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Libras e Sistema Braille

Libras Libras
e Sistema Braille e Sistema Braille
Cristiane Seimetz Rodrigues
Maria Olinda Maia
Flávia Valente

48531

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6314-7

9 788538 763147
Libras e Sistema Braille

Cristiane Seimetz Rodrigues


Flávia Valente
Maria Olinda Maia

2017
©2011 – 2016 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem
autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
V672L Valente, Flávia
Libras e Sistema Braille / Flávia Valente, Cristiane Seimetz
Rodrigues, Maria Olinda Maia. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE
Brasil, 2017.
146 p. : il. ; 20,5 x 27,5 cm.
ISBN 978-85-387-6315-4

1. Educação especial. 2. Inclusão escolar. 3. Deficientes -


Educação. I. Rodrigues, Cristiane Seimetz. II. Maia, Maria
Olinda. III.Título.
CDD: 371.9
17-39281
CDU: 376.1

Capa: IESDE BRASIL S/A.


Imagem da capa: Max Krasnov/Shutterstock

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IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Apresentação

Este livro é dividido em duas partes: as aulas 1 a 4 tratam sobre


Libras e as aulas 5 a 8 referem-se ao sistema braille.

Na primeira parte, você terá a oportunidade de refletir sobre língua,


linguagem e entender por que a Libras é considerada uma língua e não
um código, como o braille. Estar a par das diferenças e semelhanças entre
as línguas é uma condição necessária para que a Libras seja respeitada
quanto ao seu estatuto de língua independente, o que lhe atribui a pos-
sibilidade de ser estudada sob um ponto de vista científico, de modo a
desmistificar quaisquer mitos ainda existentes em relação a ela.

Assim, na primeira aula, você encontra uma discussão sobre os


conceitos de língua e linguagem com base nos pressupostos teóricos da
linguística geral. Com o desenrolar de cada conteúdo explorado nes-
te material, você vai perceber que há perspectivas teóricas variadas a
partir das quais uma língua pode ser estudada, razão pela qual o olhar
lançado para cada fenômeno aqui abordado pode variar, apresentando
mais de uma explicação possível. Não há erro em dizer, tal como tratado
na segunda aula, que muitos dos esforços iniciais de estudo sobre essa
língua tinham como foco comprovar que ela se trata, de fato, de uma
língua. Com esse objetivo em mente, muitos pesquisadores e linguistas
se dedicaram à tarefa de descrever/descobrir as propriedades linguísti-
cas das línguas visuais, exploradas na aula 3, ocupando-se, mormente,
dos níveis fonológico, morfológico e sintático de análise, os quais são
discutidos na aula 4.

Não é demais recomendar que você, estudante, encare cada aula


como um mundo a ser desvendado: prepare-se para isso, estude com afin-
co, procure estabelecer conexões com o conteúdo explorado nas aulas e
os conhecimentos acumulados sobre sua própria língua (e outras línguas
que, porventura, conheça), e, claro, dispa-se de qualquer “pré-conceito”
sobre como uma língua deve ser. Assim, você vai desfrutar ao máximo o
material apresentado.

Já na segunda parte, você vai ser convidado a refletir sobre as sin-


gularidades de ter um aluno cego ou com baixa visão em uma sala de
aula convencional e perceber sobre a grande oportunidade de rever seus mé-
todos e suas práticas educacionais. Afinal, deficiente virtual, ao entrar pela
primeira vez em uma sala de aula convencional, está em desvantagem em
relação aos outros estudantes por não receber grande parte dos estímulos
visuais que estão integrados ao contexto de um local de aprendizagem. Ele
vai precisar do apoio dos colegas e dos professores, de um ambiente estimu-
lador, de afeto e de condições favoráveis ao seu aprendizado. Nesse sentido,
é de fundamental importância que o professor tenha alguns conhecimentos
sobre como agir com esse estudante e que atue como um mediador efetivo e
ativo no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, infelizmente, o que
vemos muitas vezes nas salas de aula é o deficiente visual que se torna invi-
sível tanto aos colegas como aos professores. Essa “cegueira” coletiva nem
sempre advém do descaso, mas da falta de conhecimento e de preparo para
lidar com uma situação diferente. Portanto, nas aulas 5 a 8 você vai se munir
de conhecimentos para que possa se aproximar do universo desse estudan-
te e compreendê-lo, integrando-o ao contexto escolar de forma inclusiva e
respeitosa.

Na aula 5 é apresentado um breve histórico do braille, algumas explica-


ções sobre como funciona esse sistema e como ele é ensinado, de modo que
você tenha algumas noções sobre a escrita em braille e os instrumentos utiliza-
dos para esse fim. A aula 6 trata sobre a importância da estimulação da criança
cega, de modo que ela seja integrada ao contexto escolar de forma acolhedora
e inclusiva. Em seguida, na aula 7, são apresentadas algumas reflexões sobre o
que é ler e sobre a leitura do deficiente visual, que transpõe a mera leitura tátil
e faz uso de todos os sentidos para interpretar o mundo ao seu redor. Por últi-
mo, a aula 8 apresenta os desafios enfrentados pela escola inclusiva, buscando
apontar soluções e dar orientações ao professor que tem a oportunidade de se
reinventar diante de um estudante com deficiência visual, aprimorando sua
performance didática e analisando de forma crítica a sua atuação pedagógica.

Esperamos que esse conhecimento seja útil e que você faça bom uso
dele. Bons estudos!

4 Libras e sistema braille


Sobre as autoras

Cristiane Seimetz Rodrigues

Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Santa


Catarina (UFSC). Graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade
do Extremo Sul Catarinense. Atua como tutora de alunos surdos, orientando
e revisando produções acadêmicas na graduação e na pós-graduação, com
ênfase nas áreas de Letras, Linguística, Tradução e Educação.

Flávia Valente

Especialista em Educação Bilíngue para Surdos pelo Instituto


Paranaense de Ensino – Maringá. Graduada em Letras Português/Inglês pelo
Centro Universitário Campos de Andrade. Sua prática profissional envolve a
formação continuada dos profissionais da educação de surdos da rede esta-
dual de Ensino do Paraná, a valorização da participação social dos surdos e
a difusão da língua de sinais.

Maria Olinda Maia

Especialista em Educação Especial e Inclusiva. Graduada em


Psicologia pela Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco e graduanda em
Pedagogia pela Faculdade Fael. Tem experiência na área de Psicologia,
com ênfase em Psicologia Clínica, atuando principalmente com autismo
e deficiência intelectual. Trabalha na Secretaria Estadual de Educação
desde 2010, com Educação Especial.
Sumário

1 Conhecendo uma língua 9


1.1 Linguagem e língua 10
1.2 Língua e comunicação animal 12
1.3 Os níveis de análise linguística 17

2 O status de língua da Libras 25


2.1 A língua Libras 26
2.2 Propriedades da Libras e sistemas de transcrição 30
2.3 Mitos sobre a Libras 35

3 Particularidades das línguas de sinais 43


3.1 O uso do espaço 44
3.2 A gestualidade na Libras 52
3.3 Formalidade x informalidade 55

4 Propriedades linguísticas da Libras 63


4.1 Fonologia 64
4.2 Morfologia 68
4.3 Sintaxe 81

6 Libras e sistema braille


Sumário

5 Sistema braille 93
5.1 Histórico do sistema braille 94
5.2 Escrita em braille 96
5.3 Aprendendo braille 99

6 Estimulação essencial e inclusão 107


6.1 A importância da estimulação essencial em crianças cegas de 0 a 5 anos 108
6.2 Estimulação essencial e desenvolvimento 110
6.3 Práticas de estimulação essencial 112

7 Deficiência visual: formas de leitura 119


7.1 Deficiência visual 120
7.2 A importância do ato de ler 122
7.3 Formas de leitura e inclusão social 124

8 Desafios da escola inclusiva 133


8.1 Inclusão educacional 134
8.2 Reflexões sobre currículo e avaliação 136
8.3 Práticas educativas inclusivas 138

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1
Conhecendo uma língua
Cristiane Seimetz Rodrigues
Flávia Valente

As tentativas de explicação para o fenômeno da língua (ou línguas), bem como o


interesse sobre ela, são muito antigos. Não são poucos os mitos e lendas que foram cria-
dos para justificar essa faculdade presente na espécie humana. A narrativa contida em
Gênesis é um exemplar de uma busca sobre como explicar a origem da língua, assim
como a narrativa da Torre de Babel, também bíblica, procura justificar o porquê de haver
tantas línguas diferentes. Em diversas culturas, houve essa busca por explicações, que,
inicialmente, era suprida pelo mito. Houve um período de milhares de anos para que a
língua começasse a ser estudada sob uma perspectiva científica. Nesse período, a huma-
nidade lançou diferentes olhares sobre a língua: o místico, o filosófico, o psicológico, o
social, o antropológico, o físico etc., até, finalmente, se chegar à ciência incumbida de
estudar a língua como um objeto em si mesma, a Linguística. É por meio dessa ciência
que serão apresentados aqui os conceitos de linguagem e língua, de modo que você,
estudante, seja capaz de compreender a diferença entre esses dois fenômenos.

Libras e sistema braille 9


1 Conhecendo uma língua

1.1 Linguagem e língua

A primeira questão a ser esclarecida diz respeito à condição a que toda definição teórica
se submete. Cada linha de estudo da Linguística, em interação com outras ciências, vai dar
uma definição de língua que privilegia um de seus múltiplos aspectos. Assim, a interface
entre a Linguística e a Biologia vai preferir definir a língua como parte da dotação genéti-
ca da espécie humana; a interface da Linguística com a Sociologia vai dar mais ênfase aos
aspectos socioculturais da língua; a interface da Linguística com a Psicologia vai definir a
língua como parte da cognição humana. Além disso, dentro de cada uma dessas interfaces,
desenvolvem-se várias teorias diferentes. E cada teoria vai preferir definir língua de uma
maneira especial, que esteja mais de acordo com suas hipóteses. Portanto, não existe uma
única definição de língua e linguagem que possa ser aplicada indiscriminadamente. A de-
finição desses conceitos precisa ser entendida, então, no âmbito de uma teoria particular.
De forma a se poder discutir sobre língua e linguagem, optou-se pela apresentação de
duas propostas: a de Ferdinand de Saussure (1857-1913) e a de Noam Chomsky. A escolha se
deu em virtude de esses teóricos serem considerados os grandes “divisores de água” nos es-
tudos linguísticos do século XX, bem como serem também os mais conhecidos e discutidos.
Tanto a teoria saussuriana quanto a teoria chomskyana não só definem língua de uma
maneira particular, mas também têm visões completamente diferentes sobre o que é a lin-
guagem. Para Saussure, linguagem é uma faculdade humana, uma capacidade que os ho-
mens têm para produzir, desenvolver, compreender a língua e outras manifestações simbó-
licas semelhantes a ela. Esse autor via a linguagem como um sistema muito mais amplo e
abrangente do que Chomsky, para quem a linguagem, ou a faculdade da linguagem, expressão
por ele empregada, é um módulo da mente especificamente associado à língua, e não a ou-
tras linguagens (como a pintura, a música, a dança etc.).
Outro ponto marcante nesse quesito é a falta de especificidade de Saussure a respeito
do que seria essa faculdade que ele chama de linguagem. Especificidade que não faltou a
Chomsky ao delimitar a faculdade da linguagem como um módulo cognitivo independen-
te, especificamente associado à língua. Na visão de Chomsky, a faculdade da linguagem
deve ser o objeto central do estudo de uma teoria linguística. Posicionamento oposto ao de
Saussure, para quem o objeto da Linguística é a língua.
Saussure entende que, de todas as manifestações da faculdade da linguagem, a língua
é a que mais bem se presta a uma definição autônoma. Por isso, ela ocupa um lugar de des-
taque entre as manifestações da linguagem, e, como tal, deve ser tomada como base para
o entendimento de todas essas outras manifestações. Daí, hoje em dia, a Semiótica, que é
a ciência que estuda todas as manifestações da faculdade da linguagem, partir sempre de
análises feitas sobre a língua. O autor argumentava, segundo Petter (2007, p. 14), que:
A linguagem envolve uma complexidade e diversidade de problemas que susci-
tam a análise de outras ciências, como a Psicologia, a Antropologia etc., além da
investigação linguística, não se prestando, portanto, para objeto de estudo dessa

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Conhecendo uma língua 1
ciência. Para esse fim, Saussure separa uma parte do todo linguagem, a língua –
um objeto unificado e suscetível de classificação.
A complexidade e diversidade de problemas, apontados por Saussure, que suscitam a
análise de outras ciências tem a ver, segundo ele, com o caráter “heteróclito e multifacetado”
da linguagem. Por meio de tal caracterização, o autor pretendia dar conta de que a seu ver
a linguagem abrange vários domínios, é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; per-
tence ao domínio individual e social. Em contraposição à língua, que considerava um objeto
passível de estudo pela unidade apresentada. A língua, por sua vez, é definida pelo autor
como “um conjunto de convenções necessárias, adotada pelo corpo social para permitir o
exercício dessa faculdade nos indivíduos” (1969, p. 17, apud PETTER, 2007, p. 14). Isso impli-
ca que, para Saussure, a língua é social e, por conseguinte, convencional, isto é, um acordo
coletivo aceito entre os falantes da língua.
Esse acordo se revela, toma a forma, segundo o autor, de um sistema. Um sistema é um
conjunto organizado de elementos, que se define pelas características desses elementos, e no
qual cada elemento se define pelas diferenças que apresenta em relação a outro elemento, e
por sua relação com todo o conjunto. Cada elemento da língua se define pela diferença que
apresenta quando comparado a outro elemento. Sob essa perspectiva, na língua portuguesa
“p” se define por sua oposição a “b” e a todos os outros elementos dessa língua. Saussure
ainda trata da diferença entre língua e fala: esta seria o resultado daquela, sendo que a fala é
considerada individual, no sentido de que apresentará características particulares, próprias
a cada falante. A língua, defende o autor, é condição para se produzir a fala, mas não há
língua sem o exercício da fala.
Após esse panorama sobre o pensamento saussureano quanto às noções de linguagem,
língua e fala, cabe dizer que, depois de Saussure, os estudos linguísticos assumiram um viés
eminentemente social. Posição que foi revista a partir da divulgação das ideias de Chomsky,
que ressaltavam a importância da investigação das relações entre mente e língua. Se na teo-
ria saussuriana a língua é considerada um objeto fundamentalmente social, na Gramática
Gerativa, teoria elaborada por Chomsky, a língua é um objeto mental.
De uma forma mais radical do que outros pesquisadores que o antecederam, o autor
parte da hipótese de que existe um módulo linguístico em nossa mente, constituído de prin-
cípios responsáveis pela formação e compreensão das expressões linguísticas, e especifica-
mente dedicado à língua. Para ele, o foco não está na língua propriamente dita, mas nos re-
cursos, princípios que permitem a construção, aprendizagem de uma língua em particular.
Por isso, para a Gramática Gerativa, a noção de língua está fortemente associada ao estado
inicial da faculdade da linguagem e aos resultados do desenvolvimento desse estado inicial
pelo contato com um determinado ambiente linguístico. Essa faculdade da linguagem de
que o autor fala seria inata, todos os seres humanos nasceriam com ela. Por meio dela é que
o ser humano pode aprender uma língua – ou mais de uma –, no estágio de aquisição lin-
guística, desde que seja exposto a uma dada língua.
Essa capacidade inata apontada pelo autor leva também à diferença entre competên-
cia linguística e desempenho linguístico. A primeira diz respeito ao conhecimento do sis-
tema linguístico que o falante tem de sua língua e que lhe permite produzir o conjunto de

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1 Conhecendo uma língua

sentenças da mesma. É um conjunto de regras que o falante construiu em sua mente pela
aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da língua que ouviu desde a infância.
O desempenho é o comportamento linguístico resultante daquelas regras aliadas a outras
variantes: convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante quanto ao que diz,
pressupostos sobre as atitudes do interlocutor, condições fisiológicas (de fonação) etc. A
competência é o que o falante, inconscientemente, sabe sobre sua língua; o desempenho é o
uso, ou melhor, é o resultado do uso que ele faz desse saber, conhecimento. Para Chomsky,
o desempenho pressupõe a competência, mas a competência não pressupõe o desempenho.
Para encerrar essa seção, é possível dizer, com base no exposto, que as línguas naturais,
em número muito diversificado, são manifestações de algo mais geral, a linguagem, e que
as línguas são um meio de interpretar, organizar e categorizar o mundo, atribuir sentido ao
que está ao nosso redor, sendo que cada língua pode focar ou realçar partes diferentes de
uma mesma realidade. Por exemplo, em países em que a ocorrência de neve é constante, os
falantes possuem, muitas vezes, palavras específicas para certos tipos de neve, o que não
é muito comum em países em que a neve não faz parte do cotidiano dos falantes, os quais
acabam empregando apenas uma palavra ou um menor número de palavras relacionadas
ao conceito de “neve”. Essa capacidade de interpretar e fazer um recorte do mundo é, aliás,
disponível apenas para os seres humanos, como será visto a seguir.

1.2 Língua e comunicação animal

Figura 1 – A comunicação entre as abelhas não é linguagem.

Fonte: Amit Erez/Shutterstock.

O estudo da comunicação animal permite avaliar, pelo confronto, a singularidade da lin-


guagem humana. Como se verá, o ser humano é a única espécie a deter um sistema de comuni-
cação, uma linguagem tão complexa, única, a língua. Para ilustrar o problema da comunicação
animal, será tomado como base para discussão o caso das abelhas.

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Segundo Petter (2007, p. 15-16), um estudo clássico sobre o sistema de comunicação das
abelhas revelou que:
[...] a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa à colmeia e
transmite a informação às companheiras por meio de dois tipos de dança: circu-
lar, traçando círculos horizontais da direita para a esquerda e vice-versa, ou em
forma de oito, em que a abelha contrai o abdome, segue em linha reta, depois faz
uma volta completa à esquerda, de novo corre em linha reta e faz um giro para
a direita, e assim sucessivamente. Se o alimento está próximo, a menos de cem
metros, a abelha executa uma dança circular, se está distante, realiza uma dança
em forma de oito.
Embora seja bem preciso, o sistema de comunicação das abelhas não constitui uma
linguagem no sentido em que o termo é empregado quando se trata de linguagem humana.
Isso ocorre porque existem diferenças entre o sistema de comunicação das abelhas e a lin-
guagem humana que coloca aquele em posição muito distante do que pode ser considerado
como uma língua. Primeiramente, a mensagem da abelha não provoca uma resposta, apenas
uma conduta, portanto, não há diálogo. Aliás, o tipo de conduta resultante – a busca pelo
alimento – é sempre a mesma. No caso da espécie humana, as respostas e condutas possíveis
após a recepção de uma mensagem são inúmeras e imprevisíveis. Essa não possibilidade de
mudança de conduta, em certa medida, tem relação com o fato de que a comunicação da
abelha se refere apenas a um dado objetivo, fruto da experiência. A abelha não constrói uma
mensagem a partir de outra mensagem. A linguagem humana caracteriza-se por oferecer
um substituto à experiência, apto a ser transmitido infinitamente no tempo e espaço.
Outra diferença drástica tem a ver com o conteúdo da mensagem. Entre as abelhas, o
único conteúdo comunicado é o alimento, residindo na distância e na direção a única variação
possível. Com sua língua, o homem pode versar sobre assuntos que vão da obtenção de ali-
mento à reflexão sobre sua existência. Afinal, o conteúdo da linguagem humana é ilimitado.
Finalmente, a mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores.
Na verdade, esse é o fato da linguagem humana, a língua, que mais a difere da comu-
nicação das abelhas. A propriedade de articulação da língua em níveis é o que permite ao
ser humano produzir uma infinidade de mensagens novas (sentenças, textos) a partir de um
número limitado de elementos sonoros distintivos (os fonemas, sobre os quais se falará mais
à frente). O mesmo é válido para a Libras, que combina um número limitado de elementos
visuais para produzir mensagens novas infinitamente.
Com isso, pode-se concluir, sem medo de errar, que a comunicação das abelhas não é
linguagem no sentido em que se fala de uma linguagem humana. Alguns de vocês podem
estar considerando a comparação com as abelhas um tanto “injusta”, principalmente se se
lembraram dos papagaios. A essa altura, a pergunta que alguns gostariam de fazer é: Mas e
o caso dos papagaios, que falam?
A verdade é que animais como o papagaio, a catatua etc. têm a capacidade de imitar os
sons que ouvem. E “a fala” nesses animais nada mais é do que uma reprodução, uma cópia.
Eles não são capazes de aplicar um dado enunciado a contextos diferentes, não são capazes de

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1 Conhecendo uma língua

inovar. Por exemplo, um papagaio pode reproduzir perfeitamente, se as ouviu, as frases “O


copo caiu” e “O menino chegou”. Mas ele nunca, sem ter ouvido, ao contrário de uma criança
de três anos, poderia aprender a partir dessas frases e produzir “O menino caiu”. Agora, resol-
vida a questão da comunicação/linguagem dos animais, é hora de conhecer as características
que tornam a linguagem humana – a língua – um fenômeno tão singular, único.

1.2.1 Propriedades da língua e funções da linguagem

1.2.1.2 A natureza da língua: suas propriedades


Todas as línguas naturais compartilham características que lhes são únicas e que as
identificam enquanto língua, diferenciando-as de outros sistemas de comunicação. Nesse
sentido, é possível identificar, por meio dessas características, se um dado sistema de comu-
nicação se trata de uma língua. Entre os linguistas, há consenso sobre algumas propriedades
que estão presentes nas línguas. São elas:
• Flexibilidade e versatilidade – trata-se do fato de a língua poder ser usada para
comunicar os mais diversos conteúdos para os mais variados fins. A linguagem
humana pode ser usada para obter alimento ou simplesmente para entreter as
pessoas, pode versar sobre assuntos como política, filosofia, emoções e até mesmo
coisas imaginadas, que não foram experienciadas pelo ser humano.
• Arbitrariedade – diz respeito à característica de que não existe uma relação direta
entre uma palavra (significante) e seu conceito (significado). Por isso, não é possí-
vel determinar o significado de uma palavra apenas pela forma que ela apresenta,
da mesma forma como não é possível esperar uma dada forma para um signifi-
cado em específico. Por exemplo, nada na forma da palavra “elefante” remete ao
seu significado. Reflita que não é possível, então, para um aprendiz estrangeiro do
português conseguir alcançar o significado da palavra “elefante” apenas entrando
em contato com a palavra. De nada adiantará a ele especular sobre a forma da
palavra para chegar ao seu significado, pensamentos como “se a palavra é grande,
deve se tratar de um objeto grande”, “se a palavra tem uma sonoridade desagra-
dável, trata-se de um significado igualmente desagradável” não o ajudarão a saber
qual o conceito a que determinada palavra remete.
• Descontinuidade – pequenas diferenças na forma das palavras, por exemplo, po-
dem gerar grandes diferenças no significado. Observe a diferença entre “lata” e
“pata”. A mudança de um segmento na palavra, o “p” pelo “l”, levou a um signi-
ficado totalmente diverso. Isso mostra o caráter descontínuo da diferença formal
entre forma e significado. Ou seja, não necessariamente uma mudança pequena
na forma levará a uma mudança pequena no significado. Na verdade, pequenas
mudanças na forma (fato x foto; vaca x faca; bola x cola) podem levar a grandes
variações de significado.

14 Libras e sistema braille


Conhecendo uma língua 1
• Criatividade/produtividade – característica que permite ao usuário de uma lín-
gua produzir um número infinito de enunciados a partir de um número limitado
de elementos por meio da combinação e recombinação dos mesmos. A língua põe
à disposição de seus usuários um número determinado de elementos (fonemas,
morfemas, estruturas sintáticas) a partir dos quais os usuários podem criar sen-
tenças num número infinito. E isso mesmo que o usuário nunca tenha ouvido um
dado enunciado em particular antes. Isso significa que um falante do português
não precisa ouvir a frase “A casa amarela é bonita” para produzi-la. Ele pode enun-
ciá-la após ter ouvido sentenças como “A casa é amarela” e “A casa é bonita”, pois
empregará a capacidade de criatividade e produtividade que a língua lhe oferece.
• Dupla articulação – as línguas se constituem da junção de elementos menores,
por isso sua análise é possível em dois planos. O do conteúdo/significado e o da
expressão/forma linguística. Assim, o primeiro plano é constituído por unidades
dotadas de sentido e a menor dessas unidades chama-se morfema. Por exemplo:
“padeiro” (pessoa que faz pão) pode ser subdividido em [pad–] (de pão) e [–eiro]
(designa a pessoa que faz algo), em que [pad–] e [–eiro], mesmo isoladamente,
remetem a um significado. Nessa primeira articulação da linguagem, as unidades
são compostas de matéria fônica e sentido, ou seja: significado + significante. No
segundo plano, pode-se dividir os morfemas em unidades ainda menores e, nessa
etapa, as unidades ficam desprovidas de sentido passando a serem chamadas de
fonemas. Assim, [pad–] pode ser analisado quanto aos seus fonemas /p/, /a/, /d/,
que, isoladamente, não possuem significado, são apenas distintivos entre si. A du-
pla articulação é um fator de economia linguística, pois com poucas dezenas de
fonemas formam-se diversas unidades de primeira articulação.
• Padrão: estabelece a maneira como os elementos da língua devem ser organizados
na produção dos enunciados e palavras, ditando as regras para o que pode “andar
junto” e a ordem em que aparecem no enunciado ou palavra. Desse modo, a par-
tir das palavras “casa”, “o”, “telhado”, “quebrou” e “da” podem ser produzidos
os enunciados “O telhado da casa quebrou”, “Quebrou o telhado da casa”, “Da
casa, quebrou o telhado” ou “Da casa, o telhado quebrou”, todas sentenças aceitas
como bem organizadas, bem construídas por falantes do português. O mesmo não
acontece com: “Da telhado, o casa quebrou”, “Casa quebrou o telhado da”, “Da
quebrou o telhado casa”.
• Dependência estrutural – as línguas contêm estruturas dependentes que permi-
tem o entendimento da estrutura interna de uma sentença, independente do nú-
mero de elementos linguísticos envolvidos. Observe:

O prédio queimou.
O prédio da esquina queimou.
O prédio da esquina que eu vi construir queimou.
O prédio da esquina que eu vi construir quando era jovem queimou.
O prédio da esquina que eu vi construir quando era jovem queimou ontem.

Libras e sistema braille 15


1 Conhecendo uma língua

Pelo fato de que uma estrutura depende da outra é que conseguimos entender os enun-
ciados acima. Como bons usuários do português, entendemos que “da esquina” está vin-
culado ao prédio da mesma forma que “eu vi construir” e “quando era jovem”, sendo que
isso não impede que o conteúdo fundamental – “o prédio queimou” – seja compreendido.
Outro ponto a ser visitado se trata das funções da linguagem, ou seja, para que empre-
gamos a língua, assunto tratado na próxima seção.

1.2.2 Funções da linguagem


Quanto à característica da versatilidade das línguas naturais vista na seção anterior, cabe
um aprofundamento no que diz respeito às funções da linguagem, isto é, os usos que podem
ser feitos da linguagem verbal – língua. Quem muito contribuiu para o estabelecimento das
funções da linguagem foi Roman Jakobson (1896-1982), que acreditava que a linguagem deve
ser examinada em toda variedade de suas funções. Para apontar as diferentes funções, o autor
levou em conta em que elemento (remetente, destinatário, referente, mensagem, contato e có-
digo) do processo comunicativo por ele proposto estaria centrada a comunicação:
• Função emotiva: centrada no remetente, isto é, em quem produz o que é comuni-
cado. A informação é repassada de forma subjetiva, do ponto de vista do falante,
de acordo com suas crenças e/ou sentimentos.
• Função conativa: centrada no destinatário, quem recebe o que é comunicado.
Nessa função, a intenção é estabelecer a ideia de interação com o destinatário da
comunicação. Tem por finalidade, muitas vezes, convencer, persuadir, provocar
algum tipo de resposta ou atitude (verbal ou não) por parte do destinatário.
• Função referencial: centrada no referente, na informação, conteúdo da comunica-
ção estabelecida. Textos com essa função têm como finalidade a transmissão obje-
tiva da informação.
• Função poética: centrada na mensagem, na sua apresentação, sua forma de ex-
pressão. Nela, o objetivo é criar uma forma de expressão, de uso da língua, pecu-
liar, inovadora, que chama atenção mais pela maneira de dizer do que propria-
mente pelo que é dito.
• Função fática: centrada no contato. Aqui a finalidade é manter o contato entre re-
metente e destinatário, sendo que essa função apresenta estratégias para avaliar o
quanto os participantes do processo comunicativo estão realmente interessados na
comunicação estabelecida. São comuns expressões como: “Você está escutando?”,
“Entendo o que você está tentando dizer”, “Como vai?”, “Tudo bem”.
• Função metalinguística: centrada no código, no próprio sistema linguístico. Essa
função permite que se façam reflexões sobre a língua, sobre suas características,
seus usos. É, em última análise, usar a língua para falar da própria língua.

16 Libras e sistema braille


Conhecendo uma língua 1
É importante observar, ainda, que as mensagens, comunicações, textos não apresentam
apenas uma função da linguagem, mas várias, ou mesmo todas, só que de forma hierarqui-
zada. Isso significa que, mesmo concorrendo em um mesmo texto várias funções, existe uma
dominante. Por fim, os textos-mensagens-comunicações empregam procedimentos linguís-
ticos e discursivos que produzem efeitos de sentido relacionados com as diferentes funções,
permitindo identificá-las.

1.3 Os níveis de análise linguística

Os estudos linguísticos podem ser feitos em diferentes níveis, cada um ocupando-se de


uma parte do sistema linguístico, podendo abordá-las, e geralmente o fazendo, de forma
independente. Nesta seção, o intuito é apresentar um panorama de cada um desses níveis, o
objeto de que se ocupam (a parte do sistema linguístico) e maneira como o tratam.

1.3.1 Fonética e fonologia


A fonética e fonologia são dois níveis cuja análise se entrecruza, trabalhando a partir de
um “mesmo” ponto de partida, o som. A fonética é a área da Linguística que se ocupa da
descrição e análise da massa amorfa (sem forma, que não se distingue, indecifrável) fônica.
Seu objeto de estudo é o som, como ele é produzido, quais as características dos sons da fala
(fones), língua, que os diferencia de outros sons (música, barulhos, grunhidos etc.). Nesse ní-
vel não há preocupação com significado, com o valor dos sons para uma língua em particular,
apenas com características físicas, acústicas e articulatórias da fonação (emissão dos sons da
fala). A fonologia, por outro lado, trabalha com sons, mas não apenas isso, não apenas o som
em si mesmo. Antes, está preocupada em descrever o valor de determinados sons para línguas
em particular. Na fonologia, então, estuda-se o caráter propriamente linguístico desses sons.
Isso significa que os sons são analisados em termos das relações que eles estabelecem entre si,
e dos valores que eles têm dentro de um determinado sistema linguístico.
Para identificar se um som tem ou não valor no sistema de uma língua, é preciso des-
cobrir se ele é capaz de distinguir significados. Se a troca de um som por outro dentro de
um mesmo contexto resultar na mudança de significado de uma palavra, trata-se de um
som que tem valor linguístico, portanto, um fonema. Caso contrário, não havendo mudança
de significado com a troca do som num mesmo contexto, está-se diante de um fone. Desse
modo, /t/ e /d/ são fonemas porque sua alternância na palavra leva à mudança de significa-
do, conforme evidencia o par [tato] versus [dado]. Já a diferença entre a pronúncia da pala-
vra leite entre catarinenses []]1 – em que o fonema /t/ é pronunciado com uma espécie

1 Caro aluno, a partir daqui utilizaremos nas transcrições fonéticas o Alfabeto Fonético Internacio-
nal criado pela Associação Fonética Internacional, que se trata de uma padronização da representação
dos sons da fala. Para maiores esclarecimentos a respeito dele ver o livro Introdução à Linguística II, de
José Luiz Fiorin, presente nas dicas de estudo desta aula.

Libras e sistema braille 17


1 Conhecendo uma língua

de “chiado”, representado pelo fone [S] – e paranaenses [lejte] não é alvo da fonologia, posto
que não leva a mudança de significado, e sim objeto da fonética, que vai descrever como
esses dois sons são produzidos.

1.3.2 Morfologia
Acima dos níveis fonético e fonológico, há o morfológico, tradicionalmente identificado
como a área responsável pelo estudo da palavra. Nesse nível, a atenção recai para como os
fonemas se combinam para formar morfemas e como estes formam as palavras.
Para uma melhor compreensão, é preciso que se tenha em mente que o morfema é
a menor unidade significativa linguística, ou seja, uma função que une um significante a
um significado. Não esqueça de que o fonema distingue significados, mas ele mesmo não
carrega significado. Uma palavra do português como “sim”, por exemplo, é um morfema.
Ela não pode ser dividida em unidades menores, que tenham significante e significado. Já
uma palavra como “cozinheiro” é composta por três morfemas: [cozinh–], [–eir–], e [–o].
Cada um desses morfemas apresenta um significante (a forma, o próprio morfema) e um
significado (o conceito, ideia veiculada pelo morfema): [cozinh–] significa um local em que
se cozinha; [–eir–] significa, entre outras coisas, alguém que trabalha com um determinado
objeto ou em uma dada área; e [–o] é o morfema que significa o gênero masculino.
Muitas outras palavras do português são formadas de maneira semelhante: confeiteiro,
pedreiro, joalheiro etc. Isso leva ao fato de que estudar os morfemas, identificá-los, saber
como se unem e quais significados carregam permite entender como são formadas as pala-
vras de uma língua, permite prever que tipos de produções de novas palavras (neologismos)
são boas (respeitam as regras de formação de palavras) numa dada língua. Por exemplo,
para os falantes do português, formações como amável, respeitável, admirável (amar + vel,
e assim sucessivamente) são consideradas como boas, pertencentes a sua língua. O mesmo
não se dá com formações como corrível (correr + vel), falável (falar + vel), brincável (brincar +
vel). O papel da morfologia, nesse caso, é explicar por que usuários do português produzem
o primeiro grupo e o aceitam como boas formas da língua e por que o segundo grupo, embo-
ra suscetível de ser produzido, não o é, e quando o é, recebe um olhar de estranhamento dos
usuários do português, que não identificam as palavras do último grupo como pertencentes
à sua língua.

1.3.3 Sintaxe
No nível de análise sintático, o objetivo é descobrir as regras internas da língua que
regem a estruturação dos enunciados, isto é, como as palavras se organizam para formar
sentenças. Note que não se está falando das regras da gramática tradicional, pautadas muito
mais em noções de certo e errado, feio e bonito, do que em apontar o que é próprio da orga-
nização de uma dada língua. Nesse sentido, enquanto as gramáticas normativas estabelecem

18 Libras e sistema braille


Conhecendo uma língua 1
o que pode e como deve ser dito, criando a norma padrão ou culta de uma língua, a sintaxe,
enquanto ciência, está interessada em apontar por que organizamos uma dada sentença
de uma maneira e não de outra. Na sua condição de ciência, de campo de estudo filiado
à Linguística, a sintaxe pode ser estudada sob perspectivas, teorias diferentes. Dentre as
várias possibilidades, destacaram-se, ao longo da tradição dos estudos linguísticos, a aná-
lise sintática formal, cujo representante mais conhecido é a Gramática Gerativa, e a análise
funcional, expressão sob a qual residem diferentes teorias e cuja unicidade é difícil traçar.
O gerativismo, ao eleger as regras que regem o sistema da língua como seu objeto,
dá prioridade à competência do falante e relega a outros campos do estudo linguístico o
desempenho, o uso. Com isso, essa abordagem pratica uma separação entre conhecimen-
to linguístico e processamento linguístico e limita-se a estudar o primeiro, descrevendo-o
como comportamentos linguísticos determinados por estados da mente. Por sua vez, o fun-
cionalismo, ao preconizar a língua como resultado do uso comunicativo e por admitir que
este envolve capacidades humanas de níveis mais elevados do que a capacidade linguística
propriamente dita, permite estudar não apenas como se dá o conhecimento linguístico, mas
principalmente como ele é processado.

