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Das quatro justificativas a cerca das convicções do filósofo Desidério Murcho sobre a
importância da Filosofia, contida em seu tratado “O que é filosofia?”, foi o tomo “1.2. O
pensamento filosófico é consequente”.
Logo de saída a pergunta que faz o autor “Será que a ideia de que tudo é relativo é também
relativa?” já coloca em cheque o enunciado filosófico científico da relatividade, pegando no
contrapé convicções sabidamente comprovadas.
A partir daí, o texto apresenta uma série de questionamentos paradoxais, já que coloca o
domínio da verdade dessa relatividade no campo pessoal, apontando que para algumas
pessoas tal principio pode ser verdadeiro ou falso, de acordo com o que cada pessoa crê ou
tem como princípio social, ético ou moral.
O autor se utiliza dessa aparente incongruência para trazer o cerne de seu texto, qual seja
“Ser consequente é aceitar as consequências das nossas ideias.”.
Fica claro a partir daqui que as premissas filosóficas precisam ser consequentes, ainda que
tais consequências sejam ranhentas para quem as postula. Não resta dúvida de que ao se
tomar um caminho ou outro relativamente a postulados filosóficos, para além das
responsabilidades intrínsecas que possam haver no conteúdo, a aceitação irrestrita das
consequências que tais ideias podem causar na sociedade, deve ser inalienável.
Outro aspecto muito interessante do texto diz respeito à necessidade de se manter firme ao
se postular um pensamento filosófico, ainda que seja contraditório, como o autor aponta a
seguir: “Se defendes que tudo é relativo e que não há verdades, não podes defender que a
tua convicção é verdadeira.”
Nota-se que escarafunchar o pensar filosófico, exige coragem e convicção, inclusive para
recuar, caso este viajante cerebral se depare com incongruências que tornem suas
explanações “falsas, improváveis, absurdas ou de outra forma difíceis de aceitar”, o que, de
acordo com Murcho, deve suscitar em quem postula, a mudança de rumo.
Por fim, os três elementos apresentados pelo autor (problemas, teorias e argumentos), a
partir do relativismo analisado em seu texto, trazem um resumo perfeito sobre como lidar
com o pensamento filosófico, sendo o problema a postulação em si; a teoria os pontos de
vista que apontam as diversas possibilidades de abordagem do tema e os argumentos o que
torna o postulado crível.
Esses três pilares têm, no entanto, que estar coadunados com o que Murcho descreve, de
modo sintético e fascinante como “saber formulá-los claramente e saber discuti-los com
rigor”. Armado com esses dois princípios, creio que o filosofo estará apto a desafiar seus
demônios e contradições para chegar a um enunciado consequente.
O outro tomo do texto “O que é filosofia?” de Murcho que mais me impactou foi o “1.4. A
filosofia é diferente da história”.
Nesta parte do enunciado, o autor volta a se envolver com a teoria do relativismo, atribuída
à Protágoras de Abdera. Cabe destacar a visão do autor de que os textos filosóficos tinham
um contexto histórico que os envolvia na época em que foram escritos, o que, em si, leva a
que outros filósofos e pensadores que viveram ou vivem em outra época podem – e devem –
analisar tais ideias com à luz das descobertas vigentes em seu tempo, como ocorre com a
própria teoria da relatividade.
Logo de saída, Russel já nos apresenta uma questão muito em voga com o texto a seguir “É
muito importante considerar esta questão, tendo em vista o fato de que muitos homens, sob a
influência da ciência ou dos negócios práticos, tendem a duvidar de que a filosofia seja algo
mais que uma ocupação inocente, porém inútil, com distinções sutis e controvérsias sobre
questões acerca das quais o conhecimento é impossível.”
Numa sociedade tecnicista e pragmática, alguns incautos homens “práticos”, apontam que o
estudo da filosofia é supérfluo e desnecessário. Dentre essas mentes pouco afeitas ao saber e
à própria evolução tecnológica, já que grandes avanços da ciência tiveram a filosofia como
mola propulsora, estão políticos contemporâneos como o Deputado Federal Izalci Lucas
Ferreira (PSDB-DF), que apresentou a estapafúrdia proposta de retirar do ensino médio as
disciplinas Filosofia e Sociologia, o qual continua a tramitar, permanecendo, pois, a trágica
ameaça no ar.
Nesse contexto em que o parlamento discute se jovens que entrarão na vida adulta e
funcional em breve devem ou não saber pensar por si, as justificativas sobre a importância
da filosofia contidas no texto de Bertrand Russel tornam-se não só importantes, antes,
fundamentais.
Vê-se, pois, que o infindável vai e vem dos questionamentos filosóficos nem sempre
chegam a resultados práticos. Os infinitos insights, sinapses e contrapontos que um filosofo
precisa lançar mão para estruturar seus estudos, podem dar em tudo e, inclusive, em nada.
