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Ac/ARTE

VictorDO DEBATE
Victorelli
@v.victorelli
2022©AADD

Material de Apoio
Sumário
Capítulo 1: Debates e proposições
1.1 O que é debate e argumentação 3
1.2 Estrutura de uma proposição simples 4
1.3 Tipos diferentes de proposições 4
Capítulo 2: Argumentos e padronizações
2.1 O que é e estrutura do argumento 5
2.2 O que não é um argumento 6
2.3 Padronizações 8
Capítulo 3: Contexto e linguagem
3.1 Premissas ocultas 10
3.2 Conclusões ocultas 11
3.3 Linguagem 11
3.4 Definição 14
Capítulo 4: Como provar: construindo argumentos cogentes
4.1 Aceitabilidade das premissas 15
4.2 Relevância das premissas 18
4.3 Grandes razões para a conclusão 19
Capítulo 5: Estruturas argumentativas e tipos de inferência
5.1 Tipos de suporte 19
5.2 Tipos de inferência 20
5.3 Tipos de argumentos indutivos 21
5.4 Tipos de argumentos dedutivos 22
Capítulo 6: Tipos de diálogos e suas normas
6.1 Tipos de diálogos 22
6.2 Estágios de diálogos 23
6.3 Regras de diálogos 23
Capítulo 7: Como refutar: falácias e demonstrações negativas
7.1 Refutação de teses 24
7.2 Refutação de argumentos 25
CAPÍTULO 1

Debates e Proposições
O nosso curso tem por objetivo aprimorar a habilidade argumentativa dos alunos no contexto
de um debate.
Debate (disputa): é um tipo de diálogo entre duas ou mais pessoas que surge a partir de
uma discordância central e que visa resolver essa discordância através do convencimento. (O
lado para o qual a disputa é resolvida é o lado vencedor).
O objetivo é convencer – o que é diferente de persuadir. O convencimento é estudado pela
lógica, a persuasão pela retórica. O primeiro tem relação com o conhecimento, e neste caso
com a razão, enquanto o segundo não necessariamente (busca o discurso eficiente,
frequentemente através das emoções). Quando um debatedor usa a retórica de forma
maligna e desonesta, segundo os antigos, ela se transforma em sofística.
O discurso de Lula, por exemplo, é grandemente retórico e eficiente, persuade muitas
pessoas.
Além disso, se um discurso se vale puramente de aspectos retóricos, e não lógicos, via de
regra ele é desonesto e contrário ao conhecimento. Se, ao contrário, ele for puramente lógico,
e nada retórico, ele até pode ter menos eficiência do que se fosse também retórico, mas ele
não é desonesto nem contrário ao conhecimento. Nosso objetivo aqui é estudar o âmbito
lógico do discurso no debate, porque é ele que garante o convencimento. O convencimento
no debate se dá através da argumentação, um meio essencialmente racional de convencer.
Argumentar: ato de produzir ou apresentar argumentos.
Por isso, para ser um bom debatedor, é preciso desenvolver uma habilidade de argumentar.
Se você quer convencer os outros, precisa aprender a argumentar: não basta ter razão.
Mesmo aqueles que acreditam em Deus por meio da fé, por exemplo, viram a necessidade de
saber argumentar. Ou seja, eles crêem que receberam diretamente de Deus uma iluminação,
que já conhecem a verdade: mas isso não é o suficiente para eles. Eles sabem que para
convencer os outros e trazer mais pessoas para o que eles consideram a verdade,
precisariam saber argumentar. Nisso surge a apologética:
Apologética: ciência de convencer os outros acerca da fé por meio da razão.
Sabemos agora a importância da argumentação. Pois bem, ela é um dos objetos de estudo
principais da lógica pragmática, informal, ou mesmo dialética. E é ela que estudaremos aqui.
Mais para frente, voltaremos ao estudo do debate em si, suas regras, tipos de diálogo, etc.
Neste momento, focamos um pouco mais nos argumentos. Antes de entender o que é um
argumento, precisamos entender o que é uma proposição, pois um argumento é um tipo de
conjunto de proposições.

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Proposição: um discurso perfeito que assevera uma relação.
No debate, toda proposição representa um comprometimento (daí a importância de se
entender o que é, e o que não é, uma proposição). Veremos que se pode recuar neste
comprometimento, embora isso possa trazer problemas. Um exemplo de uma proposição:
Maconha é ilegal.
Estrutura de uma proposição simples:
Sujeito: aquele de que algo é asseverado (maconha).
Cópula: aquele que assevera a relação (é).
Predicado: aquele que é asseverado de algo (ilegal).
Por existir, na proposição, uma asseveração (como consta na sua definição), ela pode possuir
um valor-verdade (é passível de ser verdadeira ou falsa).
Verdade: adequação da proposição à realidade.
Falsidade: inadequação da proposição à realidade.
Há várias formas diferentes, valendo-se de diferentes ciências muitas vezes, para determinar
se uma proposição é verdadeira ou falsa. Por exemplo, em questões políticas, é o
conhecimento em política (atrelado à lógica) é que pode determinar se uma proposição é
verdadeira ou falsa. Não é papel da lógica, sozinha, determinar se uma proposição é
verdadeira ou falsa – apenas se é defendida por um bom ou mau argumento.
Temos alguns tipos diferentes de proposições:
1) Simples ou compostas.
Proposição simples: cópula verbal, partes sujeito e predicado.
Proposição composta: cópula não verbal, partes outras proposições
2) Das compostas
Proposição condicional (estrita): afirma uma relação de condicionalidade real entre duas
proposições.
Se a maconha for legalizada, o tráfico diminuirá.
Se os ministros do STF estiverem envolvidos com uma organização criminosa, então
corremos grande perigo.
Proposição disjuntiva (forte e fraca): afirma uma relação de disjunção entre duas
proposições.
Ou Lula, ou Bolsonaro ganhará a eleição. (forte)
Ou Boulos, ou Zambelli ganhará a eleição. (fraca)
Querido, traga 10 cervejas. Ou Heineken ou Stella.
Proposição copulativa: afirma duas proposições ao mesmo tempo.
Boulos e Zambelli ganharam a eleição.

