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FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA E

PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Sumário
FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA E PSICOLOGIA DA
APRENDIZAGEM............................................................................................... 0

NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2

A IMPORTÂNCIA DE SE CONHECER A PSICOLOGIA ......................... 3

A ORIGEM DA PSICOLOGIA .................................................................. 6

Os fundamentos da Psicologia ............................................................. 6


PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ..................................................... 17

FATORES INTERVENIENTES NO DESENVOLVIMENTO HUMANO .. 18

O PONTO DE VISTA DA TEORIA INATISTA-MATURACIONISTA ...... 20

O PONTO DE VISTA DA TEORIA COMPORTAMENTALISTA ............. 23

AS TEORIAS PSICOGENÉTICAS ........................................................ 25

EDUCAÇÃO COMO GERADORA DE PROCESSOS DE


DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM..................................................... 27

ABORDAGEM DA APRENDIZAGEM E TEORIA SOCIOCOGNITIVA DE


BANDURA ........................................................................................................ 32

REFERÊNCIAS: .................................................................................... 38

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia-se com a ideia visionária e da realização do sonho


de um grupo de empresários na busca de atender à crescente demanda de
cursos de Graduação e Pós-Graduação. E assim foi criado o Instituto, como uma
entidade capaz de oferecer serviços educacionais em nível superior.

O Instituto tem como objetivo formar cidadão nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em diversos setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e assim, colaborar na
sua formação continuada. Também promover a divulgação de conhecimentos
científicos, técnicos e culturais, que constituem patrimônio da humanidade,
transmitindo e propagando os saberes através do ensino, utilizando-se de
publicações e/ou outras normas de comunicação.

Tem como missão oferecer qualidade de ensino, conhecimento e cultura,


de forma confiável e eficiente, para que o aluno tenha oportunidade de construir
uma base profissional e ética, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. E dessa forma,
conquistar o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos
de qualidade.

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A IMPORTÂNCIA DE SE CONHECER A PSICOLOGIA

Você já deve ter ouvido falar em Psicologia, não é mesmo? Nesta


disciplina, você poderá aprofundar seu estudo sobre essa área do conhecimento.
Na sua atividade profissional, você irá lidar com pessoas e, por isso, é importante
que você conheça alguns conceitos da Psicologia. Essa ciência estuda o
comportamento humano e as formas como os homens interagem e, por isso, irá
ajudar você na sua formação. Nesta aula, apresentaremos, de forma resumida,
como ela se originou.

O homem enquanto sujeito questionador

A Psicologia surgiu da Filosofia e a Filosofia surgiu de perguntas como:


Quem eu sou? Qual a origem de tudo que existe? Você já deve ter se interrogado
sobre questões parecidas com essas ao longo da sua vida, não é mesmo?
Desde os tempos mais antigos, essas e muitas outras questões intrigam os seres
humanos: De onde viemos? Para onde vamos? Por que tenho determinado
sentimento em certas situações? Por que já me senti como um peixe fora d’água
no trabalho, entre amigos, na sociedade?

Na ANTIGUIDADE, os povos buscavam compreender os fenômenos da


natureza e encontrar respostas para muitas questões por meio da criação de
MITOS. Cada povo, dentro de uma determinada perspectiva cultural, busca
encontrar o sentido da vida, nas pequenas ou grandes evidências que a própria
vida nos traz. Isso acontece porque o ser humano tem esta característica: é um
sujeito perguntador. (ARAÚJO e GOULART 2003, p.125.)

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Quando surge a razão

As explicações dos fenômenos eram feitas por meio de mitos. Foi com os
gregos que, há cerca de oito mil anos, passou-se a buscar as respostas, por
meio da RAZÃO. Com origem na FILOSOFIA, a razão é uma concepção que
perpassa toda a história da própria Filosofia. A capacidade de pensar e fazer uso
dela é característica que distingue a espécie humana das demais espécies. O
homem busca compreender os fenômenos à sua volta, por meio de uma
explicação lógica, procurando a causa ou o motivo de sua ocorrência.

A partir da tentativa de responder aos questionamentos apresentados no


início desta seção, surgiram as várias ciências e, dentre elas, a Psicologia.

A razão tornou-se objeto de estudo de grandes filósofos que buscavam


compreender de onde vem a capacidade de raciocinar. Eles queriam descobrir
se já nascemos com essa capacidade ou se ela era adquirida por meio da
educação e do costume.

O inatismo ou racionalismo

Um grupo de filósofos achava que já nascemos com a capacidade de


raciocinar. O Inatismo foi uma das correntes filosóficas que defendeu a razão
como inata, isto é, uma aptidão que temos desde o nascimento. Para essa
corrente filosófica, já trazemos, ao nascer, em nossa capacidade intelectual,
tanto os princípios racionais quanto as estruturas fundamentais relacionadas ao
conhecimento. Essa posição foi assumida por Platão em 400 a.C. e ampliada
por DESCARTES no século XVI da nossa Era.

O empirismo

Séculos mais tarde, surgiu uma posição diferente da defendida por Platão,
uma teoria chamada Empirismo, que entendia que a razão era adquirida por
meio da experiência. JOHN LOCKE e DAVID HUME, filósofos empiristas,
assumiram essa posição e consideravam que o homem nasce sem o

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conhecimento, assim como um papel em branco, e necessita adquiri-lo por meio
da experiência e do hábito. Em grego, empeira significa experiência. Por isso,
Empirismo (conhecimento empírico) quer dizer “conhecimento através da
experiência”.

O construtivismo

O filósofo Immanuel KANT propôs uma outra explicação para a origem da


razão. Ele acreditava ser engano tanto achar que a origem do conhecimento era
inata quanto pensar que a razão era adquirida por meio da experiência. A
posição assumida por Kant ficou conhecida como Construtivismo. Ele postulava
que a razão é uma estrutura vazia que todos os seres humanos possuem desde
experiência e são apreendidos por meio da razão, pois é esta que dá forma ao
conhecimento racional. Em linhas gerais, Kant assumia a existência da interação
do homem com o meio e que nessa interação é que o conhecimento se constitui.

Immanuel Kant (1724-1804)

Brilhante Filosofo e professor universitário alemão. Após ler as ideias de


Hume, sentiu-se estimulado para argumentar sobre suas ideias, publicando sua
grande obra, Crítica da razão pura. “Não se aprende Filosofia, mas a Filosofar.”
Essa frase, de autoria de Kant, revela o caminho que o Filósofo deve trilhar
permanentemente em busca da verdade das coisas. Este é o espírito de um
Filósofo: mesmo diante de suas incertezas, deve buscar a verdade e nunca se
acomodar.

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A ORIGEM DA PSICOLOGIA

Agora você deve estar se perguntando por que, em uma aula de


Psicologia do Trabalho, são ensinados tantos conceitos de Filosofia, não é
mesmo? O Inatismo, o Empirismo e o Construtivismo constituíram as bases de
um determinado campo da Filosofia que tem como objetivo investigar tanto a
origem quanto a natureza, o valor e os limites do conhecimento humano. A
Psicologia se baseou nesse campo, para se desenvolver enquanto ciência e
estudar o comportamento humano. Os psicólogos utilizaram, e utilizam, muitas
dessas ideias dos filósofos para construírem uma explicação sobre os processos
de desenvolvimento e aprendizagem humanos.

Os fundamentos da Psicologia

Para discorrer sobre alguns dos fundamentos da Psicologia é necessário


entendê-la como uma Ciência ao mesmo tempo antiga e jovem. Enquanto
Ciência autônoma, é jovem, pois data da segunda metade do século XIX;
entretanto, formulações psicológicas, como psique e fenômenos psíquicos
(consciência, sensação, percepção, sonhos, memória) já preocupavam os
filósofos da antiguidade.

O que busco entender, então, é como estas ideias psicológicas, já


existentes na história do pensamento, são transformadas, a ponto de
constituírem uma Ciência propriamente dita, cujo objeto específico são os
fenômenos psíquicos e comportamentais. Para fazer este percurso, o do
desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência, ou ainda para descobrir seus
fundamentos, vou abordar a história do pensamento humano.

De forma geral, existem duas grandes concepções de História,


antagônicas quanto ao papel do homem no seu processo de desenvolvimento.
Uma, denominada Interna lista, pressupõe que as ideias científicas sejam
produto de outras ideias e que a origem de um pensamento está no interior do

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sistema de ideias de uma época, não considerando, assim, fatores externos,
como as condições sociais e econômicas. Segundo esta concepção, o homem
atua por meio das ideias pelas ideias, criando individualmente formas de
conhecimento. Ou seja, ela baseia-se no mito dos heróis da história do
pensamento. É como se estes fossem eleitos ou privilegiados por alguma
iluminação ou revelação de ordem sobrenatural, independentemente de toda
condição material de vida. Instaura-se, assim, uma cisão entre o homem -
produtor de ideias -, a produção de ideias e a ordem social.

