humana para o Bem Infinito e nem à felicidade em geral. A prova disso é
que existem pessoas que podem renunciar à felicidade. Assim, a liberdade é
“extremamente livre”, incondicionada: pode querer ou não querer a felicidade. À
liberdade nada pode ser ordenado199.

Ockham não rejeita a ideia de que é possível que o ser humano possa ter o
possesso da essência divina, porém essa não pode ser demonstrada filosoficamente.
É um dado de fé200. O que o filósofo inglês quer mostrar é que a pessoa humana não
quer necessariamente a felicidade perfeita, já que mediante o intelecto a pessoa
pode afirmar que é impossível conseguir alcançá-la.

O fato que a vontade seja inclinada a um bem infinito é indemonstrável da


mesma maneira que não se pode demonstrar que a vontade queira o impossível201.
Um dos motivos pelos quais Ockham afirma isso é a impossibilidade de demonstrar
a existência de um bem infinito. Esse é um pensamento fortemente presente em
Ockham: «A fé nos ensina com certeza que Deus é o fim último do homem e do

196
MERINO, Storia della filosofia francescana, 418, tradução própria.
197
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 418.
198
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 7, XIV, 753-755.
199
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 418-419.
200
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 419.
201
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, 3, I, 207-208.
63

mundo. Mas a razão não pode demonstrá-lo filosoficamente em modo claro e


convincente»202.

No que diz respeito a relação entre a vontade e à razão num ato feito
voluntariamente, Ockham afirma que a vontade não deve necessariamente obedecer
à razão. Quem decide em última instância é a vontade, mesmo o intelecto propondo
e motivando o objeto à vontade. Para ser plenamente livre e ética, ela deve obedecer
à vontade divina, porque Deus é o Ser livre por excelência203. Neste sentido,
Ockham segue a escola franciscana, que vê na vontade a principal característica do
ser humano, e não no intelecto, como afirma São Tomás de Aquino.

Concluímos, a partir dos textos de Ockham e também dos seus comentadores


que o filósofo inglês compreende o ser humano como um ser unitário, composto por
uma pluralidade de formas: forma intelectiva, forma sensitiva, forma da
corporeidade. Importante sublinhar o aspecto da corporeidade, que por muitos
filósofos, foi deixado à margem. A liberdade também é para Ockham um aspecto
constitutivo do ser humano.

Afirmamos, desse modo, que Ockham permanece fiel à tradição franciscana


e, ao mesmo tempo, propõe elementos de antropologia radicalmente novos e
originais. Na reflexão antropológica, segue a sua ideia de singular e usa como
instrumento a lógica204.

3.1.2 O indivíduo

O texto do qual partiremos para desenvolver a ideia de indivíduo, de


singular, não é um dos textos considerados “antropológicos” dentro dos escritos de
Ockham, mas é um texto da obra Summa Logicae, onde ele comenta as categorias

202
MERINO, Storia della filosofia francescana, 419, tradução própria.
203
Cfr. MERINO, Storia della filosofia francescana, 419-420.
204
Para aprofundar a questão veja-se: M. DAMIATA, I problemi di Ockham, L’uomo, vol. IV,
Firenze, 1999.
64

de Porfírio. Todisco, no livro Guglielmo d’Occam, filosofia della contingenza, já


intui que esse texto pode ser visto em uma dimensão antropológica, quando na
antologia coloca-o na parte das perspectivas antropológicas205.

Expomos, em seguida, o texto de Ockham e o comentaremos:

Depois de ter falado sobre o universal, ocorre explorar em particular, a índole dos
cinco universais. Antes, porém, ocorre dizer alguma coisa acerca do indivíduo, que
é conteúdo sob qualquer universal.
É bom saber, antes de tudo, que para os lógicos esses nomes - indivíduo, singular,
suposto (suppositum) – são convertíveis, se bem que para os teólogos “indivíduo” e
“suposto” não é que a substância, enquanto o acidente é o indivíduo. Mas aqui,
neste capítulo, precisa-se usar estes termos no modo dos lógicos.
Ora, para o lógico o termo “indivíduo” é compreendido em três significados. De
fato, em um primeiro modo indivíduo é dito aquilo que é numericamente uno e não
mais, e entendido assim é lícito sustentar que cada universal é um indivíduo. Em
um segundo modo se diz indivíduo a coisa que está fora da alma, coisa que é uma e
não mais e que não é signo de alguma coisa; segundo esta acepção cada substância
é indivídua. Em um terceiro modo se diz indivíduo o signo próprio a uma coisa, que
é chamado termo discreto, e nesta acepção Porfírio diz que o indivíduo é aquilo que
se predica de um só. Mas esta última definição não se pode entender de uma coisa
existente fora da alma, por exemplo Sócrates, Platão e outros similares, porque uma
tal coisa não é predicável nem de um e nem de mais; por isso, precisa que seja dita
de qualquer signo próprio de uma coisa, signo que não pode predicar que de um só,
isto é, não vem predicado de algum convertivelmente, em modo de poder estar no
lugar (supponere) de muitos na mesma proporção.
Ora, um tal indivíduo pode ser indicado em três modos. De fato, às vezes é o nome
próprio de alguém, como este nome “Sócrates” e este nome “Platão”. Às vezes, é
um pronome demonstrativo, como por exemplo, “Aquele é homem”, indicando
Sócrates. Às vezes ainda é pronome demonstrativo que está junto a algum termo
comum, como por exemplo, “este homem”, “este animal”, “esta pedra” e assim se
diga dos outros.
E como se distingue em torno ao nome “indivíduo”, assim se pode distinguir acerca
dos nomes “singular” e “suposto”206.