1.3.4 Semântica e pragmática


A formação de palavras, bem como a formação de sentenças, implica na veiculação de
significados. Estes são objeto de estudo da Semântica. O problema é que não é fácil definir o
conceito de “significado”. Além disso, como a questão do significado está fortemente ligada
à do conhecimento, outro problema que se levanta é o da relação entre linguagem e mundo,
e de que forma o conhecimento se torna possível. Como não há consenso entre os linguistas
sobre essas questões, há várias semânticas. Cada uma, consequentemente, elege a sua noção
de significado, responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e mundo e
constitui, até certo ponto, uma teoria fechada, incomunicável com as outras. Muitos linguistas
gostam de fazer uma separação entre Semântica e Pragmática. De maneira geral, para eles, a
Semântica trata da significação linguística independentemente do uso que se faz da língua.
A Pragmática, por outro lado, teria como objeto o estudo da significação construída a partir
do momento em que a língua é posta em uso, ou seja, em uma determinada situação de fala.
Outros linguistas preferem não estabelecer uma distinção tão clara entre as duas áreas
de pesquisa, na medida em que acreditam que a significação das expressões linguísticas só
se constrói por inteiro quando a língua é posta em uso.
Com isso, pode se considerar finalizado o panorama proposto sobre os níveis de análise
linguística. Convém observar a utilidade dos estudos linguísticos, em seus variados níveis,
à atuação do tradutor e intérprete. Conhecer as línguas envolvidas no ato tradutório, para
além do conhecimento que permite que elas sejam usadas pelo tradutor, possibilita que
muitas decisões de cunho linguístico possam ser tomadas com base em análises linguísticas,
sem medo de estar infringindo a constituição das línguas envolvidas no processo.

Libras e sistema braille 19


1 Conhecendo uma língua

Ampliando seus conhecimentos

Aquisição e desenvolvimento
da língua de sinais
(QUADROS; CRUZ, 2011, p. 17-18)

Os estudos das línguas de sinais no sentido das investigações linguísti-


cas apresentam evidências de que as línguas de sinais observam as mes-
mas restrições que se aplicam às línguas faladas (STOKOE et at., 1976;
BELLUGI e KLIMA, 1972; SIPLE, 1978). As línguas de sinais apresentam
aspectos linguísticos equivalentes às línguas orais em uma modalidade
visuoespacial.

Os aspectos linguísticos das línguas de sinais apresentam análises em


todos os níveis da linguística, ou seja, nos níveis fonológico (quirológico),
morfológico, sintático, semântico e pragmático. No nível fonológico,
Stokoe (1960) identificou os parâmetros que definem as unidades míni-
mas sem significado das línguas de sinais: configurações de mão, movi-
mento, locação e orientação da mão. Klima e Bellugi (1979) apresentam
alguns morfemas identificados na língua de sinais americana, como, por
exemplo, alguns movimentos de repetição, movimentos circulares, movi-
mentos em ziguezague, morfemas de número, tensão dos músculos. Na
sintaxe, há estudos sobre a estrutura das línguas de sinais. Por exemplo,
Liddell (1980) é um clássico sobre a sintaxe da língua de sinais americanas.
Na semântica, embora mais tímidos, há estudos analisando algumas lín-
guas de sinais; por exemplo, o estudo sobre metáforas na língua de sinais
americana de Wilcox (2000). No Brasil, a língua de sinais começou a ser
investigada nas décadas de 1980 e 1990 (FERREIRA-BRITO, 1986, 1993,
1995; FELIPE, 1992, 1993; QUADROS, 1995, 1999). Atualmente, Quadros e
Karnopp (2004) apresentam estudos sobre a estrutura da língua brasileira
de sinais, e Quadros e Vasconcellos (2008) organizaram uma tradução
para o português de artigos de estudos com diferentes línguas de sinais.

Quase em paralelo a esses estudos, iniciaram-se as pesquisas sobre o pro-


cesso de aquisição da linguagem em crianças surdas, filhas de pais surdos
(HOFFMEISTER, 1978; MEIER, 1980; LOEW, 1984; LILLO-MARTIN, 1986;
PETITTO, 1987; SLOBIN, 1986). Essas crianças apresentam o privilégio de
ter acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao que as crianças
ouvintes têm a uma linguagem auditiva-oral; no entanto, representam
apenas 5% da população surda. No Brasil, a aquisição da língua brasileira

20 Libras e sistema braille


Conhecendo uma língua 1
de sinais começou a ser investigada nos anos de 1990 (KARNOPP, 1994;
QUADROS, 1995, 1997).

As investigações delineadas até então indicam que as crianças surdas,


filhas de pais surdos, adquirem as regras de sua gramática de forma
muito similar às crianças ouvintes adquirindo línguas faladas. Assim, na
medida em que avançam nos estudos, verificamos que a constituição da
gramática da criança independe das variações da língua e das modali-
dades em que as línguas se apresentam (QUADROS, LILLO-MARTIN e
MATHUR, 2001; LILLO-MARTIN e QUADROS, 2005).

Dicas de estudo

Crônica: “Estudo científico das línguas?”, de Sírio Possenti, em A cor da


língua, 2002, p. 33-35.

Por ser uma crônica, o texto promove, numa linguagem acessível a leigos
no assunto, discussões em torno do fazer do linguista, tentando esclare-
cer qual a sua tarefa e no que ela se diferencia em relação ao trabalho do
gramático.

Filme: Nell (1995), dirigido por Michael Apted.

O filme narra a história de uma jovem encontrada morando sozinha, dis-


tante do contato de qualquer outra pessoa que não fosse sua mãe, que
falecera. Entre outras coisas, aponta o choque entre o encontro de uma
pessoa “não civilizada” com o mundo “civilizado”.

O interesse particular quanto à questão da linguagem e língua recaí no


fato de que Nell, ao ser encontrada, apresenta uma linguagem verbal
muito diferente da falada pelas pessoas que a encontraram (o inglês).
No decorrer da história, o médico e a psicóloga que lidam com Nell aca-
bam por concluir que a linguagem que ela apresenta é, na verdade, uma
“variedade” do inglês, e que todas as características que atribuíam uma
natureza distinta do inglês falado pelos dois se devia a fatores como Nell
ter convivido apenas com sua mãe e irmã – ambas já mortas no momento
em que ela é descoberta –, à mãe de Nell ter um problema de fala ocasio-
nado por paralisia facial, o que acabou se refletindo na fala das filhas, e
por Nell, como é comum a muitas crianças, ter criado uma forma distinta
de comunicação que apenas ela e sua irmã conheciam, o que também aca-
bou sendo transportado para a sua fala, já que sua convivência se limitava
a sua mãe e irmã. O filme nos leva à reflexão, por um meio palpável, sobre

Libras e sistema braille 21


1 Conhecendo uma língua

o que é uma língua, como identificá-la e como ela interfere na construção


do entendimento do mundo e da cultura ao nosso redor.

Artigo: “Fonética”, de Raquel Santana Santos e Paulo Chagas de Souza, do


livro Introdução à Linguística II, de José Luiz Fiorin, editora Contexto, 2003.

Este artigo é muito interessante para se ter uma noção introdutória a res-
peito dos aspectos próprios da fonética, tanto de línguas orais como da
língua de sinais. Além desse artigo inicial há os demais que constituem
uma fonte segura com a qual você pode incrementar seu conhecimento
sobre as demais áreas da Linguística.

Atividades
1. Discuta, definindo e dando exemplos, a propriedade de dupla articulação da lingua-
gem e por que ela gera economia para as línguas.

2. Se fonética e fonologia partem de um mesmo ponto, o som, qual a diferença entre


esses dois níveis de análise? Afinal, seria desnecessária a existência de dois níveis
para estudar o mesmo objeto.

3. Partindo do senso comum, muitas pessoas podem confundir “a fala” de um papa-


gaio com a língua empregada pelo ser humano ou ainda achar que a comunicação
entre animais é uma evidência de que eles possuem uma linguagem equiparável à
linguagem humana. Justifique por que equiparar a linguagem animal à linguagem
humana é um equívoco.

Referências
BARROS, Diana Pessoa de. A comunicação humana. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à
Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
DOMINGOS, Maria Cristina da Silva. Libras. Alfenas, MG: Universidade José do Rosário Vellano -
Unifenas, 2010.
PETTER, Margarida. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à
Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
QUADROS, Ronice Müller; CRUZ, Carina Rebello. Língua de sinais: Instrumentos de avaliação. Porto
Alegre: Artmed, 2011.

22 Libras e sistema braille


Conhecendo uma língua 1
Resolução
4. A dupla articulação da língua é um fator de economia, pois permite que com um
número limitado de fonemas seja construído um número ilimitado de morfemas,
material com o qual as palavras são formadas. Deve atentar também para o fato
de que a primeira articulação, a morfológica, está no plano do conteúdo, posto que
veicula significado; já a segunda articulação, a fonológica, está no plano da forma, já
que não veicula significado.

5. O objeto de análise dessas áreas parece ser o mesmo, mas não é. A fonética lida com
o som apenas enquanto entidade física, articulatória. Ela procura saber como são
produzidos os sons da língua humana, independentemente de eles serem distintivos
na língua. A fonologia, por outro lado, só se ocupa dos “sons” que são distintivos
dentro da língua.

6. Igualar a linguagem humana à animal é um equívoco devido ao nível de complexi-


dade da linguagem humana. Para demonstrar tal complexidade, o estudante pode
recorrer às propriedades das línguas naturais, que dão conta de características en-
contradas apenas na linguagem verbal: versatilidade, produtividade, descontinuida-
de, articulação em diferentes níveis etc. O que deve ficar claro para o aluno é o nível
de sofisticação que a linguagem humana permite, enquanto a linguagem animal é
muito limitada.

Libras e sistema braille 23


2
O status de
língua da Libras
Cristiane Seimetz Rodrigues
Flávia Valente

Neste capítulo, a tarefa a cumprir é entender por que a Libras é uma língua. Para
tanto, apresenta-se um histórico da origem das línguas de sinais e da Libras. Em
seguida, as propriedades linguísticas próprias das línguas naturais são evidenciadas
na Libras, movimento que permite desfazer certos mitos em relação a essa língua.

Libras e sistema braille 25


2 O status de língua da Libras

2.1 A língua Libras

Figura 1 – Duas pessoas conversando na língua de sinais.

Fonte: Vladimir Mucibacic/Shutterstock.

Antes de se falar especificamente da Libras, cabe um retorno à origem das línguas de


sinais, seus registros históricos, para que se possa entender como, de certa forma, o ensino
das línguas de sinais em escolas determinou o desenvolvimento dessas línguas. A seguir,
após esse panorama sobre a origem e evolução das línguas de sinais, a Libras será tratada
no que diz respeito a sua origem específica, a sua regulamentação como língua oficial dos
surdos brasileiros e à razão pela qual ostenta o título de língua natural.
Por ser uma língua ágrafa, não há registro da origem da língua de sinais, mas, possivel-
mente, ela se desenvolveu na mesma época que a língua oral. Diz a lenda que os surdos eram
adorados no Egito, como se fossem deuses, porque serviam de mediadores entre os faraós e os
deuses, já que eram tidos como seres místicos. As primeiras referências aos surdos aparecem
na época da Lei Hebraica. Na China, os surdos eram lançados ao mar; os gauleses os sacri-
ficavam aos deuses Teutates; em Esparta, eram lançados do alto dos rochedos. Na Grécia, os
surdos eram encarados como deficientes mentais e muitas vezes eram condenados à morte. Os
romanos viam os surdos como seres imperfeitos, e assim lançavam as crianças surdas no rio.
Mais tarde, Santo Agostinho defendia que os surdos podiam se comunicar por meio de gestos,
contudo, acreditava que os pais estavam pagando por algum pecado. Até a Idade Média, a
Igreja Católica acreditava que os surdos eram incapazes de proferir os sacramentos, diferente-
mente dos ouvintes, pois não possuíam alma imortal. Em seguida, passa-se para a perspectiva
da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob a óptica médica e científica, quando sai
da perspectiva religiosa, no início do Renascimento. Foi na Idade Moderna que Pedro Ponce
de León (1520-1584), padre católico, criou a primeira escola para surdos no Mosteiro de San
Salvador (Espanha), e se dedicou a ensinar os filhos surdos de pessoas nobres para que pu-
dessem ter privilégios perante a lei. León desenvolveu um alfabeto manual, que ajudava os

26 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
surdos a soletrar as palavras. Juan Pablo Bonet (1579-1629), aproveitando o trabalho iniciado
por León, foi educador de surdos, escreveu sobre as maneiras de ensinar os surdos a ler e a fa-
lar, por meio do alfabeto manual. Sempre, contudo, esses modelos tinham base oralista – gesto
e oralidade, alfabeto manual e oral.
No século XVIII, Charles-Michel de l’Épée (1712-1789), um padre francês, reconheceu a
existência da língua de sinais (antiga Língua Gestual Francesa) e que seu desenvolvimento
servia como base de comunicação entre os surdos que se comunicavam nas ruas de Paris,
utilizando a datilologia/alfabeto manual. Fundou a primeira escola pública de surdos no
mundo, o Instituto Nacional para Surdos-Mudos em Paris, que existe até hoje com o nome
de Instituto Nacional de Jovens Surdos. Sua metodologia era respeitada e acreditava-se ser
o modelo correto para educação de surdos.
Thomas Braidwood (1715-1816) fundou, na Europa, a escola oralista de surdos para
correção da fala. Após muitas discussões por todo o mundo, chegou-se à conclusão de que
era possível, sim, que o surdo falasse. Baseado nisso, Jean Marc Itard (1800-1838), primeiro
médico a interessar-se pelo assunto, usou métodos não convencionais em suas pesquisas,
como: cargas elétricas, sangramentos, perfuração de tímpanos e outras aberrações. Em abril
de 1817 é fundada a primeira escola para surdos permanente dos EUA, a Escola Hartford,
por Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851), educador, ouvinte, que acompanhado de
Laurent Clerc (1785-1879), surdo francês, um dos melhores alunos do Instituto para Surdos
de Paris, se tornou educador. Eles instituem nessa escola a Língua Gestual Americana, sen-
do que essa instituição também existe até hoje e é considerada o centro de pesquisas sobre
surdez no mundo.
O famoso Alexander Graham Bell (1847-1922), criador do telefone, trabalhava na ora-
lização dos surdos e veio a se casar com uma surda, Mabel, de família que tinha tradição
em educação de surdos na Europa, embora sua família não aceitasse a língua gestual. No
Congresso de Milão, em 1880, admite que os surdos deveriam ser oralizados durante um
ano, mas se isso não trouxesse resultado, poderiam, então, ser expostos à língua gestual.
Durante o século XVIII, na Europa, surgem duas tendências adversas na educação dos sur-
dos antes do Congresso de Milão: o método francês, chamado de gestualismo, e o oralismo,
ou método alemão. Em 1880, houve um momento obscuro na história da educação dos sur-
dos. Foi durante o famoso congresso de Milão, com duração de três dias, quando um grupo
de ouvintes resolveu que a língua de sinais deveria ser excluída do ensino dos surdos, sendo
substituída pelo oralismo. Durante o fim do século XIX e grande parte do século XX, o ora-
lismo foi a técnica preferida na educação dos surdos, sendo que a luta entre o oralismo e a
língua de sinais continua até os nossos dias, o que se depreende da afirmação de Quadros
(1997), em seu livro sobre a educação de surdos e aquisição da língua de sinais, segundo
a qual a permissão ou não permissão para o uso de línguas espaciais-visuais interferiu no
processo histórico e na vida das pessoas pertencentes a comunidades surdas.
Em relação ao Brasil, não foi diferente nos séculos passados, experimentou-se as três
linhas de abordagens: oralismo, comunicação total e bilinguismo. O oralismo, utilizado na

Libras e sistema braille 27


2 O status de língua da Libras

década de 1960 e 1970, é o nome dado àquelas abordagens que enfatizam a fala (da língua
utilizada no país) e a amplificação da audição e que rejeitam de maneira explícita e rígida
qualquer uso da língua de sinais. Técnicas específicas são utilizadas para desenvolver o
método do oralismo, sendo elas: treinamento auditivo, desenvolvimento da fala e leitura
labial; contudo, o fracasso dos alunos surdos era visível. Em seguida, veio a comunicação
total, cuja proposta oralista é transformada e se consolida, não como método, mas como
uma filosofia educacional. Por não explicitar claramente procedimentos de ensino, a comu-
nicação total, na década de 1970, é incorporada, em diferentes lugares, em versões muito
variadas, caracterizando-se, basicamente, pela aceitação de vários recursos comunicativos,
com a finalidade de ensinar a língua majoritária – a língua oficial do país, no caso, a língua
portuguesa – e promover a comunicação utilizando gesto, mímica e fala. Seguiu-se, então,
a filosofia bilíngue, na década de 1980, que possibilitaria a relação do surdo adulto com a
criança surda1, permitindo, assim, uma construção de identidade e que respeitaria a Libras
– respeitar a língua do surdo não quer dizer que se deva menosprezar a língua dominante
do país, mas apenas ter o domínio da Libras como primeira língua e, consequentemente, ter
o português escrito/falado como segunda língua.
Desse relato, já é possível compreender que a história da evolução das línguas de sinais,
inclusive a Libras, foi marcada pela intervenção autoritária, muito por desconhecimento, da-
queles que formulavam as políticas de ensino para surdos. Mesmo que a intenção subjacente
de tais políticas fosse ajudar o surdo, o que se fez ao proibir o ensino e o uso das línguas de
sinais foi um retrocesso no processo de crescimento dessas línguas. Imagine o quanto não
se perdeu em vocabulário, estrutura, sofisticação de conceitos “apenas” porque os surdos
foram impedidos de usar livremente sua língua natural. Os reflexos dessas políticas ainda
podem ser vistos no desconhecimento que muitos têm sobre a Libras, e não se está pensando
neste momento somente no ouvinte, mas também nos surdos, já que muitos deles não têm
acesso, ainda hoje, a essa língua. As línguas, orais ou de sinais, evoluem por meio do uso,
são as necessidades do dia a dia, das tarefas que precisam ser executadas, das mensagens
que precisam ser dadas que fazem com que qualquer língua amplie seu vocabulário, cunhe
conceitos novos, padronize uma variedade de língua que será considerada a culta, entre
outras coisas.
A Libras teve sua origem na Língua de Sinais Francesa por influência de Hernest Huet,
surdo francês, que chegou ao Brasil em 1856, a convite de D. Pedro II, para fundar a primei-
ra escola para meninos surdos, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que foi
inaugurado no dia 26 de setembro de 1857, o qual recebeu o nome de Imperial Instituto de
Surdos-Mudos, com o propósito de desenvolver a educação dos surdos brasileiros. Hernest,

1 O modelo para criança surda deve ser um adulto surdo ou uma pessoa ouvinte que domina a
Libras, para que sua identidade e sua língua sejam formadas nos seus primeiros anos de vida. Infeliz-
mente, as crianças surdas não têm nem a língua portuguesa oral/escrita e nem a Libras e, consequen-
temente, recebem sua primeira língua atrasada. Pela nossa experiência em escola de surdos, o modelo
ideal é o bilinguismo – Libras e português escrito.

28 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
o professor surdo, negociava a criação do instituto de surdos por meio de cartas com o im-
perador D. Pedro II, as quais encontram-se no Museu Imperial de Petrópolis (RJ). Aconteceu
com a Libras um processo de colonização de língua, tal como se deu entre o português para
os brasileiros. Nesse sentido, quando os portugueses vieram colonizar o Brasil, se depara-
ram com uma série de línguas indígenas, e mais especificamente uma língua geral, usada
para negociações entre as diferentes tribos. Ao longo dos anos, por uma série de fatores que
não cabe explicar neste momento, o português de Portugal foi se mesclando a essa língua
geral e, posteriormente, recebeu influências de outras línguas como o italiano, o francês e o
árabe, resultando no português que hoje se fala no Brasil, o qual difere em muitos aspectos
da língua que lhe deu origem. Portanto, quando Huet chegou ao Brasil, os surdos já deviam
possuir um sistema de comunicação, que se mesclou à língua francesa de sinais, originando
a Língua Brasileira de Sinais, a qual também difere em muitos aspectos da língua que lhe
deu origem.
Como visto, a Libras tem uma história de evolução ao longo dos anos, como qualquer
outra língua natural. Assim como as línguas orais, as línguas de sinais nascem para suprir
uma necessidade de comunicação. A diferença reside no canal de recepção e nos meios de
produção, pois, devido à impossibilidade de ouvirem uma língua falada, os surdos desen-
volvem a habilidade linguística de outra maneira, fazendo uso do espaço e da visão. Então,
uma língua de natureza espaço-visual não se configura como uma barreira perceptual no
processo de aquisição dos surdos, já que essa é a língua natural dos surdos. Todavia, nem
sempre essa condição de língua natural foi aceita em relação às línguas de sinais. Não há
muito tempo, as línguas de sinais eram vistas apenas como gestos, mímica, um sistema de
comunicação inferior, pobre, sem gramática, cujo único proveito era expressar conceitos
concretos. Essa visão só começou a ser superada a partir da década de 1960, com a pu-
blicação, nos Estados Unidos, do primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinais, por
William Stokoe.
As discussões de Stokoe (1960, apud QUADROS; KARNOPP, 2004) para a língua ame-
ricana de sinais foram tomadas como ponto de partida para o estudo de outras línguas de
sinais, como a Libras. As discussões empreendidas pelo autor começam com a descrição da
modalidade da língua, destacando que suas propriedades internas correspondem a critérios
colocados por universais linguísticos e que a distinção está em sua forma de produção e
recepção: “[...] as investigações mostram que as línguas de sinais, sob o ponto de vista lin-
guístico, são completas, complexas e possuem uma abstrata estruturação em todos os níveis
de análise” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 36-37). A partir daí, o interesse pelo estudo
das línguas de sinais na condição de línguas naturais cresceu significativamente; mesmo
esparsos e em pequeno número, esses estudos levaram a uma reflexão do importante papel
dessas línguas para as comunidades surdas. As comunidades surdas, por sua vez, viram
nos estudos linguísticos das línguas de sinais um argumento científico, entre tantos outros
de ordem diversa mas de igual importância, para lhes requerer o reconhecimento legal. O
Brasil é um dos países que já oficializou a língua de sinais de seu país – a Libras – como

Libras e sistema braille 29


2 O status de língua da Libras

língua própria dos surdos brasileiros. Segundo a legislação vigente, desde abril de 2002, a
Libras constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comu-
nidades de pessoas surdas do Brasil, nas quais há uma forma de comunicação e expressão,
de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria. A oficialização da Libras foi
de extrema importância, e ainda é, para a luta por políticas públicas de educação bilíngue
para surdos, com a presença de professores sinalizadores e/ou intérpretes em sala de aula.
O reconhecimento legal, no entanto, não significa que a Libras deva parar de ser estudada
em suas características linguísticas.

2.2 Propriedades da Libras e


sistemas de transcrição

2.2.1 As propriedades da língua na Libras


A Libras, na sua condição de língua natural, como visto na seção anterior, é tão comple-
xa e sofisticada quanto qualquer outra língua oral, apresentando as mesmas propriedades
linguísticas. Portanto, adiante são expostas as propriedades linguísticas compartilhadas pe-
las línguas naturais e a forma como se manifestam na Libras.
A primeira característica apontada nas línguas naturais, contrastando com a comuni-
cação estabelecida por animais, é a flexibilidade e versatilidade. Ela diz respeito às várias
possibilidades de uso da língua em diversos contextos. As línguas de sinais são empregadas
em várias situações, cumprindo muito bem as funções para as quais são requisitadas, como
compor poesias, criar piadas, discutir política e filosofia, refletir sobre a vida, falar sobre a
própria língua, falar das coisas comuns do dia a dia etc.
A arbitrariedade dá conta de que as palavras, os sinais, são convenções sociais acorda-
das entre os usuários de uma determinada língua, daí não haver relação direta entre muitas
palavras (sua forma) e o significado a que remetem. A língua de sinais, ao contrário do que
muitos pensam, apresenta palavras cuja forma não tem relação direta com o significado.
A questão da forma e do significado referido pela Libras, aliás, traz à tona a descontinuida-
de: pequenas diferenças na forma das palavras, por exemplo, podem gerar grandes diferenças
no significado. Na Libras, os sinais são formados por meio de cinco parâmetros: configuração
de mão (CM), ponto de articulação (PA), movimento (M), orientação (O) e expressão facial-cor-
poral (EFC). A alteração de um dos parâmetros na formação de um dado sinal resulta num sinal
diferente ou, às vezes, num sinal inexistente. Isso significa que pequenas alterações na formação
de um sinal levam a significados diferentes. Assim, os sinais APRENDER e SÁBADO (Figura 1)
apresentam em comum CM, M, O, sendo que o parâmetro EFC não é determinante na consti-
tuição desses dois sinais, estando a diferença apenas no PA. O sinal de aprender é articulado em
frente à testa, e o sinal de sábado, em frente à boca do sinalizador.

30 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
Figura 2 – Sinais para representar “aprender” e “sábado”.

APRENDER.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

SÁBADO.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Além de a Libras permitir ao seu usuário falar sobre o assunto de seu desejo, ela fornece
inúmeras possibilidades de transferência para uma mesma informação, já que a partir de um
número finito de elementos combináveis e recombináveis por meio de regras também finitas,
é possível elaborar um número de sentenças infinitas. Isso é possível, inclusive, mesmo quan-
do o usuário nunca se deparou com uma estrutura em particular. A essa propriedade se dá o
nome de produtividade/criatividade. Desse modo, estruturas como J-O-Ã-O GOSTAR M-A-
R-I-A PORQUE ELA EDUCADA podem ser produzidas através do aprendizado adquirido
de outras estruturas: EU GOSTAR ELA; EDUCADA ELA; J-O-Ã-O GOSTAR M-A-R-I-A etc.
A fim de produzir os enunciados da língua, a Libras conta com a propriedade denomi-
nada de dupla articulação. A dupla articulação se refere ao fato de as línguas se articularem
em dois planos: no primeiro as formas não possuem significado; no segundo, por meio da
combinação das formas sem significado se obtêm unidades com significado. Retomando a
questão da formação de sinais, se você pensar isoladamente na CM dos sinais de APRENDER
e SÁBADO, mão na forma de “S”, CM encontrada no quadro a seguir, verá que, por si só,
ela não apresenta significado, é apenas um elemento menor que comporá, por meio de sua
combinação com outros parâmetros, unidades maiores dotadas de significado.

Libras e sistema braille 31


2 O status de língua da Libras

Figura 3 – Configurações de mão usadas na representação do alfabeto da língua portuguesa e dos


números de 0 a 9.

A B C D E F

G H I J K L

M N O P Q R

S T U V W X

Y Z 1 2 3 4

5 6 7 8 9 0
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

As combinações tratadas no parágrafo anterior não ocorrem aleatoriamente; elas se-


guem um padrão de estruturação nos diferentes níveis – fonológico, morfológico, sintático
e semântico. Isso implica que, ao usar a Libras, o indivíduo precisa respeitar as regras de
combinação por ela apresentada(s). Infringir as regras, sair do padrão da língua, resulta em
sentenças agramaticais como: * ELE ELA CONHECER. O padrão linguístico está vinculado
a outra propriedade reconhecida nas línguas naturais, a dependência estrutural. As línguas
constroem os enunciados por meio de estruturas dependentes que permitem o entendimen-
to da estrutura interna de uma sentença. Isso significa que certos elementos são subordina-
dos a outros na estrutura das sentenças. Por exemplo:
1. * ELE ELA CONHECER
2. ELE CONHECER ELA

32 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
3. * EU GOSTAR SEMPRE MAÇÃ
4. SEMPRE EU GOSTAR MAÇÃ
As sentenças (1) e (3) são agramaticais porque não respeitam a dependência estrutural
da Libras. No primeiro caso, o objeto (ela) não pode ocupar a posição ao lado do sujeito (ele)
e antes do verbo (conhecer), pois nessa posição o sinal não é reconhecido como objeto que
completa o significado do verbo. No segundo caso, o advérbio (sempre) não pode interrom-
per a relação entre o verbo (gostar) e o objeto (maçã).
Terminada a exposição dos motivos evidenciadores da natureza linguística da Libras,
certo de se tratar de uma língua não apenas de direito – porque se encontra oficializada
como língua –, mas de fato, você, estudante, pode se ocupar, mais bem fundamentado, de
analisar os mitos envolvendo a Libras na sua condição de língua de sinais.

2.2.2 Sistemas de transcrição da língua de sinais


Ao se estudar uma língua com o objetivo de conhecer suas características estruturais, é
preciso lançar mão de algum recurso que permita ao pesquisador registrá-la para posterior
análise. Esse é o papel dos sistemas de transcrição, pois permitem ao pesquisador registrar
os enunciados da língua de forma que ele os possa analisar mesmo quando não está presen-
te no momento em que o enunciado foi produzido. A transcrição é muito útil, além disso,
porque permite a outros pesquisadores estudarem uma língua que foi transcrita anterior-
mente. Por exemplo, um pesquisador em particular pode fazer uma transcrição de dados
– enunciados produzidos por sinalizadores fluentes na língua – com o intuito de estudar a
morfologia da Libras. Um outro estudioso pode se valer da mesma transcrição para analisar
as regras gramaticais dessa língua. Isso é possível graças ao caráter convencional dos siste-
mas de transcrição.

A transcrição consiste na representação gráfica de um enunciado, por meio de um conjunto de


símbolos especiais, para fins de estudo.

Para os objetivos deste livro, você vai aprender a lidar com o Sistema de Notação por
Palavras, criado e desenvolvido pela pesquisadora da Língua Brasileira de Sinais Tânia
Amaro Felipe, no ano de 1998. Pela clareza da transcrição, o sistema foi muito aceito, não
só por pesquisadores brasileiros que atuavam nesse período, mas também por outros que
desenvolviam trabalhos com línguas de sinais. Assim, ao longo deste livro, sempre que útil
às discussões, a transcrição por notação será empregada. A seguir, há um quadro com exem-
plos de notações e a convenção subjacente a cada um.

Libras e sistema braille 33


2 O status de língua da Libras

Quadro 1 – Convenções empregadas na notação por palavras.

Sistema de notação por palavras Convenção

Os sinais da Libras são representados por itens


CASA
lexicais da Língua Portuguesa em letras maiúsculas.
Os sinais que são traduzidos por mais de uma
CORTAR-COM-FACA palavra no português são representados pelas
palavras correspondentes e separadas com hífen.
Os sinais compostos da Libras, quer dizer,
aqueles que necessitam de mais de um sinal
CAVALO^LISTRA (zebra)
para representar uma ideia são representados
por palavras do português separadas por ^.

O alfabeto manual utilizado para expressar


J-O-Ã-O nomes que não tenham sinal na Libras são re-
presentados letra por letra separadas por hífen.

Um sinal soletrado, quer dizer, aquelas datilologias


que, por empréstimos linguísticos do português,
N-U-N-C-A receberam um movimento próprio da Libras e
passam a pertencer a esta língua são representados
letra a letra, separadas por hífen e de forma itálica.

Como na Libras não há marcação para gênero, quer


AMIG@ dizer, a notação pode estar se referindo a amigo ou
amiga, usa-se o símbolo @ para esta classificação.
Marcação de sinais não manuais realiza-
NOME interrogativa dos simultâneos aos sinais manuais. Neste
caso, uma pergunta: qual seu nome?
Marcação de sinais não manuais reali-
SABER negação zados simultâneos aos sinais manuais.
Neste caso, uma negação: não sei.

ADMIRAR exclamativo Marcação de sinais não manuais realizados


simultâneos aos sinais manuais para deno-
LONGE muito tar advérbio de modo ou intensificador.
ANDAR pessoa Verbos com concordância para pessoa, objeto e
ANDAR veículo animal são representados com o sujeito subscrito.

34 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
Sistema de notação por palavras Convenção

Verbos com concordância para as pes-


soas gramaticais serão representadas
1s
DAR 2s Eu dou a você. com o seu correspondente subscrito:
2s
PERGUNTAR 3p 1s 2s 3s = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do singular.
Você pergunta para El@s 1d 2d 3d = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do dual.
1p 2p 3p = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do plural.
Verbos com concordância para lugar serão re-
ANDARe presentados com seu correspondente subscrito:
d

Andar da direita para esquerda. d = direita


e = esquerda
MENINA + Marca de plural pela repetição do sinal.
Frases que não respeitam as regras de estrutu-
* J-O-Ã-O M-A-R-I-A GOSTAR ração gramatical da língua são agramaticais,
recebem o sinal de asterisco como indicativo.
Fonte: Elaboradas pelas autoras

Essas são as principais notações que lhe serão úteis ao longo do curso.

2.3 Mitos sobre a Libras

Ainda que avanços significativos tenham sido feitos no estudo da Libras e das línguas
de sinais em geral, há uma carência da disseminação desses saberes, acarretando na exis-
tência e manutenção de algumas inverdades sobre as línguas de sinais que são aceitas como
procedentes por muitas pessoas. São os velhos e, ao mesmo tempo, novos mitos sobre as
línguas visuais. Então, o objetivo nesta seção é avaliar alguns desses mitos, com base no ex-
posto por Quadros e Karnopp (2004, p. 31-37), de modo a esclarecer que se tratam de falsas
afirmações e mostrar por que não condizem com a realidade das línguas de sinais.
O primeiro mito apregoa que as línguas de sinais seriam incapazes de expressar concei-
tos abstratos, pois seria apenas uma mistura de gestos e mímica. Essa concepção equivocada
nasce da confusão de se entender os sinais como gestos. Afinal, os gestos não permitem a
abstração das palavras, que podem nomear ou falar sobre algo mesmo quando esse algo não
está presente, ou mesmo que ele não exista enquanto entidade física. Mas a verdade é que
os sinais são palavras, eles permitem falar sobre pessoas ou objetos ausentes, sobre ideias, e
não apenas sobre coisas concretas. Os sinais das línguas visuais apresentam a mesma possi-
bilidade de simbolismo e abstração que as palavras das línguas orais.
Esse primeiro mito, das línguas visuais serem apenas gesto e mímica, leva ao segundo.
Posto que gestos não são arbitrários, são icônicos – isto é, sua forma tem relação direta com
aquilo a que se referem –, muitos acreditam na existência de uma única língua de sinais, fa-
lada por todos os surdos. Porém, estudos linguísticos comprovaram que as línguas de sinais

Libras e sistema braille 35


2 O status de língua da Libras

são diferentes entre si, cada comunidade surda de um dado país apresenta vocabulário e
regras gramaticais próprias. Algumas línguas de sinais são aparentadas, têm uma origem
comum, como a Libras e a ASL, que nasceram a partir da língua de sinais francesa. Mas isso
também se verifica em línguas como o português e o italiano, originadas do latim. Assim,
ASL e Libras, como também português e italiano, compartilham características em comum,
mas em hipótese alguma seus usuários podem trocar informações como se elas fossem a
mesma língua.
Outro mito que menospreza a complexidade linguística das línguas de sinais é o que
as considera subordinadas às línguas orais, sem uma gramática organizada, precisando usar
seus sinais na estrutura gramatical das línguas orais. Na verdade, como visto antes, as línguas
de sinais são línguas de fato, com uma complexa organização estrutural em todos os níveis de
análise. Além disso, considerar a língua de sinais subordinada a línguas orais é um equívoco,
já que a Língua Brasileira de Sinais, por exemplo, teve sua origem na língua francesa de sinais,
e a língua portuguesa de sinais, por outro lado, desenvolveu-se a partir da língua britânica de
sinais. Não se pode, convém observar, confundir empréstimos linguísticos com subordinação.
Fosse assim, nossa língua portuguesa estaria subordinada ao inglês pelos termos que lhe toma
emprestado e agrega, na forma inglesa mesmo, ao vocabulário nacional brasileiro.
Por fim, para finalizar a análise de alguns mitos apontados por Quadros e Karnopp
(2004, p. 31-37), muitas pessoas pensam, por se tratarem de línguas visuais, articuladas es-
pacialmente, que a localização da língua de sinais no cérebro deve ser do lado direito, res-
ponsável pelo processamento de informação espacial, e não do lado esquerdo, próprio da
linguagem. Essa ideia, contudo, é derrubada por pesquisas envolvendo surdos com lesões
em um dos hemisférios. Os resultados apontam que danos no lado direito prejudicam o
processamento de informações puramente espaciais. Nesse caso, se for solicitado ao surdo,
em uma sala qualquer, que se encaminhe para o lado esquerdo da porta de saída da sala,
ele compreenderá o que deve fazer, mas não poderá executar a tarefa por não conseguir
identificar qual seria o lado esquerdo da porta. Já lesões no lado esquerdo do cérebro afetam
a produção e compreensão da língua, deixando intactas as informações puramente espa-
ciais. Nesse caso, se fosse solicitado ao surdo a mesma tarefa, ele não a poderia executar por
não compreender no que ela consiste. Não se pode esquecer, todavia, que tanto em línguas
visuais como orais essa questão de localização da língua é bem complexa, pois lesões em
áreas muito semelhantes nem sempre acarretam nos mesmos danos. Não bastando isso, a
literatura cognitiva aponta casos de pessoas que, afetadas por lesões no hemisfério esquer-
do na infância, especializaram o lado direito do cérebro para desenvolver também a função
linguística, fato creditado à plasticidade cerebral, responsável por desenvolver mecanismos
compensatórios quando há condição para tal.
Agora que você sabe um pouco mais sobre os recursos empregados no estudo da
Libras, acompanhe o relato de um pesquisador sobre sua experiência na aquisição da Língua
Brasileira de Sinais como segunda língua. Boa leitura!