Nos termos da outra concepção, denominada externalista3, a história do


pensamento desenvolve-se totalmente condicionada aos interesses sociais,
filosóficos e econômicos, segundo uma relação de causa e efeito, com traços
mecanicista, fatalista e determinista. O homem é aqui tratado como um ser
resignado diante do mundo, que acredita que todos os acontecimentos
independem de sua ação. Assim, não há o que fazer, não há perspectivas de
mudanças, de transformações da ordem social vigente. Aqui também pode-se
constatar a cisão entre produtor e produto, pois o homem não se reconhece
como produtor, mas concebe as ideias como fruto ou consequência de
interesses que estão fora dele.

Assim, se na concepção interna lista o homem está acima de qualquer


contextualização histórica, social e econômica, na concepção externa lista o
homem está aquém, submisso a estas condições. Sintetizando, numa é o herói
que independe do mundo em que vive para produzir o conhecimento, e noutra é
passivo e impotente para produzir alguma coisa que possa mudar a ordem
estabelecida.

As duas concepções, na sua radicalidade, expressam uma oposição entre


subjetividade (criação de ideias a partir de si mesmo) e objetividade (ocorrência
de fatos considerados numa causalidade mecânica, que independe do homem).

O interessante, aqui, é apontar que a oposição ou cisão entre


subjetividade e objetividade é um dos grandes dilemas da Psicologia, não só
quando da sua constituição enquanto Ciência como também na atualidade. Isto
parece sugerir não uma visão unitária da Psicologia, mas sim uma pluralidade,

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ou seja, psicologias com divergências quanto aos seus fundamentos teóricos e
práticos. Só para exemplificar, temos entre as escolas de Psicologia Behaviorista
e a Psicanálise, cujos objetivos, objetos e métodos são diferentes, o que implica
visões de mundo, de homem, e práticas psicológicas também diferentes.

Assim, evitando qualquer uma das cisões acima expostas, opto, neste
texto, pela concepção histórico-social, que pode ser considerada como
superação da concepção externa lista, mecanicista, fatalista e determinista. De
acordo com a concepção histórico-social, não se pressupõe o homem em total
dependência e condicionamento em relação aos fatos externos. Este é
considerado na sua condição humana de agente prático-objetivo e agente
reflexivo-subjetivo, ou seja, é um homem que, ao se relacionar com outros
homens e com o mundo, transforma-se e transforma este mundo, a partir da
atividade prática humana, o trabalho. Enquanto ser histórico-social, este homem
não só faz a história, como vive nela e através dela. Portanto, se de um lado não
é solipsista - crença cuja única realidade é o eu -, de outro não está fadado a se
resignar diante dos fatos. Esta concepção está representada nas ideias
sociológicas de Karl Marx e nas ideias psicológicas de Vygotsky, Leontief, dentre
outros.

De acordo com esta concepção, ao abordar a história do pensamento


podemos identificar como os homens se apropriam da realidade e como vivem
nela. A um só tempo, esta apropriação explicita a relação sujeito-objeto (como
os homens conhecem a realidade) e explicita o conceito que fazem de si
mesmos. A apropriação, enquanto processo de conhecimento, configura-se
como uma mediação entre o homem e a natureza/realidade. A um só tempo
engloba objetividade e subjetividade. A um só tempo impõe uma determinada
relação com o exterior e uma determinada relação consigo mesmo, interior. E
assim os homens vão constituindo um conceito sobre si mesmos e um
reconhecimento daquilo que podem considerar como suas particularidades e
diferenças com outros homens. Na perspectiva histórico-social não cabe a ideia
de homem que se pensa independente da realidade que o rodeia, nem de um
homem que se pensa só a partir desta realidade. Para a visão sócio histórica, o
homem vai se constituindo enquanto humano a partir da sua atividade prática,

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necessária para sua sobrevivência, que é o trabalho, e a partir das relações
sociais que se constituem pelo e no trabalho. “Somente na história de vida prática
dos homens cabe pensar a individualidade, que constitui o indivíduo, que o
singulariza, que o distingue, mas ao mesmo tempo não se encerra nele”
(Palangana,1998, p.07).

Entendo que a constituição da subjetividade é uma construção histórica.


Se é histórica, pressupõe determinadas formas de o homem se apropriar do
mundo e de si mesmo. Este ato de apropriação implica reconhecer a
humanidade do homem na sua peculiaridade; entretanto, este reconhecimento
só tem sentido se referenciado à totalidade da vida humana, se referenciado à
vida material do homem.

O conceito que o homem tem de si mesmo passa por um longo processo


de evolução e transformação, dado que quanto mais dependente é das forças
produtivas da sociedade em que vive, menos possibilidade tem de se reconhecer
enquanto indivíduo.

Segundo Abib (1999, p.55), Subjetividade refere-se à qualidade subjetiva-


mental ou privada de algo, ou seja, refere-se a eventos, estados, processos e
disposições mentais ou privadas que, por causa dessas qualidades, só podem
ser de, ou pertencer a, ou estar em um sujeito.

Desta forma, parece que o processo de constituição do conceito da


subjetividade na história do pensamento apresenta subsídios para se
compreender alguns fundamentos da Psicologia. Enquanto o homem não tiver
condições históricas para se tornar senhor de si, porque ora se sente ser da
natureza, sem se opor a ela (como na sociedade grega), ora se sente superior a
ela, mas se submete ao divino (como na sociedade medieval), não há
necessidade de se ter uma área do conhecimento que se ocupe daquilo que o
homem pensa, deseja, sente, ou de eventos, estados, processos mentais
privados.

O projeto da Psicologia e seus fundamentos estão historicamente


datados. É na história do pensamento humano, enquanto manifestação da vida
material, que se tece a constituição do conceito de subjetividade: o homem ao

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longo de sua história vai constituindo sua humanidade, vai se humanizando e se
apropriando dos fenômenos mentais como algo que lhe pertence.

Embora possamos frisar que os fenômenos psicológicos já eram tema na


Antiguidade, posto que a preocupação do homem consigo mesmo é tão antiga
quanto sua humanidade, não há necessidade histórica de a Psicologia emergir
como ciência antes da Idade Moderna, dado que tanto na Sociedade Grega
quanto na Medieval há sempre uma relação de dependência do homem com o
mundo exterior que o limita e o impede de se apropriar inteiramente de si próprio,
isto porque “nessas sociedades os indivíduos produzem a existência humana
através de relações concretas, determinadas, pessoais, locais.”(Duarte, p.163).

A história do pensamento humano ocidental, sem dúvida, tem como


marco inicial o aparecimento da filosofia grega, enquanto uma oposição ao
pensamento mítico, característico das sociedades primitivas. É com a filosofia
que o homem busca o conhecimento racional, lógico e sistemático da natureza,
de si próprio e, portanto, de suas origens. O pensamento filosófico implica uma
mudança de concepção de mundo que deve ser compreendida enquanto
expressão de outra mudança - está de ordem material-, que é a passagem do
modo de produção baseado na coletividade para o modo de produção
escravagista, baseado na propriedade privada. Pressupõe-se, então, que a
filosofia, enquanto nova racionalidade do homem grego, é expressão das
relações e das atividades reais, materiais que o homem mantém com o mundo.

As ideias psicológicas assinaladas no início do texto, a ideia de


subjetividade e, portanto, de qualquer conceito de natureza psicológica, parecem
ter-se firmado quando o homem, a partir da nova condição material de vida - o
escravagismo - tem necessidade de uma nova racionalidade para compreender
o mundo. Ou seja, o surgimento da concepção de subjetividade corresponde ao
momento histórico em que o homem busca compreender seus comportamentos
e seus estados psíquicos, posto que, com a nova forma de produção, não se
confunde mais com a natureza, mas humaniza-se. O homem primitivo tem sua
vida material marcada pelo imediatismo, pela produção coletiva sem excedentes,
e, assim, não se diferencia da natureza/mundo. A sua forma de pensar é

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caracterizada pelo pensamento mítico, no qual a explicação, em forma de
narrativa, da origem das coisas está fora do homem, está nos deuses ou nos
astros. Não se dirige ao intelecto, mas ao imediato vivido, aos sentimentos,
exigindo fé, confiança, adesão.

Na passagem da sociedade primitiva para a escravagista, o homem


começa a diferenciar-se da natureza/mundo, busca não mais a revelação da
origem das coisas e sim a compreensão do porquê das coisas. É aí, em meio ao
advento da filosofia, que se tem também o advento das ideias psicológicas e,
portanto, a constituição do conceito de subjetividade. O homem pergunta-se,
questiona-se, cria os primeiros conceitos sobre alma, sonhos, memória. Ainda
que reconheça sua humanidade, sente-se fazendo parte de algo muito maior,
que é a natureza, o cosmo, a polis. Esta conscientização não é exatamente “a
do eu subjetivo, mas a consciência gradual das leis que determinam a essência
humana” (Jaeger, 1986, p.10).