205
Cfr. TODISCO, Guglielmo d’Occam, filosofo della contingenza, 241-242.
206
«His praemissis de universali dicendum est de quinque universalibus in speciali. Primo tamen
dicendum est de individuo, quod continetur sub quolibet universali.
Et est sciendum primo quod apud logicos ista nomina convertibilia sunt ‘individuum’, ‘singulare’,
‘suppositum’, quamvis apud theologos ‘individuum’ et ‘suppositum’ non convertantur, quia apud
eos suppositum non est nisi substantia, accidens autem est individuum. Sed in isto capitulo
utendum est istis nominibus illo modo quo logici utuntur eis.
Apud logicum autem ‘indiduum’ tripliciter accipitur. Nam uno modo dicitur individuum illud quod
est una res numero et non plures, et sic potest concedi quod quodlibet universale est individuum.
65

Expondo os cinco universais, Ockham quer mostrar a índole dos mesmos,


isto é, em que consistem os universais. Mas antes de falar deles, como já
demonstrado anteriormente, é necessário falar do individual, pois ele é o conteúdo
do universal.

Escrevendo numa perspectiva lógica, o Venerabilis Inceptor afirma que


existem três modos de entender o individual. O individual numericamente um e,
desse modo, também o universal é individual (primeira acepção). A coisa que está
fora da alma, que é uma e não mais, e assim toda a substância é individual (segunda
acepção).

Na última acepção e a que mais é desenvolvida por Ockham, ele diz que o
signo mental próprio de uma coisa, também é individual, o chamado termo discreto.
Ele está na alma, e por isso é capaz de ser predicável de uma coisa. Esse signo
mental individual pode ser tomado em três modos: como nome próprio, como
pronome demonstrativo e como pronome demonstrativo acompanhado de um nome
comum.

Nos três modos expostos por Ockham, observamos que o signo mental se
refere em última análise ao individual, ao singular. Queremos sublinhar o primeiro
modo, que se refere ao nome próprio de alguém: “Sócrates”, “Platão”. Este nome
próprio sempre se refere a alguém particular, a uma pessoa ou a um ente. Apesar de
se encontrar na nossa mente como signo, como conceito, jamais ele se refere a um
universal, à ideia de humanidade, por exemplo. Os nomes próprios que usamos para

Aliter dicitur individuum res extra animam, quae est una et non plures, nec est signum alicuius; et
sic quaelibet substantia est individuum. Tertio modo dicitur individuum signum proprium uni, quod
vocatur terminus discretus; et sic dicit Porphyrius quod individuum est quod praedicatur de uno
solo. Ista autem definitio non potest intelligi de re exsistente extra animam, puta de Sorte et Platone
et huiusmodi, quia res talis non praedicatur de uno nec de pluribus, ideo oportet quod intelligatur de
aliquo signo proprio uni, quod non potest praedicari nisi de uno; hoc est non praedicatur de aliquo
convertibiliter, quod potest supponere pro pluribus in eadem propositione. Tale autem individuum
tripliciter potest assignari. Quia aliquod est nomen proprium alicuius, sicut hoc nomen ‘Sortes’ et
hoc nomen ‘Plato’. Aliquod autem est pronomen demonstrativum, sicut hic ‘hoc est homo’,
demonstrando Sortem. Aliquando autem est pronomen demonstrativum sumptum cum aliquo
termino communi, sicut ‘hic homo’, ‘hoc animal’, ‘iste lapis’, et sic de aliis. Et sicut distinguitur de
hoc nomine ‘individuum’, ita potest distingui de hoc nomine ‘singulare’ et de hoc nomine
‘suppositum’». GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae 1, XIX, 65-67.
66

definir os entes são singulares e os entes, por sua vez, também o são. Os signos
mentais têm a sua base na singularidade e não na universalidade.

Ockham afirma que é do singular que se passa ao universal. E todo o


universal é individual, por sua vez. Toda realidade é singular207. Ou seja, o termo
“indivíduo” ou “singular” se refere a tudo o que é um e não mais, a tudo o que está
fora da alma, que é uma e não mais, e por último, indivíduo é o signo próprio de
uma coisa, que se obtém através da suposição (suppositio).

A suposição (suppositio) para Ockham e para outros filósofos medievais, é a


propriedade que os termos têm de estar no lugar de alguma coisa. Três são os tipos
fundamentais de suposição: pessoal, simples e material. A suposição pessoal é
aquela mencionada anteriormente, ou seja, quando o termo supõe pelo seu
significado próprio e cada termo significa somente realidades singulares. Por
exemplo, na frase: “A mulher caminha”, o termo mulher pode somente significar
mulheres concretas (Maria, Paula, etc) e somente aquelas que podem caminhar. A
suposição simples se refere a termos que estão no lugar de um conceito e a
suposição material se refere a termos que estão no lugar de si mesmo ou de um
termo sinônimo208.

Desse modo, podemos observar que na exposição de Ockham é o individual


claramente a dimensão prioritária da filosofia. A espécie se refere à suposição, ao
significado, porém é concretizado no singular. O conteúdo de qualquer universal é o
singular. Assim, é o homem que contém em si a humanidade. A humanidade é
somente um signo mental para designar todos os entes particulares, mas esse signo
não subsiste por si mesmo. Cada pessoa tem a sua própria humanidade, ou seja, é
uma essência e tem suas características próprias.