36 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
Ampliando seus conhecimentos

Aspectos relevantes na aprendizagem de Libras


como segunda língua por um adulto ouvinte
(LEITE; MCCLEARY, 2009, p. 249-253)

Entre os aspectos linguísticos relativos à aprendizagem da ASL2 destacados


por Jacobs (1996) estão: a modalidade da língua, a datilologia ou soletração
manual, os classificadores e os sinais não manuais. Além desses fatores, a
experiência da presente pesquisa demonstrou a relevância de ainda outros
aspectos: a morfossintaxe, o uso gramatical do espaço e a semântica lexical.
Passo agora a tratar resumidamente de cada um desses pontos.

Parte significativa da dificuldade na aprendizagem de línguas de


sinais por ouvintes está relacionada à diferença entre línguas como
o Português, que se apoiam fortemente na audição, e línguas como a
Libras, que se apoiam estritamente na visão. Por exemplo, as línguas de
sinais parecem exigir um refinamento da visão que os ouvintes preci-
sam desenvolver. Como os demais colegas ouvintes, a minha tendência
em meus primeiros anos de aprendizagem da Libras era a de focalizar
a atenção nas mãos do sinalizador em detrimento do rosto, perdendo
uma série de informações linguísticas importantes veiculadas por esse
canal. Com o tempo, observei que os surdos agiam de maneira distinta,
focalizando predominantemente o rosto e só desviando o foco visual
para as mãos em algumas poucas ocasiões (e.g. em alguns casos de sole-
tração manual). A dificuldade de acompanhar a sinalização se agravava
em contextos informais, nos quais dois ou mais surdos interagiam ao
mesmo tempo. Minha impressão era a de que os surdos acompanhavam
esse tipo de conversa sem a necessidade de redirecionamentos da cabeça
e do olhar tão frequentes e/ou intensos quanto os meus. Se esse refina-
mento visual de fato existe – como alguns pesquisadores têm argumen-
tado (e.g. SWISHER et al., 1989) – seria fundamental que os cursos de
Libras como segunda língua procurassem desenvolver essa habilidade
nos alunos ouvintes, o que não ocorreu em minha experiência.

A datilologia, a soletração de palavras das línguas orais por meio do alfa-


beto manual, provou-se um elemento de facilidade apenas ilusória. Tendo
em vista que o aprendizado das configurações de mão referentes a cada

2 ASL: Língua de Sinais Americana.

Libras e sistema braille 37


2 O status de língua da Libras

letra do alfabeto ocorre de maneira relativamente rápida e sem maiores pro-


blemas, é comum os alunos – e inclusive os professores – considerarem esse
um aspecto linguístico que não exige maior atenção nos cursos de Libras.
Contudo, como Jacobs assinala, o uso fluente da datilologia no ritmo natu-
ral do discurso espontâneo é um dos aspectos mais difíceis de serem alcan-
çados pelos ouvintes, exigindo uma prática muito maior do que se costuma
pressupor. Em minha experiência de pesquisa, os cursos de Libras reserva-
ram apenas uma ou, no máximo, duas aulas iniciais a atividades voltadas
especificamente para a prática do alfabeto manual, demonstrando que os
próprios professores não se davam conta da complexidade e dos diferentes
usos dessa prática em seu uso proficiente da Libras.

O plano morfossintático constituiu-se num dos aspectos de maior difi-


culdade no aprendizado da Libras. Parecia bastante difundida, entre os
professores, a ideia de que primeiro devemos aprender sinais isolados
para depois aprender a combiná-los, o que se revelava na estratégia de
sempre introduzir uma lista de sinais antes de atividades de uso da Libras
em interação. Tal visão resultou no desenvolvimento de hábitos prejudi-
ciais por parte dos alunos ouvintes, que se viam sem alternativa a não
ser a de empregar os sinais que eles conheciam na estrutura mais linear
do português, que difere significativamente da estrutura mais espacial da
Libras. Um outro aspecto problemático relacionado à morfossintaxe foi o
ensino dos ditos “classifica dores” – um aspecto das línguas de sinais que,
segundo Jacobs, é de difícil assimilação pelos ouvintes. Embora o termo
classificador seja corrente entre os professores de Libras, bem como entre
muitos pesquisadores da área, vejo hoje que ele era utilizado nas aulas
como um “termo guarda-chuva” para uma série de fenômenos da pro-
dução em línguas de sinais ainda pouco compreendidos. Sem uma base
teórica sólida sobre a qual pudessem se apoiar, os professores acabavam
dando explicações muito pouco claras sobre o que seriam os “classificado-
res”; e as atividades que supostamente deveriam trabalhar essa parte da
gramática acabavam envolvendo produções que, para mim, ora se asse-
melhavam a uma pantomima, ora pouco diferiam de sinais convencionais
da Libras.

Outra categoria da gramática das línguas de sinais de difícil aprendiza-


gem em minha experiência foram os sinais não manuais (i.e. movimentos
do olhar, gestos bucais, acenos e movimentos de cabeça, direcionamento do
tronco, entre outros). Como Jacobs aponta, tais sinais possuem funções lin-
guísticas fundamentais para a compreensão dos enunciados nessas línguas

38 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
(i.e. estruturas de subordinação, distinção fonológica entre sinais, marcação
aspectual, entre outras). O aprendizado desses sinais não manuais, já com-
plicado pela sutileza com que eles aparecem no discurso espontâneo dos
surdos, acabou sendo dificultado em minha experiência devido a dois fato-
res principais: em primeiro lugar, o já mencionado vício de focalizar o olhar
nas mãos do interlocutor, o que resultava na perda das informações faciais e
corporais potencialmente relevantes; em segundo lugar, a pouca ênfase com
a qual esses sinais não manuais eram explorados nos cursos frequentados,
excetuando as marcas faciais de negação, interrogação e as mudanças na
orientação do tronco para a representação de diálogos.

Um último recurso gramatical das línguas de sinais que chamou a atenção


pela dificuldade de aquisição foi a exploração do espaço pelo sinalizador.
Esse espaço é utilizado não somente para a referência a pessoas ou obje-
tos no discurso, mas também para relacionar elementos numa sentença,
suprimindo por meio desse recurso a necessidade de artigos e preposi-
ções no estabelecimento de certas relações gramaticais e coesivas. Com
o passar do tempo, percebi que mesmo sendo capaz de compreender o
uso desse recurso pelos professores, eu, assim como a maioria dos alunos,
costumava não empregá-lo na minha própria produção sinalizada. Em
se tratando de um uso pouco comum na experiência com a língua oral –
embora não ausente (e.g. QUEK et al., 2002) – entendo que a exploração
do espaço poderia ter sido mais enfatizada em atividades com a Libras.

No âmbito semântico, as maiores dificuldades de aprendizagem se mani-


festaram em noções confusas dos professores sobre a relação entre as
palavras da Libras e as palavras do português, em parte por causa do
modo como as aulas eram estruturadas. De um lado, a forma descontex-
tualizada por meio da qual o vocabulário era ensinado nos cursos bási-
cos sugeria a ideia equivocada de que para cada palavra em português
haveria um sinal em Libras de conteúdo equivalente. De outro lado, a
forma como esse mesmo vocabulário era expandido no curso interme-
diário – através de exercícios em que, para cada verbo do português, o
professor apresentava uma enorme variedade de sinais como tradução,
de acordo com cada contexto frasal particular – sugeria outra ideia, igual-
mente equivocada, de que para uma única palavra em Português haveria
uma enorme multiplicidade de sinais possíveis em Libras. Ambas as for-
mas de tratar a semântica das palavras enviesavam erroneamente o meu
entendimento e o de meus colegas, que vinculávamos a compreensão dos
sinais à das palavras do português.

Libras e sistema braille 39


2 O status de língua da Libras

Dicas de estudo

Artigo intitulado “Poesia em língua de sinais: traços da identidade surda”, de


Ronice Müller de Quadros e Rachel Sutton-Spence, do livro Estudos Surdos I,
organizado por Ronice Müller de Quadros, editora Arara Azul, 2006.

Esse texto permite ao leitor ter uma boa ideia da complexidade de usos que
a Libras pode desempenhar, bem como introduz o leitor no desconhecido
mundo da poesia surda, posto que sobre ela muito se fala genericamente,
mas estudos, como estes, são raros. As autoras analisam comparativamente
duas poesias. Uma de um poeta surdo britânico, na língua de sinais própria
desse país, a outra de um poeta surdo brasileiro. Por meio de tal compara-
ção, as autoras evidenciam a riqueza linguística e cultural do surdo, apon-
tando o importante papel da língua de sinais na constituição da identidade
do sujeito surdo.

Artigo intitulado “Organização neural da língua de sinais”, de K.


Emmorey, U. Ellugi e E. Klima, do livro Língua de Sinais e Educação do
Surdo, organizado por M. C. Moura., A. C. Lodi e M. C. Pereira, editora da
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp), 1993.

Este texto permite um estudo em detalhe sobre a localização da Libras no


cérebro do surdo, mostrando que, tal como os ouvintes, a Libras ocupa na
mente humana o espaço – ou espaços – reservado ao processamento da
linguagem. A leitura permite desmistificar que as línguas de sinais não
são línguas, não estando, assim, associadas ao “módulo da linguagem”.

Atividades
1. Explique por que a Libras é uma língua de fato.

2. Discuta a propriedade da arbitrariedade na Libras.

3. Discuta o mito de que as línguas de sinais são subordinadas às línguas orais.

Referências
LEITE, Tarcísio de Arantes; MCCLEARY, Leland. Aspectos relevantes na aprendizagem de Libras
como segunda língua por um adulto ouvinte. In: QUADROS, Ronice Müller de; STUMPF, Marianne
Rossi (orgs.). Estudos surdos IV. Petrópolis: Arara Azul, 2009. p. 249-253.

40 Libras e sistema braille


O status de língua da Libras 2
QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre: ArtMed, 1997.
QUADROS, Ronice Müller de; KARNOPP, Lodenir. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos.
Porto Alegre: ArtMed, 2004.
RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. Rio de Janeiro: Educom, 1976.

Resolução
1. A Libras é tão complexa e sofisticada quanto qualquer outra língua natural, apresen-
tando as mesmas propriedades linguísticas. A Libras tem todas as propriedades das
línguas naturais, como flexibilidade, versatilidade, arbitrariedade, descontinuidade
e produtividade/criatividade. Ela é empregada em qualquer situação comunicativa
e cumpre muito bem as funções para as quais é requisitada (compor poesias, criar
piadas, dar instruções, filosofar etc.

2. A resposta deve versar sobre o fato de que não é possível fazer relação direta entre
os sinais e seus significados, daí a característica da arbitrariedade.

3. A Libras tem sua própria estrutura, expressa os significados e conceitos que o usuá-
rio quiser, não sendo, portanto, dependente de línguas orais. Por exemplo, Brasil e
Portugal possuem línguas de sinais diferentes: se a língua de sinais fosse dependente
realmente das línguas orais, elas deveriam ser iguais.

Libras e sistema braille 41


3
Particularidades
das línguas de sinais
Cristiane Seimetz Rodrigues
Flávia Valente

Para esta aula, está reservada a exposição e reflexão sobre fenômenos linguís-
ticos específicos das línguas de sinais. Nesse sentido, se os tópicos aqui abordados
encontram “equivalentes” nas línguas orais, são de natureza, e muitas vezes, fun-
cionamento diverso. Alguns fatos, como você verá, nem sequer apresentam um
“equivalente” distante. Neste momento, interessa observar as particularidades das
línguas de sinais e, consequentemente, da Libras nos seus diferentes níveis de aná-
lise, pois, conforme você poderá constatar, alguns fenômenos linguísticos das lín-
guas de sinais se manifestam de forma interdependente e em mais de um nível de
análise, com papéis diferenciados em cada nível. Por motivos de análise linguística
e exposição didática, os conteúdos tratados são apresentados de maneira indepen-
dente, mas você perceberá como eles se entrelaçam.

Libras e sistema braille 43


3 Particularidades das línguas de sinais

3.1 O uso do espaço

Por serem línguas espaço-visuais, os usuários das línguas de sinais empregam o espaço
linguisticamente. Por meio dele, relações fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas
podem ser estabelecidas. Contudo, esse espaço de que se fala não é todo e qualquer espaço,
mas sim o espaço empregado para a articulação dos sinais, o qual compreende uma área
definida à frente do corpo, que se estende do topo da cabeça do sinalizador até o seu quadril,
como representado na ilustração a seguir:

Figura 1 – Representação do espaço de sinalização.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

A ilustração acima pretende representar o espaço empregado como recurso linguístico


nas línguas de sinais. Convém observar que ele abrange o próprio corpo do sinalizador.
Nessa perspectiva, a realização de um mesmo sinal em pontos diferentes do espaço, como
você constatará mais à frente, pode resultar na menção a referentes diferentes. Isso implica
que nas línguas de sinais o espaço, enquanto elemento da língua, não pode ser empregado
de forma aleatória, pois, nesse caso, perderia sua função linguística. Desde o nível fonoló-
gico até o semântico, existem certos preceitos que devem ser respeitados durante o uso do
espaço como elemento linguístico, é desses preceitos que esta seção se ocupa.
No nível fonológico, tal como afirmam Pizzio et al. (2010), os sinais podem ser articu-
lados em diferentes espaços, seja no corpo do sinalizador, seja no espaço neutro em frente
ao seu tronco. Cada espaço empregado na articulação de um determinado sinal precisa ser
mantido, posto que, às vezes, mesmo diferenças mínimas na porção de espaço comumente
empregada para um dado sinal podem levar à mudança do sinal pretendido. Um exemplo
disso é a diferença entre os sinais de TRABALHAR e PRIMO. O primeiro é realizado no
espaço neutro em frente ao sinalizador, na altura do peito, o segundo é realizado no corpo,
na altura da cintura, porém, como envolvem a mesma configuração de mão e o mesmo tipo

44 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
de movimento, há que se ter cuidado para não realizar o sinal TRABALHAR no espaço de-
terminado para PRIMO, e vice-versa.
Abaixo você pode constatar a diferença no espaço de sinalização dos sinais citados a
ser respeitada.

Figura 2 – Sinais “trabalhar” e “primo”.

TRABALHAR. PRIMO.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Já no âmbito sintático, o espaço apresenta mais de uma função possível. Ele pode, por
exemplo, ser utilizado para estabelecer relações anafóricas ou de concordância entre os ele-
mentos da sentença. Além disso, outra característica peculiar é que em determinados usos
do espaço a informação gramatical é produzida simultaneamente com o sinal:
Esses mecanismos envolvem a incorporação, considerado um mecanismo produ-
tivo na ASL e usada, por exemplo, para expressar localização, número, pessoa; e
o uso de sinais não manuais, como movimentos do corpo e expressões faciais. O
uso de tais mecanismos é verificado também na Libras [...]. (QUADROS; PIZZIO;
REZENDE, 2010, p. 2)
Bellugi et al. (19881, apud QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010) apontam também como
fenômenos sintáticos que se valem do espaço na ASL (Língua de Sinais Americana) as nomi-
nalizações, o sistema pronominal e a concordância verbal. Ainda segundo pesquisa de Bellugi
e Klima (19822, apud QUADROS, PIZZIO; REZENDE, 2010) o uso do espaço é verificado na
constituição de elementos dêiticos na ASL, os quais formam a base para outros elementos lin-
guísticos, como o sistema de pronomes, a concordância verbal e relações gramaticais dentro
da sentença. A constituição desses elementos dêiticos se dá pela apontação para lugares espe-
cíficos no espaço, os quais remetem a referentes diferentes. O mesmo se vê na Libras:

1 BELLUGI, U. et al. The acquisition of syntax and space in young deaf signers. In: Language
Development in Exceptional Circumstances. Churchill Livingston, 1988.
2 BELLUGI, U.; KLIMA, E. S. The acquisition of three morphological systems in American Sign
Language. Papers and Reports on Child Language Development 21, 1a -35. Palo Alto, CA: Stanford
University Press, 1982.

Libras e sistema braille 45


3 Particularidades das línguas de sinais

Os nominais introduzidos no discurso da Libras podem ser associados a pon-


tos específicos no espaço da sinalização. Esses pontos no espaço passam a fa-
zer referência aos referentes que o introduziram. Essa associação dos referentes
com um local no espaço é chamada de Determinante Nominal. O uso adequa-
do dos Determinantes Nominais é o primeiro passo para o estabelecimento da
concordância verbal e para o uso dos demais mecanismos sintáticos espaciais.
(QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010, p. 3)
Os nominais de que as autoras falam são o que você, estudante, deve conhecer por subs-
tantivo. O termo nominais é empregado porque é isso que esses elementos são – nomes. Pense
nas palavras casa, gato, time, Curitiba, João, morte, vida, todas elas nomeiam algo – seja objeto,
ser, lugar ou evento da natureza. Na Libras, quando um nominal é introduzido no discurso,
por exemplo, casa, ele é introduzido num ponto específico do espaço determinado pelo sinali-
zador. Estabelecida essa relação com um ponto no espaço, toda vez que o sinalizador quiser se
referir a esse mesmo nominal introduzido anteriormente no discurso, ele empregará a aponta-
ção para o espaço que havia determinado para tal referente, como no exemplo abaixo.

Figura 3 – Sinais “casa” e “ir para casa”.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

A associação entre nominais e um ponto no espaço pode ocorrer, conforme Quadros,


Pizzio e Rezende (2010), tanto com referentes presentes quanto com referentes não pre-
sentes no contexto do discurso. Com referentes presentes, a apontação para eles é o que os
introduz no discurso, tal como acontece no estabelecimento dos pronomes de primeira e
segunda pessoa. Nesse caso, é a própria localização do referente no espaço (aquilo sobre
o qual o sinalizador fala) que determina para qual ponto do espaço o sinalizador deve
apontar. Observe:

46 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
Figura 4 – Pronomes usados com referentes presentes.

Sinalizante Sinalizante Sinalizante

Receptor Receptor

Receptor

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

A ilustração representa o estabelecimento de formas pronominais com referentes presen-


tes, isto é, primeira (eu) e segunda (tu/você)3 pessoa. Desse modo, a localização no espaço do
receptor da mensagem é que determina para onde o sinalizador deve apontar para empregar
o pronome tu/você. Igualmente, para empregar o pronome eu, para se referir a si mesmo, o
sinalizador deve apontar para o próprio peito, conforme demonstrado na figura acima.
Quanto ao emprego dos pronomes de terceira pessoa, as relações estabelecidas são mais
complexas, posto que eles desempenham funções anafóricas e dêiticas e podem envolver
referentes que não estão presentes durante a produção do discurso. Em relação à diferença
do uso da apontação e do espaço no caso de o referente estar presente ou não, tem-se que:
Os pronomes de terceira pessoa usados para fazer referência às pessoas que estejam
presentes no contexto do discurso são sinalizados apontando-se diretamente ao referente.
Quando o referente não estiver presente, ou temporariamente ausente, a apontação é dire-
cionada a um local espacial arbitrário, ao longo do plano horizontal, defronte ao corpo do
sinalizador. Da mesma forma, a apontação pode ser usada para referir a objetos e lugares no
espaço. A referência anafórica requer que o sinalizante aponte (olhe ou gire o corpo) a um
local previamente estabelecido, isto é, após a introdução de um nominal correferente a um
ponto estabelecido no espaço, este ponto no espaço referir-se-á àquele nominal, mesmo de-
pois de outros sinais serem introduzidos no discurso. (BELLUGI; KLIMA, 19824; PETITTO,
1987; LOEW, 1984, apud QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010, p. 4)
Para melhor compreender o estabelecimento de referência à terceira pessoa com refe-
rentes ausentes, analise a ilustração a seguir.

3 Embora as gramáticas tradicionais indiquem o você como pronome de tratamento – e não como
pronome pessoal –, que corresponde à forma de terceira pessoa (o verbo concorda no singular – você
vai), no português do Brasil ele é usado como pronome pessoal de segunda pessoa em muitas varie-
dades linguísticas regionais, como na variedade de Curitiba, São Paulo, Mato Grosso do Sul etc. Em
Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, o que se observa é a convivência entre as duas formas (tu/
você), sendo que alguns falantes desses estados ainda fazem diferenciação entre o uso de você como
pronome pessoal e como pronome de tratamento.
4 Op cit. 1-35. Palo Alto, CA: Stanford University Press.

Libras e sistema braille 47


3 Particularidades das línguas de sinais

Figura 5 – Pronomes usados com referentes ausentes.

Interlocutor

João Maria

Receptor

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Observe que “João” e “Maria” não estão presentes durante a conversa entre interlocu-
tor e receptor. Então, para se referir a eles, o sinalizador escolhe um ponto no espaço à sua
direita para fazer menção a “João” e um ponto à sua esquerda para fazer menção a “Maria”.
Nesse caso, a escolha do local para apontação é arbitrária, isto é, não há uma causa que mo-
tive o uso do espaço à direita para referir “João” e à esquerda para referir “Maria”. Todavia,
daí não se deve concluir que os pontos associados aos referentes não presentes são distribuí-
dos aleatoriamente no espaço:
Conforme Loew (1984:15), um sinalizante não distribui os pontos aleatoriamente
no espaço, pois existem restrições na seleção do local. Raramente os pontos são
estabelecidos de forma arbitrária, pois o sinalizante sempre procurará associar o
local real do referente ao local no espaço. Os pontos serão arbitrários com refe-
rentes abstratos. Podem também ser para referentes descritos individualmente
não interagindo com outros. Os pontos arbitrários também são usados se o si-
nalizante desconhecer a relação espacial real relevante para falar sobre alguém
ou alguma coisa. Os pontos arbitrários são estabelecidos em um local neutro do
espaço da sinalização e, em geral, são distribuídos no espaço de forma a serem
amplamente diferenciados. Os pontos podem estar acima ou abaixo do espaço
neutro relacionados com a localização “real” dos referentes. Veja que este “real”
depende sempre da perspectiva de quem está produzindo e vendo os sinais.
(QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010, p. 5)
De acordo com Quadros, Pizzio e Rezende (2010), Baker e Cokely (1980, p. 206-209), por
meio de figuras, demonstraram muito bem as relações espaciais para referentes presentes
e não presentes, apontando o uso do olhar como determinante para identificar a referência
pronominal empregada pelo sinalizador. A seguir você encontra uma sequência de figuras
retiradas de Quadros, Pizzio e Rezende (2010) que pretende esclarecer o uso do espaço para
estabelecer as formas pronominais da Libras. Analise-as com calma, repare na disposição do
interlocutor e do receptor, bem como na representação dos demais envolvidos no contexto
discursivo. Considere que o emprego do olhar – representado pela linha pontilhada – sem-
pre indica a pessoa com quem o interlocutor trava o diálogo, já a linha não pontilhada indica
para quem o interlocutor está apontando:

48 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
Figura 6 – Pronome de segunda pessoa (tu/você).

C B

Sinalização

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Figura 7 – Pronome de terceira pessoa (ele/ela). Figura 8 – Pronome de segunda pessoa (tu/você).

A A

C B C B

Sinalização
Sinalização

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Figura 9 – Pronome de primeira pessoa do plural (nós).

C B

Sinalização

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Libras e sistema braille 49


3 Particularidades das línguas de sinais

Como você pode depreender da sequência de figuras apresentadas, as línguas de sinais


têm formas diversas de estabelecer os referentes em pontos específicos ao redor do corpo
do sinalizante. Segundo Quadros, Pizzio e Rezende (2010), a contribuição de Baker e Cokely
(1980) em relação a essa propriedade da ASL – que se estende a outras línguas de sinais,
como a Libras – foi de apontar as regras que devem ser respeitadas no estabelecimento de
pontos no espaço como recursos de referência:
Por exemplo, se o sinalizante quiser descrever um evento passado e quiser contar
algo relacionado a tal evento, ele estabelecerá um local no espaço havendo relação
entre os participantes, o tempo e o evento no local real. Este é chamado por Baker
e Cokely (op.cit: 223) de Princípio Real. Quando o local do evento, pessoa ou obje-
to é desconhecido, o Princípio Real não pode ser seguido. Assim, estabelecem-se
locais observando-se um padrão alternado [...]. Se o receptor estiver à esquerda
ou à direita, os locais serão estabelecidos no lado oposto [...]. Nesses casos aplica-
-se o Princípio de ordem dos referentes com localizações desconhecidas. (BAKER;
COKELY, 1980, p. 224, apud QUADROS, PIZZIO, REZENDE, 2010, p. 9)
As figuras a seguir exemplificam o que é dito pelas autoras no excerto anterior:
Figura 10 – Representação de referentes com Figura 11 – Representação de referentes com
localização desconhecida por meio do padrão localização desconhecida por meio do uso do
alternado. lado oposto.

Ref. 2 Ref. 1

Sinalizante
Sinalizante

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Ainda com relação ao uso do espaço para referentes, Quadros, Pizzio e Rezende (2010)
apresentam a proposta de Liddell (2000), que apresenta três tipos de usos do espaço nas
línguas de sinais:
I. espaço real – o referente que se procura representar participa do ambiente físico
real no qual ocorre a situação de comunicação;
II. espaço token – o referente que se pretende representar diz respeito à terceira pes-
soa, são referentes não presentes na situação de comunicação, representados sob a
forma de um ponto fixo no espaço físico;
III. espaço sub-rogado – o referente tem relação com uma cena de evento que já tenha
acontecido ou está por acontecer, sendo representado visualmente por uma espécie
de encenação.

50 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
O uso do espaço, além de ser muito importante para instaurar o recurso da referência
pronominal e da anáfora, é imprescindível também no emprego de verbos direcionais que
apresentam concordância, que, em relação ao ponto do espaço tomado, é realizada do se-
guinte modo:
a. 1.ª pessoa: próximo ao corpo do sinalizante;
b. 2.ª pessoa: na direção do receptor determinado pelo contato do olhar com o re-
ceptor real ou marcado discursivamente;
c. 3.ª pessoa: o marcador de concordância terá o mesmo ponto no espaço neutro assi-
nalado à 3.ª pessoa (PADDEN, 19835, p. 15, apud QUADROS, PIZZIO, REZENDE,
2010, p. 13).
De acordo com Quadros, Pizzio e Rezende (2010, p. 14), como exemplo desse tipo de
verbo na Libras pode-se citar ENTREGAR. A concordância, assim como a indicação de re-
ferentes, excetuando a primeira pessoa (que é fixa), pode tomar diversas possibilidades de
localização no espaço. Considere, a seguir, os exemplos fornecidos pelas autoras a partir da
concordância do verbo ENTREGAR:

Figura 12 – Concordância do verbo entregar.

eu - ENTREGAR - você eu - ENTREGAR - ele (a) ele(a)- ENTREGAR - eu

você - ENTREGAR - você você - ENTREGAR - ele(a) ele(a) - ENTREGAR - eu


Fonte: IESDE BRASIL S/A.

5 PADDEN, C. Interaction of Morphology and Syntax in ASL. 1983. Dissertation (Doctoral) -


University of California, San Diego, 1983.

Libras e sistema braille 51


3 Particularidades das línguas de sinais

Note que o sujeito e o objeto do verbo ENTREGAR são marcados a partir do ponto de
onde parte o sinal e do ponto onde ele culmina. Se o sinal parte do corpo do próprio sinali-
zador, o sujeito é EU, se o sinal parte de um ponto no espaço associado à terceira pessoa, o
sujeito é ELE(A). Da mesma forma, se a realização do sinal termina no corpo do sinalizador,
o objeto do verbo é EU (equivalente em português a para mim ou me, a depender do con-
texto) onde parte o sinal e do ponto onde ele culmina. As autoras observam também que:
Com alguns outros verbos que apresentam concordância é a orientação da palma
da mão que indica o sujeito e/ou objeto da sentença. Isso normalmente ocorre
com verbos que usam as duas mãos. Em tais casos há uma mão dominante e a
orientação dessa mão determinará as relações gramaticais. Na Libras o mesmo
fenômeno é observado com verbos como AJUDAR e ENSINAR. A orientação
desses verbos estará voltada para o interlocutor (2.ª pessoa) ou para quaisquer
outras pessoas do discurso seguindo os possíveis espaços reais, tokens ou sub-
-rogados. (QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2010, p. 14)
Finalmente, ainda no campo da concordância verbal, o espaço é utilizado para marcar
uma ação realizada por duas pessoas ou dois objetos ao mesmo tempo, são os chamados ver-
bos recíprocos, em que ambas as mãos são empregadas, como ilustram as imagens abaixo:

Figura 13 – Uso do espaço para fazer a concordância dos verbos recíprocos.

“Eles se olharam”. “Nós nos olhamos”.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

A seguir, você entenderá como os gestos são usados nas línguas de sinais como recurso
linguístico. Como você poderá constatar, entrecruzam-se aí também a questão do espaço e
da apontação, a qual é um gesto também.

3.2 A gestualidade na Libras

Os gestos não são uma particularidade das línguas de sinais, haja vista que nas línguas
orais os gestos também são empregados durante a produção da fala.

52 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
Todavia, apenas nas línguas de sinais se pode dizer que os gestos ganham estatuto lin-
guístico, enquanto nas línguas orais eles apenas acompanham o conteúdo verbal do que está
sendo dito. Nas línguas de sinais também há gestos sem valor linguístico, que apenas acom-
panham, como se fossem um complemento, o conteúdo verbal sinalizado. Para exemplificar
este emprego, relembre a discussão sobre o estabelecimento dos pronomes pessoais na Libras,
realizado por meio do gesto de apontação. Esse é um caso em que o gesto não acompanha o
conteúdo verbal, ele é o conteúdo verbal, e, nesse caso, ele deixa de ser um gesto e passa a ser
encarado como um sinal, um signo linguístico próprio das línguas de sinais.
Segundo Anater (2009), o processo de incorporação de gestos como signos linguísticos
nas línguas de sinais é muito frequente e tem motivado pesquisas e discussões na tentativa
de definir quanto de linguístico ou de gestual há nesses elementos:
A primeira pesquisadora a tentar identificar as diferenças entre gestos e sinais
foi Emmorey (1990).
Para ela, a maior diferença está em os sinais não serem produzidos de maneira
livre, idiossincrática ou espontânea. Mesmo que alguns gestos possuam regula-
ridades, para ser incorporado à LS precisa ser entendido e analisado do ponto de
vista de um sinalizante. É comum também a produção dos gestos faciais ou cor-
porais que são articulados simultaneamente aos sinais manuais (muito comum
de serem realizados em narrativas). Os sinalizantes produzem gestos manuais
que são alternados com os sinais e esses gestos são frequentemente icônicos,
podendo também ser metafóricos e tendem a ser mais convencionais, com pro-
priedades específicas de tempo, mesmo que não tenham relação com um sinal
lexical. (ANATER, 2009, p. 32)
De acordo com Anater (2009, p. 31), para um gesto chegar ao patamar de sinal, ele passa
por um processo de gramaticalização, “o qual, nas LSs, acontece de maneira peculiar, uma
vez que gramaticalizar um gesto ou uma marca não manual é, em princípio, uma possibili-
dade única e exclusiva das línguas de modalidade gesto-visual”.
Como dito anteriormente, a relação de sinais e gestualidade leva à discussão dos limites
entre o que é linguístico ou gestual nos gestos, mas também em relação a muitos sinais. Essa
discussão ocorre em função de quão motivados – icônicos – são certos sinais, levando ao
questionamento da transparência do signo e do significado e seus limites. Sobre a origem,
motivação e iconicidade de certos sinais, vale a pena considerar a explicação que se segue:
A organização dos sinais nas línguas de sinais se mistura com a organização dos
gestos, pois se apresentam na mesma modalidade, diferentemente das línguas
faladas. Nessas línguas, quando analisamos um sinal, observamos as formas
com que se apresentam as mãos e os movimentos associados a elas. Os gestos são
visuais e representam a ação dos atores que participam da interação por meio
da imitação do ato simbolizando as relações com as coisas. As línguas de sinais
aproveitam esse potencial dos gestos trazendo-o para dentro da língua, fazendo
com que sinais visuais representem palavras envolvendo a organização da lín-
gua. Um exemplo produtivo dessa característica é o uso de classificadores. Este

Libras e sistema braille 53


3 Particularidades das línguas de sinais

fenômeno linguístico é uma representação visual de objetos e ações de forma


quase que transparente, embora apresente características convencionadas de for-
ma arbitrária. Parece que houve um processo do gestual para o gramatical, man-
tendo algumas das características do primeiro e tornando-se parte do sistema
linguístico das línguas de sinais. (QUADROS; PIZZIO, REZENDE; 2009, p. 15)

Figura 14 – Representação de “casa”.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Muitos sinais são influenciados pela forma visual concreta dos objetos a que se referem,
tal como o sinal de CASA. É nesse sentido que se fala de iconicidade, posto que a forma lin-
guística (significante) do sinal é motivada pela identidade visual do objeto ao qual o signo
(significante + significado) faz referência. Quadros, Pizzio e Rezende (2009) trazem o relato
sobre o estudo de Klima e Bellugi (1979), no qual a possível iconicidade de alguns sinais, em
diferentes línguas de sinais, é analisada detalhadamente. A conclusão a que a pesquisa chegou
foi que mesmo em sinais que se parecem visualmente com o objeto a que fazem menção a
natureza do significante é considerada arbitrária, tal como a dos demais sinais que não apre-
sentam tal similaridade. Para explicar a conclusão da pesquisa de Klima e Bellugi (1979), as
autoras Quadros, Pizzio e Rezende (2009), com base em Quadros (1997), afirmam que:
[...] apesar de apresentarem certa transparência para um determinado grupo de
usuários, para outro não indica o objeto em si. Diferentes línguas de sinais apresen-
tam variadas formas de representar os objetos lexicalizando-as, isto é, submetendo
a representação visual às condições de formação de palavras que são específicas de
sua língua. Assim, um sinal que tipicamente é melhor representado gestualmente
com duas mãos, poderá ser representado com uma única mão porque nesta língua
essa determinada classe tipicamente utiliza uma única mão. Ou seja, a ideia que
está sendo discutida aqui é a de que a gestualidade das línguas de sinais é submeti-
da às regras dessas línguas quando passa a fazer parte da língua. Os demais gestos
são apenas gestos, assim como encontrados nas línguas faladas.
A questão do emprego do espaço e da gestualidade e a forma como são exploradas pelo
sinalizador são importantes critérios, como se verá na próxima seção, para determinar se
uma dada sinalização se aproxima ou se distancia do que se poderia chamar de uma forma
culta/padrão da Libras.