Ao se dispor a analisar teorias que podem mudar o modo de vida dos humanos, o verdadeiro
filosofo deve estar disposto a recuar, caso suas ideias não consigam assentar na veracidade e
coerência, descambando para o que Murcho descreve como “falsas, improváveis, absurdas
ou de outra forma difíceis de aceitar”.
A filosofia, por ser um estudo a priori, em muitos casos, necessita de elementos empíricos
para se estabelecer como verdade. Como descreve Murcho, esta aparente contradição do
pesnamento filosófico de não resultar em produtos palpáveis, mensuráveis, metrificáveis
como em outras ciências, e, muitas vezes, como já dito, ser o ponto de partida para que
aquelas intuições e experimentos tidos como abstratos, resultem nos produtos mensuráveis a
que os “homens práticos” usam como argumento para colocar a filosofia, por não os ter, seja
classificada como inútil.
Num trecho muito importante do texto, o autor enumera alguns dos problemas sem solução
no atual momento da consciência humana “Tem o universo alguma unidade de plano ou de
propósito, ou é uma confuência fortuita de átomos? É a consciência uma parte permanente
do universo, dando-nos esperança de um aumento indefinido da sabedoria, ou ela não pas-
sa de um acidente transitório num pequeno planeta no qual a vida acabará por se tornar
impossível? São o bem e o mal importantes para o universo ou apenas para o homem?”.
Toda esta problemática descrita por Russel encontra variadas respostas trazidas por filósofos
em contextos e épocas diversas. Fica evidente que são questões ainda em aberto; contudo, é
esse ruçar que pode ser apontado como a importância central do pensamento filosófico.
Continuar fuçando nesses questionamentos é, sem sombra de dúvidas, a chance que temos
de um dia, quem sabe, conseguir responde-los. Segundo o autor, a busca pelo valor
intrínseco da filosofia deve ser buscado antes em suas incertezas que em suas descobertas
concretas.
Creio ser importante destacar a panaceia existencial na qual Russel associa a filosofia ao
desenrolar da vida do cidadão comum quando diz que “O homem que não tem a menor no-
ção da filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum,
das crenças habituais da sua época e do seu país, e das convicções que cresceram na sua
mente sem a cooperação ou o consentimento deliberado de sua razão. Para tal homem o
mundo ten- de a tornar-se finito, definido, óbvio;”.
Aqui fica evidente o papel da filosofia na busca de elevar os cidadãos à condição de seres
livres de fato, sem estarem aprisionados a dogmas que os levam a se aliar a religiões
sectárias e fundamentalistas ou a políticos opressores, como descreve com riqueza de
detalhes e postulados científicos, o sociólogo, psicoterapeuta e cientista Wilhelm Reich, em
publicações como Psicologia de Massas do Fascismo, o qual, destarte ter sido escrito nos
idos anos de 1930, quando tomava forma o fascismo e o nazismo, infelizmente, volta a ter
assustadora verossimilhança com a realidade, ao aflorar sob a onda de extrema direita
radical que assola vários países do mundo e também o Brasil.
Outro aspecto levantado por Russel em seu texto que merece destaque é a visão
cosmológica que a filosofia trás para a vida social. O pequeno ciclo a que se insere um
individuo não o capacita para pensar o mundo e suas idiossincrasias, contradições, estéticas,
éticas e coisas que tais. Essa visão ampla que os problemas e respostas filosóficas apontam,
aproximam as pessoas, afastando-as de viver apenas suas questões comezinhas,
encaminhando assim seus pensamentos e ações para caminhos de liberdade, amparado nessa
contemplação filosófica como descreve o autor, o ser pode além de ser ele mesmo em sua
plenitude, aceitar que existem outros seres com suas próprias complexidades, motivações,
desejos, entendimentos e metas, o que fica evidenciado nesse trecho basilar do texto, onde o
autor diz que “O intelecto livre deverá enxergar assim como Deus pode ver: sem um aqui e
agora; sem esperança e sem medo; isento das crenças habituais e dos preconceitos
tradicionais: de forma calma e desapaixonadamente, com o único e exclusivo desejo de co-
nhecimento – um conhecimento tão impessoal, tão puramente contemplativo, quanto seja
possível a um homem alcançar.”
Por fim, comparo o estudo da filosofia à definição sobre utopia atribuída a Fernando Birri e
eternizada pelo jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galiano, na qual diz que “A utopia
está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que
serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”. Para mim, o que torna
a filosofia importante e fundamental para a humanidade é sua busca e não seus resultados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
E-REFERÊNCIA
MURCHO, D. O que é Filosofia? Disponivel em:
https://cricanarede.com/oqueeafilosofia.html . Acesso em : 30 de julho de 2020
Excerto “Para que serve a utopia? – Fernando Birri, citado por Eduardo Galeano in ‘Las
palabras andantes?’ de Eduardo Galeano. publicado por Siglo XXI, 1994.
https://www.revistaprosaversoearte.com/para-que-serve-a-utopia-eduardo-galeano . Acesso
em: 23 de setembro de 2021.