A individualidade, a singularidade é a fonte de conhecimento e de relação,


segundo Ockham, contrastando com a filosofia platônica. Este aspecto é colocado

207
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae, 1, XIX, 65-66.
208
Cfr. GHISALBERTI, Introduzione a Ockham, 71-74.
67

em evidência por Vasoli. Ele também diferencia a visão de Ockham da visão


tradicional:

Este conceito ockhamista do indivíduo significa, de fato, que a realidade nos é dada
somente pela simples presença de infinitos entes particulares entre os quais não é
mais possível a subordinação a um plano lógico universal e onde o indivíduo não é
mais a parte, nem a manifestação de um princípio, de uma ordem transcendente.
Individualitas, particularitas e unitas: eis os novos conceitos dos quais Ockham
começa a reivindicar o significado mais frutífero e dos quais se servirá como
melhores instrumentos na sua luta contra a tradição platonizante e as tendências
abstratas dos aristotélicos209.

Como observado anteriormente, quando situamos Ockham no debate sobre


os universais, é o singular o ponto de partida da sua filosofia, não o universal, o
gênero ou qualquer forma de universalização. Explicita Sanguineti:

O individualismo lógico de Ockham o arrastou assim a erigir ao mesmo indivíduo o


titular exclusivo da sua própria essência, que é ele mesmo. Ockham não nega a
existência da natureza, porém na sua intenção de enraizá-la aristotelicamente nos
singulares chegou a identificá-la com a mesma singularidade210.

Até mesmo o conceito de suposição (suppositio), ou seja, o significado de


humanidade se encontra em cada pessoa humana é identificado com o próprio
individual, conforme notamos no texto da Summa Logicae. Afirma Sanguineti:

Para Ockham temos que dizer que “Pedro é a sua humanidade”, porque ele entende
que se a humanidade de Pedro é individual e não geral, não pode ser mais que “este
homem”, e, portanto, vem a coincidir com o mesmo indivíduo (Pedro é
homem=Pedro é este homem). Porém este fato não exclui que tanto o nome próprio
Pedro, como o nome comum homem, que é concreto e não abstrato como
humanidade, incluam o todo individual, se bem que significando a essência, e,
portanto, não podem identificar-se com a parte que significam, porque supõem o
todo211.

Larre sublinha a semelhança entre os termos “homem” e “humanidade” na


filosofia de Ockham. São expressões da mesma realidade:

Recordemos que para Ockham todos os indivíduos que pertencem a uma mesma
espécie não resultam compostos de uma natureza comum e de um princípio que
tornaria individual essa natureza, pois para Ockham o indivíduo é tal em todas as

209
C. VASOLI, Guglielmo d’Occam, Firenze, 1953, p. 101, tradução própria.
210
J. SANGUINETI, Individuo y naturaleza em Guillermo de Ockham, in Scripta Theologica 17
(1985), p. 853. Internet (07.05.2019): http://dadun.unav.edu/handle/10171/14655, tradução própria.
211
SANGUINETI, Individuo y naturaleza em Guillermo de Ockham, 859-860, tradução própria.
68

suas partes. Por conseguinte, entre os termos homem e humanidade não existe
diferença: ambos significam o mesmo. Se trata de termos sinônimos que expressam
uma mesma realidade: o termo homem designa uma natureza composta por um
corpo e uma alma intelectiva que se sustentam por si, enquanto que humanidade
significa a mesma natureza composta de corpo e alma intelectiva, sem especificá-la
como subsistente212.

Apesar desta distinção ser feita em âmbito lógico podemos afirmar que ela
engloba o âmbito antropológico. É na singularidade de cada pessoa que se encontra
a essência dela213.

3.2 Antropologia a partir do singular

O conceito de antropologia, na atualidade, é muito amplo e igualmente


estudado sob diversos âmbitos214. Propomos, a partir, dos textos de Ockham, uma
antropologia a partir do singular. Este tema faz parte do pensamento franciscano e
Ockham lhe dá uma conotação especial.

3.2.1 Antropologia franciscana

Na Idade Média, ou seja, no tempo em que Ockham desenvolve o seu


pensamento não existia a antropologia como nós a concebemos hoje. A pessoa
humana era compreendida na sua relação com Deus, ou seja, a antropologia era
ligada fortemente à teologia como duas ciências que caminhavam juntas215,
principalmente no início da Escolástica. Escreve Zavalloni:

212
LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, 52.
213
Cfr. ALFÉRI, Guillaume d'Ockham: le Singulier, 23.
214
Cfr. B. MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, vol. I, Dalle origini fino a Vico, Bologna,
2001, p. 12.
215
Por este motivo causa estranheza que a antropologia de Ockham não seja tratada no livro de
Freyer “Homo Viator”, onde Freyer aborda a visão franciscana dos principais filósofos e teólogos
franciscanos. Cfr. J. FREYER, Homo Viator, L’uomo alla luce della storia della salvezza,
Un’antropologia teologica in prospettiva francescana, Bologna, 2008.
69

No século XII não existe uma ciência autônoma sobre o homem. Esse é objeto de
estudo somente na sua relação com Deus. O conhecimento do homem e aquela de
Deus são estreitamente ligadas: trata-se de duas ciências inseparáveis, subordinada
uma à outra. Não existe, portanto, uma antropologia sem uma teologia216.

Mondin sublinha a riqueza da antropologia desenvolvida nesse tempo, em


comparação com aquela desenvolvida pelos filósofos gregos. Ele afirma:

A harmonia entre fé e razão consente aos pensadores cristãos de elaborar uma


imagem de homem muito mais rica daquele traçada pelos filósofos gregos: é um
homem que não é somente aberto à transcendência, mas que se encontra
profundamente ancorado ao divino por meio da graça. Problema fundamental da
antropologia cristã é a relação entre o natural e o sobrenatural, entre a natureza e a
graça, entre a liberdade e a divina predestinação. O escolástico enfrenta as questões
sistematicamente, analisa as múltiplas soluções e propõe, no fim, a sua opinião
pessoal217.