54 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
3.3 Formalidade x informalidade

Atualmente, não se pode dizer que exista uma norma culta da Libras registrada em algu-
ma gramática prescritiva, como há a norma culta do português, determinada por gramáticas
prescritivas e pela literatura nacional. No entanto, qualquer sinalizador fluente da Libras que
conviva num meio social letrado, que tenha um grau de instrução superior ao ensino básico
e/ou que represente ou conheça representantes e pesquisadores das comunidades surdas não
deixa de avaliar a sinalização de outras pessoas em termos de nível de formalidade – formas
de sinalização mais próximas do que se poderia chamar um padrão culto da Libras – e infor-
malidade – formas de sinalização mais distantes desse padrão culto virtual.
Claro que com os avanços do surdo e dos usuários da Libras nos mais diversos campos
do saber e de atuação política, artística etc. uma norma culta da Libras se encontra em pro-
cesso de formação, a qual espera-se, num futuro não muito distante, seja registrada. Mas, se
não há ainda um instrumento a consultar que seja o exemplo de norma culta a ser seguido
ou não – isso depende das circunstâncias em que se dá a comunicação –, como os usuários
da Libras, descritos anteriormente, julgam a formalidade ou informalidade de um discurso?
Em Silva, Rodrigues e Lima (2008), parte-se do pressuposto da composicionalidade
entre os fatores linguísticos, supralinguísticos e extralinguísticos para determinação da
variação discursiva nos níveis de formalidade e informalidade dos usuários da Libras. Os
fatores linguísticos se verificam na aderência das prescrições normativas dos constituintes
fonológicos, morfológicos, semânticos, sintáticos bem como no uso de vocabulários menos
prosaicos. Os fatores supralinguísticos se manifestam pela altura vocal, entonação, eloquên-
cia, oratória, e, como a Libras apresenta uma produção gestual, é necessário averiguar sua
equiparação ao parâmetro movimento (tamanho e velocidade) e à proporção do campo de
enunciação, ou seja, o espaço neutro utilizado (local de sinalização, em frente ao corpo).
Desse modo, existe uma tendência em associar discursos informais a sinalizações que se
valem de um maior campo espacial para produzir os sinais, estabelecer os referentes e mar-
car a concordância. Tanto é assim que a recomendação que intérpretes e tradutores surdos
recebem ao proceder na tradução do português para a Libras em contextos formais é que
apenas o espaço compreendido na área em frente ao corpo, do topo da cabeça ao nível do
quadril, seja explorado, de forma que quanto menores forem os movimentos do corpo, tanto
melhor. Exemplificando: para colocar um referente à sua direita, o intérprete não precisa
dar um passo para a direita, deslocando-se de sua localização inicial, mas apenas fazer uma
leve torção do tronco para direita e “colocando” aí os referentes. A gestualidade excessiva,
o recurso à pantomima e encenação também são vistos como índice de discursos informais.
Por fim, os fatores extralinguísticos se constituem das reações corporais do sinalizador,
adequação da sua vestimenta à situação de interação e, se possível, de modo a contrastar
com o ambiente onde a comunicação verbal tomará lugar, e o nível de intimidade entre os
envolvidos no ato de comunicação. Essas são características que também se verificam no
estabelecimento de situações de comunicação formal e informal nas línguas orais. Desse
modo, tanto em línguas orais quanto em línguas de sinais, determinar quão próximo ou

Libras e sistema braille 55


3 Particularidades das línguas de sinais

distante se deve ficar da norma culta da língua passa por fatores como: com quem se fala,
onde se fala, o que se fala e quais os objetivos a serem alcançados na conversa, se é uma
situação de comunicação que se pretende perene ou não, entre outros.

Ampliando seus conhecimentos

Gestualidade
(LEITE, 2008, p. 33-41)

Até os estudos de Stokoe (1960), a própria Linguística não havia escapado do


senso comum no modo como enxergava o meio de comunicação dos surdos.
O que chamamos “língua de sinais” era antes tido como uma forma de lin-
guagem universal, icônica e/ou pantomímica, sem o tipo de estruturação que
sabemos ser característico das línguas humanas. Desde os estudos de Stokoe,
então, um esforço considerável por parte dos pesquisadores das LSs tem sido
feito no sentido de demonstrar que essas línguas, assim como as LOs, com-
partilham as propriedades básicas das línguas naturais, como produtividade
e a arbitrariedade (SAUSSURE, 1970).

Pode-se dizer que esse esforço não foi em vão e que, hoje, o estatuto linguís-
tico das LSs já se mostra amplamente aceito, pelo menos dentro da comu-
nidade linguística. Como visto nas seções acima, que trazem uma amostra
pequena porém ilustrativa do que tem sido feito na área, os pesquisadores
das LSs foram capazes de demostrar de que maneira os diferentes níveis de
análise que integram o estudo das LOs podem se manifestar em línguas de
modalidade distinta. Tal demonstração, contudo, não esteve livre de exces-
sos. No esforço de conferir estatuto científico às LSs, algumas caracterís-
ticas patentes do uso dos sinais, tais como a gradiência, a iconicidade e a
motivação foram varridas para debaixo do tapete, em favor de análises que
valorizavam a discrição e a arbitrariedade típicas das gramáticas normati-
vas e descritivas tradicionais das LOs.

É interessante notar, nesse sentido, que o questionamento sobre o cará-


ter puramente discreto e arbitrário da gramática das LSs não tenha par-
tido do próprio campo, tendo sido impulsionado pelo desenvolvimento
de teorias emergentes no âmbito das próprias LOs, em análises sobre a
relação entre língua e gesto (e.g. Kendon, 1980; McNeill, 1992) e língua e
cognição (e.g. Langacker, 1987; Lakoff e Johnson, 1991).

56 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
Das próprias LOs, em análises sobre a relação entre língua e gesto (e.g. Kendon,
1980; McNeill, 1992) e língua e cognição (e.g. Langacker, 1987, 1991; Lakoff; e
Johnson, 1980; Lakoff, 1987; Fauconnier, 1985). Dessas teorias emergem algu-
mas lições que tiveram um impacto profundo sobre os estudos das LSs: a) a
gestualidade é parte integrante do uso vivo da língua e revela-se intimamente
relacionada aos aspectos prosódicos e semânticos da fala; b) a arbitrariedade
do signo não implica uma ausência de motivação, mas sim o papel da conven-
ção sempre seletiva que cada comunidade linguística faz de sua experiência;
e c) todo o nosso conhecimento abstrato (incluindo o gramatical) é construído
sobre um conhecimento mais primitivo e concreto que, por sua vez, é cons-
truído a partir de nossa interação corporal e social com o mundo.

Livres dos mitos e preconceitos sobre a relação entre língua e gesto, e


livres da responsabilidade de ter que demostrar que as LSs eram iguais
às LOs em todos os seus níveis de análise, muitos pesquisadores da área
iniciaram então uma investigação séria sobre as possíveis diferenças entre
LSs e LOs, e os resultados têm trazido uma nova luz sobre problemas que
permaneceram por muito tempo obscuros na área – além de contribuir
com uma nova perspectiva sobre questões relacionadas às próprias LOs.

Como consequência, hoje dispomos de uma perspectiva renovadora


sobre a fonologia, a morfologia, a sintaxe e prosódia das LSs, que pode
ser contraposta a um olhar sobre a gramática marcadamente enviesado
pela cultura ocidental, culta e letrada.

Na fonologia, a análise revolucionária de Stokoe sobre a capacidade


recombinativa de unidades mínimas dos sinais permaneceu em sua
essência inalterada, com exceção das reformulações necessárias para dar
conta da sequencialidade dos sinais.

E, consequentemente, dos processos fonológicos e morfológicos observáveis.


Contudo, alguns pesquisadores têm hoje questionado a natureza dessas uni-
dades mínimas, ou traços, que entram na composição do sinal: seriam eles, de
fato, destituídos de sentido, embora capazes de distinguir sentidos?

A figura 1 a seguir mostra três sinais da Libras: ÁRVORE, PENSAR e


FATIAR. Olhando-os, é impossível negar a sua dimensão icônica. Em
ÁRVORE, podemos identificar o solo (representado pela mão passiva), o
tronco (representado pelo antebraço da mão/braço ativo) e a copa (repre-
sentada pela mão ativa), o que revela a alta iconicidade da configuração
das mãos e da sua disposição espacial. Em PENSAR, podemos identificar,
pelo lugar em que o sinal é realizado, a região à qual atribuímos o ato de

Libras e sistema braille 57


3 Particularidades das línguas de sinais

pensar (representada pela própria cabeça), o que revela a alta iconicidade


do ponto de articulação. Em FATIAR, podemos identificar o objeto cortante
(representado pela configuração de mão ativa em “B”), o objeto cortado
(representado pela mão passiva em “C”) e ação de cortar (representada
pelo movimento da mão ativa, em relação à mão passiva), o que revela
a alta iconicidade não apenas da configuração de mão, mas também do
movimento do sinal e do ponto de articulação (a lateral da mão passiva).
Figura – Sinais da Libras com alto grau de iconicidade.

ÁRVORE. PENSAR.

FATIAR.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Esse processo de construção de sinais fazendo uso de recursos icônicos


é altamente produtivo nas LSs, e está também presente nas LOs, embora
de maneira bem mais limitada (TAUB, 2000). Taub propõe, então, um
“modelo de construção analógico” para dar conta desse fenômeno pro-
dutivo, que envolve três dimensões distintas: seleção de imagem, esque-
matização e codificação.

[...]

58 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
O incrível potencial de representação icônica nas LSs parece poupar essas
línguas da necessidade de construir sentidos por meio de recursos pelos
quais esses dois domínios sejam relativamente simples nas LSs, quando
comparados às LOs de maneira geral. Essa rica exploração icônica da ges-
tualidade e do espaço imediato para a veiculação de sentidos nas LSs tem
servido de base de explicação para dois outros importantes fenômenos
relativos a esses âmbitos de análise: os verbos indicadores e os verbos
descritivos (LIDDELL, 2003a).

Verbos indicadores são também conhecidos como “verbos direcionais”,


“verbos de concordância”, “verbos de flexão”, entre outros. Trata-se de
verbos que indicam o sujeito e o objeto da ação pela maneira como o seu
movimento e orientação são realizados no espaço. Por exemplo, o sinal
CONTAR, em sua forma de menção, parte do corpo do sinalizador em
direção ao espaço neutro. Contudo, essa forma nunca é encontrada na
sinalização natural, em que “aquele que conta” e “aquele para quem algo
é contado” devem obrigatoriamente ser indicados por meio do direciona-
mento do sinal no espaço. No caso de os referentes do sujeito e objeto esta-
rem presentes no ato de enunciação, o ponto de partida e de chegada do
sinal levará essa presença física dos referentes do verbo em consideração.
No caso de o referente estar ausente, um local no espaço será utilizado
para localizá-lo, e, a partir daí, esse local será utilizado como ponto de
referência para o direcionamento desses verbos.

Sob a perspectiva linguística majoritária no campo das LSs, de acordo com


a qual toda fonte de significado provém de morfemas, verbos dessa natu-
reza são considerados verbos de concordância. A proposta é a de que o
verbo concorde com o sujeito e o objeto por meio da alteração do ponto de
articulação inicial e final do sinal, cada um deles considerado um “mor-
fema de concordância”. Problemas nesse tipo de análise emergem quando
se tenta descrever sistematicamente os locais para onde os sinais são dire-
cionados (LIDDELL, 1990).

Segundo Liddell, cada verbo desse tipo carrega, como parte de sua especi-
ficação lexical, uma determinada altura em relação ao corpo do falante de
onde ele deve partir, e uma determinada altura no corpo do interlocutor
para onde deve apontar. Em situações enunciativas concretas, portanto,
cada sinal deverá ser apontado de maneira gradiente no espaço com a
altura dos interlocutores presentes – ou mesmo dos interlocutores que,
embora ausentes, estejam representados no espaço imediato.

Libras e sistema braille 59


3 Particularidades das línguas de sinais

Tomemos como exemplo o sinal OBEDECER da Libras, cujos pontos ini-


cial e final envolvem a região da testa. Contextualizando numa fala do
tipo “Você precisa me obedecer” (i.e. OBEDECER X→Y PRECISAR, con-
siderando-se “x” o referente sujeito e “y” o referente objeto), esse verbo
irá assumir diferentes pontos de articulação no espaço dependendo, por
exemplo, de os referentes correspondentes a “x” e “y” serem da mesma
altura ou não, estarem de pé ou sentados etc. Cada situação enunciativa
particular irá determinar, de acordo com as características do ambiente,
portanto, uma dimensão gramatical convencional, discreta e regrada
(relativa à configuração de mão, ponto de articulação, movimento e orien-
tação dos verbos), que é modificada por uma dimensão gestual, gradiente
e ad-hoc, que se mostra intimamente atrelada a cada situação enunciativa
particular – de uma maneira similar à que ocorre com pronomes como
“ele” acompanhados de gesto de apontamento no português. Tal análise,
ao ressaltar a importância do gesto na veiculação de sentidos na Libras,
desloca o fenômeno relativo a esses tipos de verbos do campo morfossin-
tático para o campo da dêixis de pessoa.

[...]

Dicas de estudo
Capítulo da “A linguagem verbal e a linguagem cinésica na comunicação
humana”. da dissertação: A Complementaridade entre Língua e Gestos nas
Narrativas de Sujeitos Surdos, de R. C. Correa. Disponível em: <www.tede.
ufsc.br/teses/PLLG0299-D.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2017.

Com a leitura desse texto, o aluno interessado poderá se aprofundar na


relação entre elementos gestuais e linguísticos nas línguas de sinais e tam-
bém nas línguas orais.

Artigo científico: “Mecanismos de coesão textual visual em uma narra-


tiva sinalizada: língua de sinais brasileira em foco”. Estudos Surdos IV.
Petrópolis, de Ronice Müller de Quadros e Marianne Rossi Stumpf da edi-
tora Arara Azul, 2009.

A leitura do texto é recomendada por explorar, mesmo que de forma


preliminar, o uso do espaço como recurso para a construção da coesão e
coerência textual em discursos da Libras. Em relação a Libras, é um dos
primeiros textos que procura trazer à tona os elementos empregados para
“amarrar” as sentenças na Libras em forma de texto.

60 Libras e sistema braille


Particularidades das línguas de sinais 3
Atividades
1. Em relação ao uso do espaço como recurso linguístico, qual fenômeno da Libras,
construído por meio do espaço, está na base da constituição do sistema pronominal
e da concordância verbal. Exemplifique.

2. Discuta se os sinais na Libras são icônicos ou arbitrários.

3. Discorra sobre como o emprego do espaço e da gestualidade influenciam no julga-


mento do nível de formalidade dos discursos da Libras.

Referências
ANATER, Gisele Iandra Pessine. As marcações linguísticas não manuais na aquisição da Língua
de Sinais Brasileira (LSB): um estudo de caso longitudinal. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. 160 p.
BAKER, C.; COKELY, D. American Sign Language: a teacher’s resource text on grammar and culture.
Silver Spring, MD: TJ Publishers, 1980.
KLIMA, E. ; BELLUGI, U. The Signs of Language. Cambridge: Harvard University Press, 1979.
LEITE, Tarcísio de Arantes. Gestualidade. In: LEITE, Tarcísio de Arantes. A segmentação da Língua de
Sinais Brasileira (Libras): um estudo linguístico descritivo a partir da conversação espontânea entre
surdos. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
LIDDELL, S. K. Indicating verbs and pronouns: pointing away from agreement. In: EMMOREY,
K; LANE, H. An Anthology to Honor Ursula Bellugi and Edward Klima. Mahwah, NJ: Lawrence
Erlbaum Associates, 2000, p. 303-320.
LILLO-MARTIN, D.; KLIMA, E. S. Pointing out differences: ASL pronouns in syntactic theory. In:
FISCHER, S. D.; SIPLE, P. Theoretical Issues in Sign Language Research, Vol. I: Linguistics. Chicago,
IL: The University of Chicago Press, 1990, p. 191-210.
PIZZIO, Aline Lemos; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira; QUADROS, Ronice Müller de. Língua Brasileira
de Sinais II. Material didático do curso de Letras Libras a Distância. Florianópolis: UFSC, 2009.
PIZZIO, A. L. et al. Língua Brasileira de Sinais III. Material didático do curso de Letras Libras a
Distância. Florianópolis: UFSC, 2010.
QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.
QUADROS, R. M.; PIZZIO, A. L.; REZENDE, P. L. F. Língua Brasileira de Sinais I. Material didático
do curso de Letras Libras a Distância. Florianópolis: UFSC, 2009.
_______. Língua Brasileira de Sinais IV. Material didático do curso de Letras Libras a Distância.
Florianópolis: UFSC, 2010.
SILVA, Lídia da; RODRIGUES, Cristiane Seimetz; LIMA, Keila Valério de. Níveis de (in)formalidade
na Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis, 2008. Anais do II Sinpel. Disponível em: <http://sinpel.
pbwiki.com>. Acesso em: 17 ago. 2010.

Libras e sistema braille 61


3 Particularidades das línguas de sinais

Resolução
1. Trata-se dos elementos dêiticos, que são construídos pela apontação para lugares
específicos no espaço, os quais remetem a referentes diferentes. Assim, apontar para
si mesmo resulta no uso do pronome EU, apontar para o receptor da mensagem re-
sulta no uso do pronome de segunda pessoa, apontar para quem ou o que é objeto da
conversa entre sinalizador e receptor implica no uso do pronome de terceira pessoa.
Da mesma forma, em verbos direcionais (com concordância) a direção de realização
do sinal indica o sujeito e o objeto do verbo. Como exemplo, pode-se citar a concor-
dância de ENTREGAR em que o sujeito é a terceira pessoa (El@) – o sinal parte do
ponto estabelecido como referente a terceira pessoa – e o objeto indireto a segunda
pessoa (tu/você) – o sinal culmina no ponto do espaço em que o receptor se encontra.

2. Os sinais pertencentes à Libras, na condição de signos linguísticos, são arbitrários.


Isso independentemente de apresentarem forma linguística semelhante à do objeto
que fazem referência, já que, como afirmam Quadros, Pizzio e Rezende (2009), a re-
presentação visual dos objetos, ao ser lexicalizada, respeita as condições de formação
de palavras específicas de cada língua, ou seja, a gestualidade que motiva a criação
de certos sinais é submetida a regras, as quais são arbitrárias.

3. Resposta mínima deve contemplar que existe uma tendência em associar discursos
informais a sinalizações que se valem de um maior campo espacial para produzir os
sinais, estabelecer os referentes e marcar a concordância, bem como o emprego de
gestualidade excessiva, pantomima e encenação.

62 Libras e sistema braille


4
Propriedades
linguísticas da Libras
Cristiane Seimetz Rodrigues
Flávia Valente

Uma criança em fase de aquisição linguística se assemelha a um linguista, obser-


vando o idioma, tirando conclusões, descobrindo as regras gerais e as exceções a essas
regras. No entanto, o linguista, frente à criança em aquisição, vê-se em desvantagem,
pois o processo da criança é natural, não há um esforço sistemático e organizado, ela
vai descobrindo sua língua materna naturalmente, intuitivamente, e, sobretudo, não
se vê influenciada sobre conceitos preconcebidos em relação à língua. O linguista, por
outro lado, precisa lidar com seus “pré-conceitos”, deve evitar que eles influenciem
a sua análise, mesmo quando se trata do estudo do próprio idioma. Ele precisa se
debruçar sobre a língua estudada munido de ferramentas e teorias. Nesse sentido, seu
aprendizado sobre a língua tem muito pouco de intuitivo, posto que é construído sis-
tematicamente, por meio de seu esforço.

Isso é necessário porque a criança em fase de aquisição e linguistas procuram um


conhecimento linguístico diferente. Aquelas constroem um conhecimento implícito
que lhe permite usar a língua, estes, um conhecimento explícito de modo que possam
falar sobre a língua, explicar como é usada. “Mas o que tudo isso tem a ver com o
estudo pretendido para esta aula?”, você deve estar se perguntando.

Libras e sistema braille 63


4 Propriedades linguísticas da Libras

Nesta aula, espera-se de você um comportamento como o do linguista, no sentido de


procurar conhecer as regras de estruturação de uma dada língua, evitando os conceitos
preconcebidos e esforçando-se por construir um conhecimento explícito daquilo que já sabe
de maneira intuitiva. A partir desta aula, sua tarefa será esforçar-se para traduzir num saber
organizado e claro o seu conhecimento intuitivo sobre a fonologia, a morfologia e a sintaxe
da Libras.

4.1 Fonologia

4.1.1 Nível fonológico


Nesse momento, é importante que você entenda como se organiza a fonologia da
Libras e por que é possível falar em fonologia da Libras, já que a fonologia, a grosso
modo, é o estudo dos sons. Para tanto, é necessário discutir do que trata o estudo fono-
lógico em geral, pois isso permitirá desvendar por que razão uma língua visual pode ser
estudada no nível fonológico.

4.1.1.1 O que é fonologia?


As línguas orais – o português, por exemplo – se manifestam por meio de sons, não
todo e qualquer som, mas apenas aqueles relacionados à fala. Há duas perspectivas de es-
tudos sobre os sons das línguas: a fonética e a fonológica. Na primeira perspectiva, são pri-
vilegiadas as características físicas e fisiológicas da produção do som, sem se ater à questão
se esses sons são distintivos. Assim, por exemplo, interessa à fonética descrever do ponto de
vista acústico, articulatório etc. a diferença entre os fones [d] e [d], mas não é de sua alçada
discutir se estes fones são distintivos em português. Essa última tarefa é responsabilidade da
perspectiva fonológica, que aponta entre os inúmeros sons produzidos no ato de fala aque-
les “que a língua usa para diferenciar palavras” (MAIA, 1991, p. 19), ou seja, os fonemas.
Resumidamente, então, o objeto de estudo da fonética é o fone e o da fonologia, o fonema.
Para clarificar a distinção entre esses dois objetos, é útil considerar o excerto abaixo:
Há várias definições de fonema [...]. O que todas elas têm em comum é ver o fo-
nema como uma abstração, uma entidade que se manifesta através de segmentos
fonéticos mas não é necessariamente idêntica a eles. Assim, podemos dizer que
em português /t/ e /d/ são fonemas que se realizam foneticamente como [t] ou
[t]] e [d] ou [d], respectivamente. (MAIA, 1991, p. 19)
Pelo citado acima, pode-se entender que os fones são as manifestações concretas dos fo-
nemas, sendo que um fonema pode ter mais de uma manifestação fonética. Dessa forma, ao
adquirir sua língua materna, uma das primeiras tarefas da criança é aprender quais os fo-
nemas de sua língua, ou seja, quais sons implicam em palavras diferentes. E ela o faz com
grande sucesso, dos dois aos quatro anos de idade se apropria do acervo fonológico de sua
língua, não importando quão sofisticado ele seja. Pelo excerto acima, você deve entender que

64 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
o trabalho da criança, embora natural, não é exatamente fácil. Afinal, o que ela ouve todos os
dias, de seus pais, parentes, e tantas outras pessoas que a circundam, não são os fonemas, mas
sim os fones. Para ilustrar, considere palavras como julho, tomate e toalha, que são pronun-
ciadas de maneiras diferentes a depender de pessoa para pessoa: [ → (julhu) →
(juliu) → (tomate) → (tomatchi) → (tumatchi)  
→ (toalha) → (toalia)] → (tualha) → (tualia).
Isso significa que de todas as pronúncias que ouve, a criança deve distinguir quais im-
plicam em significado diferente, em que posição da palavra e a partir disso depreender
quais os fonemas de sua língua, isto é, quais as formas subjacentes por trás dos fones. Assim,
uma criança aprende, inconscientemente, que as pronúncias [e] e [] correspondem ao fone-
ma /e/, podendo se alternar sem acarretar mudança de significado, desde que não estejam
em posição final em sílaba tônica, como em sede [], de ter sede de algo (água, vingança
etc.), e sede [], de ser sede de algo (um fã-clube, um time de futebol etc.). Frente a isso,
é preciso considerar que o linguista não dispõe do tempo da criança (dois anos em média),
nem procura um conhecimento como o dela. Afinal, se estiver estudando a fonologia da
própria língua, ele já domina seus fonemas, sabe quais distinguem significados e quais não,
mas a questão é como formular em termos de explicações esse domínio.
Isso pode ser feito por meio da troca de um som por outro dentro de um mesmo con-
texto; se o resultado for a mudança de significado da palavra, trata-se de um fonema. Caso
contrário, não havendo mudança de significado com a troca do som num mesmo contexto,
está-se diante de um fone. Assim, a troca de /p/ por /b/ em /porrada/ leva a /borrada/, sendo
que a mudança de significado revela que /p/ e /b/ são fonemas. Agora, na palavra bichano, a
depender da região do Brasil ou de pessoa para pessoa, o /i/ pode ser pronunciado como [e]
ou como [], respectivamente [] e [], sem que haja mudança de significado,
tratando-se, portanto, de fones e não fonemas. Daqui por diante, no estudo da fonologia da
Libras, esse será o critério adotado para determinar o que se encontra no campo fonológico
e o que pertence ao fonético. Desse modo, se a mudança de um elemento na composição de
um sinal levar à mudança de significado, esse elemento será tomado como um segmento
fonológico, senão, como uma realização fonética. Provavelmente, neste ponto, você deve
estar pensando: “Mas fonologia e fonética não estudam o som? Como analisar a Libras, uma
língua visual, nesses termos?”. Esse questionamento é uma preocupação válida, por isso é
abordado na próxima seção, que trata sobre a organização fonológica da Libras.

4.1.1.2 A organização fonológica da Libras


Conhecer como uma língua se organiza é imprescindível para a execução de muitas
tarefas práticas e úteis, além, é claro, do prazer imanente de estudar e apreender algo. No
caso da Libras, o estudo de seu nível fonológico é útil na sistematização de como são for-
mados os sinais, o que pode ser usado no ensino dessa língua, seja na condição de segunda
língua ou na de primeira língua. É útil também à elaboração de um sistema de escrita e
seu respectivo ensino.

Libras e sistema braille 65


4 Propriedades linguísticas da Libras

Desde o seu surgimento, a linguística se ocupa do estudo de línguas orais. As teorias, aná-
lises e descrições por ela fornecidas são resultado da observação de línguas orais. Apenas mui-
to recentemente, a partir de 1960, com o trabalho de William Stokoe sobre a língua de sinais
americana (ASL), os estudos linguísticos voltaram seu olhar às línguas visuais. A princípio,
tentou-se usar nomenclaturas diferentes no estudo das línguas de sinais, que não remetessem
ao conhecimento já produzido para as línguas orais. Mas essa tentativa foi frustrada, pois des-
necessária. Logo os linguistas se deram conta que, por se tratarem de línguas naturais como as
orais, as línguas de sinais podiam ser analisadas por meio dos instrumentos de estudo criados
pela Linguística até então, como se pode depreender do excerto abaixo:
Apesar da diferença existente entre línguas de sinais e línguas orais, no que
concerne à modalidade de percepção e produção, o termo “fonologia” tem sido
usado para referir-se também ao estudo dos elementos básicos das línguas de
sinais. [...] O argumento para a utilização desses termos (fonema e fonologia) é
o de que as línguas de sinais são línguas naturais que compartilham princípios
linguísticos subjacentes com as línguas orais, apesar das diferenças de superfície
entre fala e sinal. (KLIMA1; BELLUGI, 1979; WILBUR2, 1987; HULST3, 1993 apud
QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 48)
É possível dizer que som e imagem são os recursos representacionais de que se va-
lem línguas orais e visuais para comunicar, codificar mensagens. Da mesma forma como
as línguas orais podem ser decompostas em vários níveis, desde os com significado até o
nível em que não há significado, as línguas de sinais também podem. Assim, por exemplo,
a língua portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais formulam mensagens complexas por
meio do arranjo de palavras em frases. As palavras são formadas por meio dos morfemas,
os quais se originam da combinação de fonemas. Estes são considerados as menores unida-
des da língua, mas desprovidas de sentido. São esses elementos que, isolados, não possuem
significado, os responsáveis pela sofisticação de qualquer língua natural, uma vez que eles,
mesmo finitos, possibilitam a criação infinita de outras estruturas. Essas unidades menores,
sem significado isoladamente, os fonemas, são encontradas na Libras, à medida que essa
língua forma um número infinito de sinais a partir de cinco elementos, portanto, finitos: os
parâmetros para a formação de sinais.
O primeiro parâmetro é a configuração de mão (CM), o qual diz respeito à forma dada
às mãos para a formação do sinal. Segundo Felipe (2001), a Libras apresenta 64 CMs, as quais
podem dar origem a sinais da Libras, podendo empregar uma mão, duas mãos com a configu-
ração de mão diferente, ou também duas mãos, mas ambas com configurações de mão iguais.
A seguir, você encontra a relação de configurações de mão levantadas pela autora:

1 KLIMA, E.; BELLUGI, U. The Signs of Language. Cambridge: Harvard University, 1979.
2 WILBUR, R. American Sign Language: linguistic and applied dimensions. San Diego, California:
College Hill Press, 1987.
3 HULST, H. V. D. Units in the analysis of signs. In: Phonology 10. Cambridge: Cambridge
University, 1993.

66 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
Figura 1 – Configuração de mão da Libras.

1 2 3 4 5 6 7 8a 36 37a 37b 38 39 40 41 42

8b 9 10 11 12 13 14 15 43 44 45 46a 46b 47 48 49

16 17 18a 18b 19 20 21 22a 50 51a 51b 52 53a 53b 54 55

56 57 58 59a 59b 60 61 62
22b 23 24 25 26 27 28 29a

29b 30 31 32 33 34 35a 35b 63 64

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

O segundo parâmetro tem a ver com o espaço onde o sinal será realizado, podendo ser
no próprio corpo do sinalizador ou no espaço neutro (espaço “vazio” em frente ao corpo do
sinalizador, precisamente entre a cabeça e o quadril) e pode ser chamado de ponto de arti-
culação (PA) ou locação (L). O movimento (M) realizado no sinal é o terceiro parâmetro, há
inúmeros tipos de movimento, alguns serão tratados na próxima seção, quando da análise
de configurações de mão. O quarto parâmetro concerne à orientação (O) da palma da mão
na realização do sinal. Ela pode estar voltada para cima, para baixo ou para o corpo de quem
sinaliza, para fora, para a esquerda e para a direita. O último parâmetro trata-se da expres-
são facial e corporal (EFC) que acompanha o sinal. Todos esses parâmetros, sozinhos, não
significam nada, são apenas distintivos entre si. Porém, ao se combinarem, formam sinais.
Sob essa perspectiva, o sinal de saudade é realizado com uma mão, que assume a CM núme-
ro 1 do quadro apresentado por Felipe (2001). O PA é o peito do sinalizante, o M é circular, a
O é da palma para dentro e a EFC é a de uma pessoa sentindo saudade. Veja o sinal:

Figura 2 – Combinação de sinais para expressar a palavra “saudade”.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Então, por meio da combinação dos cincos parâmetros é que os sinais se formam, pois
eles são os traços distintivos das línguas de sinais: “A noção de traços distintivos nas lín-
guas de sinais dá-se no sentido de que cada sinal passa a ser visto como feixe de elementos
básicos simultâneos, que formam uma CM, um M e um L e que, por sua vez, entram na

Libras e sistema braille 67


4 Propriedades linguísticas da Libras

formação de itens lexicais” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 62). Desse modo, ao deixar
conceitos preconcebidos para trás, é que se pode pensar e constatar que o estudo fonológico
da Libras é tão viável quanto o de uma língua oral.

4.2 Morfologia

4.2.1 Nível morfológico


Até aqui, você já aprendeu que a Libras é uma língua natural, como qualquer língua
oral, e que ela apresenta níveis de análise. Dessa forma, o nível fonológico da Libras, assim
como nas línguas orais, é composto pelas menores unidades sem significado da língua, mas
distintivas entre si, sendo que a junção desses elementos menores sem significado resulta nos
morfemas, o objeto de estudo desta seção. Comparativamente ao nível fonológico, o estudo do
nível morfológico na Libras apresenta menos material linguístico para análise. Segundo Leite
(2008, p. 26), “ao passo que a fonologia das línguas de sinais parece se constituir como um de
seus níveis mais poderosos [...], a morfologia, diferentemente, parece ser um nível de análise
significativamente limitado quando comparado com línguas como o português”.
Essa limitação de que fala Leite é natural, não deve ser entendida de modo negativo.
Trata-se apenas da diferença entre como cada língua se organiza. A morfologia do portu-
guês, por exemplo, se comparada à do latim, é considerada limitada, tendo em vista a rique-
za morfológica dessa língua. Todavia, se comparada à morfologia do chinês, a do português
é riquíssima, uma vez que a língua dos chineses é monomorfêmica, isto é, todas as palavras
são constituídas de um único morfema, não podem ser segmentadas em elementos menores.
Esclarecido isso, a proposta deste estudo é que você conheça o nível de análise mor-
fológico de forma geral, compreenda o conceito de palavra e se aproprie dos processos de
formação de palavras na Língua Brasileira de Sinais.

4.2.1.1 O que é morfologia?


Geralmente, ouve-se falar de morfologia já na escola, no Ensino Fundamental. Nas au-
las sobre gramática, a morfologia é definida como o campo de estudo que aborda a estrutura
interna das palavras, ou, simplesmente, o campo responsável por estudar como as pala-
vras são formadas e quais suas classes. Em linhas gerais, essa concepção de morfologia não
está errada, pois é verdade que o limite do universo de análise da morfologia é a palavra.
Todavia, se não houver clareza sobre o que é uma palavra, sobre como identificá-la, essa
definição de morfologia como o estudo da formação e classificação de palavras cai por terra.
Na perspectiva de Sandalo (2001, p. 182), “a existência de palavras é assumida como
uma realidade pela maioria de nós, linguistas ou não. No entanto, não é simples definir o
que é uma palavra. [...] um dos problemas básicos é identificar critérios para definirmos
as unidades básicas de estudo”. Conforme a autora, qualquer um assume a existência de

68 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
palavras na língua. Do contrário, as pessoas não usariam expressões como guarde as mi-
nhas palavras, medir as palavras, palavra de rei não volta atrás, entre outras. Da mesma forma,
qualquer falante do português responderia afirmativamente à pergunta sobre se inconsti-
tucionalissimamente é uma palavra do português, mas diria não se tratar de uma palavra do
português a forma filocapoaderitarmo. Esse é um julgamento implícito, que permite saber
ao falante o que é e o que não é uma palavra de sua língua. Mas é preciso que haja crité-
rios claros ao se empreender um estudo linguístico da morfologia de qualquer língua. Por
isso, a seguir é apresentado o caminho de discussão empreendido por Sandalo (2001) para
demilitar que critérios seriam esses.
Segundo Sandalo, identificar as palavras com o seu significado não ajuda, pois construtor
e aquele que constrói apresentam o mesmo significado, entretanto, o primeiro se trata de uma
palavra e o segundo de uma sentença. A autora argumenta que critérios fonológicos também
não resolvem o problema de identificar palavras, pois é “impossível elaborar um teste baseado
em critérios fonológicos que possa ser categoricamente aplicado para qualquer língua para
sabermos se estamos lidando com uma palavra ou frase” (SANDALO, 2001, p. 182).
Diante de tais impasses, critérios sintáticos são empregados para identificar e definir
o que é uma palavra, pois esses critérios, até onde se sabe, funcionam bem em qualquer
língua. Assim, uma sequência de sons somente pode ser definida como uma palavra se (i)
puder ser usada como resposta mínima a uma pergunta e se (ii) puder ser usada em várias
posições sintáticas (SANDALO, 2001). Nesse sentido, maçã é uma palavra, pois serve de
resposta mínima a uma pergunta e pode ser usada em várias posições sintáticas, tal como
apontado nos exemplos a seguir:

1. De que fruta você gosta?


― Maçã.
2. Eu prefiro maçã verde à maçã argentina.
― Maçã verde é a que eu prefiro.