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Agora vejamos o que não é uma proposição (embora possam conter proposições):
Perguntas: discurso interrogativo.
- Exceção feita às perguntas retóricas
- Perguntas capciosas, porém, contêm proposições
Chamados: discurso vocativo.
Ordem: discurso imperativo.
Pedidos: discurso suplicativo.
CAPÍTULO 2

Argumentos e Padronizações
Entendidas as proposições, com elas, podemos construir argumentos. Às vezes usamos
argumentos para justificar certas proposições nas quais acreditamos, ou mesmo valemo-nos
de certas proposições nas quais acreditamos para alcançar outras mediante os argumentos.
O que é um argumento?
Argumento: um conjunto de proposições onde parte delas são postas de tal forma que
sustentam racionalmente uma última. Exemplo:
Todo corrupto passou pela prisão.
Lula passou pela prisão.
Logo, Lula é corrupto. (falácia do termo médio não distribuído)
Estrutura de um argumento:
Premissas: as proposições usadas para sustentar logicamente outra.
Conclusão: a proposição sustentada logicamente por outras.
Veja que o objetivo do argumento é sustentar racionalmente uma proposição (este é o seu
propósito). Isto nos ajudará mais a tarde a distinguir o que não é um argumento. As principais
funções de um argumento são as seguintes:
1) Descoberta: alcançar uma verdade que desconhecíamos, numa investigação
filosófica ou científica, p. ex.
2) Prova: justificar uma proposição que já consideramos verdadeira para alguém que ou
a considera falsa, ou neutra, ou embora concorde, não saiba os motivos pelos quais
concorda.
Exemplos:
1) Centelhas de uma máquina elétrica são descargas elétricas, pois são caracterizadas por
movimento rápido e condutividade. Ora, os raios, de maneira muito semelhante a estas
centelhas, se caracterizam pela condutividade e o movimento rápido. Logo, o raio
plausivelmente deve ser uma descarga elétrica. (Assim, Franklin descobriu que raios são
uma descarga elétrica.)

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2) Por exemplo, se eu afirmar que 11 de setembro de 2001 foi uma terça-feira e você
negar isso ou simplesmente expressar alguma dúvida, podemos procurar um calendário.
Mas suponha que não tenhamos um calendário para 2001. Felizmente, encontramos um
calendário para 2002. Agora posso justificar minha afirmação apresentando este
argumento: O calendário mostra que 11 de setembro foi na quarta-feira de 2002; 2002 não
foi bissexto, pois 2002 não é divisível por quatro; anos não bissextos têm 365 dias, que é 1
dia a mais que 52 semanas; então o 11 de setembro deve ter sido na terça-feira de 2001.
Agora você deve estar convencido. (Understanding arguments, Walter Sinnott-Armstrong e
Robert J. Fogelin)
Por outro lado, embora o raciocínio seja um instrumento fundamental para se obter
conhecimento, não é a única forma de se fazê-lo (as perceções sensíveis e intuições são
outras formas). Num debate, entretanto, o único instrumento apto de contribuir para o
convencimento, seu objetivo próprio, é o argumento.
Vejamos mais um argumento:
Não há polícia internacional. É preciso polícia para fazer cumprir a lei completamente.
Portanto, o direito internacional não pode ser totalmente cumprido.
Nos contextos informais, raramente os argumentos são formulados de forma tão acabada e
perfeita, sem excrescências, com linguagem clara e concisão. Geralmente, é algo mais
corrido, como o exemplo:
É completamente irrealista tentar minimizar o governo na era moderna, como os
liberais querem fazer. Precisamos do governo para muito mais do que fazer cumprir a lei e
defender nossas fronteiras. Há questões de infraestrutura básica como esgotos, calçadas,
sinalização, rodovias e aeroportos. Existem questões de segurança em relação a alimentos,
medicamentos e produtos de consumo. Então, pense também na regulamentação das
profissões: você não quer qualquer um pendurando uma placa e dizendo que é dentista ou
cirurgião cardíaco! Qualquer um que entenda a complexidade do mundo moderno
perceberá que nenhum indivíduo ou grupo pequeno pode se proteger protegendo-se de
ataques e tentando manter seus orçamentos no mínimo. Há muitas coisas acontecendo, e
muitas maneiras que podem dar errado.
E nós estudaremos as maneiras de se construir um argumento de forma clara, e mesmo
como compreender o argumento do seu oponente para atacá-lo em suas fraquezas.
Alguns diferentes argumentos podem ser criados a partir de diferentes tipos de proposições
como vimos:
- Silogismo simples;
- Silogismo disjuntivo;
- Silogismo condicional;
- Dilema.
O que não é um argumento?
Afirmação: uma afirmação não é um argumento.

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O sujeito afirma que o seu candidato é corrupto. (Tanto falam isso do Bolsonaro quanto
do Lula).
Opinião: uma afirmação propositalmente solta, e que por ser pessoal, frequentemente é
acompanhada de um tom de irrefutabilidade.
“Esta é a minha opinião, cada um tem a sua”
Proposições condicionais: são tanto afirmações quanto qualquer outra proposição, e como
vimos, proposições não são argumentos.
Embora se assemelhem a argumentos, diferem enquanto afirmam uma relação de
implicação, e não mostram que há uma implicação. Afirmar que uma proposição isolada
implica numa outra proposição é diferente de mostrar esta implicação.
Dizer “se Bolsonaro não foi eleito, então houve fraude nas eleições”, é claramente
diferente de dizer que por tais e quais razões (monstrando-as) era evidente que Bolsonaro
seria eleito, e deixando explícito para a nossa inteligência que a única forma disso não ter
acontecido é existir uma fraude na eleição.
Explicações: servem para fornecer entendimento da coisa, e não para descobrir ou fornecer
justificação. Diferentes tipos (Trudy Govier) de explicações:
Explicações causais: apontam as causas ontológicas pelas quais um fenômeno se deu.
Enquanto o argumento aponta as causas lógicas para que se aceite uma conclusão, a
explicação apenas aponta as causas pelas quais se deu um fenômeno que já é um fato.
Este apresenta fatores, o outro apresenta premissas.
A janela esteve fechada durante todo o verão e o tempo estava quente e úmido. Por
isso o quarto fedia terrivelmente a mofo.
Explicações de propósito: apontam os motivos pelos quais algo fez sentido para uma
pessoa.
Apenas aponta as causas psicológicas pelas quais uma pessoa decidiu fazer algo, sem
querer justificar. O argumento dá justificação, a explicação de propósito dá compreensão.
A janela esteve fechada durante todo o verão e o tempo estava quente e úmido. Por
isso o quarto fedia terrivelmente a mofo.
Explicações de significado: apontam o significado de um termo não esclarecido, geralmente
com sinônimos ou definições.
Não fornecem razões para acreditar que o significado é este ou aquele, não são uma prova
de que é a definição mais adequada, etc., só esclarecem e proporcionam entendimento
àqueles que já assentem ou querem entender a definição, o assunto, etc.
Quando eu falava sobre violência doméstica, eu quis dizer tanto violência física quanto
emocional.