Este também é o contexto no qual se insere a filosofia de Ockham. Ele se


encontra no fim do período medieval e desenvolve a sua filosofia em contexto
cristão, bebendo de toda a reflexão feita nesse sentido pelos seus antecessores. Ao
mesmo tempo, ele indica uma separação entre os saberes teológico e filosófico: as
verdades de fé não podem ser objetos de demonstração racional218.

Já a partir do período moderno, o centro não é mais o divino, mas o próprio


homem. Afirma Mondin a respeito da modernidade, ressaltando a diferença com o
modo de conceber a pessoa humana no Medievo:

Nos numerosos tratados De Dignitate hominis escritos neste período, o homem é


exaltado como um tipo de divindade: Deus ou quase Deus, porque criador de um
mundo: que é o mundo todo seu, da cultura, da arte, da ciência, das invenções, do
domínio da natureza e da história. Em relação à história, a cultura humanística
abandona o conceito cristão, que entendia a história como história da salvação, e o
substitui com um conceito novo que concebe a história como acontecimentos
essencialmente humanos, no qual os eventos religiosos têm indubitavelmente uma
função importante, mas não constituem mais o miolo da história. Essa tem por
único sujeito o homem: seja a pessoa singular seja a coletividade, o povo, a
nação219.

216
R. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, Assisi, 2014, p. 112, tradução
própria.
217
MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, 265, tradução própria.
218
Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 122.
219
MONDIN, Storia dell’Antropologia Filosofica, 336, tradução própria.
70

Durante a Idade Média existiam centros de estudo sobre a pessoa humana,


como a escola de Chartres, onde prevalecia um platonismo intelectualístico. Essa
influência do platonismo gerava uma desvalorização do corpóreo e da singularidade
do ser humano220.

Ockham é consciente deste aspecto do seu tempo. Como filósofo vemos que
ele se aproxima mais de Aristóteles, que afirma que o homem é composto de corpo
e alma e não há somente a alma, como vê Platão221. A partir dessa concepção
observa-se também um pensamento voltado mais para o empírico, a realidade
concreta.

Ockham responde às questões sobre a pessoa humana em âmbito medieval,


ligada a questões da cosmologia e às concepções teológicas, como afirma Larre:

A antropologia de Ockham – que é parte de sua física – é vinculada com a


metodologia geral de sua investigação cosmológica; está assinalada por seus
mesmos limites e intuições e indicada em seus cursos pelos caminhos iniciais de
Ockham em torno das características e entidades próprias assinaladas aos entes
inanimados. Os motivos históricos que subjazem às conclusões antropológicas
ockhamistas estão determinadas por sua metodologia crítica que exibe uma firme
convicção teológica e que em seu conjunto faz um uso rigoroso do princípio de
economia corroborando a experiência interna e externa222.

Porém, a antropologia de Ockham insere-se na perspectiva franciscana, que


vê o homem como realidade unitária e integrada no universo. Coloca Merino:

Ockham recebeu toda uma longa e rica doutrina sobre o homem como realidade
unitária e, ao mesmo tempo, composta de elementos diversos e opostos. Em
coerência com seus princípios lógicos e ontológicos, analisou as diversas
interpretações de seu tempo, criticou-as e tratou de oferecer sua própria e pessoal
concepção sobre a realidade humana em seu ser e em seu agir223.

O franciscano sublinha que a pessoa humana é imagem de Deus. São


Boaventura, por exemplo, desenvolve a ideia de “Imago Dei”: o homem é capaz de
conhecer e amar224. A pessoa humana tem características metafísicas, é reflexo do

220
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 113.
221
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 367.
222
LARRE, El hombre: una singularidad en el universo fisico ockhamista, 58, tradução própria.
223
MERINO, Storia della filosofia francescana, 411, tradução própria.
224
Cfr. MERINO, Storia della filosofia franciscana, 102.
71

divino. O homem reconhece a sua individualidade e singularidade. E por isso abre-


se à relação ao outro. Escreve Merino, delineando as características da antropologia
filosófica franciscana:

O franciscano é uma pessoa que se aceita a si mesma tal como ela é. E no fato
psicológico e metafísico de aceitar-se e de dizer sim ao seu eu pessoal se abre às
suas próprias possibilidades pessoais e se dispõe a indefinidos encontros com o
não-eu. O encontro sincero e verdadeiro consigo mesmo é condição indispensável
para um encontro fecundo com os outros: com o outro e com o Outro. Somente a
pessoa pode estar disponível ao serviço de uma missão que o reclama e, às vezes, o
transcende225.

A dimensão concreta e empírica faz com que a pessoa, na ótica da


antropologia franciscana, também se abra ao encontro com todos os seres viventes,
para descobrir a sua singularidade:

O homem franciscano tem clara consciência de estar no mundo e de viver uma


natureza concreta, com coisas, seres animados e inanimados e com animais [...]
Para os pensadores franciscanos, a natureza e as coisas que a compõem são algo
mais do que as coisas, pois têm uma mais-valia ôntica e reclamam a presença do
irmão homem como algo entranhável e como ser amigo. Diante da crise ambiental
o pensamento franciscano pode oferecer uma sã e sadia pedagogia de como habitar
o mundo226.

A singularidade sublinha Zavalloni é característica da antropologia


franciscana, quando fala da filosofia de Scotus: «O homem, cada homem, não é
uma determinação do universal. Enquanto realidade singular no tempo e irrepetível
na história, ele é na realidade supremo e originário»227.

