Você está na página 1de 14

s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º   5 · j a n / a b r 0 8 issn 1646‑4990

Equipa multiprofissional de saúde e formação


em contexto de trabalho — O caso de um serviço
hospitalar

Patrícia Vinheiras Alves


palves@esefg.pt
Escola Superior de Enfermagem de Lisboa

Resumo:
Este estudo de caso pretendeu investigar “em que medida as reuniões de uma equipa
multiprofissional de saúde têm potencialidades formativas para os diferentes profissio‑
nais que nelas participam”1.
Pretendeu caracterizar e analisar as dinâmicas de funcionamento das reuniões da
equipa multiprofissional, as relações que se estabelecem entre os diferentes elementos
que participam nessas reuniões e as implicações no processo de formação contínua dos
profissionais.
A colheita de dados foi efectuada num serviço de Medicina de um hospital de Lisboa
com recurso à observação participante das reuniões da equipa multiprofissional. Para o
tratamento dos dados foi utilizada a análise de conteúdo.
Conclui­‑se que as reuniões da equipa multiprofissional têm um grande potencial for‑
mativo, já que durante as mesmas constata­‑se uma riqueza de debates e reflexões indivi‑
duais que, desde que interiorizadas, levam a processos de mudança de comportamentos.
Este potencial formativo resulta de processos de formação experiencial, de autoformação
e de socialização que ocorrem nas reuniões. Conclui­‑se também que a formação não for‑
mal e informal em contexto de trabalho são importantes na evolução da prática profissio‑
nal em articulação com a formação formal.

Palavras­‑chave:
Autoformação, Equipa Multiprofissional, Formação em Contexto de Trabalho, Forma‑
ção Contínua, Formação Experiencial, Socialização.

Alves, Patrícia Vinheiras (2008). Equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de


trabalho — O caso de um serviço hospitalar. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 05, pp. 19-32.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

19
Enquadramento conceptual lando o mais relevante das situações de trabalho,
adquirindo capacidades que lhe irão permitir dar
O contexto de trabalho e a formação dos resposta a novos problemas. De facto, o contexto
profissionais de saúde de trabalho pode ser considerado como um espaço
O contexto de trabalho possibilita a aplicação da educativo fundamental porque no dia­‑a­‑dia de cada
teoria à prática, mobilizando os saberes aí adquiri‑ indivíduo e no contexto de trabalho os actores in‑
dos para situações de formação e novamente para teragem, reagem a acontecimentos, participam e to‑
outros contextos de trabalho. Neste quadro, a prá‑ mam decisões (Pain, 1990). Porém, neste contexto
tica profissional dos técnicos de saúde tem vindo a de trabalho existem muitas actividades que podem
ser cada vez menos perspectivada como apenas um aumentar ou não o potencial formativo das situa‑
momento de aplicação, para passar a ser cada vez ções. São as relações interpessoais, as relações com
mais encarada como um elemento estruturante do a organização, o trabalho em equipa, as reuniões…
processo de formação, baseando­‑se em momentos Assim, procuram­‑se espaços de reflexão e partilha
de alternância (Canário, 1998). Esta “pedagogia que possibilitem o envolvimento de toda a equipa
de alternância” (Malglaive, 1990) foi introduzida no cuidar do doente com qualidade (o objectivo
há muito nos cursos de formação, como é o caso principal dos profissionais de saúde) e a troca de
dos cursos que formam os profissionais de saúde, conhecimentos e experiências, que são potencial‑
porque o saber, o saber ser e o saber fazer são re‑ mente formativos, através de processos de formação
conhecidos como importantes pilares na formação experiencial, de autoformação e de socialização.
destes profissionais e como estando ao mesmo nível
de importância na sua formação. Se o saber teórico Formação experiencial, autoformação e
se pode, em grande parte, adquirir pela formação socialização
formal, o saber ser e o saber fazer passa essencial‑ A formação experiencial é um processo de aquisi‑
mente pela experiência e pela interacção entre as ção de saberes a partir das situações vividas pelo in‑
pessoas e a situação, fazendo sentido para elas (Ca‑ divíduo no seu quotidiano. Assim, o meio em que o
brito, 1999, p. 31). indivíduo se insere, bem como as influências exter‑
Ao abordar a importância da formação em con‑ nas (sócio­‑profissionais, familiares, económicas e
texto de trabalho, Charue (1992) refere que numa políticas) têm um carácter formativo contínuo. Uma
organização o indivíduo constrói permanentemente das perspectivas de aprendizagem mais influentes
representações do funcionamento do seu trabalho nas últimas décadas, tendo contribuído para a
através das acções que vai desenvolvendo. Assim, compreensão do processo de aprendizagem expe‑
este vai reflectindo sobre a experiência e assimi‑ riencial, foi a de Kolb (1984) que tenta reconciliar a