Com base nesses critérios, chega-se à definição de que palavra é a unidade mínima que
pode ocorrer livremente. Definido o conceito de palavra, tem-se em mãos a unidade máxima
da morfologia, já que esta se interessa por saber como se estruturam as palavras, em identi-
ficar quais os menores elementos dotados de significado que compõem uma dada palavra.
Isso implica que as menores unidades de estudo da morfologia são os elementos dotados
de significado que entram na formação de uma palavra, os quais são denominados de mor-
femas. Sandalo (2001, p. 184) observa, após tal definição, que “apesar de muitas pessoas
afirmarem que a palavra é a unidade mínima que carrega significado, o morfema é que o é”.
A tarefa agora é entender o que a autora quer dizer sobre “unidade mínima que carrega
significado”, para que você possa, de fato, operar com o conceito de morfema. Para tanto,
observe os exemplos abaixo:

Libras e sistema braille 69


4 Propriedades linguísticas da Libras

3. Costureiro = aquele que costura.

4. Cozinheiro = aquele que cozinha.

5. Construtor = aquele que constrói.

6. Condutor = aquele que conduz.

Se perguntassem a você sobre a possibilidade de essas palavras terem sido formadas a


partir de outras palavras do português, você responderia afirmativamente, por reconhecer
que costureiro vem de costurar, cozinheiro de cozinhar, construtor de construir e condutor de con-
duzir. Em seguida, se perguntassem, por exemplo, que pedaço da palavra costureiro remete
ao significado de “aquele que faz algo”, presente também nos exemplos (4), (5) e (6), facil-
mente você identificaria se tratar do pedaço -eiro. Portanto, o acréscimo de -eiro às palavras
costurar e cozinhar acarreta o surgimento de um novo significado para essas palavras: o de
que existem pessoas que costuram e cozinham, chamando atenção para a noção de “aquele
que faz X”. Com isso, você pode concluir que -eiro e -tor são unidades mínimas das palavras
exemplificadas anteriormente que carregam significado. O mesmo pode ser dito do pedaço
que restou dessas palavras (costur-, cozinh-, constru-, condu-), pois são eles que lhe permitem
identificar o que é o “X” que a dada pessoa faz.
No caso discutido anteriormente, as unidades mínimas portadoras de significado apre-
sentadas carregam um significado que remete às coisas do mundo, significados que podem
ser expressos por outras palavras, por isso elas se chamam morfemas lexicais. Há casos em
que o significado codificado pelos morfemas não remete às coisas do mundo, mas à própria
língua, indicando funções gramaticais, ligações entre elementos dentro da sentença, sendo,
por conta disso, chamados de morfemas gramaticais. Os exemplos a seguir dão conta desse
tipo de morfema:

7.

a. Maria pegou emprestada a carteira de João e acabou perdendo a carteira dele.

b. Maria pegou emprestada a carteira de João pois acabou perdendo a carteira dela.

8.

a. João conseguiu um lugar para sentar.

b. João conseguiu uma cadeira para sentar.

9.

a. João e eu estávamos na festa, mas João levou o bolo.

b. João estava na festa, mas eu levei o bolo.

No caso de (7a), é possível saber que foi João quem perdeu a carteira por conta da con-
cordância, no masculino, apresentada pelo pronome dele, em que o -e marca o gênero mascu-
lino, ligando a carteira perdida ao João. Em (7b), pela presença do -a no pronome possessivo,
marcando gênero feminino, é possível saber que a carteira perdida foi a de Maria. No exemplo

70 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
(8), na primeira sentença, tem-se a forma um acompanhando o substantivo masculino lugar
quanto ao gênero, o que muda ao se trocar lugar por cadeira, substantivo feminino que acarreta,
por uma questão de concordância nominal, o acréscimo de -a, morfema de gênero feminino,
ao artigo indefinido um. Em (9a), o verbo estávamos concorda com o sujeito da sentença (João
e eu = nós) por meio do morfema -mos, sendo ele o pedaço do verbo responsável por fazer a
ligação gramatical entre o sujeito e o verbo. É por conta também dessa ligação que é possível
identificar em (9a) que o bolo foi levado por João, haja vista que o verbo levar concorda com
o sujeito de terceira pessoa do singular (João). Em (9b), os morfemas também fazem a ligação
entre o sujeito e o verbo, conforme depreendido pelo destaque no exemplo. Se pensar bem
sobre os exemplos, você poderá concluir que neste caso o aparecimento dos morfemas é mo-
tivado para cumprir um papel sintático na frase, estabelecendo ligações entre os constituintes
da sentença, tendo, para tanto, que flexionar-se, no sentido de adaptação mesmo. Assim, já
que esses morfemas se adaptam, se flexionam para indicar determinadas relações sintáticas,
eles são chamados também de morfemas flexionais, ou apenas de flexão, ou, para o caso especí-
fico dos morfemas que fazem concordância verbal, são chamados também de desinência verbal.
Por fim, importa observar que, além de flexões encarregadas de informar a pessoa e o
número (isto é, se é primeira, segunda ou terceira pessoa do singular ou do plural), por isso
chamadas de flexão ou desinência número-pessoal, há também os morfemas acrescidos aos
verbos responsáveis por informar o tempo verbal – passado, presente, futuro – da situação
expressa na sentença e o modo do verbo, se indicativo, subjuntivo ou imperativo, estes são
chamados de flexão ou desinência modo-temporal. Quando um morfema desempenha mais
de uma função gramatical, diz-se que ele é cumulativo, posto que acumula funções.
Uma vez esclarecido o conceito de “menores unidades que carregam significado”, de
morfemas lexicais e gramaticais, pode-se passar à exposição dos dois ramos de estudo da
morfologia: o derivacional e o flexional que serão estudados a seguir.

4.2.1.2 Processos de formação de palavras


Nesta seção, a intenção é conhecer os processos pelos quais novas palavras, sinais, são
criadas nas línguas de sinais. Para o início dessa exposição é conveniente considerar que:
As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de criação de novos sinais em que
as unidades mínimas com significado (morfemas) são combinadas. Entretanto,
as línguas de sinais diferem das línguas orais no tipo de processos combinatórios que
frequentemente cria palavras morfologicamente complexas. Para as línguas orais, pa-
lavras complexas são muitas vezes formadas pela adição de um prefixo ou sufixo
a uma raiz. Nas línguas de sinais, essas formas resultam frequentemente de processos
não concatenativos em que uma raiz é enriquecida com vários movimentos e contornos no
espaço de sinalização. (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 87, grifo nosso)
Por meio do excerto há duas afirmações possíveis sobre a criação de sinais na Libras. A
primeira delas é que o processo de incorporação de morfemas parece ser o principal meio,
posto que é o mais frequente, de criação de sinais na Libras. A segunda afirmação depreen-
dida é que, embora não frequentemente, processos concatenativos também são empregados

Libras e sistema braille 71


4 Propriedades linguísticas da Libras

na formação de novas palavras na Libras. Além desses recursos explicitados pelas autoras, há
ainda a composição, que consiste em unir duas palavras independentes para formar uma nova
palavra. Em português, palavras como guarda-chuva, maltratado, benquisto ilustram o processo
de composição, os substantivos compostos como são chamados pela gramática tradicional.
Em língua de sinais, a palavra escola é formada por dois sinais independentes casa e estudar.
Esse processo é bastante comum na Libras e em outras línguas de sinais. Nas seções a seguir,
os processos de derivação, incorporação e composição serão analisados no que concerne às
línguas de sinais, uma vez que os estudos realizados sobre os referidos temas foram feitos na
língua americana de sinais (ASL), mas são descrições válidas também para a Libras.

4.2.1.3 Derivação na língua de sinais


De maneira simplificada, pode-se assumir que a derivação na Libras consiste em criar
um novo sinal para utilizar o significado de um sinal já existente num contexto que requer
uma classe gramatical diferente. Na Libras, um exemplo bastante comum desse tipo de pro-
cesso morfológico, que se trata de concatenação, é o que deriva nomes de verbos.
O sinal SENTAR, um verbo, que se constitui de um único morfema, quando combina-
do com um movimento repetido e mais curto, forma o substantivo CADEIRA. Nesse caso,
o sinal foi formado por um processo de derivação, em que um morfema lexical (o sinal
SENTAR) se une a um morfema gramatical (o movimento). Esse processo em que um nome
é derivado de um verbo é denominado nominalização. Observe que em português cadeira
não deriva de sentar, são dois vocábulos primitivos, isto é, que não derivaram morfologica-
mente de outro. Isso acontece porque as línguas são diferentes, uma língua pode escolher
derivar um nome de um verbo enquanto outra, para expressar a mesma relação semântica,
pode empregar vocábulos primitivos.
Quadros e Karnopp (2004, p. 97) explicam que, em Libras, um nome pode derivar de
um verbo por meio da repetição e do encurtamento do movimento desse verbo. Observe a
diferença nesse parâmetro, o do movimento, nos exemplos fornecidos a seguir.

Figura 3 – A derivação de palavras expressa por movimentos.

SENTAR. CADEIRA.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

72 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4

OUVIR. OUVINTE.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

TELEFONAR. TELEFONE.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Nos casos ilustrados anteriormente, os sinais da direita são os primitivos, os que dão
origem aos da esquerda, chamados de derivados. Você perceberá que os sinais da esquerda
resultam da modificação do parâmetro movimento, pois todos os outros parâmetros (confi-
guração de mão, ponto de articulação e orientação da mão) são mantidos. Então, a repetição
ou reduplicação de um parâmetro (o movimento) do sinal base (primitivo) leva à criação de
novos sinais, os produtos (derivados) do processo de derivação.
Em resumo, a Libras, por meio da derivação morfológica, “cria novas unidades a partir
de formas já existentes, apresentando a tendência de repetir ou mudar o movimento na
estrutura segmental da forma-base, enquanto mantém as outras unidades – locação, confi-
guração e orientação de mão – inalteradas” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 101).

4.2.1.4 Incorporação nas línguas de sinais


Outro processo de formação de palavras é por meio da incorporação. Na Libras, é co-
mum a incorporação de numeral para formar novos sinais. Nesse processo, a configuração
de mão que representa o numeral se combina com outro morfema preso para formar um
sinal. Por exemplo, no sinal de DOIS-MESES, apenas a configuração de mão se modifica,
havendo o acréscimo de um dedo à configuração de mão utilizada para formar o sinal MÊS.
Essa incorporação, no caso do sinal de MÊS, para indicar a quantidade de meses pode ir até
quatro, conforme ilustrado.

Libras e sistema braille 73


4 Propriedades linguísticas da Libras

Figura 4 – Incorporação de numeral para indicar a quantidade de meses.

UM-MÊS. DOIS-MESES.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

TRÊS-MESES. QUATRO-MESES.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

O fenômeno da incorporação também se verifica em alguns sinais que têm a negação


incorporada em sua constituição. Para tanto, um dos parâmetros do sinal é alterado, em
especial o parâmetro do movimento. Em alguns casos, altera-se somente a expressão facial
do sinalizador. Os sinais NÃO-TER e NÃO-QUERER, verifique a seguir, são exemplos de
incorporação de negação através da alteração do movimento.

Figura 5 – Incorporação de negação em verbos.

TER NÃO TER


Fonte: IESDE BRASIL S/A.

74 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4

QUERER. NÃO-QUERER.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

4.2.1.5 Composição nas línguas de sinais


A composição é um processo para formação de palavras que emprega expedientes sin-
táticos, já que os compostos são formados pela justaposição de palavras independentes na
língua. A especificidade da formação de novos vocábulos por meio da composição se encon-
tra no fato de que, diferentemente da derivação, ela permite categorizações cada vez mais
particulares. Com base nessa especificidade, os compostos, ao unirem duas palavras inde-
pendentes, servem à nomeação ou à caracterização de seres, objetos, sentimentos, podendo
realçar características peculiares dos mesmos.
Nesse processo, não raro, o significado dos compostos acaba se desligando dos elemen-
tos que os formam, isso quer dizer que o afastamento do significado do todo do significado
das partes no processo de composição é natural. Nesse sentido, as partes do todo guarda-chu-
va não mantêm a mesma proximidade de significado que as partes de guarda-roupa mantêm
com o todo. Em guarda-roupa, o significado isolado de guardar e roupa ainda está presente
no composto, ainda é possível falar numa composição de significado em que é possível ver
a contribuição das duas partes. Já em guarda-chuva, o significado isolado das partes está
mais distanciado do significado do composto, já que, diferentemente de guarda-roupa, não
se pode dizer que o significado de guarda-chuva é aquilo que guarda a chuva, na verdade, é
o que protege alguém da chuva, pense também em compostos como pé de moleque, girassol,
madressilva, louva-a-deus.
Entendido no que consiste a composição, é hora de você se familiarizar com as regras
morfológicas para a criação de compostos na língua de sinais. Essas regras foram observa-
das durante a descrição do processo de composição na ASL e podem ser verificadas também
na Libras, como demonstra o trabalho de Quadros e Karnopp (2004). De acordo com as
autoras, que citam Liddel (1984), são três as regras morfológicas para a formação de sinais
compostos: (i) a regra do contato; (ii) a regra da sequência única; e (iii) a regra da antecipação
da mão não dominante.
A regra do contato determina que se os sinais formadores do composto apresentam
contato, o primeiro, o segundo ou o único contato é mantido. Assim, num composto em que

Libras e sistema braille 75


4 Propriedades linguísticas da Libras

apenas o primeiro sinal apresenta contato, esse contato tende a permanecer. Se o primeiro
sinal do composto não tem contato, mas o segundo tem, esse contato tende a ser mantido.
No caso de ambos os sinais que formam o composto apresentarem o contato, este pode per-
manecer nos dois sinais ou em apenas um deles. Um exemplo dessa regra na Libras é o com-
posto correspondente a igreja (CASA^CRUZ), em que ambos os sinais apresentam contato,
que é mantido na realização do composto, como pode se verificar na ilustração:

Figura 6 – Composição de “casa” e “cruz” para representar “igreja”.

IGREJA.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

A regra de sequência única dá conta do fenômeno de que na composição de sinais o


movimento interno ou a repetição do movimento dos sinais isolados são eliminados na com-
posição, que apresenta apenas um movimento. Isso é exemplificado por Quadros e Karnopp
(2004) por meio do sinal para pais, que em Libras é formado pela junção dos sinais de pai e
mãe, os quais, isoladamente, apresentam movimento repetitivo, mas no composto a repeti-
ção do movimento de cada sinal é eliminada, observe.

Figura 7 – Representação de “pai”, “mãe” e “pais”.

PAI. MÃE. PAIS.


Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Finalmente, a regra de antecipação da mão não dominante estabelece que, em compos-


tos envolvendo uma mão ativa e uma passiva, a mão passiva antecipa o segundo sinal no
processo de composição. “Por exemplo, no sinal composto BOA + NOITE, observa-se que a
mão não dominante aparece no espaço neutro em frente ao sinalizador com uma configura-
ção de mão que envolve o sinal composto.” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 104). Dito de

76 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
outra forma, isso quer dizer que a mão passiva não pode entrar no sinal composto depois de
a mão ativa já ter iniciado o sinal, ela tem de estar lá desde o início, esperando o contato da
mão ativa sobre ela. Analise os exemplos fornecidos:

Figura 8 – Exemplos de sinais compostos.

BOA-NOITE.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

ACREDITAR. NÃO-ENTENDER.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

No caso do sinal BOA-NOITE, é fácil entender por que ele é composto, já que se po-
dem distinguir muito bem o sinal BOM e o sinal NOITE. Já em relação aos compostos
ACREDITAR (em português se trata de uma palavra simples) e NÃO-ENTENDER (em por-
tuguês equivale a uma frase) “enxergar” os sinais que os compõem não é tão simples. Assim,
repare na ilustração que o sinal ACREDITAR é composto pelos sinais SABER + ESTUDAR e
o sinal NÃO-ENTENDER é formado pela união de SABER e NADA.

4.2.1.6 Flexão nas línguas de sinais


A Língua Brasileira de Sinais, de acordo com Quadros e Karnopp (2004), apresenta
vários processos de flexão. Identificada, geralmente, como uma mudança no parâmetro do
movimento, o qual é visto como um acréscimo à raiz do sinal.
O primeiro caso a ser apontado é o da flexão utilizada para marcar as referências
pessoais nos verbos com concordância: nem todos os verbos da Libras apresentam con-
cordância. O referente é realizado por meio da apontação para diferentes locais no espaço,
estabelecidos para identificá-los quando estes não estão presentes no discurso. No caso de
referentes presentes, a apontação é direcionada para a posição real do referente. Observe
os exemplos em glosas e em sinais:

Libras e sistema braille 77


4 Propriedades linguísticas da Libras

Figura 9 – Uso da apontação para indicar referentes presentes.

PAGAR PARA MIM. PAGAR PARA ELE. PAGAR PARA TI.

PAGAR PARA ELES.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Na Libras também há, segundo as autoras, a flexão que indica o singular, o dual, o trial
e o múltiplo, trata-se, portanto, da flexão de número. Entre as várias formas de os subs-
tantivos e verbos apresentarem a flexão de número, uma é a diferenciação entre singular e
plural, feita por meio da repetição do sinal. No caso de verbos com concordância, a flexão de
número refere-se à distinção feita para um, dois, três ou mais referentes. Repare nos casos a
seguir a repetição do sinal:

Figura 10 – Flexão para indicar singular e plural.

ÁRVORE.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

78 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4

ÁRVORES.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

ENTREGAR PARA DOIS


ENTREGAR PARA UM. INDIVIDUALMENTE.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

ENTREGAR PARA TRÊS ENTREGAR PARA VÁRIOS


INDIVIDUALMENTE. INDIVIDUALMENTE.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Os substantivos e adjetivos da Libras apresentam distinções para “menor”, “mais próxi-


mo”, “muito”, “maior” etc., apresentando, portanto, na perspectiva das autoras, a flexão de grau.

Libras e sistema braille 79


4 Propriedades linguísticas da Libras

Figura 11 – Flexão de grau.

CARRINHO.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

CARRO. CARRÃO.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Além das flexões já apontadas na Libras, há em Quadros e Karnopp (2004) a flexão para
o aspecto verbal, que, grosso modo, informa como decorreu a situação referida na sentença,
se durou ou não, se se repetiu etc. Essa informação é dada também pela alteração no parâ-
metro movimento do sinal raiz. Observe a diferença de sinalização entre:

Figura 12 – Flexão para indicar aspecto verbal.

EU CRESCER progressivo FICAR ADULTO.


Fonte: IESDE BRASIL S/A.

80 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4

EU CRESCER, FICAR ADULTO.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Em relação ao gênero, Ferreira-Brito (1995) afirma que não há marcação morfológica


no sinal. Fernandes (2003) enfatiza que marcação de gênero não é relevante, a não ser que
o gênero seja a questão em discurso. Nesse caso, são usados os itens lexicais HOMEM ou
MULHER associados aos sinais.

4.3 Sintaxe

4.3.1 Nível sintático


O objetivo, nesse momento, é fornecer fundamentos sintáticos que contribuam para a
compreensão dos interessados em questões linguísticas sobre as regras de estruturação da gra-
mática da Libras. Para tanto, discute-se a visão de sintaxe subjacente ao trabalho de Quadros
e Karnopp (2004), obra-base para a explanação aqui elaborada sobre a estrutura sintática da
Libras. Além disso, você vai poder refletir sobre diferentes abordagens de análise linguística.
Tenha em mente, durante tal reflexão, que não existe uma abordagem mais correta do que a
outra, mas apenas explicações mais adequadas conforme os objetivos que se tem em mente.
Você verá, por exemplo, que se a intenção for respeitar a norma culta de uma dada língua, a
Gramática Tradicional serve muito bem, no entanto, se o objetivo for saber por que determina-
das ordenações sintáticas são possíveis e outras não, então ela não pode ajudar.

Libras e sistema braille 81


4 Propriedades linguísticas da Libras

O objetivo, nesse momento, é fornecer fundamentos sintáticos que contribuam para a


compreensão dos interessados em questões linguísticas sobre as regras de estruturação da gra-
mática da Libras. Para tanto, discute-se a visão de sintaxe subjacente ao trabalho de Quadros
e Karnopp (2004), obra-base para a explanação aqui elaborada sobre a estrutura sintática da
Libras. Além disso, você vai poder refletir sobre diferentes abordagens de análise linguística.
Tenha em mente, durante tal reflexão, que não existe uma abordagem mais correta do que a
outra, mas apenas explicações mais adequadas conforme os objetivos que se tem em mente.
Você verá, por exemplo, que se a intenção for respeitar a norma culta de uma dada língua, a
Gramática Tradicional serve muito bem, no entanto, se o objetivo for saber por que determina-
das ordenações sintáticas são possíveis e outras não, então ela não pode ajudar.

4.3.1.1 O que é sintaxe?


Na visão da Gramática Tradicional, conforme Berlinck, Augusto e Scher (2003), o termo
sintaxe remete à parte da gramática dedicada à descrição do modo como as palavras são
combinadas para compor sentenças, sendo essa descrição organizada sob a forma de regras.
Estas são obtidas por meio do arrolamento de um grande número de autores consagrados,
a partir dos quais são listadas, sob a denominação de regras, as formas empregadas por
eles para combinar e organizar as palavras em sentenças e as sentenças em texto. Algumas
dessas regras, inclusive, são bem conhecidas. Pense no caso da regra que estabelece a ordem
direta (sujeito-verbo-complementos) para a organização dos constituintes da sentença.
Contudo, essa visão de sintaxe – entendida como regra do bem falar e do bem escrever
– para os propósitos desta aula, não interessa. Na verdade, interessa à discussão a ser em-
preendida aqui uma visão de sintaxe que não é “uma”, mas duas. Isso porque definir o que
vem a ser sintaxe varia do ponto teórico sobre o qual o pesquisador se posiciona em relação
a como concebe as noções de linguagem e língua.
Duas grandes correntes pelas quais as análises seguem são o formalismo e o funciona-
lismo. A abordagem formalista se dedica a questões relacionadas à estrutura linguística (na-
tureza de seus constituintes e relação entre eles), sem dar atenção às relações entre a língua e
o contexto no qual está inserida, uma vez que considera a língua como um objeto de estudo
em si mesmo, autônomo e autossuficiente. Por tal razão, nessa abordagem, toda análise
linguística é feita considerando-se e enfatizando-se a sentença. No funcionalismo, a língua,
ou melhor, a linguagem, é vista como um sistema não autônomo, nascido da necessidade de
comunicação entre os membros de uma comunidade. Em virtude de a comunicação ser, na
visão funcionalista, uma função essencial da linguagem, determina o modo como a língua é
estruturada. Por isso, nessa abordagem, a análise da língua deve considerar tanto o falante
quanto o ouvinte e as necessidades da comunidade linguística.
Cada pesquisador, ao se debruçar sobre o estudo de uma dada língua, trilhará um
caminho ou outro. Em relação à Língua Brasileira de Sinais, a publicação mais conhecida
sobre sua estruturação, referência para muitos outros pesquisadores desta língua e para a
elaboração de cursos de Libras – inclusive de graduação e pós-graduação –, é o Língua de
Sinais Brasileira: estudos linguísticos, de Ronice Müller de Quadros e Lodenir Becker Karnopp.

82 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
As autoras trabalham numa perspectiva formalista, mais especificamente na linha da
Gramática Gerativa. Portanto, muito do que será abordado nesta aula deriva da leitura das
autoras, que, não se pode esquecer, olham para a Libras de um ponto de vista formal, procu-
rando, a partir do estudo de sentenças dela – e este é um conceito que deverá ser retomado
–, estabelecer quais são os constituintes desta língua e como eles se organizam. Antes de
proceder à exposição da sintaxe da Libras, é necessário que você, estudante, familiarize-se
com o programa gerativista.

4.3.1.2 A sintaxe espacial


Ao tratar da análise linguística da sintaxe da Libras, Quadros e Karnopp (2004, p. 127)
advertem que para cumprir tal tarefa é preciso que o interessado “enxergue” “esse sistema
que é visual-espacial e não oral-auditivo.” Em relação a isso, as autoras argumentam: “[d]e
certa forma, tal desafio apresenta certo grau de dificuldade aos linguistas; no entanto, abre
portas para as investigações no campo da Teoria da Gramática enquanto manifestação pos-
sível da capacidade da linguagem humana” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 127).
Por ser uma língua espaço-visual, a Libras “monta” suas sentenças distribuindo os
constituintes (sinais) de uma determinada maneira no espaço, sendo que relações espaciais
específicas são empregadas para desempenhar variados papéis gramaticais. Um exemplo é
o de identificação de referentes no discurso. Na Libras, os referentes (eu, ele, você, nós, eles,
relações anafóricas etc.), presentes fisicamente ou não, são identificados por sua associação a
uma localização no espaço, sendo que diferentes recursos podem ser empregados. A seguir,
são ilustradas as possibilidades apresentadas pelas autoras:
• fazer o sinal em um local particular (nesse caso, o sinal é produzido no local esta-
belecido para o referente com o qual estabelece relação);

Figura 13 – Sinal produzido no local estabelecido para o referente.

CASA (do João). CASA (do Pedro).

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Libras e sistema braille 83


4 Propriedades linguísticas da Libras

• direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma localização par-


ticular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou com a apontação para
o substantivo;

Figura 14 – Referente indicado pelo movimento da cabeça e dos olhos.

CASA. IX (Casa).

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

• usar a apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico (por exemplo,


apontar para um ponto “a” associando esta apontação com o sinal de CASA; assim
o ponto “a” passa a referir casa);

Figura 15 – Indicação do referente pela apontação.

IX (Casa).

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

84 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
• usar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular quando a
referência for óbvia4;

Figura 16 – Apontação ostensiva em um local particular.

X (Casa) NOVA.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

• usar um classificador (que representa aquele referente) em uma localização particular;

Figura 17 – Uso de classificador em localização particular.

CARRO CL (carro passou um pelo outro).

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

4 Provavelmente, por óbvia as autoras querem significar que a referência é do conhecimento dos en-
volvidos na situação de comunicação, isto é, faz parte do conhecimento compartilhado dos indivíduos
em interação.

Libras e sistema braille 85


4 Propriedades linguísticas da Libras

• usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referentes previa-


mente introduzidos no espaço (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 126-129).

Figura 18 – Uso de verbo direcional para indicar o referente.

(eu) IR (casa).

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Agora que você já conhece um pouco mais do uso do espaço e outros recursos para
estabelecer relações sintáticas na Libras, pode se dedicar, com menos dificuldade, à com-
preensão da ordem sintática nessa língua, tema da próxima seção.

4.3.1.3 A ordem sintática na Libras


Por ordem sintática, deve-se ter em mente os possíveis arranjos que os constituintes to-
mam dentro de uma determinada sentença. Em outras palavras, isso significa que a ordem
das palavras pode variar dentro de uma sentença. Considere os exemplos abaixo:

(1) Eu encontrei a pessoa que você procurava por acaso. (S-V-O-Adj)


(1a) Eu, por acaso, encontrei a pessoa que você procurava. (S-Adj-V-O)
(1b) Por acaso, eu encontrei a pessoa que você procurava. (Adj-S-V-O)
(1c) Eu encontrei, por acaso, a pessoa que você procurava. (S-V-Adj-O)
(1d) A pessoa que você procurava eu encontrei por acaso. (O-S-V-Adj)
(1e) Por acaso, a pessoa que você procurava eu encontrei. (Adj-O-S-V)

Essas são algumas possibilidades de variação da ordem dos constituintes na língua


portuguesa, considerada uma língua com pouca mobilidade se comparada a línguas como
o latim, alemão e a própria Libras, que mostra uma flexibilidade considerável na ordem
das palavras. É preciso ter em mente que os constituintes citados dizem respeito ao sujeito
(S), verbo (V) e objeto (O) das sentenças, sendo que os adjuntos (Adj) não são considerados
constituintes obrigatórios da estrutura sintática. Contudo, em algumas línguas, o português
por exemplo, os adjuntos apresentam maior mobilidade, podendo ocorrer na posição inicial

86 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
e final da sentença, entre o sujeito e o verbo e entre o verbo e o objeto. Em outras, como a
Libras, essa mobilidade é um tanto limitada, os advérbios de tempo e frequência, por exem-
plo, aparecem somente nas posições iniciais e finais.
A verdade é que no plano da expressão, do desempenho linguístico, cada língua escolhe
uma única ordem de palavras como dominante, que é a considerada básica ou canônica em
tal língua, a qual convive com outras possibilidades de organização. Tanto no português como
na Libras as sentenças SVO são muito naturais, sendo que exemplos com essa ordem são con-
siderados sempre gramaticais. Estudos (FELIPE, 1989; FERREIRA-BRITO, 1995 e QUADROS,
1999) apontam que a ordem básica da Libras é a SVO, sendo que a variabilidade da ordem
não é aleatória. Geralmente, ela é motivada pela interação de diferentes fenômenos sintáticos.

Ampliando seus conhecimentos

As línguas de sinais
(PIZZIO, 2006, p. 4-7)

A língua de sinais é a língua natural da comunidade surda. Ao contrário


do que muitas pessoas pensam, ela não é universal, e cada país possui sua
língua de sinais específica, que apresenta características distintas da língua
falada pela comunidade local. Como qualquer outra língua, possui gírias e
vocabulário diferente dependendo da região onde é usada. No Brasil, tem-
-se a língua de sinais brasileira (LSB), utilizada pela comunidade surda e
objeto de estudo nesta dissertação, e também a língua de sinais indígena da
tribo Urubu Kaapor (FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS, 1995).

Durante muito tempo, as línguas foram consideradas apenas como ges-


tos ou pantomima, incapazes de expressar conceitos abstratos. Até hoje,
ainda há muito preconceito e desconhecimento sobre as mesmas, princi-
palmente nos lugares onde a pesquisa nesta área ainda está iniciando e há
poucos profissionais pesquisando e difundindo seu trabalho, não só para
a comunidade acadêmica, como para a comunidade local em geral.

As línguas de sinais só foram reconhecidas como língua quando surgiu


um sistema de notação que pudesse representar a estrutura de seus sinais.

Segundo Hoiting & Slobin (2002). Os primeiros estudos que mencionam


as línguas de sinais datam da década de 1960, com os trabalhos sobre a
língua de sinais americana (ASL) realizados por Stokoe. Dessa forma, as
pesquisas sobre as línguas de sinais são muito recentes se comparadas às

Libras e sistema braille 87


4 Propriedades linguísticas da Libras

línguas faladas, que já possuem uma longa tradição. Além disso, a maioria
delas ainda não está totalmente descrita em seus níveis fonológico, morfo-
lógico e sintático e carecem de maior investigação. Com relação à LSB, as
pesquisas linguísticas ainda são escassas, e há necessidade de mais traba-
lhos na área para que se melhore a descrição da mesma. Entre os trabalhos
realizados destacam-se Ferreira-Brito (1995) e Quadros e Karnopp (2004).

Quanto à estrutura, tanto as línguas de sinais quanto as línguas faladas apre-


sentam as mesmas propriedades abstratas da linguagem, mas se opõem
fortemente na sua forma na superfície. Enquanto as línguas orais são apre-
sentadas na modalidade auditivo-oral, as línguas de sinais se apresentam
na modalidade visual-espacial. Apesar dessa diferença na modalidade de
percepção e produção entre línguas de sinais e línguas orais, o termo
“fonologia” é também utilizado para referir-se ao estudo dos elementos
básicos das línguas de sinais. Estas têm os mesmos princípios subjacentes
de construção que as línguas faladas, tendo à disposição um léxico, isto
é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática, ou seja, um
sistema de regras que regem o uso desses símbolos.

Segundo Quadros e Karnopp (2004), a diferença fundamental entre lín-


guas de sinais e línguas faladas diz respeito à estrutura simultânea de
organização dos elementos das línguas de sinais. Enquanto as línguas
orais apresentam uma ordem linear (uma sequência horizontal no tempo)
entre os fonemas, nas línguas de sinais além da linearidade, os fonemas
são articulados simultaneamente.

Os sinais são decompostos em três aspectos ou parâmetros que não car-


regam significados isoladamente. Assim, as unidades mínimas que cons-
tituem os sinais são: configuração de mão, locação da mão e movimento.

Dessa forma, uma mesma configuração de mão e um mesmo movi-


mento, mas com locação diferente resulta em mudança de significado for-
mando um par mínimo (como, por exemplo, os sinais para “aprender” e
“sábado”). Pares mínimos também são encontrados a partir das configu-
rações de mãos e dos movimentos, evidenciando, portanto, a existência
das unidades sem significado na língua que implicam em mudança de
significado da palavra. Análises mais recentes das línguas de sinais adi-
cionam mais dois parâmetros ao estudo da fonologia de sinais: a orienta-
ção da mão e as marcas não manuais (expressões faciais e corporais).

88 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
Quanto à morfologia, assim como as palavras em todas as línguas huma-
nas, os sinais pertencem a categorias lexicais ou a classes de palavras, tais
como nome, verbo, adjetivo, advérbio etc., as línguas de sinais têm um
léxico e um sistema de criação de novos sinais em que os morfemas (as
unidades mínimas com significado) são combinados. Porém, as línguas
de sinais se diferenciam das línguas faladas no tipo de processos com-
binatórios que cria palavras morfologicamente complexas. Nas línguas
orais, as palavras complexas são formadas, frequentemente, pela junção
de um prefixo ou sufixo a uma raiz. Já nas línguas de sinais, estas formas
resultam, muitas vezes, de processos não concatenativos em que um radi-
cal é enriquecido com vários movimentos no espaço de sinalização, como
é o caso dos verbos com concordância (QUADROS; KARNOPP, 2004).

Em relação à sintaxe espacial, esta apresenta a possibilidade de estabelecer


relações gramaticais no espaço, através de diferentes formas. No espaço em
que são realizados os sinais, o estabelecimento nominal e o uso do sistema
pronominal são fundamentais para tais relações sintáticas. Qualquer refe-
rência usada no discurso requer a especificação de um local no espaço de
sinalização (espaço definido na frente do corpo do sinalizador). Os prono-
mes são realizados por meio da apontação para um local específico no espaço
(estipulado pelo sinalizador quando a pessoa estiver ausente), ou para a pró-
pria pessoa, se ela estiver presente. O sistema de verbos com concordância
também é realizado espacialmente. Os sinais desses verbos se movem no
espaço, carregando marcas para pessoa e número, através de indicações
no espaço. Além disso, especificam o sujeito e o objeto do verbo.