As indagações do homem quanto ao mundo e a si próprio põem, no centro


das preocupações, o conhecimento e a verdade do conhecimento. A cada nova
etapa da história da humanidade, a cada reorganização do modo de vida
material, o homem buscou uma nova racionalidade para a compreensão do
mundo e de si mesmo. Assim, na sociedade grega, o conhecimento considerado
verdadeiro manifesta-se nos sentidos e no intelecto, porque a visão geral é a de
que o homem é participante de toda a realidade: através do corpo, participa da
natureza;

através da alma, participa da inteligência divina. O mundo não é algo


separado do homem, que deva ser assimilado pelo pensamento. O homem
pertence ao mundo e o conhecimento se dá por meio de uma relação íntima e
de comunhão entre o homem e o mundo. Sujeito e objeto do conhecimento
mantêm identidade, ou pelo menos afinidade. 5A visão de mundo neste período
é cosmo Centrica.

Num outro momento histórico, quando da superação do modo de


produção escravagista para o modo de produção feudalista, há uma
reorganização da vida material, que tem como base a produção coletiva, gerando

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relações sociais de dependência entre aquele que produz (servo) e aquele que
se apropria da produção (senhor). Nessa sociedade a obediência ao superior é
fundamental para a manutenção do modo de vida. O superior é tanto o senhor
feudal quanto Deus. Desta forma, a noção de pecado capital, própria do
cristianismo, propõe a separação do humano e do divino, evidenciando a fé como
forma de o homem conhecer a verdade. Aqui, a visão de mundo é teocêntrica.

Estas condições do conhecimento e da verdade, características tanto da


sociedade escravagista quanto feudalista, não questionam a capacidade
humana de conhecer. É com a sociedade moderna, com a chamada revolução
científica no século XVII, que esta questão aparece. O homem se volta para o
que pode conhecer, e aí se evidencia o pensamento enquanto instância interior,
e as coisas, enquanto instância exterior. Desta forma, a preocupação com o
conhecimento e a verdade volta-se para a relação sujeito-objeto.

Nas chamadas sociedades pré-capitalistas, pela própria condição de vida


material, o homem não consegue apropriar-se inteiramente de sua subjetividade.
Nas relações sociais, no escravagismo, a propriedade privada também é o outro,
o escravo, e o ideal de homem é o que serve à polis. No feudalismo, o senhor
feudal torna-se senhor coletivo, na medida em que, no seu feudo, a produção de
bens necessários para a sobrevivência é auto - suficiente, havendo, quando
muito, troca de bens, e leis que implicam deveres e obrigações mútuas. O
conhecimento está submetido à Igreja. Estas duas formas de relações sociais
não permitem ao homem apropriar-se de si mesmo.

Este evento histórico - apropriação de si mesmo- só é possível com o


capitalismo, cujo advento se deu através de transformações das relações sociais
e de uma revolução no pensamento.

Podemos considerar como características gerais do capitalismo:


produção abundante de mercadoria, aparecimento da classe trabalhadora livre
e assalariada, propriedade privada, relação de troca mediada pelo dinheiro e não
mais pelo valor de uso.

Se, de um lado, o capitalismo exige uma resposta para a produção de


mercadorias (temos aí o advento da revolução industrial e a aliança entre

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conhecimento e produção), por outro exige também uma retomada do
conhecimento humano, do homem enquanto linha de produção, enquanto força
de trabalho, enquanto detentor do capital.

Nas chamadas sociedades pré-capitalistas existia uma concepção de


mundo hierarquizado, estático, que apontava diferenças qualitativas entre o
mundo terreno e o mundo dos astros: a concepção de subjetividade estava de
acordo com estes ditames. Ou seja, o sujeito do conhecimento era ora
participante das fontes explicativas da natureza (physis) ora submisso às fontes
divinizadas (Deus), e nesse sentido o indivíduo, de forma geral, não precisava
construir sua identidade. Havia uma predefinição do indivíduo, que se dava
através da cultura de eventos biográficos como nascimento, filiação, idade. Esta
constituição da subjetividade está relacionada com a apropriação do
conhecimento e, portanto, com a relação sujeito-objeto que o homem mantém,
nesta apropriação. Como a concepção é de hierarquia, o homem não tem como
se distanciar do objeto do conhecimento, pois este é pré-definido. Pode-se
considerar que sua atitude enquanto sujeito do conhecimento é contemplativa.

Na sociedade capitalista, a relação sujeito/objeto do conhecimento


transforma-se, na mesma medida em que se transforma a relação do indivíduo
com o mundo. Agora, com a necessidade da Ciência de se aliar à produção, o
ideal é o sujeito epistêmico pleno - pensante, dominador do conhecimento,
regido pela razão e ação instrumental. Fica claro, então, que o homem deve
construir o conhecimento, e ele mesmo deve validar este conhecimento, e,
portanto, deve se afastar do objeto para conhecê-lo, ocorrendo uma ruptura na
relação sujeito-objeto. O indivíduo deve, por si só, ser alguém, pois é
considerado livre - livre das tradições, livre enquanto força de trabalho, livre para
construir a própria identidade. Este é o contexto que se pode designar como
sendo o do advento da subjetividade privatizada.6Historicamente, há a
superação da visão cosmo Centrica e teocêntrica de mundo, com a visão
antropocêntrica. Neste sentido, com o capitalismo o homem não se remete mais
ao exterior para se reconhecer: é sua eficiência, sua capacidade, sua produção
que vão validar sua existência. De acordo com Figueiredo (1991b, p.20), “desde
então, ser alguém pressupõe tornar-se alguém” (grifo do autor).

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O ideal de sujeito epistêmico pleno e de indivíduo autônomo fracassa, já
no próprio aparecimento.

Quando nasce o novo ideal de homem, nasce também a suspeita da sua


capacidade de conhecimento, expressa nas metodologias do empirismo e do
racionalismo. Busca-se, através de métodos e técnicas, a extirpação de tudo que
lhe confere humanidade, porque os aspectos humanos, específicos do homem -
vontade, sentimentos, etc... - Não são passíveis de controle pela metodologia
das Ciências Naturais.

As ciências modernas, cuja gestação se dá no século XVI, consolidando-


se no século XVIII, pautam-se por uma concepção natural de homem; ou seja, o
ramo de conhecimento que predomina nesse momento é o das Ciências
Naturais, cujos estudos são pautados pelo método de observação,
experimentação, mensuração, previsão e controle de seus objetos.

A consolidação das Ciências Naturais, e sua insistente visão naturalista e


objetiva de homem, propicia a crítica a estes pressupostos, objetivando o resgate
da humanidade do homem através do advento das Ciências Humanas. Estas
querem recuperar a essência do homem, a sua especificidade enquanto
humano, ou ainda, dar voz à vida e calar a razão, dar voz à experiência vivida
imediata e calar a experimentação controlada.

É neste eixo - aparecimento e fracasso do sujeito e indivíduo autônomo;


consolidação das Ciências Naturais e sua crítica, com o advento das Ciências
Humanas- que se têm os fundamentos da Psicologia ou o que podemos chamar
de constituição do espaço psicológico ou projeto de Psicologia.

A questão que precisa ser desenvolvida, então, é o porquê da constituição


deste espaço ou deste projeto ocorrer nesse momento histórico e não em outro.

O advento da subjetividade privatizada está relacionado ao capitalismo,


porque este impõe ao homem não só ser alguém independente de tradição, mas
também produzir a partir da sua capacidade de se identificar com uma
especialização no trabalho. No capitalismo, vende-se o produto visando lucro e,
portanto, o poder de barganha é próprio de cada um, pois cada homem deve

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defender os próprios interesses. Ainda há o mercado de trabalho que propõe ao
homem, na falta de capital, vender sua força de trabalho em troca de um salário
que possibilite a compra de produtos necessários para sua sobrevivência.

Esta liberdade - autonomia leva o homem a perder uma série de apoios e


meios de sustentação. De um lado, não dependendo mais da aldeia, família ou
senhor, é um indivíduo desamparado, só. De outro, pode, em tese, fazer tudo o
que quiser: é dono do seu destino.

Num primeiro momento, os fundamentos da Psicologia estão calcados


nas Ciências Naturais, pois estas, ao buscar o ideal de sujeito pensante,
epistêmico, desconfia da natureza humana, ou seja, da subjetividade. Ora tende
a submeter a subjetividade ao modelo das Ciências Naturais, ora busca a própria
eliminação da subjetividade do sujeito quando da razão e ação do conhecimento
- é daí que vem o conceito de neutralidade do pesquisador. Pois bem, adequar
ou extirpar a subjetividade significa, em primeira mão, conhecê-la, daí a
necessidade do projeto de Psicologia. Esta é a fase da Psicologia científica, com
o desenvolvimento de trabalhos na área da Fisiologia, entre os séculos XVIII e
XIX (com o Associacionismo e estudos no campo da Psicofisiológicas), que vão
sedimentar e legitimar o advento da Psicologia como Ciência Experimental, no
século XIX. Em síntese, há necessidade de se conhecer o psiquismo para
controlá-lo. Eis aí a concepção de que o homem deve se adaptar ao seu meio.
Aqui encontramos escolas da Psicologia calcadas no modelo das Ciências
Naturais, com fundamentos na Matemática, na Biologia e na Fisiologia, sendo
sua maior expressão, na atualidade, o Behaviorismo.