20 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
teoria com a prática através de um modelo estrutu‑ que sejam criados dispositivos e dinâmicas de for‑
ral de aprendizagem, salientando quatro etapas2 no mação na organização que estimulem e favoreçam a
processo de formação experiencial que funcionam transformação das experiências em aprendizagens,
articuladas e de forma circular repetindo­‑se con‑ através de um processo de autoformação (Canário,
tinuamente: a experiência concreta, a observação 1994, p. 26). Assim, os dispositivos e dinâmicas
reflectida, a conceptualização abstracta e a experi‑ formativos a nível hospitalar passam pela formação
mentação activa. formal através dos Departamentos de Formação
Nas definições de formação experiencial pelos Permanente (DEP) e da formação em serviço, pelo
vários autores existe consonância quanto ao papel trabalho em equipa, pelas reuniões e pelos contac‑
activo do sujeito e à sua capacidade de reflexão e tos interpessoais, mesmo que sem consciência por
experimentação das situações quotidianas, já que a parte dos indivíduos.
prática e a reflexão sobre estas são elementos essen‑ Em contexto de trabalho, e nomeadamente du‑
ciais na experiência (Bonvalot, 1991). A reflexão é rante a reunião da equipa multiprofissional de saú‑
um meio que permite aos sujeitos desenvolver uma de, os actores também experimentam um proces‑
aprendizagem permanente nas situações profissio‑ so de socialização. Este processo desenrola­‑se ao
nais e através delas, dentro de um quadro de uma longo da vida do indivíduo de acordo com o meio
organização autoformativa (Canário, 1994). Nestas que o envolve. Inclui a educação enquanto criança e
circunstâncias, o trabalho em equipa e a comunica‑ adolescente no seu contexto familiar, de amigos, na
ção das experiências em grupo é de crucial impor‑ escola, mas também a educação enquanto adulto no
tância para os profissionais de saúde já que permite seu meio familiar, com os amigos, em contexto de
problematizar, dando sentido aos saberes construí‑ trabalho e em todos os meios onde se insere (Lesne,
dos a partir da reflexão sobre as experiências, com 1977).
a ajuda de concepções teóricas, o que irá formar No entanto, o indivíduo não é apenas condicio‑
um conhecimento mais sólido pois advém da expe‑ nado pelos outros e pelo meio que o envolve. A for‑
riência de cada um (Sousa, 2000). É através desta mação contínua dos adultos é entendida como um
reflexão sobre a prática, efectuada com base na te‑ processo de socialização no sentido que os indiví‑
oria, que se pode reformular novamente a teoria e duos são em simultâneo sujeitos, agentes e objectos
permitir a realização de novas aprendizagens. Esta de socialização (Lesne, 1977), permitindo alargar
reflexão dos profissionais de saúde acerca das suas os níveis de formação a um campo de articulação
experiências profissionais enfatiza a ligação do pro‑ entre o formal, não formal e informal (D`Espiney,
fissional com o seu local de trabalho, e este último 1997). Os indivíduos são objectos porque são con‑
surge como o ponto de partida para a construção dicionados por outros e pelo meio, agentes porque
do saber, para a sua autoformação. condicionam os outros e sujeitos porque impõem a
Os processos autoformativos são essencialmen‑ si próprios o condicionamento.
te processos em que cada indivíduo gere e se apro‑
pria de um conjunto de influências e experiências
por que passou, reflectindo acerca destas e fazendo Questão de pesquisa e objectivos
um trabalho sobre si de autoconstrução como pro‑
fissional e pessoa. Comunicar a experiência per‑ A equipa multiprofissional de saúde do serviço de
mite ao indivíduo voltar a olhar sobre a situação e Medicina de um hospital de Lisboa onde trabalhei
reflectir, descobrindo elementos que anteriormente durante 8 anos reúne­‑se semanalmente (habitual‑
não tinha valorizado, permitindo consciencializar­ mente à quarta­‑feira) para discutir os casos dos do‑
‑se dos problemas, o que facilita o desenvolvimento entes internados e planear as intervenções dos pro‑
das capacidades autoformativas (D`Espiney, 1997). fissionais da equipa, de forma a tornar mais eficaz
A autoformação pertence por inteiro a cada pessoa. o trabalho de todos e a proporcionar a prestação de
No entanto, é importante que as organizações criem cuidados de qualidade. O objectivo da reunião é, ali‑
condições para a favorecer, já que o potencial forma‑ ás, contribuir para cuidar do doente holisticamen‑
tivo do contexto de trabalho é optimizado, desde te e com qualidade. Durante a minha participação

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 21
nestas reuniões, ao longo dos anos, percebi que Quadro n.º 1
aprendia sempre novas coisas. Esta foi a razão por Guia de orientação para observação
que surgiu a ideia de efectuar um estudo relativo participante das reuniões da equipa
multiprofissional de saúde
aos aspectos formativos da reunião multiprofissio‑
nal de equipa no referido serviço, tendo formulado
a seguinte questão de partida: “Em que medida as 1) Regras de funcionamento da reunião
reuniões da equipa multiprofissional de saúde têm • Identificação dos intervenientes;
potencialidades formativas para os diferentes pro‑ • Planta dos locais onde se sentam os intervenien‑
tes;
fissionais que nelas participam?” • Quem conduz a reunião? E porquê essa pessoa?;
O foco do estudo foi a reunião semanal da equi‑ • Há alguém que assista a todas as reuniões e assuma

pa multiprofissional de saúde do hospital, tendo esse papel?;


• Quem pede a palavra e como se pede? Há algum
sido definidos os seguintes objectivos específicos:
procedimento específico para tal?;
• Tempo de demora das reuniões;
• caracterizar as dinâmicas de funcionamento das • Estrutura da reunião;

reuniões da equipa multiprofissional; • Papéis dos diferentes participantes.

• analisar as dinâmicas de funcionamento das


2) Assuntos tratados nas reuniões
reuniões da equipa multiprofissional;
• caracterizar as relações entre os diferentes ele‑ Há alguma ordem de trabalho pré­‑estabelecida, e

quais as razões? Se há, é alterada e acrescentada ou
mentos que participam nas reuniões da equipa seguida rigorosamente? Se não há, porquê e que
multiprofissional; razões para cada um apresentar um assunto para
• analisar as relações entre os diferentes elemen‑ debate.
tos que participam nas reuniões da equipa mul‑
3) Intervenções dos diferentes actores
tiprofissional;
• analisar os efeitos que as reuniões têm tido no • Quem intervém? Quantas vezes? E durante quanto
tempo?;
processo de formação contínua dos profissio‑ • Qual a natureza da intervenção;
nais que nelas participam. • Em que circunstâncias intervém?;
• Comportamentos dos actores;
• Motivações ou intenções dos actores (comporta‑
mento é espontâneo ou dirigido a alguém);
Metodologia • Resultados ou consequências dos comportamen­
tos;
Optei por um estudo de caso, descritivo e interpre‑ • Quanto tempo da reunião foi útil e quanto gasto

tativo, com uma abordagem qualitativa. em “conversa”? Da parte de quem? Por culpa de
quem?
No quadro deste paradigma, neste estudo ob‑
servei os profissionais e as interacções que se regis‑ 4) Interacções entre os elementos
taram entre eles, em contexto da reunião da equi‑ da equipa durante as reuniões
pa multiprofissional, e participei directamente na • Relações entre os comportamentos dos actores
referida reunião, com estatuto semelhante ao dos (trabalham em conjunto, ou seja, têm em atenção a
demais participantes. opinião dos outros profissionais);
• Motivos ou intenções dos comportamentos (com­
O instrumento metodológico de registo de in‑ por­tamentos dirigidos a alguém?).
formação empírica utilizado foi a observação parti‑
cipante 3. A observação participante pareceu­‑me o
método de investigação mais adequado neste estudo
por permitir um olhar directo sobre o contexto, que Para a realização do estudo, construí uma fi‑
neste caso é a reunião da equipa multiprofissional cha para notas de campo, de acordo com o plano
e as interacções entre os elementos. Durante cada de observação pré­‑elaborado, nas quais inscrevi os
reunião utilizei um Guia de Orientação para Obser‑ apontamentos que me permitiram depois elaborar
vação Participante pré­‑elaborado (Quadro n.º 1) que o relatório de cada reunião, especificando os acon‑
serviu como guia de orientação da observação. tecimentos relevantes.

