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À filosofia propriamente dita corresponde, na terminologia da Encyclopédie, a Metafísica.
Sobre a Encyclopédie e a classificação das ciências que lhe está subjacente, cf. o nosso estudo
“Para uma historia da Ideia de enciclopédia. Alguns exemplos”, in Pombo, O.; Guerreiro, A.;
Franco Alexandre, A. (edrs), (2006: 194-251).
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Aqui radica, em grande parte, a tese frequentemente repetida, segundo a qual apenas os
praticantes de uma determinada ciência teriam possibilidade, e legitimidade, para pensar essa
ciência. Trata-se de uma posição ditada por um mal escondido preconceito antifilosófico que,
em última análise, visa retirar á reflexão filosófica o seu significado e alcance cognitivo e que
envolve uma grave ignorância dos profundos laços que, em cada momento da sua História e
desenvolvimento, as diversas ciências têm mantido com os esforços críticos, não apenas da
reflexão gnosiológica e epistemológica, mas também ontológica e metafísica.
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É justamente este o teor da crítica de Althusser (1974) a essa "Filosofia espontânea dos
cientistas" de que traçou o quadro impiedoso.
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A expressão “filosofia da ciência” surge com Ampère no seu Essai sur la Philosophie des
Sciences (1834).
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A dupla determinação etimológica da palavra epistemologia ( "episteme", na sua oposição a
"doxa", enquanto conhecimento seguro e verdadeiro e "logia" enquanto "discurso", na sua
derivação a partir de "logos") é a esse respeito eloquente.
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Exposta logo no inicio da 1ª lição do Cours, trata-se, como se sabe, de uma lei fundamental
que diz respeito ao "desenvolvimento total da inteligência humana nas suas diversas esferas
de actividade" (Comte, 1830, I: 8) e que se traduz no facto de que "cada uma das nossas
principais concepções, cada ramo dos nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três
estados teoricamente diferentes: o estado teológico ou fictivo, o estado metafísico ou abstracto
e o estado científico ou positivo"(ibid), dos quais, "o primeiro é o ponto de partida necessário
da inteligência humana, o terceiro o seu estado fixo e definitivo, o segundo unicamente
destinado a servir de transição" (Comte, 1830, I: 9).
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coisa se terá constituído nas margens da ciência, para lá das suas fronteiras,
que pode explicar aquele inquietante deslocamento.
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Segundo certos autores, haveria razão para uma tripla e não dupla distinção. É o caso de
Causey (1977) que distingue entre investigação básica ("basic research") que visa a aquisição
de conhecimento apenas com o objectivo de alargar a nossa compreensão do mundo,
investigação aplicada ("applied research") na qual a aquisição de conhecimento obedece a
objectivos específicos e investigação desenvolvimental ("developmental research") que
consistiria no "esforço racional para a criação, fabricação ou elaboração de um projecto de um
processo específico, instrumento, utensílio, máquina, procedimento, técnica, etc." (Causey,
1977: 160).
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Embora o termo tenha aparecido em 1949 com Fred Hoyle para referir a teoria proposta em
1931 pelo monsenhor Lemaître, só depois da descoberta do espectro da radiação cósmica de
fundo em 1964, é que a comunidade científica começou a aderir, ainda assim de forma
parcelar, à teoria do Big Bang.
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Cf., por exemplo, Steven (2001)
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Pensamos que a situação se alterou nas últimas décadas, por muito que
nos reconheçamos ainda numa situação em que a ciência se deixa pensar a
partir de uma independência cada vez mais ténue face aos poderes políticos,
enfeudada aos valores da economia e das estratégias de domínio do planeta,
a verdade é que essa situação já não corresponde inteiramente ao nosso
presente. A um presente que, em grande parte, é ainda de precária
visibilidade. Na relação entre a ciência e o poder político assistimos hoje a
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A imagem é de Pierre Thuillier (1972 : 261).
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Sobre este tema, veja-se J. Habermas (1984: 46-93).
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opinião pública está em vias de resgatar os seus direitos. Ela não tem apenas
efeitos negativos em relação à produção do conhecimento científico, efeitos
de desordem, de confusão, de dependência. O cidadão abandona a postura do
simples espectador deslumbrado com a odisseia do conhecimento, deixa de
se pensar apenas como uma exterioridade inferior e ignorante. A opinião
pública é hoje um interlocutor activo da ciência, um elemento positivo que a
determina materialmente, que levanta problemas, determina objectos de
estudo, valida análises, apoia ou contesta determinadas investigações. Ela
obriga a ciência a regressar aos problemas concretos de que se havia
afastado. Ela obriga a ciência a procurar soluções integradas
(interdisciplinares) para as questões holísticas que lhe propõe.
São assim os Comités de Ética (teólogo, filósofo, autarca, cientista,
representantes de associações científicas), os inúmeros grupos de pressão
constituídos por cidadãos de diversos tipos, hemofílicos, moradores de uma
determinada zona, grupos de estudantes, pacifistas, ecologistas, essas "sub-
culturas isentas de pressão económica imediata" de que fala Habermas12 que,
concentrando grandes capacidades de protesto, se interessam pela devastação
das florestas, pelas questões da fome, da energia, da explosão demográfica,
dos desastres ambientais, tomam a iniciativa de se pronunciar sobre questões
de segurança, poluição, protecção das espécies, inverno nuclear, sida, regime
atmosférico, camada de ozono, esses inúmeros grupos de pressão e
resistência com capacidade para pôr em risco os mecanismos e resultados da
ciência (por exemplo, as explosões da Mororoa).
Por outras palavras, a ciência hoje já não está apenas na dependência
do poder político e dos poderes económicos, mas também da capacidade de
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Habermas (1968: 89). Não se trata de classes sociais mas de "minorias" que, como mostra
Deleuze, não se distinguem pelo seu elevado número mas pela sua capacidade de produzir
acontecimentos ainda que efémeros, pela sua "espontaneidade rebelde" (Deleuze, 1990: 238).
Como escreve Deleuze, "as minorias e as maiorias não se distinguem pelo número. Uma
minoria pode ser mais numerosa que uma maioria. O que define a maioria é um modelo ao
qual é necessário conformar-se: por exemplo, o Europeu médio adulto macho habitante das
cidades. Enquanto que uma minoria não é um modelo, é um devir, um processo" (1990: 234-
235). Também M. Authier e P. Lévy (1992) diagnosticam um "projecto futurista" em
desenvolvimento que aponta no sentido do desenvolvimento da criatividade social, da
inventividade colectiva, do alargamento e reforço da cidadania. Colectividade essa que tem
como seu laço mais forte a circulação colectiva dos saberes, a troca e partilha dos
conhecimentos.
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Althusser , L. (1974), Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, trad. port., de J.
J. de Moura Basto, Lisboa: Presença.
Ampère, A.-M. (1834), Essai sur la Philosophie des Sciences. Exposition Analytique
d'une Classification Naturelle de toutes les Connaissances Humaines, Paris:
Bachelier.
Authier, M; Lévy, P. (1992), Les Arbres de Connaissances, Paris: Éditions La
Découverte,
Causey, R. L. (1977), Unity of Science, Dordrecht / Boston: D. Reidel Publishing
Company.
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