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É sabido que a Filosofia foi "a mãe" de todas as ciências e que a


ciência foi a "Filosofia Natural" até ao século XVIII. Assim se compreende
que, na célebre Encyclopédie des Sciences, des Arts et des Metiers, mais
exactamente no mapa dos saberes que constitui o fundo disciplinar da sua
estruturação – o Système Figuré des Connaissances Humaines – D'Alembert
possa ainda incluir na Filosofia, tanto as ciências matemáticas como as
ciências da natureza1.
É sabido também que a emergência da ciência moderna no século
XVII é acompanhada por um afastamento progressivo da Ciência
relativamente à Filosofia, afastamento esse que, no século XIX, ganha os
contornos de um adquirido teórico - o positivismo de Auguste Comte e a
(en)tão proclamada autonomia da ciência enquanto única forma de
conhecimento válido.
Passados porém esses momentos de euforia cientista, e logo a partir da
segunda metade do século XIX, a ciência revela-se um saber muito mais
frágil e conjectural do que se poderia pensar. Acontecimentos decisivos,
como o aparecimento das geometrias não euclidianas, a emergência das
ciências humanas e as grandes rupturas introduzidas nas ciências da natureza
por Darwin, Einstein e Max Planck, estão na origem de uma nova
aproximação entre a Ciência e a Filosofia que no século XX se consagra.
A Ciência compreende então que nunca se poderá autonomizar
totalmente da Filosofia, toma consciência de que, necessariamente, está
fundada em pressupostos filosóficos, que as suas construções teóricas não
são meras descrições factuais mas repousam sobre posições metafísicas. É a

1
À filosofia propriamente dita corresponde, na terminologia da Encyclopédie, a Metafísica.
Sobre a Encyclopédie e a classificação das ciências que lhe está subjacente, cf. o nosso estudo
“Para uma historia da Ideia de enciclopédia. Alguns exemplos”, in Pombo, O.; Guerreiro, A.;
Franco Alexandre, A. (edrs), (2006: 194-251).
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época de ouro do princípio do século XX em que os grandes homens da


Ciência (Einstein, Niels Bohr, Oppenheimer, De Brouglie, Bertrand Russell,
Heinsenberg), aqueles mesmo que a estão a fazer progredir de forma
insuspeitada, se sentem convocados a questionar os fundamentos e
princípios das ciências em que trabalham, a interrogar os seus resultados,
limites e finalidades. A filosofia da ciência é então uma disciplina emergente
da própria actividade científica (“espontânea”, como diz Althusser), uma
actividade tendencialmente regional porque realizada pelos próprios
praticantes das ciências particulares e decorrente dos problemas colocados
em cada uma delas, uma tarefa que só o cientista pode realizar, analisando e
reflectindo sobre a sua própria actividade científica, explicitando as suas
regras de funcionamento, o seu modo próprio de conhecer2.
Por seu lado, os filósofos, para quem os problemas do conhecimento
em geral e do conhecimento científico em particular havia constituído, desde
sempre, uma fonte inesgotável de interesse e investigação, tendem a recusar
à reflexão sobre a ciência qualquer tipo de estatuto que a colocasse numa
posição extrínseca à tradição filosófica • mesmo quando praticada por
homens da ciência, essa reflexão não deixaria de ser ingénua, espontaneísta e
acrítica3. A seu ver, a filosofia da ciência deve manter-se próxima da
actividade científica sem contudo com ela se confundir. Este gesto de
autonomia é porém acompanhado de uma desistência. Seguindo em grande
parte o caminho apontado por Kant, os filósofos reclamam-se dessa
proximidade à ciência mas desistem de pretender ditar-lhe normas.
Reconhecendo que não lhes compete o papel de seus mentores, juizes ou
sequer críticos (veja-se a posição normativa de Augusto Comte), tornando-
se, ao invés, mais atentos à sua complexidade, ao seu já longo e