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Explicação doutrinais: descrevem uma doutrina (de fé ou não).
Não assumem que a doutrina está correta, e muito menos tentam provar que está; apenas
expõem e descrevem o corpo dela, as razoes pelas quais se acredita nisto ou naquilo
(mesmo que não se concorde com estas razões), etc.
Dentro do cristianismo, o aborto é imoral, porque crê-se que o feto desde o primeiro
instante possui uma alma humana, e como o humano é feito à imagem e semelhança de
Deus, é tido como especial na criação.
Apelos emocionais: embora possam servir para persuasão, e quando atrelados a
argumentos até para convencimento, apelos emocionais sozinhos não são argumentos.
Isso porque as emoções, sozinhas, não servem para justificar uma proposição; no máximo,
como vimos, para tornar mais compreensível um ato, etc; mas isso está no campo da
explicação, não da argumentação.
“Eu devo ser presidente, porque o pobre precisa voltar a ter comida na mesa” não é
um argumento; é um apelo, uma frase que toca nas emoções e pode ter um valor
persuasivo muito grande; “Eu devo ser presidente, porque o pobre precisa ter comida na
mesa, e eu sei as medidas corretas a serem tomadas para que se retome um
desenvolvimento econômico”, já é um argumento, este imiscuído de emoções.
Ordens, pedidos, perguntas, ameaças, etc., não são argumentos.
Padronizações
Padronizar um argumento consiste em identificar as suas premissas e conclusão, separá-las
e numera-las. Fazendo isso com os seus argumentos ou o do seu oponente, é mais fácil tanto
de se defender, quanto de atacá-lo. É possível ver quais críticas se aplicam, e quais não.
Veremos, também, como padronizar nos ajuda a identificar 1. o tipo de suporte ou estrutura
do argumento e 2. a natureza inferencial dele.
Além disso, se familiarizando com a estrutura lógica de um argumento (e não verbal), isto te
ajudará a você mesmo buscar arranjar verbalmente os seus próprios raciocínios numa
estrutura mais explícita.
(Se você tem solidez na sua argumentação, você pede que ele aponte o exato erro em suas
premissas. A obscuridão favorece os fracos, os sofistas, de argumentação enganosa; quem
tem uma tese bem sustentada não tem medo de se expor à clareza).
Eu devo ser presidente, porque o pobre precisa ter comida na mesa, e eu sei as
medidas corretas a serem tomadas para que se retome um desenvolvimento econômico.
(Argumento não padronizado.)
1. O pobre precisa ter comida na mesa.
2. Eu sei as medidas corretas a serem tomadas para que se retome um
desenvolvimento econômico.
3. O desenvolvimento econômico proporciona a comida na mesa do pobre.
4. Logo, eu devo ser presidente. (Argumento padronizado).

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Frequentemente, na linguagem informal, argumenta-se invertendo os fatores: primeiro pela
conclusão, e depois as razões que sustentam esta conclusão. Padronizar o argumento
também nos ajuda a perceber isso.
Preparei uma lista para vocês de palavras que indicam premissas e conclusão num
argumento em contexto informal.
Palavras indicadoras de premissas:
Porque;
Por;
Como indicado por;
Segue-se de;
Pode ser inferido/derivado/deduzido de;
Com o fundamento de que;
Assumindo que;
Pela razão de que;
Como mostrado por;
Dado que;
Visto que.
Indicadores de conclusão:
Portanto;
Logo;
Assim;
Consequentemente;
Por isso;
Então;
Segue-se que;
Pode-se inferir/deduzir que;
Em conclusão;
Com isso;
Por esta razão;
Por estes motivos;
Prova/mostra/indica que;
Podemos concluir que;
Demonstra que;
Quando argumentar, busque:
1) deixar claro qual é a sua conclusão, repetindo-a, usando palavras indicadoras;
2) deixar claro quais são as suas premissas, numerando-as e separando-as para evitar
confusão;
3) deixar clara a estrutura inferencial do argumento, como aprenderemos na aula mais a
frente.

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CAPÍTULO 3

Contexto e Linguagem
Premissas ocultas
Frequentemente na argumentação informal, premissas são omitidas (por serem óbvias, ou
por ser óbvio que o proponente assume isso, ou por agilidade). Isso é muito comum.
Algumas crianças argumentam que os pais sabem mais do que as mães porque os
pais são mais altos do que as mães.
Problema:
Pelo princípio da caridade hermenêutica, é importante que suponhemos que há uma
premissa subentendida (a falta dela seria um salto lógico e portanto tornaria falacioso o
argumento);
No entanto, o excesso é perigoso: não podemos argumentar no lugar dele e perder a
acurácia.
Na decisão de se supor ou não uma premissa oculta, deve ser posto na balança, assim, um
equilíbrio entre acurácia e caridade. Trudy Govier nos dá um bom parâmetro:
Regra: sem suplementação sem justificação.
Três justificativas para suplementar:
1) A fala ou texto dá bons indícios de que há esta premissa implícita.
2) Essa premissa é necessária para a validade do argumento e, ao mesmo tempo, é algo que
o argumentador aceitaria.
3) É uma premissa que o argumentador está explicitamente comprometido por causa de
falas anteriores ou material explícito.
E a imortalidade faz essa outra diferença, que aliás, tem relação com a diferença entre
totalitarismo e democracia. Se os indivíduos vivem apenas setenta anos, então um estado
ou nação, ou uma civilização, que pode durar mil anos, é mais importante que um indivíduo.
Mas se o cristianismo é verdadeiro, então o indivíduo não é apenas mais importante, mas
incomparavelmente mais importante, pois ele é eterno e a vida do Estado ou de uma mera
civilização, comparada com a dele, é apenas um momento. (Argumento não padronizado e
com uma premissa oculta).
1. Se o cristianismo é verdadeiro, então o indivíduo é eterno.
2. Os Estados e as civilizações não são eternos.
3. Entidades eternas são mais importantes do que aquelas de existência meramente
finita.
Portanto, 4. Se o cristianismo é verdadeiro, o indivíduo é incomparavelmente mais
importante que o Estado ou a civilização. (Argumento padronizado e com todas as
premissas explícitas).