Uma reflexão importante em âmbito franciscano e passo decisivo para a


antropologia de Ockham é o conceito de haecceitas, desenvolvida por Duns Scotus.
Haecceitas é aquela “forma” capaz de determinar o ente enquanto ente,
individuando-o e fazendo-o poder ser conhecido. Desse modo, existem duas

225
J. MERINO, Antropologia, in Manual de Filosofia Franciscana, Petrópolis, 2006, p. 221.
226
MERINO, Antropologia, 221-222.
227
ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 226, tradução própria.
72

características do ente na sua singularidade: uma individual (formada) e outra


individuante (gnoseologicamente relacional)228.

Outra dimensão importante na antropologia franciscana é a corpórea. Essa


dimensão fundamental e constituinte do ser humano era muito desvalorizada no
tempo de São Francisco e dos pensadores franciscanos, grande parte por influência
platônica229.

O corpo também é importante do ponto de vista franciscano, pois é com ele


que entramos em contato com os outros seres singulares e com Deus. Sobre a ótica
de São Francisco e dos pensadores franciscanos em relação ao corpo, Zavalloni
afirma:

O homem é visto por Francisco na sua unidade (dos dois componentes) não
somente quando são apresentados como obra de Deus, mas também quando são
considerados na sua pecaminosidade. Em diversos lugares ele afirma que os
pecados têm origem no interior da pessoa humana. O homem não é somente alma,
mas é alma e corpo, e em todos os derivados destes dois componentes230.

Outro aspecto importante na antropologia franciscana é o aspecto da


liberdade231. A pessoa humana é livre para escolher o bem, jamais forçada. É na
liberdade que se encontra a verdade. Assim como Deus é absolutamente livre, numa
total auto-fundação, também o homem é livre. A liberdade é a potência mais nobre
entre as potências que constituem o ser humano e não pode ser submetida à razão232.

228
Cfr. A. PELLEGRINI, Scoto e Occam: “Persona” come progetto, em Miscellanea Francescana,
108 (2008), p. 95-96.
229
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 111.
230
ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano,122, tradução própria.
231
Para aprofundar o tema, indicamos O. TODISCO, Nella libertà la verità, Lettura francescana
della filosofia occidentale, Padova, 2014.
232
TODISCO, Nella libertà la verità, 138.
73

3.2.2 O singular visto sob os olhos da antropologia: um novo paradigma também


para o mundo de hoje

A antropologia de Ockham se insere dentro da antropologia franciscana, e


por isso, também desenvolveremos os três âmbitos colocados anteriormente.
Ockham propõe elementos novos e enfatiza-os em um modo diverso. Sublinhamos
a dimensão da singularidade em todas as suas nuances antropológicas, a
corporeidade e a liberdade. Esses últimos dois aspectos são consequências do
primeiro.

Como assinalado anteriormente, Ockham diz que toda a realidade fora da


nossa alma é singular. O universal está na nossa mente e é signo que nos ajuda a
compreender as coisas sensíveis. A prioridade da filosofia de Ockham, portanto, é o
singular, como nos indicam os textos analisados.

Conforme a Summa Logicae, Ockham afirma que cada aspecto de um ser


deve ser compreendido a partir dele mesmo. A brancura de Sócrates não é a mesma
brancura de Platão233. Toda a característica da pessoa humana é também singular.

Nas partes essenciais do ser humano o singular também se evidencia, através


da pluralidade das formas constituintes, a saber, forma intelectiva, forma sensitiva e
forma corpórea. Ockham explica e desenvolve a noção de cada uma dessas
formas234.

A forma corpórea, como apontado, foi resgatada pelo pensamento


franciscano. Ockham defendendo a pluralidade de formas, indica também a
importância da forma corpórea. Ao contrário da ideia platônica, ele não coloca a
dimensão corpórea como inferior, o coloca no mesmo patamar das outras formas
que compõe o ser humano. Ou seja, para Ockham, desvalorizar o corpo é rejeitar
uma forma essencial do ser humano.

233
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Summa Logicae 1, XIX, 66.
234
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, q. II, X, 156-161.
74

A liberdade é uma qualidade essencial do homem, segundo Ockham235. Ela


se qualifica como poder de autodeterminação, não simplesmente em escolher entre
uma coisa ou outra. Ao mesmo tempo, precisa ser usada com responsabilidade, para
estar conforme à vontade divina. Assinala Merino:

Ockham não é somente um apaixonado defensor da onipotência e da liberdade


divinas, mas também o é da liberdade humana. Segundo ele, a característica
principal do homem é a liberdade, que consiste na capacidade de colocar atos
diversos indiferente e contingentemente, de modo que, sem variar aquilo que está
fora da vontade, esta pode causar ou não o feito [... ] Pelo mesmo fato de criticar e
avaliar positiva e negativamente a ação dos outros, estamos demonstrando que a
liberdade é uma realidade responsável e culpável236.

Cada pessoa humana tem a sua própria essência, que não pode ser
universalizada, compreendida através da essência de outro ser. A pessoa humana é
constituída por partes e que formam uma pessoa única e irrepetível. Ockham, com a
sua antropologia do singular, coloca-se em continuidade com o pensar franciscano e
ao mesmo tempo radicaliza a questão da singularidade. Damiata afirma que para
Ockham: “O homem é antes de tudo um singular”237.

A singularidade, apontada por Scotus ultima solitudo ou seja, personalidade


que é livre de dependência real respeito à outra pessoa e de algum modo
incomunicável, é radicalizada por Ockham, conforme nos indica Merino:

A filosofia de Ockham baseia-se sob a ontologia do singular e do concreto. O valor


da experiência sempre foi reconhecido e sublinhado no mundo franciscano em sua
dimensão existencial e teórica, sobretudo na corrente oxfordiana, seguindo a
tradição de R. Grosseteste, R. Bacon e Duns Scotus. Guilherme de Ockham
radicaliza a categoria experiencial e o reconhecimento do concreto que, segundo
ele, não havia sido suficientemente tematizado e evidenciado. Com este propósito,
ele transforma a ontologia do ente unívoco em ontologia do ente singular. O mundo
não é essência, mas presença, conjunto de seres singulares irrepetíveis que não tem
essência, mas são essência. Cada singular, então é um objeto absoluto indivisível
que não é compreensível a partir do universal, a partir da essência abstrata, mas a
partir de si mesmo e de sua própria concretude real e contingente238.