2
Aqui radica, em grande parte, a tese frequentemente repetida, segundo a qual apenas os
praticantes de uma determinada ciência teriam possibilidade, e legitimidade, para pensar essa
ciência. Trata-se de uma posição ditada por um mal escondido preconceito antifilosófico que,
em última análise, visa retirar á reflexão filosófica o seu significado e alcance cognitivo e que
envolve uma grave ignorância dos profundos laços que, em cada momento da sua História e
desenvolvimento, as diversas ciências têm mantido com os esforços críticos, não apenas da
reflexão gnosiológica e epistemológica, mas também ontológica e metafísica.
3
É justamente este o teor da crítica de Althusser (1974) a essa "Filosofia espontânea dos
cientistas" de que traçou o quadro impiedoso.
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diversificado desenvolvimento, à sua história e aos seus procedimentos e


manifestações actuais.
É então que a Filosofia da ciência se constitui como disciplina dotada
de autonomia problemática, conceptual e metodológica, menos especulativa
e globalizante, mais descritiva e comparativista. Disciplina que, para usar
uma excelente definição de Giles Gaston Granger, consiste na tentativa de
"descrever e fazer compreender o sentido, o alcance e os processos desse
esforço de racionalização na explicação dos fenómenos que o movimento da
ciência exprime" (1986: 114).
De facto, é nas primeiras décadas do século XX que a Filosofia da
Ciência4ganha autonomia disciplinar face à História das Ciências, à
Metodologia e, sobretudo, à Teoria do conhecimento. Sabemos que a Teoria
do Conhecimento privilegiou sempre o conhecimento científico, quer para
reconhecer a sua singularidade face a outras formas possíveis de
conhecimento (Platão, Descartes, Bergson, por exemplo), quer porque o
considera como a forma por excelência do conhecimento humano (Kant,
Husserl), quer ainda porque o toma como a única forma de conhecimento
válido, aquela na qual as exigências de verdade e coerência unicamente
podem ser observadas e analisadas (positivismo lógico). Nesta ordem de
ideias, a filosofia da ciência seria também herdeira da lógica aplicada ou
metodologia, estudo comparativo (e normativo) dos métodos das diferentes
ciências que visa o apuramento das formas lógicas implicadas no
conhecimento científico.
Porém, nesse movimento de autonomização disciplinar, desenham-se
desde logo duas direcções divergentes. Uma primeira (continental) inscreve
a filosofia da ciência na herança da tradição reflexiva da Teoria do
Conhecimento. Embora mais modesta que esta última quanto ao seu radical
questionamento dos problemas da origem, fundamento, natureza, valor e
limites do conhecimento em geral, a Filosofia da Ciência é,
simultaneamente, mais ambiciosa na medida em que se obriga a uma descida
ao detalhe dos processos reais da ciência e da sua História, à análise das
práticas, das teorias e das obras (Tratados, Memórias, Discussões), isto é,

4
A expressão “filosofia da ciência” surge com Ampère no seu Essai sur la Philosophie des
Sciences (1834).
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dos produtos do "trabalho científico" como diz Granger (1986). Uma


segunda direcção faz da filosofia da ciência uma disciplina analítica,
autónoma face à teoria do conhecimento, inscrita no cruzamento da tradição
anti-historicista do positivismo lógico (Mach, Wittgenstein, Circulo de
Viena), do logicismo de Frege, Whitehead e Russell, e do pragmatismo norte
americano (Peirce, W. James e Dewey).
O território da filosofia da ciência ficará doravante clivado por estas
duas tradições. Clivagem que se traduz por uma incómoda assimetria das
denominações pelas quais a actividade da filosofia da ciência tende a ser
designada. Aquilo que, na tradição continental se designa por “teoria do
conhecimento” é em geral designado, na tradição analítica, por
“epistemologia”. Por seu lado, na tradição continental, epistemologia e
filosofia da ciência, são tomados como termos equivalentes, mantendo-se
então a designação clássica de “teoria do conhecimento” para aquilo que na
tradição analítica se designa como “epistemologia”. A palavra
“epistemologia” é reservada para designar o projecto de constituição de uma
ciência autónoma, uma investigação metacientífica, “ciência da ciência”, ou
melhor, "discurso sobre a ciência"5, que tem o seu próprio objecto (o
discurso científico e/ou a actividade científica e os seus produtos) e o seu
próprio método (consoante os casos: o método psico-genético e histórico-
crítico do projecto piagetiano de uma Epistemologia Genética; a
metodologia empírica da Epistemologia Naturalizada de Quine; a analise
thematica de Gerard Holton; o comparativismo transcendental de G. G.
Granger de uma epistemologia comparatista; ou ainda as abordagens mais
teoréticas e especulativas de Bachelard, Popper, Kuhn ou Lakatos).