Num segundo momento, com o advindo das Ciências Humanas, buscam-


se novos modelos metodológicos que descaracterizem a naturalização do
homem e devolvam a ele sua especificidade humana. É com as Ciências
Humanas que se implanta o método da hermenêutica e o do historicismo como
forma de criticar o método explicativo das Ciências Naturais. Para as primeiras,
a explicação dos fenômenos humanos baseada nas Ciências Naturais só serve
como descrição destes fenômenos, além do que o método da experimentação
pressupõe previsão e controle. Ora, as Ciências Humanas querem resgatar o

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que há de vivência, sentimento, valores, significado das ações humanas;
portanto, o método deve ser o da interpretação - que confere significado e
sentido aos fenômenos psíquicos. Aqui temos outra face da Psicologia pré-
científica, com as psicologias espiritualistas, que buscam na consciência,
enquanto vivência imediata ou duração existencial do ser humano, o testemunho
de tudo o que lhe acontece. A repercussão desta forma de pensar está nas
psicologias humanistas, na Psicanálise, na fenomenologia e no existencialismo.

Assim, a Psicologia está fadada, desde seu projeto, a grandes


contradições: se reconhece seu objeto, na sua especificidade - pode ser
Psicologia, mas não é considerada Ciência, posto que o modelo científico do
conhecimento está ainda com forte tendência de objetividade, pontuada pelas
Ciências Naturais; se desconhece seu objeto, ou seja, se busca adequar a
subjetividade ao cientificismo ou eliminá-la do processo do conhecimento,
descaracteriza-se como Psicologia, podendo tornar-se disciplina de qualquer
outra Ciência, preferencialmente da Biologia.

Em síntese, os fundamentos da Psicologia estão tanto na Filosofia, nas


Ciências Naturais como nas Ciências Humanas, embora tenha se firmado como
Ciência através das Ciências Naturais.

Com está breve reflexão, creio que se pode concluir que a contradição do
projeto da Psicologia reflete, em muito, as divergências teórico-metodológicas
das psicologias na atualidade, bem como a tentativa de vários autores da
Psicologia de buscarem sua unificação. Por outro lado, creio que é somente por
meio da reflexão sobre a História da Psicologia e suas implicações no plano das
práticas sociais que se pode não só responder à necessidade ou não de sua
unificação, como também entender a origem das divergências apontadas.

Se através da dimensão epistemológica é possível compreender como


cada psicologia elabora o conceito de subjetividade, a dimensão ética nas
práticas e discursos psicológicos está na compreensão de como as psicologias,
a partir deste conceito, fazem o trânsito entre a objetividade, enquanto fenômeno
que se explicita na relação dos homens com o mundo, e a subjetividade,
enquanto fenômeno que não se explicita e que se caracteriza como o interditado.

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Sendo a constituição do conceito de subjetividade uma expressão
histórica do pensamento humano, a reflexão sobre alguns fundamentos da
Psicologia, a partir desta tese, pode esclarecer qual lugar cada psicologia ocupa
no espaço sociocultural contemporâneo - aqui considerado o contexto onde se
desenvolvem as relações sociais humanas constitutivas da subjetividade, como
se articulam com as ideologias que propiciam a constituição da subjetividade na
modernidade e como tratam a tão intrincada relação humana objetividade-
subjetividade.

PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM

Em nosso cotidiano, estamos habituados a pensar que o ser humano se


desenvolve por dois motivos: ou já nascem com um “destino traçado” e não
temos muita influência sobre seu desenvolvimento; ou os sujeitos vêm ao mundo
como uma “folha em branco” e, então, podemos ensinar-lhes nossos valores e
tudo aquilo que aprendemos em nossa vida.

Aqueles que pensam que já trazemos “algo” ao nascer acabam achando


que podemos fazer muito pouco pelo desenvolvimento das crianças. Expressões
como “filho de peixe, peixinho é” ou “pau que nasce torto, não tem jeito, morre
torto” nos mostram uma atitude de passividade diante do sucesso ou fracasso
das pessoas. Na escola, essas concepções podem ter consequências danosas.
Ou bem se aplaude o sucesso de alunos “peixinhos”, ou bem se cruzam os
braços para aqueles que fracassam.

Por outro lado, aqueles que acham que a criança nasce como uma “folha
em branco” muitas vezes usam abusivamente do poder para inculcar nela o
conhecimento. Assim, relações como as que ocorrem entre pais e filhos,
professores e alunos, podem se revestir de um poder muitas vezes
desmesurado. Dentro dessa perspectiva, as crianças têm poucas oportunidades
de se expressarem e pensarem livremente.

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Essas ideias misturam-se a outras que seriam mais ou menos traduzidas
em questões como: que capacidade de aprender conteúdo específicos da
matemática teria uma criança ou um adolescente? Por que, para certas pessoas,
torna-se tão difícil aprender um determinado conhecimento?

Nossa experiência prática nos permite educar e ensinar até certo ponto.
Entretanto, quando se trata de uma ação intencional exercida por profissionais
dentro da escola, há necessidade de uma maior clareza sobre os processos que
envolvem o ato de ensinar e aprender. E é disso que estamos tratando nesta
disciplina.

Nesta aula, portanto, faremos uma reflexão acerca dos diferentes fatores
que envolvem as relações entre o desenvolvimento pessoal e a participação em
práticas e atividades educativas. Situaremos as principais alternativas
conceituais em relação à temática, bem como apresentaremos conceitos básicos
de duas abordagens teóricas: a Teoria Inatista-maturacionista e o
Comportamentalismo.

FATORES INTERVENIENTES NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO

O contato direto com nossos amigos, filhos, pais e pessoas em geral nos
faz constatar um fato corriqueiro: as pessoas mudam durante seu ciclo vital. Nos
primeiros anos de vida, essa mudança é ainda mais visível.

Rapidamente, as crianças começam a andar, a falar, a se organizar no


mundo e até mesmo a discutir ideias, a propor soluções para os problemas
práticos. Com o passar do tempo, essas crianças se tornam adolescentes e
transformam seus corpos e suas formas de pensar. Essas observações podem
nos parecer banais até certo ponto. No entanto, quando nos perguntamos o “por
quê” e o “como” essas mudanças ocorrem, as explicações para essas perguntas
não nos parecem tão simples assim.

18
Comecemos fazendo uma observação rápida em nossa própria vida. Que
mudanças físicas e psíquicas podemos constatar? Quais fatores contribuíram
para que essas mudanças ocorressem? A educação que tivemos na escola e na
família contribuiu para que chegássemos ao que somos hoje? Em que medida?

A discussão sobre a evolução psíquica do ser humano é alvo de um


debate que teve início no final do século XIX e continua até os dias de hoje.
Diferentes autores, teorias e modelos explicativos colocaram posições de todo o
tipo, na tentativa de formular uma explicação convincente, especialmente para a
relação entre o desenvolvimento e as diversas aprendizagens humanas.

Dentre elas, três posições tornaram-se clássicas:

• O desenvolvimento é um processo relativamente independente e


dissociado das diversas aprendizagens e, portanto, das práticas educativas.
Como consequência do desenvolvimento biológico, segue um percurso de
mudanças mais ou menos estável e, até certo ponto, pré-programado;

• O desenvolvimento e a aprendizagem são processos coincidentes. A


ênfase é dada à aprendizagem. O ambiente e a experiência são determinantes
do comportamento. O desenvolvimento nada mais é do que o resultado das
aprendizagens acumuladas durante a vida. Dessa forma, os dois processos não
se distinguem;

• O desenvolvimento e a aprendizagem são dois processos que se inter-


relacionam. O desenvolvimento é visto como um processo mediado, ou seja, as
mudanças que ocorrem ao longo da vida estão marcadas pela interação que as
pessoas estabelecem com seu meio social e cultural.

Vejamos, de forma mais aprofundada, de que maneira cada uma dessas


posições se organiza e quais fatores são considerados essenciais para o
desenvolvimento humano.

19
O PONTO DE VISTA DA TEORIA INATISTA-
MATURACIONISTA

Essa perspectiva parte do princípio de que os fatores hereditários ou de


maturação são preponderantes para o desenvolvimento da criança. Isso significa
deixar em segundo plano os fatores relacionados à aprendizagem e à
experiência.