22 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
Após a observação participante de cada uma das análise temática. Assim, emergiram vários temas
reuniões, transcrevi no próprio dia e no dia seguin‑ onde se inserem todos os aspectos relevantes das
te o seu conteúdo, a partir do papel rascunho uti‑ observações de forma sistematizada.
lizado e da minha memória. O método que utilizei Da análise de conteúdo efectuada emergiram
para a análise dos dados foi a análise de conteúdo. três temas, dez categorias e 20 subcategorias, con‑
Assim, após várias leituras flutuantes de todas forme exposto no Quadro n.º 2.
as observações, procedi à análise individual de
cada observação de acordo com os aspectos que me
surgiram como denominador comum, com lógica Apresentação e discussão
e coerência em todas as observações. Deste modo, dos dados
fiz a análise de conteúdo de acordo com a natureza
da intervenção de cada participante; o potencial de Na apresentação dos dados irei referir­‑me suma‑
formação da reunião; os aspectos que promovem a riamente à constituição da equipa, ao decurso das
formação; os aspectos que contribuem para infor‑ reuniões, à caracterização dos participantes quanto
malizar a reunião. De seguida procedi à leitura de às suas intervenções e aos temas emergentes da aná‑
todas as análises individuais, o que me conduziu à lise dos dados.

Quadro n.º 2
Classificação e categorização dos dados

Temas Categorias Subcategorias


Situações com grande potencial forma‑ Situações relativas ao doente História clínica do doente
tivo durante as reuniões Medicação
Exames imagiológicos
Exames de sangue
Intervenções cirúrgicas
Aspectos sociais
Aspectos de enfermagem
Aspectos psicológicos
Tratamentos

Situações não relativas ao doente Sugestões de investigação


Sugestões de leitura
A medicina no tempo
Sugestões de reuniões clínicas
Situações com pequeno potencial for‑ Situações relativas ao doente Altas sem discussão
mativo durante as reuniões Não aprofundamento dos casos sociais
Recusar ver exame

Situações não relativas ao doente Informações


Aspectos que promovem a formação Experiencial
durante as reuniões Questionamento
Descritivo
Interactivo
Incentivo
Sugestão
Informalização das reuniões Relativamente ao funcionamento das
reuniões
Relativamente aos participantes das
reuniões
Relativamente ao dirigente das reu­
niões

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 23
As reuniões alta clínica do doente e referem algumas questões
Durante as 10 reuniões desta equipa multiprofissio‑ que a família possa ter colocado. O Professor opi‑
nal 4 participaram diversos profissionais de saúde — na sobre o caso constituindo aquilo que designo
o Professor (director de serviço), o chefe de serviço, por “intervenção instituída” e, consoante a situ‑
os médicos assistentes, os estagiários do Internato ação, pede a intervenção de outros profissionais.
Complementar de Medicina, os estagiários do In‑ Os restantes médicos fazem sugestões de exames a
ternato Geral de Medicina, os estagiários do 5º ano realizar, diagnósticos, discutem resultados de exa‑
de Licenciatura em medicina, a enfermeira chefe, mes e sua pertinência. Cada elemento da reunião
uma enfermeira graduada e uma enfermeira de ní‑ intervém espontaneamente e não necessita de pedir
vel I, os estagiários do 3º ano de Licenciatura em formalmente a palavra.
Enfermagem, a assistente social, a psicóloga, a die‑ As reuniões decorrem segundo uma estrutura
tista, a farmacêutica, a fisioterapeuta, os estagiários pré­‑definida, que nunca foi objecto de crítica, ou
do 5º ano de farmácia e os estagiários do 5º ano de seja, todos os participantes sabem que nas reuni‑
psicologia. ões o médico responsável do doente faz a respectiva
O director do serviço (Professor) conduziu as apresentação, a sua evolução clínica e o planeamen‑
reuniões 5, já que é simultaneamente o dirigente do to de tratamentos para este doente. Designei estas
serviço e a pessoa que participa em todas as reu‑ participações de “Estrutura da reunião”. Durante
niões. Apenas se encontrou ausente na 7ª reunião, e após esta apresentação qualquer dos profissionais
tendo sido substituído pelo chefe de serviço. pode e deve introduzir as suas sugestões. Estas par‑
As reuniões decorrem com a apresentação do ticipações são denominadas de “Espontâneas”. O
doente que está na cama 1 até ao doente que está Professor, muitas vezes, solicita a participação de
na cama 21, pelo médico assistente que acompanha um profissional em particular devido à especifici‑
cada doente, ou pelos médicos de internato (geral dade da sua formação, tornando­‑o um recurso es‑
ou complementar) ou pelo aluno de medicina de 5º sencial para a resolução de problemas do doente.
ano que está acompanhado por esse mesmo médico Estas participações denominei de “Quando solici‑
assistente. Os médicos apresentam os doentes um tado”.
por um do ponto de vista médico referindo­‑se à pa‑ No Quadro n.º 3 apresento o número de parti‑
tologia, aos antecedentes, justificam os exames re‑ cipações por reunião de acordo com a sua natureza
alizados e os seus resultados, projectam novos exa‑ (por estrutura da reunião, quando solicitado e par‑
mes a realizar, sugerem o diagnóstico, projectam a ticipações espontâneas).

Quadro n.º 3
Número de participações por reunião de acordo com a sua natureza.

Reunião Número de participações


  Estrutura da reunião  Quando solicitado  Espontâneas
1ª 21 2 10
2ª 23 5 1
3ª 27 4 2
4ª 27 4 4
5ª 24 0 4
6ª 27 4 10
7ª 33 0 2
8ª 24 4 2
9ª 23 6 5
10ª 26 2 10
Total 255��� 31�����
����� �� 50
��
Número total de participações nas 10 reuniões — 336

24 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
Como mostra o Quadro n.º 3, o número total de A reunião com maior número de intervenções
intervenções nas 10 reuniões foi de 336, sendo as do por estrutura foi a 7ª (total de 33 intervenções),
Professor (e na 7ª reunião as do chefe de serviço) quando solicitado foi a 9ª reunião (total de 6 inter‑
permanentes, pelo que não foi possível contabilizá­ venções) e espontâneas foram a 1ª, 6ª e 10ª reuniões
‑las. Destas 336 intervenções: (total de 10 intervenções em cada reunião).
Naturalmente, no decurso de uma reunião não
• 255 foram por estrutura da reunião, ou seja, a só é importante saber o grau e a natureza das parti‑
reunião está estruturada de forma a que cada mé‑ cipações como a origem das mesmas. Efectivamen‑
dico do doente, os seus internos ou os alunos do te, a origem das participações tem um significado
5º ano de medicina apresentem os seus doentes. implícito no “desenho” e objectivos, mesmo que
• Foi relevante a intervenção espontânea dos pro‑ inconscientes, da reunião. O Quadro n.º 4 refere­‑se
fissionais em 50 ocasiões o que demonstra inte‑ ao número de participações dos grupos ocupacio‑
resse e motivação para intervir. nais de acordo com a sua natureza.
• Apenas em 31 situações, os elementos foram so‑

licitados a participar. Todavia na 5ª e na 7ª reu‑


niões ninguém foi solicitado a participar.

