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Traduzido do espanhol Max HORKHEIMER. “La función social de la filosofía”. In:________. Teoría
Crítica. Trad. do alemão por Edgardo Albizu e Carlos Luis. Buenos Aires: Amorrortu, 1990, p.272-288.
Tradução do espanhol para o português por Rafael Cordeiro Silva.
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B. RUSSEL. Logical atomism. In: MUIRHEAD, J. H. (ed.) Contemporary British Philosophy, v.1, p.379.
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L. T. HOBHOUSE. The philosophy of development. In: ibid., p.152.
1
Se bem que a maioria dos autores de obras filosóficas acentue o caráter
científico da filosofia, há também alguns – e não precisamente os piores – que
puseram isso em dúvida com um ímpeto particular. Para Schiller, cujos ensaios
filosóficos tiveram talvez maior influência que seus dramas, o fim da filosofia
consistia em introduzir uma ordem estética em nossos pensamentos e ações. Seus
resultados deveriam ser medidos apenas segundo o critério da beleza. Outros
poetas como Hölderlin e Novalis, representaram posições similares, e ainda
filósofos puros, como Schelling, por exemplo, se aproximaram em muitas de suas
afirmações à posição sustentada por aqueles. Também Henri Bergson insiste em
que a filosofia se acharia estritamente relacionada com a arte e, em todo caso, não
seria uma ciência.
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S. ALEXANDER. Space, time and deity. Londres, 1920, v.1, p.4.
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declarado da dialética hegeliana. O modo de filosofar depende, para William
James, do caráter e da experiência de quem filosofa.
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os distintos campos da ciência, de desenvolver novas disciplinas, de diferenciá-las
constantemente assim como de unificá-las, estão sempre determinados,
consciente ou inconscientemente, pelas necessidades sociais. Estas necessidades
influem também, ainda que de forma indireta, nos institutos e aulas universitários,
para não falar dos laboratórios químicos e dos departamentos de estatística das
grandes empresas industriais e das clínicas médicas.
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país não são toleradas por esta ou aquela autoridade, mas que em outro país, na
mesma época ou pouco depois, são admitidas e ainda celebradas.
O autor redigiu este trabalho nos Estados Unidos (N. T.)
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deuses e de adaptar-se incondicionalmente a um modo de vida herdado pela
tradição, ele opôs que o homem deve analisar suas ações e configurar ele mesmo
seu destino. Seu Deus habitava nele, ou seja, em sua razão e em sua vontade. Hoje
a filosofia já não discute acerca dos deuses, mas a situação do mundo não é menos
crítica. Nós a aceitaríamos se estivéssemos dispostos a afirmar que razão e
realidade estão reconciliadas e a autonomia do homem na sociedade atual
estivesse assegurada. A filosofia se vê impossibilitada para isso; não perdeu nada
de sua relevância originária.