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Conclusões ocultas
Também é comum que existam conclusões ocultas. Às vezes o oponente só dá as premissas,
sugerindo a conclusão a ser implicada, e não de forma explícita. E então você precisará
identificar a conclusão, e se necessário consultar o proponente, para ter o argumento com o
qual lidar e objetar/refutar.
Quanto maior o hambúrguer, melhor o hambúrguer. Os hambúrgueres são maiores no
Burger King.
Isso pode ser feito porque 1. o ponto é muito óbvio para ser explicitado, 2. a conclusão é
expressa indiretamente (parcialmente oculta), 3. questões estilísticas, 4. o contexto, de
alguma forma, proporciona vantagens ao argumentador se não tornar a conclusão explícita
(às vezes, por exemplo, a conclusão pode contradizer premissas, ou ideias com as quais o
proponente está comprometido, e explicitar a conclusão significaria explicitar essa
contradição).
Joe: Você ouviu sobre o caso do embrião congelado? Um casal teve alguns dos
óvulos da mulher fertilizados por seu esperma em um tubo de ensaio. Os embriões
começaram a se desenvolver e eles os congelaram. A ideia era implantar os embriões em
seu útero para que pudessem ter um bebê. De qualquer forma, esses embriões foram
congelados e o casal se divorciou. Eles estão envolvidos em um processo judicial tentando
determinar quem é o dono dos embriões.
Fred: Quem é o dono deles? Isso me deixa doente! Os embriões são seres humanos
em desenvolvimento com todo o material genético necessário para a vida humana. Nada
que tenha o material genético para a vida humana é propriedade.
1. Os embriões possuem todo o material genético necessário à vida humana.
2. Nada que tenha todo o material genético necessário à vida humana é propriedade.
Portanto,
3. Os embriões não são propriedade.
Linguagem
A linguagem é um instrumento necessário para a transmissão dos pensamentos e, por
conseguinte, dos argumentos. No entanto, não sendo um meio puro de expressão, a
linguagem traz os seus próprios problemas.
1) Estrutura da significação
Primeiro entendamos a estrutura da significação:
Signo: palavra;
Significado: conceito (intensão);
Referente: realidade (extensão).
Por exemplo, “homem” é um signo, que significa o conceito de homem (como animal
racional), e cujos referentes hoje somam mais de 7,8 bilhões.

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2) Uso e menção
Usar uma palavra na comunicação é diferente de mencioná-la. Não saber identificar essa
diferença é uma fraqueza que pode ocasionar um engano por parte do proponente. Note a
diferença de “abacaxi” nos seguintes exemplos.
Abacaxi é uma fruta.
“Abacaxi” tem sete letras.
Apliquemos esses dois usos num argumento.
“Deus” é uma palavra.
Palavras são invenções dos homens.
Logo, Deus é uma invenção dos homens.
Uma confusão simples pode produzir resultados desastrosos na argumentação como este.
Os termos estão em imposições diferentes (note-se o uso de aspas num caso, segundo as
normas do português mas que, na linguagem falada, provavelmente passaria despercebido, e
a falta das aspas no outro).
Primeira imposição: referência do signo ao seu significado e à realidade (uso)
Imposição zero: referência do signo somente a si próprio como signo. (menção)
Quando a mesma palavra aparece em imposições (ou valores de suplência) num argumento,
ocorre o que se chama falácia de suplência.
3) Falta de clareza (obscuridade)
A falta de clareza na argumentação é ocasião de erro. Há dois principais tipos de falta de
clareza que são a ambiguidade e a vagueza.
Ambiguidade: consiste no discurso de sentido dúbio.
Divide-se em dois tipos.
Ambiguidade semântica: quando uma palavra possui múltiplos sentidos possíveis e não é
claro qual é empregado. O aproveitamento deste tipo de ambiguidade para argumentar no
erro é uma falácia da homonímia.
O evolucionismo é apenas uma teoria.
Uma teoria é uma especulação ou palpite sem fundamentos.
Uma teoria é um corpo rigoroso de princípios científicos que se destinam a explicar
fenômenos observados.
Ambiguidade sintática: quando o arranjo das palavras na frase é que é origem de confusão
(modificador deslocado ou incerto, referência de pronomes ambígua, ambiguidade na ordem
das palavras). Quando ocorre de forma a afetar negativamente o argumento, há uma falácia
da anfibolia.
Ele disse a seu irmão que ele tinha ganhado o prêmio.