Quadro n.º 4
Número de participações dos grupos ocupacionais
de acordo com a sua natureza

Grupos Ocupacionais Número de participações


  Por estrutura da reunião  Quando solicitado  Espontaneamente  Total
Médicos 166 12 37 215
Enfermeiros 0 8 7 15
Assistente Social 0 6 4 10
Dietista 0 2 0 2
Farmacêutica 0 2 1 3
Psicóloga 0 1 1 2
Alunos de medicina 89 0 0 89
TOTAL 255 31 50 336

No Quadro n.º 4, quando analisamos o número Deste modo, muito embora as reuniões sejam
de participações por grupos ocupacionais, obser‑ um momento para discussão dos casos dos doentes
vamos que: de todas as vertentes, de forma a cuidá­‑lo holisti‑
camente, a estrutura das reuniões incentiva mais à
• Os médicos são o grupo ocupacional com maior participação dos clínicos. De facto, constata­‑se que
número de participações durante as reuniões são apenas os médicos e os alunos de medicina que
(215 intervenções), seguidos dos alunos de me‑ participam por estrutura da reunião. Mesmo assim,
dicina (89 intervenções) e dos enfermeiros (15 os médicos foram o grupo ocupacional que parti‑
inter­venções). Este facto explica­‑se por várias cipou em maior número de ocasiões, seja quando
razões, nomeadamente: solicitados (12 participações), seja espontaneamen‑
 porque este é o grupo com maior número de te (37 participações). Assim, embora a reunião seja
elementos; multiprofissional e se incentive a participação de
 porque há uma nítida e inconsciente tendên‑ todos os elementos, as reuniões são tendencialmen‑
cia para sobressair das reuniões uma maior te clínicas, tanto que decorre da própria estrutura
ênfase relativamente à parte clínica. da reunião, em que são sempre os médicos ou os

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 25
alunos de medicina a apresentar o doente. É de durante o turno da manhã três enfermeiros na
referir que este facto, todavia, não é contestado. No prestação de cuidados directos, a enfermeira
entanto, esta estrutura pode não ser facilitadora da chefe e o enfermeiro responsável. Como a enfer‑
intervenção dos profissionais não médicos na reu‑ meira chefe se ausenta para ir à reunião, torna­‑se
nião, o que poderá originar a perda de importantes complicado que todos os outros elementos da
trocas de experiências que poderiam ser promoto‑ equipa de enfermagem se ausentem do serviço,
ras da partilha e reflexão de todos os profissionais devido à necessidade permanente de cuidados
e, consequentemente, da sua formação. ao doente. Perante estes constrangimentos, é
indispensável que as enfermeiras que partici‑
• o grupo ocupacional enfermeiros participou em pam nas reuniões transmitam posteriormente
8 ocasiões quando solicitado e em 7 ocasiões es‑ aos restantes elementos da equipa de enferma‑
pontaneamente; gem os assuntos abordados durante as reuniões,
• a assistente social quando solicitada participou já que a actuação destes profissionais junto do
em 6 ocasiões e espontaneamente em, apenas, 4 doente e família, tendo em conta o cuidado ao
ocasiões; doente holisticamente, depende das estratégias
• a farmacêutica e a dietista apenas participaram 2 definidas em equipa multiprofissional.
vezes quando solicitadas e a psicóloga 1 vez; • o director de serviço (o Professor) foi o dirigente
• espontaneamente participaram em 1 ocasião a das reuniões. Os profissionais que participaram
farmacêutica e a psicóloga. A dietista nunca teve em maior número em todas as reuniões foram
uma participação espontânea (pode dever­‑se ao os médicos, o que não é de estranhar dado que,
facto de fazer parte da equipa há muito pouco apesar desta ser uma reunião de equipa multi‑
tempo). profissional, são os médicos que apresentam os
doentes. A estrutura da reunião demonstra pois
Ao observarmos o conjunto de dados verifica‑ a tendência de abordagem dos aspectos mais clí‑
mos que: nicos, em detrimento, talvez, de uma abordagem
mais holística;
• os participantes das dez reuniões podem ser di‑ • as solicitações do Professor durante as reuniões

vididos em grupos distintos dependendo da sua foram essencialmente para os enfermeiros e para
pertença à equipa e ao nível de formação. São a assistente social.
eles:
 Estagiários 6 de medicina do 5º ano de licen‑ Temas emergentes nas reuniões
ciatura, do Internato Geral e do Internato Situações com grande potencial formativo
Complementar; de Enfermagem do 3º ano de O tema situações com grande potencial formativo
licenciatura; de Psicologia do 5º ano de licen‑ durante as reuniões surge em todas as reuniões e
ciatura; de Farmácia do 5º ano de licenciatura. ocupa a maior parte do tempo de cada uma. Este
 Profissionais 7 — médicos; enfermeiros; as‑ tema refere­‑se às situações que ocorreram durante as
sistente social; psicóloga; farmacêutica; fisio‑ reuniões e que, por levarem à interacção e discussão
terapeuta; dietista. dos profissionais que nelas participam, são portado‑
• durante as dez reuniões houve, por vezes, au‑ ras de um grande potencial de formação. Algumas
sência de alguns dos seus participantes por destas situações surgem relacionadas com o doente
motivos vários. Os indivíduos que tiveram uma e outras não são relativas ao doente. Por outras pa‑
presença constante foram: a enfermeira chefe e a lavras, quando o médico faz a apresentação do do‑
enfermeira graduada. A enfermeira graduada é a ente do ponto de vista clínico, todos os elementos
investigadora pelo que esteve permanentemen‑ da equipa seguem atentamente esse discurso, reflec‑
te presente nas reuniões. Durante as reuniões tindo sobre o mesmo. Depois, seja espontaneamente
encontraram­‑se poucos enfermeiros porque ao ou quando solicitado os outros elementos intervêm
trabalharem em horário rotativo, dificultou a com questões e sugestões que estimulam a interac‑
sua presença. De facto, estão apenas no serviço ção e a participação dos seus pares. Esta participa‑