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maneira precisa e cuja utilidade social é indiscutível. Estes autores se esforçam por
“vender” a filosofia como uma classe especial de ciência ou, ao menos, por
demonstrar que ela é muito útil às ciências especiais. Desta forma, a filosofia já não
é a crítica, mas a servidora da ciência e da sociedade em geral. Semelhante ponto
de vista adere à tese de que seria impossível um pensar que transcendesse as
formas dominantes da atividade científica e, com isso, o horizonte da sociedade
atual. O pensar deveria, antes ao contrário, aceitar modestamente as tarefas que
lhe colocam as necessidades, sempre renovadas, da administração e da indústria, e
cumprir essas tarefas de uma maneira geralmente admitida. Se estas tarefas, por
sua forma e conteúdos, são úteis à humanidade no momento histórico atual, ou se
a organização social que as engendra é adequada para o homem, eis aí perguntas
que, aos olhos destes filósofos, não são científicas, mas assunto de decisão pessoal,
de valoração subjetiva; estão subordinadas ao gosto e ao temperamento do
indivíduo. A única posição filosófica que se pode reconhecer nessa atitude é a
concepção negativa de que não há uma verdadeira filosofia, de que o pensamento
sistemático, em momentos decisivos da vida, deve retirar-se para um segundo
plano; em uma palavra: o ceticismo e o niilismo filosóficos. Antes de continuar, é
necessário opor o modo de conceber a função social da filosofia, exposto aqui, a
outra concepção, representada por diferentes ramos da sociologia moderna, que
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identifica a filosofia com uma função social geral, a saber: a ideologia. Esta
posição sustenta que o pensar filosófico, ou melhor dito, o pensar como tal, seria
simples expressão de uma situação social específica. Cada grupo social, (281) os
Junker**alemães, por exemplo, desenvolveria um aparato conceitual de acordo
com sua situação, assim como determinados métodos e estilos de pensar. A vida
dos Junker estivera ligada, durante séculos, a uma regulamentação específica da
herança; suas relações com as dinastias de reis dos quais dependiam, e com seus
súditos, haviam apresentado traços patriarcais. Em consequência, todo seu pensar
se moveria dentro das formas da sucessão geracional orgânica e ordenada do
crescimento biológico. Tudo apareceria sob a forma dos organismos e vínculos
naturais. A burguesia liberal, em contrapartida, de cuja sorte ou desgraça depende
seu êxito nos negócios, e que aprendeu por experiência que tudo deve ser reduzido
ao comum denominador do dinheiro, havia desenvolvido uma forma de pensar
muito mais abstrata e mecanicista. Sua filosofia e seu estilo intelectual se
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Cf. Karl Mannheim. Ideologie und Utopie. Bonn: 1929.
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Membros da nobreza constituída por grandes proprietários de terras nos estados alemães
anteriores e durante o Segundo Reich (1871-1918). (N. T. brasileiro)
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caracterizariam por suas tendências não hierárquicas, mas niveladoras. O mesmo
poderia se dizer de outros grupos, tanto anteriores como atuais. Assim dever-se-ia
perguntar à filosofia de Descartes, por exemplo, se seus conceitos correspondem
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aos dos grupos aristocráticos ou jesuíticos da corte, à noblesse de robe , ou aos
da baixa burguesia ou da massa. Qualquer esquema de pensamento, qualquer
atividade filosófica ou cultural em geral pertenceriam a um grupo social específico,
do qual proviriam e a cuja existência estariam fortemente ligados. Todo sistema de
pensamento seria “ideologia”.
Esta concepção é, sem dúvida, até certo grau, correta. Muitas das ideias
hoje difundidas resultariam simples ilusões se fossem analisadas do ponto de vista
de sua base social. Mas não basta relacioná-las a qualquer grupo social, como faz
essa escola sociológica. Deve-se aprofundar mais e desenvolvê-la a partir do
processo histórico no qual esses mesmos grupos sociais encontram explicação.
Tomemos um exemplo. Na filosofia cartesiana, a forma de pensar mecanicista,
especialmente a matemática, tem significativa importância. Caberia inclusive
afirmar que toda filosofia é só uma generalização do pensamento matemático.