235
Cfr. GUILLELMUS DE OCKHAM, Quodlibeta Septem, q. 1, XVI, 88.
236
MERINO, Antropologia, 219.
237
DAMIATA, I problemi di Ockham, L’uomo, 15.
238
MERINO, Antropologia, 214.
75

Desse modo, concluímos que a singularidade permeia toda a visão


antropológica de Ockham. Ao interno de cada ser humano existem diversas
características que devem ser consideradas singularmente para serem
compreendidas. De igual modo, existem singulares formas que compõem o ser
humano: a intelectiva, a sensitiva e a corpórea, que formam uma realidade unitária.
E, por último, cada ser humano é uma essência singular, que não pode ser
compreendida pelos termos universais, mas a partir da essência mesma.
76

Conclusão

O singular na perspectiva antropológica em Ockham foi o tema que


procuramos desenvolver nesta sede: um trabalho interessante e de grande
importância para a formação pessoal.

Guilherme de Ockham viveu nos séculos XII e XIII da Era Cristã. Como
filósofo franciscano, continuou a desenvolver as ideias dos pensadores da Ordem
dos Frades Menores, como Boaventura e Scotus, mas também propôs ideias novas.
Apesar de conflitos com a autoridade do papal, Ockham jamais deixou de
permanecer na Ordem e foi fiel aos princípios vividos e indicados por São Francisco
de Assis239.

Como filósofo do período medieval seguiu a visão de seu tempo, os temas e


debates que estavam em voga quando ele desenvolveu a sua filosofia. Estes temas,
muitas vezes, vinham sendo confrontados desde a filosofia grega e tiveram um
desenvolvimento grande no Medievo, como no caso da questão dos universais.
Ockham se insere plenamente nos debates. Com sua coragem e sua sutilidade, ele
confronta as ideias, que ao seu modo de ver, os filósofos que o antecederam
deixaram sem uma solução adequada. Na verdade, a filosofia cresce assim, com o
debate, o confronto.

Na primeira parte do nosso trabalho, no status quaestionis, procuramos situar


a origem e o desenvolvimento do debate sobre os universais. Este é um tema
interessante e com múltiplos aspectos e diversas dimensões. Cada filósofo colocava
a sua visão sobre esse tema a partir da reflexão feita até o seu tempo e dos seus
princípios filosóficos e de vida, desenvolvendo-o de uma maior ou menor forma.

239
O conflito com o Papa João XXII se deu por conta das acusações de heresia, motivadas por João
Lutterell, pelo qual Ockham devia depor e também por conta da discussão sobre a pobreza
evangélica, onde Ockham se alinha com Miguel de Cesena e outros franciscanos, rejeitando o
parecer do papa. Cfr. LEITE JUNIOR, O problema dos universais, 83.
77

Colocado por Porfírio pela primeira vez de um modo mais enfático, a


questão dos universais nos remete à filosofia de Aristóteles e Platão. Porfírio busca
dar a sua resposta ao problema, e talvez sem intenção, dá origem a um debate que
passa pela história da filosofia240.

Boécio, Abelardo, Scotus e tantos outros deram também a sua resposta à


questão, desenvolvendo-a de uma maneira ampla ou menos. O mérito de Boécio
está em ter resgatado aquilo que Porfírio se esquivou de confrontar e ter proposto a
sua própria solução sobre o problema.

O problema dos universais não terminou na Idade Média. Seguiu durante o


Período Moderno e segue ainda até os dias de hoje. De uma maneira geral, podemos
afirmar que a filosofia que dominou durante a Idade Moderna foi o pensamento do
universal, do ideal. Toda a realidade era vista a partir desse princípio241. Parece-nos
que no período pós-moderno existe um resgate das filosofias do particular, do
singular242.

Ockham, filósofo do fim do período medieval, se insere na questão dos


universais aprofundada durante todo Medievo e desenvolve a sua teoria sobre o
universal de um modo original. São diversos os textos em que Ockham trata da
questão dos universais. Procuramos expor neste trabalho os principais, ao nosso
modo de ver, em consonância com o tema antropológico que procuramos
desenvolver. Seguimos a linha de alguns autores que escreveram sobre o problema
dos universais243.

Observa-se nos textos em que Ockham desenvolve a questão uma grande


coerência: os universais não existem nas coisas (in re), mas somente na mente
humana. É a ideia que perpassa todos os textos, onde Ockham escreve sobre os
universais: na Summa Logicae, no Scriptum in Primum Librum Sententiarum, no

240
Cfr. DE LIBERA, Il problema degli universali, 12-14.
241
Veja-se, por exemplo, a filosofia de Hegel.
242
Veja-se, por exemplo, a filosofia de Foucault e Deleuze.
243
Os principais autores que seguimos são: DE LIBERA, Il problema degli universali e LEITE
JUNIOR, O problema dos universais.
78

Quodlibeta Septem, na Expositio in Librum Perihermeneias Aristotelis, e na


Expositio in Librum Porphyrii de Praedicabilibus.

Ockham expõe os argumentos colocados pelas Auctoritas e por outros


filósofos que o antecederam, as discute e, ao final, coloca o seu ponto de vista sobre
a questão. Nos argumentos discutidos observa-se muita clareza, fruto também de
sua aguçada formação lógica, dimensão cara à filosofia do Venerabilis Inceptor.