26 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
ção é feita após uma reflexão e um processamento doente e a sua pertinência do ponto de vista do diag‑
dos assuntos abordados e tem por base a formação nóstico e tratamento faz emergir o assunto exames
e a experiência pessoal e profissional prévia dos téc‑ imagiológicos, que pode ser constatado nos seguin‑
nicos de saúde. O grande potencial formativo das tes excertos de reuniões: “A Radiografia é coloca‑
reuniões baseia­‑se essencialmente na discussão que da no retroprojector e o Professor pergunta: ‘Onde
leva ao processo reflexivo individual e colectivo dos descreve a pneumonia?’. A Drª C responde que é à
profissionais e a sua consequente integração de co‑ esquerda e o Professor continua: ‘Os mais novos têm
nhecimentos (Kolb, 1984). mais dificuldades em ver devido à imagem cardíaca
As reuniões desenrolam­‑se em torno de situ- que se sobrepõem mas vê­‑se assim…’. Aponta para a
ações relativas ao doente, já que este é o sujeito imagem de radiografia projectada na parede e expli‑
de cuidados. Ao revermos os assuntos tratados ca como se vê a pneumonia na Radiografia dizendo
denota­‑se a carga multiprofissional destas reuniões que são as partes mais brancas” (OP3).
e o consequente cuidado ao doente como um ser Pareceu­‑me importante diferenciar os exames de
holístico. Estes assuntos assentam na apresentação sangue dos restantes pois surgem muito frequente‑
do doente em que é exposta a sua história clínica, mente, no decorrer das reuniões, como exames im‑
a medicação e os exames efectuados, as interven‑ prescindíveis e cruciais e que promovem a discus‑
ções e os aspectos psicológicos, sociais e de enfer‑ são sobre o diagnóstico e projecção do tratamento
magem, assim como os tratamentos. Tudo isto é a efectuar.
potencialmente formativo, pois estas intervenções O assunto intervenções cirúrgicas está relaciona‑
promovem a interacção e discussão dos profissio‑ do com a necessidade de certas cirurgias aos doentes,
nais sobre o caso, levando a uma reflexão individu‑ sua pertinência e benefícios/riscos para o doente.
al e em grupo e, consequentemente à construção Os assuntos aspectos sociais, aspectos de enfer-
de conhecimento. Este processo refere­‑se à apren‑ magem e aspectos psicológicos emergem isoladamen‑
dizagem experiencial proposta por Kolb (1984), te pois embora não surjam com tanta frequência
conforme descrito. durante as reuniões como os outros, quando sur‑
Seguem­‑se as situações com grande potencial gem causam grande discussão, reflexão e questio‑
formativo relativas ao doente durante as reuniões. namento promovendo a interactividade entre os
Serão apenas apresentados alguns extractos das profissionais. Porém, estes assuntos estão subjacen‑
observações participantes (OP). tes a todo o discurso dos profissionais pois nota­‑se
A história clínica do doente remete­‑nos para o uma preocupação em cuidar do doente como um
inter­‑relacionamento dos antecedentes do doente ser holístico. Constata­‑se pelos seguintes excertos:
com a clínica actual e estes são o ponto de parti‑ “A Drª G apresenta o doente da cama 14 e diz que
da para a discussão dos casos pelos profissionais, é um caso social complicado e que já tem alta clí‑
colocando hipóteses de diagnóstico, terapêuticas nica há alguns dias. Diz que a família está a procu‑
e intervenções. A história clínica de cada doen‑ rar um local para colocar o doente e que esse local
te, com excepção das altas ou algum caso social precisa de apoio de Enfermagem, já que é um do‑
permanente, é apresentada em todas as reuniões. ente traqueostomizado. A Assistente Social refere
Como exemplo segue­‑se o excerto de uma das OP que a família não conseguiu vaga onde foi procurar
(Observações Participantes): “A Drª S apresenta o e que o doente poderia ir para casa. A enfermeira
doente da cama 4. Esta explica o caso clínico do P intervém e refere que o doente não pode ir para
doente e porque está a fazer aquela medicação, os casa pois necessita de aspiração e que, mesmo que
meios auxiliares de diagnóstico pedidos e os resul‑ se fizesse o ensino à família, além de ser complicado
tados obtidos” (OP1). tem grandes riscos. O Prof. diz que tem de escrever
A medicação surge da discussão sobre a medi‑ uma carta à administração relativamente ao caso
cação ideal a ser utilizada em determinado caso e deste doente e informa que a administração quer
porquê. aumentar a taxa de ocupação com a diminuição do
A discussão sobre os exames imagiológicos tempo de internamento, mas com a selecção feita no
(Radiografia do tórax, TAC, REM) efectuados ao HSM isso é difícil” (OP1).