É possível dizer-se que tanto a filosofia como a ciência estão


atravessadas pela questão “o que é?”. Questão nunca esgotada, antes sempre
retomada, rememorada, recolocada, que alimenta em profundidade o
trabalho das ciências e da filosofia. Mas, se a filosofia defronta a questão em

5
A dupla determinação etimológica da palavra epistemologia ( "episteme", na sua oposição a
"doxa", enquanto conhecimento seguro e verdadeiro e "logia" enquanto "discurso", na sua
derivação a partir de "logos") é a esse respeito eloquente.
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si mesma, na sua radicalidade e máxima abstracção • O que é a vida? O que


é a linguagem? O que é um teorema? • a ciência fragmenta, desdobra,
subdivide a questão em inumeráveis perguntas. Face, por exemplo, à questão
“O que é a vida?”, a ciência perguntará: Como é que a célula se reproduz?
Quais os mecanismos da divisão celular? Como se comportam os
cromossomas durante a mitose? Digamos que, ao trabalho sobre a infinitude
da questão que a filosofia enfrenta em cada momento, corresponde a
possibilidade de resposta visada pela pergunta que a ciência coloca. Por
outras palavras, a filosofia questiona, a ciência equaciona.
Também a filosofia das ciências, enquanto disciplina filosófica que é,
enfrenta a questão “o que é?”, neste caso, “o que é a ciência?” Porém, no seu
movimento de atenção ao que é a ciência, aos seus desenvolvimentos, aos
seus resultados, aos processos que mobiliza, é possível reconhecer a
existência de diferentes formulações da questão “o que é a ciência?”. Cada
uma dessas formulações inscreve-se num determinado período da história da
ciência e da história da filosofia. Cada uma delas determina momentos
diferenciados da história da filosofia da ciência. Cada uma delas está na raiz
de um modo particular de pensar as relações entre a Filosofia e a Ciência.
Num primeiro momento, a questão central é formulada nos seguintes
termos: Será a ciência possível? Terão os homens acesso à verdade? Ou,
pelo contrário, estaremos necessariamente condenados à doxa? Está ao nosso
alcance construir um saber verdadeiro e universalmente partilhável? Ou
estaremos condenados a um universo onde os homens são a medida de todas
as coisas?
A este respeito duas posições opostas se constituíram logo no mundo
antigo: as dos cépticos que recusavam a possibilidade da ciência dada
considerarem que todo o conhecimento é necessariamente subjectivo, e a dos
grandes sistemas filosóficos de Platão e Aristóteles que defendiam a
possibilidade anunciada da ciência nascente.
Posteriormente, nos alvores da ciência moderna, assiste-se a uma nova
crise céptica, por exemplo, com Montaigne que, em pleno século XVI,
afirma nada saber nem nada ser possível saber de modo verdadeiro. Também
para Francisco Sanches, assim como para outros cépticos seus
contemporâneos, há muito mais coisas que não sabemos do que aquelas que
sabemos e praticamente nada de verdadeiro nos é possível conhecer. Foi face
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a este cepticismo renascentista e barroco que, novamente em defesa da


ciência, se levantaram grandes sistemas filosóficos, usufruindo desta vez de
condições de desenvolvimento do saber cientifico muito diferentes das do
período anterior. É o caso de Descartes ou Leibniz que têm já como pano de
fundo a ciência experimental de Copérnico e Galileu.
Um segundo período pode ser estabelecido a partir da obra de Kant.
Tendo atrás de si o edifício científico muito sólido de Newton, Kant
considera não ter já cabimento perguntar se a ciência é ou não possível pois
ela constitui já um facto indiscutível. A questão “o que é a ciência?” sofre
então uma nova formulação. O que importa agora é perguntar, não se a
ciência é possível, mas como é que a ciência é possível? Qual o segredo que
está na origem da sua constituição como ciência? Quais as condições que
permitiram passar de um conhecimento subjectivamente determinado a um
conhecimento universal como o da Física de Newton. Em geral, quais as
condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro?
A operação kantiana é de tal modo decisiva que, depois de Kant, toda
a reflexão sobre o conhecimento será determinada pela análise de uma
ciência já feita.
Num terceiro momento, a questão “o que é a ciência?” vai dar lugar à
interrogação sobre como progride a ciência? Meio século depois de Kant, a
grande figura é agora Auguste Comte. A ciência é então pensada
fundamentalmente como um conhecimento que progride. A História é o
lugar em que se desenrola um processo, longo e sinuoso, de progressiva
aquisição de novas verdades, numa escala sempre ascendente. O que importa
é perceber como progride a ciência, a que leis obedece o seu
desenvolvimento. A lei dos três estados, princípio orgânico da filosofia de
Comte6, aí esta a apontar o caminho, natural e necessário, do