Poderíamos, é certo, tratar de encontrar um grupo da sociedade que possuísse um
caráter correspondente a este modo de pensar, e possivelmente na época de
Descartes encontraríamos algum. Mas mais complexo, ainda que mais adequado,
seria investigar o sistema de produção de então e mostrar como a um membro da
burguesia ascendente, justamente por sua atividade no comércio e na manufatura,
lhe era necessário calcular de modo exato se quisesse assegurar e estender seu
poder no mercado competitivo (282) que acabava de surgir. O mesmo se pode
dizer daqueles que, na ciência e na técnica, eram, por assim dizer, seus agentes e
cujos inventos e demais trabalhos científicos revestiram de importância na
nascente luta entre indivíduos, cidades e nações que caracterizou a época
moderna. Para todos estes sujeitos, era natural que contemplassem o mundo sob
um aspecto matemático. E posto que sua classe, no transcurso do desenvolvimento
social, chegou a ser característica de toda a sociedade, esta forma de ver se
difundiu muito mais além dos limites da burguesia. A sociologia segue sendo
insuficiente. Necessitamos de uma teoria geral da história. Do contrário, corremos
o perigo de relacionar filosofemas significativos com grupos insignificantes ou, em
todo o caso, não decisivos, ou de interpretar mal a importância de um grupo
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Na França, sob o Antigo Regime, a noblesse de robe reunia todos os nobres que ocupavam funções de
governo, principalmente na justiça e nas finanças. (N.T. brasileiro)
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específico no todo da sociedade, e com isso a relação cultural dada. Mas esta não é
ainda a objeção mais importante. A aplicação estereotipada do conceito de
ideologia a toda estrutura de pensamento se baseia, em última instância, na ideia
de que não existe uma verdade filosófica e, portanto, nenhuma verdade para a
humanidade, de que todo pensar está “ligado ao ser”. Com relação a seus métodos
e a seus resultados, cada estrutura de pensamento pertenceria, pois, a uma classe
específica e teria validez somente para essa classe. Uma atitude semelhante frente
às ideias filosóficas não inclui, por exemplo, sua prova objetiva; tampouco se
pergunta por sua aplicabilidade prática, mas se limita a sua pertença, mais ou
menos complicada, a um grupo social. E isso ultrapassaria as exigências da filosofia.
Podemos ver facilmente que esta escola, que leva finalmente à fusão da filosofia
com uma ciência especial, a sociologia, retoma a posição cética que acabamos de
criticar. Não se preocupa por explicar a função social da filosofia... A verdadeira
função social da filosofia reside na crítica ao estabelecido... A meta principal dessa
crítica é impedir que os homens se abandonem àquelas ideias e formas de conduta
que a sociedade em sua organização atual lhes dita. Os homens devem aprender a
discernir a relação entre suas ações individuais e aquilo que se consegue com elas,
entre suas existências particulares e a vida geral da sociedade, entre (283) seus
projetos diários e as grandes ideias reconhecidas por eles. A filosofia descobre a
contradição na qual estão envolvidos todos os homens enquanto, em sua vida
cotidiana, estão obrigados a aferrar-se a ideias e conceitos isolados... (284) Quando
Platão pretende que o Estado seja regido pelos filósofos, não quer dizer com isso
que os governantes devam ser escolhidos entre os autores de manuais de lógica. O
espírito de especialização persegue, no mundo dos negócios, só o ganho; no
terreno militar, só o poder, e, na ciência, nada mais que o êxito em uma disciplina
determinada. Se este espírito não é controlado, provoca um estado anárquico na
sociedade. Platão equipara a filosofia com o esforço por unir e concentrar as
distintas possibilidades e modos do conhecimento, de tal maneira que aqueles
elementos parcialmente destrutivos se convertam em produtivos no verdadeiro
sentido. A isso apontava sua pretensão de que os filósofos deviam governar. Por
isso tinha pouca confiança nas convicções populares, que sempre se aferram a uma
única ideia, por melhor que ela possa ser em um determinado momento...
(285) Aquele que estude a filosofia moderna não somente nos manuais
comuns, mas seguindo sua história passo a passo, reconhecerá nela o problema
social como um motivo essencial. Bastaria mencionar Spinoza e Hobbes. O
Tractatus theologico-politicus foi a única obra importante que Spinoza publicou em
vida. Em outros pensadores, como Leibniz e Kant, uma análise mais profunda
descobre que precisamente os capítulos mais abstratos de sua obra, as teorias
metafísicas e lógico-transcendentais, se baseiam em categorias sociais e históricas.
Sem elas, seus problemas não se podem entender e nem resolver. Por isso, uma
análise exaustiva do conteúdo de filosofemas puramente teóricos resulta uma das
mais interessantes tarefas de uma investigação moderna da história da filosofia...
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