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 27
Os tratamentos surgem perante sugestões do incentivo do Professor para os profissionais assisti‑
Professor acerca de tratamentos novos que o doente rem. É potencialmente formativo pois esta informa‑
poderia beneficiar. É potencialmente formativo já ção pode incentivar a participação nas reuniões e à
que o Professor dá a conhecer aos profissionais no‑ reflexão conjunta, com consequente formação para
vos tratamentos de que se dispõem. os profissionais.
As situações com grande potencial formativo não
relativas ao doente surgem principalmente a partir Situações com pequeno potencial formativo
da intervenção do Professor que incentiva os profis‑ Apesar da maior parte destas reuniões se basearem
sionais, conduzindo­‑os à pesquisa de novos temas em interacções entre os profissionais, em reflexões
e à abertura de horizontes de aprendizagem. Tem individuais e conjuntas, num estímulo à autoforma‑
um grande potencial formativo já que este incentivo ção, trazendo a experiência pessoal e profissional
a leituras, o pedido de trabalhos de investigação e dos técnicos para a resolução de novos problemas,
de pesquisa é o ponto de partida para o aprofundar nem todas as situações o são assim. Ou seja, existem
de conhecimentos, de reflexões e de autoformação. ocasiões em que há assuntos que não são discuti‑
Segue­‑se uma explicação sobre cada assunto e al‑ dos, passando­‑se um pouco à frente. Estas ocorrên‑
guns excertos das OP. cias foram incluídas no tema situações com pequeno
As sugestões de investigação surgem devido aos potencial formativo durante as reuniões. Este tema
pedidos do Professor aos colaboradores para rea‑ refere­‑se a acontecimentos durante as reuniões que
lizarem alguns trabalhos de investigação sobre te‑ não potenciam a formação por não promoverem a
mas actuais e importantes para o desempenho da reflexão e a discussão. As situações com pequeno
sua profissão com qualidade. São impulsionadores potencial formativo são relativas a assuntos que
da pesquisa, da reflexão e do aprofundamento de poderiam ter um grande potencial formativo caso
conhecimentos com frutos a médio prazo. fossem objecto de discussão e de reflexão. Nestas
As sugestões de leitura emergem várias vezes du‑ situações com pequeno potencial formativo relati-
rante as reuniões pois o Professor aproveita quase vas ao doente surgem os problemas sociais, que
todas as questões para incentivar a leitura de novos são descurados enquanto assunto de discussão em
artigos, de artigos de investigação, de revisão e de equipa, sendo remetidos para posterior resolução
livros importantes. Este incentivo pode levar à lei‑ pela assistente social. Esta protelação da discussão
tura de cada profissional, à reflexão e consequen‑ dos assuntos no seio da equipa, reflexo do ónus clí‑
te autoformação. Algumas vezes o Professor pede nico das reuniões, não promove a sua discussão, a
para alguém ler um artigo e fazer a síntese. interacção e a consequente reflexão. Estas situações
A medicina no tempo corresponde a ocasiões das são as altas sem discussão que surgem quase sempre
reuniões em que o Professor e o chefe de serviço que os doentes têm alta, já que os médicos, a maior
fazem alusão e comparam o tipo de procedimentos parte das vezes, apenas dizem que vão dar alta ao
de hoje com os que se utilizavam há uns anos atrás. doente e não explicam a situação e o caminho clí‑
Estas intervenções são potencialmente formativas nico percorrido até então. A verdade é que os casos
pois podem levar à reflexão dos profissionais re‑ destes doentes são discutidos durante todas as se‑
lativamente à história de determinado tratamento, manas nas reuniões. Todavia, quando têm alta seria
o que permite compreender melhor o presente e o útil explicar toda a história do doente até então, já
futuro da medicina. Como exemplos temos os se‑ que levaria ao questionamento e à consequente dis‑
guintes excertos das observações participantes: “O cussão e reflexão, potenciando a formação.
Professor diz: ‘Quero recordar que antigamente nos Também o não aprofundamento dos casos so-
hospitais civis fazia­‑se uma mistura de água com ál‑ ciais apresenta pequeno potencial formativo pois
cool que era eficaz na privação alcoólica’. O Drº SF em algumas situações não são discutidos os casos
interrompe dizendo: ‘Também se dava álcool com do ponto de vista social. Algumas vezes apenas se
canela…’ Todos riem” (OP5). apresenta o caso e se diz que é um caso social e a as‑
As sugestões de reuniões clínicas emergem da sistente social diz que vai resolver mas não discute
alusão aos dias e horas da realização destas e do o plano de resolução. Esta discussão teria grande

28 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
potencial formativo no sentido que os profissionais sobre aspectos importantes durante as reuniões de
discutiriam o caso social e reflectiriam sobre este forma a torná­‑las mais formativas. Refiro­‑me aos
em conjunto, e consequentemente aprenderiam processos que ocorrem nas reuniões como é o caso
uns com os outros de forma a adquirirem os instru‑ da descrição das situações, da partilha das expe‑
mentos e conhecimentos necessários à resolução de riências, do questionamento e da interacção cons‑
outro caso idêntico. tantes, do incentivo do Professor à participação dos
Recusar ver exames também tem pequeno po‑ profissionais da equipa e das sugestões oferecidas
tencial formativo mas apenas surge uma vez numa pelo Professor como forma de estímulo à procura e
OP. No entanto, é importante referir dada a sua sin‑ à autoformação dos técnicos de saúde. Como aspec‑
gularidade e o potencial formativo que teria caso se tos que promovem a formação durante as reuniões
explicasse o exame. Assim, no excerto que se irá acrescento ainda a informalização das reuniões, não
seguir, o Professor recusa ver o exame dizendo que só relativamente ao seu funcionamento (o carácter
já viram muitas TAC’s (tomografia axial computa‑ aleatório dos lugares onde as pessoas se sentam, a
dorizada), mas desperdiça uma oportunidade com democraticidade na participação e a distribuição de
grande potencial formativo, já que um exame nunca bolos a meio da reunião), mas também referente aos
é igual ao outro e a sua discussão permite a refle‑ participantes (as relações entre si) e relativamen‑
xão e uma potencial aprendizagem. Como exemplo te ao dirigente das reuniões (a informalização dos
de uma OP: “O Professor interrompe: ‘Queríamos seus comportamentos durante a reunião).
depois ver a REM’. A Drª T diz: ‘Se quiser ver a
TAC?!’. O Professor diz: ‘Não. TAC’s temos visto,
mas as REM’s não estamos tão habituados’” (OP8). Conclusões
Também surgem situações com pequeno poten-
cial formativo não Relativas ao doente em que ape‑ A natureza da amostra e o tipo de estudo não permite
nas são dadas Informações aos elementos da equipa a generalização dos resultados, nem tão pouco a sua
não havendo questionamento, nem discussão nem extrapolação para outra população. No entanto, não
reflexão. sendo essa a finalidade do estudo, não posso deixar
de salientar a importância do conhecimento profun‑
Aspectos promotores da formação do do “caso singular” para o conhecimento geral.
Este tema é extremamente importante e relevan‑ As reuniões da equipa multiprofissional de saú‑
te surgindo com forte carga durante as reuniões. de são um espaço comum de partilha, debate e refle‑
Refere­‑se às especificidades do funcionamento das xão dos vários profissionais acerca das experiências
reuniões e dos próprios profissionais que promo‑ em contexto de trabalho. Estas reuniões fazem tam‑
vem a discussão e a reflexão, potenciando os efeitos bém parte do contexto de trabalho sendo um local
formativos. Por outras palavras, a forma como es‑ potencial de aprendizagens, depreendendo­‑se um
tas reuniões funcionam e como os seus elementos sentido formativo destas reuniões. Ao longo de toda
se relacionam com o dirigente e entre si durante a análise constatei que a riqueza dos discursos, do
as mesmas, assim como os processos de relação debate e consequente reflexão individual e conjunta
que decorrem nas reuniões fomentam a formação do grupo com tomadas de decisão, têm um grande
dos seus profissionais. Estas especificidades de potencial formativo, podendo mesmo dizer­‑se que
funcionamento da reunião e a permanente inte‑ são formativas desde que o processo de reflexão seja
racção entre os indivíduos que participam naquela feito, interiorizado e promotor de mudanças.
sujeita­‑os a um processo de socialização constan‑ Nestas reuniões articulam­‑se situações de for‑
te, ou seja, os participantes estão condicionados a mação não formal e informal. Não formal, porque
permanecer num mesmo espaço, interagindo uns apesar da finalidade da reunião não ser a formação
com os outros, aprendendo uns com os outros, sen‑ dos seus participantes, existe uma intencionalida‑
do em simultâneo sujeitos, agentes e objectos de de por parte do Professor e a procura de situações
socialização (Lesne, 1977). Neste tema emergem de aprendizagem para os participantes. Informal,
situações que permitem também ao leitor reflectir na medida em que esta é definida como todas as