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Vagueza: consiste no discurso com pouca significação.
Se o problema na ambiguidade são os múltiplos significados que a palavra pode ter no
contexto, o problema da vagueza é que não há nenhum significado preciso sendo referido.
Num, a intensão (e por conseguinte a extensão) abrange muitas coisas, por sua demarcação
ampla; noutro, a intensão, e, assim, a extensão, são mal demarcadas.
Ele é comunista, não merece votos!
Ele é fascista, não merece votos!
Ambas, vagueza e ambiguidade, dizem mais respeito ao contexto em que ocorrem do que à
palavra usada em si (embora nem sempre), e frequentemente são carregadas
emocionalmente. A melhor solução nestes casos é solicitar ao argumentador uma definição,
como veremos.
4) Linguagem emocional
As emoções (ou sua ausência) podem ser usadas para favorecer ou desfavorecer um lado ou
discurso. O discurso acompanhado de emoções é chamado de emocionalmente carregado.
É impossível, e indesejável, um discurso emocionalmente neutro em absoluto. As emoções
podem ser aliados retóricos e, mesmo quando não desempenham um papel de
convencimento, são naturais. O problema é quando deixam de ser concomitantes à razão e
passam a ser divergentes, por vezes até ocupando o seu lugar no discurso (emoções no
lugar de argumentos ou evidências). Vejamos alguns exemplos.
Feministas dizendo que ser contra legalização do aborto é desumanidade (isto pode
ser fundamentado, mas a afirmação solta é só emocional) quanto às mulheres que não têm
instrução para se cuidar, ou vítimas de estupro, etc.
Armamentista dizendo que ser contra as armas é ser tolerante com a imagem de um
pai de família vendo os seus filhos sendo mortos.
Lulista: não se posicionar nessa situação é ser conivente com um genocida fascista
que é desumano e contrário às mulheres.
Bolsonarista: não se posicionar é permitir que um ex-presidiário comunista com
sangue nas mãos tome conta do poder.
Uma tática comum é o que se chama o duplo-padrão (ou Our Side Bias), quando se usa uma
linguagem negativa ao tratar do lado oposto, e uma linguagem positiva ao tratar do próprio
lado. Pode ser lícito, mas frequentemente é um impedimento para o entendimento claro.
O eufemismo e a hipérbole, dois opostos, podem ser aliados nesta técnica para manipular o
sentido do discurso.
Temos jogadores agressivos, mas seus jogadores jogam sujo.
Temos uma nova estratégia inteligente, mas eles são dissimulados.
Estamos ganhando o controle do mercado, mas eles têm um monopólio injusto.
Estamos querendo vencer, mas eles estão desesperados por uma vitória.

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Trazendo a um contexto mais atual:
De um lado temos um genocida que menosprezou a morte de milhares de pessoas,
do outro temos só um senhor que pode estar envolvido em um ou outro caso de corrupção
mas nunca tirou a vida de ninguém.
De um lado temos um corrupto ex-presidiário que financiou ditaduras comunistas com
milhares de vítimas por toda a américa latina, do outro apenas um tiozão de linguagem
simples.
Definição
Definir vem do latim definire que significa estabelecer limites, delimitar. Um terreno de limites
claros nos permite distinguir com facilidade, por exemplo, o que está dentro ou fora de seu
espaço; o mesmo ocorre com os termos.
A clareza é amiga dos argumentadores honestos e rigorosos, mas inimiga dos sofistas e
aproveitadores. Por isso, àqueles que seguem pelo caminho certo, saber definir bem e
reconhecer uma boa definição é ao mesmo tempo uma defesa e um ataque poderoso aos
sofistas.
O homem é um animal racional.
Fascismo é uma ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por
poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da
sociedade e da economia.
Comunismo é uma ideologia e um movimento político, filosófico, social e econômico
cujo objetivo final é o estabelecimento de uma ordem socioeconômica estruturada sob as
ideias de igualitarismo, propriedade comum dos meios de produção e na ausência de
classes sociais, do dinheiro e do Estado.
Regras para a boa definição:
1. A definição precisa ser mais clara do que o termo definido.
1.1. A definição não pode empregar o termo definido ao defini-lo.
Propriedade privada é toda propriedade que pertence a indíviduos privados. (Definição
circular)
1.2. A definição não pode empregar termos obscuros (mal definidos).
2. A definição precisa abranger tudo o que convém ao definido (ser exaustiva).
O homem é um animal racional calvo.
3. A definição precisa abranger somente o que convém ao definido (ser exclusiva).
O homem é um animal.
4. A definição não pode ser negativa.
O homem não é um macaco.
O polegar é o único dedo que não é o mindinho, nem o indicador, nem o anelar nem o
médio.

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CAPÍTULO 4

Como provar: construindo


argumentos cogentes
Já aprendemos o que é um argumento; resta saber o que é um bom argumento, um
argumento forte. Nisso, entra a noção de cogência.
Cogente: aquilo que coage o intelecto à adesão (algo próximo de “convincente”).
Aplicado à argumentação…
Argumento cogente: argumento construído de tal forma que coaja a inteligência a aceitar
a conclusão.
Coagir = forçar.
Trudy Govier apresenta as ARG Conditions para um argumento ser cogente:
A: Acceptability (aceitabilidade)
R: Relevancy (relevância)
G: Good grounds (boas razões)
1. Aceitabilidade das premissas
O argumento precisa se sustentar em premissas racionalmente aceitáveis para quem se
endereça o argumento. Para uma premissa ser considerada aceitável, deve cumprir com
pelo menos uma das condições:
- Prova interna;
- Prova externa;
- Verdade a priori;
- Conhecimento comum;
- Testemunho adequado;
- Apelo à autoridade adequado;
- Aceitável provisoriamente.
Há, também, as condições para que uma premissa seja considerada inaceitável.
- Fácil refutabilidade;
- Afirmação falsa a priori;
- Inconsistência entre as premissas;
- Vagueza ou ambiguidade;
- Petição de princípio.

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Condições para uma premissa ser aceitável
Basta que uma seja cumprida.
1. Prova Interna
Ser sustentada por um subargumento que seja ele mesmo cogente (cumpra com as
condições ARG).
2. Prova Externa
Ser sustentada não por argumentos internos, mas por evidências empíricas, pesquisas,
estatísticas, fontes, etc.
3. A Priori
Ser uma verdade a priori, isto é, logicamente necessária.
4. Conhecimento Comum
Ser matéria de conhecimento, embora certamente não seja razão suficiente para ser
considerada verdadeira, é razão para uma proposição ser considerada no mínimo mais
plausível e aceitável.
Contra objeções, podemos dizer que argumentamos e conversamos partindo de
informações do conhecimento comum o tempo todo, embora não percebamos. Se sempre se
exigissem provas bem construídas para qualquer comunicação, não nos comunicaríamos.
5. Testemunho Adequado
Um testemunho pode servir para tornar uma premissa aceitável. Isto é, quando uma pessoa
conta de uma experiência que viveu ou algo que viveu como prova.
Aceitar o que outras pessoas nos dizem é um aspecto básico da vida humana. Nossa
experiência pessoal é limitada em relação ao lugar e ao tempo. Na conversa, na escrita e por
meio de mídias como televisão, cinema e vídeo, outras pessoas nos comunicam uma
experiência mais ampla. A vida seria curta e o conhecimento limitado se os seres humanos
não pudessem estender seu conhecimento confiando nas experiências dos outros.
Há, no entanto, três critérios, segundo Trudy, que tornam um testemunho pouco confiável:
5. 1 Implausibilidade da afirmação;
Contrário ao conhecimento comum, autoridade adequada, conhecimento a priori (verdades
necessárias), até outro testemunho mais adequado.
5. 2 Desconfiança da pessoa que afirma;
Costume de mentir, comprometimento oculto (discurso enviesado)
5. 3 Conteúdo que vai para além da competência da testemunha.
Quando a evidência não é um puro dado sensível, mas envolve alguma interpretação ou
compreensão.