6
Exposta logo no inicio da 1ª lição do Cours, trata-se, como se sabe, de uma lei fundamental
que diz respeito ao "desenvolvimento total da inteligência humana nas suas diversas esferas
de actividade" (Comte, 1830, I: 8) e que se traduz no facto de que "cada uma das nossas
principais concepções, cada ramo dos nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três
estados teoricamente diferentes: o estado teológico ou fictivo, o estado metafísico ou abstracto
e o estado científico ou positivo"(ibid), dos quais, "o primeiro é o ponto de partida necessário
da inteligência humana, o terceiro o seu estado fixo e definitivo, o segundo unicamente
destinado a servir de transição" (Comte, 1830, I: 9).
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desenvolvimento do espírito humano, definindo os momentos, as etapas, os


mecanismos que poderão permitir o progresso dos conhecimentos.
Um quarto período pode ser estabelecido a partir das primeiras
décadas do século XX. A questão vai ser reformulação nos seguintes termos:
Quais as condições de validade de um enunciado científico? Qual a linha de
demarcação entre a ciência e a não ciência?
Neo-positivistas de um lado e formalistas de outro - as grandes
filosofias da ciência da primeira metade do século XX - vão encontrar-se na
defesa da racionalidade do projecto científico.
Os neo-positivistas, defendendo que os enunciados científicos se
distinguem dos não científicos porque têm a possibilidade de serem
confirmados positivamente pela experiência. Haverá sempre algures, na
relação entre o sujeito e o mundo, a presença do facto, enquanto forma
positiva de confirmar um enunciado. Os formalistas recusando a
possibilidade de confrontação extra-linguística das proposições científicas.
Não há possibilidade de confirmar, quer positiva, quer negativamente,
qualquer enunciado científico pela sua confrontação com a realidade. Um
enunciado é científico quando é internamente compatível com um dado
conjunto de proposições que formam um sistema a partir do qual podem ser
operativamente deduzidas um leque significativo de consequências.
A posição de Popper, dissidente da tradição neo-positivista, é a este
respeito muito particular. Um enunciado é científico, não porque possa ser
confirmado pela experiência (confirmação positiva), mas precisamente
quando por ela pode ser refutado (confirmação negativa). Esta posição,
bachelardiana na sua origem, afirma que a ciência se distingue, não pela sua
capacidade de estabelecimento positivo da verdade, mas, ao invés, pela sua
capacidade de afastamento face ao erro.
Finalmente, num quinto período, que se inicia no pós-guerra e se
prolonga até aos nossos dias, a filosofia da ciência vê-se confrontada com
um novo tipo de questões resultantes, em grande medida, das profundas
alterações que se verificam na relação entre a ciência e o mundo. Onde acaba
a ciência e começa a política? Onde acaba a ciência e começa a técnica?
Onde acaba a ciência e começa a religião? Hiroshima foi o ponto de
viragem. Depois de Hiroshima, assistimos à multiplicação de efeitos
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perversos da ciência sobre a vida dos homens e do mundo. A inquietação