Evidenciamos também que a questão do conceito de universal permanece


aberta na proposta feita por Ockham. Ele não expõe somente uma visão sobre a
natureza do universal. Parece que, conforme o indicado, que ele prefira a teoria do
ato mental, mas não é a única que ele desenvolve. O motivo dessa não-definição do
universal, concluímos, é que o centro da atenção de Ockham não é o universal, mas
o singular.

No nosso modo de ver, Ockham está mais preocupado em afirmar que o


universal não existe nas coisas e não em afirmar o que ele é. Expõe sim sua teoria,
que é muito estudada na atualidade. Mas tendo uma visão mais ampla da filosofia,
podemos afirmar que existe o interesse sobre o singular: talvez poderia se delinear o
pensamento de Ockham como a filosofia do singular244. Como prova disso,
afirmamos que o singular está presente nas diversas dimensões de sua filosofia, a
começar pela ontologia245.

Afirmando a primazia do singular sobre o universal, também na sua visão


antropológica, Ockham segue a linha do pensar antropológico franciscano: São
Francisco de Assis também enfatizou na sua vida e no seu pensamento, a
preferência pela singularidade, por todas as criaturas de Deus, por todos os seres
humanos, pelo contingente. Exemplo disso é o Cântico do Irmão Sol ou Louvores
das Criaturas, onde Francisco dá glória a Deus, por todas as criaturas246.

244
Cremos que este seja um tema muito interessante e que, talvez, será fruto de um estudo
sucessivo.
245
Cfr. ALFÉRI, Guillaume D’Ockham, Le singulier, 29-65.
246
Cfr. Francisco de Assis, Cântico do irmão sol ou louvores das criaturas, em Fontes
Franciscanas e Clarianas. Petrópolis, 2004, p. 104-105.
79

Compreendemos que o modo de ver o mundo pelo franciscano, é também permeado


pela singularidade. Cada pessoa humana, cada criatura, é um dom oferecido por
Deus à humanidade e que quer ser amado e conhecido.

A visão de Criação, ideia presente no cristianismo em conformidade com o


Texto Sagrado, também está presente no pensamento de Ockham. Ele não deixa de
ser franciscano para desenvolver o seu pensamento filosófico. Podemos afirmar,
portanto, que é um modo de pensar propriamente franciscano247. Mas, ao mesmo
tempo, na sua filosofia desenvolve um pensamento original. Ele não mistura os dois
âmbitos: filosófico e teológico248.

O pensamento sobre o singular, podemos concluir, tem um fundo teológico,


mas é coerente filosoficamente e não depende diretamente da teologia. Desse modo,
a visão sobre o singular na perspectiva antropológica em Ockham adquire uma
dimensão nova, que perpassa o tempo e a história da filosofia. Ela pode ser sugerida
também àqueles que não aceitam o Deus cristão, pois a antropologia de Ockham
parte da experiência, dos dados de fato.

A singularidade na dimensão antropológica é já desenvolvida pelo próprio


Ockham. Quando ele afirma que o ser humano é um todo composto de diversas
partes, isto é, que existem pluralidade de formas no ser humano, está também
enfatizando, ao nosso modo de ver, a dimensão do singular, pois Ockham é atento a
cada parte, cada singularidade, que é forma a pessoa. Evidenciam-se as partes
maiores ou menores, do qual é constituído o ser humano: alma intelectiva, sensitiva,
dimensão corpórea. Não existe uma forma ou dimensão única no ser humano.

Observamos, de igual modo, que Ockham desenvolve a dimensão da


singularidade de cada ser humano em relação ao conceito de humanidade. Não
desenvolve esse aspecto diretamente e de modo amplo. Porém, deixa-o como pano
de fundo, o intui, principalmente na Summa Logicae. Não é a humanidade aquilo

247
Cfr. TODISCO, Nella libertà la verità, 65-221.
248
Basta notar que Ockham é conhecido como aquele que fez a separação entre teologia e filosofia
em âmbito filosófico durante a Escolástica. Para alguns historiadores, Ockham já deve ser situado
no Período Moderno. Cfr. GHISALBERTI, Guglielmo di Ockham, 7-36.
80

que conta, mas cada ente singular, cada pessoa: Sócrates, Platão, e todos os outros
seres existentes. O princípio e o ponto de chegada do conhecimento e da relação é o
singular.

Emergem, deste modo, dois aspectos, segundo a antropologia de Ockham: a


dimensão da pluralidade de formas, com uma revalidação da dimensão corpórea, e a
questão da singularidade de cada pessoa humana. A primeira abordada de um modo
mais intenso nos seus escritos e a segunda deixada como pano de fundo.

Notamos que o desenvolvimento da antropologia foi amplo na Modernidade


e Pós-Modernidade. O ser humano é estudado, abordado de diversos modos em
âmbito filosófico e outros. Ao mesmo tempo, é interessante perceber que as duas
questões antropológicas desenvolvidas por Ockham e que ressaltamos, a saber, a
pluralidade de formas e a singularidade, parece que estão também sendo muito
desenvolvidas atualmente.

A dimensão corpórea por muito tempo foi deixada à margem por parte da
pessoa humana. O que contava unicamente era a dimensão do espírito, do
intelectual. Cremos que isso se tenha dado muito por causa da influência do
platonismo e que Agostinho também desenvolveu em âmbito cristão. A ascese
extrema, o desleixo em relação ao corpo, era algo comum durante o Medievo e na
Modernidade249.