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 29
oportunidades educativas ao longo da vida do in‑ daquele profissional relativo ao cuidado àque‑
divíduo, mesmo que este não tenha consciência le utente. Este debate e reflexão conjunta sobre a
delas. melhor prática para dar resposta às necessidades
Esta análise reforça também a importância e a deste utente, são tão importantes na formação dos
mais valia da articulação entre a formação formal, indivíduos como a sua experiência profissional,
não formal e informal na aprendizagem do indiví‑ pois uma sem a outra não faria sentido.
duo e da incomparável necessidade de formação Além do debate e da reflexão individual e conjun‑
em contexto de trabalho para os profissionais de ta durante as reuniões também surgem situações de
saúde. Além disso, também sobressai a necessida‑ incentivo à pesquisa, leituras e participação em reu‑
de de momentos de partilha e de reflexão entre os niões clínicas. Estas situações podem ser potencial‑
profissionais para que cada um destes possa olhar mente formativas pois incentivam os indivíduos à sua
e/ou tornar a olhar e a reflectir sobre a experiência, autoformação através da apropriação de um conjunto
possibilitando a sua integração e consequente au‑ de influências e experiências porque passou, reflec‑
toformação. tindo acerca destas e fazendo um trabalho sobre si de
Claramente, ao longo da análise dos dados sur‑ autoconstrução como profissional e pessoa.
gem 3 domínios de aprendizagem: a formação expe‑ Na reunião também está presente um processo
riencial, a autoformação e a socialização. A formação de socialização na medida em que todos os actores
durante as reuniões é feita de forma experiencial, na são agentes condicionando os outros participantes,
medida em que são debatidas as experiências indivi‑ objectos, já que são condicionados pelo meio e pe‑
duais e colectivas do grupo relativamente ao seu tra‑ los outros elementos da equipa e, sujeitos, já que
balho. Reflecte­‑se individualmente e em conjunto, se determinam e adaptam­‑se activamente às exigên‑
na tomada de decisões importantes relativamente ao cias sociais do meio (Lesne, 1977).
tratamento do doente. As quatro etapas do proces‑ Assim, as reuniões das equipas multiprofissio‑
so de formação experiencial segundo Kolb (1984) nais são um dispositivo de formação não formal e
observam­‑se durante as reuniões 8. Para que ocorra informal (com maior ou menor eficácia dependendo
formação experiencial são muito importantes dois do seu funcionamento) na medida em que existem
elementos essenciais: a prática e a reflexão. Estes processos de formação experiencial, autoformação
dois elementos estão presentes durante as reuniões e de socialização, já que as reuniões são um espaço
já que é efectuada uma reflexão sobre a prática, ou de conversa e partilha entre os indivíduos condi‑
seja, ao serem discutidos os casos dos utentes está cionando necessariamente a reflexão e a aprendiza‑
subjacente uma discussão da prática profissional gem, mesmo que inconsciente.

30 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho
Notas desta equipa desde há cerca de 8 anos, era perfeita‑
mente natural e habitual a minha presença e inter‑
1. Exerci Enfermagem durante 8 anos num Hos‑ venção durante as reuniões.
pital de Lisboa. Quando iniciei a minha profissão 4. Esta equipa multiprofissional é constituída
percebi que sabia muito pouco pois as aprendiza‑ pelos seguintes profissionais: os médicos, os enfer‑
gens em contexto de trabalho eram diárias e perma‑ meiros, as auxiliares de acção médica, a psicóloga, a
nentes. Aquela conhecida frase do famoso Filósofo farmacêutica, a assistente social, a dietista, a secretá‑
Grego Sócrates “Só sei que nada sei” adequava­‑se ria de unidade e a fisioterapeuta. No serviço também
perfeitamente à situação e, por diversas vezes, pen‑ trabalham habitualmente: médicos do internato
sava nela. Apercebi­‑me também que esta aprendiza‑ geral e complementar, que vão mudando consoante
gem estava muito dependente do meu contacto per‑ a duração dos seus estágios; alunos estagiários tem‑
manente com os outros, reforçando a ideia de que porários de medicina do 5ºano; e os alunos de enfer‑
aprendemos todos uns com os outros. Não eram magem de vários anos, que vão mudando conforme
raras as vezes que me questionava acerca daquilo que a duração dos seus estágios. Todos estes participam
observava à minha volta como se fosse uma especta‑ na reunião da equipa multiprofissional durante a sua
dora e crítica a assistir a um filme em que também permanência no serviço. Tendo em conta a especi‑
era uma das actrizes. Estas observações e reflexões ficidade do conhecimento exigido aos profissionais
sobre a minha prática profissional e a sua relação da equipa multiprofissional de saúde, não partici‑
com a dos outros, levaram­‑me a estudar os proces‑ pam nas reuniões da equipa as auxiliares de acção
sos de aprendizagem dos indivíduos, para tentar médica nem a secretária de unidade.
perceber em que medida a prática profissional, ao 5. Devido ao número elevado de intervenien‑
envolver os diferentes actores, se pode tornar numa tes, a maior parte das reuniões decorreram num
situação formativa, já que a actividade de trabalho pequeno anfiteatro. Aqui, o Professor senta­‑se
pode ser sempre uma oportunidade de aprendiza‑ num lugar de destaque, na secretária virado para a
gem, dependendo a sua riqueza do conteúdo desse plateia, evidenciando o seu papel de líder da reu‑
trabalho (Pires, 1994). nião. Os restantes elementos sentam­‑se aleato‑
Neste quadro, ocorreu­‑me que uma das minhas riamente nas cadeiras com mesa incorporada. No
actividades profissionais semanais, a reunião da entanto, e apesar desta eventual forma de manifes‑
equipa multiprofissional de saúde hospitalar do ser‑ tação de poder pelo Professor, esta disposição em
viço onde desempenhava funções (Serviço de Medi‑ forma de anfiteatro é apropriada para reuniões com
cina), poderia ser uma actividade formativa. Assim muitos participantes (como é o caso) permitindo
pareceu­‑me importante fazer um estudo acerca da alguma forma de interacção entre os participan‑
formatividade das reuniões da equipa multiprofis‑ tes e prestando­‑se à colocação de questões (Rego
sional de saúde. Penso que esta problemática e este & Cunha, 2000). Também deve referir­‑se que não
trabalho, além de interessantes, são pertinentes pois existe outro espaço alternativo onde se possa rea‑
colocam a questão e promovem a reflexão acerca do lizar a reunião pelo número elevado de participan‑
carácter formativo das reuniões da equipa, desven‑ tes. Assim, a questão do poder parece ser mais uma
dando uma nova perspectiva das reuniões da equipa consequência directa das condições do hospital do
multiprofissional de saúde — o potencial formativo que uma vontade explícita dos participantes. De
destas reuniões. facto, apesar do Professor assumir um lugar na sala
2. Nas conclusões, estas etapas serão expli‑ que evidencia a sua liderança, os outros lugares são
cadas e transpostas para a reunião da equipa ocupados aleatoriamente, o que demonstra a demo‑
multiprofissional. craticidade e a abertura dos elementos da equipa
3. Participei em 10 reuniões da equipa multipro‑ uns em relação aos outros.
fissional do serviço já referido (de 4 de Dezembro 6. Os estagiários pertencem e trabalham com a
de 2003 a 7 de Abril de 2004). A minha presença equipa durante a duração dos seus estágios.
durante as reuniões não suscitou qualquer barreira 7. Os profissionais pertencem permanentemente
por parte dos presentes, uma vez que, fazendo parte à equipa.

s ísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho 31
8. Na primeira etapa, o indivíduo empenha­ Bonvalot, G. (1991). Élements d´une définition
‑se numa experiência concreta, segundo Aguilar de la formation expérientielle. In Bernadette
(2005) podem ser experiências pessoais passadas Courtois & Gaston Pineau (eds.), La forma-
ou actuais, expectativas futuras, dilemas e con‑ tion expérientielle des adultes. Paris: La Docu‑
frontos problemáticos. Transpondo para a reu‑ mentation Française, pp. 317­‑325.
nião da equipa multiprofissional, consideramos Cabrito, B. (1999). Formações em alternância:
que a explicação de toda a história do utente e a conceitos e práticas. Lisboa: Educa.
apresentação dos seus problemas e as expectativas Canário, ��������������������������������������
R. (1994). Centros de Formação das As‑
futuras relativamente à sua evolução clínica é essa sociações de Escolas: Que Futuro? In A. Ami‑
experiência concreta proposta por Kolb (1984). Na guinho & R. Canário (orgs.), Escolas e Mudan-
segunda etapa (observação reflexiva), o sujeito “… ça: O Papel dos Centros de Formação. Lisboa:
analisa os elementos da situação que vivenciou, Educa, pp. 13­‑58.
compara­‑os com os dados das experiências ante‑ Canário, R. (1998). A escola: o lugar onde os pro‑
riores…” (Cavaco, 2002, p. 36). Durante as reuni‑ fessores aprendem. Psicologia da Educação
ões, e após a apresentação do doente, os profissio‑ (Puc­‑ S. Paulo), 6, pp. 9­‑27.
nais questionam, partilham opiniões e reflectem, Cavaco, C. (2002). Aprender fora da escola — Per-
evidenciando a observação reflexiva proposta por cursos de formação experiencial. ��������������
Lisboa: Educa.
Kolb (1984). Na terceira etapa (conceptualização Charue, F. (1992). L’organisation fait­‑elle appren‑
abstracta) a análise efectuada anteriormente per‑ dre? Éducation Permanente, 112, pp. 78­‑86.
mite ao indivíduo a “…descoberta de conceitos e d’Espiney, L. (1997). ��������������������������
Formação inicial/Formação
princípios gerais…” (Cavaco, 2002, p. 36). Durante contínua de enfermeiros: uma experiência de
as reuniões e após o debate e a reflexão dos profis‑ articulação em contexto de trabalho. In R. Ca‑
sionais, normalmente o Professor, faz uma síntese nário (org.), Formação e situações de trabalho.
do debate e da troca de opiniões, caracterizando­ Porto: Porto Editora, pp. 169­‑188.
‑se pelo estabelecimento de um tronco comum de Kolb, D. (1984). Experiential Learning. New Jer‑
ideias. O sujeito na quarta etapa (experimentação sey: Prentice­‑Hall.
activa) faz “…uso dessa experiência nas vivências Lesne, M. (1977). Trabalho pedagógico e formação
futuras, permitindo o início do processo de apren‑ de adultos. Lisboa: Fundação Calouste Gul‑
dizagem, com a repetição da primeira etapa e assim benkian.
sucessivamente” (Cavaco, 2002, p. 36). De facto, Malglaive, G. (1990). Ensinar adultos. Porto: Por‑
durante as reuniões são apresentados os casos, to Editora.
reflecte­‑se e conceptualiza­‑se sobre uma acção e Pain, A. (1990). Éducation informelle. Les effets
experiência prévias dos profissionais, possibili‑ formateurs dans le quotidien. ����������������
Paris: Éditions
tando a posterior aplicação prática dos conheci‑ L’Harmattan.
mentos e experiências reflectidas. Pires, A. (1994). As novas competências profissio‑
nais. Formar, 10 (Fev/Mar/Abr), pp. 4­‑19.
Rego, A. & Cunha, M. (2000). A dança das cadei‑
Referências bibliográficas ras ou a dança sem cadeiras. Dirigir — Revista
para Chefias, IEFP (Nov/Dez), pp. 50­‑60.
Aguilar, L. (2005). Modelo de Aprendizagem Cen- Sousa, S. M. S. (2000). Educação, formação e En‑
trado na Experiência. Consultado em Maio de fermagem. Revista de Enfermagem Oncológica,
2005 em http://216.239.59.104/search?q=cache: 4, 15 (Julho), pp. 25­‑38.
bdpktuu6xdsj:www.teiaportuguesa.com/meto‑
docentradonaexperiencia.htm+modelo+da+apr
endizagem+experiencial+de+Kolb&hl=pt-pt

32 sísifo 5 | patrícia vinheir as alves | equipa multiprofissional de saúde e formação em contexto de tr abalho

Você também pode gostar