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6. Apelo à autoridade adequado;
Argumentos de autoridade, ao contrário do que frequentemente se diz, também podem ser
perfeitamente válidos, e são inevitáveis. Quando as pessoas dizem, por exemplo, que a vacina
funciona porque a ciência o diz, estao usando arugmentos desse tipo.
O juízo de uma autoridade tem mais valor porque
1) ela tem mais evidência,
2) tem um entendimento mais sofisticado e profundo dos conceitos e teorias,
3) mais conhecimento acumulado e, como resultado,
4) um juízo mais confiável na área específica de sua autoridade.
Os mesmos critérios que desqualificam uma testemunha podem servir para desqualificar um
argumento de autoridade
Desqualificam a “autoridade”:
1) questão alheia à sua área de especialidade;
2) apelo vago, especialista ou campo não é citado;
3) ausência de autoridade (famosos ou influenciadores).
Um outro erro comum é a má interpretação da fala da autoridade.
7. Aceitável posteriormente;
Quando não se há razões para negar, nem razões para concordar, pode-se tomar uma
premissa como aceitável provisoriamente, com fins de permitir que o debate siga e ver o
resultado do argumento.
Se o argumento não for bom, já nem se terá a necessidade de comprovar a premissa; se for
bom, então a conclusão herda o status provisório da premissa.
Esse status pode ser concedido quando não se tem meios de verificação imediata, opinião
formada sobre a afirmação, ou mesmo quando o próprio caráter do argumento é partir de
uma hipótese (como nas reduções ao absurdo).
Condições para uma premissa ser inaceitável
Basta que uma seja cumprida.
1. Fácil refutabilidade;
Estudaremos mais a frente a refutação. Em suma, o conhecimento comum, testemunhos
adequados, provas externas, experiência e pesquisas podem todos servir de refutação a uma
premissa, enquanto são contraexemplo a uma afirmação.

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2. Afirmação falsa a priori;
Afirmações que são logicamente contraditórias, onde o próprio predicado contradiz o sujeito,
é claro, são inaceitáveis, porque falsas.
3. Inconsistência entre as premissas;
O conjunto de premissas produz uma contradição implícita ou explícita.
4. Vagueza e ambiguidade;
Uma ou mais premissas são vagas ou ambíguas a ponto de não se poder determinar que tipo
de evidência ou afirmação as estabilizariam como aceitáveis ou inaceitáveis.
5. Petição de princípio;
Quando o argumento pressupõe precisamente aquilo a que se propõe a provar, então suas
premissas são inaceitáveis: o argumento foi construído para provar algo que ele tenta
pressupor. Assim, continua-se sem razões para aceitar a afirmaçao.
Relevância das premissas
O segundo critério exige que as premissas, tomadas conjuntamente, sejam relevantes para a
conclusão, de tal forma que se relacionem com ela e possam fornecer suporte para a sua
derivação.
- Positivamente relevante
- Negativamente relevante
- Irrelevante
1. Positivamente relevante;
Quando a veracidade de uma premissa contribui para a veracidade da conclusão, esta
premissa é positivamente relevante para a conclusão. Este tipo de relevância é o que é
exigido na condição R.
2. Negativamente relevante;
Quando, ao contrário, a veracidade de uma premissa contribui para a falsidade da conclusão,
há relevância negativa. Premissas deste tipo ferem a condição R, e desqualificam o
argumento.
3. Irrelevante
Quando a veracidade de uma premissa não contribui nem para a veracidade nem falsidade
da conclusão, é neutra neste ponto, há então irrelevância.

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Grandes razões para a conclusão
As premissas precisam suportar adequadamente a conclusão, não apenas sendo relevantes,
mas fornecendo boas razões para aceitá-la, de tal forma que da aceitação das primeiras se
siga a aceitação da segunda. Isto significa que as premissas tomadas conjuntamente
precisam fornecer razão suficiente para a aceitação da conclusão.
Note-se que isto abrange todos os tipos de inferência: dedutiva e indutiva.
Isso significa, em suma, que o argumento precisa ser válido: seja dedutivamente, seja
indutivamente.
Se as premissas forem verdadeiras, a conclusão provavelmente é verdadeira (indutivo), ou
necessariamente verdadeira (dedutivo).
Estudaremos mais sobre inferências e sua validade no próximo capítulo.
CAPÍTULO 5