No século XX e no século atual principalmente, evidencia-se uma


revalorização do corpo e de todas as suas dimensões. Existe por parte da maioria
das pessoas um grande cuidado com o aspecto corpórea. Exercícios físicos em
academias, centros de estética são muito procurados e, às vezes, de forma também
exagerada, quase como um culto ao corpo. Observamos, porém, segundo a visão
franciscana que o corpóreo é uma dimensão fundamental de cada ser humano, a
partir de uma visão integral, unitária.

249
Cfr. ZAVALLONI, L’uomo e il suo destino nel pensiero francescano, 122-129.
81

A dimensão da singularidade também está sendo cada vez mais abordada na


atualidade. Hoje se dá muita atenção à particularidade de cada pessoa em âmbito
científico, médico, filosófico. Porém, às vezes, a particularidade é vista somente em
modo individualístico, o que propicia um isolamento.

Acreditamos que as ideias ajudam a mover o mundo. E elas não são estáticas.
Elas são construídas em um período histórico, mas ao mesmo tempo, atravessam a
História. Neste sentido, o desenvolvimento que Ockham faz do singular pode
também mostrar algo para o mundo de hoje.

O Pós-moderno, em grande parte, é uma crítica ao Moderno. Na


modernidade, a centralidade era o universal, o saber certo e indubitável que regia
todos os saberes e todos deviam se adequar a ele. A racionalidade que devia
abranger todas as dimensões.

Hoje, como notamos, existe um resgate da dimensão corpórea e de outras


dimensões: como a espiritual, emotiva, etc. O problema, porém, é que muitas vezes,
se foca somente num âmbito e, ao nosso modo de ver, se perde a dimensão do
integral, da interdisciplinaridade na visão antropológica250. Ockham valoriza a
dimensão corpórea, em sua visão antropológica, mas não permanece somente neste
aspecto de sua reflexão. Afirma que existem diversas partes no ser humano e que
devem ser guiados pela mente, parte que nos diferencia dos outros seres. Ou seja,
para Ockham, o particular é visto dentro de um todo na dimensão antropológica.

A singularidade, ponto essencial na filosofia de Ockham, conforme já


exposto, é também vista por ele na relação de cada pessoa com à humanidade ou
com um grupo de pessoas. Cremos que atualmente, muitas vezes, essa questão não é
suficientemente abordada. A essência de cada ser é singular, afirma o filósofo
franciscano.

250
Cfr. I. COLAGÉ, La scienza odierna verso l’uomo situato e pluridimensionale, in
Francescanismo e mondo attuale: stile di vita francescana. Miscellanea in onore di José Antonio
Merino Abad, OFM, a cura di A. Hernández Vidales, Roma, 2016, p. 101-130.
82

Devemos conhecer a singularidade de cada pessoa, para daí partirmos para o


âmbito do grupo, do conceito universal. Somos convidados a ver em cada pessoa
humana a sua singularidade, um modo único de ser no mundo.

Observa-se, neste sentido, que houve um progressivo desenvolvimento na


História, do ponto de vista antropológico: na Antiguidade, muitas pessoas não
tinham direitos, não eram vistos como pessoas humanas. Por exemplo: na Grécia
Antiga, as mulheres não tinham direito a voto e as crianças não contavam como
pessoas humanas. Esse fato também era presente no Medievo e no Período
Moderno. Outro fato que podemos citar é que se discutiu durante longo tempo se os
indígenas das terras conquistadas na América pelos povos europeus tinham alma, e,
consequentemente, se poderiam ser considerados como pessoas humanas.

Hoje, ao nosso modo de ver, se fez um grande progresso. Vai se


reconhecendo a dignidade de muitas pessoas que não eram reconhecidas como tal:
pessoas com deficiência são cuidadas, cresce o voluntariado para ajudar pessoas
pobres, etc. Observa-se, por outro lado, um certo fechamento e preconceito da parte
de muitas pessoas e de muitos grupos, o que nada contribui para a humanização.
Podemos pensar, por exemplo, na realidade de tantas pessoas que ainda não são
vistas plenamente como pessoas humanas, por conta da sua condição social, da sua
raça, do seu gênero etc. Sem dúvida, muitos hoje têm a sua dignidade reconhecida,
mas existe ainda muita coisa para ser feita.

Ockham vai mais a fundo com sua filosofia, e convida a olhar cada pessoa
como singular, única. Ela mesma é a essência. Neste sentido, entrando em contato
com outro, somos convidados a fazer experiência desta essência irrepetível.
Conhecer Sócrates, Pedro, Maria. Todos os seres viventes, independentemente do
grupo em que podem ser conceituados, enquadrados, têm sua essência singular e
que é convidada a ser descoberta, experienciada.

O mais importante não é se a pessoa é europeia ou africana, branca ou


indígena, homem ou mulher, ou seja, uma focar em uma característica. A
antropologia de Ockham nos convida a olhar cada ser humano de modo único e a
83

descobrir a sua essência e não ser vista a partir do universal, como em um bloco
único, pre-conceituado.

O universal pode nos ajudar a discernir, a nos organizar através de grupos,


etc., mas a essência que permanece realmente é o singular, com o qual nos
relacionamos e conhecemos. Nesse sentido podemos dizer que Ockham se aproxima
do personalismo pós-moderno251.

Podemos afirmar que Ockham pertence a Filosofia Medieval, mas ao mesmo


tempo, há ideias que são, em parte, pós-modernas. Ele é franciscano, mas não se
limita a falar de temas teológicos. A singularidade é um tema filosófico, que
perpassa também outras dimensões do saber. Acreditamos que a filosofia do
filósofo inglês possa ser de contribuição para a construção de uma antropologia que
visa olhar o ser humano na sua essência: como uma singularidade única, irrepetível.

251
Veja-se, por exemplo, o pensamento de Buber e Lévinas.
84

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