sobre os limites e mesmo os objectivos da actividade científica é real.
Não é pois de estranhar que, na segunda metade do século XX, a
filosofia da ciência tenda a pensar o conhecimento científico com base em
critérios pragmáticos. Como se, na ausência de uma fundamentação radical
da actividade cientifica, o que unicamente pode importar é que a teoria
funcione. Quer isto dizer que, de pura actividade racional colectivamente
construída e validada, a ciência surge como uma actividade que parece
responder a interesses que ultrapassam o conhecimento. Como aponta o
pragmatismno de Habermas (1968), o que está em causa, o que pode
explicar a aparente irracionalidade do desenvolvimento científico, é o
interesse de dominação da natureza (o que explicaria a imbricação entre a
ciência e a técnica), o interesse de emancipação do homem enquanto sujeito
colectivo (aqui radicaria a dependência da ciência face à politica) e o
interesse crítico o qual, apesar de todos os esforços da filosofia, não se
tornou impermeável às tradições teológicas (assim se compreenderia o
avassalador retorno do religioso a que hoje assistimos e que, em alguns
casos, não se inibe de tentar disputar, corpo a corpo, o terreno teórico da
ciência)
Trata-se de uma reformulação que opera um inquietante deslocamento
de perspectiva. O que importa, não é já de saber “o que é a ciência” a partir
do interior da actividade científica, da vida própria das suas construções
teóricas, em função das exigências de desenvolvimento dos seus próprios
objectos, mas fazer o balanço externo, ou extrínseco, de actividades que não
são científicas mas que circunscrevem e determinam a actividade científica a
partir do seu exterior.
A pergunta que importa colocar é esta: Como chegámos até aqui?
Como aceitámos tentar perceber o que é a ciência interrogando as suas
relações com aquilo que ela não é? Como se explica que tenhamos aceitado
reduzir-nos a querer saber o que é a ciência confrontando-a com aquilo que a
legitima socialmente (a técnica), que limita a sua liberdade (a política), que
desafia a sua racionalidade (a religião)?
Pensamos que a resposta a esta questão deverá ser procurada na
identificação de algumas determinações fundamentais da situação da ciência
no mundo na segunda metade do século XX. Depois de Hiroshima, alguma
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coisa se terá constituído nas margens da ciência, para lá das suas fronteiras,
que pode explicar aquele inquietante deslocamento.

No que diz respeito à relação da ciência com a técnica, há que


reconhecer que, ao longo do século XX, essa relação -- tão antiga como a
própria ciência -- se torna cada vez mais profunda e mais densa. A criação de
dois neologismos – tecnologia a tecnociência – dá bem conta dessa
intensificação. Nesse sentido, é interessante observar que, enquanto a
palavra tecnologia (reunindo os radicais tecnhe e logos) aponta para a
dependência da técnica face á ciência, a palavra tecnociência (fazendo
economia do radical logos) sugere, ao invés, que seja agora a ciência a
tornar-se dependente da técnica. Ora, justamente, o que hoje está em causa
na relação da ciência com a técnica é saber se, ao lado da técnica, ao lado da
tecnologia, ao lado da tecnociência, a palavra ciência está condenada ao
esquecimento e, como tal, deverá ser abandonada. Por outras palavras, será
que a Ciência, enquanto puro esforço explicativo, não imediatamente
comprometido com a produção de efeitos práticos, tem ainda alguma sólida
independência ou, pelo contrario, terá deixado de fazer sentido?
Sabemos que Lyotard (1979) diagnosticou a presença invasora de uma
racionalidade operatória que deixou de ser conduzida pelo desejo de verdade
e passou a visar apenas a obtenção de resultados práticos imediatos. A seu
ver, deixou de fazer sentido distinguir entre ciência pura e ciência aplicada
porque, hoje, toda a ciência seria aplicada7. As ciências coincidiriam com a
técnica e tecnologia enquanto procedimentos operatórios capazes de
transformam as práticas humanas e não já "visões do mundo" ou "grandes
narrativas" que a nossa pós-modernidade não comporta.

7
Segundo certos autores, haveria razão para uma tripla e não dupla distinção. É o caso de
Causey (1977) que distingue entre investigação básica ("basic research") que visa a aquisição
de conhecimento apenas com o objectivo de alargar a nossa compreensão do mundo,
investigação aplicada ("applied research") na qual a aquisição de conhecimento obedece a
objectivos específicos e investigação desenvolvimental ("developmental research") que
consistiria no "esforço racional para a criação, fabricação ou elaboração de um projecto de um
processo específico, instrumento, utensílio, máquina, procedimento, técnica, etc." (Causey,
1977: 160).
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Não obstante a pertinência deste diagnóstico face ao qual inteiramente