Estruturas argumentativas
e tipos de inferência
Como vimos na última condição da argumentação cogente, há formas diferentes de construir
um argumento cujas premissas sejam positivamente relevantes para a conclusão e
sustentem-na de alguma forma. Esta aula será, então, sobre as diferentes formas de se
cumprir, digamos assim, com a condição G da argumentação cogente.
Tipos de suporte
Primeiro, estudemos as formas diferentes como certas proposições podem sustentar uma
conclusão. São os padrões de suporte. Olhemos para esta proposição:
Houve fraude no sistema eleitoral brasileiro.
Não houve fraude no sistema eleitoral brasileiro.
Note-se que ela pode ser sustentada, pelo menos, de três formas diferentes.
Houve uma invasão de hackers ao sistema que modificou os votos dos eleitores recebidos
das urnas. Este tipo de invasão configura-se como fraude. Logo, houve fraude no sistema
eleitoral brasileiro.
Kevin Mitnick e os melhores hackers deixaram vestígios ao invadir outros sistemas. Logo,
provavelmente, toda invasão deixa seus vestígios. Logo, provavelmente, se não há
vestígios, não há invasão. Logo, não houve invasão no sistema eleitoral brasileiro [porque não
houve vestígios]
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A preocupação da esquerda em não permitir que Bolsonaro tomasse mais providências
quanto possível para a segurança das urnas é no mínimo suspeita. Depois, houve ainda
resultados estranhos, como em Minas Gerais, com o deputado federal mais votado do país,
governador e senador eleitos, todos bolsonaristas, e Lula ter ganhado no estado. Sem
contar as pesquisas de intenção de voto com resultados bem distantes da realidade,
desfavorecendo Bolsonaro o máximo possível, talvez para não criar alarde com o resultado
vindouro que surpreenderia muitos. É bem provável que tenha acontecido fraude no
sistema eleitoral.
Suporte vinculado: as premissas sustentam a conclusão apenas enquanto conjunto
(interdependentes).
Suporte convergente: cada uma das premissas sustentam a conclusão individualmente
(independentes).
Suporte linear: as premissas encadeiam-se umas às outras, cada uma dando sustento à
subsequente, até chegar na última que, sozinha, implica na conclusão. No suporte linear, cada
par de premissas representa um subargumento (com subconclusões), sendo a última
premissa e a conclusão final, o argumento central.
Há também argumentos de suportes mistos.
Umas contribuem conjuntamente, outras individualmente, outras “linearmente”.
E isso já dá as pistas para refutação:
1) Se vinculado, basta quebrar uma das premissas isoladas.
2) Se convergente, quanto mais premissas quebrar, mais implausível se torna a tese (se
tiverem mais premissas para a tese contraditória, melhor)
3) Se linear, basta quebrar a última implicação.
Mas no que implica fazer estes movimentos? É preciso entender a diferença entre verdade,
validade e corretude.
Verdade: se diz de proposições, quando são adequadas ou não à realidade.
Validade: se diz de argumentos, quando as premissas implicam na conclusão. (Se aquelas
forem verdadeiras, esta será).
Corretude: se diz de argumentos, quando as premissas são verdadeiras e o argumento é
válido.
Assim, na primeira estratégia, mostramos que o argumento é incorreto, pois uma premissa é
falsa; na segunda, que não se há evidências suficientes para concluir isto, e então que o
argumento é inválido; na última, também que é inválido, pois a última premissa não implica na
conclusão central.

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Pode-se classificar, também, conforme a natureza da inferência mais precisamente, e não do
arranjo das premissas.
Dedução: quando a inferência se funda em proposições mais universais para chegar em
proposições menos universais (funda-se num termo médio).
Indução: quando a inferência se funda em proposições menos universais para chegar em
proposições mais universais (funda-se numa enumeração).
Trudy Govier busca classificar quais suportes se valem estas formas de inferência. No
entanto, não me parece razoável, porque isso depende mais da forma como cada um arranja
as premissas do que da natureza mesma da inferência (assim, tanto a indução quanto
dedução podem usar qualquer um dos três suportes). Trataria-se mais de uma escolha
pessoal do que de uma exigência desta ou daquela natureza inferencial.
Tipos de argumentos dedutivos:
- Silogismo simples
- Silogismo hipotético (condicional)
- Silogismo disjuntivo
- Dilema
- Sorites
Tipos de argumentos indutivos:
- Argumento estatístico (pesquisa de intenções de voto)
- Argumento por analogia
- Argumento abdutivo
CAPÍTULO 6

Tipos de diálogos
suas normas e
O argumento é fruto do raciocínio, a terceira operação do intelecto. Argumentamos, isto é,
construímos argumentos, ou sozinhos, ou diante dos outros.
Como este é um curso em torno do debate, estudaremos sobretudo o argumento no
contexto social.
Quando argumentamos no contexto social, temos um diálogo.
Diálogo: uma sequência de trocas de mensagens ou atos de fala entre duas (ou mais)
partes.
Todo diálogo tem um objetivo, cuja realização depende da cooperação das partes.
Regras são determinadas em torno deste objetivo.

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Tipos de diálogos
Altercação pessoal: caracteriza-se pelos ataques pessoais agressivos, apelos às emoções,
e vontade de vencer a discussão a qualquer custo. Representa o nível mais baixo da
argumentação e “não é amiga da lógica”.
Debate forense: um diálogo mais ordenado, com árbitros, plateia, regido por regras de
procedimento explicitas, etc. É superior à altercação pessoal porque o resultado é decidido
por uma terceira parte impessoal e que não está sujeito aos ataques pessoais. No entanto,
muito suscetível a vitórias verbais, falas retóricas e argumentos falaciosos (sugestamente por
ser uma terceira parte, árbitro ou plateia, que decide), visto que o importante é vencer, e não a
verdade.
Discussão crítica (diálogo persuasivo): um diálogo com dois participantes, cada qual com
uma tese. Geralmente, o diálogo deve progredir partindo das concessões do outro oponente
por meio de inferências válidas. Em relação aos tipos anteirores, é superior.
Investigação: um diálogo que tem por objetivo, conjuntamente, obter conhecimento (com o
qual nenhuma das partes estão previamente comprometidas). Partem de premissas
reconhecidamente verdadeiras, aceitas por todas as partes.
Diálogo de negociação: objetiva o ganho pessoal por meio da barganha.
Procura de informação: uma parte tem o objetivo de descobrir informações que a outra parte
supostamente tem (por meio de interrogatórios, até tortura)
Procura de ação: objetivo de uma parte é fazer com que a outra parte tome um determinado
curso de ação.
Diálogo educacional: uma parte (o professor) tem o objetivo de transmitir conhecimento
para a outra parte (o aluno).

Diálogo Situação Inicial Método Objetivo


Escaramuça Inquietação emocional Ataque pessoal Atingir o outro

Debate Confronto forense Vitória verbal Impressionar o auditório


Persuasão (investigação Diferença de opinião Prova interna e externa Persuadir o outro
através da discussão crítica)
Negociação Diferença de interesses Barganha Ganho pessoal