Conforme Bellugi et al. (1989), este uso do espaço para indicar referentes,
verbos com concordância e relações gramaticais é, claramente, propriedade
única de um sistema visual-gestual, ou seja, específico das línguas de sinais.

Esta diferença na forma de superfície entre línguas de sinais faladas possi-


bilita novas investigações acerca da percepção e produção da linguagem.

Estes são aspectos gerais comuns à estrutura das línguas de sinais.


Entretanto, cada língua de sinais pode apresentar suas próprias regras,
diferenciando-se em alguns parâmetros fonológicos, morfológicos e sin-
táticos específicos, assim como as línguas faladas também se diferenciam
nestes aspectos.

Libras e sistema braille 89


4 Propriedades linguísticas da Libras

Atividades
1. A fonologia é um ramo da Linguística criado para o estudo dos sons da fala. Discuta,
então, como é possível o estudo do nível fonológico na Libras.

2. Defina os processos de derivação e incorporação na língua de sinais com base na


distinção entre os pares de sinais TELEFONAR/TELEFONE e TER/NÃO-TER ilus-
trados a seguir.

TELEFONAR. TELEFONE.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

TER. NÃO-TER.
Fonte: IESDE BRASIL S/A.

3. Explane sobre a diferença entre a análise linguística da Gramática Tradicional e da


Gramática Gerativa.

90 Libras e sistema braille


Propriedades linguísticas da Libras 4
Referências
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Acesso em: 13 jan. 2017.
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FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; SELL, Fabíola Ferreira Sucupira. Algumas notas sobre compostos
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LEITE, Tarcísio de Arantes. A segmentação da língua de sinais brasileira (Libras): um estudo linguís-
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NEGRÃO, Esmeralda Vailati; SCHER, Ana Paula; VIOTTI, Evani de Carvalho. A competência lin-
guística. In: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo:
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Linguística. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

Libras e sistema braille 91


4 Propriedades linguísticas da Libras

Resolução
1. A Libras, na sua condição de língua natural, apresenta elementos básicos, usados na
composição dos sinais, que são distinguíveis entre si e, embora não possuam signi-
ficado isoladamente, podem levar à mudança de significado quando alterados num
mesmo contexto, tal como são os sons para as línguas orais.

2. Em primeiro lugar, espera-se que o estudante seja capaz de reconhecer nos pares for-
necidos os exemplos dos processos a serem definidos. Assim, o par TER/ NÃO-TER
é um exemplo de incorporação, processo morfológico que consiste em incorporar à
palavra ou sinal elementos em seu interior, mas não da mesma forma como ocorre
na derivação, em que se vê um acréscimo de material à base de uma palavra para
criar outra, sendo possível delimitar na palavra ou sinal derivado a base da palavra
ou sinal primitivo. Esse acréscimo, com possibilidade de identificação da base, é o
que se vê no par TELEFONAR/TELEFONE, exemplo de derivação na Libras, em que
por meio da repetição do parâmetro movimento do sinal de TELEFONAR surge o
derivado TELEFONE, uma nova palavra com categoria gramatical alterada, o que
caracteriza o processo de derivação.

3. A Gramática Normativa estabelece o que é sintaxe e como se estruturam as sentenças


de uma língua a partir da elaboração de regras do bem falar e do bem escrever com
base na análise de como escritores consagrados empregam as estruturas sintáticas
da língua. A Gramática Gerativa, por sua vez, está interessada na sintaxe enquanto
representação mental das estruturas linguísticas. Assim, na Gramática Gerativa, in-
teressa a análise de estruturas sintáticas tal como se acredita que elas estejam orga-
nizadas na mente do falante.

92 Libras e sistema braille


5
Sistema braille
Maria Olinda Maia

Neste capítulo, você vai conhecer um pouco sobre a história do braille. Vai enten-
der o que é o braille, como ele surgiu e vai conhecer a história de Louis Braille que, com
apenas 16 anos, criou esse código que revolucionou os estudos e a vida de deficientes
visuais no mundo todo. Também vai ter a oportunidade de entender como o braille
funciona e quais são os instrumentos utilizados pelos cegos para escrever. Essas infor-
mações são importantes para que você possa se integrar ao universo do estudante cego
e apoiá-lo no seu desenvolvimento global, ao mesmo tempo em que percebe que o
aluno cego é uma pessoa capaz e independente, que precisa apenas de apoio e respeito
para participar ativamente das aulas com os outros estudantes e atuar como cidadão
na sociedade.

Libras e sistema braille 93


5 Sistema braille

5.1 Histórico do sistema braille

Braille é um sistema de escrita e leitura alfabética. Por ser uma proposta voltada para
atender às necessidades de estudantes cegos e surdocegos, exige um tratamento didático
diferenciado. Graças ao braille, o estudante cego passa a ter autonomia em suas atividades
escolares, podendo expressar-se por escrito e não apenas oralmente.
Segundo Rosa (2005, p. 13), entre os séculos XVI e XVII, foram criadas várias tentativas
de métodos de acesso à linguagem escrita para cegos. Dentre elas destacam-se a gravação
de letras e caracteres em madeira ou metal, sistemas de nós em cordas, caracteres recortados
em papel e alfinetes de diversos tamanhos fixados em almofadas.
Segundo Lemos et al (1999), o braille foi inventado por volta do século XIX, por um
jovem francês chamado Louis Braille (1809-1852). Ele perdeu a visão com 3 anos de idade,
quando estava brincando em uma oficina de seu pai e acabou furando o olho com uma das
ferramentas. Mesmo sendo tratado com os melhores médicos da época, Louis adquiriu uma
infecção que logo se espalhou para o outro olho, deixando-o completamente cego.
Louis Braille foi um estudante brilhante da Instituição Real para Jovens Cegos, a pri-
meira escola para cegos de Paris. Essa escola empregava o sistema Valentin Haüy, criado por
seu fundador. Por esse sistema, os estudantes aprendiam a ler por meio de letras grandes
em relevo, mas não podiam escrever. Além disso, a quantidade de livros adaptados à leitura
tátil era muito pequena e os estudantes aprendiam, principalmente, por meio da repetição
de conteúdos transmitidos oralmente pelos professores.
Na escola, Louis Braille preocupava-se com as restrições do seu aprendizado e as difi-
culdades de seus colegas cegos para aprender. Ele assistiu a uma apresentação de Charles
Barbier, um capitão do exército (1707-1841), que inventou um método de transmissão de
mensagens sigilosas para soldados, o qual consistia numa combinação de 12 pontos em
relevo com valor fonético, mas que, por ser considerado muito complexo, foi rejeitado pe-
los militares. Barbier teve a ideia, então, de apresentar seu método na Instituição Real para
Jovens Cegos, onde foi muito bem recebido.
O método de Barbier despertou profundo interesse no adolescente Louis Braille, que
passou a estudá-lo com afinco. No entanto, ao adquirir mais habilidade no método, ele co-
meçou a perceber seus problemas e a propor modificações.
O sistema de Barbier apresentava as seguintes dificuldades: não permitia co-
nhecimento de ortografia, pois os sinais representavam somente sons; não havia
símbolos para pontuação, acentos, números, símbolos matemáticos e notação
musical; e, principalmente, a complexidade de combinações tornava a leitura
difícil e lenta. (LEMOS, 1999)
Contudo, Barbier não aceitou bem as críticas feitas por um adolescente ao seu método
e recusou-se a fazer as mudanças. Louis Braille começou, então, a trabalhar, em 1825, com
apenas 16 anos, na criação de um novo sistema, que acabou se tornando muito diferente do
método que o inspirou.

94 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
Figura 1 – Busto de Louis Braille, por Étienne Leroux (1836-1906).

Fonte: Agence Rol/Wikimedia Commons.

Segundo Lemos et al. (1999), Louis Braille conseguiu convencer o diretor de sua escola e
seus professores sobre a eficácia de seu método. Dentre os métodos e sistemas utilizados, o
braille foi o mais efetivo, devido à sua eficiência e aplicabilidade, tornando-se o melhor meio
de leitura e escrita para a educação das pessoas cegas. No entanto, o braille não foi aceito de
imediato. As letras em relevo de Haüy continuaram a ser usadas paralelamente ao ensino
de braille, pois muitos professores, mais conservadores, eram contrários ao novo método e o
contestavam, pois acreditavam que ele isolava os cegos. Contudo, a partir de 1843, o método
foi aceito e publicado, tendo ótima aceitação pelos cegos.
A partir de 1878, em um congresso internacional realizado em Paris, estabeleceu-se que
o sistema braille deveria ser padronizado. Vários outros congressos mundiais foram reali-
zados para se discutir, adaptar e unificar os símbolos do braille, tanto para a musicografia
quanto para a matemática.
No entanto, nem sempre houve consenso em relação à simbologia adotada nos países que
usavam o braille. Diferenças regionais foram surgindo em todo o mundo e, embora houvesse
a tentativa de unificação do sistema, essa unificação nunca foi perfeita e continuaram prevale-
cendo divergências que prejudicaram o desenvolvimento técnico e científico das pessoas cegas.

Figura 2 – Jovem escrevendo em braille.

Fonte: Mykola Komarovskyy/Shutterstock.

Ainda segundo Lemos et al. (1999), na década de 1970 foram feitas novas tentativas de uni-
ficação do sistema. A Organização Nacional de Cegos da Espanha propôs, nessa época, um có-
digo unificado chamado notación universal. Em 1973, Espanha, Argentina e Brasil reuniram-se na

Libras e sistema braille 95


5 Sistema braille

Conferência Ibero-Americana para a Unificação do Sistema Braille, mas a tentativa de se unificar


o braille em um código único para os países de língua portuguesa e espanhola tornou-se inviável,
devido às diferenças entre os códigos de cada país. Em 1977, um comitê com representantes de vá-
rios países voltou a se reunir na Arábia Saudita, com o objetivo de analisar e comparar os diversos
códigos de braille usados no mundo todo com vistas à unificação. Entretanto, tampouco se chegou
a um consenso e ainda hoje prevalecem vários códigos matemáticos em todo o mundo.
No Brasil, o sistema braille foi adotado a partir de 1854, com a criação do Imperial
Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamin Constant. A partir da década de 1970,
o país tem participado das discussões mundiais a respeito da unificação do braille, por en-
tender que a unificação seria importante, já que os códigos de matemática usados desde a
década de 1940 não davam conta das mudanças ocorridas na matemática moderna. Em 1991
vários estudiosos brasileiros do sistema braille se reuniram para atualizar os códigos mate-
máticos utilizados no Brasil. Essa comissão decidiu adotar o Código Matemático Unificado
para a Língua Castelhana, adaptando-o para a realidade brasileira.
A invenção do sistema braille abriu novos caminhos de aprendizagem para pessoas
com deficiência visual, pois, por meio dele, pessoas cegas resgatam sua identidade e auto-
nomia na escola, em casa, no trabalho e na sociedade como um todo. Pelo braille, elas podem
ler e escrever textos literários, escrever música e desenvolver o raciocínio científico e mate-
mático, o que era impensável antes da invenção desse código.
Hoje existem milhares de livros e materiais em braille em todo o país. São 6,5 milhões de
deficientes visuais beneficiados pela existência do braille, somente no Brasil, dos quais 582
mil são cegos, segundo dados do Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) (PORTAL BRASIL, 2015).

5.2 Escrita em braille

O código braille é escrito em celas ou células, que consistem em espaços retangulares,


compostos por seis pontos em relevo, os quais são agrupados em duas colunas, sendo três
pontos em cada coluna. As combinações desses pontos formam 63 caracteres, simbolizan-
do as letras do alfabeto com suas variações, como acentos, pontuação, números, símbolos
matemáticos e químicos e até notas musicais. Alguns estudiosos consideram a célula vazia
também como um símbolo, o que totalizaria 64 combinações diferentes.

Figura 3 – Exemplo de cela braille. Nesse caso, temos (14), que equivale à letra c.

1 4

2 5

3 6

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

96 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
Para identificar um número, por exemplo, basta acrescentar antes do sinal de seis pon-
tos um sinal de número. Observe:

Figura 4 – Sinal de número antes do símbolo (14), representando o número 3.

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

O sistema braille pode ser usado de três formas (LEMOS, 1999):


• Grau 1 – Em que se escreve a palavra letra por letra, por extenso.
• Grau 2 – É a forma para representar, de maneira abreviada, as palavras de uso
corrente, como preposições, conjunções, pronomes etc.
• Grau 3 – Consiste em uma série de abreviaturas mais complexas que exigem um
conhecimento profundo do código, uma ótima memória e grande habilidade tátil.
O braille abreviado (graus 2 e 3) é usado principalmente para reduzir o volume dos
livros e permitir mais rapidez na leitura e na escrita.

5.2.1 Instrumentos para escrever em braille


Louis Braille criou um aparelho de escrita que consistia em uma prancha de madeira, uma
régua com duas linhas de retângulos vazados (as celas braille) e um instrumento usado para furar
o papel, chamado punção. O papel era preso entre a prancha e a régua e, por meio do punção, a
pessoa podia escrever pontos em relevo ao pressioná-lo sobre o papel preso (LEMOS, 1999).
Ainda hoje são muito usadas as regletes, uma variação do instrumento criado por Louis
Braille. Elas são acessíveis e fáceis de carregar (há modelos de mesa e de bolso). Consistem
em duas placas de metal ou de plástico que são fixas à prancha por meio de dobradiças,
permitindo a entrada do papel. A placa que vai por cima apresenta os retângulos vazados,
que representam as celas braille. A placa que vai embaixo complementa a de cima: a cada
retângulo vazado corresponde, em baixo-relevo, os pontos da cela braille. Desse modo, a
pessoa cega pode escrever o que quiser, fazendo o símbolo desejado com o punção.

Libras e sistema braille 97


5 Sistema braille

Figura 5 – Prancha, reglete e punção.

Fonte: Carlos Eduardo Frederico.

O braille é escrito da direita para a esquerda e a leitura é feita normalmente, da esquer-


da para a direita. Para escrever ou ler em braille, é preciso memorizar a posição dos pontos
de cada símbolo. De acordo com Lemos (1999), “a escrita na reglete pode tornar-se tão auto-
mática para o cego quanto a escrita com o lápis para a pessoa de visão normal”.
Além da reglete e do punção, o braille pode ser escrito com uma máquina chamada
Perkins-Braille. Essas máquinas contêm seis teclas (cada tecla corresponde a um ponto da
cela braille) que podem ser tocadas simultaneamente para criar o símbolo desejado. A tecla
central marca o espaço. Existem duas teclas situadas ao lado do teclado principal, a tecla da
esquerda serve para mudar de linha e a da direita para retrocesso.
A primeira máquina braille foi inventada por Frank H. Hall, em 1892, nos Estados
Unidos. Hoje existem vários modelos de máquinas, que facilitam bastante o trabalho de
escrita em braille.

Figura 6 – Máquina Perkins para escrita em braille.

3 2 1 espaço 4 5 6

tecla para tecla de


mudança retrocesso
de linha

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

98 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
Em algumas escolas especializadas, o processo de escrita inicia-se pela máquina, con-
comitante à reglete, para evitar a duplicidade de códigos, um de leitura e outro de escrita. A
máquina exige menos esforço e precisão que a reglete, porém a Perkins tem compra reduzi-
da devido ao alto custo.
Pensando em custos, outro recurso muito utilizado é o DOS-VOX, um software gratuito,
que realiza comunicação com o sujeito por meio de síntese de voz. Ele é capaz de ler docu-
mentos ou imagens digitalizadas.
Para a produção de livros, são usadas imprensas braille que utilizam sistemas informatiza-
dos. Essas máquinas possibilitam a impressão em relevo nos dois lados do papel, o que permite
uma economia no volume do livro e no seu valor, devido a um melhor aproveitamento do papel.

5.3 Aprendendo braille

Para ler o texto em braille, o sujeito utiliza a ponta do dedo indicador de uma das mãos.
O dedo faz uma leve pressão sobre os pontos permitindo a percepção e discriminação dos
símbolos. Em média pode-se ler até 104 palavras por minuto.
Por se tratar de um sistema em que a leitura é feita com o toque, exige-se muito mais de
sensibilidade do que de prática.
Em se tratando do alfabeto, cada um dos sinais em braille é determinado com base
em uma cela formada por duas colunas e três linhas. Em cada posição dessa matriz
há unicamente duas opções: um ponto em alto-relevo ou plano. Podemos fazer 63 com-
binações ou mais por pontos a partir de um conjunto matricial, ou seja, os seis pontos. Esse
conjunto é chamado de sinal matricial.
Para facilitar a identificação, os pontos são numerados de cima para baixo e da esquerda
para direita para facilitar a leitura.

Figura 7 – Caracteres do braille.


A B C D E F G H I J

K L M N O P Q R S T

Libras e sistema braille 99


5 Sistema braille

U V X Y Z Ç É Á È Ú

Â Ê (espaço) Ô @ À Ï Ü Õ W

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Com relação aos sinais do sistema braille, esses são designados de duas formas diferen-
tes: quando ocupam somente uma cela são chamados de iniciais simples e quando ocupam
duas ou mais celas são chamados compostos.

Exemplo de sinais simples:


• Letra a (1)
• Letra m (134)
Exemplos de sinais compostos:
• — (36) (36) = travessão (utiliza duas celas iguais)

Para se iniciar um parágrafo, começamos a partir da terceira cela, ou seja, a primeira e


a segunda cela devem ficar em branco. Em relação aos sinais de pontuação, seguem alguns
exemplos:
Ponto (.) = (256)
Vírgula (,) = (2)
Ponto de interrogação (?) = (26)
Ponto de exclamação (!) = (235)

Figura 8 – Sinais de pontuação.

. , ? ! :

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Para escrever números, utilizamos as dez primeiras letras do alfabeto precedidas pelos
pontos (3456), chamado sinal de número. Como segue o exemplo:
(3456) 2, (3456) 30, (3456) 250, (3456) 2.000

100 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
Figura 9 – Diferenças entre letras e números.
A B C D E F G H I J

1 2 3 4 5

6 7 8 9 0

Fonte: IESDE BRASIL S/A.

Já os sinais das operações simples são, respectivamente, adição (235); subtração (36);
multiplicação (236); divisão (256) e sinal de igual (2356).
Para representar as operações usa-se o sinal de número antes de cada parcela, incluindo
o resultado, sem deixar espaço.
Exemplo: sinal de número 25 + sinal de número 5 = sinal de número 30.
Qualquer pessoa pode ler braille e seu aprendizado requer apenas interesse, boa von-
tade e tempo para se dedicar. Aprender braille é como aprender um código, por isso é bem
mais simples do que aprender outra língua, pois você vai continuar escrevendo em portu-
guês. Além de poder ajudar mais efetivamente um estudante cego ou outro deficiente visual
de seu convívio, você vai desenvolver outras habilidades e começar a enxergar o mundo do
deficiente visual com outros olhos.

Ampliando seus conhecimentos

Com os olhos da alma


(CASSIANO, 2017)

Depoimentos de alunos portadores de deficiências visuais


mostram como é possível aprender sem enxergar

Depois de perguntar ao menino por que ele apertava tanto os olhos, o dou-
tor José Lourenço tirou os óculos e os dependurou no nariz de Miguilim.
O morador do Mutum não podia acreditar. “Tudo era uma claridade,

Libras e sistema braille 101


5 Sistema braille

tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas.


Via os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as
formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui,
ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... Coração de Miguilim batia descom-
passo”. Jovenzinhos de “vista curta”, como registrou Guimarães Rosa
em Campo Geral, existem aos milhares em todo o mundo. A cegueira
infantil está presente em países em desenvolvimento na proporção de
1,5/1.000, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – o que no
Brasil corresponde a cerca de 255 mil crianças cegas. No entanto, ainda
de acordo com a OMS, de 70% a 80% das crianças que são diagnostica-
das como cegas possuem alguma visão residual. São os casos chamados
de baixa visão ou visão subnormal. Incluem-se nesse conceito quem é
capaz de utilizar a visão para executar determinadas tarefas, mas que
possui um comprometimento da visão, com baixas acuidade visual e
percepção de luz. O processo de amadurecimento do órgão se estende
até por volta de 9 anos de idade.

“Se a criança só recebeu a imagem de qualidade depois dessa fase, provavel-


mente não terá 100% da visão”, explica Rogério Neurauter, chefe do serviço
de oftalmologia do Instituto Benjamim Constant, a mais antiga instituição
brasileira especializada em deficiência visual, sediada no Rio de Janeiro.

A baixa visão e a cegueira, congênita ou adquirida, não são impediti-


vas para o desenvolvimento cognitivo de uma criança. “A plasticidade
do cérebro permite, em certas ocasiões, que uma função que você não
tem seja compensada com a hipertrofia de uma outra”, explica Abram
Topczewski, neurologista da infância e adolescência do Hospital Israelita
Albert Einstein. Para que ocorra a aprendizagem, os pais e professores
precisam estimular o desenvolvimento de outros sentidos. É mítica a ideia
de que esse desenvolvimento seja automático. Não é porque uma criança
possui deficiência visual que terá um ouvido mais apurado ou o tato exce-
lente. “Conheço crianças cegas que não foram educadas adequadamente e
que têm as mãos duras: não querem mexer, não querem pegar. Aí, de fato,
elas não aprendem”, lamenta Mara Olímpia Siaulys, fundadora da ONG
Laramara, de São Paulo – entidade especializada em deficiência visual
que presta atendimento gratuito a famílias carentes cujas crianças tenham
cegueira ou baixa visão. Com os outros sentidos despertos, a criança está
apta para aprender como qualquer “vidente”, como os especialistas refe-
rem-se aos que enxergam. [...]

A audição, de fato, dá conta de ensinar os sons. O tato consegue ensi-


nar as texturas, os formatos de coisas pequenas. O olfato também fornece

102 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
informações igualmente importantes para reconhecer ambientes. Baseada
nessas possibilidades, a aprendizagem não apresenta entraves. “Para
criança com visão normal, a gente vai do concreto para o abstrato. Para
a cega, é a mesma coisa”, coloca Hsu Yun Min, pedagoga da Laramara.

A principal técnica, aponta os especialistas, é partir do conhecimento das


partes do corpo. Com isso, aparece a oportunidade de introduzir mui-
tos conceitos como tamanhos, proporções, formas e cheiros. O conceito
serve também para se conhecer os animais: “Às vezes, a família não leva
a criança cega ao zoológico. Mas tem que levar: lá tem cheiros, sons de
pássaros cantando, calor de bichinhos e movimentos que podem ser per-
cebidos”, ensina Hsu. Como ensinar o que são estrelas, céu, ruas para-
lelas, geometria e outras coisas que só a visão parecem explicar? Nesse
caso, as vivências não visuais dos outros sentidos são insuficientes. Sônia
Salomon, psicopedagoga e autora de Deficiência Visual – Um Novo
Sentido de Vida (Editora LTR, 184 págs., R$30), lembra que é a linguagem
o instrumento usado para fornecer esses conceitos. “Existem ideias abs-
tratas mesmo para quem enxerga. A energia atômica, por exemplo, que
só é explicada pela reflexão e pela linguagem, mesmo para videntes. A
pessoa cega também vai transitar por aí.”

[...]

Na sala de aula, os cuidados despendidos com crianças portadoras de


baixa visão são bastante específicos. Elas não podem ter a mesma abor-
dagem pedagógica das videntes, tampouco a das cegas. Esquecer que
elas enxergam pouco é o mesmo que ignorá-las como alunos, uma vez
que algumas preocupações são necessárias para que elas consigam rea-
lizar atividades simples como ler a lousa ou escrever dentro das linhas
do caderno. Da mesma forma, também é um erro desprezar essa capa-
cidade visual, mesmo que ela seja apenas um resíduo. “É preciso tirar
da baixa visão o maior proveito que o resíduo visual pode dar”, diz a
fisioterapeuta Márcia Silva. Para isso, algumas dicas são fundamentais.
É importante que haja uma preocupação com a intensidade de luz que
incide sobre a criança com baixa visão – há os fotofóbicos, como os albinos
e, por outro lado, os que precisam de mais luz para captar o campo visual.
Essa criança também não pode sentar-se longe da lousa, mesmo que seja
mais alta do que a maioria dos colegas.

[...]

Libras e sistema braille 103


5 Sistema braille

Atividades
1. Assinale a alternativa que representa o número de pontos na cela braille:

a. 6 pontos.

b. 9 pontos.

c. 5 pontos.

d. 12 pontos.

2. Preencha as lacunas abaixo e, em seguida, assinale a alternativa correta:

O sistema braille utilizando ___ pontos em relevo, dispostos em ___ colunas, possi-
bilita a formação de ____ símbolos diferentes que são empregados em textos literá-
rios nos diversos idiomas, nas simbologias matemática e científica, na música e na
informática.

a. 6 – 3 – 65;

b. 12 – 6 – 62;

c. 12 – 2 – 66;

d. 6 – 2 – 63;

e. 6 – 3 - 68.

3. Sobre o braille, é correto afirmar.

a. É uma língua que apresenta suas próprias regras gramaticais, sendo muito dife-
rente da língua portuguesa.

b. É um método de alfabetização usado com crianças cegas.

c. É um código que traduz letras, números e sinais em caracteres constituídos por


pontos em relevo.

d. É um conjunto de celas com pontos em relevo.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Referenciais para a construção
de sistemas educacionais inclusivos. A fundamentação filosófica a história a formalização Educação
Inclusiva. Direito a Diversidade. Curso de formação de gestores e educacionais, 2004.
______. Ministério da Educação. Educação Especial. Grafia para a língua portuguesa. 2. ed. Brasília, 2006.
______. Ministério da Educação. Educação Especial. Código unificado para a língua portuguesa, 2006.

104 Libras e sistema braille


Sistema braille 5
______. Ministério da Educação. Educação Especial. Educação Inclusiva. Estenografia braille para a
língua portuguesa, 2005/2006.
CANEJO, Elizabeth. Introdução ao Sistema Braille. FAETEC, 2005. Disponível em: <www.lapeade.
com.br/publicacoes/documentos/Apostila%20Braille.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2017.
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mostram como é possível aprender sem enxergar. Disponível em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/
portals/roteiropedagogico/publicacao/1047_Com_os_olhos_da_alma.PDF>. Acesso em: 18 jan. 2017.
LEMOS, Edison Ribeiro; et al. Louis Braille: sua vida e seu sistema. 2. ed. São Paulo: Fundação Dorina
Nowill para Cegos, 1999. Disponível em: <www.ibc.gov.br/Nucleus/media/common/Downloads_
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PORTAL BRASIL. Braile aumenta inclusão de cegos na sociedade. 2015. Disponível em: <www.brasil.gov.
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Monografia Especialização em Docência do Ensino Superior – Universidade Cândido Mendes, Rio de
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de Oftalmologia. São Paulo, v. 67, n. 4, ago. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sciarttext&pid=S0004-27492004000400007&Ing=en&nrm=iso>. Acesso em: 17 ago. 2009.

Resolução
1. A

2. D

3. C

Libras e sistema braille 105


6
Estimulação
essencial e inclusão
Maria Olinda Maia

A criança cega muitas vezes chega à escola sem ter recebido estímulo necessário
para o desenvolvimento de suas capacidades básicas. sendo assim, é fundamental que
se discuta a importância da estimulação essencial em crianças cegas de 0 a 5 anos para
que elas possam estar preparadas para o processo de ensino-aprendizagem e para
enfrentar todos os desafios presentes na vida em sociedade. Para a criança cega, é
indispensável o estímulo adequado durante seus primeiros anos de vida, para o desen-
volvimento de suas funções intelectuais, motoras e afetivas. A estimulação essencial
ou precoce auxilia, inclusive, no aprimoramento de mecanismos necessários para a
leitura tátil e o aprendizado do braille.

Libras e sistema braille 107


6 Estimulação essencial e inclusão

6.1 A importância da estimulação essencial


em crianças cegas de 0 a 5 anos

A criança cega muitas vezes é privada de apreciar experiências que seriam indispensá-
veis ao seu pleno desenvolvimento psicomotor. Isso ocorre pela falta de estímulos visuais
capazes de motivá-la a deslocar-se e a descobrir seu mundo, e, por conta desse problema,
ela se torna menos desenvolvida motor e cognitivamente. Enquanto alguns pesquisadores
consideram a ausência de visão como um atraso irreversível no desenvolvimento global
da criança, outros acreditam que, com estimulação adequada, é possível ajudar a criança a
superar suas limitações e integrar-se à sociedade.
Nesta aula defende-se que a estimulação essencial interfere de forma positiva no
processo de ensino-aprendizagem. Com uma estimulação adequada é possível que essas
crianças possam ter um diferencial em relação às crianças que não foram estimuladas, o
que lhes possibilitaria um melhor preparo para a vida acadêmica e mais subsídios físicos
e intelectuais para o aprendizado do braille.
Mas o que seria a estimulação essencial ou precoce? Segundo Rodrigues (2017), é um
procedimento biopsicossocial que tem por finalidade proporcionar à criança deficiente vi-
sual, nos primeiros anos de vida, determinados estímulos de forma a possibilitar que o de-
senvolvimento das suas potencialidades psicomotoras, cognitivas e sensoriais ocorra tão
normal quanto possível.
Essa estimulação deve ser precoce, ou seja, deve ocorrer o quanto antes, de modo a
antecipar-se às dificuldades que, porventura, vão surgir na vida dessa criança. Portanto, ela
não pode ser intuitiva, mas deve seguir um planejamento criado pela criança que acompa-
nha a criança.
A estimulação essencial busca o desenvolvimento dos sentidos remanescentes (audição,
tato, paladar e olfato), o quais também são importantes para o aprendizado do braille. As
atividades propostas na estimulação essencial contribuem para estabelecer conexões cere-
brais que promovem a construção de mecanismos para a superação dos problemas causados
pela ausência de visão. Importante destacar que, ao se propor a estimulação essencial para
uma criança cega, é imprescindível o envolvimento da família, bem como dos profissionais
(fisioterapeuta, psicólogo, pedagogo, fonoaudiólogo, médico e professores) que atuam no
seu desenvolvimento.
Estimular a criança cega é fazê-la explorar o ambiente, adquirir agilidade e habilidades
de forma mais natural possível e fazê-la entender o que ocorre ao seu redor, por meio dos
outros sentidos.
Para Vygotsky, apud Rego (1995), a criança, ao nascer, responde a reflexos e, para interpre-
tá-los, ela necessita dos sentidos. Esses processos são chamados elementares. Por conseguinte,
na ausência de algum sentido, no caso a visão, é indispensável a estimulação essencial, para
que a criança desenvolva as funções psicológicas superiores de maneira satisfatória.

108 Libras e sistema braille


Estimulação essencial e inclusão 6
As crianças cegas necessitam, nos primeiros anos de vida, deparar-se com pessoas que
queiram interagir e comunicar-se com elas. Os pais e educadores devem estar atentos às ma-
nifestações de intenção comunicativa ou pequenos sinais da criança cega, aos quais devem
interpretar e reagir responsavelmente com o toque e a confirmação verbal (BRUNO, 1992).
Com várias propostas de inclusão educacional, estabelecidas por políticas públicas, o
número de estudantes com deficiência visual no ensino comum aumentou consideravel-
mente (BRASIL, 2008).
Esse fato se deve às diversas políticas estabelecidas a partir da década de 1990, as quais
se fundamentam nos princípios dos direitos humanos e passam a determinar uma educação
inclusiva. A Declaração de Jomtien (1990), A Declaração de Salamanca (1994), a LDB (1996),
as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) e o Plano de
Ação para a Educação de Necessidades Especiais (2001) são documentos precursores sobre
inclusão na educação.
A Declaração de Salamanca destaca o fato de que
[...] toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de
aprendizagem que são únicas (...); escolas regulares que possuam tal orientação
inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discrimina-
tórias, criando-se comunidades mais acolhedoras, construindo uma sociedade
inclusiva e alcançando educação para todos. (UNESCO, 1994)
Vygotsky (2007) aponta que o aprendizado da criança começa muito antes do seu in-
gresso na escola e que qualquer situação de aprendizado na escola tem sempre uma história
prévia. Contudo, o aprendizado anterior à escola difere do escolar, pois este consiste em co-
nhecimento científico. No entanto, aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados
desde os primeiros anos de vida. Em se tratando de desenvolvimento cognitivo, é preciso
levar em consideração a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Segundo Vygotsky (1989),
é por meio da ZDP que podemos dar conta não só dos processos de maturação já completados,
mas também dos processos em vias de desenvolvimento, demonstrando que aquilo que uma
criança só consegue fazer com assistência hoje, poderá fazer sozinha amanhã.
Para criança cega, o nível de desenvolvimento real, isto é, o que ela consegue fazer
sozinha, delimita-se pela ausência da visão; contudo, é necessário trabalhar o seu nível de
desenvolvimento potencial pela ação do outro, que podem ser os pais, os professores, os co-
legas e todos os que convivem com a criança. O preparo da aprendizagem pelo outro induz
o desenvolvimento mental dessa criança.
Estudos como o de Jan et al., (1975) indicam a importância do estímulo ambiental e da
experiência para superar a condição de cegueira. Outros estudos enfatizam que as crianças
cegas, principalmente aquelas cuja cegueira advém de alterações no sistema nervoso central,
têm maior possibilidade de apresentar problemas em seu aprendizado. Já para Vygotsky
(2000), a ausência de visão ou deficiência visual não impede o desenvolvimento da criança,
embora possa limitá-lo, principalmente no aspecto de interação social. Logo, deve-se investir
de forma consciente e planejada na criação e organização de um ambiente que promova ativi-
dades coletivas e a participação dessas crianças, de modo ativo, em grupos sociais.

Libras e sistema braille 109


6 Estimulação essencial e inclusão

6.2 Estimulação essencial e desenvolvimento

Figura 1 – A família tem um papel importante na estimulação do bebê.

Fonte: ChameleonsEye/Shutterstock.