se dilui a fronteira entre ciência e tecnologia, o que esta em causa é saber se,
pelo contrario, é legitimo defender a tese segundo a qual a ciência continua a
poder ser pensada como uma aventura explicativa, uma actividade que visa
constituir um saber com validade universal. É o caso, por exemplo, de
Prigogine e Stengers (1988) quando escrevem "algumas pessoas procuram
reduzir toda a ciência a uma simples pesquisa de relações gerais, permitindo
prever e dominar os fenómenos. Mas esta concepção "adulta" e desencantada
da racionalidade nunca pôde calar a convicção em que se enraíza a paixão
dos cientistas: a sua pesquisa visa compreender o mundo e tornar inteligível
o devir da natureza”.(Prigogine e Stengers, 1988: 208).
Quanto à relação da ciência com a religião, temos também que
reconhecer que um dos aspectos mais surpreendentes da ciência nas últimas
décadas é o da sua permeabilidade às experiências e às representações que se
reclamam do divino. Ao contrário do que pensava Augusto Comte, o
progresso científico não corresponde ao esvaziamento do religioso. O
chamado “regresso do sagrado” não afecta apenas os movimentos de
identidade nacional. As representações de Deus penetram o interior da
própria ciência. Com a emergência da Bioética e com o reforço das
cosmogonias em torno da ideia de um Big Bang nos anos 708, Deus voltou a
ser um elemento da equação geral do mundo.
Em Bioética, foi-se impondo a evidência de que a ciência não possui
critérios imanentes que lhe permitam, por si só, estabelecer os limites dos
seus efeitos sobre a natureza global ou sobre as formas de existência dos
humanos, ou seja, foi-se percebendo toda a urgência de um questionamento
bioético sobre os meios e os fins da ciência no seu relacionamento com a
vida. Mas, entretanto, os quadros éticos a que a bioética tem recorrido
(formalistas, utilitaristas ou das virtudes) parecem não encontrar justificação
última fora da hipótese de Deus. De modo paralelo, na Física, os grandes
temas metafísicos sobre a eternidade do mundo foram ressuscitados pela
astrobiologia e por algumas teorias cosmológicas que respondem, não sem

8
Embora o termo tenha aparecido em 1949 com Fred Hoyle para referir a teoria proposta em
1931 pelo monsenhor Lemaître, só depois da descoberta do espectro da radiação cósmica de
fundo em 1964, é que a comunidade científica começou a aderir, ainda assim de forma
parcelar, à teoria do Big Bang.
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algum incómodo, ao inesperado desenvolvimento de teorias cosmogónicas


criacionistas9.
Perante este surpreendente estado de coisas, a filosofia da ciência nem
sempre tem contribuído para um esclarecimento da questão. Veja-se o caso
de Kuhn para quem todo o conhecimento científico tem na sua base uma
crença (sem crença não há paradigma e sem paradigma não há ciência). Nem
sequer é necessário que a crença seja verdadeira ou que sequer haja uma
justificação racional para ela. Basta que seja partilhada por todos e que dê
origem a um conjunto fecundo de comportamentos (investigação normal).
Como Kuhn escreve: “A ciência normal, actividade no seio da qual os
cientistas passam inevitavelmente quase todo o seu tempo, é fundada sobre a
crença de que o grupo científico sabe como é constituído o mundo. Uma
grande parte do sucesso da empresa depende da vontade que o grupo tem de
defender essa crença por um preço tão elevado quanto necessário. Nesse
sentido, a ciência normal suprime muitas vezes uma novidade fundamental
porque ela iria fazer tremer as suas convicções de base ” (Kuhn, 1962: 22).

A porta está aberta para que a inteligência dedutiva de Feyerabend


retire a conclusão: a ciência é um sistema de crenças em tudo equivalente a
outros sistemas de crenças socialmente estabelecidos. Ou seja, com
Feyerabend, já não estamos a falar da incomensurabilidade dos paradigmas
científicos (como em Kuhn) mas da diluição da ciência no interior das
diversas tradições culturais isto é, da equiparação da ciência aos sistemas de
crença socialmente estabelecidos. Como escreve: “A ciência é uma tradição
entre muitas outras. Apenas para aqueles que fizeram as escolhas culturais
adequadas é que constitui uma fonte de verdade” (Feyerabend, 1975: 8).
Ora, mais do que diluir as diferenças entre ciência e religião, o que
importaria a uma filosofia da ciência interessada em manter viva a questão
“o que é a ciência”, seria retomar com cuidado a determinação dos pontos
por onde passa a diferença entre aquelas actividades humanas.
No que respeita à relação ciência e política, é de igual modo
necessário reconhecer algumas novidades fundamentais. Elas prendem-se