Quando falamos em fatores hereditários, estamos nos referindo àquelas


características já fixadas na criança desde o nascimento e que foram herdadas
de seus pais. Assim, em se tratando do Desenvolvimento biológico, algumas
particularidades, como a cor dos olhos, dos cabelos, o tipo sanguíneo, dentre
outras, fazem parte da herança genética individual que cada um de nós recebe
desde o nascimento.

Dentro dessa perspectiva, a maturação significa um padrão comum de


mudanças que ocorrem em todos os membros de uma mesma espécie, como,
por exemplo, as transformações do corpo na adolescência. Seguem uma
sequência predeterminada que, de forma geral, independe de fatores externos.

Para aqueles que defendem a perspectiva Inatista-maturacionista,


desenvolvimento psicológico teria o mesmo destino do desenvolvimento
biológico. A inteligência, bem como aptidões individuais, seria herdada dos pais
e já estaria predeterminada no momento do nascimento da criança. Dessa forma,
o comportamento e as habilidades das crianças seguiriam padrões mais ou
menos fixos, governados pelos processos de maturação, que seriam
independentes da aprendizagem ou da experiência.

Para chegar a essa conclusão, desde o início do século pesquisadores


que defendem essa posição se dedicaram a observar crianças e constataram
que, na maioria das vezes, pessoas com aptidões especiais normalmente tinham
familiares que apresentavam os mesmos traços. Diante dessas evidências,

20
concluíram que características psicológicas como o nível de inteligência e
habilidades de escrita, leitura, cálculo, entre outras, seriam transmitidas de pai
para filho através da herança biológica. O meio social e a educação, portanto,
cumpririam apenas o papel de impedir ou de deixar aflorar essas características.

Foi dentro dessa perspectiva que Alfred Binet (1857-1911) e Theodore


Simon (1872-1961) construíram o primeiro teste para medir a inteligência ou o
quociente intelectual (o famoso QI). Também dentro dessa perspectiva, o
pesquisador norte-americano Arnold Geisel (1880-1961) elaborou uma escala
do Desenvolvimento desde o nascimento até a adolescência, estabelecendo
comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária. Eles acreditavam que
os fatores hereditários e a maturação biológica seriam determinantes na
evolução psicológica da criança. Os testes de inteligência e as escalas de
desenvolvimento permitiriam construir padrões de “normalidade”. Isso significa
que os psicólogos teriam, em mãos, alguns parâmetros para saber se as
crianças e os adolescentes estariam se desenvolvendo normalmente.

Essa forma de pensar, levada ao limite, pode ter consequências nefastas.


Se pensarmos que uma criança, filha de pintores famosos, já nasce com uma
herança genética que a levará a ser também uma pintora, estaremos reforçando
uma ideia que muitos críticos dessa posição denominaram como “ideologia do
dom”. Trata-se de pensar que as diferenças no desempenho de determinada
tarefa ocorrem em razão de uma herança genética ou mesmo de raças e não
por causa de diferenças culturais ou de oportunidades. Assim, uma criança
brasileira, pobre e negra teria dificuldades de aprendizagem na escola, não por
lhe faltarem oportunidades, mas por já nascer com deficiências intelectuais,
provenientes de sua família ou mesmo de sua raça.

A escola, então, pouco poderia fazer. A aprendizagem, dentro dessa


perspectiva, fica relegada a um segundo plano. Nasceríamos com “dom para a
música”, para um bom desempenho na área de matemática, com uma “veia
artística” etc. Deixaríamos de considerar o ambiente em que a pessoa foi
educada e que, provavelmente, valorizou e mesmo ensinou essas habilidades.
De outra feita, em ambientes onde as crianças têm poucas oportunidades de

21
desenvolver a curiosidade, de aprender a investigar, a se expressar, teríamos o
oposto: as dificuldades seriam vistas como uma herança negativa, contra a qual
nada poderia ser feito.

Assim, segundo essa perspectiva, o papel do/a professor/a fica


minimizado, uma vez que não há muito o que fazer pelos alunos. Se a herança
genética é vista como o fator preponderante para o Desenvolvimento humano,
cabe ao/à professor/a apenas deixar aflorar o que os alunos já trazem. Qualquer
esforço para ensinar seria em vão.

Infelizmente, muitas dessas ferramentas foram usadas para discriminar e


excluir socialmente crianças e adolescentes pertencentes às camadas mais
pobres da população, especialmente em países como o Brasil, que, em meados
do século XX, abria as portas das escolas para esse público. À escola cabia o
papel de promover um Desenvolvimento harmonioso das capacidades infantis,
desde que não houvesse “imaturidade”. Daí a ideia de que as crianças “não
estão prontas” para a alfabetização ou mesmo que “não têm condições
intelectuais” para acompanharem classes de alunos ditos normais.

Alguns psicólogos, como, por exemplo, Maria Helena Souza Pato,


denunciaram esse mau uso dos instrumentos criados pela Psicologia. Em seu
livro Psicologia e ideologia, escrito na década de 1980, essa pesquisadora nos
mostra como a Psicologia ajudou a discriminar profissionais e alunos
provenientes das classes trabalhadoras, provendo conceitos e instrumentos
científicos de medida para garantir a ordem social vigente. Diz ela:

a quantificação quase mágica, realizava o sonho da sociedade industrial


capitalista de poder basear-se num critério numérico, objetivo, para
classificar seus membros [...] este foi o domínio em que a psicologia
americana mais se distinguiu [...] explicar o insucesso escolar e garantir,
assim, a crença no mito da igualdade de oportunidades (PATTO, 1984,
p. 98).

Essa autora nos ajuda a ver que os conhecimentos produzidos em


qualquer campo das ciências sociais e humanas não são neutros, mas
confirmam modelos ideológicos produzidos socialmente, ao mesmo tempo em
que podem provocar transformações sociais.

22
O PONTO DE VISTA DA TEORIA
COMPORTAMENTALISTA

Essa perspectiva parte do princípio de que o ambiente e as experiências


são fatores determinantes do comportamento humano. O desenvolvimento seria
o resultado das múltiplas aprendizagens acumuladas durante a vida. John
Broadus Watson (1878-1958) foi o fundador do movimento comportamentalista
e definiu a Psicologia como um ramo objetivo e experimental das ciências
naturais. Para ele, embora o comportamento humano seja mais refinado, ele
pode ser explicado pelos mesmos princípios que o comportamento de qualquer
animal.

Para os estudiosos que se afiliaram à Teoria Comportamentalista, a ideia


de aptidões, disposições intelectuais ou temperamentos inatos é totalmente
falsa. O tema central dessa corrente de pensamento é a aprendizagem como
resultado das influências dos fatores externos. O bebê humano, para eles, vem
ao mundo desprovido do que quer que seja. Como uma folha em branco. As
experiências obtidas em sua trajetória de vida são o que marca essa folha,
escrevendo sobre ela uma história de vida. O que importa é explicar como os
comportamentos são aprendidos através dos diversos tipos de condicionamento.

Vejamos, agora, um exemplo de condicionamento clássico, provocado por


um estímulo do cotidiano. Você conhece a Turma da Mônica?

Mônica é apaixonada pelo Renatinho. Nessa história ele a convidou para


tomar sorvete na sorveteria do Bairro do Limoeiro. Mônica, toda feliz, vai ao
encontro de seu pretendente e o espera ansiosa. Mas ele não pode ir e lhe
manda um recado pela Carminha Frufru, sua concorrente. Esta, para criar um
clima de ciúmes, diz que o Renatinho não pode vir ao seu encontro e que o viu
de mãos dadas com uma menina. Mônica começa a chorar copiosamente. Na
sorveteria tocava a música: “Diga que não sou o seu amor”. Cebolinha,
percebendo a situação, rapidamente elabora um plano pra derrotar a Mônica.
Quando está se refaz e sai caminhando em direção à sua casa, encontra-se com

23
Cebolinha, que liga um gravador onde toca a mesma música da sorveteria. Ao
ouvir o estímulo musical, Mônica se derrete em lágrimas. Quanto mais a música
toca, mais Mônica chora. Cebolinha aproveita-se da situação e a obriga a dizer
que não é mais a “dona da rua”. Quando está prestes a ceder a liderança para o
Cebolinha, chega Renatinho se desculpando por não ter ido ao seu encontro.
Mônica percebe que ele está de mãos dadas com uma menininha: sua irmãzinha
caçula. Ela, então, compreende a provocação de Carminha e o final todos já
sabem... sobra pancadaria pro Cebolinha.

Nessa história, a personagem foi condicionada por um estímulo auditivo:


a música que tocava enquanto ela sentia tristeza por ter sido, em sua fantasia,
rejeitada por seu pretendente. A presença do estímulo fazia retornar a situação
vivenciada anteriormente. Podemos dizer, então, que houve uma aprendizagem
por condicionamento, ou seja, um estímulo externo (a música) provocava um
determinado tipo de comportamento (o choro). Esse tipo de aprendizagem é
denominado condicionamento clássico.