Busca de informação Falta de informação Questionar Encontrar informação

Busca de ação Necessidade de agir Assuntos imperativos Produzir ação

Educacional Ignorância Ensinar Difundir conhecimento

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Estágios
Todo diálogo argumentativo pode ser dividido em quatro estágios, seja explícita ou
implicitamente.
Estágio inicial: onde é especificado o tipo de diálogo, e as regras são enunciadas.
Estágio de confrontação: onde é especificado e esclarecido o tema do diálogo.
Estágio de argumentação: onde cada parte emprega os meios para atingir ou contribuir
para atingir o objetivo do diálogo.
Estágio final: onde o objetivo do diálogo já foi atingido ou em que as partes concordam com
o fim do diálogo.
Entendamos algumas noções importantes:
Tese: a conclusão a ser provada pelas partes (cada uma terá a sua).
Tema: a união das duas teses em discussão.
Pauta: o conjunto de temas do diálogo.
Regras do diálogo
1. Não são permitidas tentativas injustificadas de modificar o tema.
2. Os deveres máximos do proponente são buscar provar a sua tese e cooperar com o dever
do oponente de provar a dele.
3. Imperativos só são permitidos quando se trata de cobrar do oponente ou mediador o
cumprimento das regras.
4. Argumentos, proposições, perguntas e respostas devem ser pertinentes ao tema, local ou
globalmente.
5. Todo debatedor tem o direito de fazer perguntas pertinentes.
6. Todo debatedor tem o dever de responder perguntas pertinentes.
7. Todo debatedor tem o direito de pedir explicações.
8. Todo debatedor tem o dever de fornecer explicações quando solicitadas.
9. Toda proposição implica em comprometimento por parte de quem afirma.
10. Quem afirma tem o ônus de provar sempre que houver discordância por parte do
oponente.
11. Todo comprometimento pode ser retratado, desde que não envolva contradição com
outros comprometimentos ou que seja resolvida.
12. O comprometimento por parte do proponente com a tese do oponente implica no
encerramento do debate, bem como o mútuo acordo.
13. Novas regras podem ser convencionadas antes ou no curso do debate.
14. Regras antes estabelecidas podem ser questionadas durante o debate.
15. É proibida a interrupção do proponente, exceto quando autorizado por ele.
16. É proibida a repetição despropositada dos mesmos pontos.

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CAPÍTULO 7

Como refutar: falácias


demonstrações negativas e
Constantemente se atrela a refutação com a habilidade de identificar falácias em
argumentos.
Mas refutar, na verdade, no seu sentido mais próprio, significa demonstrar que uma
conclusão é falsa
Refutação: uma demonstração negativa de que uma tese é falsa.
Menos especificamente, pode ser usado no sentido de mostrar que o argumento é inválido.
Estudaremos a refutação nos dois sentidos hoje.
Refutação de teses
A ideia é construir uma demonstração (um argumento), como qualquer outro, que seja
cogente, e que não prove a sua tese, mas refute a do seu adversário (às vezes a sua tese é a
contraditória do seu adversário, e você faz as duas coisas ao mesmo tempo).
Qualquer argumento pode ser usado para isso, mas vamos falar de três tipos principais,
especialmente dedicados a isto.
Redução ao absurdo: consiste em partir de uma tese como hipótese, e derivar dela alguma
espécie de contradição.
1. Hipótese: nenhuma proposição não científica é possivelmente verdadeira.
2. Apenas proposições falseáveis são científicas.
3. A proposição “Nenhuma proposição não científica é possivelmente verdadeira” não é
falseável.
Então,
4. A proposição “Nenhuma proposição não científica é possivelmente verdadeira” é não
científica.
Logo,
5. A proposição “Nenhuma proposição não científica é possivelmente verdadeira” não é
possivelmente verdadeira.

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Redução ao impossível: consiste em partir de uma tese como hipótese, e derivar dela
alguma espécie de falsidade.
1. Hipótese: o feminismo é verdadeiro.
2. Se o feminismo é verdadeiro, então a igualdade dos sexos é boa.
3. Mas tudo o que é bom é natural.
4. Disso se segue que a igualdade de sexos é natural.
5. E a igualdade dos sexos não é natural, visto que homem e mulher tem papéis inclusive
biológicos diferentes.
5. Logo, o feminismo não é verdadeiro.
Redução ao inconveniente: consiste em partir de uma tese como hipótese, e derivar dela algo
contra intuitivo (que contraria, por exemplo, o conhecimento comum).
1. Hipótese: a verdade é relativa.
2. Se a verdade é relativa, então toda proposição é verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
3. E se isso ocorre, então é verdadeiro e falso ao mesmo tempo que eu estou dizendo isso
neste momento.
4. Mas é contra intuitivo dizer isto.
Logo,
5. A verdade não pode ser relativa.
Essas três reduções são chamadas de demonstrações indiretas, porque não mostram
diretamente que uma tese é falsa, impossível, ou contra intuitiva, mas que implica em coisas
que são.
Refutação de argumentos
Mostrar, de alguma forma, que o argumento é inválido – as premissas não implicam na
conclusão. Mostrar que as premissas são falsas seria equivalente a uma refutação de tese.
Nisso sim, a melhor forma é identificar falácias no argumento.
Falácia: qualquer erro lógico cometido no curso de uma argumentação.
Essa nossa definição abrange tanto as falácias que ocorrem no curso do raciocínio sozinho,
quanto diante de outras pessoas. Assim há a divisão:
Falácia dialógica: todo erro argumentativo que surge do diálogo (não apenas NO diálogo,
visto que falácias monológicas podem perfeitamente ocorrer num diálogo).
Esse tipo de falácia, que pode ser chamada também de “falácias informais”, é todo aquele tipo
de erro que fere de alguma forma uma regra do diálogo (vimos na última aula)
Todos os apelos que você escuta só são falaciosos quando ferem alguma das regras
(irrelevantes, não são boas provas, obrigam o oponente a fazer algo, etc.)

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Vamos tratar de alguns:
Argumentum ad hominem: seu comunista! seu fascista! seu corrupto!
Ad populum: seu comunista! seu fascista! seu corrupto!
Ad verecundiam (argumento de autoridade ou apelo a modéstia): quem sou eu para dizer
em quem os outros devem votar!
Ad misericordiam: é só um ladrão de celular, que não teve oportunidade na vida! (num
debate sobre priorizar o combate à violência)
Ad baculum: você concorda com esta premissa? E agora?
Ad ignorantiam: não há prova de que as urnas foram fraudadas, então não foram.
Falácia monológica: erro argumentativo que não surge do diálogo (e que, por exclusão,
surge da argumentação individual).
- Falácia da homonímia
- Falácia da anfibolia
- Falácia da petição de princípio
- Falácia do acidente
- Falácia do a dictum secundum quid ad dictum simpliciter
- Falácia da causa falsa
- Falácia da ignorância da consequente

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