9
Cf., por exemplo, Steven (2001)
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com o profundo impacto que a ciência e as suas materializações e resultados


desencadeiam na sociedade civil e nas suas estruturas políticas e
económicas.
Infelizmente, não basta fazer o diagnóstico - aliás inteiramente justo -
da ciência como factor de progresso social, ao serviço da melhoria da vida
das sociedades humanas. È necessário compreender que, ao longo o século
XX, os factores que determinam o desenvolvimento da ciência vão estar
cada vez menos na mão dos cientistas e cada vez mais sob o controle dos
decisores governamentais. A ciência vai ser obrigada a negociar a sua
liberdade e autonomia, oferecendo aplicações industriais, lucros, prestígio,
poder militar, capacidade de domínio, e recebendo em troca financiamentos,
bolsas, subsídios. Em contrapartida, o poder económico e o poder político
procuram formas de aproximação (veja-se controlo) da investigação
científica, em proveito exclusivo • convém não esquecer • dos seus
próprios interesses e não dos do corpo social no seu todo. Como diz Jean
Hamburger (1991: 8), a atitude do poder político e económico em relação à
ciência deixou de ser o "laisser-faire" e o apoio massivo para passar a ser o
"faire faire", isto é, o controle e a direcção da investigação científica.
Será então que, depois de Hiroshima, a imagem tradicional da ciência
e da sua autonomia face aos poderes políticos e económicos, deixou de poder
ser sustentada? Estaremos de facto condenados à promiscuidade política
entre o cientista e o soberano, o general e o homem negócios, aquela
pequena parcela da comunidade dos humanos que explora a ciência em seu
benefício e que, ela sim, é, em grande parte, responsável pelos efeitos
perversos que todos lamentamos?

.
Pensamos que a situação se alterou nas últimas décadas, por muito que
nos reconheçamos ainda numa situação em que a ciência se deixa pensar a
partir de uma independência cada vez mais ténue face aos poderes políticos,
enfeudada aos valores da economia e das estratégias de domínio do planeta,
a verdade é que essa situação já não corresponde inteiramente ao nosso
presente. A um presente que, em grande parte, é ainda de precária
visibilidade. Na relação entre a ciência e o poder político assistimos hoje a
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novos e auspiciosos desenvolvimentos. Para além dos interlocutores


clássicos constitutivos do triângulo universidade, estado, indústria10, a
investigação científica responde hoje a novos desafios provenientes agora da
sociedade civil.
Referimo-nos a um conjunto de sinais, cada vez mais significativos,
que fazem perceber que a ciência está hoje sob o fogo de um novo público,
mais crítico e interveniente, que lhe pede contas, que lhe fixa condições, que
exige o cumprimento de determinadas normas, que discute os seus resultados
e efeitos, que exige explicitações, que a obriga a regressar aos problemas
concretos de que ela teve necessidade de se afastar, enfim, que a confronta
com problemas novos. Como diz Stengers: a ciência é hoje confrontada com
"problemas que ela não colocou, mas que se lhe impõem, situações que não
se deixam pensar em laboratório porque integram um número mal definido
de variáveis entrelaçadas" (1993 : 179). Problemas levantados, ou pelo
menos, assinalados, por “novos colectivos" (Stengers, 1993 : 163), grupos
sociais dotados de capacidade crítica e de interrogação, formações
espontâneas de utilizadores da ciência, interlocutores activos capazes de
desencadear acontecimentos críticos, grupos pequenos e efémeros mas
poderosos e inventivos, que levantam problemas, determinam objectos de
estudo, validam análises, apoiam investigações. Ainda nas palavras de
Stengers, a ciência está hoje confrontada com novas "competência públicas",
"grupos de cidadãos (...) capazes de colocar questões às quais os seus
interesses os tornam sensíveis, de exigir explicitações, de pôr condições,
sugerir modalidades, participar na invenção"(1993:179-180).
A opinião pública, que começou a constituir-se nos salões, cafés e
gazetas do século XVIII em França e nos clubes e sociedades de leitura na
Inglaterra e na Alemanha11é hoje uma entidade activa, capaz de se interessar
sobre o que existe nos laboratórios, de questionar e mesmo pôr em risco os
resultados da ciência. Digamos que, se é um facto que a ciência se separou
da opinião, se isolou, se refugiou, se pensou contra, se é um facto que a
ciência procurou estabelecer a sua linha de demarcação para a não-ciência,
se defendeu aguerridamente a sua autonomia, a verdade é que, hoje, a

10
A imagem é de Pierre Thuillier (1972 : 261).
11
Sobre este tema, veja-se J. Habermas (1984: 46-93).
200 . # '0 ! # , # !