Burrhus Frederic Skinner (1931-1980) foi o psicólogo norte-americano que


desenvolveu e aperfeiçoou essa teoria, descobrindo e sistematizando novas
maneiras de condicionar comportamentos. Criou um método que, segundo sua
concepção, permitia prever e controlar cientificamente o comportamento
humano. Esse método foi denominado Análise Experimental do Comportamento.

Segundo esse pesquisador, aprendemos quando ganhamos uma


compensação por ter realizado uma determinada ação. Assim, por exemplo, se
uma criança pequena, ao ceder um brinquedo para a outra, é elogiada e beijada
pela mãe ou pela professora, sua tendência será repetir esse comportamento,
demonstrando ter aprendido uma conduta socialmente aceita. Da mesma forma,
se uma outra criança faz uma birra chorando e esperneando e o adulto cede
dando-lhe o que quer, aprenderá esse tipo de comportamento e tenderá a fazer
novas birras todas as vezes que desejar algo proibido.

Essa compensação é chamada por ele de reforço e esse tipo de


aprendizagem, condicionamento operante.

24
Como vimos, os princípios descobertos e sistematizados por essa
corrente de pensamento explicam os comportamentos aprendidos em situações
cotidianas. Qual seria, então, a consequência dessa teoria para a educação?

A organização de atividades através de pequenos passos, a ideia de pré-


requisitos, o reforço dado pelas notas, pontos positivos, a distribuição de prêmios
para os alunos considerados exemplares, são princípios decorrentes dessa
abordagem.

Essa teoria entende que o professor detém o conhecimento absoluto do


conteúdo a ser repassado e pode programá-lo, passo a passo, de forma que o
aluno, por repetição e acumulação, venha a assimilá-lo. Ocupando uma outra
posição, o aluno coloca-se em uma situação passiva, à mercê do que irá ocorrer
durante o processo de ensino-aprendizagem. O ensino deve seguir uma
progressão gradual, partindo do que o adulto julga que é mais fácil e caminhando
em direção ao que é mais difícil.

Ao contrário da corrente anterior, essa teoria confunde aprendizagem com


o desenvolvimento e elege como fator determinante do desenvolvimento
humano as experiências acumuladas durante a vida.

AS TEORIAS PSICOGENÉTICAS

As Teorias Psicogenéticas adotam outra forma de pensar o


Desenvolvimento e a aprendizagem humana. Você deve estar se perguntando:
o que vem a ser essa teoria? É uma corrente de pensamento, dentro da
Psicologia, que estuda o desenvolvimento a partir de sua gênese, ou seja, de
sua origem. Ao contrário das correntes estudadas anteriormente, essas teorias
procuram fazer uma síntese crítica das posições firmadas pelas correntes
anteriores. Para elas, tanto os fatores internos, ligados à maturação dos
indivíduos, quanto os fatores externos, provenientes do ambiente, seriam
responsáveis pelo desenvolvimento e pela aprendizagem dos seres humanos.

25
Essa forma de pensar coloca a relação entre o sujeito aprendiz e o meio
em que vive como elemento central. O desenvolvimento e a aprendizagem são
processos de construção permanentes. Ocorrem através das interações que as
pessoas estabelecem com seu meio físico e cultural.

Para os pesquisadores que adotam essa perspectiva, o desenvolvimento


não é a aprendizagem. Esses dois processos não se confundem, como na visão
dos comportamentalistas, tampouco há um predomínio absoluto do
desenvolvimento sobre a aprendizagem, como na perspectiva inatista-
maturacionista. Entre eles, o desenvolvimento e a aprendizagem, há uma
relação dinâmica, e admite-se a preponderância de um dos processos sobre o
outro.

Pesquisadores que assumem essa posição consideram que, desde o


nascimento, o bebê humano se encontra em processo de desenvolvimento e
aprendizagem, agindo ativamente diante dos problemas colocados tanto pelo
ambiente físico como social e cultural. O desenvolvimento é visto, portanto, como
um processo mediado, ou seja, marcado pelas interações que as pessoas
estabelecem em seu meio de cultura.

A escola, dentro dessa perspectiva, tem seu valor. Considera-se que as


crianças e os adolescentes já têm um conhecimento prévio, ou seja, um
conhecimento construído em seu cotidiano, e que esse conhecimento precisa ter
lugar na sala de aula. Torna-se, portanto, importante que o professor escute o
aluno, deixe que ele coloque sua forma de ver e pensar a vida, e estimule sua
criatividade, sua ação e suas formas de expressão.

Dois marcos teóricos clássicos adotam essa postura: o ponto de vista da


Epistemologia Genética de Jean Piaget e o ponto de vista da abordagem
histórico-cultural de Lev Vygotsky.

26
EDUCAÇÃO COMO GERADORA DE PROCESSOS
DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Essa nova maneira de ver a aprendizagem rompe com uma visão


puramente cognitivista e concebe a aprendizagem como um processo coletivo
que leva em conta as experiências anteriores dos sujeitos envolvidos. Sendo
assim, o conhecimento, fruto dessas experiências, está sempre sofrendo
transformações.

Pensar na escola como geradora de processos de desenvolvimento e


aprendizagem é jogar por terra alguns mitos que construímos ao longo de tantos
anos:

• Mito do repasse de informações – Confundimos informação com


conhecimento. A informação é necessária, mas não é suficiente. Conhecer
demanda trabalho intelectual de reflexão sobre a realidade. Trata-se, portanto,
de selecionar, no acervo cultural, conhecimentos que respondam às
curiosidades das crianças e às necessidades sociais. Aprendemos para melhor
compreender a realidade que nos cerca.

• Mito do bom aluno – Acreditamos que o bom aluno é aquele silencioso,


atento ao que a professora diz, que realiza suas tarefas sozinho. Se esse aluno
existe em sua sala de aula, é preciso ficar atento. Provavelmente o ensino não
tem sido desafiador para ele. O bom aluno é aquele que não se furta a uma boa
discussão, que participa do coletivo, que trava um verdadeiro embate com os
problemas apresentados.

• Mito das dificuldades de aprendizagem – Os professores estão sempre


relatando as dificuldades de aprendizagem dos alunos. É claro que alguns
alunos demandam maior esforço de nossa parte e criatividade nas estratégias
para ensinar. Mas a maioria deles não possui uma dificuldade em si. Apropriar-
se do conhecimento é uma tarefa difícil. Seria mais produtivo se, em vez de
concentrarmos nossos esforços para detectar as dificuldades dos alunos,
fizéssemos esforço para detectar o trabalho intelectual que nossos alunos têm

27
de fazer para se apropriarem de determinados conceitos. Isso inverteria a forma
como vemos a criança. São essas dificuldades normais de apropriação do
conhecimento que tornam o ato de conhecer tão fascinante.

Ao longo das últimas aulas, trabalhamos com vários aspectos da


abordagem histórico-cultural sobre os processos de desenvolvimento e
aprendizagem. Para aprofundarmos uma reflexão sobre as relações entre a
produção da Psicologia e a escola, vamos destacar três ideias que julgamos
centrais.

A primeira afirma que a aprendizagem é um fato. Pesquisas mostram que


o ser humano aprende todo o tempo de sua vida, nas mais diversas
circunstâncias (JONES, 1989; LAVE, 1997). Essa primeira ideia desloca o foco
da aprendizagem dos alunos para o conhecimento que está sendo socializado.

A segunda ideia que gostaríamos de destacar é a de uma concepção de


desenvolvimento que se faz por meio de rupturas e colisões (VYGOTSKY, 1993).
Essa segunda ideia tem consequências cruciais para a própria organização do
conhecimento a ser socializado.

Finalmente, uma terceira ideia apresenta o conhecimento como produto


de práticas coletivas situadas em contextos concretos. Vamos desenvolver
melhor essas ideias, em diálogo com a prática exercida nas escolas do Ensino
Fundamental e Médio.

O ser humano é curioso e investigador. Nada passa despercebida a uma


criança desde ainda muito pequena. No entanto, embora a aprendizagem seja
algo inerente à vida humana em sociedade, reservamos um lugar e um tempo
próprios para o desenvolvimento de certas habilidades que irão transformar a
vida das pessoas. Esse lugar é a escola.

Porém, a herança de uma Pedagogia tradicional, que já se estende por


alguns séculos, tem nos levados a usufruir desse espaço artificializando as
relações que ali se estabelecem. Criamos métodos de ensino completamente
alheios ao que se passa tanto no interior da própria sala de aula quanto nos
espaços ao redor da escola, na sociedade, baseados na crença de que construir

28
conhecimentos é repassar informações e conceitos de maneira estática para
serem memorizados pelos aprendizes.