Até os dois anos e meio, as ações da criança são mais de ordem biológica, tendo em
vista a satisfação de suas necessidades imediatas. Após esse período, a criança começa a
desenvolver os processos psicológicos superiores (VYGOTSKY, 1987), que são de essência
sócio-histórica e de interiorização de significados sociais provenientes da atividade cultural,
entre elas, a escola. No desenvolvimento do ser humano, a aprendizagem ocupa papel fun-
damental, especialmente com relação às funções psicologicamente superiores sobre as quais
se desenvolvem as principais práticas escolares.
Nesse viés, teorias como a de Vygotsky (2007) destacam que os fatores ambientais,
sociais e culturais são fatores fundamentais para os processos de desenvolvimento e
aprendizagem. Pensando que o homem é um ser social, ele se desenvolve na cultura e
na sociedade, capaz de aprender com o outro por meio da linguagem, essa organiza e dá
sentido à experiências compartilhadas.
Conforme afirma Vygotsky (1984),
[...] os fatores ambientais e dentro desses os sociais e culturais, condensados na
função da linguagem, são fundamentais nos processos de desenvolvimento e
aprendizagem. O homem é um ser capaz de aprender com o outro por meio da
linguagem que organiza e dá sentido à experiência humana compartilhada.
O desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem no espaço privilegiado constituído pe-
las relações sociais, no espaço em que os seres humanos interagem entre si e com os objetos
do mundo. Assim o desenvolvimento do sujeito se dá com base em suas interações sociais.
Segundo Vygotsky (1989), o desenvolvimento da criança, primeiramente, é mediado
pelo outro. Num segundo momento ela faz a internalização do comportamento, da cul-
tura e dos modos de funcionamento psicológico do seu grupo cultural. A atividade que
antes precisou da intervenção de outras pessoas passa a ser feita de forma independente,
assim a criança vai ganhando autonomia e se apropriando da aprendizagem. Diante disso,

110 Libras e sistema braille


Estimulação essencial e inclusão 6
o processo de desenvolvimento da criança se dá pelas transações entre a sua história social
e individual. Ao internalizar as experiências providas pela cultura, a criança reconstrói indi-
vidualmente essas ações e aprende a formar os próprios processos mentais.
Para Vygotsky (1989), o conhecimento é construído socialmente no âmbito das rela-
ções humanas. Ou seja, é pela aprendizagem nas relações com os outros que a criança vai
construindo seu conhecimento que permite o desenvolvimento mental, afetivo e motor. Em
síntese, a intervenção essencial apropriada, junto à aprendizagem no meio familiar e na so-
ciedade como um todo é que vão promover o desenvolvimento da criança cega, amenizando
as suas dificuldades, suscitadas pela ausência da visão.
Presume-se, então, que a estimulação sendo feita logo nos primeiros anos de vida pela famí-
lia faz com que sentidos remanescentes se desenvolvam, minimizando assim certas dificuldades.
É preciso estimular as crianças desde os primeiros meses, além de concientizar e infor-
mar a família sobre a importância de uma estimulação visual prematura, pois 98% das co-
nexões sinápticas do sistema visual se estabelecem logo depois do nascimento (DELGADO;
GUTIÉRREZ y TORO, 1994).
Após constatada oftalmologicamente a cegueira, deve ser feita uma avaliação global da
criança por uma equipe multidisciplinar (oftalmologista, pedagogo, fonoaudiólogo e outros
profissionais) para definir um plano de estimulação e promover a adaptação da criança. De
posse do diagnóstico, é possível elaborar um programa de estimulação precoce, adequando as
atividades de estimulação ao cotidiano da criança, inclusive inseridas em jogos e brincadeiras.
Para entender a situação citada, ilustramos dois depoimentos de mães de crianças cegas:
[mãe] [...] aos três meses notamos que o bebê não fixava [a atenção] e pensamos
que fosse estrabismo. A pediatra não deu por isso. Fomos ao oftalmologista, que
lhe fez um exame e de uma maneira muito brusca disse: Confirma-se o diagnós-
tico de cegueira, ele é cego e não há nada a fazer. Nunca mais pude lá voltar.
Andei por outros médicos, até fui ao Porto a um especialista, mas o diagnóstico
foi sempre confirmado e não me deram nenhum encaminhamento. Até que um
dia um colega do meu marido lhe falou no Centro Infantil Helen Keller.
[...] Fui eu que notei que havia qualquer coisa estranha com os olhos dele e fa-
lei ao médico, que me mandou para S. José para ser visto nos aparelhos. Tinha
glaucoma e foi operado com 11 dias. Lá no hospital, uma doutora falou muito
comigo, disse que o meu filho podia ter um bom desenvolvimento e mandou-me
para a consulta do C.I.H.K. (DIAS, 1995)
Os pais, de modo geral, se veem perdidos e chocados diante do diagnóstico de cegueira
do filho, mas quando recebem a orientação adequada e passam a entender que, embora
cegos, seus filhos poderão ter um bom desenvolvimento físico e intelectual e interagir so-
cialmente, tornando-se independentes, eles se enchem de esperança. Portanto, quanto antes
for feito o diagnóstico correto e mais rápido iniciar o acompanhamento da equipe multidis-
ciplinar, mais eficaz será o programa de estimulação precoce.
Estudos realizados por Fraiberg e Freedman (1964) com pessoas cegas, privadas de
intervenção adequada durante o primeiro ano de vida, revelaram claramente que, em

Libras e sistema braille 111


6 Estimulação essencial e inclusão

tais circunstâncias, a cegueira pode acarretar atrasos notáveis em termos do desenvol-


vimento cognitivo.
No entanto, quando os pais se mantêm próximos de seu filho cego, aceitando a deficiên-
cia e conscientizando-se da importância da estimulação, o desenvolvimento e a apuração
dos sentidos da criança acontecerão de forma natural.
Ainda assim, a participação da escola é fundamental no desenvolvimento dessa crian-
ça cega. Isso porque os pais, geralmente, diante de um filho cego, tendem à superproteção.
Ademais, os espaços sociais e as pessoas de convívio da criança são muito limitados na esfera
familiar. Já na escola, a criança é colocada diante de mais pessoas, de situações variadas, am-
pliando seu leque social. Desse modo, ela vai aprender a reconhecer esse novo ambiente e agir
adequadamente em diversos contextos, ficando mais preparada para interagir socialmente.

6.3 Práticas de estimulação essencial

A estimulação essencial consiste em um conjunto de técnicas específicas e sequenciadas


que fazem parte de um programa individualizado cujo objetivo é aperfeiçoar e potencializar
as funções cerebrais e psicomotoras, além de oportunizar à criança o convívio socioafetivo.
A criança cega, para conseguir desenvolver suas potencialidades, explora o mundo por
meio do tato e desenvolve, assim, conceitos. Para que a criança adquira tais conceitos, é ne-
cessário, como defendem Chapman e Stone (1988) “que as aprendizagens se façam através
de experiências vividas e reais”.
Para Coll e Palacios (2004), as primeiras palavras da criança cega correspondem aos no-
mes daqueles objetos que podem conhecer mediante os sistemas sensoriais de que dispõem.
Falar com a criança sobre os brinquedos que ela tem em suas mãos e os sons que eles
emitem é essencial para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Se o ambiente for rico em estímulos, a criança vai desenvolver atitude inteligente sobre
o que a cerca. A manipulação de objetos e o relacionamento com as pessoas vão aos poucos
acontecendo de forma segura e autônoma, iniciando desse modo seu processo de aprendiza-
gem. A influência do meio ambiente juntamente com as atividades concretas de estimulação
vão contribuir para a aquisição da linguagem e a consciência do seu próprio corpo, auxilian-
do na formação de habilidades para a aprendizagem.
Veja, a seguir, algumas dicas de estimulação essencial em criança deficiente visual de 0
a 5 anos (RODRIGUES, 2017):
• Coloque o bebê em decúbito ventral (deitado sobre o abdômen) e estimule-o, sacu-
dindo chocalhos um pouco acima da cabeça dele.
• Deite a criança sobre seu corpo para que sinta seus movimentos, ouça as batidas
de seu coração e acompanhe sua respiração.
• Massageie a criança, estimulando sua sensibilidade tátil.

112 Libras e sistema braille


Estimulação essencial e inclusão 6
• Coloque pulseiras de guizos nos pulsos e tornozelos do bebê para que ela tenha
mais consciência corporal.
• Fale com a criança de um lado e de outro, afastando-se e aproximando-se para que
ela se oriente pelo som.
• Coloque a mão da criança sobre seu rosto, boca, pescoço, enquanto fala ou canta
para ela.
• Dê limites à criança sempre que necessário.
• Estimule a criança a lamber, sugar canudos, soprar e mastigar alimentos.
• Propicie para que o mundo da criança seja rico em experiências.
• Ofereça à criança contato com brinquedos diversos, de texturas, formatos e tama-
nhos variados, assim como objetos sonoros.
• Deixe a criança livre de roupas, sempre que estiver calor, para que ela possa ex-
plorar o próprio corpo.
• Ensine a criança a segurar a colher para se alimentar, mantendo-se atrás dela nesse
momento.
• Incentive para que a criança veja, sempre que ela tiver resíduo visual, usando con-
trastes de cores e luzes de lanternas.
• Estimule a coordenação motora e a postura adequada por meio de atividades físicas.
• Utilize caixas grandes nas quais a criança possa entrar e sair, adquirindo noção do
tamanho do seu corpo.
• Use móbiles coloridos e sonoros com os quais a criança possa interagir.
• Permita que a criança faça sozinha o que já sabe e pode fazer.
• Ensine-a executar encaixes, rasgar papéis, fazer bolinhas de papel, criar formas em
massinha, pois esses movimentos vão ajudá-la no aprendizado do braille.
• Mantenha uma rotina de horários e cada objeto em seu lugar para que a criança
aprenda a se organizar.
Na escola, é importante que a criança cega seja apresentada a todos os ambientes e às
pessoas que trabalham na escola. É preciso que essa ambientação ocorra devagar e que a
pessoa responsável por essa apresentação explique à criança detalhadamente como é cada
lugar e a sua função, entrando nas salas com a criança e ajudando-a a tocar os objetos que
compõem o lugar, assim como o rosto das pessoas que trabalham em cada um. Se a escola
for grande, essa visita pode ser restrita aos lugares em que a criança vai transitar e às pes-
soas do seu convívio. Na sala de aula, o professor deve fazer o mesmo, permitindo que a
criança percorra toda a sala e toque nos objetos, no seu rosto e nos rostos das outras crianças.
Embora seja necessário um cuidado maior com uma criança cega, é preciso deixar que ela
explore os ambientes com os colegas e aprenda a ser independente. O professor jamais deve
fazer tudo pela criança, mas ensiná-la a fazer as coisas sozinha. Obviamente vai ser neces-
sário repetir diversas vezes as mesmas orientações até que a criança consiga agir por conta,
mas esse é um aprendizado necessário, fundamental para o seu desenvolvimento.

Libras e sistema braille 113


6 Estimulação essencial e inclusão

Figura 2 – A estimulação essencial deve preparar para o aprendizado do braille.

Fonte: Wavebreakmedia/Shutterstock.

Em relação ao processo de alfabetização em braille, esse deve ser iniciado nos primeiros
anos de vida da criança, durante a estimulação precoce, por meio de um trabalho de apri-
moramento da percepção tátil e da sensibilidade, ou seja, pelo treinamento dos sentidos.
Estimular os sentidos, por meio de identificação de figuras e texturas, apertando massas de
modelar e formando bolinhas, dobrando papéis, pintando desenhos em relevo etc., faz com que
a criança cega tenha domínio sobre esses objetos, proporcionando preparo progressivo para a
efetivação da alfabetização em braille. A partir daí, a criança cega estará preparada para iniciar o
processo de alfabetização, pois já desenvolveu algumas potencialidades para esse aprendizado.
Ao mesmo tempo deve ocorrer, gradativamente, a assimilação das letras (MOSQUEIRA, 2010).
Por fim, recebendo a estimulação necessária desde o seu nascimento, a criança cega, com cer-
teza, terá um amplo diferencial na realização de todas as atividades, em todas as áreas da sua vida
diária e durante seu processo de aprendizagem escolar. Como a estimulação é a base para o futuro,
ela é fundamental para uma inclusão positiva dessa criança no ensino comum e na sociedade.

Ampliando seus conhecimentos

A importância da estimulação essencial


do deficiente visual e o papel da família
neste processo
(ZANINI; DAL FORNO, 2007)

[...]

A deficiência visual congênita ou ocorrida nos primeiros anos de


vida coloca o bebê no grupo de crianças de risco, e no caso de não ter
acesso à orientação e tratamento necessários até os três anos de idade,

114 Libras e sistema braille


Estimulação essencial e inclusão 6
seu desenvolvimento e seu crescimento podem ser prejudicados nos
aspectos intelectual, neuromotor, psicológico e social, que afetarão a
fase escolar e a vida futura.

Os estudos de Barraga (1976), distinguem três tipos de deficiência visual.


Os cegos têm somente a percepção da luz ou não têm nenhuma visão e
precisam aprender através do método braille e de meios de comunicação
que não estejam relacionados com o uso da visão. As pessoas com visão
parcial têm limitações da visão a distância, mas são capazes de ver obje-
tos e materiais quando estão a poucos centímetros ou no máximo a meio
metro de distância. As pessoas com visão reduzida, indivíduos que podem
ter seu problema corrigido por cirurgias ou pela utilização de lentes.

Em todos esses graus de deficiência visual deve-se levar em conta o papel


da estimulação essencial. Segundo Barraga (1976), sem levar em conta a
cegueira congênita, a capacidade de visão não é inata, depende de habi-
lidades desenvolvidas em cada estágio do desenvolvimento, com a esti-
mulação da visão residual. No caso dos portadores de cegueira congênita,
os sentidos como o tato e a audição devem ser estimulados, ignorando
qualquer potencial de visão.

Há crianças que, além da deficiência visual, apresentam outros compro-


metimentos, como da fala e da audição. Por isso, o primeiro passo em
qualquer atendimento consiste em uma avaliação global, feita por uma
equipe interdisciplinar composta por oftalmologista, pedagogo, fonoau-
diólogo e outros profissionais, para decidir qual é o caminho a seguir. A
partir do diagnóstico, é elaborado o programa de estimulação precoce,
adaptando as atividades lúdicas de acordo com a idade e a aplicação deste
programa depende, em primeiro lugar, da participação da família.

Tendo em conta que a visão fornece por volta de 80% da informação, se


conclui a importância da estimulação dos outros sentidos no deficiente
visual. Os órgãos dos sentidos revelam-se cruciais para o conhecimento
do meio que nos envolve e a falha na estimulação da criança interfere
no processo do desenvolvimento global. A dificuldade na mobilidade
pode representar uma restrição causada pela falta de visão, por isso é
de extrema importância que exista um acompanhamento adequado, que
permita à pessoa com deficiência visual superar as suas dificuldades e
exercer futuramente a sua autonomia, integridade física, assim como
desempenho na aprendizagem e nas tarefas do seu próprio cotidiano.

A deficiência visual torna impossível o reconhecimento do mundo através


de imagens visuais. Por isso, a criança cega é muito dependente do tato,

Libras e sistema braille 115


6 Estimulação essencial e inclusão

ficando difícil projetar imagens mentais além das coisas que estão ao seu
alcance. Além disso, a falta da visão impõe uma maior dificuldade na per-
cepção do próprio corpo, que se mistura com as roupas, cobertas e móveis.
O bebê cego não conta com a visão para fazer a distinção fundamental entre
seu eu anatômico e todos os objetos do ambiente ao seu redor.

A primeira fase do desenvolvimento tátil é a consciência das qualidades


táteis dos objetos. O sentido do tato começa com a atenção prestada a
texturas, temperaturas, superfícies vibráteis e diferentes consistências.
Pelo movimento das mãos, as crianças cegas se dão conta das texturas,
da presença de materiais, e das inconsistências das substâncias. Também,
através do movimento das mãos, as crianças cegas podem apreender os
contornos, tamanhos e pesos. Essas informações são recebidas sucessi-
vamente, passando dos movimentos manuais grossos à exploração mais
detalhada dos objetos. A consciência tátil geral será adquirida mais rapi-
damente pela criança cega, se a elas forem apresentados objetos familiares
no ambiente que elas exploram (BARRAGA, 1976).

Fraiberg (1977) destaca a importância do ambiente familiar e da atitude dos


pais no desenvolvimento das potencialidades do deficiente visual. Devido
aos conflitos emocionais sofridos pelos próprios pais aos saberem da defi-
ciência do seu filho, ocorrem interferências na interação da família com a
criança e, consequentemente, na provisão do ambiente facilitador para esta
criança. O bebê e a família devem estar em processo de interação desde o iní-
cio, criando condições para que o seu desenvolvimento global evolua o mais
próximo possível dos padrões de desenvolvimento de um bebê normal. [...]

Atividades
1. Sem o trabalho de estimulação essencial, a criança que nasce cega:

a. Aprende sozinha a resolver os seus problemas, pela tentativa e erro e pedindo


ajuda aos professores e colegas.

b. Vai agir de acordo com o seu meio, adaptando-se às situações da melhor forma
possível.

c. Desenvolve seus sentidos remanescentes, ficando mais atenta às informações


auditivas e táteis, principalmente.

d. Torna-se apática, insegura e indiferente ao que ocorre ao seu redor e isola-se em


seu mundo por achar-se inferior.

116 Libras e sistema braille


Estimulação essencial e inclusão 6
2. Sobre a participação da família nas atividades de estimulação precoce, é possível
concluir que:

a. A família não deve participar das atividades, pois não tem formação profissional
para lidar com uma criança cega e pode acabar

b. A família deve ser a única responsável pelas atividades de estimulação essencial


por conhecer melhor a criança.

c. Os pais devem orientar a escola sobre os hábitos da criança e o seu tratamento e a


escola deve orientar os pais sobre as atividades que a família deve realizar em casa.

d. A família deve criar um programa de estimulação precoce para ser aplicado na


escola por todos os professores da criança.

3. De que modo pode ser aplicada a teoria da zona de desenvolvimento proximal


(ZDP) nas atividades de estimulação precoce?

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Resolução
1. D

2. C

3. O professor de um aluno com deficiência visual deve sempre ter em mente o que o
aluno pode aprender a realizar sozinho e não acomodar-se apenas no que ele já sabe.
Dessa forma, trabalha-se com objetivos pré-definidos (metas de aprendizagem) fo-
cando sempre na progressão da autonomia do aluno.

118 Libras e sistema braille


7
Deficiência visual:
formas de leitura
Maria Olinda Maia

Neste capítulo, discute-se o que é deficiência visual e a diferença entre visão sub-
normal e cegueira, com vistas a provocar uma reflexão no leitor a respeito do tipo de
restrição visual que um aluno pode apresentar em sala de aula e que vai exigir práticas
específicas para cada caso. Além disso, dependendo do tipo de deficiência visual, o
trabalho com leitura e escrita também se diferencia.

Este capítulo discute também a importância da leitura, procurando apresentar as


possibilidades de leitura para o deficiente visual, visando o acesso à educação, numa
perspectiva de inclusão.

Afinal, o ato de ler é fundamental para o desenvolvimento acadêmico e afetivo-so-


cial, pois, por meio da leitura, o sujeito passa a entender melhor seu meio social e a si
mesmo, além de adquirir conhecimentos que vão ajudá-lo a enfrentar os desafios que,
por ventura, surgirem em sua vida.

Libras e sistema braille 119


7 Deficiência visual: formas de leitura

7.1 Deficiência visual

Conceituar deficiência visual é importante para entender e conhecer os sujeitos que são
objeto deste estudo. O termo deficiência vem do latim deficientia e, segundo o Dicionário
Michaelis (2017), significa “ausência de qualidade ou de quantidade; carência, falta, lacuna”.
Deficiência visual é, portanto, a perda ou a redução da capacidade visual em ambos os olhos.
A deficiência visual não abrange somente os cegos, mas quaisquer pessoas com proble-
mas visuais graves, que as impeçam de realizar atividades rotineiras que exijam a visão. O
Decreto n. 5.296 de 2 de dezembro de 2004 estabelece que a deficiência visual tem vários níveis:
Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual1 é igual ou menor que
0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa
acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os
casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for
igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições
anteriores. (BRASIL, 2004)
As prováveis causas da deficiência visual são hereditárias (congênitas) ou adquiridas,
nesse caso por doenças como diabetes, descolamento de retina, glaucoma, catarata, degene-
ração senil e traumas oculares. Dentre os deficientes visuais distinguem-se os portadores de
cegueira e os de visão subnormal.
Segundo Taleb et al. (2012, p. 10), em 1972, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reuniu
em Genebra um grupo de estudos de prevenção à cegueira que criou a classificação de deficiência
visual utilizada em todo o mundo até hoje. Essa classificação está representada na tabela 1 a seguir.

Tabela 1 – Categoria da deficiência visual.

Categoria da Acuidade visual com a melhor correção visual possível


deficiência visual Máximo menos de Máximo igual ou melhor que
6/8 6/60
1 3/10 (0,3) 1/10 (0,1)
20/70 20/200
6/60 3/60
2 1/10 (0,1) 1/20 (0,05)
20/200 20/400
3/60 1/60 (contar dedos a 1 metro)
3 1/20 (0,05) 1/50 (0,02)
20/400 5/300 (20/1200)

1 Acuidade visual refere-se à “maior capacidade de discriminar dois pontos a uma determinada dis-
tância” (TALEB et al., 2012).

120 Libras e sistema braille


Deficiência visual: formas de leitura 7
Categoria da Acuidade visual com a melhor correção visual possível
deficiência visual Máximo menos de Máximo igual ou melhor que
1/60 (contar dedos a 1 metro)
4 1/50 (0,02) Percepção de luz
5/300 (20/1200)
5 Sem percepção de luz
9 Indeterminada ou não especificada.
Fonte: TALEB et al. (2012, p. 11).

De acordo com a tabela, as categorias 1 e 2 referem-se às pessoas que têm visão subnor-
mal, enquanto cegueira relaciona-se às categorias 3, 4, 5 e 9. Já o Código Internacional de
Doenças (CID) estende a visão subnormal para a categoria 3. Na prática, pessoa com visão
subnormal é aquela que apresenta deficiência visual, mesmo depois de tratamento ou corre-
ção refrativa, apresentando acuidade visual de 20/60, mas que consegue usar sua visão para
a execução de alguma tarefa (TALEB et al., 2012, p. 12).
O CID questiona que pessoas com visão subnormal (categoria 3) são classificadas como
cegas pela tabela da OMS. Isso é um problema, pois elas deixam de se beneficiar com o tra-
tamento adequado para pessoas com visão subnormal. Há uma grande diferença entre pes-
soas que têm cegueira irreversível (sem percepção de luz) e aquelas que têm visão residual
que lhes permite realizar tarefas rotineiras (TALEB et al., 2012, p. 13).
Especificamente sobre a cegueira, Sá, Campos e Silva (2007) atestam que:
a cegueira é uma alteração grave ou total de uma ou mais das funções ele-
mentares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber
cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento em um campo mais ou
menos abrangente. Pode ocorrer desde o nascimento (cegueira congênita), ou
posteriormente (cegueira adventícia, usualmente conhecida como adquirida)
em decorrência de causas orgânicas ou acidentais. Em alguns casos, a cegueira
pode associar-se à perda da audição (surdocegueira) ou a outras deficiências.
(SÁ, CAMPOS e SILVA, 2007)

A OMS fez em 2011 uma estimativa global e concluiu que o número de pessoas com de-
ficiência visual é de aproximadamente 285 milhões, do quais 39 milhões são cegos (TALEB
et al, 2012, p. 18). Dos cegos, 82% têm 50 anos ou mais, pois a principal causa de cegueira, a
catarata, acomete principalmente a população idosa.
A cegueira também é um problema econômico-social, já que quase 90% dos casos de
cegueira ocorrem em países subdesenvolvidos. Um exemplo é a catarata, que acomete 5%
da população idosa de países economicamente desenvolvidos, mas que chega a 50% dos
idosos nas regiões mais pobres do mundo (TALEB et al, 2012).
Ainda segundo Taleb et al (2012), a deficiência visual é considerada um problema grave
de saúde global pela OMS. Em 2012, essa organização destacou que 80% das deficiências

Libras e sistema braille 121


7 Deficiência visual: formas de leitura

visuais advêm de causas que poderiam ser evitadas. Infelizmente, milhões de pessoas conti-
nuam a perder a visão, devido à falta de políticas públicas de prevenção à cegueira.

Dados sobre a cegueira


• 90% dos casos de cegueira ocorrem nas áreas pobres do mundo;
• 60% das cegueiras são evitáveis;
• 40% das cegueiras têm conotação genética (são hereditárias);
• 25% das cegueiras têm causa infecciosa; e
• 20% das cegueiras já instaladas são recuperáveis.
(TALEB et al., 2012, p. 20)

7.2 A importância do ato de ler

Pensando no ato de ler, a primeira ideia que vem à cabeça da maioria das pessoas é a deco-
dificação de palavras. Afinal, é assim que a leitura é ensinada na escola, por meio do aprendiza-
do das letras que se unem para compor sílabas que, por sua vez, se integram e formam
palavras.
Contudo, a leitura está longe de ser apenas um processo linguístico. Em seus estudos,
Martins (2012, p. 31) enfatiza que existem duas formas de leitura:
1. decodificação mecânica de signos linguísticos, por meio do aprendizado
estabelecido a partir do condicionamento estimulo-resposta (perspectiva
behaviorista-skinneriana).
2. como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve compo-
nentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto
culturais, econômicos e políticos (perspectiva cognitivo sociológica).

Figura 1 – Ler não é um ato mecânico. Nesse sentido, o ato de ler vai além do
texto propriamente dito. Afinal, não basta
apenas repetir o que está escrito, é preciso
que tenha significado o que foi decodifica-
do. Dessa forma, o leitor participa de forma
ativa do texto, dando-lhe significados que
dialogam com a mensagem original, mas
que vão além do que está escrito. Isso por-
que o leitor traz a sua própria experiência
de vida, as leituras que fez, os conhecimen-
tos que tem, as ideologias que defende, e
interpreta o texto com base nessas e em
outras informações. Por esse motivo, é pos-
sível afirmar que um texto sempre vai ser
Fonte: Twinsterphoto/Shutterstock.
lido de uma forma diferente, dependendo
de quem o lê.

122 Libras e sistema braille


Deficiência visual: formas de leitura 7
Obviamente, ao escrever, o autor do texto sempre tem em vista um leitor ideal, que
compartilha de seu repertório, de suas experiências e de seus gostos, mas, na realidade,
cada leitor é diferente: um leitor pode concordar completamente com as ideias apresentadas
no texto; outro pode discordar plenamente delas; já um terceiro pode concordar em partes;
enquanto um quarto pode ser indiferente às questões apresentadas ou sequer entendê-las...
Por isso, um texto só se realiza nas mãos de quem o lê.
Pode-se afirmar que o leitor se apropria do que lê, tornando-se, de certa forma, coautor
do texto, na medida em que é ele que dá sentidos ao que lê. Pensando em leitura como um
ato de apropriação, pressupõe-se, assim, que quando o leitor se apropria de um texto, não
apenas recebe informações, mas também produz conhecimento a partir do que lê: “apro-
priar-se é o que se recebe em algo próprio e produzir um ato de diferenciação, uma ação
afirmativa, invenção e criação, ou seja, não se trata de uma simples recepção mecânica e
automática de sinais ou de mensagens” (CHARTIER, 1999).
Assim, tanto o processo de apropriação da informação quanto a leitura não
devem ser considerados somente como atos mecânicos de decodificação, pois
dependem de diversos fatores relacionados ao contexto de vida do leitor, sua
experiência, interesse e necessidade informacional; em outras palavras, o mundo
do leitor influencia diretamente o ato de ler e a apropriação da informação. Para
que a leitura e a apropriação da informação sejam significativas para o sujeito,
ele deve compreender que esses processos são dependentes do seu contexto so-
cial, que ditará como o leitor se comportará diante de um texto, como se dará
a produção dos sentidos, a interpretação e compreensão, assim como a ação,
reflexão e transformação do conteúdo em algo que sacie seu desejo e necessidade
informacional. (SILVA, 2013, p. 42)
Portanto, para Almeida Júnior (2007, p. 36), “a apropriação, da informação, que fique
claro, propõe uma alteração, uma transformação, uma modificação do conhecimento, sendo
assim uma ação de produção e não meramente de consumo”.
Para Paulo Freire (1989), o ato de ler nos torna críticos enquanto sujeitos do conhecimento.
Ler e escrever são inseparáveis, compreender e ter o domínio da linguagem e da língua são
partes do mesmo processo, sendo um estímulo à oralidade, indiferente da cultura. O ato de ler
é também imprescindível para o desenvolvimento escolar e sócio-afetivo. Em se tratando de
deficiência visual, esse ato se torna ainda muito mais importante, pois tem um papel de inclusão.
Paulo Freire destaca a importância da leitura do mundo. Para ele, a leitura do mundo
precede a leitura da palavra:
Refiro-me a que a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a
leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. [...] este movimento do
mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em
que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos.
De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da pala-
vra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de
“escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa
prática consciente. (FREIRE, 1989, p. 13)

Libras e sistema braille 123


7 Deficiência visual: formas de leitura

No entanto, em se tratando de sujeitos privados da visão, como é feita a leitura de mun-


do e a leitura da palavra? Afinal, mais de 80% dos estímulos do ambiente são captados de
forma instantânea pelo sistema visual, que os recebe e interpreta (MOLINA, 2011). No caso
do cego, ele lerá o mundo de forma diferente, por meio de outros sentidos como o tato e a
audição. No entanto, é um mito que os cegos têm uma audição mais apurada ou possuem
sexto sentido, pois os outros sentidos do cego têm as mesmas características dos das outras
pessoas (MOLINA, 2011). O que ocorre é que o deficiente visual, como não recebe os estí-
mulos pela visão, precisa recorrer aos sentidos remanescentes para criar esquemas e fazer
associações que ele vai guardar na memória. Ele acaba prestando muito mais atenção nessas
informações vindas pelos outros sentidos do que a maioria das pessoas, dando a impressão
de que tem “superpoderes”.
Portanto, a família e a escola jamais devem ignorar essa leitura que a criança cega faz do
mundo ao seu redor. Ao contrário, deve estimulá-la ainda mais, incentivando-a a explorar
ao máximo os outros sentidos, por meio de atividades e brincadeiras. Essa leitura de mundo
é que vai abrir as portas da criança para o aprendizado da palavra escrita que, nesse caso,
será em braille.

7.3 Formas de leitura e inclusão social

A leitura proporciona às pessoas crescimento pessoal e oportunidades acadêmicas e


profissionais. A leitura também alimenta a imaginação, entretém e aproxima o leitor de ou-
tras culturas e experiências.
O deficiente visual não tem acesso aos livros da mesma forma que as outras pessoas.
Ele depende de materiais adaptados para que possa estudar e ler por prazer ou de pessoas
que estejam dispostas a ler para ele. Essa é uma das maiores dificuldade encontrada pelos
alunos com deficiência visual.
No caso de alunos com visão subnormal, eles precisam que os livros escolares sejam
adaptados para que eles possam lê-los: as letras são escritas em fonte maior e com espaço
maior entre as linhas (BRASIL, 2017, p. 41). Já nos casos de cegueira, o aluno vai precisar
dos livros em braille. Nem sempre o acesso a esses materiais especiais é fácil. A demora em
consegui-los pode ser um fator bastante desmotivador para o estudante.
O professor com aluno deficiente visual em sala precisa fazer adaptações em sua aula,
sempre considerando o tipo de deficiência. O estudante com baixa visão precisa sentar bem
na frente, mesmo que ele seja mais alto que os colegas. Já o aluno cego precisa estar próximo
ao professor também. É importante que o aluno com deficiência visual tenha a seu lado um
colega que possa ajudá-lo – pode ser feito um rodízio entre todos os alunos da turma, assim
ele pode interagir com todos.
As crianças da turma podem ser orientadas a acolher esse colega e ajudá-lo mesmo fora
da sala. Isso não significa que esse aluno deva ser visto como inferior aos demais, mas que
precisa de atenção e cuidado. A inclusão ocorre naturalmente quando as crianças percebem

124 Libras e sistema braille


Deficiência visual: formas de leitura 7
que, embora o colega tenha um problema de visão, ele pode brincar, interagir com elas e
participar das aulas.
O professor que tem um aluno deficiente visual precisa cuidar para que os textos dos
livros e do quadro sejam sempre lidos em voz alta. Também deve ler com frequência histórias
para a turma. Se o estudante escrever em braille, é interessante que o professor lhe peça para
ensinar como o braille funciona aos colegas, de modo a que todos entendam como ele escreve
e lê. A inclusão ocorre pela aceitação e pelo entendimento, por isso o aluno deficiente jamais
deve ser deixado de lado, ignorado ou “escondido”. O professor deve fazer com que ele se
sinta aceito e integrado à turma e que participe das atividades, que precisam ser adaptadas.
O estudante cego precisa da leitura para entender e experimentar situações novas,
que não fazem parte da sua realidade. Pela leitura, ele dialoga com o mundo e apreende
novas informações.
O texto em braille é importante para o estudante cego porque possibilita sua autonomia
e independência, já que ele pode ler sozinho. No entanto, até atingir a autonomia, o estudan-
te precisa de orientação e ajuda. O problema é que a família, na grande maioria das vezes,
não sabe braille e não tem interesse em aprendê-lo. Em casa, a criança não tem acesso a li-
vros adaptados que ela possa ler, nem recebe estímulo para a leitura. Essas questões acabam
prejudicando o seu desenvolvimento escolar. O ideal seria que o deficiente visual tivesse
acesso facilitado a todo material escrito:
E, se a leitura é importante para qualquer cidadão, ela não é menos importante
para os deficientes visuais, privados da capacidade de apreensão de informação
pela imagem ou drasticamente limitados quanto a essa capacidade. As conse-
quências desta incapacidade, terrivelmente limitativas para os que são afetados
por elas, poderão ser bastante atenuadas, se o habito e a facilidade de ler, bem
como a abundancia e a variedade de livros, revistas e jornais, facilmente acessí-
veis, tiverem podido criar o interesse e o gosto pela leitura. (OLIVA, 2000, p. 2)
Para que ocorra a alfabetização em braille, é necessário ter orientação espacial e do-
mínio da lateralidade, pois para uso da reglete é necessária essa percepção espacial para
ter conhecimento de onde começa e termina uma linha, onde parou de escrever, onde se
posicionar para escrever etc. Para facilitar a escrita e a leitura com a reglete pode-se picotar
a folha do lado direito, marcando onde a criança deve iniciar a leitura e escrita. Ter domínio
da lateralidade é imprescindível, pois a localização dos pontos na cela se inverte: são escri-
tos na reglete da direita para a esquerda e lidos da esquerda para a direita. Além disso, é de
suma importância averiguar em qual mão há uma percepção mais desenvolvida para que
seja utilizada como predominante na leitura e na escrita.
Trabalhar conceitos como grande/pequeno, longe/perto também torna-se pertinente na
medida em que a criança cega desenvolve sua percepção tátil.
A leitura e a escrita em braille para o estudante cego torna o aprendizado mais rico e
fácil, pois, ao se trabalhar estimulação essencial, percepção tátil e orientação espacial, ativi-
dades básicas para o aprendizado de braille, o sujeito desenvolve suas funções psicológicas
superiores e habilidades espaciais, úteis para sua autonomia e integração social.

Libras e sistema braille 125


7 Deficiência visual: formas de leitura

Figura 2 – Criança lendo em braille.

Fonte: Wavebreakmedia/Shutterstock.

Pensando em inclusão, os Parâmetros Currículos Nacionais (BRASIL, 1998) discorrem


sobre a importância e necessidade do braille para educação de sujeitos cegos. A possibilida-
de de escolarização é muito importante, pois proporciona conhecimento e profissionaliza-
ção. A leitura pelo sistema braille pode ajudar na autonomia e na autoestima, pois oferece
novas possibilidades ao estudante cego.
Segundo Molina (2011), outro recurso bastante explorado pelos cegos são os audiobooks,
obras que são uma versão falada do livro impresso. A pessoa que grava o livro precisa lê-lo
corretamente, fazendo pausas e respeitando a pontuação. A vantagem desse tipo de livro é a
facilidade de transporte e a sua rápida produção. No entanto, o estudante cego não tem conta-
to com a grafia das palavras, o que pode ocasionar dificuldades para produzir textos escritos.
Com a evolução da tecnologia, os deficientes visuais foram talvez os que mais se
beneficiaram. Hoje um cego consegue escrever e ser lido, assim como ler o que os outros
escreveram graças aos leitores de telas e sintetizadores de voz que transmitem oralmente
toda informação disponível no monitor. Por meio de scanners especiais, é possível digitali-
zar livros para serem lidos por um editor de texto com sintetizador de voz, ou ainda, para
ser impresso em braille em uma impressora especial.
Cabe à escola, à família e à sociedade buscar meios para que o aluno com deficiência
visual, tanto com visão subnormal como com cegueira, possa ser estimulado ao máximo, de
forma adequada para que se potencializem seus sentidos remanescentes e suas habilidades.

126 Libras e sistema braille


Deficiência visual: formas de leitura 7
Ampliando seus conhecimentos

O método braille no contexto da sala de aula


(CHAGAS, 2011, p. 2767-2770)

Do ponto de vista educacional o aluno cego é aquele que necessita do


método braille para leitura e escrita, considerando a funcionalidade do
resíduo visual que, em muitos casos, existe e pode ser aproveitado em
outras atividades.