opinião pública está em vias de resgatar os seus direitos. Ela não tem apenas
efeitos negativos em relação à produção do conhecimento científico, efeitos
de desordem, de confusão, de dependência. O cidadão abandona a postura do
simples espectador deslumbrado com a odisseia do conhecimento, deixa de
se pensar apenas como uma exterioridade inferior e ignorante. A opinião
pública é hoje um interlocutor activo da ciência, um elemento positivo que a
determina materialmente, que levanta problemas, determina objectos de
estudo, valida análises, apoia ou contesta determinadas investigações. Ela
obriga a ciência a regressar aos problemas concretos de que se havia
afastado. Ela obriga a ciência a procurar soluções integradas
(interdisciplinares) para as questões holísticas que lhe propõe.
São assim os Comités de Ética (teólogo, filósofo, autarca, cientista,
representantes de associações científicas), os inúmeros grupos de pressão
constituídos por cidadãos de diversos tipos, hemofílicos, moradores de uma
determinada zona, grupos de estudantes, pacifistas, ecologistas, essas "sub-
culturas isentas de pressão económica imediata" de que fala Habermas12 que,
concentrando grandes capacidades de protesto, se interessam pela devastação
das florestas, pelas questões da fome, da energia, da explosão demográfica,
dos desastres ambientais, tomam a iniciativa de se pronunciar sobre questões
de segurança, poluição, protecção das espécies, inverno nuclear, sida, regime
atmosférico, camada de ozono, esses inúmeros grupos de pressão e
resistência com capacidade para pôr em risco os mecanismos e resultados da
ciência (por exemplo, as explosões da Mororoa).
Por outras palavras, a ciência hoje já não está apenas na dependência
do poder político e dos poderes económicos, mas também da capacidade de

12
Habermas (1968: 89). Não se trata de classes sociais mas de "minorias" que, como mostra
Deleuze, não se distinguem pelo seu elevado número mas pela sua capacidade de produzir
acontecimentos ainda que efémeros, pela sua "espontaneidade rebelde" (Deleuze, 1990: 238).
Como escreve Deleuze, "as minorias e as maiorias não se distinguem pelo número. Uma
minoria pode ser mais numerosa que uma maioria. O que define a maioria é um modelo ao
qual é necessário conformar-se: por exemplo, o Europeu médio adulto macho habitante das
cidades. Enquanto que uma minoria não é um modelo, é um devir, um processo" (1990: 234-
235). Também M. Authier e P. Lévy (1992) diagnosticam um "projecto futurista" em
desenvolvimento que aponta no sentido do desenvolvimento da criatividade social, da
inventividade colectiva, do alargamento e reforço da cidadania. Colectividade essa que tem
como seu laço mais forte a circulação colectiva dos saberes, a troca e partilha dos
conhecimentos.
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interrogação e intervenção crítica que a opinião pública detém e que, como


se sabe, é largamente potenciada pelos meios de comunicação de massas.
Assim, a grande questão epistemológica que se coloca hoje é entre
uma concepção autoritária da ciência na qual os cientistas “sabem” e o
público “não sabe” e portanto não participa, uma concepção mercantil, face
à qual a ciência “vende” boas soluções que o público “compra“, e uma
concepção democrática, que aceita a alteração das relações entre os que
põem as questões e os que lhes respondem, que necessita e deseja um
público informado, um público que se interessa, que participa, que protesta,
que critica, que se inquieta, que desconfia, que resiste, numa palavra, que
exerce o saudável princípio da “vigilância civil”.
Para lá de uma relação autoritária entre o cientista e o leigo (reduzido
este, quanto muito, à categoria de espectador deslumbrado com a odisseia do
conhecimento), para lá de uma relação economicista entre o homem de
ciência e o consumidor passivo de uma tecnologia cada vez mais
ininteligível, trata-se de saber se a ciência, que nasceu com a democracia
grega, que continua a ter uma estrutura interna democrática, não tanto pelos
consensos que obtém ou que visa mas pela sua capacidade de ouvir a voz
dos outros, de medir os seus argumentos, de estabelecer discussões animadas
pela vontade de verdade, quer ou não, tem condições ou não, para alargar e
reforçar essa democraticidade abrindo o leque dos seus interlocutores,
aceitando a intervenção de uma inventividade colectiva naquilo que foi,
sempre, o seu “domínio” de trabalho.

1 @$ #
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202 . # '0 ! # , # !

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