Dizer que a aprendizagem é um fato, que estamos todos aprendendo a


todo momento de nossa vida, nos afasta de uma concepção mais tradicional que
aborda a construção do conhecimento como mudança conceitual do ponto de
vista estritamente cognitivo, ou seja, que o conceito sai direto da mente do
professor, por meio da palavra, e atinge diretamente a mente do aluno. A ideia
de aprendizagem como uma aquisição cognitiva se enfraquece quando ela é
concebida como algo que se constrói coletivamente, levando-se em conta as
experiências passadas dos sujeitos envolvidos. Conceber que o conhecimento
e a aprendizagem se produzem na prática significa compreender que: o
conhecimento sempre passa por construção e transformação em uso; a
aprendizagem é um aspecto integral da atividade que se realiza durante todo
tempo; a aquisição do conhecimento não é uma simples questão de obtê-lo, mas
configura-se como um produto social.

Pensar na escola como geradora de processos de desenvolvimento e


aprendizagem é construir uma outra imagem dessa instituição. Não se trata
apenas de repassar informações, mas de formar pessoas que já estão inseridas
na cultura e já respondem como cidadãos, desde a tenra idade. Trata-se,
portanto, de selecionar, dentro do vasto acervo cultural, conhecimentos que já
foram produzidos e que respondem tanto às curiosidades das crianças, quanto
às necessidades colocadas socialmente. Além de selecioná-los, fazê-los circular
para que possam ser apropriados coletivamente. Por exemplo, estamos
enfrentando, na atualidade, problemas sérios, como o aquecimento global, o
aumento da pobreza, a má distribuição dos bens materiais e simbólicos. Refletir
sobre a maneira como esses problemas afetam a vida da comunidade em que a
escola está inserida nos faz compreender melhor a realidade que nos cerca. A
aquisição dos instrumentos culturais, como a leitura, a escrita, a Matemática,
passa a ter sentido porque nos ajuda a compreender, coletivamente, os
problemas reais que temos vivido em nossa sociedade contemporânea. Assim,
ao invés de colocarmos foco nas dificuldades que as crianças têm para aprender
este ou aquele conteúdo, nossa questão passa a ser: qual é o trabalho intelectual

29
que as crianças precisam empreender para decifrar aspectos de sua realidade
social? De que maneira, por meio do trabalho coletivo, a criança amplia sua visão
de mundo e toma consciência de seu papel como cidadã?

A segunda ideia destacada foi a de uma concepção de desenvolvimento


que se faz principalmente por rupturas, colisões. A implicação pedagógica desse
tipo de concepção coloca em xeque uma visão de ensino fundamentada na
crença de que a apropriação do conhecimento se faz por meio da realização de
uma série de tarefas graduadas, já programadas pelo professor. Submetido a
essa forma de ensino, o aluno que não cumpre as expectativas do professor é
acusado de ter dificuldades de aprendizagem. Não basta passar por uma série
de tarefas para que os conceitos se formem. É preciso trabalho, desafio, embate
corporal com os objetos de conhecimento. É preciso ação, prática, discussão,
sistematização. Muitas vezes os alunos se aproximam do conhecimento,
adquirem informações, mas ainda não aprofundaram os conceitos sobre o que
estão investigando. Assim, basta uma intervenção para que tudo aquilo que se
acumulou até aqui se veja novamente problematizado. Isso não significa
dificuldade, mas é parte do processo de aprender.

Um exemplo concreto, extraído da prática de crianças de seis anos


investigando os conceitos de mundo e universo, ajuda a compreender essa
situação:

Depois de uma série de trabalhos em que crianças de seis anos


investigaram sobre o sistema solar, usando livros apropriados, construindo o
sistema solar com bolas de isopor, fazendo brincadeiras e movimentos corporais
que imitavam o movimento dos planetas, a turma chegou à compreensão de que
o universo é mais amplo do que o Planeta Terra. Em conversas na roda deram
vários argumentos para justificar essa compreensão e, na oportunidade, falaram
tudo que sabiam sobre galáxias, cometas, planetas, estrelas. Bastou uma
pergunta para desestabilizar tudo o que haviam acabado de relatar: “E nós,
moramos no universo?” Diante da questão as crianças se viram novamente
atrapalhadas sem saber o que responder ou dizendo que não vivíamos no
universo, mas na Terra. Compreender a inclusão de classes é um processo que

30
vai muito além do relato de informações recém adquiridas. Isso não se configura
como uma dificuldade de aprendizagem, mas é parte inerente do processo de
aprender (GOULART; GOMES, 2002).

A última ideia destacada diz respeito à natureza coletiva da construção do


conhecimento. Vygotsky (1993) nos alertou para o caráter social das funções
psicológicas superiores. Isso significa que o que povoa nossa mente,
internamente, não apareceu do nada, ou é resultado de algo interno à pessoa.
Segundo esse pesquisador, o que existe internamente é o resultado de algo que
foi produzido inicialmente no meio social., ou seja, a reflexão sobre o mundo
surge das experiências práticas e da discussão.

A implicação pedagógica dessa premissa revoluciona a forma como a


escola vem se organizando. Joga por terra a ideia de que o bom aluno é aquele
silencioso, atento ao que a professora fala, que faz suas tarefas sozinho e as
realiza de forma perfeita, sem necessitar de ajuda. Esse aluno não existe, e, se
está existindo em nossa sala de aula, significa que o ensino que estamos
proporcionando é muito pouco desafiador. Os conhecimentos científicos a serem
apropriados pelo grupo de alunos demandam trabalho coletivo de discussão, de
experimentação, de observação, de sistematização. É nesse embate que as
soluções aparecem. É nesse embate que os próprios cientistas produzem novos
conhecimentos.

A escola, portanto, tem um papel importante no cenário da aprendizagem.


É o tempo destinado aos novos membros da comunidade, crianças,
adolescentes e jovens, para se apropriarem de conhecimentos científicos de
forma a compreenderem melhor a complexidade do mundo em que vivemos. A
apropriação dos instrumentos culturais que permitem o acesso ao mundo social
(leitura, escrita, linguagem matemática e outros) é a chave para uma participação
competente nos diversos espaços. E a escola é responsável por isso. Só assim
a aprendizagem pode ser vista como uma expansão de possibilidades em
direção ao mundo social.

31
ABORDAGEM DA APRENDIZAGEM E TEORIA
SOCIOCOGNITIVA DE BANDURA

Pensar sobre como se dá a aprendizagem dos seres humanos vem sendo


um desafio os mais diversos pesquisadores (LUÍS, ROLDÃO, 2016). Psicologia,
pedagogia, neurologia e biologia são apenas algumas áreas que já propuseram
modelos teóricos sobre como os seres humanos pegam estímulos de seu
ambiente, processam internamente e transformam essas experiências em
ferramentas a serem utilizadas em outras situações. Assim, podemos
compreender que o conceito de aprendizagem não é simples, nem concreto e,
muito menos, consensual (SANTROCK, 2009).

Entre os diversos modelos teóricos que se formaram, as abordagens


sociocognitiva de Bandura (2006) e a teoria cognitivo-comportamental de Beck
(1997) são as mais utilizadas por educadores e profissionais que trabalham com
educação, principalmente por abarcarem uma complexidade suficiente para que
boas estratégias possam ser pensadas a serem utilizadas nas salas de aula
para incrementar o processo de aquisição de conhecimentos dos alunos.

As abordagens cognitivo-comportamentais partem do princípio do


condicionamento operante de Skinner (1954), mas inserem o campo cognitivo
(pensamento, raciocínio, expectativas sociais) como um fator importante no
aumento ou na diminuição dos comportamentos desejados. Assim, as
abordagens cognitivo-comportamentais objetivam a mudança comportamental,
fazendo com que o indivíduo monitore, maneje e regule seu próprio
comportamento em vez de deixar que seja controlado por fatores externos
(BECK, 1997). Santrock (2009) esclarece que as abordagens cognitivo-
comportamentais se originaram da psicologia cognitiva, que enfatiza os efeitos
dos pensamentos sobre o comportamento, e do behaviorismo, que enfatiza as
técnicas de mudança do comportamento. As abordagens cognitivo -
comportamentais procuram mudar conceitos errôneos, fortalecer habilidades de
enfrentamento, aumentar seu autocontrole e estimular a autorreflexão
construtiva (WATSON; THARP, 2007). Métodos auto instrucionais são técnicas

32
cognitivo-comportamentais voltadas para ensinar os indivíduos a modificarem
seu comportamento. Os métodos auto instrucionais ajudam a s pessoas a
alterarem o que dizem para si mesmas.