A formação docente muitas vezes é marcada por uma inculcação de pre-


conceitos que consideram o ser humano ideal, até que há o confronto com
os alunos reais, e ao professor são ofertados dois caminhos: abrir mão
da idealização e lutar para romper com o ideal apreendido ou exercer a
estigmatização e invisibilidade da realidade. A acertada escolha por rom-
per com a idealização carrega em si alto teor de gratificação diante da vida
que o educador pode ajudar a potencializar. O olhar-ação do professor é
fundamental para o desenvolvimento do aluno, professor este compro-
metido com a dimensão vida, fortalecido no querer aprender, criar, desco-
brir diferenças, aprender com a diversidade e se fascinar com as múltiplas
possibilidades que lhe serão apresentadas.

Enfatizando uma proposta humanizadora no trato do Sistema Educacional,


considerando os aspectos afetivos como essenciais para compreensão do
comportamento dos seres humanos em interação social, a psicogênese de
Henry Wallon contribui para o estudo da relação professor-aluno, sendo,
portanto relevante para este estudo por sua prática se fundamentar na
valorização da dimensão estética da realidade e a expressividade do
sujeito (o eu) ocupar lugar de destaque.

Para Wallon a personalidade é constituída basicamente por duas fun-


ções: a afetividade e a inteligência. Na obra deste autor, segundo Almeida
(1999, p. 51) a afetividade e a inteligência “constituem um par inseparável
na evolução psíquica, pois ambas têm funções bem definidas e, quando
integradas permitem à criança atingir níveis de evolução cada vez mais
elevados”. Desta forma, a ausência de uma educação que considere a afe-
tividade em sala de aula traz prejuízos para a ação pedagógica, com con-
sequências desgastantes para professor e aluno.

A afetividade, segundo Almeida (1999) deve ser entendida como uma


ponte que liga a vida orgânica a vida psíquica. Deve ser considerada

Libras e sistema braille 127


por todos que participam do cotidiano dos indivíduos e, neste sentido,
na escola, faz-se necessário que o professor conheça o fenômeno da emo-
ção para conseguir estabelecer relação com seus alunos não somente no
aspecto cognitivo.

Fica claro então que a afetividade do professor se manifesta em seu com-


portamento, em seus gestos e na forma como vivencia sua relação com seu
aluno. Se este professor no cotidiano escolar invisibiliza seu aluno, olha,
mas não o vê, vê, mas não o percebe, percebe, mas não o sente, sente, mas
não o ama, ele não investe nessa vida, na vida que a criança representa
e nas infinitas possibilidades de manifestação que esta vida traz. Não
o educa no espaço-tempo de educar e assim, o paradigma educacional
vigente vem, ao longo de décadas, não educando para a vida e sim para a
morte das infinitas possibilidades.

Considerando esta linha de raciocínio, a todo educador cabe o dever de


saber que uma criança cega é um ser que se desenvolve, que constrói, que
aprende e que sente. Suas necessidades específicas reclamam sim aten-
dimento especializado, dirigido as suas especificidades uma vez que seu
desenvolvimento efetivo dependerá exclusivamente das oportunidades
que lhe foram dadas. Este aluno interagindo com objetos, meio físico e
pessoas experimenta a relação com o mundo e torna suas experiências
mais ricas e significativas, sendo oportuno que o mais precocemente pos-
sível a criança cega entre em contato com o universo da leitura e escrita no
sistema braille, desenvolvendo previamente um conjunto de habilidades
que lhe serão necessárias.

É importante ressaltar que a aquisição de conceitos para a criança cega


será dificultada pela falta dos referenciais visuais, portanto serão outros
os canais sensoriais que desenvolverão, de forma mais inconsistente, o
papel principal no desenvolvimento da criança. Com o tato a aquisição de
conceitos é parcial e compartimentada, sendo necessárias inúmeras repe-
tições em experiências concretas, com manuseio e exploração tátil.

A criança cega costuma ser mais vulnerável emocionalmente em relação a


outras crianças por não ser capaz de perceber indicações visuais, assim se
torna muitas vezes especialmente sensível a conotação de voz empregada
pelas pessoas a sua volta, incluindo o professor. O contato falado com o
aluno cego é tão importante quanto o afeto. Segundo Boato (2009) podem
faltar pernas, braços, olhos, ouvidos, inteligência, e isso pode trazer algu-
mas limitações. Mas, sobram carinho, respeito, pureza e sensibilidade
Deficiência visual: formas de leitura 7
para nos mostrar as coisas do amor, da convivência e da alegria de viver
com o único desejo de viver. E haverá algo mais importante?

Para Almeida (2009) é preciso que os fundamentos essenciais para leitura


e escrita do sistema braille sejam considerados. No que se refere à escrita
tais fundamentos se darão através da aquisição de mobilidade adequada
e precisa nos movimentos que implicam ação contrária; no domínio dos
movimentos executados pelos dedos; na exploração dos movimentos de
toda mão; na coordenação concomitante do jogo articulatório do punho
com movimentos de segurar e apertar objetos com a mão e os dedos; com
o oferecimento de situações concretas que servirão de base para a escrita
e do contato da criança cega com a reglete, punção ou máquina Perkins,
caso este recurso seja necessário. Quanto à leitura, destaca que os funda-
mentos se pautam em discriminação tátil; no aprendizado a respeito da
organização da página escrita; em trabalhar o elemento escrito; em tra-
balhar os movimentos corretos das mãos no ato da leitura e discrimina-
ção auditiva, para reconhecimento dos sons. A leitura é desenvolvida da
esquerda para a direita, já a escrita é realizada ao contrário, da direita para
a esquerda, exigindo atenção, memorização e tato aguçados.

O professor deve criar estímulos para o aprendizado, pois o método


braille não faz parte do cotidiano dos alunos antes que estes ingressem
na escola; a sala de aula tem que ser rica em estímulos táteis, uma vez que
o ato da escrita, tão natural a criança vidente que desde cedo apropria-se
por imitação visual, é uma grande lacuna na vida de uma criança cega
antes que ela ingresse na escola, geralmente gerando atraso na aquisição
e domínio da escrita.

O processo educacional que garante o aprendizado do aluno cego se fun-


damenta na utilização de recursos específicos e materiais adaptados. Desta
forma, as adaptações curriculares se constituem em possibilidades educa-
cionais para que, diante das necessidades específicas dos alunos, haja uma
atuação que promova ajustes e modificações para que o aprendizado ocorra.

Assim, quando se trata da educação de uma criança cega serão utilizados


recursos específicos, entendidos como aqueles que apenas o aluno cego
utiliza, como a reglete, o punção, o sorobã e livros em braille e também
materiais adaptados que são objetos com função educativa que sofrem
modificações para dar ao aluno cego condições de, através do tato, com-
preender conceitos, formas e características. As adaptações curriculares
correspondem ainda ao uso de mobiliário adequado, recursos humanos
especializados, introdução de métodos e procedimentos complementares.

Libras e sistema braille 129


7 Deficiência visual: formas de leitura

A escola tem peculiar característica de promover um encontro entre pes-


soas, encontro este fundamentado na capacidade de aceitar os sentimen-
tos, as atitudes, as experiências, convivendo com as diferenças próprias a
cada ser, com respeito, confiança, autenticidade e tolerância. Desta forma,
este trabalho considera que a criança cega tem muito mais semelhanças
do que diferenças em relação à criança vidente. Suas necessidades físicas,
emocionais e intelectuais são as mesmas, daí a importância de estar atento
e estabelecer com o aluno uma relação de disponibilidades afetiva.

[...]

Atividades
1. Sobre a deficiência visual, é correto afirmar:

a. Todo deficiente visual deve aprender o braille para poder comunicar-se por es-
crito e ler livros.

b. A deficiência visual é um problema hereditário que acomete mais de 200 mi-


lhões de pessoas no mundo.

c. A cegueira é um problema grave de saúde global e a maioria dos casos poderiam


ser evitados se houvesse políticas públicas de prevenção.

d. Alunos com baixa visão e alunos com cegueira devem receber o mesmo trata-
mento na escola, pois ambos os problemas prejudicam o aprendizado.

e. Pessoas com visão subnormal precisam receber o mesmo tratamento que as pes-
soas cegas, de acordo com o Código Internacional de Doenças (CID).

2. É por meio do ato de ler que o leitor adquire informação apropriando-se dela. Segun-
do Rodrigues e Cippra, (2001, p. 52) “ao se definir que algo é informativo, que esta
informação atende as suas necessidades e que a mesma tem sentido considerável, o
individuo apropria-se dela, processa e constrói um novo conhecimento”. Então ao
que se refere o ato de apropriar?

a. Inventar e criar estratégias para ler mais rápido ou dinamicamente.

b. Apropriar-se é o ato de ler, imprescindível para o desenvolvimento escolar e


sócio-afetivo.

c. Simplesmente fazer leitura mecânica e automática e decodificar códigos.

130 Libras e sistema braille


Deficiência visual: formas de leitura 7
d. Apropriar-se é o que se recebe em algo próprio e produzir um ato de diferen-
ciação, uma ação afirmativa, invenção e criação, ou seja, não se trata de uma
simples recepção mecânica e automática de sinais ou de mensagens.

e. Apropriar-se de letras e saber o seu valor sonoro, assim realizamos o ato de ler.

3. A leitura proporciona crescimento pessoal e profissional. Como é a leitura para os


sujeitos privados de visão?

a. O sujeito com deficiência visual lê o mundo como qualquer outro sujeito.

b. O sujeito cego lê o mundo de forma diferente, por meio de outros sentidos como
o tato e a audição. Já a leitura de textos é feita em braille e livros em áudio.

c. O sujeito com deficiência visual lê apenas em braille, quando cego; e com carac-
teres ampliados, quando tem visão subnormal.

d. A criança cega não pode ler o mundo, pois é privada de visão, a qual é essencial
para leitura.

e. O ato de ler estimula no sujeito o senso crítico. Contudo, o sujeito cego depende
de outras pessoas para que esse processo de leitura seja realizado.

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Libras e sistema braille 131


7 Deficiência visual: formas de leitura

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cegueira.pdf>. Acesso em: 27 jan. 2016.

Resolução
1. C

2. D

3. B

132 Libras e sistema braille


8
Desafios da escola inclusiva
Maria Olinda Maia

Em virtude de a inclusão escolar abranger os sistemas educacionais, torna-se


necessário transformar as escolas públicas em espaços inclusivos de qualidade, que
valorizam o estudante aluno com deficiência e suas diferenças sociais, culturais e emo-
cionais. Refletir criticamente sobre políticas públicas, sistemas educacionais e propor
formação para professores é de suma importância nesse viés. Discutir como se dá o
processo de inclusão e práticas educativas a partir dessa perspectiva, como uma evo-
lução de concepção para um novo paradigma no contexto da educação inclusiva, tam-
bém se faz necessário.

Libras e sistema braille 133


8 Desafios da escola inclusiva

8.1 Inclusão educacional

Tendo em vista que a inclusão é uma proposta de construção de um sistema educacio-


nal legalmente amparado, as práticas inclusivas não deveriam se distanciar das concepções
teóricas e legais, nem possuir caráter excludente e conservador. Nessa perspectiva inclusiva,
Arruda e Almeida (2014, p. 6) destacam
Nesse contexto fica evidente a insatisfação de todos os personagens envolvidos
no processo, sejam os pais de crianças com necessidades educacionais especiais
(NEE), que aspiram por um atendimento especializado e individualizado para
os seus filhos, sejam os gestores e professores, que se sentem despreparados e
desamparados para atender essa demanda.

Dessa forma, ao trabalhar com a educação inclusiva é necessário deixar de lado o con-
servadorismo e entender que uma escola pode oferecer condições de aprendizagens e con-
vivências com as diferenças.
A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) é o marco mundial para a filosofia da
educação inclusiva, pois segundo Mendes (2006 p. 395), “a partir de então, ganha terrenos as
teorias e práticas inclusivas em muitos países, inclusive no Brasil”. Com a declaração foram
preconizadas diretrizes da Educação para todos e assim estabeleceu-se força às discussões
acerca da escola inclusiva.
A Lei n. 9.394/96 – de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que define como dever
do Estado o “atendimento educacional especializado aos educandos com necessidades es-
peciais preferencialmente na rede regular de ensino” (Artigo n. 4, III), orienta as políticas
educacionais e proporciona a base legal para o desenvolvimento da educação inclusiva.
Para Karagiannis, Stainback e Stainback (1999, p. 21) “a prática da inclusão de todos –
independente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em
escolas e salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”.
Assim, a filosofia da inclusão é a união de pessoas para criar escolas com base na aceitação.
Ainda, segundo Mendes (2006 p. 395) inclusão é
Uma proposta da aplicação prática ao campo da educação de um movimento
mundial, denominado, inclusão social, que implicaria a construção de um pro-
cesso bilateral na qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em parceria,
efetivar a equiparação de oportunidade para todos, construindo uma sociedade
democrática na qual, todos conquistariam uma cidadania, na qual a diversidade
seria respeitada e haveria aceitação e reconhecimento político das diferenças.

Nesse viés podemos pensar em inclusão como movimento social, marcada por lutas,
mesmo que realizadas por grupos minoritários, mas com objetivo de conquistar a possibili-
dade de direitos para uma vida justa em sociedade.
A inclusão escolar promove que o estudante com deficiência vivencie experiências em
contextos reais, proporcionando-lhe, assim, viver em comunidade. Já para os professores,
a inclusão também é benéfica, visto que seu esforço para atender diversas necessidades, o

134 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
faz desenvolver e aperfeiçoar suas habilidades, conforme relatam Karagiannis, Stainback e
Stainback (1999).
Já para Carvalho (2005, p. 15) a inclusão deve ser entendida
[...] como princípio (um valor) e como processo contínuo e permanente. Não
deve ser concebida como um preceito administrativo, dado “a priori”, que leva
a estabelecer datas, a partir das quais as escolas passam a ter o estado de inclusi-
vas, em obediência à hierarquia do poder ou a pressões ideológicas.

Logo, acredita-se que o sistema educacional necessita de reestruturação para atender às


necessidades de cada estudante, proporcionando meios para que eles alcancem progressos
e autonomia. Contudo Mendes (2002, p. 65) afirma que “a equiparação de condições, não
garante a equiparação de oportunidades, e a educação inclusiva bem-sucedida implicará
a reestruturação do sistema educacional em todos os níveis: políticos, administrativo e na
própria sala de aula”.
Ao pensarmos em políticas públicas, precisamos rever nossos conceitos de inclusão,
nosso papel como cidadãos, educadores e pais. Precisamos entender que cada sujeito tem
suas especificidades, que devem ser respeitadas, acolhidas e atendidas em suas diferenças,
pois somente assim se fará uma política inclusiva que contribua para construção de uma
sociedade justa.
Tratando de algumas políticas de inclusão, observamos o professor como o único sus-
tentador do processo, sendo ele o responsável pelo sucesso ou fracasso do estudante. Porém
não devemos esquecer que esse processo se faz com todos os profissionais que estejam li-
gados a educação. A constituição de uma equipe multidisciplinar se faz necessária, desde
que tenham um trabalho colaborativo junto aos professores para pôr em prática o trabalho
educativo em seus diversos campos.
As flexibilizações curriculares também são fundamentais quando falamos em inclusão,
levando em conta o grupo de estudantes, e não alguns alunos isoladamente.
A aprendizagem e a integração social são fatores indissociáveis, pois se o sujeito faz
parte de um grupo, troca interesses e aprendizagens. Não havendo esses dois fatores, não
há inclusão, pois se isolarmos os sujeitos A e B da aprendizagem, não podemos integrá-los
e socializá-los. Dessa maneira, ocorre uma proposta educativa que não atende às questões
inclusivas e acaba enfatizando a diferença do sujeito com deficiência, reforçando a exclusão
dentro da sala de aula.
Para garantir o acesso e a permanência concomitante ao sucesso do estudante com ne-
cessidades especiais, é preciso que a prática do professor seja efetivada nas necessidades,
nas potencialidades e especificidades desse estudante. Salend (2008) salienta a aceitação dos
pontos fortes e desafiadores destes estudantes, pois o professor tem que levar em conta
diversos fatores que os tornam sujeitos únicos e promover equiparidade e aceitação, valori-
zando, assim, a aprendizagem.
Para a efetivação da inclusão escolar, é necessário que, além dos professores, toda a
comunidade escolar acredite nela, lute em defesa de seus direitos, contra a desigualdade,

Libras e sistema braille 135


8 Desafios da escola inclusiva

a favor da igualdade, em busca de uma educação de qualidade para todos (SCHAFFNER;


BUSWELL, 1999).
A formação do professor é essencial para potencializar o processo de ensino frente às
diferentes situações no âmbito de educar. Assim, o material a ele oferecido deve ter lin-
guagem acessível, para que se aproprie de conceitos e saiba articulá-los com situações co-
tidianas dentro de cada realidade. Essa formação deve ser um processo contínuo, sendo
necessário valorizar o saber de cada profissional envolvido, para que o mesmo possa levar
conhecimento ao estudante dentro de cada especificidade. Investir na formação do profis-
sional é de suma importância, pois assim pode-se lidar com impasses do cotidiano da sala
de aula em vistas à inclusão. Lembrando que o processo colaborativo entre os professores e
a equipe multidisciplinar é necessário para que se obtenha ainda mais sucesso.
Nesse contexto, Jerusalinsky e Páez (2001, p. 35) afirmam: “são poucas as experiências
onde se desenvolvem os recursos docentes e técnicos e o apoio específico necessário para
adequar as instituições escolares e os procedimentos pedagógico-didáticos às novas condi-
ções de inclusão”.
Concluímos, então, que a criação de uma política de formação é imprescindível para
fins inclusivos, pois o professor bem preparado deixa o estudante menos ansioso, gerando
prazer pelo aprender.

8.2 Reflexões sobre currículo e avaliação

Em 1988, com a Constituição da República Federativa do Brasil, foram aprovados vários


mecanismos referentes aos direitos das pessoas com deficiência, tanto na educação como em
outras áreas. Na educação, destacou-se o inciso III, do artigo 208, que define como dever do
Estado “o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferen-
cialmente na rede regular de ensino”.
Contudo somente a partir da Declaração de Salamanca, como citado anteriormente, que
foram indicadas as diretrizes da Educação para todos. É importante ressaltar que o conceito
de escola inclusiva conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial
(MEC/SEESP, 1998)
[…] implica uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto político
pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude
dos educandos, ações que favoreçam a integração social e sua opção por prá-
ticas heterogenias. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se
e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive, para os
educandos com necessidades especiais.

A partir de medidas desenvolvidas pela Secretaria de Educação Especial do Ministério


da Educação com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, houve a necessidade de
se pensar um currículo para a escola inclusiva. Neste documento, explicita-se o conceito de
adaptações curriculares, consideradas como

136 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
[…] estratégias e critérios de atuação docente, admitindo decisões que oportuni-
zam adequar a ação educativa escolar às maneiras peculiares de aprendizagem
dos alunos, considerando que o processo de ensino-aprendizagem pressupõe
atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola. (MEC/SEESP/SEB,
1998, p. 15)
Existem dois tipos de adaptações curriculares, as chamadas adaptações de acessibilida-
de ao currículo e as adaptações pedagógicas (SME-RJ, 1996).
As adaptações de acessibilidade referem-se à eliminação de barreiras arquitetônicas e
metodológicas. Estas incluem as condições físicas, materiais e de comunicação, já no caso do
estudante cego, temos em vista a transcrição de textos para braille e outros recursos pedagó-
gicos adaptados para deficientes visuais.
As adaptações curriculares são alterações do planejamento anual, atividades e de ava-
liação, no currículo como um todo, ou em aspectos dele, para subsidiar estudantes com
necessidades especiais, assim os sistemas educacionais modificarão não apenas as suas ati-
tudes e expectativas em relação a esses sujeitos, mas se organizarão para construir uma real
escola para todos, que dê conta de cada especificidade.
Vale ressaltar que, currículo, conforme MacLaren
[...] representa muito mais do que um programa de estudos, um texto em sala de
aula ou o vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele representa a introdução
de uma forma particular de vida; ele serve, em parte, para preparar os estudantes
para posições dominantes ou subordinadas na sociedade existente. O currículo
favorece certas formas de conhecimento sobre outras e afirma os sonhos, desejos
e valores de grupos seletos de estudantes sobre outros grupos, com frequência
discriminando certos grupos raciais, de classe ou gênero. (1998, p. 116)
A inclusão de estudantes cegos na classe regular implica no desenvolvimento de ações
adaptativas e na flexibilização do currículo, para que esse sujeito possa se desenvolver de
maneira efetiva em sala de aula e, além disso, atenda às necessidades individuais de todos
os estudantes. Nessa perspectiva, Beauchamp, Pagel, Nascimento, (2007, p. 8), apontam:
O MEC tem consciência da pluralidade de possibilidades de implementação cur-
ricular nos sistemas de ensino, por isso insiste em estabelecer o debate dentro de
cada escola. Assim, optou por discutir eixos organizadores do currículo e não
por apresentar perspectiva unilateral que não dê conta da diversidade que há
nas escolas, da diversidade de concepções teóricas defendidas por pesquisado-
res e estudiosos.
Oliveira e Costa (2002) discutem sobre currículo inclusivo, com alguns aspetos prioritá-
rios na organização e elaboração, pensando em alguns exemplos, conforme a seguir.
Primeiramente, o respeito à diversidade e singularidade dos estudantes, portan-
to passível de adaptações, mas mantendo o conteúdo.
Devemos ter um professor da classe regular acolhedor, capacitado e apoiado,
pois assim mudará sua forma de ensinar e adaptar o que vai ensinar para atender
às necessidades de todos os alunos.

Libras e sistema braille 137


8 Desafios da escola inclusiva

Cursos e programas de formação e capacitação ao docente que os transformem


em professores que possam refletir e ressignificar sua prática pedagógica para
atender à diversidade do estudante.
Por fim, uma avaliação contínua, institucional e pedagógica do processo de
aprendizagem, pensando em seu monitoramento e apropriação de conhecimen-
to dos estudantes. Para tal, são necessários indicadores claramente definidos no
projeto político pedagógico da escola e no planejamento do professor.
Devemos pensar no estudante como um todo, pois os objetivos e os conteúdos curricu-
lares têm que ser traçados de forma diferenciada a partir de cada subjetividade, respeitando
suas possibilidades e tempo necessário para a aprendizagem de cada um. No caso do estu-
dante com deficiência visual, podemos utilizar recursos educacionais para a acessibilidade e
aprendizagem, incluindo materiais didáticos e paradidáticos em braille, computadores com
sintetizador de voz, softwares para comunicação alternativa e outras técnicas.
Quando recorremos à legislação, o artigo 4 da LDBEN 9394/96 prevê “currículos, mé-
todos e técnicas, recursos educativos e organização específicos”, para realizar atendimento
adequado aos estudantes com deficiência.
A adaptação curricular e o processo de avaliação se fazem necessários e contínuos,
dependendo de cada especificidade do estudante, podendo ser flexível e devendo ser de
forma colaborativa. Com isso o deficiente visual se sentirá acolhido, demonstrando suas
potencialidades.

8.3 Práticas educativas inclusivas

Para falarmos em práticas educativas inclusivas, é necessário entendermos que alguns


princípios norteiam métodos de ensino e aprendizagem. Segundo a cartilha da inclusão
escolar (2014), temos 25 princípios, mas aqui tomaremos ciência somente de alguns, que
julgamos mais importantes, para começarmos a entender as práticas educativas (ARRUDA,
M; ALMEIDA, M., 2014).
Princípio 1: cada cérebro é único e organizado de forma singular. Cada sujeito
apresenta habilidades e dificuldades particulares.
Princípio 3: o cérebro é um sistema complexo, dinâmico e integrado, constante-
mente esculpido pelas experiências do viver, no entanto, a maioria dessas modi-
ficações ocorrem apenas em nível microscópico e neuroquímico.
Princípio 5: o cérebro apresenta um alto grau de plasticidade e se desenvolve ao
longo da vida, embora existam limites nessa plasticidade que aumentam com a
idade.
Princípio 8: as emoções são críticas na detecção dos padrões, tomada de decisões
e aprendizagem.
Princípio 14: devolutivas (feedbacks) e avaliações significativas são fundamentais
para o aprendizado humano.

138 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
Princípio 15: o aprendizado é um processo de construção e a habilidade de
aprender evolui na medida em que o indivíduo amadurece. Quando o conheci-
mento é construído de forma ativa pelo aprendiz, ele se torna engajado e moti-
vado com o aprendizado.

Princípio 18: diferentes sistemas de memória (de curto prazo, de trabalho, de


longo prazo, emocional, espacial etc.) recebem e processam informações de dife-
rentes maneiras e são evocadas por vias neurais distintas.

Princípio 24: o atendimento diferenciado na sala de aula, permitindo que os


alunos aprendam em ritmos diferentes, pode ser justificado pelas evidências da
diversidade cognitiva infantil.

Princípio 25: diferentes estilos de aprendizagem refletem a singularidade do cé-


rebro humano. Todos nós utilizamos vias visuais, auditivas e sinestésicas para
processar novas informações, no entanto, as evidências científicas indicam que
diferentes pessoas utilizam estratégias diversas em momentos diversos, depen-
dendo do contexto da aprendizagem.

Figura 1 – Prática pedagógica inclusiva.

Fonte: Vebreakmedia/Shutterstock.

É relevante também refletirmos que o cérebro não nasce pronto, mas vai aprendendo
e sendo modificado, pois tem plasticidade, ou seja, tem a capacidade de desenvolver novas
conexões sinápticas entre os neurônios a partir da experiência e do comportamento vivido.
Segundo Carlo (2001) é por meio da plasticidade neural que o sujeito cego desenvol-
ve estrutura psíquica, reorganiza sua personalidade, adapta suas capacidades e promove

Libras e sistema braille 139


8 Desafios da escola inclusiva

desenvolvimento. Torna-se pertinente, então, o uso de práticas educativas para alcançarmos


a independência do estudante, principalmente o estudante cego.
Para Vygotsky, os processos de desenvolvimento e aprendizagem ocorrem simulta-
neamente, porém o desenvolvimento acontece com mais lentidão. Dessa forma, tem-se o
conceito de zona de desenvolvimento proximal. Segundo Vygotsky (1984, p. 87), trata-se da
[...] distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
Neste sentido, é pela zona de desenvolvimento proximal que os sujeitos desenvolvem
funções ainda não consolidadas, estabelecidas no nível de desenvolvimento real.
A interação do estudante com deficiência com aquele que não tem deficiência torna-se
uma fantástica oportunidade para a construção do conhecimento na diversidade, benefi-
ciando a todos, pois o contato com o outro contribui para significativas trocas de experiên-
cias, possibilitando desenvolvimento proximal e consequentemente modificações. Assim, o
sujeito cego constrói e reconstrói conhecimentos de forma compartilhada.
Por ser o professor elemento chave para a inclusão do estudante com deficiência, seja
ela qual for, seguem estratégias de como ele pode trabalhar com o estudante cego em sala
de aula. Conforme a Cartilha da Inclusão Escolar (2014 p. 19), o professor em cuja sala há
alunos deficientes visuais deve lembrar que:
• O aluno com deficiência visual deve receber com antecedência, escrito em braille,
o vocabulário que irá ser dado na aula.
• O aluno deve ser incentivado a soletrar as palavras, cujas grafias sejam significati-
vamente mais difíceis.
• Os desenhos, esquemas, as figuras, gravuras e demais imagens (inclusive as mos-
tradas em vídeo) devem ser apresentadas antecipadamente ao aluno, devendo
ainda, ser descritos em Português.
• A audiodescrição deve ser acompanhada da exploração tátil da figura ou do dese-
nho sempre que isso for possível.
• A matéria escrita no quadro deve ser fornecida ao aluno, preferivelmente em brail-
le, antes da aula, ou depois dela em situações excepcionais.
O professor de Matemática, em cuja sala há deficientes visuais, deve lembrar que:
• Os exercícios escritos no quadro devem ser lidos em voz alta.
• Um único exercício bem executado pelo aluno do princípio ao fim e devidamente
corrigido pelo professor é mais produtivo que muitos exercícios mal executados e
sem correção.
• Deve-se ajudar o aluno a treinar cálculo mental e recorrer a ele para a solução dos
problemas.
• Deve-se favorecer ao aluno a leitura em voz alta dos exercícios que resolveu.

140 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
• O professor deve ter disponível em classe o código braille para Matemática de
forma a ajudar o aluno quando não souber um sinal, um símbolo novo, ou ainda,
para que o aluno relembre um código já aprendido.
• O material concreto, tridimensional, palpável, deve estar à mão do professor de
modo a poder servir-se dele quando a explicação ou compreensão da matéria as-
sim exigir.
Assim, na perspectiva inclusiva devemos lembrar que o conteúdo curricular deve ser o
mesmo para todos os estudantes, porém com a devida flexibilização para o deficiente visual.
É necessário primar para que as explicações sejam descritivas e concretas e, sempre que
possível, possibilitar que o aluno cego manipule objetos e materiais que sejam os mais pró-
ximos possíveis do real e que facilitem a compreensão e participação nas atividades.
Ensinar o estudante a ouvir é essencial. Mesmo que ele tenha acesso ao braille, a escuta
concomitante à leitura facilita o aprendizado.
Evidencia-se, então, que os professores devem buscar sempre atuações pedagógicas
que contemplem as necessidades educacionais especiais dos deficientes visuais, visando
desenvolver suas potencialidades frente aos processos de aprendizagem, estimulando sua
independência para que possamos ter inclusão com responsabilidade.

Ampliando seus conhecimentos

Inclusão escolar
de alunos cegos e com baixa visão
(SÁ; CAMPOS; SILVA, 2017)

O desempenho visual na escola

Na escola, os professores costumam confundir ou interpretar erronea-


mente algumas atitudes e condutas de alunos com baixa visão que osci-
lam entre o ver e o não ver. Esses alunos manifestam algumas dificul-
dades de percepção em determinadas circunstâncias tais como: objetos
situados em ambientes mal iluminados, ambiente muito claro ou ensola-
rado, objetos ou materiais que não proporcionam contraste, objetos e seres
em movimento, visão de profundidade, percepção de formas complexas,
representação de objetos tridimensionais, e tipos impressos ou figuras não
condizentes com o potencial da visão.

O trabalho com alunos com baixa visão baseia-se no princípio de estimu-


lar a utilização plena do potencial de visão e dos sentidos remanescentes,

Libras e sistema braille 141


8 Desafios da escola inclusiva

bem como na superação de dificuldades e conflitos emocionais. Para isso,


é necessário conhecer e identificar, por meio da observação contínua,
alguns sinais ou sintomas físicos característicos e condutas frequentes,
tais como: tentar remover manchas, esfregar excessivamente os olhos,
franzir a testa, fechar e cobrir um dos olhos, balançar a cabeça ou movê-la
para frente ao olhar para um objeto próximo ou distante, levantar para ler
o que está escrito no quadro negro, em cartazes ou mapas, copiar do qua-
dro negro faltando letras, tendência de trocar palavras e mesclar sílabas,
dificuldade na leitura ou em outro trabalho que exija o uso concentrado
dos olhos, piscar mais que o habitual, chorar com frequência ou irritar
se com a execução de tarefas, tropeçar ou cambalear diante de pequenos
objetos, aproximar livros ou objetos miúdos para bem perto dos olhos,
desconforto ou intolerância à claridade. Esses alunos costumam trocar a
posição do livro e perder a sequência das linhas em uma página ou mes-
clar letras semelhantes. Eles demonstram falta de interesse ou dificuldade
em participar de jogos que exijam visão de distância.

Para que o aluno com baixa visão desenvolva a capacidade de enxergar,


o professor deve despertar o seu interesse em utilizar a visão potencial,
desenvolver a eficiência visual, estabelecer o conceito de permanência do
objeto, e facilitar a exploração dirigida e organizada.

As atividades realizadas devem proporcionar prazer e motivação, o que


leva à intencionalidade e esta desenvolve a iniciativa e a autonomia, que
são os objetivos primordiais da estimulação visual.

A baixa visão pode ocasionar conflitos emocionais, psicológicos e sociais,


que influenciam o desempenho visual, a conduta do aluno, e refletem na
aprendizagem. Um ambiente de calma, encorajamento e confiança contri-
buirá positivamente para a eficiência na melhor utilização da visão poten-
cial que deve ser explorada e estimulada no ambiente educacional, pois
o desempenho visual está relacionado com a aprendizagem. É recomen-
dável, portanto, provocar a conduta de utilizar a visão para executar todo
tipo de tarefas, pois a visão não se gasta com o uso. Além disso, o profes-
sor deve proporcionar ao aluno condições para uma boa higiene ocular de
acordo com recomendações médicas.

Conhecer o desenvolvimento global do aluno, o diagnóstico, a avaliação


funcional da visão, o contexto familiar e social, bem como as alternativas
e os recursos disponíveis, facilitam o planejamento de atividades e a orga-
nização do trabalho pedagógico.

142 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
Atividades
1. Sobre a definição de inclusão escolar, assinale a alternativa incorreta:

a. Prática de inclusão de todos os estudantes, independente de suas características,


em escola e salas de aula nas quais suas necessidades são satisfeitas.

b. Filosofia segundo a qual os estudantes, familiares, educadores e membros da co-


munidade unem-se para criar escolas, cuja base é a aceitação, a luta pelo direito
de ocupar o seu lugar na escola e a colaboração entre os envolvidos.

c. Movimento isolado da área da educação que não apresenta qualquer relação


com outros movimentos.

d. Movimento que, historicamente, foi marcado por lutas sociais realizadas por
grupos minoritários, assim como por seus representantes.

e. Movimento de integração escolar com pressuposição de mudanças escolares e


preocupação em reformar currículos.

2. Leia as sentenças de inclusão escolar e assinale a correta:

a. Um dos caminhos para a inclusão bem-sucedida é o abandono, por parte dos pro-
fessores, de práticas que valorizam a simples acumulação de conteúdo e nas quais os
estudantes ficam isolados.
b. O sucesso da inclusão escolar depende somente de esforços e de dedicação dos pro-
fessores.
c. A inclusão escolar beneficia os estudantes com necessidades educacionais especiais e
prejudica os demais estudantes.
d. O movimento de inclusão escolar é totalmente desnecessário.
e. A inclusão é somente a integração da escola com uma rede de níveis de serviços.

3. Zona de Desenvolvimento Proximal é um conceito utilizado por Vygotsky para de-


finir o quê?

a. Distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através


da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, de-
terminado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em
colaboração com companheiros mais capazes.
b. O saber que o estudante já tem, conhecimento de mundo e o adquirido com a me-
diação, porém não se deve levar em conta o que o estudante traz de suas vivências.
c. Para definir que o professor deverá ser o mediador no processo de ensino aprendizagem.
d. Produzir mecanismos compensatórios de aprendizagem que não auxiliarão no pró-
prio desenvolvimento.

Libras e sistema braille 143


8 Desafios da escola inclusiva

e. Vygotsky evidencia o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal como um ní-


vel de desenvolvimento que supera o nível desenvolvimento do real, ou seja, o nível
que a criança não dispõe para atuar em seu contexto.

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144 Libras e sistema braille


Desafios da escola inclusiva 8
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Resolução
1. C

2. A

3. A

Libras e sistema braille 145


Libras e Sistema Braille
Libras Libras
e Sistema Braille e Sistema Braille
Cristiane Seimetz Rodrigues
Maria Olinda Maia
Flávia Valente

48531

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6314-7

9 788538 763147

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