Entre as estratégias cognitivo-comportamental que os estudantes podem


utilizar para autorregular seus comportamentos, chamamos a atenção para as
estratégias de auto fala, Meichenbaum, Turk e Burstein (1975) citam alguns
pontos dessa estratégia, que ajudam alunos e educadores a lidarem com mais
eficiência e situações de estresse:

a) Estar preparado para a ansiedade ou o estresse: “o que preciso


fazer?”; “vou desenvolver um plano para lidar com isso”; “vou
simplesmente pensar sobre o que preciso fazer”; “não vou me
preocupar”; “ficar preocupado não ajuda em nada”; “tenho várias
estratégias diferentes que posso usar”.
b) Confrontar ou lidar com ansiedade ou estresse: “posso encarar o
desafio”; “vou continuar no ritmo um passo por vez”; “dou conta
disso ”; “vou relaxar, respirar fundo e usar uma das estratégias”;
“não vou pensar sobre meu estresse”; “só vou pensar sobre o que
tenho de fazer”
c) Lidar com sentimentos nos momentos críticos: “o que é isso que
tenho de fazer?”; “eu sabia que minha ansiedade poderia aumentar”;
“só tenho de manter a mim mesmo sob controle”; “quando a
ansiedade chegar, irei apenas fazer uma pausa e continuar me
concentrando no que preciso realizar”.
d) Use autoafirmação es reforçadoras: “ótimo, consegui”; “dei conta do
recado”; “eu sabia que conseguiria”; “espere até eu contar para os
outros como fiz!”.

Santrock (2009) comenta que, em muitas situações, a estratégia é


substituir autoafirmações negativas por positivas. Por exemplo, uma estudante
pode dizer para si mesma: “não vou conseguir nunca terminar esse trabalho para
amanhã”. Isso pode ser substituído por auto fala positiva, como: “vai ser difícil,
mas acho que consigo terminar”, ou “vou encarar isso como um desafio e não

33
como um estresse”, ou ainda “se eu trabalhar realmente duro, posso conseguir
terminar”.

A abordagem cognitivo-comportamental sustenta que falar de maneira


positiva consigo mesmo ajuda educadores e estudantes a atingirem todo o seu
potencial (WATSON; THARP, 2007). Pensamentos negativos acabam virando
uma profecia realizada. Você acha que não consegue fazer e, então, não
consegue. Se o diálogo interior negativo é um problema para você, pergunte-
se ocasionalmente ao longo do dia: “o que estou dizendo para mim mesmo neste
momento?”. Momentos que você acredita que serão potencialmente
estressantes são ocasiões excelentes para examinar seu auto fala. Monitore,
também, a auto fala de seus alunos. Se você ouvir alunos dizendo “não consigo
fazer isso” ou “sou tão lerdo que nunca vou conseguir terminar isso”, dedique
algum tempo para ajudá-los a substituírem o diálogo interior negativo por um
positivo. Devido a isso, muitos cognitivistas comportamentais recomendam que
os estudantes melhorem seu desempenho por meio do monitoramento do
próprio comportamento (ROCK, 2005). Isso pode requerer que os estudantes
mantenham gráficos ou registros de seu próprio comportamento.

A teoria sociocognitiva de Albert Bandura estabelece que os fatores


sociais e cognitivos, assim como o comportamento verificável e privado,
desempenham funções importantes na aprendizagem. Santrock (2009) explica
que os fatores cognitivos podem envolver as expectativas de sucesso dos
estudantes. Os fatores sociais podem incluir a observação, por parte dos
estudantes, do comportamento de realização de seus pais. Devido ao seu
aporte teórico e, também, por englobar as diferentes dimensões do ser humano
(relações com seu comportamento, pensamento e pressões sociais), a teoria
sociocognitiva se tornou uma fonte cada vez mais importante de conhecimento
teórico para os educadores e facilita a criação de diversas aplicações para
sala de aula (CHOI, 2005). Bandura (2006) é o principal arquiteto da teoria
sociocognitiva. Ele diz que, quando os estudantes aprendem, podem representar
ou transformar cognitivamente suas experiências. Assim com o no
condicionamento operante de Skinner (1954), as relações na teoria
sociocognitiva somente ocorrem entre eventos ambientais e comportamento.

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O modelo desenvolvido por Bandura (2006) é embasado no pensamento
de determinismo recíproco, ou seja, as interações entre indivíduo e ambiente
determinarão quais serão as atitudes, os pensamentos e as consequências
futuras. Os pensadores que seguem a ideia de determinismo não entendem que
seja possível prever o que acontecerá futuramente, pois as variações de
combinações entre comportamento e respostas ambientais são
demasiadamente grandes para se fazer uma estimativa minimamente válida.
Mesmo assim, esses pensadores entendem que todos os comportamentos e
pensamentos derivam de interações comportamentais passadas. Dessa forma,
não existiria livre-arbítrio real ou escolhas ao acaso— tudo é determinado pelas
trocas entre comportamentos e reforços ou punições ambientais que aumentam
ou diminuem a frequência desse comportamento.

O determinado recíproco de Bandura (2006) consiste em três fatores


principais: comportamento, cognição e ambiente — que podem interagir entre si
para influenciar a aprendizagem. Essa influência se dá no comportamento
humano, assim como o comportamento também o afeta o ambiente, formando
uma intrínseca rede de troca entre indivíduo e meio, que vai formando os
padrões comportamentais e psicológicos de cada um. Os pensadores discordam
sobre a utilização da palavra “cognição” por Bandura (2006). Santrock (2009)
faz uma crítica ao conceito utilizado por Bandura, que usa a palavra “pessoa” ao
invés de “cognição”. No entanto, Santrock (2009) entende que muitos dos fatores
pessoais que ele descreve são cognitivos, sendo que os que não tem um viés
cognitivo são, principalmente, traços de personalidade e temperamento. Tais
fatores podem incluir ser introvertidos ou extrovertidos, ativo ou inativo, calmo ou
ansioso e amável ou hostil. Fatores cognitivos incluem expectativas, crenças,
atitudes, estratégias, raciocínio, pensamento e inteligência.

Bandura (2006) estruturou sua teoria sociocognitiva, por meio dessa rede
intrincada de influências que sobrepõem umas sobre as outras. Santrock (2009)
utiliza um exemplo para ilustrar como se dá a aprendizagem de estudantes pelo
viés da teoria sociocognitiva:

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a) Cognição influencia comportamento — o estudante desenvolve
estratégias cognitivas para pensar de maneira mais profunda e lógica sobre
como resolver problemas. A estratégia cognitiva melhora seu comportamento
de aquisição.

b) Comportamento influencia cognição — o estudo (comportamento) do


estudante fez com que ele tirasse boas notas, o que, por sua vez, produz
expectativas positivas sobre suas capacidades e lhe proporciona autoconfiança
e auto eficácia (cognição).

c) Ambiente influencia comportamento — o colégio ao qual o estudante


está vinculado desenvolveu um programa de habilidades de estudo para ajudar
os estudantes a aprenderem como fazer anotações, gerenciar seu tempo e
realizar provas com mais eficiência. O programa de habilidades de estudo
melhora o comportamento de aquisição do estudante.

d) Comportamento influencia ambiente — o programa de habilidades de


estudo melhora o comportamento de aquisição de muitos alunos da classe do
estudante. A melhora no comportamento de aquisição dos alunos estimula a
escola a expandir o programa para que todos os estudantes do ensino médio
possam participar.

e) Cognição influencia ambiente — as expectativas e o planejamento dos


profissionais que trabalham o ensino sobre seu estudante foi o que propiciou a
criação do programa de habilidades. Dessa forma, podemos ver que os modos
como os profissionais e estudantes percebem o seu entorno pode facilitar ou
dificultar a apreensão dos conteúdos. Se um estudante considera que a escola
só serve para “prendê-lo” ou não tem auto eficácia suficiente para acreditar
que pode aprender as matérias, é mais fácil que ele tenha maior dificuldade,
realmente, na hora de estudar, o mesmo que ocorre com os profissionais do
ensino (SATROCK, 2009).

f) Ambiente influencia cognição — o colégio utiliza seus recursos para


montar uma biblioteca à qual os estudantes e pais podem ter acesso a diferentes
livros e formas de aprofundar seus conhecimentos. Esse centro de recursos
também oferece serviços de tutoria de estudos aos estudantes, que, junto com

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seus cuidadores, aproveitam os recursos do centro e as tutorias. Esses recursos
e serviços melhoram as habilidades de raciocínio do estudante.

Vemos que a principal diferença entre o modelo sociocognitivo de


Bandura (2006) e o modelo comportamental de Skinner (1954) está no fato de
Bandura (2006) considerar a cognição como um pilar que influencia tanto o
ambiente como o comportamento de forma equivalente a esses dois planos.
Esse novo eixo de influência permite com que a teoria sociocognitiva acesse
uma complexidade superior nos estudos da aprendizagem. A cognição se torna
passível de estudo, e é preciso que os pesquisadores a entendam para poder
melhorar suas capacidades de ensinar. Porém, o fator pessoal/cognitivo que
Bandura (2006) mais enfatizou nos últimos anos foi a autoeficácia, a crença de
que uma pessoa consegue dominar uma situação e produzir resultados
positivos. Bandura diz que a autoeficácia tem influência poderosa sobre o
comportamento (SANTROCK, 2009).

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